A REUMATOLOGIA FORA DOS GRANDES CENTROS* Lúcia Costa, Carmo Afonso Unidade Local de Saúde do Alto Minho, EPE * Este artigo reflete a situação observada no início do ano de 2012 A REUMATOLOGIA FORA DOS GRANDES CENTROS* *Este artigo reflete a situação observada no início do ano de 2012 Lúcia Costa, Carmo Afonso Unidade Local de Saúde do Alto Minho, EPE A Reumatologia no Minho O surgimento e as modificações que o atual Serviço de Reumatologia da Unidade Local de Saúde do Alto Minho (ULSAM) foi tendo ao longo dos anos ilustram bem as grandes assimetrias na distribuição dos cuidados médicos nesta área da medicina, a sua falta de programação e a influência das diferentes conjunturas políticas e respetivas decisões no funcionamento e área de influência das diferentes Unidades Hospitalares. Sediado no Hospital Conde de Bertiandos (HCB) em Ponte de Lima, uma das duas unidades hospitalares da atual ULSAM, nasceu como Serviço de Reumatologia do HCB em Ponte de Lima, unidade hospitalar que à data era independente, em termos administrativos, do Hospital de Santa Luzia (HSL) em Viana do Castelo, que é atualmente o principal hospital da ULSAM. 247 A criação deste Serviço de Reumatologia teve na sua base a ideia de um Médico Internista, natural de Ponte de Lima, que exercendo funções no HCB, perspetivou e pensou a possibilidade de esta Unidade Hospitalar poder ser um Centro de Referência em Geriatria e, para este efeito e na sua opinião, necessitaria ter as valências de Reumatologia e de Medicina Física e Reabilitação, para além da valência de Geriatria, diferenciada da Medicina Interna. Nessa altura, este hospital dispunha apenas da valência de Medicina Interna e de algumas consultas da área médico-cirúrgica no ambulatório. Esta ideia terá sido bem acolhida pelo então Secretário de Estado da Saúde e o Serviço de Reumatologia desta Unidade Hospitalar nasceu aquando da alteração do quadro de pessoal do HCB pela Portaria nº 928/94, de 19 de Outubro. Nesta Portaria está consignada a necessidade de reformulação do quadro de pessoal do HCB, aprovado pela portaria nº749/87 de 1 de Setembro e posteriormente alterado pelas Portarias nºs 1049/92 de 30 de Novembro e 131/93 de 6 de Fevereiro, a fim de assegurar uma resposta satisfatória à dinâmica assistencial que se pretendia implementar, quer ao nível do internamento quer ao do ambulatório, nas vertentes de geriatria, reumatologia e reabilitação, áreas para as quais o Hospital reorientava, assim, a sua atividade. No entanto, apesar de em termos legais estar constituído, este Serviço de Reumatologia não teve durante algum tempo recursos humanos que pusessem em prática a ideia que o originou. Nessa altura, na Região Norte do País, a valência de Reumatologia existia apenas no Hospital de S. João (HSJ) no Porto. Em Fevereiro de 1995 dois especialistas formados no HSJ, por transferência de serviço a seu pedido, ocuparam duas das cinco vagas do Serviço de Reumatologia do HCB recentemente criado, dando assim início à atividade assistencial do atual Serviço de Reumatologia da ULSAM. Não parece ter havido em todo este processo qualquer programação de necessidades. 248 A atividade assistencial deste Serviço, dirigida inicialmente aos utentes do Concelho de Ponte de Lima e Concelhos limítrofes - Concelhos de Arcos de Valdevez, Ponte da Barca e Paredes de Coura, pertencentes ao Distrito de Viana do Castelo, e Concelhos de Vila Verde, Barcelos e Esposende, pertencentes ao Distrito de Braga - estendeu-se rapidamente, de forma natural, aos restantes Concelhos do Distrito de Viana do Castelo – Concelhos de Viana do Castelo, Caminha, Monção e Valença – uma vez que, nesta altura, embora o HSL e o HCB fossem unidades autónomas, eram complementares na prestação dos cuidados médicos à população de todo o Distrito de Viana do Castelo. Este Serviço de Reumatologia foi crescendo progressivamente em número de utentes abrangidos e, felizmente, também em recursos humanos. A partir de 1998, dispondo de quatro reumatologistas, foi possível alargar a sua área de influência aos outros Concelhos do Distrito de Braga, mantendo, no entanto, a influência mais marcada nos Concelhos do Distrito de Braga limítrofes de Ponte de Lima. Este crescimento também ocorreu sem que tivesse havido alguma programação ou uma decisão específica da parte das Autoridades de Saúde. Parece ter sido apenas o bom senso dos responsáveis pelo Serviço, associado às necessidades que se foram criando e ao apoio ao seu crescimento por parte da então Administração Hospitalar do HCB, que determinaram este crescimento e o alargamento da sua área de influência. Nesta altura, o Hospital de S. Marcos (HSM) em Braga, apesar de ter a categoria de Hospital Central e ter previsto um Serviço de Reumatologia, de acordo com o Plano Nacional de Reumatologia, não dispunha de quaisquer recursos humanos em Reumatologia, esperando-se que com a construção do novo Hospital Escala-Braga (HEB), este objetivo pudesse ser concretizado. A Direção do Serviço de Reumatologia do HCB estabeleceu então acordos com as Sub-Regiões de Saúde de Braga e de Viana do Castelo para a referenciação dos doentes para este Serviço, tendo-se verificado 249 rapidamente, haver um grande número de doentes que, até então, não tinham tido qualquer acesso a cuidados médicos especializados, com necessidade de manutenção em vigilância regular em consulta de Reumatologia. O crescimento deste Serviço culminou com o reconhecimento da sua idoneidade formativa e início do Internato Complementar de Reumatologia em 2004. Desde então e até à data, três especialistas de Reumatologia concluíram a sua formação específica neste Serviço e, no momento, em diferentes fases de formação, estão 4 internos em formação específica. Com a abertura de 2 vagas de Reumatologia no ainda HSM, agora já por decisão das Autoridades de Saúde, alterou-se a referenciação de doentes pertencentes à Sub-Região de Saúde de Braga para o Serviço de Reumatologia do HCB, passando apenas a ser referenciados doentes dos já referidos Concelhos do Distrito de Braga limítrofes de Ponte de Lima. Os outros doentes do Distrito de Braga, em particular os doentes residentes no Concelho de Braga, seriam referenciados para a então criada consulta de Reumatologia do HSM. Mais tarde, com a criação do Centro Hospitalar do Alto Minho, EPE (CHAM-EPE) em 2003, o HCB e o HSL deixaram de ser estruturas autónomas. No entanto, apesar de o CHAM ter como missão primordial a prestação de cuidados à população do distrito de Viana do Castelo, os doentes pertencentes à Sub-Região de Saúde de Braga que estavam a ser acompanhados no Serviço de Reumatologia do CHAM, mantiveram a sua vigilância e tratamento regular, assumindo-se cuidado particular com os doentes com patologias mais graves, em tratamento com imunomoduladores clássicos ou com fármacos biotecnológicos, para que estes doentes não ficassem sem uma vigilância adequada. Por decisão do Conselho de Administração do CHAM, a referenciação de novo de doentes pertencentes à Sub-Região de Braga foi no entanto limitada, considerando os custos acrescidos que estes doentes trariam para o CHAM. 250 Infelizmente o acesso à consulta de Reumatologia no HSM alterou-se em pouco tempo uma vez que um dos dois Reumatologistas saiu desta unidade hospitalar, passando a haver, e até à data, apenas um Reumatologista disponível, claramente insuficiente para atender todos os doentes que na altura já estavam a ser referenciados para esta consulta. Mais recentemente, com as alterações na política de Saúde e com as alterações ocorridas no financiamento dos hospitais, o CHAM passou a ULSAM. Esta transformação teve consequências importantes no funcionamento do Serviço de Reumatologia traduzidas, essencialmente, na impossibilidade da referenciação de novo para este Serviço de qualquer utente não pertencente à ULSAM, uma vez que o financiamento da ULSAM não comtempla despesas com quaisquer outros utentes não pertencentes a esta Unidade. A abertura do novo HEB trouxe ainda outros problemas, uma vez que se supunha que este Hospital iria assumir os cuidados à população de todo o Distrito de Braga na área da Reumatologia, o que ainda não aconteceu. Esperava-se que os doentes não pertencentes à ULSAM, mas que estavam a ser tratados nesta Unidade, pudessem ser transferidos para o HEB, deixando a ULSAM de ter os encargos financeiros que lhe são inerentes. No entanto, como referido, neste Hospital continua a haver apenas um Reumatologista sem possibilidade de, sozinho, vigiar e tratar adequadamente todos doentes com patologias inflamatórias crónicas, até agora vigiados na ULSAM, além de lhe ser, também, claramente impossível atender todos os doentes de novo. Julgamos, assim, haver, no momento, na Sub-Região de Saúde de Braga, muitos doentes com patologias potencialmente graves sem acesso a cuidados específicos e sem a possibilidade de referenciação para o Serviço de Reumatologia do HCB, como anteriormente. Entre estas vicissitudes, as relacionadas com os custos dos fármacos, não tem tido, até ao momento, resolução fácil. Continua-se no impasse de quem deve tratar e assumir os custos dos doentes. O Serviço de 251 Reumatologia da ULSAM tem defendido que os doentes não podem ser transferidos para o HEB, sem que neste Hospital haja recursos humanos capazes de atender estes doentes. Por outro lado a Administração da ULSAM pretende desvincular-se dos custos inerentes aos doentes que não lhe pertencem. Assim, no momento, tem acontecido que os doentes não pertencentes à ULSAM mas que vêm a ser acompanhados nesta instituição há longos anos, mantêm o acompanhamento no Serviço de Reumatologia da ULSAM, necessitando, no entanto, de recorrer ao HEB para a obtenção dos fármacos de dispensa hospitalar. Não se perspetivando a resolução destes problemas no imediato, a Reumatologia no Minho, apesar de todos os esforços, e do potencial de recursos humanos que tem vindo a criar, continua a ter que lutar para uma afirmação clara da especialidade, o que, em nossa opinião acarreta consequências desastrosas e óbvias para os doentes. Os novos Serviços de Reumatologia Nos últimos anos têm surgido novas unidades ou serviços de Reumatologia dispersos pelo país, mas, mais uma vez não parece haver, por parte dos decisores, uma estratégia bem definida. Em 2003 a Direção Geral de Saúde (DGS) elaborou um documento que evidenciava que a distribuição geográfica dos Serviços de Reumatologia e dos recursos humanos não correspondia às necessidades e foi proposta uma rede reumatológica nacional, salientando que cada unidade deveria ter um quadro mínimo de 3 reumatologistas. Para a região norte, por exemplo, além dos serviços já existentes Hospital S. João no Porto, Hospital S. Marcos em Braga e Viana do Castelo/Ponte de Lima - deveriam ser criadas unidades em Guimarães, Matosinhos e Vale do Sousa e serviços em Vila Real, Hospital Santo António, no Porto e Hospital de Gaia. Até este momento foi criado um serviço em Vila Real e em Gaia, mas o primeiro tem um reumatologista 252 e o segundo tem dois médicos. A abertura destes centros não partiu de uma iniciativa da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) com abertura de concursos, mas sim da vontade expressa dos reumatologistas que se dispuseram a trabalhar nesses locais. O atual recrutamento dos médicos por contratos individuais de trabalho permite a abertura de lugares de acordo com a vontade de cada Conselho de Administração (CA), sem obedecer a um plano nacional com o objetivo de fazer uma distribuição dos serviços de acordo com as reais necessidades. Nas restantes regiões do país o quadro não difere do norte: as vagas foram abrindo nos hospitais onde os CA foram recetivos às propostas dos reumatologistas que se mostraram interessados em ir trabalhar para esses locais, independentemente do plano nacional traçado. Mais uma vez a regra de cada serviço ter 3 elementos não tem sido cumprida. Com exceção do hospital de Aveiro, onde há três reumatologistas, todos os restantes serviços ou unidades têm um ou dois médicos. Na realidade o exercício solitário da Reumatologia traduz-se habitualmente por perda de potencial. Por um lado, a partilha e discussão de casos complicados facilita a tomada de decisões, por outro, fazem parte do âmbito da reumatologia variadas técnicas, sendo difícil um elemento sozinho dedicar-se convenientemente a todas elas. Nas ausências do reumatologista não é possível manter agendamento de atividades que obriguem a supervisão médica, como por exemplo tratamentos no hospital de dia. Esta atual quase anarquia nas decisões de abertura de lugares para reumatologistas dificulta uma real afirmação da especialidade, mantendo-se em funcionamento nos mesmos hospitais Serviços de Reumatologia com escasso número de recursos humanos e consultas de doenças auto-imunes, muitas vezes com um maior número de médicos, competindo de forma desigual, uma vez que a capacidade de resposta destas consultas acaba forçosamente por ser maior. 253 O trabalho difícil de quem tem assumido iniciar a criação de núcleos de reumatologia fora dos grandes centros, apesar das dificuldades referidas, tem contribuído para o reconhecimento da especialidade e tem permitido o acesso de inúmeros doentes a consultas de Reumatologia na sua área de residência, sem necessidade de grandes deslocações. Esperamos que no futuro as autoridades competentes tenham em conta as necessidades do país para a implementação da rede reumatológica nacional, respeitando o princípio de que cada centro não deverá funcionar com um elemento isolado. 254