A DEFESA
DO
INTERESSE
PÚBLICO:
PRAZOS ESPECIAIS E RECURSO
NECESSÁRIO
1. Introdução
O tema proposto para estudo transita entre o direito processual e o direito
constitucional, já que os dispositivos do Código de Processo Civil que serão doravante
analisados deverão sê-lo sob a luz dos princípios constantes da Carta Política de 1988. É sob
este aspecto, em particular, que serão geradas as discussões, especialmente para tentar definir
até que ponto estariam sendo vulnerados os princípios da igualdade, do acesso à justiça (art.
5º da CF/88), da entrega de uma solução rápida do litígio (art. 125, inc II do CPC) e a defesa
do interesse público.
Torna-se oportuno, aqui, trazer à lembrança as palavras de SÉRGIO
FERRAZ que, em seu artigo “Privilégios processuais da Fazenda Pública e princípio da
isonomia”, publicado na Revista de Direito Público nº 53-54, ensina que “a estrutura do
Direito processual reflete o regime constitucional”, argumentando para tanto que “o processo
(...) surge como um instrumento afiançador da realização das garantias constitucionais.”
Aí está, portanto, a razão da proposta de análise dos artigos mencionados
em seguida.
2. As normas dos artigos 188 e 475 do Código de Processo Civil Brasileiro e disposições
assemelhadas encontradas em leis especiais.
As disposições acerca da concessão de prazo especial para a Fazenda
Pública e o Ministério Público já haviam sido estendidas às autarquias e fundações de direito
público, por força do disposto na Lei nº 9.469, de 10 de julho de 1.997. Há ainda julgados no
sentido de que também aos institutos de previdência caberá o prazo especial. Vejamos a
redação atual do art. 188 do Código de Processo Civil:
“Art. 188. Computar-se-á em quádruplo o prazo para contestar e em
dobro para recorrer quando a parte for a Fazenda Pública ou o Ministério
Público.”1
1
Artigo com redação original restabelecida, por força de liminar concedida, em 22 de abril de 1.999, na ADin nº
1.910-1
O art. 277 caput do CPC, em sua parte final, tratando do procedimento
sumário, dispõe que “sendo ré a Fazenda Pública, os prazos contar-se-ão em dobro”.
Além do prazo especial, previsto nos artigos mencionados, a lei
processual pátria traz outro privilégio às pessoas ali enumeradas, que é o chamado reexame
necessário. Diz o art. 475 do CPC, em sua redação atual, dada pela Lei nº 10.352, de 26 de
dezembro de 2.001:
“Art. 475. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito
senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença:
II – proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, e
as respectivas autarquias e fundações de direito público;
III – que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à
execução de dívida ativa da Fazenda Pública (art. 585, n. VI)
§ 1º. Nos casos previstos neste artigo, o juiz ordenará a remessa dos autos
ao tribunal, haja ou não apelação; não o fazendo, deverá o presidente do
tribunal avocá-los.
§ 2º. Não se aplica o disposto neste artigo sempre que a condenação, ou o
direito controvertido, for de valor certo não excedente a 60 (sessenta)
salários mínimos, bem como no caso de procedência dos embargos do
devedor na execução de dívida ativa do mesmo valor.
§ 3º. Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença
estiver fundada em jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal
Federal ou em súmula deste Tribunal ou do tribunal superior
competente.”
As leis especiais também trazem dispositivos assemelhados. No que
concerne ao reexame necessário da decisão proferida em primeira instância, a Lei do
Mandado de Segurança (Lei nº 1533/51) dispõe, em seu art. 12, que:
“Art. 12. Da sentença, negando ou concedendo o mandado, cabe
apelação.
Parágrafo único. A sentença que conceder o mandado, fica sujeita ao
duplo grau de jurisdição, podendo, entretanto, ser executada
provisoriamente.”
A Lei da Assistência Judiciária (Lei nº 1.060/50) traz disposição acerca
da concessão de prazo em dobro para o defensor público, em seu artigo 5º, § 5º., verbis:
“Art. 5º. (...)
§ 5º. Nos Estados onde a Assistência Judiciária seja organizada e por eles
mantida, o Defensor Público, ou quem exerça cargo equivalente, será
intimado pessoalmente de todos os atos do processo, em ambas as
instâncias, computando-se-lhes em dobro todos os prazos.”
E a Lei de Execução Fiscal (Lei nº 6830/80) dispõe, em seu art. 34,
caput, o seguinte:
“Art. 34. Das sentenças de primeira instância proferidas em execuções de
valor igual ou inferior a 50 (cinqüenta) Obrigações Reajustáveis do
Tesouro Nacional – ORTN só se admitirão embargos infringentes e de
declaração.”
Verifica-se, portanto, o cuidado do legislador no estabelecimento de
regras especiais no que concerne à resposta e recurso, quando a parte for a Fazenda Pública, o
Ministério Público (ainda quando este funcione no caso na condição de custos legis, como
tem sido reiteradamente decidido), ou quando hipossuficiente, cuja defesa estiver cometida a
defensor público, seja este detentor de cargo público ou particular que exerça função
equivalente.
3. Extensão do prazo especial às autarquias, fundações públicas e institutos de previdência.
No que concerne à precisão da linguagem dos artigos do CPC, temos que
o benefício do prazo especial foi estendido às autarquias, fundações públicas (Lei nº 9.469/97,
outorgando-lhes o mesmo benefício disposto nos arts. 188 e 475 do CPC), institutos de
previdência e Câmara dos Deputados (RT 638/94), não se aplicando, porém, às empresas
públicas e sociedades de economia mista.
O fato de não haver o legislador estendido tal benefício a estas últimas
pode ser compreendido se atentarmos para o que dispõe o art. 173, § 2º, da Constituição
Federal de 19882. O legislador constituinte não quis estender às empresas públicas e
sociedades de economia mista os privilégios fiscais que não pudessem ser concedidos às
empresas privadas, pois a criação desses dois entes paraestatais se dá nas excepcionais
hipóteses de atuação direta do Estado no domínio econômico, setor que é reservado à
iniciativa privada por força de princípios constitucionais. Por analogia, pode-se concluir que
se as empresas públicas e sociedades de economia mista não deveriam merecer privilégios
fiscais não extensíveis ao setor privado, tampouco deveriam contar com privilégios
processuais que a este também não pudessem ser oferecidos.
O artigo 188 do CPC teve sua redação modificada pela MP 1774-20, de
dezembro de 1988. Em janeiro de 1999, o conteúdo desta MP foi dividido entre as MPs 177421 e 1798, sem alteração da redação do artigo. Na reedição da MP 1798-5, de 02 de junho de
2
“Art. 173. (...) § 2º. As empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios
fiscais não extensivos às do setor privado.”
1999, não mais constava a modificação ao art. 188, restando, portanto, revigorada, a sua
redação anterior3.
4. Razões da existência de norma especial, no que concerne aos prazos.
4.1. Tradição no direito brasileiro e normas assemelhadas encontráveis em legislações
estrangeiras.
No Brasil, o art. da Lei de 11.9.1830 obrigava o juiz a conceder ao réu
preso o prazo de mais sessenta dias, para que pudesse preparar a sua defesa, o que foi mantido
no Regulamento 737, de 1850, em seu artigo 739, e repetido na Consolidação das leis do
Processo Civil. Com a Constituição da República de 24.2.1891, aos estados foi cometida a
tarefa de legislar sobre normas processuais, e alguns estados mantiveram o privilégio de prazo
concedido ao réu preso. A regra foi ampliada no código de 1939, concedendo ao réu preso
prazo em dobro para recorrer.
O prazo
especial
concedido
para a
Fazenda Pública surgiu,
primeiramente, em Minas Gerais, no artigo 32 do Código de Processo. A regra foi
posteriormente adotada pelo CPC de 1939, sendo estabelecido prazo em quádruplo para a
contestação e em dobro para recurso.
Em 1964, o Professor ALFREDO BUZAID apresentou ao Ministro da
Justiça Anteprojeto de reforma do Código de Processo Civil, no qual seriam extintos os
prazos especiais. Porém, em nome da tradição no direito brasileiro, a proposta foi rejeitada,
assim como as posteriores emendas apresentadas à Câmara dos Deputados.
Hoje, após várias Medidas Provisórias, o dispositivo que trata do prazo
especial àquelas pessoas foi mantido naquela redação trazida acima.
No direito comparado, disposições semelhantes são encontradas no CPC
português (art. 486, § 3º), no argentino (art. 338, 2ª parte), no colombiano (art. 119), e no da
Costa Rica (art. 209).
4.2. Defesa de interesses coletivos e supra-individuais.
3
Comentário ao art. 188, encontrado no Código Civil/Código de Processo Civil/Constituição Federal da Editora
Tanto a Fazenda Pública como o Ministério Público e, agora, as
autarquias e fundações mantidas pelo Poder Público, por força da lei, são responsáveis pela
gerência e administração de assuntos que respeitam ao interesse público. Aqueles que são
defensores do prazo especial afirmam que a Fazenda Pública e o Ministério Público, por
exemplo, representam no processo direitos públicos, de toda a coletividade, sendo, assim,
supra-individuais. Ademais, conforme lição de NELSON NERY JÚNIOR, “quem litiga
contra a Fazenda Pública ou o Ministério Público não está enfrentando o particular, mas o
próprio povo.
Há doutrinadores, no entanto, a exemplo de CÂNDIDO RANGEL
DINAMARCO4, que enxergam tal comportamento do legislador como resquício de uma “...
ditadura getuliana, de visíveis moldes fascistas, porque obsessivamente voltados à tutela do
Estado...”. Ressalta o autor, ainda, o pouco interesse que o tema desperta nos doutrinadores,
mostrando que são raros os que se manifestam contrários à justificativa apresentada pelo
legislador ordinário e ao entendimento esposado pelos tribunais e pelos autores em geral.
4.3. Aparelhamento funcional e volume de serviço.
Argumento utilizado pelo Senador ACIOLLY FILHO, relator dos
Projetos apresentados ao Senado para a modificação dos artigos, é o seguinte: “são inúmeras
as dificuldades, de todos conhecidas, da Administração Pública para aparelhar-se em tempo
para promover a sua defesa em juízo. A burocracia emperra a máquina administrativa. Daí a
necessidade de concessão de maiores prazos à Fazenda Pública ou ao Ministério Público para
contestação ou recurso”.
Tem razão, em parte, o ilustre relator-geral. No entanto, ressalva que se
faz é que, mais do que a gestão do interesse público, o Estado compromete-se com o
fornecimento de serviços básicos, com os quais se garante a estabilidade das relações sociais e
a efetividade do exercício dos direitos fundamentais do cidadão. Não deve ser atribuído a este
último o prejuízo resultante da carência funcional, que fatalmente redunda no excessivo
volume de serviço. Ademais, os argumentos segundo os quais a Fazenda Pública, o Ministério
Público, as autarquias e fundações públicas, por gerirem interesses coletivos, necessitam
Revista dos Tribunais, 2 ed., 1999
4
em sua obra “A reforma da reforma”, 2 ed., São Paulo : Malheiros, 2002.
desse prazo especial, limitam-se ao campo teórico, já que o que se vê, na prática, é a repetição
das petições, já gravadas em arquivos de computador, com a mesma estrutura, modificando-se
apenas o nome da parte litigante, sem que os procuradores dessas entidades se atenham à
análise acurada de cada caso que lhes é apresentado para a defesa ou impugnação.
5. O interesse público.
A Constituição Federal de 1988 menciona expressamente quais são os
princípios diretores da Administração Pública Direta, Indireta ou Fundacional, quais sejam, os
da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (art. 37, caput). Em
seguida, a Constituição do Estado de São Paulo, promulgada em 05 de outubro de 1989,
dispõe, em seu art. 111, que “a administração pública direta, indireta ou fundacional, de
qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação e interesse público” (sem
destaques no original).
Ao mencionar o interesse público, o que fez a Constituição Paulista foi
declarar de forma expressa um dos dois princípios fundamentais do direito administrativo já
que este, nos dizeres de DI PIETRO5, carrega uma bipolaridade. Razão disso é que à
Administração Pública cabe promover o equilíbrio entre “os direitos dos administrados e as
prerrogativas da Administração”. Assim sendo, seus princípios fundamentais são a legalidade
e a supremacia do interesse público sobre o particular. Este último, também chamado de
princípio da finalidade pública, liga-se de forma estreita à idéia de bem comum, como
veremos no item seguinte.
De qualquer forma, trata-se, o interesse público, de conceito jurídico
indeterminado, porque localizado dentro da esfera da discricionariedade administrativa.
Explica-se. A discricionariedade existe porque é impossível ao legislador prever todos os
aspectos dos atos objetos de sua atividade legislativa, no sentido de fixar-lhe toda e qualquer
diretiva. Assim sendo, a lei fixa elementos vinculados do ato, que respeitam à competência
daquele que o vai praticar, da forma como deverá ser executado e da sua finalidade. Tudo o
mais pertence à esfera de discricionariedade do agente.
5
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 5 ed., São Paulo : Atlas, 1995, p. 62.
No caso específico do interesse público, este não é perfeitamente
determinável. Na realidade, sua determinação pertence mais ao campo político, e não ao
legislativo. Por pertencer ao campo político e por encontrar-se dentro da esfera de
discricionariedade do agente administrativo, sua determinação comporta as mais variadas
interpretações. Assim, de acordo com a época, a sociedade, as necessidades que se
apresentam, esta ou aquela situação poderão apresentar-se como sendo de interesse público,
ou não. Caberá, portanto, ao agente, de forma discricionária (e não arbitrária), definir o seu
alcance.
5.1. O interesse público e o bem comum.
MARITAIN trata em sua obra Les droits de l'homme et la loi naturelle
das razões que levam as pessoas a reunirem-se em sociedade, inserindo, nesse estudo,
comentários acerca do bem comum.
Que o ser humano é gregário por natureza, disso não nos resta maiores
dúvidas. E assim é devido à procura pela satisfação de suas inúmeras necessidades vitais, as
quais não é capaz de suprir por si mesmo. Daí deriva a vontade de reunir-se, de associar-se a
seus pares. Essa vontade é uma vontade política, pois envolve a decisão de entregar parcela de
poderes de autodeterminação, autogestão e autotuela, que lhe são próprias, à autoridade
legítima, porque consentida, para que esta gerencie as suas necessidades e a dos demais
constituintes dessa sociedade.
Esse conceito de autoridade difere daquele descrito por Hobbes, porque a
lei que advém da autoridade não é absoluta, não assume aquele caráter divino segundo o qual
se torna incontestável, não restando aos cidadãos nada mais senão obedecê-la. A autoridade
de que se trata aqui se aproxima mais do conceito de Locke6, porque, como dito, a razão de
sua legitimidade reside no fato de que é uma autoridade reconhecida e consentida pelos
administrados, que a admitem porque lhes parece a melhor alternativa para verem promovida
6
"Os que estão unidos em um corpo, tendo lei comum estabelecida e judicatura - para a qual apelar - com
autoridade para decidir controvérsias e punir os ofensores, estão em sociedade civil uns com os outros. (...)
Sempre que, portanto, qualquer número de homens se reúne em uma sociedade de tal sorte que cada um
abandone o próprio poder executivo da lei da natureza, passando-o ao público, nesse caso e somente nele haverá
uma sociedade civil ou política. (...) E por este modo os homens deixam o estado de natureza para entrarem no
de comunidade, estabelecendo um juiz na Terra, com autoridade para resolver todas as controvérsias e reparar os
danos que atinjam a qualquer membro da comunidade." em "Segundo tratado sobre o governo", Abril Cultural,
1978, pp. 67-8
a manutenção do bem comum, ainda que com a utilização de alguma forma de repressão. Isto
porque, para a consecução do bem comum, não raras vezes faz-se mister o uso do poder de
polícia.
O bem comum7 possui três características essenciais, delineadas por
MARITAIN8:
1) ele é distributivo, pois se distribui entre as pessoas e ajuda se desenvolvimento. Aqui, fazse patente o caráter humanista do bem comum, já que é "...o próprio objetivo de uma
sociedade orientada para os princípios humanos, é o resultado prático da aplicação dos
Direitos Naturais"9;
2) ele é o fundamento da autoridade dentro de uma sociedade, porém é uma autoridade
dirigida a homens livres. Isto significa que o objetivo visado é, em última análise, o bem-estar
e a satisfação das necessidades de todos os participantes de uma sociedade, de forma o mais
igualitária possível, sendo que, para isso, deve-se saber quais dessas necessidades são
primordiais e devem ser supridas (porque ligadas diretamente ao interesse público, em geral),
e quais aquelas mais voltadas para a satisfação de interesses individuais, ainda que possam
parecer, à primeira vista, travestidas de necessidades públicas;
3) ele possui uma moralidade que lhe é intrínseca, a qual abrange a justiça e a retidão moral.
Em razão disso mesmo será afastado todo e qualquer ato político injusto e imoral, porque
vulnera o bem comum em si mesmo.
7
"La fin de la societé est le bien commun de celle-ci, le bien du corps social. Mais si on ne comprenait pas que
ce bien du corps social est un bien commun des personnes humaines, comme le corps social lui-même est un tout
de personnes humaines, cette formule, à son tour, conduirait à d'autres erreurs, de type étatiste ou collectiviste.
Le bien commun de la cité n'est ni la simple collection des biens privés, ni le bien proprie d'un tout qui (comme
l'espèce par example à l'égard des individus ou comme la ruche à l'égard des abeilles) rapport à soi seule et se
sacrifie les parties; c'est la bonne vie humaine de la multitude de personnes, c'est à dire de totalités à la foi
charnelles et spirituelles, et principalement spirituelles, bien qu'il leur arrive de vivre plus souvent dans la chair
que dans l'ésprit. La bien commun de la cité est la communion dans le bien-vivre; il est donc commun au tout et
aux parties, je dis aux parties comme étant elles-mêmes des touts, puisque la notion même de personne signifie
totalité; il est commun au tout et aux parties, sur lesquelles il se reverse et qui doivent bénéficier de lui. Sous
peine de se dénaturer lui-même, il implique et exige la reconaissance des droits fondamentaux des personnes (et
celle des droits de la societé familiale, òu les personnes sont engagées plus primitivement que dans la societé
politique); et il comporte lui-même comme valeur principale la plus haute accession possible (c'est-à-dire
compatible avec le bien du tout) des personnes à leur vie de personne et à leur liberté d'épanouissement, - et au
communications de bonté qui à leur tour en procèdent."
MARITAIN, Jacques et Raïssa. Oeuvres complètes, v. VII, Cercle d'Études Jacques et Raïssa Maritain, 1988, p.
623-24
8
op. cit., p. 624-25
9
MOREIRA, Edson Fábio Garutti, O humanismo e a burocracia no Brasil de hoje, Instituto Jacques Maritain
do Brasil, 1999, em www.maritain.org.br
Feitas tais considerações, mostra-se clara a relação que existe entre o
interesse público e o bem comum. Residem as dificuldades, conforme já assinalado, na
determinação exata das necessidades gerais que deverão ser supridas, já que, não raras vezes,
em virtude da própria estrutura social e governamental brasileiras, encontramos distorções no
conceito de interesse e necessidade públicos.
5.2. O interesse público e a isonomia.
O art. 5º da Constituição Federal de 1988 trata da igualdade de todos
perante a lei, no caput e no inciso I. Em juízo, da mesma forma deve-se preservar a igualdade
entre os litigantes, para que cada um possa defender seus interesses da melhor forma. E
também de maneira a evitar o cerceamento de defesa. Para tanto, o Código de Processo Civil
Brasileiro traz regra expressa no artigo 125, inc. I, determinando ao magistrado a direção do
processo assegurando às partes igualdade de tratamento.
Ora, se se entendesse de forma estrita a igualdade assegurada pela
Constituição Federal, ipsis literis, o que aconteceria, na verdade, seria um autêntico
desrespeito ao princípio da isonomia. Isto porque existirá eventualmente, entre os litigantes,
desigualdades de condições tão marcantes que, fosse assegurada a garantia da isonomia com
igualdade de armas e de condições, o princípio assinalado na Carta restaria inócuo. Daí
porque dar tratamento isonômico às partes significa tratar igualmente os iguais e
desigualmente os desiguais, na exata medida das suas desigualdades."10 Prova disso é o
Código de Defesa do Consumidor que, reconhecendo a hipossuficiência do consumidor, prevê
expressamente esse "tratamento desigual", na medida em que este último, em juízo, carece de
conhecimentos técnicos bastantes acerca dos conflitos resultantes das relações de consumo.
Então, para a consecução da justiça nas relações de consumo, o CDC prevê, por exemplo, a
inversão do ônus da prova (art. 6º, inc. VII).
Essa desigualdade é invocada para dar sustentação à constitucionalidade
das regras dos artigos 188 e 277 in fine do Código de Processo Civil, que tratam dos prazos
especiais concedidos à Fazenda Pública e ao Ministério Público. Assim, em virtude,
principalmente, da deficiência numérico-funcional, do volume de serviço cometido aos
10
NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na constituição federal. 4 ed. ver., aum. e atual., São
Paulo : Revista dos Tribunais, 1997, p. 40.
procuradores, e pela própria natureza dos interesses defendidos, estaria justificado esse prazo
especial, constante dos artigos enumerados.
Da mesma forma existe previsão expressa de concessão de prazo em
dobro ao defensor público, para a prática de qualquer ato processual, na Lei de Assistência
Judiciária (art. 5º, § 5º da Lei 1060/50). No entanto, apesar de ser dispositivo de lei, o que se
vê são acirradas discussões acerca da aplicação desse dispositivo aos advogados particulares
que são inscritos para a prestação de assistência jurídica à população carente, nos Estados
onde não foi implantada a Defensoria Pública. Ora, a assistência jurídica à população carente
é também assunto da órbita do interesse público, estreitamente ligada ao acesso à justiça que a
Constituição de 1988 trouxe aos cidadãos. No entanto, sendo a assistência prestada por
advogados particulares, argumenta-se que, por isso, restaria desconfigurada a necessidade do
prazo especial.
Cabe aqui uma ponderação. Um dos argumentos dos defensores do
cabimento da regra que dispõe sobre prazos especiais é que, ao procurador público e ao
ministério público não cabe a faculdade de escolha das causas a defender, ao contrário dos
advogados particulares, que poderiam, em razão da falta de tempo, do acúmulo de serviço, ou
mesmo por não ter interesse, recusar-se a patrocinar esta ou aquela causa. Ao que se dá a
seguinte resposta: aos advogados particulares inscritos para a prestação de assistência jurídica
tampouco é permitido, pelas regras do convênio firmado entre PGE/OAB recusar-se a
patrocinar causas, senão por motivo justificado. Afinal de contas, assumindo o compromisso
de atuar pela assistência jurídica, o advogado particular cumpre com isso um munus público;
consequentemente atua em defesa do interesse público – a lembrar que a Constituição Federal
assegura expressamente que o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que
comprovarem insuficiência de recursos (art. 5º, inc. LXXIV). Assim, se a decisão for pela
propriedade e pelo cabimento das regras processuais que concedem prazos especiais nos casos
enumerados, é mister a extensão da regra contida no art. 5º, § 5º da Lei 1060/50 aos
advogados prestadores de assistência jurídica aos financeiramente hipossuficientes.
Quanto à questão processual do reexame necessário, sua razão de ser
também reside na defesa do interesse público. No entanto, vemos que a regra pela qual a
decisão necessariamente é remetida à instância superior à do órgão prolator vem sendo
mitigada. Tome-se como exemplo os dispositivos constantes da Lei Orgânica da Advocacia-
Geral da União, bem como do Instituto nacional do Seguro Social, que permitem a renúncia
ao recurso em casos nos quais as decisões já estão pacificadas. Razão disso é a
conscientização de que, muitas vezes, os recursos sobem à instância superior sem a menor
condição de procedibilidade e admissibilidade. Isso representa gastos com pessoal e com
material, o acúmulo de serviço e a pletora nos tribunais e contribui para o crescimento dos
débitos.
Assim, de que forma se pode argumentar que o reexame necessário deve
ser adotado de forma absoluta, sendo que há normas que prevêem a sua exclusão, em nome da
defesa do interesse público? O erário público periclitará mais com a insistência na subida do
recurso, manifestamente inócuo, pelos gastos que isso representa, bem como pelo
malferimento à efetividade judicial.
Essa orientação agora foi adotada pelo Código de Processo Civil na
última reforma, trazida pela Lei nº 10.352/2001, que exclui a obrigatoriedade do reexame
necessário nos parágrafos segundo e terceiro do artigo 475.
Assim, embora o legislador tenha incluído na lei processual dispositivo
acerca da concessão de prazo especial às pessoas ali enumeradas, em teoria, os argumentos
dos que são simpáticos às suas razões, procedem. Dificuldades materiais, carência funcional,
grande volume de serviços, defesa do interesse público, são argumentos válidos. No entanto,
como dito no início, as dificuldades materiais e o volume de serviço são argumentos que dão à
questão caráter meramente acadêmico, pois sabemos que, na verdade, o que se vê nos foros
são repetições de peças montadas em computador, sem análise caso a caso. Da carência
funcional também já foi tratado e, faz-se conveniente repetir, não é ao cidadão que deve ser
cometido o ônus da inefetividade da Justiça, submetendo-o à espera prolongada para ver
reconhecido judicialmente interesse seu que já é legalmente reconhecido.
Ademais, CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO11, o já mencionado
crítico desse comportamento, enxerga-o como uma verdadeira afronta ao princípio
constitucional da isonomia. Com efeito, assevera:
“A par da marca do Estado autoritário em que foi gerada, essa linha peca
pelo confronto com a garantia constitucional da isonomia, ao erigir o
Estado em uma superparte (a) com maiores oportunidades de vitória que
seus adversários na causa e (b) com maiores oportunidades nos processos
11
Em sua obra já mencionada, p. 128
em geral, do que outros entes igualmente ligados ao interesse público,
posto que não estatais (pequenas fundações, sociedades beneficentes,
Santas Casas de Misericórdia etc). Infelizmente, um prestigioso tribunal
já sumulou a teses de que ‘o art. 475, inc. II do Código de Processo Civil
foi recepcionado pela vigente Constituição Federal’ (Súmula 10 TRF-3ª
Reg.).”
E no que respeita ao interesse público, esta é a parte mais complicada do
problema. Figurando o interesse público dentro da esfera de discricionariedade administrativa,
mas sendo a supremacia do interesse público princípio basilar da administração pública e a
consecução do bem comum garantia de ordem constitucional, remete-se a decisão à esfera
judicial, e o que teremos será uma decisão que trata da resolução de conflito entre princípios,
mais do que entre regras, e esse item será tratado mais adiante.
5.3. O interesse público e o acesso à justiça.
Nesse ponto, pedimos vênia para adotar a lição trazida por
12
CAPPELLETTI , que tratou com tanta propriedade do tema. O autor localiza o acesso à
justiça entre os direitos humanos mais básicos, dentro de um sistema jurídico moderno, que
respeita a igualdade e que garanta o efetivo exercício dos direitos. Novamente lembramos
que o acesso à justiça tem guarida na Constituição Federal, no art. 5º que, para torná-la
efetiva, previu a utilização de mecanismos tais como a defesa do consumidor (inc. XXXII), a
inafastabilidade da apreciação do Poder Judiciário de lesão ou ameaça a direito (inc. XXXV),
a garantia do contraditório e da ampla defesa aos litigantes (inc. LV), a propositura de ação
privada nos crimes de ação pública quando esta não for intentada no prazo legal (inc. LIX), o
mandado de segurança (inc. LXIX), o mandado de injunção (inc. LXXI), assistência jurídica
integral (inc. LXXIV), o habeas data e o habeas corpus gratuitos (inc. LXXVII).
Afirma o autor em seu livro que“... o direito ao acesso efetivo tem sido
progressivamente reconhecido como sendo de importância capital entre os novos direitos
individuais e sociais, uma vez que a titularidade de direitos é destituída de sentido, na
ausência de mecanismos para sua efetiva reivindicação.”13.
O autor reconhece, ainda, que a existência de disparidades no tratamento
processual das partes em litígio, o que vulnera de forma inconteste o acesso à justiça. Nesse
12
13
CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à justiça. Trad. de Ellen Gracie Northfleet, Porto Alegre : Fabris, 1988.
Op. cit. pp. 11-12
sentido, “o enfoque sobre o acesso – o modo pelo qual os direitos se tornam efetivos –
também caracteriza crescentemente o estudo do moderno processo civil. A discussão teórica,
por exemplo, das várias regras do processo civil e de como elas podem ser manipuladas em
várias situações hipotéticas pode ser instrutiva, mas, sob essas condições neutras, costuma
ocultar o modelo freqüentemente irreal de duas (ou mais) partes em igualdade de condições
perante a corte, limitadas apenas pelos argumentos jurídicos que os advogados possam
alinhar.” E continua, dizendo que “os juristas precisam, agora, reconhecer que as técnicas
processuais servem a funções sociais.”
Para tanto, combate a idéia limitada de que a ciência do direito se basta:
os operadores devem instruir-se em questões de fundo filosófico, sociológico, psicológico,
pois, afinal, o direito é uma ciência humana, que para que bem funcione, exige o
conhecimento das condutas e reações humanas em cada caso, o comportamento social nas
mais variadas situações e, é claro, o interesse social, público, que vigora naquele exato
momento em que o direito está sendo aplicado.
O acesso à justiça já teve seu reconhecimento como direito humano
fundamental numa sociedade. Sua relação estreita com o atendimento do interesse público e a
satisfação do bem comum também não deixa dúvidas. Da mesma forma não resta dúvidas de
que o processo serve à consecução dos objetivos colocados na Constituição Federal e, na
medida em que as normas procedimentais mais comprometam do que promovam o exercício e
o alcance dos direitos, devem ser repensadas e, após análise e constatação dos interesses
sociais que estão sendo desatendidos, devem ser modificadas.
5.4. O interesse público e a efetividade da justiça.
A partir do momento em que se estabeleceu que a autotutela não mais era
admitida, e a defesa dos interesses foi entregue ao Poder Judiciário, uma das maiores
preocupações – senão a maior – surgidas entre os advogados, os juristas, e na sociedade em
geral, é a questão relativa à efetiva aplicação da justiça nos casos levados a Juízo. Em nome
da efetividade da justiça foram adotados mecanismos como, por exemplo, os arts. 273 e 461
do CPC. O primeiro trata da chamada tutela antecipada, e o segundo, da tutela específica nas
obrigações de fazer e não fazer. Outros, como a Lei de Arbitragem (Lei 9307/96) e a Lei que
disciplinou os Juizados Especiais Cíveis e Criminais também tiveram como motivação, entre
outras, a promoção de uma justiça mais rápida e efetiva.
No entanto, a despeito dos esforços dispendidos pelos legisladores e
doutrinadores em geral, temos que a justiça brasileira não é efetiva, na medida em que ainda
não é capaz de entregar o direito ao seu detentor dentro de um espaço de tempo pequeno e sob
um baixo custo. A questão custos processuais não será tratado neste momento. A questão
tempo, por outro lado, tem estreita ligação com o objeto do presente estudo.
É patente, nos meios jurídicos, que o que ocorreu nos últimos tempos foi
uma ordinarização dos processos, conforme expressão cunhada por OVÍDIO BAPTISTA DA
SILVA14. Em vista disso, as ações judiciais percorrem um caminho longo, até a decisão final,
dentro do processo de conhecimento e, não fosse isso suficiente, o vencedor da demanda é
submetido a outra longa espera porque, na maior parte das vezes, inocorre o adimplemento
voluntário da obrigação reconhecida em sentença, devendo lançar mão do também demorado
processo de execução. Esta é uma apertada síntese daquilo que ocorre no cotidiano forense,
com raríssimas exceções, e esse caminho a ser percorrido leva anos ou, muitas vezes, chega a
décadas.
Disso resulta o atual descrédito da sociedade na justiça, o que leva a
parte, com freqüência, a desistir de parte daquilo que pleiteia, sendo "vencida pelo cansaço",
como forma de abreviar o seu padecimento. Tal situação é claramente traduzida na infeliz
expressão, comum nos meios forenses, de que, no mais das vezes, "é preferível um mau
acordo a uma boa demanda", já que, vencido pelo cansaço, o litigante "vitorioso" vê-se
praticamente "obrigado" a "engolir" uma proposta reduzida, no meio do caminho, porque
premido pelas necessidades do momento (de dinheiro, de alívio), não lhe restando mais ânimo
para investir tempo e recursos na longa caminhada processual.
Quando o litigante é um daqueles enumerados nos arts. 188, 277 e 475 do
CPC, a parte já tem consciência, ab initio, de que além de um longo caminho que tem pela
frente para percorrer, ao ver reconhecido o seu direito, este lhe será entregue sob a execrável
forma de precatórios, sendo certo, neste ponto, que o estado poderá aplicar-lhe o "calote" sem
que com isso venha a sofrer qualquer conseqüência.
14
in “Curso de processo civil: processo de conhecimento”, v. 1, São Paulo : Revista dos Tribunais, 2000, pp.
120-125
Ou seja, mais uma vez, em nome da defesa do interesse público,
paradoxalmente é o próprio interesse público que sofre duros golpes. Porque uma justiça
inefetiva, que causa o descrédito na prestação jurisdicional, que se traduz em gastos vultosos
para a manutenção da máquina funcional que dê conta da defesa do Estado em juízo, que
assoberba os tribunais de recursos onde são combatidas teses há muito ultrapassadas, e que
deixa de entregar ao cidadão aquilo que, muitas vezes, a lei mesma diz que lhe cabe, na
realidade, é um "tiro no próprio pé".
5.5. O interesse público e os recursos ex officio.
O Código de Processo Civil Brasileiro dispõe, no art. 475, que:
“Art. 475. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito
senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença:
II – proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, e
as respectivas autarquias e fundações de direito público;
III – que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à
execução de dívida ativa da Fazenda Pública (art. 585, n. VI)
§ 1º. Nos casos previstos neste artigo, o juiz ordenará a remessa dos autos
ao tribunal, haja ou não apelação; não o fazendo, deverá o presidente do
tribunal avocá-los.
§ 2º. Não se aplica o disposto neste artigo sempre que a condenação, ou o
direito controvertido, for de valor certo não excedente a 60 (sessenta)
salários mínimos, bem como no caso de procedência dos embargos do
devedor na execução de dívida ativa do mesmo valor.
§ 3º. Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença
estiver fundada em jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal
Federal ou em súmula deste Tribunal ou do tribunal superior
competente.”
Disposições assemelhadas, tratando da obrigatoriedade de confirmação
da sentença pelo tribunal, são encontradas no art. 12 da Lei 1533/51 (Mandado de Segurança),
cujo parágrafo único dispõe sobre o reexame necessário da sentença que concede o mandado,
e no art.34, caput, da Lei n 6830/80 (Execução Fiscal), que limita a admissibilidade de
recurso, em execuções de valor igual ou inferior a 50 ORTN, às hipóteses de embargos
infringentes e de declaração. Da mesma forma, ainda, os dispositivos contidos na Lei nº
2.664/55 (dispõe sobre ações judiciais decorrentes de atos das Mesas das Câmaras do
Congresso Nacional e da Presidência dos Tribunais Federais – art. 1º, § 2º), na Lei 6.739/79
(dispõe sobre a matrícula e o registro de imóveis rurais e dá outras providências – art. 3º, par.
Ún.), e Lei nº 8.437/92 (em processo cautelar, com sentença proferida contra pessoa jurídica
de direito público ou seus agentes – art. 3º).
Por força da promulgação da Lei nº 10.352, o art. 475 do CPC, inc. I,
teve em sua redação incluídas expressamente as autarquias e fundações de direito público da
União, dos Estados, do Distrito Federal e do Município, reiterando o que antes já dispunha a
Lei nº 9.469, de 10 de julho de 1997.
Foi retirada da redação do art. 475 o antigo inciso I, que impunha o
reexame necessário das sentenças que anulavam o casamento. Tal regra teve origem na época
de entrada em vigor do Código, em 1973. Naquela época, inexistia o divórcio, aprovado
posteriormente, em 1977 (Lei 6.515/77), que tem o condão de dissolver o vínculo conjugal.
Quando o casal se separava, fazia-o através do desquite, que hoje corresponderia à separação
judicial. Destarte, naquela época, a única forma de dissolução do vínculo conjugal era através
do pedido de anulação do casamento. Assim, o reexame necessário das sentenças que anulam
o casamento encontram aí a sua justificativa, pois servia como uma forma de proteção do
interesse público, na preservação da família formada pelo casamento, para evitar que
eventuais fraudes pudessem levar ao desfazimento do vínculo nascido do matrimônio.
Suprimido o antigo inciso I, nos casos dos atuais incisos do art. 475, o
reexame necessário é estabelecido em benefício das pessoas jurídicas de direito público.
Aliás, sequer se trata, o reexame necessário ou a remessa ex officio (denominação dada pelo
TFR) de recurso. Senão, vejamos:
“O princípio ‘tantum devolutum quantum appellatum’ não inibe a
apreciação das demais questões quando processo sobe ao órgão ‘ad
quem’, por força, inclusive, de remessa ‘ex officio’ que,
indubitavelmente, não é recurso e, sim, obrigatoriedade imposta ao
magistrado de submeter ao duplo grau de jurisdição o ‘decisum’
proferido” (RSTJ 6/59 – sem destaques no original).
Da mesma maneira, aplica-se aos dispositivos contidos nas leis especiais
e já mencionados.
Merece comentário a atual redação dos incisos do art. 475 do CPC. O
inciso I, em sua redação atual, incluiu, nas hipóteses de obrigatoriedade do reexame
necessário, o Distrito Federal e as pessoas jurídicas de direito público integrantes da
administração descentralizada da União, dos Estados do Distrito Federal e dos Municípios.
Em resumo, o que pretende o atual inciso I é submeter ao reexame necessário as sentenças
proferidas contra a Fazenda Pública, abrangendo apenas as pessoas jurídicas de direito
público, excluindo-se as pessoas jurídicas de direito privado, ainda que paraestatais (empresas
públicas e sociedades de economia mista).
No que concerne à nova redação do inciso II, o legislador substituiu os
termos “sentença que julgar improcedente a execução de dívida ativa” por “sentença que
julgar procedentes os embargos à execução de dívida ativa”. A respeito disso, ensina
CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO15:
“No dizer da justificativa do projeto, trata-se de mero aperfeiçoamento
redacional, porque seria impróprio falar em improcedência da execução
(“procedentes ou improcedentes serão sempre os embargos do executado,
não a execução propriamente dita”). Mas a sentença que julga
procedentes os embargos de mérito opostos à execução está a julgar
improcedente a demanda do exeqüente, ou seja, a julgar improcedente a
própria execução; a Comissão deve ter partido do falso pressuposto de
que inexiste mérito no processo executivo, talvez iludida pelo fato de o
mérito desse processo (ou seja, a pretensão deduzida pelo exeqüente) não
ser julgado ali mas no processo dos embargos.”
De qualquer forma, vê-se que a intenção do legislador foi prestigiar o
princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado, vez que nas decisões
proferidas contra a União, o Estado, o Município e, agora, as autarquias e fundações públicas,
o resultado é desfavorável, em primeira análise, ao interesse público, do qual cuidam essas
entidades. Tanto é assim que há súmula do STJ onde se vê ser inadmissível a reformatio in
pejus em face da Fazenda Pública16.
Procede essa argumentação. No entanto, a crítica que se faz é à sua
aplicação de maneira absoluta. Senão, vejamos: há casos vários, tratando especialmente de
matéria tributária e previdenciária, nos quais as decisões já se encontram pacificadas nos
tribunais e que, no entanto, por força do reexame necessário disposto na lei processual e nas
leis especiais, novamente serão reapreciadas. E novamente somos remetidos ao conflito
existente entre a defesa do interesse público, na remessa ex officio e a defesa do interesse
público na entrega de uma justiça rápida, justa, eficaz e ao menor custo, com o mínimo de
desgaste.
15
p. 130
Súmula 45 do STJ: “No reexame necessário, é defeso, ao Tribunal, agravar a condenação imposta à Fazenda
Pública.
16
Ademais, a própria Lei nº 9.469/97, já mencionada, cuidou de prever a
possibilidade de afastar a obrigatoriedade da propositura de ações e da interposição de
recursos, bem como da realização de acordos, dependendo do valor discutido em Juízo17, ou
quando a controvérsia estiver sendo iterativamente decidida pelo STF ou pelos Tribunais
Superiores18.
Obviamente, haverá sentenças, mormente as prolatadas em casos novos,
que desafiarão a reapreciação da matéria pelo Tribunal ad quem. No entanto, não podemos
nos esquecer que, naqueles casos reiterados, cujo mesmo teor é submetido dia após dia aos
Tribunais superiores, o reexame necessário se mostra inócuo, senão até perigoso. Não custa
mencionar de novo o custo da manutenção do litígio, para ambas as partes - mais ainda para o
Estado -, o desgaste pessoal e funcional, o descrédito. Sem falar que, em matéria
previdenciária, em casos onde, não raro a parte requerente tem idade avançada, a resolução
final do litígio, nos casos onde seja vitoriosa, será entregue, não àquele que propôs a ação,
mas aos seus herdeiros e sucessores... Em matéria tributária, então, perante a atual conjuntura
econômica que aflige o setor, as empresas precisam dispor de seu capital para investir em
aquisição e implementação de material e de tecnologia, contratação de pessoal, pagamento de
despesas; às vezes, ainda, necessitam de uma Certidão Negativa de Débito que, ante um
17
Lei nº 9469/97. "Art. 1º. O Advogado-Geral da União e os dirigentes máximos das autarquias, das fundações
e das empresas públicas federais poderão autorizar a realização de acordos ou transações, em juízo, para terminar
o litígio, nas causas de valor até R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), a não-propositura de ações e a nãointerposição de recursos, assim como o requerimento de extinção das ações em curso ou de desistência dos
respectivos recursos judiciais, para a cobrança de créditos, atualizados, de valor igual ou inferior a R$ 1.000,00
(um mil reais), em que interessadas essas entidades na qualidade de autoras, rés, assistentes ou opoentes, nas
condições aqui estabelecidas."
§ 1º. Quando as causas envolverem valores superiores ao limite fixado no caput, o acordo ou a transação, sob
pena de nulidade, dependerá de prévia e expressa autorização do Ministro de Estado ou do titular da Secretaria
da Presidência da República a cuja área de competência estiver afeto o assunto, no caso da União, ou da
autoridade máxima da autarquia, da fundação ou da empresa pública.
§ 2º. Não se aplica o disposto neste artigo às causas relativas ao patrimônio imobiliário da União."
"Art. 2º. O Advogado-Geral da União e os dirigentes máximos das autarquias, fundações ou empresas públicas
federais poderão autorizar a realização de acordos, homologáveis pelo Juízo, nos autos dos processo ajuizados
por essas entidades, para o pagamento de débitos de valores não superiores a R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais),
em parcelas mensais sucessivas até o máximo de trinta."
(...)
"Art. 3º. As autoridades indicadas no caput do art. 1º poderão concordar com pedido de desistência da ação, nas
causas de quaisquer valores desde que o autor renuncie expressamente ao direito sobre o que se funda a ação
(art. 269, inciso V, do Código de Processo Civil)."
18
"Art. Não havendo Súmula da Advocacia-Geral da União (arts. 4º, inciso XII, e 43, da Lei Complementar nº
73, de 1993, o Advogado-Geral da União poderá dispensar a propositura de ações ou a interposição de recursos
judiciais quando a controvérsia jurídica estiver sendo iterativamente decidida pelo Supremo Tribunal Superior ou
pelos Tribunais Superiores."
processo pendente, não raras vezes, não pode ser expedida, a demora processual causa
inafastável temor.
Não é de todo execrável a idéia de se submeter a lide às instâncias
processuais superiores, quando está em jogo o interesse público. Porém, certo seria que tal se
desse através da interposição efetiva de recurso ou, caso se entenda pela preservação da
chamada remessa ex officio, que ela se restrinja às causas cujo assunto ainda não estiver
pacificado, e onde não haja o periculum in mora, capaz de vulnerar o exercício efetivo dos
direitos e trazer prejuízos irreparáveis à parte vencedora. E se é verdade que o reexame
necessário serve também para suprir uma falha funcional, na medida em que os Procuradores
daqueles entes não contam com tempo bastante para promover uma defesa apropriada, em
todas as instâncias, que seja então aumentado o número de funcionários públicos prestadores
de tal função – e não, repita-se, entregar o ônus da demora ao cidadão que procura a justiça.
Certamente, os gastos que representaria o alargamento do quadro de procuradores públicos
não será maior do que aqueles destinados à manutenção, "ad aeternum", de lides
insubsistentes.
6. Princípios e regras no direito constitucional.
Em vista do que foi trazido até agora no bojo deste estudo, faz-se
oportuno deter a atenção sobre o funcionamento e a convivência entre os princípios e as
regras no direito constitucional pátrio. JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO19, renomado
constitucionalista lusitano, traz em sua obra primoroso estudo acerca do sistema jurídico
português, que se apresenta como um "sistema aberto de regras e princípios", em que muito se
identifica com o sistema brasileiro. Estabelecida, neste aspecto, a identidade entre os sistemas
português e brasileiro, faz-se necessário esclarecer em que constituem as regras e os
princípios, em que diferem e como serão resolvidos os conflitos surgidos entre um e outro, na
apreciação de um caso real.
Para o autor, tanto as regras quanto os princípios são espécies do gênero
norma. Diferem, no entanto, no que concerne ao grau de abstração (mais elevado, em se
tratando de princípios; menos elevado, em se tratando de regras), ao grau de
determinabilidade (maior nas regras, que podem ser aplicadas de forma direta, do que nos
princípios que, por possuírem conteúdo mais vago, "carecem de mediações concretizadoras"),
ao caráter de fundamentalidade no sistema das fontes do direito (já que os princípios
encontram-se em posição hierárquica preponderante, dentro dos sistemas jurídicos estudados,
exercendo uma função estruturante), à proximidade da idéia de direito (em que os princípios
se encontram mais próximos do direito natural e do ideal de justiça, do que as regras, que
podem ser "normas vinculatvas com um conteúdo meramente funcional") e à sua natureza
normogenética (sendo os princípios entendidos como fundamentos das regras).
Conforme adverte o autor, a distinção entre princípios e regras é tarefa
complexa e, devido a essa complexidade, não é raro confrontar-se com a dificuldade de se
determinar em que esfera ocorrem os conflitos que sã submetidos à apreciação do Poder
Judiciário. Deve-se ter em mente, ao analisar o caso concreto, a preocupação pela detecção
dos conflitos que eventualmente ocorram entre regras, entre princípios, ou entre regras e
princípios. Isto porque, conforme o caso, como veremos a seguir, as conseqüências serão
diversas em uma e em outra situação.
6.1. Conflitos entre regras.
Feitas as distinções entre regras e princípios, ainda que de maneira
superficial, passa-se, em primeiro lugar, à análise daquilo que ocorre quando suscitado um
conflito entre as regras que serão eventualmente aplicadas em um determinado caso concreto.
Em virtude, principalmente, de seu reduzido grau de abstração e de sua
maior determinabilidade, se comparadas aos princípios, as regras são "normalmente aplicadas
de forma peremptória, num "tudo-ou-nada". Dados os fatos, as regras devem ser aplicadas de
forma implacável, consideradas as exceções por elas próprias estabelecidas."20Ou seja: em
havendo conflitos entre as regras, apenas uma delas poderá ser efetivamente ao caso concreto,
excluindo-se a outra regra, seja em virtude de sua posição hierarquicamente superior, seja
porque norma superior assim o determina.
6.2. Conflitos entre princípios.
19
20
"Direito constitucional e teoria da constituição", pp. 1033 e ss.
Oscar Vilhena Vieira, "A constituição e sua reserva de justiça", p. 198
De forma diversa será tratado o conflito entre princípios. Estes, por
refletirem normas de caráter moral, e dada a sua maior proximidade ao direito natural e ao
ideal de justiça, bem como pela sua menor determinabilidade e grau de abstração mais
elevado, não se aplica a eles a lógica do "tudo-ou-nada" de Dworkin. A convivência dos
princípios é conflitual (Zagrebelsky) e não antinômica, como ocorre com as regras. Isso quer
dizer que os princípios podem coexistir, ainda que em conflito, ao contrário das regras, que,
em conflito, excluem-se.
Destarte, os princípios "podem ser objeto de ponderação e concordância
prática, consoante o seu "peso" e as características do caso"21. São eles "normas jurídicas
impositivas de uma optimização"22, que permitem o balanceamento de valores e interesses.
Funcionam assim como um direcionador, informando ao agente o melhor caminho a ser
tomado, em direção a uma decisão para o caso que lhe é submetido à apreciação.
É exatamente neste aspecto que se localiza a discricionariedade do
agente. Esta não tem o condão de submeter a decisão aos preconceitos e ideologias pessoais
daquele que irá proferir a decisão, mas oferecer-lhe, dentro do próprio ordenamento jurídico,
uma série de subsídios que permitirão decidir da forma mais acertada. Entre esses subsídios
encontram-se os princípios.
6.3. Conflitos entre regras e princípios
Há ainda que se considerar a ocorrência de conflitos entre regras e
princípios, mormente levando-se em conta a complexidade da tarefa de distinguir princípios e
regras. Neste aspecto, casos haverá em que o dispositivo jurídico analisado poderá ser
entendido, quer como regra, quer como princípio, cabendo ao magistrado estabelecer o
critério de distinção utilizado.
Na hipótese de colidência entre a regra a ser aplicada e um princípio,
deve-se perquirir, em primeiro lugar, a possibilidade de se considerar o espaço de aplicação
do princípio. Em seguida, deve-se analisar a função do princípio no caso em análise. Tem ele
caráter informativo? Presta-se apenas a um exercício de retórica? Ou tem, o princípio, caráter
21
22
Canotilho, op. Cit.
Idem
fundante? Trata-se, na verdade, de instrumento assecuratório de direitos, liberdades ou
garantias?
Ao constatar-se que o princípio tem peso meramente argumentativo,
funcionando como as obter dicta, sua aplicação será mais restrita. Poderá, destarte, se aplicado
de maneira a reforçar a fundamentação da decisão, mas seu "peso específico" não o fará
determinante.
Por outro lado, constatando-se que o princípio é uma norma fundante, ou
sendo ele assecuratório de direitos, liberdades e garantias, terá ele aplicabilidade direta e, se
for o caso, até mesmo contra a lei17. No que respeita aos direitos fundamentais, por exemplo,
conforme lição de Canotilho, sua aplicação implica a "inconstitucionalidade de todas as leis
pré-constitucionais contrárias às normas da constituição consagradoras e garantidoras de
direitos, liberdades e garantias ou direitos de natureza análoga" e implica também a
"inconstitucionalidade superveniente das normas pré-constitucionais" em contradição com
tais direitos garantidos pelos princípios.
7. Conclusões.
De tudo o que foi objeto do presente estudo, buscou-se fazer uma análise
crítica das normas processuais que garantem a concessão de prazo especial às pessoas
elencadas nos artigos mencionados, bem como àquelas que dispõem acerca do chamado
"recurso ex officio". Especialmente no que diz respeito ao assunto tratado no último tópico,
das regras e dos princípios no sistema jurídico nacional e do resultado dos conflitos entre
essas normas, temos a salientar que a discussão acerca da força determinante da lei e do peso
específico dos princípios na legislação pátria ainda é objeto de discussões acadêmicas. Tal se
deve ao fato de a sociedade viver regida por um sistema de contornos notadamente
positivistas mas que, aos poucos, começa a absorver certas diretivas apregoadas pelos
defensores preocupados com a noção de justiça. de direito natural, de consagração da proteção
às necessidades humanas.
Entre as garantias outorgadas ao cidadão, previstas na legislação
constitucional e regulamentada pelas leis infraconstitucionais, a que recebeu maior enfoque
17
Canotilho, op. Cit.
foi a questão do acesso à justiça. Por tratar-se de direito e garantia fundamental assegurada ao
cidadão, inscrita no art. 5º da CP/88, observa-se que é assunto que respeita ao próprio
interesse público e ao bem comum. No entanto, tal garantia vem sendo reiteradamente
violada, em nome do próprio interesse público, porém aquele gerido pela Administração
Pública Direta e Indireta, o que resulta na morosidade e inefetividade processuais,
contribuindo para o descrédito na própria justiça. Talvez isso se deva ao desconhecimento
generalizado e à falta de discernimento daquilo que se encaixa no conceito de bem comum,
por parte das autoridades administrativas e dos operadores do direito.
Mais ainda: considerando-se a preponderância da mentalidade positivista
no ordenamento jurídico pátrio, a tendência ainda é privilegiar-se a aplicação direta das
regras, em detrimento de princípios que, muitas vezes, não têm somente peso argumentativo,
e sim uma posição até mesmo fundante da norma que incide no caso em questão. Daí a
importância de se conhecer, a fundo, a lição prestada pelos constitucionalistas de renome, que
traçam com competência as características distintivas das regras e dos princípios, e que
advertem para o espaço do exercício da discricionariedade administrativa.
As críticas encontradas no bojo deste estudo convidam a uma abordagem
mais humanista do interesse público, do bem comum e do acesso à justiça, apelando para uma
reflexão despida de preconceitos fundados nos ditamos exclusivamente positivistas que ainda
marcam as últimas gerações de agentes do direito. Para tanto, não basta conhecer o direito dos
códigos. Insta procurar e interessar-se pela filosofia, pela história e formação do Estado como
sociedade organizada, pelo interesse crescente por tudo aquilo que respeita aos direitos
chamados supra-individuais, difusos e coletivos, e por outros tantos ramos da ciência que,
tendo como objeto de estudo o homem e seu comportamento, tanto auxiliam na prestação de
uma justiça rápida, acessível e verdadeiramente eficaz.
Ponderações importantes são no sentido de que se, por um lado, é certo
que os dispositivos legais retro mencionados encontram sua razão de ser na defesa de um
interesse do grupo social, não podendo ser, portanto, meramente afastados de plano, de outra
parte temos que, no que concerne ao recurso necessário e ais prazos especiais, em
determinados casos, esse interesse inscreve-se no campo da discricionariedade. Tanto é assim
que o próprio Poder Legislativo vem envidando esforços no sentido de afastar a propositura
de uma ação flagrantemente destinada ao fracasso, bem como a insistência em recursos
manifestamente inadmissíveis.
Ou seja, o próprio poder público já reconheceu o caráter relativo do
chamado interesse público em algumas situações. É clara a tendência a u'a maior promoção
do bem comum, desgarrando-se o legislador do aspecto meramente técnico que vinha, até
recentemente, orientando suas ações.
Há uma crescente preocupação com o atendimento de necessidades mais
aproximadas dos direitos das pessoas e dos direitos naturais, que fez com que o acesso a uma
justiça melhor se tornasse meta a ser atingida. Tudo isso provocou uma iniciativa de reforma
do Poder Judiciário Brasileiro, em vários aspectos, principalmente na busca de uma justiça
ágil e eficaz. Neste, em particular, importante mencionar o Substitutivo apresentado pela
Relatora ZULAIÊ COBRA23, cujo art. 1º prevê a inserção do inciso LXXVIII ao art. 5º da
CF/8824.
Além disso, tem-se cogitado a adoção da súmula vinculante, o que
representaria inegável avanço, vez que a existência de precedentes de observância obrigatória
constituiria obstáculo ao abuso do direito a recurso. Aliás, conforme já anteriormente
mencionado, leis recentes desobrigam funcionários públicos a agirem ou recorrerem em casos
de reiteradas decisões no mesmo sentido ou quando da existência de súmula tratando do tema,
ainda que estas ainda prescindam de caráter vinculante.
A intenção do presente estudo não é pregar a extinção do recurso
necessário e dos prazos especiais, mas é chamar a atenção para situações onde a
discricionariedade, a pretexto de defender um interesse público, acaba por vulnerá-lo,
trazendo prejuízos aos jurisdicionados e à própria Justiça.
8. Bibliografia consultada (livros e artigos)
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. Lisboa :
Almedina.
23
Relatora da Comissão especial destinada a proferir parecer à Proposta de Emenda à Constituição nº 96-A, de
1992, que "introduz modificações na estrutura do Poder Judiciário" e apensadas.
24
"LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os
meios que garantam a celeridade de sua tramitação."
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo brasileiro. 5 ed. São Paulo : Atlas,
1995.
DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma da reforma, 2 ed., São Paulo : Malheiros, 2.002.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 24 ed., atual., São Paulo:
Malheiros, 1999.
MONREAL, Eduardo
Novoa. O direito como obstáculo à transformação social.
Porto Alegre : Fabris, 1988.
MOREIRA, Edson Fábio Garutti. O humanismo e a democracia no Brasil de hoje.
(monografia). Instituto Jacques Maritain do Brasil, www.maritain.org.br
SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Curso de processo civil: processo de conhecimento, v. 1,
5 ed., rev. e atual., São Paulo : Revista dos Tribunais, 2000.
SOUZA, Carlos Aurélio Mota de. Segurança jurídica e jurisprudência: um enfoque filosóficojurídico. São Paulo: LTr, 1996.
VIEIRA, Oscar Vilhena. A constituição e sua reserva de justiça. São Paulo: Malheiros, 1999.
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A DEFESA DO INTERESSE PÚBLICO: PRAZOS