AS IMAGENS DO CORPO EM “O LADRÃO DE CADÁVERES”, DE ROBERT L. STEVENSON GUILHERME OLIVEIRA DRUMOND Introdução Um dos grandes desafios para a nascente medicina moderna era a necessidade de corpos para os estudos de anatomia. De modo geral os anatomistas se valiam dos corpos de condenados a forca para estudos. Porém houve uma época em que não haviam condenados o suficiente para suprir as crescentes necessidades dos médicos. Na Grã-Bretanha esse problema não era diferente e encontrou uma solução no mínimo controversa: o roubo de corpos nos cemitérios. Os traficantes de corpos ganhavam muito dinheiro com esse comércio profano. Isso, claro, causava revolta na população, que via seus parentes mortos sendo furtivamente sendo levados para uso em estudos científicos. Porém o que estava em jogo era o desenvolvimento da medicina. Esse argumento protegia os médicos, e somando-se o fato de não ser crime a profanação de túmulos naquele tempo, o negócio macabro prosseguia. É nesse cenário que se desenrola a narrativa de “O Ladrão de Cadáveres”, de Robert Louis Stevenson. Este trabalho vai identificar que imagem do corpo humano está por detrás dessas práticas de roubo de corpos. Primeiramente vamos perceber como o autor apresenta os dilemas morais, ou a ausência deles, dos dois personagens princi- pais do conto. Em seguida vamos identificar onde nasce a dicotomia corpo-alma que é responsável pela dessacralização do corpo. Fazemos uma breve apresentação do pensamento de Descartes e de ilustramos as conseqüências desse pensamento para a imagem do corpo com a pintura de Rembrandt “A Lição de Anatomia do Dr. Nicolaes Tulp”. Por fim encontramos no pensamento de La Mettrie a percepção do corpo como máquina que está presente no conto de Stevenson. Podemos então identificar como a visão de La Mettrie vai influir sobre o pensamento moderno e a construção de uma imagem do corpo como matéria. A consciência do velho bêbado Fettes O conto que serve de base para este trabalho se dá em torno de dois personagens. Ambos são caracterizados como ambiciosos e inescrupulosos, já deixando claro o sentimento de repulsa que a profanação de túmulos e roubo de corpos provocava nas pessoas dá época. Quem se envolveria com essas práticas, na visão que Stevenson apresenta, só poderia ter valores morais bem questionáveis. Fettes é o protagonista, e no início do conto aparece como um velho desfigurado pela bebida e por um profundo conflito de consciência por conta do seu passado sombrio. O segundo personagem, o antagonista, é o bem sucedido médico Macfarlane, que ao contrário de Fettes logrou uma carreira de prestígio e riqueza, e não dá sinais externos de dores na consciência. No início do conto, quando os dois se 2 encontram criasse uma oposição tensa entre o bêbado, desfigurado e envelhecido Fettes e o bem vestido Macfarlane. As descrições abaixo mostram dois homens que dividiram o mesmo passado obscuro, profanando túmulos e coisas desse gênero, porém que lidaram de formas distintas às questões éticas envolvidas: Fettes era um velho escocês beberão (...). Chegou a Debenham, ainda jovem, e como continuou a viver aqui, havia se tornado cidadão por adoção. O seu casaco de pele de camelo era um monumento tão importante quanto o campanário da igreja. Em Debenham, já se haviam tornado tradicionais a sua presença na saleta do George, a ausência na igreja, os seus hábitos desregrados e os vícios radicados e indecorosos. (...) Bebia Rum, todas as noites regularmente cinco copo, e permanecia sentado, como o copo na mão direita, num estado de saturada melancólica saturação alcoólica, durante a maior parte da noite. (Stevenson, 1996. p.17) E sobre Macfarlane temos a descrição: O Doutor Macfarlane era ágil e vigoroso. Os cabelos brancos ressaltavam os traços enérgicos, ainda que plácidos. Estava muito bem vestido, com o melhor tecido negro e uma finíssima camisa social, com uma grossa corrente de ouro no relógio e óculos e abotoaduras do mesmo metal precioso. Trazia uma delicada gravata branca com “pois” lilás, e tinha no braço um confortável sobretudo. Percebia-se claramente que sabia viver bem a vida, com aquele ar de riqueza e consideração, o que tornava surpreendente o contraste com o nosso bêbado inveterado, calvo, sujo, pustuloso, envolto no seu velho casaco de pele de camelo, quando os dois se defrontaram aos pés da escada. (Stevenson, 1996. p. 19) 3 O que tipo de laços pessoas tão diferentes poderiam possuir? O contraste criado pelo autor cria um enigma, uma tensão entre estas figuras. Fettes falando comparando a idade dos dois diz: “Porém é bastante mais velho. Mas”, batendo a mão sobre a mesa, “é o rum que vocês estão vendo em meu rosto – o rum e os pecados. Esse homem talvez tenha tido a consciência tranqüila e uma boa digestão. Consciência! Ouçam-me. Acham mesmo que ele tenha sido um bom velho cristão de vida exemplar?” (Ste- venson, 1996. p. 18) Quando jovens os personagens principais do conto eram jovens estudantes de medicina, que por viram uma chance de fazer uma carreira de sucesso ao trabalhar com um anatomista muito famoso, identificado apenas como K., e neste cargo se viram as voltas com a delicadíssima questão dos corpos para estudo. Nessa função eles viram e fizeram coisas que poriam em cheque a consciência mais susceptível de Fettes, e que no entanto não abalariam de todo o inescrupuloso Macfarlane. Esse médico identificado apenas por K. pode ser uma referência a Roberte Knox, médico que se envolveu com a compra de cadáveres no início do século, para abastecer sua escola. Um homem chamado William Burke começou a assassinar pessoas para, junto com seu cúmplice William Hare, vender seus corpos a Knox. Burke depois de preso confessou ter morto 16 pessoas. Seu cúmplice Hare confessou o crime de recepção e entregou Burke como o assassino. Burke foi condenado a forca e como parte da pena teve seu corpo dissecado em público. Muito se especulou 4 sobre a culpa de Knox, que saberia a origem dos corpos. Porém não havia como provar nada contar ele. O médico foi inocentado, porém sua reputação foi arrasada e seu curso de anatomia foi se esvaziando progressivamente. Em 1831 ele deixa seu cargo de Conservador do Museu de Anatomia do Royal College of Surgeons de Edimburgh, não suportando a desconfiança da opinião pública. refugia-se em Londres. Essa história já possui elementos de sobra para uma história de terror. Pessoas indigentes sendo sufocadas após a uma intencional embriagues. Seus corpos vendidos na calada da noite. Um médico respeitado, com um importante cargo, negociando com criminosos os restos mortais de origem duvidosa. Além das costumeiras profanações de túmulos, que eram muito comuns na época. Stevenson usa todos esses elementos mórbidos no seu conto, que é aterrorizante pelo realismo, e não por questões sobrenaturais. De fato a necessidade por cadáveres para dissecação por estudantes de medicina era muito grande. Nos institutos de anatomia havia um embate enorme entre a necessidade imposta pelo desenvolvimento da ciência moderna, e as questões morais, éticas, religiosas que a questão envolvia. Porém a balança tendia facilmente e com folga para o lado da ciência. Os médicos não tinham maiores escrúpulos em trabalhar com os corpos. O personagem de Stevenson, Macfarlane, representa bem o espírito científico que optava pelo “vale tudo” no uso de cadáveres nos estudos de anatomia. Sua consciência não se abalava de maneira alguma com as ações condenáveis que se via envolvido. O protagonista Fattes não passou ileso pela 5 experiência de abrir sepulturas, negociar corpos pela madrugada, olhar para o lado diante de evidências de assassinato. Sua consciência ruiu diante de tamanho horror. O espanto que nos trás o conto “O Ladrão de Cadáveres” era o sentimento da época, que via o desenvolvimento da medicina concomitante a redução do corpo a matéria comum. A dessacralização do corpo. Esse foi um processo histórico de construção de uma visão do corpo humano que se dá dentro da formação do pensamento moderno. A redução do corpo a matéria banal, a instrumento de estudo, nada sagrado, tão material como o corpo de um sapo, é parte de um processo que começa em Descartes, que eleva a razão à condição de essência do ser humano, reduzindo o corpo a condição de mero receptáculo. A culminância desse pensamento se dá com o materialismo do médico La Mettrie, que decreta a materialidade mecânica do corpo, negando qualquer possibilidade de sagrado ao ser humano. Essa visão vai criar espanto e horror nos homens da época, e fornecer vasto material de trabalho para artistas, entre eles Stevenson. Como nasce então essa imagem do corpo, matéria banal, que os personagens de Stevenson negociam na calada da noite? Racionalismo cartesiano e “A Lição de Anatomia do Dr. Nicolaes Tulp”, de Rembrandt Um dos grandes problemas para os pensadores do renascimento era o dilema que se colocava diante deles, homens pensantes, que eram os atores do pensar, ao mesmo tempo em que eram alvo desta 6 investigação. Sujeitos e objetos do pensamento. René Descartes foi o primeiro filósofo a recriar uma nova consciência corporal, que permitisse superar essa contradição. No pensamento cartesiano o “eu” é a razão. O corpo por não possuir razão, por estar restrito ao campo da materialidade, era apenas uma janela sensorial que fornecia a razão, essa sim o centro do ser, elementos para o pensar. Para Descartes a razão não dependia do corpo, sendo independente. Essa concepção inaugura a dicotomia corpo-mente, matériaalma, que vai embasar o pensamento moderno. A partir deste paradigma de consciência corporal o corpo humano se reduz a phisis, matéria natural, e alvo da razão, que investiga o mundo natural. Assim sendo, não só o corpo perde sua sacralidade como deve agora ser estudado exaustivamente, em cada mínimo detalhe, como se faz com toda a natureza. O pensamento de Descartes dá aval teórico e estímulo aos anatomistas a prosseguir nos seus trabalhos de desvendamento do corpo humano. O “Discurso do método” de descartes é publicado em 1637. Em 1632 Rembrandt pinta “A Lição de Anatomia do Dr.Nicolaes Tulp”, que vai registrar um flagrante desse novo paradigma de percepção do corpo: o corpo como peça anatômica. Essa mesma visão que permeia o conto de Stevenson, e que podemos encontrar numa passagem que em parte lembra muito o quadro do pintor holandês: Aos corpos que eram entregues à terra, numa jubilosa espera por um despertar bem diferente, era proporcionada aquela apressada ressurreição, à luz de uma lanterna e cheia de angústias, através de uma enxada e uma picareta. O ataúde era aberto, o sudário ar- 7 rancado e os melancólicos restos eram jogados num saco de lona para, depois de serem sacudidos durante horas por caminhos escuros e sombrios, serem enfim expostos a máxima ofensa diante de uma classe de rapazolas de boca aberta. (Stevenson, 1996. p. 30) O que esta cena de terror do conto de Stevenson rememora ao quadro de Rembrandt é a platéia que se coloca diante da máxima exposição de uma pessoa morta. Essa prática desperta o imaginário dos homens da época de Stevenson, que se horrorizam com a violência que sempre envolve essas práticas. No caso do quadro de Rembrandt o corpo sendo dissecado é de Adriaan Adriaansz, um condenado a forca. A investigação da anatomia humana sempre se vira envolta nesta violência: corpos de pessoas enforcadas, túmulos abertos, e em casos extremos pessoas mortas para o comércio de cadáveres. A imagem do corpo que herdamos de Descartes, e de modo geral do pensamento moderno, é de um corpo destituído de predicados sagrados, posto lado a lado com o corpo dos animais, dos vegetais. E mais do que isso, um corpo que deve ser descrito, compreendido ao extremo em sua mecânica. Porém o passo derradeiro para construção dessa imagem do corpo humano vai ser dada por um médico francês do século XVIII, Julien Offray de La Mettrie. 8 O corpo-máquina de La Mettrie e o Dr. Macfarlane Em 1784 (aproximadamente cinqüenta anos antes dos acontecimentos do conto “O Ladrão de Cadáveres”) o médico e ateu La Mettrie publicou seu ensaio L’Homme-Machine (O HomemMáquina). Ultra-materialista afirma que não existe não existe nada além do corpo, no que se refere ao ser humano. A alma, o pensamento, os sentimentos, são produções metabólicas do organismo. Essas idéias causam reações fortíssimas na época, e La Mettrie passa a viver como um paria, fugindo de seus acusadores que o chamam de herege. O pensamento cristão que enxergava o homem e seu comportamento como criações do divino é rejeitado, e numa concepção monista da realidade o médico filósofo reduz tudo ao organismo humano. Não há alma, e assim todo o livre-arbítrio humano e conceitos morais se esvaziam de significado. Ser bom ou ser mal, ser violento ou pacífico, não importa, pois todos esses comportamentos são reações do corpo-máquina, que não afetam em nada esse mesmo corpo. Quando para de funcionar o corpo qualquer coisa que possa ser identificada como alma desaparece junto, restando apenas a matéria orgânica. Se havia alma, ou coisa parecida, ela desaparece com o seu recipiente. Não há medo do inferno nessa concepção, nem de quaisquer outros castigos pós-morte, o que diverge radicalmente do pensamento religioso. 9 Percebamos que La Mettrie rompe com o pensamento cartesiano, pois Descartes acreditava que a essência do ser era a razão, e embora rebaixasse o corpo a segundo plano não negava sua importância como fonte das sensações que alimentam a razão. Ao contrário La Mettrie negava a razão como abstração, e enxergava-a como matéria, resultado de reações naturais do corpo. É o corpo-máquina que vemos sobre a mesa do Dr. Tulp, assim como é esse corpo-máquina que os jovens ladrões de cadáveres do conto de Stevenson transportam na carroça no meio da noite. E percebendo como se dá a ética no pensamento ultra-materialista de La Mettrie, uma ética que rompe com a moral cristã, podemos entender melhor o significado do antagonista de Fattes, Macfarlane, no conto que estamos estudando. Macfarlane não tem escrúpulos, e não só menospreza quem os tem como se vangloria de sua coragem em ir contra valores tradicionais. Se considera superior por desafiar a moral do seu tempo. Depois de aparecer de madrugada carregando em sua carroça o corpo de seu desafeto Gray diz para o assustado Fattes: “Meu caro”, disse Macfarlane, “você é mesmo um rapazola. Que mal há nisso? Que mal pode lhe acontecer se mantiver a boca fechada? Em suma, amigo, sabe o que é a vida? Estamos divididos em dois grupos... os leões e os anjos. Se for como os anjos acabará sobre esta mesa como Gray e Jane Galbraith; se for como os leões, viverá e conduzirá um cavalo como eu, como K., como todos aqueles que possuem espírito e coragem. No início a gente pode ter medo. Mas veja K.! Meu caro amigo, você é desprendido, tem estômago e sangue-frio. Gosto disso, e K, também gosta. Você nasceu para guiar a caça e lhe digo, por minha honra e pela minha experiência de vida, que daqui a três dias estará rindo des- 10 tes espantalhos como um menino ri de uma mentira.” (Steven- son, 1996. p. 28) Não existe uma questão moral em jogo para Macfarlane como há para Fattes. Para o inescrupuloso e jovem médico não existe mal em lidar com os “espantalhos”, mesmo que tenha sido ele o assassino de um deles, pois não existe parâmetro além de seus desejos, seus sonhos de fama e riqueza. O lametrismo lhe serve perfeitamente para explicar seu mundo, um mundo de corpos dissecados e segredos escusos. Nada há para além da materialidade imediata da vida. Nenhum julgamento pode ser feito além daquele do êxito individual. Percebemos que Stevenson faz uma crítica a essa concepção ao retratar esse consciência do corpo através de um ser desprovido de maiores valores morais, que não perde tempo em questões éticas. De certa forma é essa a visão de espanto que algumas pessoas tinham, na época, com relação a medicina moderna. Espanto e terror diante de uma prática médica que não via nenhum embaraço no sacrilégio dos corpos, pondo e questão os valores religiosos e a crença na ressurreição dos mortos no juízo final. Os ladrões de cadáveres eram chamados também de ressurrescionistas, ou homens da ressurreição. A frieza matemática com que a racionalidade moderna lidava com questões tão delicadas criava uma imagem da ciência ligada ao profano, ao aterrorizante. Esse terror vai alimentar outras obras literárias importantíssimas: o próprio Stevenson vai escrever “O Médico e o Monstro”; Mary Shelley vai escrever “Frankenstein”, onde a ciência ultrapassa os limites que lhe seriam impostos pelo sagrado, e 11 ao brincar de criador o homem provoca a sua auto-destruição. Nesses casos a ciência e o cientista são encarnações do mal: Em Frankenstein, e em seus sucessores, como o doutor Jekyll — de O médico e o monstro, de Robert Louis Stevenson — e Moreau — de A ilha do dr. Moreau, de H. G. Wells —, o vilão gótico se transforma em cientista; o poder maléfico já não se concentra em um ser diabólico, mas em criaturas geradas pela ciência. Essas obras, portanto, se encaixam na categoria de romances que alertam sobre as possíveis conseqüências do desenvolvimento da ciência. (Rocque e Teixeira, 2001. p. 14) “O Ladrão de Cadáveres”, de Stevenson, retrata com realismo um dos momentos da história em que a ciência estava ligada a causas reais de terror e medo. Num tempo em que as sepulturas não permaneciam fechadas, e que qualquer pessoas poderia ser “ressuscitada” para servir de objeto da curiosidade de anatomistas de sangue-frio, a imagem da ciência moderna era ligada ao profano, ao obscuro. Dessa atmosfera de medo e espanto nascem os clássicos citados pelos autores acima, permeados de uma visão maligna da ciência. Ciência essa representada simbolicamente pelo jovem médico Macfarlane. Palavras finais De que nos serve dar atenção mais demorada as questões referentes à imagem do corpo num conto que fala de uma prática, o roubo de corpos, hoje praticamente abandonada? Acreditamos que essa reflexão nos ajuda compreender de que forma ao longo da história nossa auto-consciência corporal foi sendo construída. 12 O corpo-máquina, mera matéria nas mãos do anatomista, permeia nosso imaginário desde os tempos da lição do Dr. Tulp, contemporâneo de Rembrandt. A angústia com o destino dos nossos restos mortais levanta questões religiosas e culturais importantes. A medicina exerce uma influência significativa, se não fundamental, nas nossas vidas. O lametrismo não morreu. Está presente até mesmo nos anúncios publicitários onde o corpo é matéria a ser moldada ao nosso bel prazer. O conto de Stevenson, ao nos envolver nas mais sinistras práticas médicas do início da medicina moderna, nos lembra que existe um limite para a dessacralização do corpo. E não saímos impunes desse jogo com os nossos corpos. Seus personagens acabam desenterrando o passado sem querer, e são obrigados a olhar horrorizados o fruto de suas ações. Depois de violarem mais uma sepultura se vêem envolvidos com o seguinte acontecimento: Um medo indescritível envolvia o corpo de Fettes como um sudário molhado, e tornava branca a pele de seu rosto. Um terror sem significado, o horror de alguma coisa que não podia ser, subia-lhe ao cérebro. Mais um minuto e teria falado, mas o companheiro o procedeu. “Não é uma mulher”, disse o outro. “Quero ver o rosto.” Enquanto Fettes iluminava a carroça, o companheiro desatou os nós do saco e abaixou as bordas ao redor da cabeça. A luz caiu muito clara sobre os trações escuros e bem modelados e sobre as maças escanhoadas de um rosto por demais conhecido, hóspede freqüente dos sonhos inquietos de ambos os jovens. um grito selvagem ressoou na imensidão da noite. Cada um pulou para o lado da estrada, a lamparina rompeu-se, apagou-se. O cavalo, assustado pela inesperada balbúrdia, soltou-se e, num galope apres- 13 sado, disparou em direção a Edimburgo, levando consigo o único ocupante da carroça, o corpo a muito tempo morto e dissecado de Gray.” (Stevenson, 1996. p. 28) 14 Referências bibliográficas PINTO, R. N. A educação do corpo e o processo civilizatório: a formação de “estátuas pensantes”. Revista conexões — Campinas, v. 2, n. 2, 2004. ROCQUE, L. de L. e TEIXEIRA, L. A. Frankenstein, de Mary Shelley e Drácula, de Bram Stoker: gênero e ciência na literatura. História, Ciências, Saúde — Manguinhos, vol. VIII(1), 10-34, mar.-jun. 2001. SILVA, A. M. Elementos para compreender a modernidade do corpo numa sociedade racional. Cadernos Cedes — Campinas, ano XIX, nº. 48, Agosto. 1999. STEVENSON, R. L. O Ladrão de Cadáveres. Rio de Janeiro: Ed. Newton Compton Brasil, 1996. 15