A Educação Pública de Belo Horizonte: muitos passos para trás
Educadores de EJA da Rede Municipal de Educação de BH
"Neste cenário onde a educação de jovens e adultos tem sido
reduzida a soluções de natureza técnica, com forte tendência
economicista, é preciso resgatar o seu sentido político, dandolhe condição de ser um agente a serviço da cidadania e da
mudança social. É tratá-la como direito humano, resgatá-la
como produtora de justiça social. Significa dizer que a educação
é uma prática social que serve para prover as pessoas de
instrumentos para melhor ler, interpretar e atuar na sua
realidade, como sempre nos ensinou.
Paulo Freire". HADDAD, 2003.
A EJA tem sua origem na educação popular. E de lá, aprendemos que o respeito aos educandos
e aos educadores é a primeira condição para uma educação libertadora. Da Educação Popular
também aprendemos que é necessário lutar pelo direito à educação. Não qualquer educação,
mas uma educação comprometida com as transformações sociais. Não uma educação com
qualquer qualidade, mas uma educação com qualidade social.
No entanto, de maneira estarrecedora, os educadores, os educandos, os pais, os responsáveis e
as comunidades da Rede Municipal de Educação de Belo receberam, no início desse mês de
novembro (dia 04/11/2014), a publicização de “orientações”, elaboradas pela Secretaria Municipal
de Educação de Belo Horizonte (SMED) sobre mudanças substantivas na educação pública do
município para serem implementadas no início do próximo ano. Essas mudanças, conforme
inúmeras avaliações já produzidas nas redes sociais, por pesquisadores e pelas comunidades
escolares representam um retrocesso na rede pública municipal, em especial – e é disso que
queremos tratar aqui – na Educação de Jovens e Adultos (EJA). Essas diretrizes, intituladas pelos
educadores de “pacote de novembro” configuram mais uma tentativa da SMED para desmantelar,
radicalmente, com a EJA no município.
Vivenciamos as investidas da SMED no sentido de negar aos educandos, o direito à educação
com o reconhecimento da devida qualidade social. Também aos educadores concursados, são
negados o exercício da docência nesta modalidade criada pela Lei 9394 de 95, pois, ao tomarem
posse em seus cargos, são impedidos de serem lotados na EJA. Portanto, esse é o primeiro
princípio adotado para “minar” a construção de uma identidade profissional coletiva no interior das
instituições escolares e de uma identidade de jovens, adultos e idosos educandos da EJA.
Outra investida perversa contra os educandos é a implementação do Programa Floração,
adquirido por um elevado preço da Fundação Roberto Marinho. Como qualquer leigo pode
detectar, esse programa é a prova inequívoca de que a educação de jovens e adultos é tratada
por esse município como despesa e não como direito.
Para a Educação de Jovens e Adultos, as tais “orientações” apresentam os seguintes tópicos:
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Constituição de turmas com o mínimo de 35, podendo chegar a 40 alunos.
EJA-MÚLTIPLAS IDADES: frequência máxima de 1920 horas;
Implementação da EJA-JUVENIL (alunos de 15 a 18 anos);
Certificação dos educandos em 01 ano;
Regime de atuação dos docentes: unidocência;
Avaliação medida por notas (0 a 100).
O que isso representa para a EJA e para a educação do município de Belo Horizonte?
As orientações objetivam claramente o “expurgo” dos educandos da EJA e também dos outros
ciclos de formação do espaço escolar. O retorno da quantificação numérica do conhecimento –
seja na EJA ou nos outros ciclos de formação – representa um retorno àquilo que já estava
superado na própria rede municipal de educação. Foram anos de debates e estudos sobre essa
questão e, agora, numa canetada, a SMED retoma uma discussão de maneira muito equivocada,
pois nenhum debate ou discussão foi feito com os trabalhadores e com os educandos.
Ao propor um trabalho com um único professor (unidocência), a SMED explicita a intenção de
baixar custos, sem se preocupar com o processo e com a qualidade social da educação. Da
mesma maneira, ao estabelecer um tempo máximo de permanência, a SMED desconsidera o
sujeito e suas especificidades. Além disso, descumpre a Lei 13.005 de 2014 (PNE) que obriga a
criação de, em até um ano, uma política nacional de formação de professores para assegurar que
todos os professores da educação básica possuam curso de licenciatura de nível superior na área
de conhecimento em que atuam.
E como se não conhecessem as nossas escolas, propõem, em espaços físicos dos mais
diversos, a acomodação de 35 a 40 pessoas jovens e adultas, desconsiderando o perfil físico e
social desses sujeitos. Entendendo que a legislação federal (Lei 13.005/14) diz que a meta é
elevar a taxa de alfabetização da população com 15 anos ou mais para 93,5% até 2015 e, até o
final da vigência do PNE, garantir o direito negado quanto ao analfabetismo absoluto e reduzir em
50% a taxa de analfabetismo funcional, avaliamos que os educandos, os educadores e a
educação de qualidade social não cabem nas “salas de aulas” desenhadas na proposta da PBH.
E para o professor – que anda adoecido nesta rede – esse quantitativo representa o agravamento
de uma situação que hoje, já está insustentável.
Por fim – e não para finalizar – enfatizamos que é de longa data que estamos percebendo o
quanto é necessário intervir na política de EJA desse município. Entendemos que o diálogo seria
um importante e necessário instrumento para a elaboração de propostas mínimas que
contribuíssem para a melhoria da qualidade e para dar um tratamento mais digno dos sujeitos
envolvidos com a educação de adolescentes, jovens, adultos e idosos em Belo Horizonte. No
entanto, percebemos que essa via, hoje, é impraticável dentro da estrutura montada para,
gradativamente, acabar com a EJA, e consequentemente com o conhecimento dos direitos que
ela traz, na cidade. Entretanto, voltamos a nos disponibilizar para o diálogo com a SMED na
tentativa de efetivar a aplicação de uma proposta que cobre deveres e implemente direitos,
anteriormente negados.
Retomando, então, o nosso mestre Paulo Freire, declarado patrono da educação brasileira,
segundo a Lei nº 12.612/2012, por haver dedicado grande parte de sua vida à educação de
jovens, adultos e idosos da população pobre, mas que na prática da PBH não tem sido
considerado é bom lembrar que: “se a educação sozinha não pode transformar a sociedade,
tampouco sem ela a sociedade muda”. Desta forma, “seria uma atitude muito ingênua esperar
que as classes dominantes desenvolvessem uma forma de educação que permitissem às classes
dominadas perceberem as injustiças sociais de forma crítica", uma vez que “os opressores,
falsamente generosos, têm necessidade para que a sua ‘generosidade’ continue tendo
oportunidade de realizar-se, da permanência da injustiça”.
Belo Horizonte, 07 de novembro de 2014.
Educadores de EJA da Rede Municipal de Educação de BH
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