10% do PIB para a educação pública: uma bandeira histórica em defesa do ensino Por Felipe Bruner Moda* Garantir educação para todos não supera as contradições e as desigualdades intrínsecas ao nosso sistema econômico, porém esse se mostra como um dos fatores determinantes para a manutenção da desigualdade social que assola o nosso país. As pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apuraram por diversas vezes a relação direta entre o nível educacional e a renda mensal. Um exemplo disso é que um trabalhador com ensino superior recebe cerca de 255% vezes mais do que um empregado que não concluiu a universidade. Se pensarmos que apenas 13% dos nossos jovens estão matriculados neste nível de ensino e que este percentual é ainda menor entre jovens na região nordeste e negros, fica evidente que a educação é um importante braço da perpetuação das relações de desigualdade social existentes. Frente a isto, a luta por uma educação pública, gratuita, de qualidade e acessível a todos se faz necessária para garantir a mínima possibilidade de melhora na qualidade de vida da classe trabalhadora. Esta luta, no entanto, não é de interesse da burguesia brasileira, que faz do sistema educacional brasileiro um fator de perpetuação da desigualdade de classes, dominação cultural e social. Dessa forma, a burguesia brasileira escolheu um projeto de submissão, deixando de lado uma concepção de desenvolvimento autônomo para o Brasil. A Constituição Federal de 1988 determina que a educação é um direito de todos, mas isso está longe de se tornar realidade. Enquanto, por um lado, os movimentos sociais brigam para que esta determinação constitucional seja implementada, por outro, a burguesia nacional e internacional que defende as políticas neoliberais privatiza direitos sociais criando um sistema excludente e explorador. A garantia de uma educação pública para todos exige um investimento estatal neste sentido e este tema é um dos principais debates presentes na nossa sociedade brasileira hoje. Às vésperas da aprovação do novo Plano Nacional de Educação (PNE), que traça as metas para os próximos 10 anos, os movimentos sociais exigem que o governo federal destine 10% do PIB para a educação pública, levantando assim uma bandeira histórica na defesa do ensino. Plano Nacional de Educação 2001 – 2011 e o financiamento público da educação A Lei de Diretrizes e Bases (LDB), aprovada em dezembro de 1996, deu o prazo de um ano para o poder executivo elaborar uma proposta de um plano nacional de educação. Este deveria traçar as metas educacionais do país a cada dez anos, fazendo com que as políticas públicas vinculadas a educação parassem de variar de acordo com o governo eleito para dirigir o país a cada período e passassem a serem encaradas como uma política de Estado. Frente a esta exigência da LDB, a sociedade civil organizada convocou, através do Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública, dois Congressos Nacionais de Educação em 1998 e, a partir do acúmulo dos debates destes espaços, elaborou o “Plano Nacional de Educação – Sociedade Brasileira”, que traçava um grande diagnóstico da educação em todos os níveis, além de estipular metas para a superação do grande atraso educacional que vive o nosso país. Dentro das metas traçadas pelo “PNE – Sociedade Brasileira” estava a matrícula de 50% das crianças de 0 a 3 anos em creches, 100% das crianças de 4 a 6 anos na préescola, 100% de matrículas no ensino fundamental e médio e 40% dos jovens no ensino superior, tudo isto na rede pública de ensino. Obviamente, a garantia dessas metas exigia um maior investimento na educação por parte da União. Naquele momento, a taxa de engajamento de jovens no ensino médio era de 40% e, no ensino superior, de cerca de 10%. Assim, as metas estabelecidas pelo Plano eram bastante ousadas, só sendo possível atingi-las com qualidade com a aplicação de mais recursos. Assim, foram elaborados estudos para determinar maneiras de implementar o PNE – Sociedade Brasileira, segundo o qual seria necessário o investimento de 10% do PIB nacional para a educação. Um dia após a apresentação do plano produzido pela sociedade civil, o Poder Executivo apresentou ao Congresso Nacional a sua versão do PNE, deixando ambos para serem apreciados e votados. A proposta do Executivo se diferencia do PNE – Sociedade Brasileira em vários aspectos. Diferentemente do projeto da sociedade brasileira, fruto de um debate entre professores, estudantes e funcionários, a proposta governamental foi feita nos gabinetes do MEC. Em relação ao financiamento, o governo apresentou a proposta de investimento de 6,5% do PIB até 2011, aumentando, assim, cerca de 2% do que era investido em 2001 e enfatizando que deixará espaço para a iniciativa privada aumentar a quantidade de verba investida na área. As metas de criação de vagas propostas pelo MEC eram as seguintes: 33% de matrículas de crianças de 0 a 3 anos, 100% de matrículas na pré-escola (de 4a 6 anos), universalização do ensino fundamental, 80% de vagas no ensino médio e 30% de jovens matriculados no ensino superior, metas abaixo das previstas pela Sociedade Brasileira. Após muita discussão sobre os dois projetos, Fernando Henrique Cardoso, presidente do Brasil à época, aprovou o PNE 2001-2011 com as seguintes características: atendimento de 50% das crianças de 0 a 3 anos e 80% da faixa etária de 4 e 5 anos, universalização do ensino fundamental e médio e a matrícula de pelo menos 30% dos jovens no ensino superior, tentando desta forma criar um diálogo entre ambas as propostas apresentadas. O principal problema do PNE aprovado diz respeito ao financiamento, uma vez que não apresenta nenhuma meta de quanto deveria ser investido em educação! O Senado, após analisar ambos os projetos, concluiu que a proposta de 10% era muito elevada e que a de 6,5% era muito modesta, encaminhando assim a FHC a proposta de se investir 7% do PIB na educação até 2011. Esta proposta foi vetada por Fernando Henrique, que aprovou, assim, um plano nacional de educação sem financiamento algum, fator que foi essencial para a não aplicação das metas traçadas. Lula foi eleito em 2002 com a promessa de analisar o veto de FHC sobre o artigo do financiamento no PNE, o que criou uma expectativa da sociedade de que ele destinaria 7% do PIB para a educação. Contudo, após dois mandatos do petista, o artigo continuou vetado e ainda não chegamos a aplicar 5% do Produto Interno Bruto na educação, ou seja, continua no mesmo patamar que em 2001. Estamos avançando? A disputa pelo PNE 2011 – 2021 Passado o prazo de 10 anos de implementação do antigo Plano Nacional de Educação, os resultados obtidos são catastróficos: apenas 33% das metas previstas foram alcançadas. As taxas educacionais brasileiras ainda são péssimas. Podemos citar, por exemplo, que apenas 50% dos estudantes matriculados no ensino fundamental terminam a 8ª série e somente 13% dos nossos jovens estão matriculados no ensino superior, sendo que mais de 80% destas matrículas se encontram no setor privado. O financiamento público da educação, como já dito a cima, foi alterado em menos de 0,5% durante os 2 anos de governo FHC e 8 anos de governo Lula que transcorreram desde a elaboração do PNE e, ainda hoje, não chegamos a um investimento de 5% do PIB no setor. Esta discussão foi novamente tema de debate durante a campanha eleitoral de 2010, quando a então candidata Dilma Rousseff colocou como proposta a implementação de 7% do PIB até 2014. Todavia, a proposta apresentada pelo MEC para este novo Plano Nacional de Educação já deixou esta questão de lado, propondo que cheguemos a este número apenas em 2020. Em dezembro do ano passado, o MEC apresentou à Câmara dos Deputados a sua proposta de PNE para o período de 2011 – 2021. A proposta, em tese, deveria ter como base as deliberações da Conferência Nacional de Educação (CONAE), contudo não foi isso que aconteceu. A CONAE, mesmo tendo sido dominada por setores aliados ao governo e pela iniciativa privada, aprovou a aplicação de 10% do PIB para a educação, além de outras medidas bastante progressivas. Porém, a proposta do MEC não inclui essa meta. Ademais, a proposta para o novo plano não apresenta nenhum diagnóstico de como está a educação brasileira hoje e nem metas intermediárias para este período de 10 anos, o que faz com que o próprio projeto já seja falho enquanto política pública. As metas do nosso governo federal para os próximos 10 anos são, em resumo, as seguintes: atender 50% das crianças de 0 a 3 anos em creche e 100% delas na préescola (4 e 5 anos), universalizar o ensino fundamental, garantir educação para todos os jovens de 15 a 17 anos e garantir que 85% destes jovens estejam no ensino médio e que a porcentagem de jovens entre 18 e 24 anos no ensino superior se eleve para 33%. Comparando estas metas com aquelas aprovadas no plano passado, vemos que a única diferença é que o governo hoje pretende universalizar o acesso ao ensino para as crianças de 4 e 5 anos, enquanto 10 anos atrás a taxa almejada era de 80%. As demais metas continuam as mesmas. O que será feito para que desta vez estas propostas saiam do papel? Se matriculássemos 40% das crianças de 0 a 3 anos em creches, universalizássemos o ensino fundamental, ampliássemos em 50% as matrículas no ensino médio e dobrássemos o número de vagas em universidades federais, já teríamos gasto 6,9% do nosso PIB e ainda não teríamos atingindo todas as metas previstas. Frente ao desrespeito com o qual a educação foi tratada historicamente pelos gestores do nosso país e as atuais propostas do nosso governo, previstos neste plano e em diversas medidas provisórias, projetos de lei e etc., os movimentos sociais de educação estão fazendo diversas mobilizações pedindo melhorias na educação pública. Os professores da rede estadual do Rio de Janeiro e do Ceará travaram grandes lutas contra os seus governos, os funcionários técnico-adminstrativo das universidades federais lutam em uma greve histórica de mais de dois meses em busca do não congelamento dos seus salários e estudantes de universidades como a UFPR, UFSM, UFRGS, UFMT, UFSC, UEM, UnB, UFF e UFES ocuparam suas reitorias, tendo como pano de fundo as pautas de acesso e permanência nestas universidades, reivindicações que necessariamente necessitam de mais verbas para serem atendidas. Por que investir 10% do PIB para a educação? Como dito anteriormente, durante a formulação do “PNE – Sociedade Brasileira”, foi levantado que para a aplicação daquele plano ser possível, deveria ser destinado um valor da ordem de 10% do Produto Interno Bruto do Brasil para a educação. Este valor é condizente com o que foi aplicado em diversos países que superaram ou estão superando atrasos educacionais históricos como o nosso. De acordo com esse mesmo projeto, este valor deveria ser investido exclusivamente com gastos correntes educacionais, como despesas administrativas, materiais escolares, bolsas de estudo e manutenção de prédios e equipamentos. Para chegar a este valor, os formuladores do PNE – Sociedade brasileira trabalharam com os seguintes números: o valor para manter um aluno na rede básica equivale a 25 – 30% da renda per capitaproduzida no país e no ensino superior o equivalente a 60% desta renda, sendo a renda per capita o volume de recursos necessários para satisfazer a necessidade e desejos das pessoas. Estes são valores médios para praticamente todos os países do mundo, de forma que deve-se enteder ser justo destinar este percentual em uma educação para suprimir as inúmeras debilidades do ensino brasileiro. Importante frisar sempre que a luta pela aplicação de 10% do PIB para a educação deve se dar no sentido de que este investimento aconteça apenas na rede pública de ensino. Financiar a iniciativa privada por meio de bolsas de estudos, parcerias público-privado e subsídios a ONGs apenas fortalece as desigualdades hoje já existentes, pois é um fator intrínseco para a existência do mercado educacional e não garantia de oferta de educação pública para a totalidade das crianças e adolescentes. O principal motivo apontado pelo governo federal para não aplicar 10% do PIB na educação é a falta de recursos para isso, afirmando que chegaríamos a um colapso econômico caso esta proposta fosse aprovada. É necessário analisar que o recurso existe, porém a destinação de mais verbas para a educação é uma questão de prioridades do nosso governo. Atualmente, 45% do nosso Produto Interno Bruto é utilizado para pagamento da dívida pública nacional. Trocando em miúdos, isto significa que o governo brasileiro prefere manter os bancos norte-americanos lucrando ao invés de garantir educação para o nosso povo. Isto só será revertido com muita luta, que deve ser travada em unidade por todos os setores da esquerda! Diversas ações estão sendo pensadas para o próximo período e toda a população brasileira deve encampar estas mobilizações, erguendo a sua voz e exigindo 10% do PIB para a educação pública já! Estão sendo organizadas em diversas cidades do país ocupações de praças exigindo “democracia real já!” no dia 15 de outubro próximo. Devemos encampar este movimento e levar a pauta dos 10% para estas ocupações. Outra atividade de extrema importância que acontecerá no nosso país é o plebiscito nacional pelos 10% do PIB para a educação pública. Temos que encher os quatro cantos do Brasil com urnas desta campanha para mostrarmos a Dilma que queremos educação pública, gratuita e de qualidade para todos. * Felipe Bruner Moda é estudante de psicologia da PUC-SP e militante do campo Barricadas Abrem Caminhos