Capı́tulo 13 Materiais Magnéticos 13.1 Propriedades Magnéticas da Matéria Apresentaremos neste tópico uma discussão qualitativa tentando não usar a mecânica quântica. No entanto, devemos ter em mente que: Não é possı́vel compreender os efeitos magnéticos da matéria do ponto de vista da fı́sica clássica! As propriedades magnéticas dos materiais são fenômenos completamente quânticos. Apesar disso, faremos uso de descrições clássicas, embora erradas, para termos uma visão, ainda que muito limitada, do que está acontecendo. Inicialmente, vamos pressupor já conhecidos alguns conceitos: 1. Átomo: núcleo no centro e elétrons orbitando ao seu redor; 2. Elétron é negativamente carregado 3. O elétron possui um momento angular intrı́nseco que é denominado spin. Vejamos então inicialmente: 241 242 CAPÍTULO 13. MATERIAIS MAGNÉTICOS Figura 13.1: Produção de campo magnético pelo elétron. Efeitos devido às órbitas dos elétrons - Elétrons nos átomos produzem campos magnéticos. Os elétrons giram ao redor do núcleo em órbitas, o que é o mesmo se tivéssemos espiras de corrente. Por outro lado, correntes produzem campo magnético. Normalmente, no entanto, este é um efeito pequeno, pois no total há um cancelamento, visto que as órbitas estão aleatoriamente orientadas. - O que acontece então se colocarmos o material na presença de um campo � Pelo que já estudamos sabemos que, pela lei de Lenz, teremos externo B? correntes induzidas, de sentido tal a se opor ao aumento do campo. Desta forma, os momentos magnéticos induzidos nos átomos são opostos ao campo magnético. Desta forma o efeito resultante é: o campo magnético total resultante é menor. 13.2. MOMENTOS MAGNÉTICOS E MOMENTO ANGULAR 13.2 243 Momentos magnéticos e Momento angular Consideremos uma carga q se movendo numa órbita circular. Figura 13.2: Carga em órbita circular. O momento angular clássico orbital é: � = �r × p� L � = mvr |L| Por outro lado, sabemos que a corrente é: I= carga q qv = 2πr = tempo 2πr v Sabemos também que o momento magnético é: µ = IA = Iπr2 = qv 2 qvr πr = 2πr 2 Das equações acima, temos: µ �= No caso do elétron, temos: � qL 2m (13.1) 244 CAPÍTULO 13. MATERIAIS MAGNÉTICOS Figura 13.3: Momento magnético da órbita do elétron. µ � =− � eL 2me (13.2) Isto é o que se espera classicamente e como milagre também vale quanticamente. Além do momento angular orbital, elétrons possuem um momento angular intrı́nseco (spin), que associado a este há um momento magnético: µ �s = − e � S me (13.3) Algumas propriedades: • Lei de Lenz não se aplica, pois este campo está associado ao elétron por si mesmo. � não pode ser medido. Entretanto, sua componente ao • O próprio S longo de qualquer eixo pode ser medida. � é quantizada. • Uma componente medida de S Quantização de Sz : 13.2. MOMENTOS MAGNÉTICOS E MOMENTO ANGULAR 245 Sz = m s � 1 ms = ± 2 h � = 2π Sendo h a constante de Plank, cujo valor é de 6, 63 × 10−34 J.s. Portanto, o momento magnético de spin será dado por: ems � e� =± = ±µB me 2me e� eh J = = = 9, 27 × 10−24 2me 4πme T µs,z = − µB A constante µB é chamada magnéton de Bohr. Momentos magnéticos de spins de elétrons e de outras partı́culas são então expressos em termos de µB . � não pode ser Da mesma forma que o spin, o momento angular orbital L medido, apenas a sua componente ao longo de qualquer eixo. L = ml � ml = 0, ±1, ±2, · · · Onde ml é o número quântico magnético orbital. µ=− eL eml � =− = −ml µB 2me 2me Vimos durante o nosso curso que se colocássemos uma espira passando corrente num campo magnético, esta sentia uma força, e observamos a tendência � do alinhamento do momento magnético µ � com B. 246 CAPÍTULO 13. MATERIAIS MAGNÉTICOS Figura 13.4: Torque causado por um campo magnético em uma espira. � �τ = µ � ×B Desta forma, se colocarmos um material composto por átomos que possuem um momento magnético permanente, inicialmente orientado em direções distribuı́das ao acaso, na presença de um campo magnético, esses momentos magnéticos se orientarão na direção do campo, resultando em uma magnetização diferente de zero. Então como resultado teremos que o campo magnético resultante será maior que o original. A grandeza magnetização é definida como o dipolo magnético por unidade de volume: 1 � d�µ µ �i = ∆v→0 ∆v dv i � = lim M O que implica em: µ � total = � v Análise dimensional: � dv M (13.4) 247 13.3. MATERIAIS DIAMAGNÉTICOS � � � � B � � = momento magné tico = corrente x á rea = A = M volume comprimento m µ0 (13.5) Perceba que esta grandeza é análoga à polarização de materiais dielétricos. Resumo até então • Lei de Lenz nas órbitas dos elétrons se opõe ao aumento do campo no material. Isto pode ser pensado como se o elétron fosse acelerado ou retardado em sua órbita. • Torque magnético agindo em elétrons individualmente aumentando o campo magnético no material. Ou seja, temos dois comportamentos opostos. Qual deles é mais importante? Isto dependerá das propriedades do material (estrutura quı́mica, se há elétrons livres, etc). Podemos, no entanto notar que é muito mais custoso mudar as órbitas dos elétrons que seus spins. A este respeito, podemos separar os materiais em três categoriais: 1. Materiais diamagnéticos; 2. Materiais paramagnéticos; 3. Materiais ferromagnéticos. 13.3 Materiais Diamagnéticos São materiais que apresentam uma magnetização oposta ao campo magnético. • O campo magnético no interior do material é menos intenso que o externo. 248 CAPÍTULO 13. MATERIAIS MAGNÉTICOS Figura 13.5: Substâncias diamagnéticas são repelidas do campo magnético, deslocando-se para a região de campo magnético menos intenso. • Lei de Lenz ganha do efeito do spin. O diamagnetismo é muito fraco e difı́cil de se ver. A Lei de Lenz sempre está presente em todos os materiais. O efeito do spin, se estiver presente, será sempre mais forte. Logo, os materiais diamagnéticos são aqueles onde não há o efeito do spin. Exemplos de materiais diamagnéticos: • Orbitais que possuem os elétrons emparelhados ⇒ não há momento magnético resultante. 13.4 Materiais Paramagnéticos São materiais nos quais a magnetização aumenta na presença de um campo externo. • O campo magnético no interior do material é mais intenso que o externo. • Efeito de spin ganha da Lei de Lenz. Os átomos possuem um momento magnético resultante e permanente µ � . Na ausência de campo externo estes momentos estão orientados de forma � 13.5. MAGNETIZAÇÃO E O CAMPO H 249 Figura 13.6: Substâncias paramagnéticas são atraı́das para região de campo magnético mais intenso. aleatória, e o momento de dipolo magnético resultante do material é nulo. Entretanto, se uma amostra do material for colocada em um campo magnético externo, os momentos tendem a se alinhar com o campo, o que dá um mo� ext . mento magnético total µ � total não nulo na direção do campo externo B 13.5 � Magnetização e o campo H Relembrando a definição de magnetização (Equação 13.4): � = d�µ = momento de dipolo magné tico M dv unidade de volume � , tal que: Definimos um novo campo magnético H � � � = µ0 H � +M � B � � ≡ B −M � H µ0 � campo magnético total = indução magnética • B: � campo magnético devido às correntes externas • H: (13.6) (13.7) 250 CAPÍTULO 13. MATERIAIS MAGNÉTICOS � : magnetização, componente de B � devido às propriedades do mate• M rial. � caiu do céu? Você pode estar se perguntando, mas esta formula de H Podemos chegar nela da seguinte forma: Como um dos exercı́cios da lista, você deve ter obtido que o potencial vetor de um único dipolo é dado por: � × R̂ � (�r) = µ0 µ A 4π R̂ Se pensarmos num material, então cada elemento de volume possui um � dv, logo: momento de dipolo magnético M � (�r) = µ0 A 4π � � � M (�r ) × R̂ � dv R2 Utilizando a identidade: � � 1 R̂ � = 2 ∇ R R � Temos: � (�r) = µo A 4π � � � �� 1 � (�r ) × ∇ � dv � M R � � Utilizando a identidade: � � � � � � � × fM � � ×M � −M � × ∇f � ∇ = f ∇ � � � � � � � × ∇f � � ×M � −∇ � × fM � ⇒M = f ∇ Ficamos com: � 13.5. MAGNETIZAÇÃO E O CAMPO H 251 � � � � � � � � 1 �� � (�r) = µ0 � (�r� ) dv � − ∇ � � × M (�r ) dv � A ∇ ×M 4π R R � �� � � � � (�r� ) µ0 ∇ ×M µ0 M (�r ) × n̂� � � � A (�r) = dv + ds 4π R 4π R Relembrando, tı́nhamos escrito: � (�r) = µ0 A 4π � � � J (�r ) � ds R Desta forma, podemos identificar dois termos: � (�r) = µ0 A 4π � � � JM (�r� ) � µ0 �κM (�r� ) � dv + dv R 4π R ��×M � (�r� ): Densidade de corrente de magnetização; • J�M (�r� ) = ∇ � (�r� ) × n̂� : Densidade superficial de corrente de magne• �κM (�r� ) = M tização. Similar a: � · P� ρp = − ∇ σp = p� · n̂ Havendo corrente de magnetização e, simultaneamente, correntes livres (que não podemos controlar), o campo de indução magnética tem a sua origem em ambas: 252 CAPÍTULO 13. MATERIAIS MAGNÉTICOS � ×B � = µ0 ∇ � � J�livre + J�M � �� � densidade de corrente total � � � ×B � = µ0 J�livre + ∇ � ×M � ∇ � ×B � −∇ � × µ0 M � = µ0 J�livre ∇ � � � � � ∇ × B − µ0 M = µ0 J�livre � �� � � µ0 H � × µ0 H � = µ0 J�livre ∇ � = J�livre � ×H ∇ (13.8) Então agora a nomenclatura ficou: � campo de indução magnética; • B: � campo magnético proveniente da contribuição devida às correntes • H: livres; � : magnetização devido às corrente de magnetização. • M Podemos determinar um campo a partir de seu gradiente e de seu rotacional. Já obtemos o rotacional, e podemos determinar seu gradiente a partir de sua definição (Equação 13.7): � B � −M µ0 � � = ÷B − ÷M � ÷H µ0 � = −÷M � ÷H � = H 13.6. MATERIAIS MAGNÉTICOS LINEARES 253 � Observação 13.1. Deve-se tomar cuidado com a analogia entre os campos H � Apesar da similaridade entre as expressões de seus rotacionais, devee B. mos lembrar que um campo não é determinado somente pelo seu rotacional. Em especial, mesmo que não haja nenhuma corrente livre, na presença de � pode ser não nulo. materiais magnéticos, o campo H 13.6 Materiais Magnéticos Homogêneos, Lineares e Isotrópicos � do material varia linearmente com o campo Neste caso, a magnetização M � magnético H: � = χM H � M Onde χM é a susceptibilidade magnética do meio, que é uma grandeza adimensional. Assim: � � � = µo H � +M � B � � � + χM H � = µo H � = µo (1 + χM ) H � = µo µr H � = µH � B Cuidado com a notação: Aqui, µ é a permeabilidade magnética do meio (não confundir com o momento magnético). O sinal de χM depende do tipo de material: � = µo (1 + χM ) H � B 254 CAPÍTULO 13. MATERIAIS MAGNÉTICOS • Em materiais diamagnéticos, B < H, e portanto: χM < 0 • Em materiais paramagnéticos, B > H, e portanto: χM > 0 13.7 Materiais Ferromagnéticos � eH � o distingue do paramagnetismo. Em materiais A não linearidade entre M � eH � não possuem uma relação simples. A magnetização ferromagnéticos, M permanece mesmo após o campo magnético ser desligado. Razão: Mecânica Quântica ⇒ termo de troca ⇒ interação dos spins de átomos. A interação de troca produz um forte alinhamento de dipolo atômico adjacente em um material ferromagnético. Os momentos magnéticos de muitos átomos tendem a se alinhar em pequenas regiões iguais a domı́nios ( 0.1mm), no entanto estes domı́nios, se nenhum campo magnético externo for aplicado, estão alinhados aleatoriamente orientados, resultando numa magnetização do material nula. Por isso que o ferro não atrai nenhum metal a princı́pio. F e: sólido policristalino Se magnetizarmos uma amostra de F e colocando-a em um campo magnético externo de intimidade gradualmente crescente, haverá um crescimento em tamanho dos domı́nios que estão orientados ao longo do campo externos. A curva que descreve a relação entre H e B para um material ferromagnético é chamada de histerese ou ciclo de histerese. De a até b mostra o comportamento da amostra se magnetizando. Após H1 diminui-se H até H = 0 (ponto c): valor de B diminui conforme b → c muito mais lentamente do que inicialmente tinha aumentado. Em c, há uma 13.7. MATERIAIS FERROMAGNÉTICOS � =0 (a) Antes: M 255 � = (b) Após: M � 0 Figura 13.7: Orientação dos domı́nios de um material ferromagnético na presença de campo magnético. Figura 13.8: Alinhamento dos domı́nios do material na presença de campo magnético externo. magnetização remanescente B �= 0. Para se conseguir B = 0 aplica-se um � com sentido inverso. Se aumentar H � em módulo atinge-se o ponto campo H � novamente, B diminui em módulo de acordo com d → e, e d. Se zerar H mesmo em e, B �= 0. Temperatura de Curie A temperatura de Curie TC é a temperatura acima da qual o material ferromagnético perde a sua magnetização. • T > TC : fase desordenada paramagnética 256 CAPÍTULO 13. MATERIAIS MAGNÉTICOS Figura 13.9: Ciclo de histerese de materiais ferromagnéticos. • T < TC : fase ordenada ferromagnético A transição de fase é abrupta. Para T > TC , o movimento aleatório dos momentos magnéticos se torna tão forte que eles não conseguem mais se alinhar para formar os domı́nios. Para o Fe, TC = 770o C. A Tabela 13.1 mostra a temperatura de Curie para outros materiais ferromagnéticos. Material Co Fe MnBi Ni MnSb CrO2 MnAs Gd Temperatura de Curie (K) 1388 1043 630 627 587 386 318 292 Tabela 13.1: Temperatura de Curie de materiais ferromagnéticos 257 13.8. ENERGIA EM MEIOS MAGNÉTICOS 13.8 Energia armazenada no campo magnético na presença de meios magnéticos Vimos que: 1 Um = 2 � � J�livre · Adv V � × H, � então: Mas J�l = ∇ 1 Um = 2 � � V � � ×H � · Adv � ∇ Aplicando a identidade: � � � � � � � · A �×H � = ∇ � ×A � ·H � − ∇ � ×H � ·A � ∇ Chegamos em: Um 1 = 2 � � V Um = 1 2 � � � � � 1 � � � � � � ∇ × A · Hdv − ∇ · A × H dv 2 V � · Hdv � −1 B 2 V � V � � � · A �×H � dv ∇ Fazendo V → todo espaço, o segundo termo tende a zero, portanto: 1 UB = 2 � R3 � · Hdv � B (13.9)