1 INTRODUÇÃO Embora conhecido a muitos séculos, somente nas últimas décadas o câncer vem ganhando uma dimensão maior, convertendo-se em um grave problema de saúde pública mundial. Depois das doenças cardiovasculares, o câncer é a segunda principal causa de morte nos países desenvolvidos e contribui também significativamente, para as taxas de mortalidade em adultos, nos países em desenvolvimento. Embora as taxas totais da doença variem pouco em todo mundo, os tipos de câncer observados mundialmente são dramaticamente diferentes (Willett, 2000). Nos Estados Unidos, o câncer é a segunda causa de morte sendo responsável por um em cada quatro casos. Segundo estimativa da Sociedade Americana do Câncer para o ano de 2002, aproximadamente 1.284.900 americanos iriam receber um novo diagnóstico e 555.500 americanos iriam morrer desta doença (EUA/PNCR, 2002). No Brasil, o câncer se configura e se consolida como um problema de saúde pública. Devido a heterogeneidade cultural, demográfica, sócio-econômica e política de suas regiões geográficas, a população brasileira está submetida a fatores de riscos diferentes. A partir dos anos 60, as doenças infecciosas e parasitárias deixaram de ser a principal causa de morte, sendo substituída pelas doenças do aparelho circulatório e pelas neoplasias. Mais recentemente, com o incremento da mortalidade por causas externas, o câncer deixou de ser a segunda causa de morte na população brasileira e passou a ocupar o terceiro lugar (Ministério da Saúde/INCA, 2000). 2 O câncer perde, pouco a pouco, seu caráter fatal graças sobretudo aos constantes progressos científicos. Continua sendo, entretanto, uma gravíssima doença para qual é necessário esforçar-se para preveni-la e mesmo tratá-la de forma adequada o mais precoce possível (Bingan,1991). A terapêutica do câncer depende basicamente do tipo e do estadiamento do tumor. Dentre as modalidades de tratamento antineoplásico, destaca-se a radioterapia (RT) que consiste na utilização de dois tipos fundamentais de radiação: foton (raioX e radiação gama) e o feixe de elétrons (Filho e Ferreira, 1991; Lima et al, 1999). A radioterapia é freqüentemente usada como tratamento primário ou adjuvante de tumores pélvicos e abdominais (Craighead e Young, 1998; Keys et al, 1999). Este tratamento apresenta efeitos adversos sobre o trato gastrointestinal, especialmente no intestino delgado e grosso. O efeito da radiação pode resultar em vários sintomas como: anorexia, perda de peso, desordens abdominais, diarréia, má-absorção e vômitos, podendo causar ainda problemas graves como obstrução intestinal intermitente, fístula, sangramento, perfuração com formação de abcesso ou peritonite que podem necessitar de tratamento cirúrgico (Beer et al, 1985; Regimbeau et al, 2001). O efeito da radiação ionizante no trato gastrointestinal pode ser causado por um efeito direto na própria mucosa ou por uma vasculite obliterativa que pode produzir problemas intestinais isquêmicos anos após o tratamento radioterápico, levando à estenose e necrose das alças intestinais (Yeoh et al, 1993; Nguyen et al, 2002). A injúria da mucosa intestinal que está associada com a radioterapia abdominal, enterite por radiação, é caracterizada por destruição das células 3 proliferativas das criptas, diminuição da altura das vilosidades, ulceração da mucosa do trato gastrointestinal e aumento da permeabilidade intestinal, com conseqüente translocação bacteriana (Maza et al, 2001; Chun et al, 1997 ; Souba et al, 1990a). Tem sido demonstrado que a suplementação com glutamina durante o período pré e pós-radioterapia abdominal, parece prevenir lesões , acelerar a cicatrização do intestino irradiado e diminuir as complicações da enteropatia provocada pela radioterapia, em animais experimentais (Campos et al, 1996a Klimberg et al 1990a). A glutamina constitui um importante substrato metabólico para as células de replicação rápida, sendo uma importante fonte energética para os enterócitos, principalmente em períodos que podem ocorrer danos à barreira da mucosa intestinal (Palanch, 2000). Estudos realizados em animais mostraram que a suplementação de glutamina melhorou a resposta intestinal de adaptação a irradiação abdominal. Ratos que receberam dieta enriquecida com glutamina antes da irradiação apresentaram significativo aumento no número e na altura das vilosidades e aumento no número de mitoses por cripta, indicando portanto que a glutamina apresenta um efeito protetor preventivo da mucosa intestinal (Counter et al 1990; Klimberg,1990a). Em um outro estudo recente, com ratos recebendo dieta rica em glutamina e arginina antes e após a irradiação, foi demonstrado que ambos os nutrientes apresentaram um efeito protetor sobre a mucosa intestinal no período pós-radiação. Os benefícios foram a aceleração da cicatrização e prevenção da translocação bacteriana assim como diminuição da perda de peso. Entretanto a administração conjunta pré e pós-radiação não promove efeito superior quando 4 comparados a administração pós-radiação somente, demonstrando assim a importância da glutamina como efeito terapêutico (Ersin et al, 2000). Pacientes com câncer apresentam alta incidência de desnutrição e mais de 66% deles apresentam inanição durante o curso da doença causado por diferentes fatores inerentes a doença, incluindo anorexia, distúrbios metabólicos, fatores mecânicos ou toxicidade do tratamento capazes de causar má-absorção e disfagia (Capra, 2000). A desnutrição e a perda de peso pré-tratamento têm sido considerados como sendo fatores de prognóstico ruim para a sobrevida e resposta ao tratamento anti-neoplásico (Mercadante,1998). Tannuri et al. (2000) demonstraram que uma dieta rica em glutamina administrada por 15 dias foi eficaz na promoção do ganho do peso e no trofismo da mucosa jejunal em ratos desnutridos aos 21 dias de idade em comparação ao grupo controle. Apesar das evidências demonstrando a ação benéfica da glutamina como efeito trófico e protetor na mucosa gastrointestinal após radiação abdominal, não foi encontrado na literatura estudos mostrando o efeito da glutamina sobre a mucosa intestinal de ratos desnutridos submetidos à radiação abdominal. O modelo experimental de desnutrição já vem sendo utilizado em nosso laboratório desde 1997. Nossos estudos têm demonstrado alterações na função tireóidea das mães e dos filhotes quando a desnutrição protéica é provocada durante a lactação (Ramos et al, 1997; Ramos et al, 2000; Passos et al, 2001a; Passos et al, 2001b). Além disso, demonstramos que a desnutrição em animais adultos afeta a biodistribuição de radiofármacos (Passos et al, 2000b). Os efeitos benéficos da glutamina nesta condição de associação entre irradiação e desnutrição é difícil de ser investigada em seres humanos por razões 5 éticas. Assim, o objetivo do presente estudo é investigar os efeitos terapêuticos e profiláticos da glutamina sobre a mucosa intestinal em ratos adultos desnutridos submetidos à radiação abdominal. 6 REVISÃO DE LITERATURA Câncer As estimativas, incidência e mortalidade por câncer no Brasil, como parte do sistema de vigilância do câncer, fornece um conjunto de informações que permite um melhor entendimento do cenário brasileiro (Ministério da Saúde/INCA2000). Estimou-se que no ano de 2002 haveria 337.535 casos novos e 122.600 óbitos por câncer em todo o Brasil. O principal tipo de câncer que acometeria a população brasileira seria o de pele (tipo não melanócito), com 62.190 casos, seguido por 36.090 casos novos de neoplasia da mama feminina, 25.600 casos novos de próstata, 21.425 casos novos de neoplasia de pulmão e 20.420 casos de neoplasia maligna do estômago (Kligerman, 2002). A análise da mortalidade, expressa como taxa bruta por 100.000 habitantes, mostrou que em 2002 a primeira causa de morte no sexo masculino foi o câncer de pulmão (13), seguido do câncer de próstata (9,1), de esôfago (4,94) e de cólon e reto (4,1). Por seu lado, o câncer de mama (10,3 ) manter-se-ia como a primeira causa de morte por câncer entre as mulheres, seguido pelo câncer de pulmão (5,3), de cólon e reto (4,6), do colo de útero (4,5) e do estômago (4,2). Estes dados fornecem um conjunto de informações, que além de permitir o entendimento do cenário brasileiro, fornece subsídios para o planejamento de ações sob a ótica da prevenção e controle da doença (Kligerman, 2002). O dogma atual em oncologia molecular está construído sobre a premissa de que o câncer é o resultado final de um acúmulo de alterações genéticas, algumas das quais podem ser adquiridas e outras herdadas. Os genes 7 que são alterados são aqueles envolvidos nos processos celulares normais e fundamentais, como regulação, sinalização e diferenciação do ciclo celular Acredita-se que muitos agentes ambientais possam causar as referidas anormalidades genéticas. Estes agentes incluem vírus, agentes químicos, fatores dietéticos e radiações (Savage, 2000). A regulação do ciclo celular é um equilíbrio entre os produtos dos genes que induzem uma célula a replicar-se e outros produtos dos genes que impedem sua replicação. Em muitos tipos de câncer ocorrem defeitos nesses sistemas reguladores, fazendo com que as células sejam impelidas a uma replicação descontrolada. Os genes que podem fazer com que as células em repouso se dividam estão incluídos na classe de genes referidos como oncogenes, enquanto que os genes que podem impedir a divisão celular são membros da família dos genes supressores de tumor. O câncer freqüentemente resulta, em parte, da ausência de atividade supressora de tumor ou de uma atividade exacerbada dos oncogenes ou de ambas (Savage, 2000). Embora o desenvolvimento do câncer seja caracterizado por alterações no DNA e algumas destas mudanças possam ser hereditárias, essas mutações herdadas não podem explicar as diferenças dramáticas nas taxas de câncer observadas em todo o mundo. As variações significativas nas taxas de câncer entre os diferentes países fornecem uma evidência adicional da importância dos fatores ambientais (Willet, 2000; Amorim et al, 2001). Há fortes razões para suspeitar que fatores dietéticos e nutricionais possam ser responsáveis por muitas destas variações observadas nas taxas de câncer (Steinmtz e Potter, 1991; Ziegler et al, 1991). Os hábitos alimentares são responsáveis por aproximadamente 35% de todos os canceres (Doll e Peto, 1981). 8 Os carcinógenos presentes em alimentos específicos podem causar dano direto ao DNA e fatores dietéticos podem bloquear a síntese endógena de carcinógenos ou induzir enzimas envolvidas na ativação ou desativação de substâncias carcinógenas exógenas (Willet, 1994). O dano oxidativo ao DNA é, provavelmente, uma causa importante de mutações e pode ser potencialmente aumentado por alguns fatores dietéticos, como a presença de gorduras poliinsaturadas, ou reduzido por antioxidantes dietéticos e nutrientes que sejam cofatores de enzimas antioxidantes, como selênio e cobre (Willet, 2000Ferrari e Torres, 2002). As evidências indicam que ao longo da vida, o consumo excessivo de energia e gordura em relação às necessidades aumenta o risco de câncer (Ferrari, 1998; Le Marchand et al, 1997). A maior ingestão de vegetais e frutas foi associada a menor risco de muitos tipos de câncer (Goodman, 1997; Weisburger, 2000). Ainda há muitas questões a serem elucidados, e faz-se necessário maiores estudos epidemiológicos nacionais e regionais para apontar o caminho a ser seguido, no sentido de melhor conhecer a realidade da incidência e mortalidade por câncer (Ferrari e Torres, 2002). Tratamento Radioterápico A escolha da terapêutica do câncer depende basicamente do tipo e do estadiamento do tumor. Existem três principais modalidades de terapêuticas para o câncer: a cirurgia, a quimioterapia e a radioterapia (Simone, 1997). A cirurgia oncológica consiste na remoção curativa ou paliativa do tumor através de ressecções ampliadas e este tratamento é considerado preferencial para grande parte dos tumores sólidos (Cameron, 1994). A quimioterapia (QT) foi o primeiro 9 tratamento sistêmico para qualquer câncer e consiste na administração de drogas via venosa ou oral com objetivo de causar morte tumoral (Mclauglin, 1994). A radioterapia (RT) tem sido usada na terapia do câncer desde 1896 e recentemente apresenta um importante papel no tratamento de alguns tipos de câncer. Embora a radioterapia signifique terapia por rádio, na realidade, é o termo que designa vasta especialidade que utiliza diversos tipos de radiação ionizantes (neutrons, prótons e partículas alfa) principalmente no tratamento de lesões malignas (Oliveira et al, 1994). Estas radiações ionizantes especializadas têm o objetivo de causar dano ao DNA e conseqüente morte celular (Poen et al, 1994). Este tratamento apresenta boa indicação para tumores que não possam ser ressecáveis. A dose de radiação é baseada numa estimativa da dose absorvida pelo tumor, medida em unidades equivalentes denominadas centigrays (cGy) ou rads (Simone, 1997). As radiações convencionais exercem o seu maior efeito ao nível de DNA determinando alterações químicas em sua molécula de forma direta ou indireta. No efeito direto, a radiação atinge a molécula de DNA causando alteração química e ruptura da cadeia. No efeito indireto, há uma interação dos elétrons com a água celular e induz a formação de radical hidroxila. Outros radicais também são gerados, porém, o radical hidroxila é o principal componente do efeito radioativo devido a abundante quantidade de água presente nas células. Os radicais livres são altamente reagentes, e se combinam quimicamente com o DNA para determinar a ruptura dupla ou simples de sua cadeia (Nguyen et al, 2002). O mecanismo indireto é responsável por mais de 90% do efeito da radiação, ambos tornam as células incapazes de se reproduzirem. A célula estéril pela radiação 10 pode parecer histologicamente normal e fisiologicamente ativa, porém incapaz de reproduzir-se (Filho e Ferreira, 1991). A radiosensibilidade celular depende da fase do ciclo celular. As células ficam mais vulneráveis ao efeito letal da radiação durante a fase G2 e fase M. Consequentemente, tecidos de proliferação rápida, como as células das criptas do intestino delgado são particularmente sensíveis a radiação. Elas sofrem apoptose e são desprendidas das vilosidades intestinais. Um dos efeitos agudos da enterite por radiação, como a diarréia, ocorre nesta fase (Nguyen et al, 2002). Existem dois métodos de administração de radiação: teleterapia e braquiterapia. A teleterapia utiliza uma fonte radiação externa com ação na área do tumor, em contraste, a braquiterapia utiliza uma fonte de radiação diretamente no tumor, é freqüentemente combinada com a teleterapia e promove um reforço da dose no tumor (Poen et al, 1994; Oliveira et al, 1999). O tempo de resposta clínica em qualquer tecido normal ou maligno é determinado pela taxa de turnover do tecido. Tecidos de rápida replicação e o tumor geralmente exibem perdas celulares em dias ou semanas. A probabilidade de controle do tumor está diretamente relacionada à dose de radiação e inversamente proporcional ao número de células tumorais. O maior fator limitante da dose de radiação é a tolerância de tecidos normais ao volume irradiado (Poen et al, 1994). A radioterapia apresenta um importante papel no tratamento de tumores pélvicos e abdominais como: tumores ginecológicos, de próstata, gastrointestinais, linfomas e outros (Shwartzman, 1980). A dose usual de radiação pode variar de 4000 a 6000 cGy. (Lima et al, 1999), sendo tóxica para as células tumorais e também para células sadias localizadas na área irradiada. 11 Recentemente a combinação com a QT têm sido empregada no tratamento de tumores pélvicos e abdominais com objetivo de aumentar a taxa de cura e sobrevida (Keys et al, 1999). As complicações causadas pela radioterapia vêm sendo estudadas desde a década de 70, quando iniciou a utilização de maiores doses de radiação (Donaldson,1977). Essas complicações continuam sendo um fator complicador e limitador da terapêutica, uma vez que os sintomas adversos podem ser motivo de interrupção do tratamento (Scolapio, et al, 2001). Pacientes submetidos a tratamento radioterápico de tumores em região cervical, abdominal e pélvica apresentam maior incidência de alterações que dificultam ingestão alimentar adequada, sendo necessário implementação de terapia nutricional especializada (Dias et al, 1996; Amdur et al, 1990). Em aproximadamente 20% dos pacientes submetidos a radioterapia pélvica, a diarréia severa leva a uma interrupção do tratamento planejado e pode reduzir a chance de cura da doença (Fyles et al, 1992). A severidade e extensão dos efeitos induzidos pela radioterapia dependem do local do tumor, duração do tratamento e da dose empregada. Durante o curso da radioterapia abdominal e pélvica desordens gastrointestinais e conseqüente perda de peso são quase inevitáveis (Capra et al , 2000). O íleo terminal, cólon sigmóide e reto são os locais que mais freqüentemente apresentam danos causados pela radioterapia pélvica, enquanto que o jejuno e íleo proximal raramente estão envolvidos (Maza et al, 2001). Enterite Induzida por Radiação A enterite induzida pela RT, também conhecida por enterite actínica, é uma desordem da função intestinal resultante do tratamento radioterápico de 12 tumores pélvicos e abdominais (Yeoh e Horowitz, 1987). A enterite por radiação pode ocorrer de 1 mês a 20 anos após a radiação (Hadad et al, 1983). Esta doença é caracterizada por diarréia, dor abdominal, má absorção de nutrientes, estenose intestinal, fístula e sangramento. Quando estes sintomas ocorrem durante ou até 6 meses pós tratamento radioterápico chama-se de enterite aguda e quando ocorre 6 meses após o término do tratamento denomina-se enterite crônica (Cosnes et al, 1988; Maza et al, 2001). Alguns fatores podem predispor ao desenvolvimento da enterite induzida por radioterapia como: combinação entre radioterapia externa e interna, tratamento concomitante de RT e QT, doença inflamatória intestinal prévia e cirurgia abdominal prévia (Regimbeau, 2001). A incidência das lesões induzidas pela RT varia entre 0,5 a 15% para as lesões crônicas e 40 a 75% para as lesões agudas entre pacientes irradiados (Yeoh et al, 1993; Cosnes et al, 1985). A enterite aguda é autolimitada e apresenta sintomas leves, já a enterite crônica é menos freqüente, porém apresenta maior gravidade devido a presença de complicações severas e letais. A enterite crônica apresenta gravidade particular necessitando por vezes de tratamento cirúrgico ou nutrição parenteral prolongada (Craighead & Young, 1998; Beer et al, 1985). A patogênese da enterite induzida por radiação é complexa e pouco compreendida. A enterite aguda está diretamente relacionada à destruição das células da mucosa intestinal, apoptose da cripta intestinal, encurtamento das vilosidades, atrofia e infiltração da lâmina própria com células plasmáticas e leucócitos, estes danos podem ser responsáveis pela má-absorção e diarréia, além destes sintomas também pode ocorrer dor abdominal, anorexia, náuseas, vômitos e depleção da massa livre de gordura (Maza et al, 2001; Beer et al, 1985). 13 Progressos recentes na biologia molecular têm proporcionado maior entendimento sobre a patogênese da enterite por radiação. Segundo Nguyen, et al (2002) a produção de radicais livres causa hiperestimulação do fator de crescimento transformador β1 (TGF-β1) que leva a fibrose aumentada e conseqüente falência do órgão. A enterite crônica é causada por alterações vasculares (endardite obliterativa de pequenos vasos), fibrose da submucosa e dilatação linfática. Histologicamente, é caracterizada pelo progressivo depósito de colágeno difuso e vasculite oclusiva, que resulta no estreitamento da luz intestinal. A injúria do tecido conectivo e endotelial na parede intestinal pode permanecer subclínica por muitos anos e estas lesões iniciais podem levar a isquemia progressiva da parede intestinal (Nguyen et al, 2002; Yeoh e Horowitz, 1987). Os sintomas mais comuns são obstrução intestinal, fístulas, sangramentos, diarréia e perda de peso. O risco para enterite crônica está relacionado com a severidade da enterite aguda, mas a ausência da enterite aguda certamente não exclui o desenvolvimento da enterite crônica (Craighead and Young, 1998). Tanto os comprometimentos da mucosa intestinal agudos quanto os crônicos estão associados com má-absorção de lactose e sacarose, diarréia, esteatorréia, intolerância à lactose e supercrescimento bacteriano (Beer et al, 1985). A perda de peso e a desnutrição progressiva são freqüentes em pacientes com enterite actínica crônica e quanto mais grave a desnutrição pior a resposta ao tratamento da enterite (Capra et al, 2001). O comprometimento do estado nutricional parece estar relacionado com a presença de dor e obstrução do trato gastrointestinal, provavelmente por estes fatores interferirem na ingestão oral (Cosnes et al, 1988). 14 Aproximadamente um terço (1/3) dos pacientes com enterite crônica induzida por radioterapia necessitam de tratamento cirúrgico, porém as complicações pós-operatórias são freqüentes e a reoperação é necessária em aproximadamente 40% dos pacientes (Regimbeau et al., 2001) . A enterite actínica é uma causa freqüente de falência intestinal e consequentemente requer indicação de nutrição parenteral total (NPT). Um quarto dos pacientes que recebem nutrição parenteral domiciliar por falência intestinal apresentam o diagnóstico de enterite actínica (Wolf et al, 1983). A nutrição parenteral é considerada como uma terapia alternativa ao tratamento cirúrgico, além de ser benéfica no período pré e pós-operatório do tratamento da enterite (Scolapio et al, 2002; Pezner e Archambeau, 1985). Segundo Beer et al (1985) a eficácia de uma dieta com baixo teor de gordura, baixo resíduo e sem lactose pode ser eficaz no controle dos sintomas da enterite em seres humanos. Suplementos orais do tipo elementar, fórmulas para nutrição enteral contendo nutrientes hidrolizados, são bem tolerados quando ingeridos no curso da RT pélvica e causam menos diarréia, mesmo após o término da RT. Pacientes que receberam suplementos orais elementares apresentaram ausência de enterite no período de um ano de seguimento, sugerindo que a redução do grau de enterite aguda pode influenciar o aparecimento da enterite crônica (Craighead and Young, 1998; Penzer and Archambeau, 1985). Tem sido demonstrado que a suplementação de glutamina durante o período pré e pós radioterapia abdominal, parece prevenir lesões , acelerar a cicatrização do intestino irradiado e diminuir as complicações da enteropatia provocada pela radioterapia (Souba et al, 1990). 15 Glutamina A glutamina é um aminoácido neutro e gliconeogênico podendo ser sintetizado por todos os tecidos. O principal local de síntese é o músculo esquelético, onde é liberada de acordo com as necessidades para utilização corporal (Curi, 2000). No músculo esquelético a glutamina representa mais de 60% do total de aminoácidos (Savy, 1997). A glutamina representa cerca de 20% do total de todos os aminoácidos livres do plasma com concentrações que variam de 0,5 a 0,9 mM. É considerado um aminoácido não essencial, porém pode tornar-se indispensável em situações especiais catabólicas como trauma, septicemia e câncer (Gianotti et al, 1995, Ziegler, 1996). Desta forma quando a demanda é maior que a produção estabelece-se um quadro de deficiência de glutamina, e por esta razão este aminoácido foi recentemente reclassificado como condicionalmente essencial (Curi, 2000). Em 1965, foi demonstrado que porções intestinais incubadas com glutamina produzem grandes quantidades de CO2, provenientes desta (Neptune, 1965). Tendo sido demonstrado nas décadas de 1970 e 1980, que o intestino delgado é o sítio mais importante de metabolização da glutamina (Windmueller, 1975; Souba et al, 1990b). Eagle (1955) demonstrou que a glutamina é importante para o crescimento e manutenção de células em cultura. Posteriormente este mesmo autor demonstrou que este aminoácido é precursor de nucleotídeos, participando como doador de átomos de nitrogênio durante a síntese de purinas, pirimidinas e aminoaçúcares, além de ser substrato energético para proliferação celular . Nos rins, a glutamina participa do controle ácido-básico como o mais importante substrato para a amoniogênese e no fígado pode servir como substrato 16 gliconeogênico (Curi, 2000). Este aminoácido é um importante substrato energético para células de replicação rápida, como as da mucosa intestinal, fibroblastos, linfócitos e outros (Curi, 2000; Klimberg, 1990; Ardawi, 1988). A glutamina sintetase é uma enzima chave na regulação do metabolismo do nitrogênio, ela catalisa a conversão de glutamato em glutamina, usando amônio como fonte de nitrogênio (Calleone et al, 2000), conforme demonstrado no esquema abaixo: Glutamato + NH3 + ATP Glutamina + ADP + P A hidrólise da glutamina é o primeiro passo na sua utilização. A glutaminase é a enzima que catalisa a hidrólise de glutamina em glutamato e íon amônio. A partir da geração do glutamato por esta reação, outras reações podem ocorrer , principalmente na via que permite que a glutamina seja consumida pelo ciclo do ácido tricarboxílico. Nestes casos, a reação catalisada pela glutaminase limita o fluxo pela via glutaminolítica, de modo que há uma correlação entre a presença de glutaminase e a utilização de glutamina por certo tipo celular (Pompéia, 2000). Glutamina + H2O → glutamato + NH4 A Glutaminase é modulada por diversos agentes , que atuam na sua transcrição. Alguns estudos, no tecido gastrointestinal, evidenciam modulação positiva por glicocorticóides, indução da diarréia, nutrição enteral , aminoácidos de cadeia ramificada e alanil glutamina (Sarantos, 1992; Haque et al, 1996), e modulação negativa por insulina, estados de jejum e desnutrição (Ardawi e Majzoub, 1988; Ardawi, 1987). A glutaminase é inibida pós-traducionalmente por glutamato, seu produto, que pode se ligar ao mesmo sítio da glutamina. O íon 17 amônio inibe esta enzima, o que significa que o metabolismo seja modulado por um mecanismo de retroalimentação negativa (Pompéia, 2000). Ao longo no trato gastrointestinal existe uma alta concentração de glutaminase, esta apresenta maior atividade no intestino delgado, que consome 84% da glutamina intestinal (James, 1998). Parece que a glutamina não atravessa a mucosa intestinal para a circulação, praticamente toda glutamina é consumida pelos enterócitos (Windemueller, 1982) O trato gastrintestinal é o principal órgão de utilização da glutamina e a sua captação ocorre fundamentalmente pelas células epiteliais dos vilos do intestino delgado (luz intestinal) assim como da corrente sangüínea (Savy, 1887). A glutamina é convertida em glutamato na mitocôndria das células intestinais, em seguida em alfa cetoglutarato, que é utilizado pelo ciclo de Krebs para produção de ATP (Miller, 1999 ) O intestino delgado é revestido por uma camada de epitélio prismático simples aderido a uma lâmina própria de tecido conjuntivo frouxo, sendo este conjunto denominado de mucosa intestinal. Essa camada constitui uma superfície limitante entre o organismo e o meio externo, impedindo a entrada de diversos antígenos alimentares e microrganismos. O revestimento intestinal é caracterizado por invaginações (criptas) e evaginações (vilosidades), as vilosidades aumentam a área absortiva (Miller, 1999). O enterócito é o tipo celular predominante, constituindo 80% da população da mucosa. Também são observados linfócitos intraepiteliais, principalmente linfócitos do tipo T, que estão em íntima associação com as células epiteliais (Poussier e Julius, 1994). Os enterócitos são células de proliferação rápida, com ciclo celular de aproximadamente onze horas, em ratos. Na cripta intestinal alojam-se as células 18 progenitoras relacionadas à rápida e intermitente renovação celular. Os enterócitos diferenciam-se durante o processo de migração que se inicia na cripta e termina no topo das vilosidades (Palanch, 2000 ). A alta taxa de proliferação e turnover é geralmente regulada pela disponibilidade de nutrientes, gastrina, hormônio de crescimento, flora bacteriana e atividade neuro-regulatórias. A presença de alimento passando no trato gastrointestinal parece ser o estímulo primário na regulação da resposta proliferativa (Wilmore, 1997). A glutamina apresenta importante papel na integridade da mucosa intestinal. Atrofia da mucosa ocorre freqüentemente em pacientes recebendo NPT e adição deste aminoácido na solução de NPT reverte esta atrofia (O’Dwyer et al., 1989). Uma potencial conseqüência da permeabilidade intestinal aumentada é a translocação bacteriana, que consiste na passagem de bactérias, fungos e suas toxinas através da mucosa para a corrente sangüínea e reage com o sistema retículo-endotelial. Citocinas produzidas por esta reação estimula o eixo hipotálamo-pituitária-adrenal, resultando na liberação de cortisol pelas adrenais. O cortisol aumenta a atividade da glutaminase nos enterócitos, estimulando sua quebra e utilização pelo intestino delgado. Este hormônio também causa aumento da proteólise em outros tecidos e libera glutamina a partir do músculo esquelético. Esta resposta adaptativa auxilia na cicatrização dos danos da mucosa, porém o estresse prolongado pode depletar o estoque de glutamina muscular e consequentemente privar o enterócito de seu vital aporte de glutamina (Miller, 1999). Estudos demonstram que animais com permeabilidade intestinal aumentada recebendo suplementação de glutamina apresentam melhora na função 19 da barreira mucosa, atividade imunológica do intestino e redução da translocação bacteriana (Chun et al., 1997; Foitzik et al, 1997). Glutamina e Enterite Induzida por Radiação As complicações intestinais causadas pela radioterapia pélvica ocorrem principalmente por lesões vasculares, estenoses e necroses das alças intestinais (Klimberg & Mc Clellan, 1996). Estas alterações seriam provocadas pela deficiência de glutation intracelular, ocasionado pelo decréscimo importante dos níveis de glutamina (Souba et al, 1985). O glutamato é precursor da síntese de glutation, que é um potente antioxidante de defesa intracelular (Newsholme et al, 2003). Alguns estudos experimentais indicam que a suplementação de glutamina melhora a resposta intestinal de adaptação a irradiação abdominal. Ratos recebendo dieta enriquecida com glutamina antes da irradiação apresentaram significativo aumento no número e na altura das vilosidades, aumento no número de mitoses por cripta, manutenção da barreira mucosa intestinal e redução da translocação bacteriana, indicando portanto que a glutamina apresenta um efeito protetor preventivo da mucosa intestinal (Klimberg,1990; Campos et al, 1996; Chun et al, 1997). Em um estudo experimental recente, com ratos recebendo dieta rica em glutamina antes e após a radiação, foi demonstrado que este nutriente promoveu efeito protetor sobre a mucosa intestinal no período pós-radiação. Os benefícios foram a aceleração da cicatrização e prevenção da translocação bacteriana assim como diminuição da perda de peso. Entretanto a administração conjunta, pré e pós-radiação, não promove efeito superior quando comparados a 20 administração pós-radiação somente, demonstrando assim também a importância da glutamina como efeito terapêutico (Ersin et al, 2000). Em outros estudos experimentais, utilizando metodologias diferentes, não foi demonstrado o efeito protetor da glutamina sobre a mucosa intestinal irradiada (Scott e Moellman, 1992; Carrol et al, 1994). Tanto a suplementação, via NPT, durante 5 dias pós-radioterapia (Scott e Moellman, 1992) quanto a suplementação via oral, durante 7 dias pré e 7 dias pós-radioterapia abdominal (Carrol et al ; 1994) não resultaram em efeito benéfico da glutamina. Bozzeti (1997) demonstrou que a suplementação com glutamina não proporcionou efeito significativo na resposta ao tumor e/ou nos efeitos adversos da quimioterapia. Por outro lado, Santoso et al (1998) avaliaram o efeito da glutamina na taxa de crescimento tumoral e na radiossensibilidade de células tumorais, in vitro, e demonstraram que células tumorais que requerem um mínimo de glutamina e concentrações suprafisiológicas não aumentaram o crescimento tumoral ou a radioresistência. Portanto, a glutamina pode ser avaliada como um potencial protetor intestinal. Apesar das controvérsias sobre os efeitos da glutamina, existem um número maior de estudos mostrando uma forte evidência em relação ao seu efeito protetor da mucosa intestinal em animais submetidos à radioterapia abdominal, determinando necessidade constante de estudos com objetivo de elucidar mecanismos explicativos e aproximar modelos experimentais à situações clínicas, como a desnutrição e radioterapia. Câncer e Desnutrição O Ibranutri (Inquérito Brasileiro de Avaliação e Nutricional Hospitalar (1996) analisou 4.000 doentes e encontrou uma taxa de 48,1% de desnutrição nos 21 pacientes internados nos hospitais públicos brasileiros e esta desnutrição progride a medida em que aumenta o período de internação. Foi demonstrado que pacientes com câncer apresentavam 3,6 vezes mais chance de apresentar desnutrição do que pacientes com outras doenças (Waitzberg et al, 1999). Pacientes com câncer apresentam alta incidência de desnutrição e mais de 66% deles apresentam inanição durante o curso da doença causado por diferentes fatores inerentes a doença, incluindo anorexia, distúrbios metabólicos, fatores mecânicos, ou toxicidade do tratamento capazes de causar má-absorção e disfagia (Nitenberg e Raynard, 2000). A desnutrição é o diagnóstico secundário mais comum nos pacientes com câncer e pode ser um indicador prognóstico ruim para resposta ao tratamento anti-neoplásico e menor tempo de sobrevivência (Wilson, 2000). A etiologia da desnutrição em pacientes com câncer é multifatorial e estas causas podem ser agrupadas em 3 categorias, ingestão alimentar reduzida; alterações metabólicas e resposta inflamatória e humoral (Nitenberg & Raynard, 2000; Capra et al, 2001). A perda do apetite ou anorexia é o fator mais freqüente e mais importante na deterioração nutricional entre os pacientes com câncer e resulta de mecanismos psicopatológicos. Alterações no olfato e paladar têm sido correlacionadas com diminuição da ingestão alimentar. Redução no tempo da digestão leva possivelmente à saciedade precoce. Disfagia e odinofagia ocorrem freqüentemente em pacientes com tumor de cabeça e pescoço e esôfago. Tumores de TGI levam a obstrução total ou parcial, vômitos e saciedade precoce (Nitenberg & Raynard, 2000). 22 Outros fatores anoréticos têm sido relacionados com a redução da ingestão, tais como hiporesponsividade a insulina, aumento do lactato circulante secundário ao metabolismo anaeróbio, aumento nos níveis de ácidos graxos livres, aminoácidos, citocinas e serotonina (Puccio, 1997) . Tratamentos anti-neoplásicos, como QT e RT também podem ser uma das principais causas de desnutrição. A QT pode causar náuseas, vômitos , dor abdominal, mucosite e má-absorção. Agentes antineoplásicos como fluoracil, adrimicina, metrotexate e cisplatina podem induzir a complicações gastrointestinais severas. Ambos os tratamentos são responsáveis por lesões erosivas em vários locais do tubo digestivo, como ulceração na língua, mucosite e esofagite que marcadamente impedem a ingestão alimentar (Capra et al, 2001). Uma variedade de desordens associadas ao câncer afetam tanto o gasto energético quanto o metabolismo de proteínas, carboidratos e lipídeos. A perda protéica de massa magra e visceral é característica no paciente com caquexia, esta depleção pode estar associada com menor sobrevivência (Nixon et al, 1980). O local de maior perda protéica é a musculatura esquelética. A taxa de síntese protéica reduzida e o aumento da degradação tem sido observados em biópsias musculares de pacientes com câncer e perda de peso (Lundholm et al, 1976). O TNF-α parece estar envolvido com o aumento da degradação protéica, entretanto não parece estar relacionado com a perda de peso (Llova et al, 1993). Um outro mediador recentemente descoberto é o fator mobilizador de proteína (PMF), a administração deste em ratos sem tumor induziu um estado de caquexia e perda de peso sem afetar a ingestão alimentar e hídrica (Todorov, 1996). Intolerância à glicose e resistência periférica à insulínica têm sido caracterizadas em pacientes com câncer e perda de peso. O alto turnover de 23 glicose pode ser devido, em parte, pela aumento do ciclo de Cori, que está envolvido no metabolismo periférico de glicose a lactato pelas células tumorais (Albrecht e Todd, 1996). Aumento na mobilização de lipídeo periférico e oxidação excessiva de ácidos graxos são muito freqüentes em pacientes com câncer (Nitenberg & Raynard, 2000). Uma observação comum em pacientes com câncer e perda de peso é a hiperlipidemia. Esta pode ser causada pela redução da atividade da lipase lipoprotéica (Albrecht e Todd, 1996). Glutamina no Jejum e estresse Durante o jejum ocorrem ajustes fisiológicos com finalidade de manter a glicemia e o aporte adequado de nutrientes para todo o organismo. Existe um aumento da proteólise muscular e possivelmente pulmonar , liberando desta forma aminoácidos, que por desaminação e transaminação, fornecem nitrogênio para que seja incorporado em oxoglutarato e glutamato, formando glutamina. A glutamina serve como um sistema carreador de amômio até o fígado, para formação de uréia e ao rim para formação de sais de amônio (Ardawi, 1990). Além disso o esqueleto de carbono resultante da desaminação é utilizado para síntese de glicose a partir da gliconeogênese (Newsholme et al, 1989). Quando instala-se uma infecção no organismo, ocorre ativação da função imunológica, causando elevação no consumo de glutamina pelas células do sistema imunológico, isso leva a maior produção da glutamina pelo músculo esquelético, sem reduzir significativamente a sua oferta para outros tecidos (Souba e Austgen, 1990). A glutamina apresenta efeito positivo no balanço de nitrogênio corporal e no metabolismo protéico, porém poucos estudos demonstram os efeitos 24 da glutamina sobre o ganho de peso corporal (Curi, 2000). Ratos submetidos à jejum de 3 dias, e conseqüente perda de peso de 14,6%, apresentaram menores níveis de glutamina muscular e menor conteúdo protéico na mucosa intestinal. Além disso, a realimentação por 3 dias não foi capaz de normalizar estes níveis (Boza et al, 1999). Tannuri et al. (2000) estudaram a regeneração da mucosa intestinal, utilizando um modelo de desnutrição em ratos em fase de crescimento (21 dias de idade) com objetivo de determinar se a glutamina exercia efeito trófico sobre a mucosa intestinal, e demonstraram que a ração enriquecida com glutamina, administrada por 15 dias, promoveu significativo ganho do peso e trofismo da mucosa jejunal em comparação ao grupo controle. Como citado anteriormente, poucos estudos associam a suplementação com a glutamina com recuperação do estado nutricional. Assim, no presente estudo avaliaremos o efeito da suplementação de glutamina antes e após a radiação sobre o estado nutricional de ratos adultos previamente desnutridos. 25 OBJETIVOS Geral: - Avaliar os efeitos profilático e terapêutico da suplementação com glutamina sobre a mucosa intestinal em ratos adultos desnutridos submetidos à radiação. Específicos: - Investigar o efeito da desnutrição sobre o conteúdo protéico e estrutura da mucosa intestinal de ratos adultos submetidos à radiação; - Avaliar o efeito da suplementação de glutamina antes e após a radiação sobre o conteúdo protéico e estrutura da mucosa intestinal em ratos adultos desnutridos; - Avaliar o efeito da suplementação de glutamina antes e após a radiação sobre o estado nutricional de ratos adultos previamente desnutridos. 26 MATERIAL E MÉTODOS Animais e Dieta Foram estudados 45 ratos Wistar adultos machos obtidos no Biotério do laboratório de Fisiologia Endócrina/IBRAG/UERJ, mantidos a uma temperatura de 23ºC, com umidade relativa de 40-60% e com ciclo de luminosidade de 12 horas (claro e escuro). Inicialmente todos os animais foram mantidos com dieta normal (ração comercial Nuvilab - Nuvital Nutrientes Ltda, com 23% de proteína) até 4 meses de idade e peso médio de 335,5±32,5g, quando então foram divididos nos seguintes grupos de tratamento e mantidos com tratamento dietético específico por 21 dias: - Grupo Controle (C): dieta normal (ração comercial com 23% de proteína) e água ad libitum. - Grupo Restrição Protéica (RP): dieta hipoprotéica (ração com 8% de proteína) e água ad libitum. - Grupo Restrição Calórica (RC): dieta normal (ração comercial com 23% de proteína), porém com quantidades reduzidas em 60% da ingestão habitual e água ad libitum. A dieta hipoprotéica foi preparada no Laboratório de Fisiologia Endócrina e sua composição está apresentada na tabela 1. A fonte protéica da dieta hipoprotéica foi extrato vegetal de soja e farelo de trigo provenientes da ração comercial macerada (Nuvilab – Nuvital Nutrientes Ltda) e as calorias foram compensadas pela adição de amido de milho para a obtenção de uma dieta hipoprotéica e isocalórica. As misturas de sais e vitaminas foram formuladas de acordo com as recomendações do American 27 Institute of Nutrition Rodents Diets, AIN-93G (1993), nas mesmas quantidades da dieta controle. Tabela 1- Composição das Dietas utilizadas no grupos controle e experimental. Contole Hipoprotéica Proteína 230.0 80.0 Carboidrato 676.0 826.0 Lipídeo 50.0 50.0 Mistura de vitaminas 4.0 4.0 Misturas de Minerais 40 40 Energia Total - kcal 4070.4 4070.4 Proteína % 23.0 8.0 Carboidrato % 66.0 81.0 Lipídios % 11.0 11.0 Ingredientes - g Análise: * De acordo com as recomendações do American Institute of Nutrition Rodents Diets, AIN-93G (1993) Com a finalidade de reproduzir experimentalmente o suporte nutricional, aos quais os pacientes desnutridos são submetidos antes da RT, após os 21 dias de restrição (protéica e calórica) os animais foram mantidos com ração normal ad libitum e juntamente com o grupo controle foram divididos nos seguintes grupos: 1 - CCGlutA, RPGlutA ou RCGlutA: recebendo suplementação oral de L-Glutamina (Resource glutamin ®, Novartis, SP, BR) na dose de 125 mg/100g de peso corporal, por 5 dias antes da RT. 2 - CGlic, RPGlic ou RCGlic recebendo suplementação oral de glicina (Glycina ® Sygma, MO, EUA) no período pré RT. A dose de glutamina foi determinada através de dados de estudos em animais que utilizaram 1,0 a 1,5 mg/100g de peso corporal (Okabe, et al, 1976; 28 Klimberg et al, 1992). Nossa dose administrada também estão de acordo com uma outra recomendação em que este aminoácido corresponde a 2% do conteúdo calórico da ração (Campos et al, 1996; Chun et al, 1997). Foi preparada solução aquosa de aminoácido na concentração 20% e administrada via oral em bolus, com auxílio de seringa, uma vez ao dia. A glicina, que é um aminoácido alifático e não essencial, foi utilizada nos grupos que não receberam glutamina apenas para manter o mesmo aporte de aminoácido entre os grupos. Alguns trabalhos que estudaram o efeito da glutamina relatam que utilizaram a glicina como aminoácido controle (Yeh et al, 2001; Klimberg et al, 1990). Isso permite comparações com o presente estudo. A glicina seguramente não apresenta as mesmas funções da glutamina, não está envolvida no metabolismo intestinal deste aminoácido e diferente de alguns aminoácidos não é um precursor do glutamato, transaminação reversível do glutamato (Santos et al, 1997). Após radioterapia os grupos CGlutA, RPGlutA ou RCGlutA foram subdivididos em: 1 - CGlutA+GlicP, RPGlutA+GlicP e RC GlutA+GlicP: que corresponde aos animais que receberam glutamina antes da RT e glicina após a RT; 2 - CGlutAP, RPGlutAP e RCGlutAP que corresponde aos animais que receberam glutamina antes e após RT. O esquema a seguir resume o desenho experimental utilizado. 29 FIGURA 2 - MODELO EXPERIMENTAL Desnutrição 21 dias Pré RT- 5 dias C Glic n: 5 C n: 15 RT Pós RT - 5 dias C Glic n: 5 C GlutA+GlicP n: 5 C Glut A n: 10 C GlutAP n: 5 RP Glic n: 5 RP n: 15 RP Glut A n: 10 RP Glic n: 5 RP GlutA+GlicP n: 5 RP Glut AP n: 5 RC n: 15 RC Glic n: 5 RC Glut A n: 10 RC Glic n: 5 RC GlutA+GlicP n:5 RC GlutAP n: 5 30 Tratamento Radioterápico Após 5 dias de suplementação de glutamina ou glicina, os grupos casos e controles foram transportados para o serviço de radioterapia do INCA, onde foram anestesiados com pentobarbital® na dose de 0,08ml/100g de peso corporal e receberam dose única de 1000 cGy de radiação gama Cobalto-60 (Theraton 780C) no abdômen. O tórax, cabeça e extremidades estavam localizados fora da área de irradiação. A radiação foi centralizada no abdômen, do processo xifóide ao púbis. A dose de 1000 cGy foi liberada para cada animal, utilizando a técnica de par oposto, irradiando anterior-posterior e posterior-anterior, mantendo a distância fonte eixo (SAD) de 80cm e campo médio de 6x13cm. Como rendimento do equipamento era de 251,6 cGy por minuto o tempo para irradiação de cada animal foi em torno de 4,28 minutos. Procedimento do Estudo No 6º dia após tratamento radioterápico os animais foram anestesiados com pentobarbital (0,20ml/100g de peso corporal) para coleta de sangue e laparotomia. As amostras de sangue foram obtidas por punção cardíaca e rapidamente centrifugadas a 4°C, por 20 minutos, a 3000 rpm para obtenção do soro. Os animais foram submetidos a laparotomia para retirada de 6 cm de jejuno a 10 cm após o piloro. Este segmento foi aberto longitudinalmente e lavado com álcool comercial. Para fixação, o tecido foi imediatamente estendido em uma placa contendo solução de formol tamponado a 10%. Após este corte do tecido jejunal para avaliação histopatológica e estereológica, um segundo segmento de 31 5cm também foi retirado, lavado com solução salina e congelado a - 70 °C, para posterior dosagem de proteínas totais. Processamento Histológico Após 24 horas de fixação em solução de formol tamponado, o tecido foi clivado em 3 cortes verticais e 1 longitudinal, sendo posteriormente desidratado em uma série de álcoois com diluições crescentes e xilol, e incluído em parafina. Os cortes de jejuno foram incluídos em posição longitudinal perpendicular ao plano da microtomia. De cada corte foram obtidos 3 cortes consecutivos, com a espessura de 5μm, num total de 9 cortes por animal. Em seguida foram corados em HE (hematoxilina e eosina) e montados entre lâmina e lamínula, com resina sintética. Avaliação Histopatológica A avaliação histopatológica foi realizada cegamente por um patologista com objetivo de diagnosticar a enterite aguda induzida pela RT e identificar as alterações de mucosa intestinal características desta patologia. A análise das lâminas foram realizadas com aumento de 400 e somente para avaliação da relação vilosidade cripta (RVC) foi utilizado um aumento 100 . Os dados foram fornecidos na forma de laudo subjetivo para cada animal. Os parâmetros avaliados para diagnóstico da enterite foram, grau do processo inflamatório, atipia nuclear, apoptose nas células da cripta e distorção da arquitetura nas vilosidades. Os índices de mucosa indicam a proliferação e regeneração da mucosa intestinal, neste estudo utilizamos a RVC e número de mitoses por cripta. O parâmetros de normalidade foi determinado através de dados encontrados em ratos controles não irradiados de um estudo piloto. Abaixo seguem a classificação dos índices regeneração e grau de inflamação da mucosa: 32 1 - Grau inflamatório da mucosa: este parâmetro foi avaliado como sem inflamação, inflamação leve ou inflamação acentuada. 2 - RVC: esta relação foi classificada como normal (relação 3:1 ou maior), diminuída (relação menor que 3:1). 3 - N° de mitoses por cripta: o número de mitoses por cripta foi classificado como reduzido (n° menor que 5), normal (número de mitoses de 5-10) e aumentado (número de mitoses maior que 10). Estereologia O objetivo da estereologia é determinar parâmetros quantitativos tridimensionais de estruturas anatômicas a partir de cortes bidimensionais, baseando-se na geometria e na estatística (Mandarim-de-Lacerda, 1995). Os cortes histológicos verticais foram analisados através do sistema óptico (microscópio óptico Nova 107). A lente objetiva foi acoplado a uma câmera digital e as imagens obtidas foram transmitidas a um monitor de televisão. A análise estereológica foi feita através de superposição de um sistema teste do tipo ciclóide, que permite a contagem de pontos que tocam as vilosidades. Este sistema teste apresentava 16 arcos, o comprimento de cada arco foi de 37,5μ e a linha teste (Lt) de 600μ (calibração do sistema). A densidade de superfície (área) das vilosidades (Sv) foi analizada com aumento de 100. De cada corte vertical foram analisados 3 campos aleatórios, totalizando 9 campos para cada animal. Este parâmetro é muito importante, pois avalia a relação entre a área e o volume de estruturas morfológicas. Esta avaliação permite discriminar alterações de tamanho das vilosidades. Para determinação do Sv é necessário aplicar a fórmula abaixo: 33 Sv: 2I L Onde: I = número total de interseções, L = comprimento determinado por um ponto teste. Dosagem de Proteínas Totais Processamento do tecido: O tecido jejunal foi pesado e adicionada a este solução tampão contendo fosfato (50 mmol/l) e sucrose (300mmol/l) na proporção 1 parte do tecido para 10 partes da solução tampão (1/10). Para produção do homogenato foi utilizado o homogeneizador Ultra Turrax e uma amostra de 150 µl foi separada para a dosagem. A concentração de proteína total do tecido foi determinada pelo método de Peterson (1977). A primeira fase deste método consiste na fase de precipitação da proteína com DOC e TCA para remoção da maioria das substâncias interferentes. Amostras de homogenato foram diluídas com água destilada até o volume total de 1.0 ml. Foram adicionados em cada tubo de ensaio 100μl de DOC 0,15% (Sigma, MO, USA) e 100μl de TCA 72% (Sigma, MO, USA), em seguida os tubos foram agitados, mantidos em repouso por 10 min e centrifugados a 3000 rpm por 40 min. O sobrenadante foi desprezado invertendo-se os tubos sobre papel de filtro por 10 min. O precipitado foi ressuspenso em 1,0ml de água destilada e agitado. Foi adicionado 1,0 ml de reativo A (CTC / SDS 10% / NaOH 3,2% / água destilada na relação 1:1:1:1), agitado e mantido em repouso por 10 min a temperatura ambiente (20°C). Foi então adicionado 0,5 ml de reativo B (reativo de Folin) diluído em água destilada (1:5), agitado imediatamente em vórtex e mantido em repouso por 30 min a temperatura ambiente (20°C). 34 A leitura da absorbância foi realizada em espectrofotômetro à 750nm. Duas alíquotas de BSA, equivalentes a 10 e 100 mg de proteína foram utilizadas como padrão. O cálculo das concentrações de proteína nas amostras foi feito a partir da equação de Stauffer (1975), e os resultados expressos em mg/ml. Avaliação do Estado Nutricional Ingestão de ração: a ingestão foi monitorada diariamente em todos os grupos experimentais, utilizando o método ingestão e resto. Para aferição desta medida foi utilizada balança digital (Filizola). Peso Corporal: O peso corporal foi monitorado de 2 em 2 dias no período de restrição protéica e diariamente na período de suplementação de glutamina. Para aferição desta medida foi utilizada balança digital (Filizola). Dosagem de albumina sérica: A concentração sérica de albumina foi determinada ao final do período de desnutrição através de método colorimétrico, utilizando Kit comercial (Bioclin, Belo Horizonte, MG). Análise Estatística Os dados foram expressos como média ± erro padrão. Para análise do estado nutricional as diferenças entre os grupos foram determinadas através de teste-t não pareado de Student, no caso da diferença entre os tratamentos com glutamina e glicina, e análise de variância univariada associada à teste de comparação múltipla entre as médias, teste de Newman-Keuls, nos demais casos. As diferenças do Sv entre os grupos foram testadas com o teste não paramétrico de Mann-Whitney. O nível de significância de p < 0,05 foi aceito como estatisticamente significante. 35 RESULTADOS 1 - Peso Corporal e Consumo Alimentar Durante o Período de Desnutrição A evolução de peso corporal dos animais adultos durante os 21 dias de desnutrição está mostrada no gráfico 1A. Os animais submetidos à restrição calórica apresentaram menor peso corporal (14,7%, p< 0,01) em comparação aos grupos C e RP. Esta diferença de perda de peso no grupo RC foi significativa a partir do dia 7 de desnutrição e permaneceu até o final do período. A RC promoveu uma perda final de 7,25% (24,1g) do peso corporal em comparação ao peso inicial. A RP não causou nenhuma alteração no peso corporal, no entanto estes animais apresentaram menores concentrações (p<0,05) de albumina sérica, como pode ser visto no gráfico 1C. O gráfico 1B demonstra que o consumo alimentar foi significativamente menor (64%, p<0,01) no grupo RC. Este fato pode ter determinado a perda de peso neste grupo. Não houve diferença no consumo alimentar entre os grupos C e RP. 36 Peso corporal (g) Evolução do Peso Corporal, Consumo da Ração Durante Período de 21 dias de Desnutrição e Concentrações Séricas de Albumina 400 (A) 350 C RP RC 300 *p<0,05 vs C e •p<0,05 vs RP 250 0 5 10 15 20 25 (B) Dias consumo ração (g) 30 C RP RC 20 10 *p<0,05 vs C e • p<0,05 vsRP 0 0 5 10 15 20 25 dias albumina sérica (g/dl) (C) 6 5 4 * 3 2 1 0 C RP RC Grupos Gráfico 1: Evolução do Peso corporal (A), consumo da ração durante período de 21 dias de desnutrição (B) e Concentrações séricas de albumina (C) no d21 em ratos adultos dos grupos controle (C), restrição protéica (RP) e restrição calórica (RC). Grupo C- livre acesso à ração com 23% de proteína; Grupo RP - livre acesso à ração com 8% de proteína; Grupo RC- acesso limitado à 60% da quantidade de ração ingerida habitualmente, porém com 23% de proteína. Dados expressos como média ± epm. Os dados experimentais foram obtidos utilizando 15 animais em cada grupo. * p<0,05 vs C , • p<0,05 vs RP 37 2 - Peso Corporal e Consumo Alimentar no Período Pré-Radioterapia O peso corporal dos animais no período de 5 dias pré radioterapia recebendo ração normal (23% ptn) e suplementação de glutamina são mostrados no gráfico 2. Durante este período os animais não apresentaram alteração significativa no peso corporal entre os diferentes grupos experimentais. A análise temporal mostra que somente os grupo RCGlutA e RCGlic apresentaram aumento significativo de peso corporal (12% e 9,4%, respectivamente) quando comparado o dia 5 ao dia 1 (p<0,01), porém insuficiente para alcançar os valores do grupo controle. Em relação ao consumo alimentar não houve diferença entre os grupos recebendo glutamina ou glicina no período pré radioterapia, o gráfico 3 mostra estes resultados. 38 Evolução de Peso Corporal de Ratos Durante o Período Pré-Radioterapia (A) Peso corporal (g) 425 400 375 C Glic 350 C Glut A 325 300 0 1 2 3 4 5 6 Dias Peso corporal (g) 425 (B) 400 375 RP Glic RP Glut A 350 325 0 1 2 3 4 5 6 Dias Peso corporal (g) 375 (C) 350 + + 325 RC Glic RC Glut A 300 275 0 1 2 3 4 5 6 Dias Gráfico 2: Evolução de peso corporal de ratos durante o período pré radioterapia (5 dias) nos grupos CGlic (Controle com glicina), CGlutA (Controle com glutamina antes da RT) (A); Grupos RPGlic (restrição protéica com glicina), RPGlut A (restrição protéica com glutamina antes da RT) (B); Grupos RCGlic (restrição calórica com glicina), RCGlut A (restrição calórica com glutamina antes da RT) (C). Dados expressos como média ± EPM. Os dados experimentais foram obtidos utilizando 10 animais nos grupos Glut A e 5 animais nos grupos Glic. + p<0,05 vs dia 1. 39 Consumo de Ração de Ratos Durante o Período Pré-Radioterapia (A) consumo ração (g) 25 C Glic C Glut A 20 15 10 0 1 2 3 4 5 6 dias (B) Consumo ração (g) 20.0 17.5 RP Glic 15.0 RPCG 12.5 10.0 0 1 2 3 4 5 6 Dias (C) consumo ração (g) 40 RC Glic RC Glut A 30 20 10 0 0 1 2 3 4 5 6 dias Gráfico 3: Consumo de ração de ratos durante o período pré-radioterapia (5 dias) nos grupos experimentais com livre acesso à ração com comercial com 23% ptn e suplementação de glutamina. Grupos CGlic (Controle com glicina), CGlut A (Controle com glutamina antes da RT) (A); Grupos RPGlic (restrição protéica com glicina), RPGlut A (restrição protéica com glutamina antes da RT) (B); Grupos RCGlic (restrição calórica com glicina), RCGlutA (restrição calórica com glutamina antes da RT) (C). Dados expressos como média ± epm. Os dados experimentais foram obtidos utilizando 10 animais nos grupos Glut A e 5 animais nos grupos Glic. 40 3 - Peso Corporal e Consumo Alimentar no Período Pós-Radioterapia Os dados de peso corporal no período pós-radioterapia podem ser vistos no gráfico 4. Com relação a evolução temporal do peso corporal pós radioterapia, todos os grupos apresentaram perda de peso significativa (aproximadamente 15,3%) quando comparado o dia 5 com o dia 1 pós RT. Os grupos RPGlic e RPGlutA+GlicP também apresentaram perda de peso significativa no dia 4 comparado ao dia 1. Já os animais RCGlut A+ GlicAP apresentaram perda de peso significativa a partir do dia 3 em comparação ao dia 1, e os animais RC Glic, RCGlut A+ GlicP e RCGlut AP no dia 4 em comparação ao dia 1. O gráfico 5 monstra os dados do consumo alimentar dos animais após a radioterapia. O grupo CGlutAP apresentou menor consumo de ração (p<0,05) comparado ao grupo CGlic nos dias 2 e 5 pós RT. Nos grupos RPGlutA+GlicP e RPGlutAP a ingestão foi significativamente maior (p<0,05) quando comparado aos animais do grupo RPGlic. Já os grupos RCGlutA+GlicP e RCGlutAP não apresentaram diferença significativa em comparação ao RCGlic. 41 Evolução de Peso Corporal de Ratos Durante o Período Pós Radioterapia Peso corporal (g) 400 350 + + + 300 C Glic C Glut A + Glic P C Glut AP 250 200 0 1 2 3 4 5 6 Dias Peso corporal (g) 450 400 350 + + RP Glic + + + 300 RP Glut A + Glic P RP Glut AP 250 0 1 2 400 Peso corporal (g) 3 4 5 6 Dias 350 RC Glic RC Glut A + Glic P + + + + 300 + + + 250 RC Glut 200 0 1 2 3 4 5 6 Dias Gráfico 4: Evolução de peso corporal de ratos durante o período pós radioterapia (5 dias) nos grupos experimentais com livre acesso à ração comercial com 23% ptn e suplementação de glutamina. Grupos CGlic (Controle com glicina), CGlut A+GlicP (Controle com glutamina antes e glicina pós da RT) e CGlutAP (controle com glutamina antes e pós RT ) (A); Grupos RPGlic (restrição protéica com glicina), RPGlut A+GlicP (restrição protéica com glutamina antes da RT) (B); Grupos RCGlic (restrição calórica com glicina), RCGlut A+GlicP (restrição calórica com glutamina e glicina pós RT) e RCGlutAP (C). Dados expressos como média ± epm. Os dados experimentais foram obtidos utilizando 5 animais em cada grupo. ° p< 0,05 vs RC Glic e + p<0,05 vs dia 1. 42 consumo ração (g) Consumo de Ração de Ratos Durante o Período Pós Radioterapia (A) 14 C Glic C Glut A + Glic P C Glut AP 12 10 8 6 4 2 0 * * 0 1 2 3 4 5 6 co nsu mo ração (g) dias RP Glic 10 (B) RP Glut A + Glic P 8 6 π π 4 π π 2 RP Glut AP 0 0 1 2 4 5 6 dias 25 consumo ração (g) 3 RC Glic (C) 20 RC Glut A + Glic P 15 RC Glut AP 10 5 0 0 1 2 3 4 5 6 dias Gráfico 5: Consumo de ração de ratos durante o período pós radioterapia (5 dias) nos grupos experimentais com livre acesso à ração com comercial com 23% ptn e suplementação de glutamina.Grupos CGlic (Controle com glicina), CGlut A+GlicP (Controle com glutamina antes e glicina pós RT) e C GlutAP (controle com glutamina antes e pós RT ) (A). Grupos RPGlic (restrição protéica com glicina), RP Glut A+Glic P (restrição protéica com glutamina antes da RT e glicina pós RT) (B). Grupos RC Glic (restrição calórica com glicina), RC Glut A+Glic P (restrição calórica com glutamina e glicina pós RT) e RC Glut AP (C). Dados expressos como média ± epm. Os dados foram obtidos utilizando 5 animais em cada grupo. * p< 0,05 vs C Glic, π p 0,05 vs RP Glic. 43 4 - Concentração de Proteínas na Mucosa Intestinal Com relação à concentração de proteínas totais no jejuno (gráfico 6) observamos que o grupo CGlutA+GlicP apresenta maiores concentrações (p<0,01) de proteínas em comparação aos grupos CGlic e CGlutAP. O grupo RP GlutA+GlicP apresentou menores concentrações de proteínas em comparação aos grupos RPGlic e RPGlutAP. E o grupo RCGlutAP apresentou maior concentração de proteína que o grupo RCGlutA+GlicP, tendo este último apresentado menor concentração de proteína em comparação ao RCGlic. Comparando os grupos que não receberam suplementação de glutamina observamos que os grupos RPGlic e RCGlic apresentaram maiores concentrações de proteínas (p< 0,01) em comparação ao CGlic e o grupo RPGlic apresentou ainda maior concentração de proteína (p<0,01) em comparação ao RCGlic. Em relação aos grupos que receberam glutamina antes da RT e glicina após, observamos que o grupo RCGlutA+P apresentou menor concentração de proteína (p< 0,01) em comparação ao CGlutA. Em relação aos grupos que receberam glutamina antes e após RT o grupo RPGlutAP apresentou maiores concentrações de proteína (p< 0,01) em comparação aos grupos CGlutAP e RCGlutAP. 44 Concentração de Proteínas Totais no Jejuno nos Grupos Experimentais Q u an t. d e ptn (m cg /m l) 30 ∞ψ *° 20 *∞ π# * ° 10 ψ 0 C Glic C GlutA+GlicP C GlutAP RP Glic RP GlutA+GlicP RP GlutAP RC Glic RC GlutA+GlicP RC GlutAP Grupos Gráfico 6: Concentração de proteínas totais no jejuno nos grupos experimentais. Grupos CGlic (Controle com glicina), CGlut A +Glic P (Controle com glutamina antes e glicina pós da RT) e C Glut AP (controle com glutamina antes e pós RT ) (A); Grupos RPGlic (restrição protéica com glicina), RPGlut A +Glic P (restrição protéica com glutamina antes da RT) (B); Grupos RCGlic (restrição calórica com glicina), RCGlut A+Glic P (restrição calórica com glutamina e glicina pós RT) e RCGlutAP (C). Dados expressos como média ± epm. Os dados experimentais foram obtidos utilizando 5 animais em cada grupo. * p< 0,05 vs C Glic, p< 0,05 vs C Glut A+Glic P, ∞ p < 0,05 vs C Glut AP , π p < 0,05 vs RP Glic , # p<0,05 vs RP Glut AP, ° p < vs RC Glic e ψ p< 0,05 vs RC Glut AP. 45 5 - Análise Estereológica das Vilosidades Intestinais O gráfico 7 mostra a densidade de superfície das vilosidades (Sv) dos grupos experimentais. Comparando os grupos de acordo com o estado nutricional e a mesma suplementação de aminoácidos podemos observar que os animais do grupo RCGlutAP apresentaram menor Sv comparado aos grupos RPGlutAP e CGlutAP (p< 0,05). O grupo CGlutAP apresentou maior (p<0,05) densidade de superfície das vilosidades comparado ao grupo CGlic. Os grupos RPGlutA+GlicP e RPGlutAP apresentaram maior Sv (p<0,05) comparado aos grupos CGlic e RPGlic. SV (mm 2/mm 3) 25 20 *π * *π #∞ 15 10 5 0 CGlic CGlutA+GlicP CGlutAP RPGlic RPGlutA+G RPGlutAP RCGlic RCGlutA+G RC GlutAP Gráfico 7: Sv (área de superfície das vilosidades intestinais) dos grupos Grupos CGlic (Controle com glicina), CGlutA+GlicP (Controle com glutamina antes e glicina pós da RT) e CGlutAP (controle com glutamina antes e pós RT ). Grupos RPGlic (restrição protéica com glicina), RPGlutA+GlicP (restrição protéica com glutamina antes da RT). Grupos RCGlic (restrição calórica com glicina), RCGlut A+GlicP (restrição calórica com glutamina e glicina pós RT) e RCGlutAP. Dados expressos como média ± epm. Os dados experimentais foram obtidos utilizando 5 animais em cada grupo. * p< 0,09 vs C Glic, ∞ p < 0,05 vs CGlut AP, π p < 0,05 vs RP Glic, # p<0,09 vs RP Glut AP. 46 6 - Avaliação Histopatológica Os efeitos da radioterapia na mucosa intestinal que caracterizam a enterite aguda foram evidenciados na análise histopatológica Os sinais encontrados em grande parte dos animais foram de alteração nuclear, apoptose nas células da cripta e distorção da arquitetura nas vilosidades. 6.1 - Relação Vilosidade/Cripta (RVC) Os resultados obtidos sobre a relação vilosidade/cripta na mucosa jejunal estão mostrados na tabela 3. Estes dados apontam que nos grupos CGlutAP, RPGlutAP, RCGlutAP houve maior número de animais com RVC normal que nos grupos CGlutA+GlicP, RPGlutA+GlicP, RCGlutA+GlicP, estes grupos apresentaram RVC semelhante a seus respectivos controles (CGlic, RPGlic e RCGlic). Comparando os grupos com a mesma suplementação de aminoácido e diferentes estados nutricionais observamos que não houve diferença entres os animais dos grupos CGlic, RPGlic e RCGlic, assim como entres os grupos CGlutA+GlicP, RPGlutA+GlicP, RCGlutA+GlicP e também entre os grupos CGlutAP, RPGlutAP, RCGlutAP. Tabela 2: Relação vilosidade/cripta (RVC) dos grupos experimentais. Dados expressos em número (N) e percentual (%). Grupos/ RVC RC C C RP RP RP RC GlutA+ RC GlutA GlutAP Glic GlutA+ GlutAP Glic GlicP GlutAP +GlicP GlicP % N % N % N % N % N % N % N % N % C Glic N Normal 0 0 0 0 2 40 0 0 1 20 2 40 1 20 1 20 2 40 Reduzida 5 100 5 100 3 60 5 100 4 80 3 60 4 80 4 80 3 60 6.2 - Número de Mitoses por Cripta 47 A tabela 4 mostra os resultados obtidos sobre o número de mitoses por cripta. Estes dados indicam que os grupos que receberam glutamina antes ou antes e após a RT (CGlutAP, RPGlutAP, RCGlutAP, CGlutA+GlicP, RPGlutA+GlicP e RCGlutA+GlicP) apresentaram maior número de animais com número de mitoses normal ou aumentado do que animais que não receberam glutamina (CGlic, RPGlic e RCGlic). Sendo que os animais do grupo RCGlic apresentou maior número de animais com reduzido número de mitoses, enquanto que os RCGlutAP apresentaram o maior número de mitoses. Tabela 3: Número de Mitoses por cripta dos grupos experimentais. Dados expressos em número (N) e percentual (%). C Grupos RP C RP C RP RC RC RC Número de Glic GlutA+ GlutAP Glic GlutA+ GlutAP Glic GlutA+ GlutAP GlicP mitoses/ GlicP GlicP cript N % N % N % N % N % N % N % N % N % Reduzido 2 40 0 0 0 0 3 60 1 20 1 20 5 0 3 60 0 0 Normal 3 60 4 80 3 60 2 40 3 60 3 60 0 0 2 40 5 100 20 2 40 0 0 1 20 1 20 0 0 0 0 0 0 Aumentado 0 0 1 5.2 - Grau de Inflamação da Mucosa Intestinal Como demonstrado na tabela abaixo os animais dos grupos que não receberam glutamina (CGlic, RPGlic e RCGlic) apresentaram algum grau de inflamação da mucosa, sendo mais acentuado nos grupos RP e RC. Enquanto, 40 a 60% dos animais dos grupos C e RP que receberam glutamina antes ou antes e após não apresentaram inflamação. Entretanto o grupo RCGlutAP apresentou um maior número de animais com inflamação acentuada do que os animais dos grupos RCGlutA+GlicP, RPGlutAP e CglutAP. 48 Tabela 4: Grau de inflamação dos grupos experimentais. Dados expressos em número (N) e percentual (%). Grupos C C C RP RP RP RC RC RC Número de Glic GlutA GlutAP Glic GlutA+ GlutAP Glic GlutA+ GlutAP mitoses/ +GlicP GlicP GlicP cripta N % N % N % N % N % N % N % N % N % Sem inflamação Inflamação leve Inflamação acentuada 0 0 2 40 3 60 0 0 2 40 3 60 0 0 0 0 0 0 3 60 2 40 1 20 2 40 2 40 1 20 2 40 3 60 1 20 2 40 1 20 1 20 3 60 1 20 1 20 3 60 2 40 4 80 Figura 1 - Mucosa jejunal de rato controle não irradiado. Aumento 400X. Corado em HE. 49 Figura 2 - Mucosa jejunal de rato controle irradiado. Aumento 400X. Corado em HE. Figura 3 – Efeito da suplementação de glutamina sobre a mucosa intestinal irradiada: A - CGlic, B- CGlutAP, C – RPGlic, D - RPGlutAP, E - RCGlutAP. Aumento 100X. Corado em HE. 50 DISCUSSÃO Estado Nutricional Durante Período de Desnutrição A desnutrição e a perda de peso ocorrem freqüentemente em pacientes com câncer e estão associados a menor tolerância ao tratamento e menor sobrevida (Bauer et al.,2002; O’Gorman et al., 1998; Chlebowski et al, 1996). A desnutrição induzida pela restrição protéico/calórica e pelo jejum severo em ratos adultos resultam em perda de peso e em alterações na mucosa intestinal, portanto estes modelos têm sido amplamente utilizados para compreender algumas situações clínicas associadas a desnutrição (Boza et al.,1999; Bissonette et al.,1998; Walrand et al, 2000). Nossos resultados do grupo submetido à restrição calórica reforçam estes estudos, pois observamos uma significativa redução do peso corporal nestes animais. Em humanos uma perda de 7,25% de peso corporal, que foi a que encontramos nos animais RC em comparação ao peso inicial, já é considerada um indicador de risco nutricional (De Wys et al, 1980). Demonstramos em estudos anteriores que a restrição protéica (8%) em ratas lactantes promove um distúrbio no comportamento alimentar, diminuindo em aproximadamente 50% o consumo diário de ração e consequentemente o peso corporal destes animais (Passos et al, 2000; Passos et al. 2001a; Passos et al., 2001b). Estas alterações, no entanto, parecem ser específicas da fase de lactação, uma vez que no presente estudo o consumo de ração e o peso corporal dos animais adultos submetidos à restrição protéica não se alteraram. Campana et al (1990) demonstraram que ratos com 3 meses de idade submetidos à restrição protéica severa (ração com 0% de ptn por 32 dias) também não apresentaram alteração no consumo alimentar, porém apresentaram perda de peso. É provável que no presente estudo tanto o menor período (21 dias), quanto a 51 menor restrição protéica não tenham sido suficientes para causar perda de peso, porém foi observada uma diminuição significativa da concentração de albumina sérica nesses animais em comparação ao grupo controle, confirmando outros estudos (Latorra et al, 1998; Walrand et al., 2000; Claeyssens et al, 1990). Estes resultados revelam que independente da idade e da perda de peso, a restrição protéica pode comprometer significativamente alguns parâmetros bioquímicos, tal como a albumina sérica. A hipoalbuminemia indica diminuição da biossíntese hepática devido ao limitado suprimento de substrato protéico, sendo utilizado com freqüência na prática clínica como um marcador de desnutrição protéica (Carlson et al., 1991; Barrera, 2002), apesar de ser considerado um parâmetro pouco sensível como instrumento preditivo de complicações clínicas (De la Hunt et al,1984). Estado Nutricional e Consumo Alimentar Durante Período Pré-Radioterapia Abdominal Em situações de estresse metabólico ocorrem importantes alterações morfológicas e funcionais nos tecidos, sendo que estas mudanças estão associadas à proteólise muscular aumentada e balanço nitrogenado negativo (Padovese et al, 2000). Dentre as várias alterações no metabolismo protéico destacamos um aumento do consumo de glutamina pelo intestino, pelos linfócitos e pelo rim, além do aumento da liberação deste aminoácido pelo músculo (Hulsewé et a, 1997; Lacey e Wilmore, 1990). Estas situações podem chegar ao esgotamento da glutamina e conseqüente estado de deficiência. Entretanto em situações normais, a dieta oral é suficiente para suprir as necessidade diárias de glutamina (Souba et al., 1990). 52 Em nosso estudo a realimentação com ração normal e suplementação oral com Glutamina durante os 05 dias que antecederam a radioterapia não alteraram a ingestão alimentar de nenhum grupo experimental, corroborando os estudos de Klimberg et al (1990a) e Ersin et al (1999), apesar destes autores terem suplementado glutamina adicionada a dieta líquida ad libitum. Com relação ao peso corporal observamos uma recuperação do ganho de peso corporal nos grupos RCGlic e RCGlut quando comparamos os valores do dia 5 com os do dia 1. Os estudos sobre o efeito da glutamina sobre o ganho de peso são contraditórios, alem disso existem poucas referencias na literatura. Tannuri et al. (2000), utilizando uma suplementação de glutamina, durante 15 dias em animais desnutridos em fase de crescimento, demonstraram aumento do ganho de peso nestes animais. Boza et al (2000) demonstram que ratos submetidos ao jejum por 3 dias apresentaram maior ganho de peso e melhora no pool de glutamina plasmática e muscular quando realimentados com dieta a base de peptídeos em comparação com animais realimentados com dieta a base de aminoácidos livres, mesmo esta contendo maior quantidade de glutamina. Como nossos animais foram realimentados com ração oral normal,durante o período da suplementação com glutamina e também como o grupo que não recebeu glutamina também ganhou peso, é provável que este ganho de peso nestes dois grupos seja devido à realimentação e não à suplementação com glutamina, visto que a dieta oral é suficiente para suprir as necessidade diárias de glutamina na ausência de injúria. 53 Estado Nutricional e Consumo Alimentar Durante Período Pós Radioterapia Abdominal A ingestão alimentar de todos os animais diminuiu cerca de 70%, caracterizando uma anorexia pós-radioterapia abdominal, como ocorre em seres humanos (Donaldson, 1982; Cengiz et al, 2001). Este resultado também foi observado no estudo experimental realizado por Klimberg et al (1990a). Esta anorexia ocorre principalmente por complicações gastrointestinais, sendo muito freqüente a ocorrência de diarréia (Yeoh et al, 1993; Maza et al, 2001). Todos os amimais do presente estudo apresentaram diarréia em grande quantidade a partir do segundo dia pós radioterapia. A diarréia foi nitidamente observada, apesar de não ter sido possível quantificá-la. Portanto, a anorexia e a diarréia determinaram a perda de peso severa (15,3%) observada em todos os grupos estudados. Os animais dos grupos RP e RC apresentaram perda de peso significativa mais precoce do que o grupo C, principalmente o grupo RC, apesar deste último ter recuperado o peso no período pré-radioterapia. Com isso podemos sugerir que o estado nutricional pré tratamento radioterápico pode tornar o animal mais susceptível a perda de peso durante o tratamento mesmo apresentando ingestão alimentar e injúria similares ao grupo controle. Assim, estes dados confirmam a importância clínica do estado nutricional pré-radioterapia, pois segundo Capra et al, (2001) o estado nutricional pré tratamento anti-neoplásico pode interferir na tolerância ao tratamento e na sobrevida do paciente. Observamos respostas diferentes no consumo alimentar dos grupos de acordo com estado nutricional pré-radioterapia e suplementação com glutamina. O grupo controle que recebeu glutamina antes e após a radioterapia (CGlutAP) apresentou menor consumo de ração comparado ao grupo controle que não recebeu glutamina (CGlic), ao contrario, os grupos RP que receberam glutamina 54 antes da RT (RPGlutA+Glic) e antes e após RT (RPGlutAP) apresentaram maior consumo alimentar comparado ao grupo que não recebeu glutamina (RPGlic). O grupo RC não apresentou qualquer alteração no consumo alimentar. Uma possível explicação para a menor ingestão no grupo CGlutAP seria uma associação do estado de eutrofia com um longo período de administração de glutamina (antes e após). O período pós-radioterapia, caracterizado por um estado hipercatabólico e de resposta de fase aguda (Cengiz et al, 2001), parece determinar uma maior direcionamento da glutamina para a via metabólica da neoglicogênese hepática, com objetivo de manutenção da glicemia (Curi, 2000), isto também pode estar ocorrendo nestes animais de uma forma mais intensa que nos demais grupos. Os resultados de maior consumo alimentar dos grupos RP (RPGlutA+Glic e RPGlutAP) podem ser explicados por um mecanismo comportamental compensatório de animais que sofreram restrição protéica anteriormente, com objetivo de obter a máxima captação de proteína na fase de estresse. Mesmo que este maior consumo não resulte em maior ganho de peso ele poderá ser importante para uma maior tolerância e recuperação do tratamento radioterápico. Estes resultados sugerem que o efeito da glutamina sobre a ingestão alimentar responde de maneira diferente de acordo com o estado nutricional anterior à injúria. Efeito da suplementação de glutamina sobre a estrutura e conteúdo protéico da mucosa intestinal de ratos controle submetidos à radioterapia abdominal O nosso modelo experimental foi capaz de induzir a enterite aguda pela observação dos sintomas (diarréia e anorexia) e também pela avaliação histopatológica do tecido jejunal. As alterações histopatológicas da mucosa intestinal características da enterite induzida pela radioterapia encontradas no 55 nosso estudo estão de acordo com os dados em humanos de Maza et al (2001) que encontraram distorção na arquitetura das vilosidades. A avaliação da regeneração das vilosidades intestinais foi realizada através do método de estereologia Sv (área de superfície), que é um método simples e sem viés, porém pouco utilizada (Mandarin-de-Lacerda, 1990). Entretanto, Corazza et al (1985) propôs que esta é a técnica de escolha para avaliação quantitativa da arquitetura da mucosa intestinal. O mecanismo pelo qual a glutamina protege a mucosa intestinal ainda não é bem compreendido, entretanto tem sido demonstrado que a glutamina oral estimula a captação de glutamina pelo intestino pelo aumento da atividade da enzima glutaminase aumentando o transporte através da borda em escova (Klimberg et al., 1990). Outros fatores, além da glutamina oral, modulam a atividade da glutaminase no intestino, dentre eles o jejum prolongado, a desnutrição, período pós-prandial, alimentação enteral e aminoácidos de cadeia ramificada (Zhang et al, 1997; Ardawi e Majzoub, 1998; Mc Cauley et al, 1997; Haque et al, 1996). A suplementação com glutamina antes da radioterapia nos animais controles (CGlutA+GlicP) resultou em maiores concentrações de proteína na mucosa intestinal, aumento no número de mitoses por cripta e ausência de inflamação, porém não foram observadas alterações na área de superfície das vilosidades intestinais. Estes resultados corroboram parcialmente os estudos de Souba et al (1990a) e Klimberg et al (1990) que demonstraram que a suplementação com glutamina antes da radioterapia promoveu um aumento na altura e numero das vilosidades e aumento do numero de mitoses por cripta. Porém, estes autores, administraram glutamina via oral de forma contínua, diferente do nosso modelo onde a glutamina foi administrada uma vez ao dia. 56 Sabe-se que o melhor aproveitamento da suplementação da glutamina é quando está associada com a dieta enteral e administrada pelo menos três vezes ao dia (Savy, 1997). A suplementação com glutamina antes e após radioterapia nos animais controles (CGlutAP) resultou em uma maior área de superfície das vilosidades intestinais, aumento no número de mitoses por cripta e ausência de inflamação, demonstrando que este aminoácido promoveu a aceleração da proliferação celular e conseqüente restauração das vilosidades, porém não alterou o conteúdo de proteínas na mucosa. Estes resultados estão de acordo com os estudos realizados em ratos sépticos e suplementados com glutamina antes e após a radioterapia abdominal (Souba et al, 1990; Chun, et al, 1997; Ersin et al, 2001). Estes estudos demonstraram que a suplementação com glutamina é capaz de proteger a mucosa intestinal, acelerar a cicatrização do intestino e evitar a translocação bacteriana nestes animais. Os nossos dados de suplementação em animais eutróficos mostram que a glutamina antes da radioterapia promove maior síntese protéica, porém não é eficaz para melhorar a estrutura da mucosa intestinal irradiada, enquanto a suplementação antes e após promoveu uma restauração das vilosidades, sem alterar o conteúdo de proteínas na mucosa. É possível que a glutamina administrada antes da radioterapia tenha o efeito benéfico apenas de promover maior síntese protéica porque estes animais recebem uma menor quantidade de glutamina em comparação ao grupo que recebe antes e após. Esta maior síntese protéica parece estar associada à habilidade da glutamina em preservar o pool de aminoácidos livres, a qual regula a síntese protéica, como demonstrado por outros autores no músculo esquelético (Bergstrom et al., 1974; Jepson et al., 1988). 57 No grupo CGlutAP é possível que a glutamina administrada após a radiação tenha estimulado a atividade da glutaminase e aumentado a captação de glutamina para os enterócitos. Além disso, a própria injúria pode ter acelerado o metabolismo da glutamina no intestino promovendo uma restauração das vilosidades. Assim, estes dados sugerem que em condições de estado nutricional adequado a suplementação com glutamina apenas antes da RT possa ser suficiente para melhor recuperação, exceto para a recuperação da densidade de vilosidades. Efeitos da Desnutrição e da Radioterapia Abdominal sobre a Estrutura e Conteúdo Protéico da Mucosa Intestinal de Ratos Restrições dietéticas e desnutrição assim como diversas desordens intestinais estão associadas à perda de peso, redução da imunocompetência, podendo ainda afetar negativamente a morfologia e função intestinal. Os animais desnutridos de ambos os grupos RP e RC, que não receberam glutamina no período pré e pós radioterapia, apresentaram maior conteúdo protéico na mucosa intestinal e não apresentaram alteração da área de superfície de vilosidades em comparação aos animais controles, no entanto a análise histopatológica no grupo RC mostrou um número de mitoses por cripta reduzido e maior grau de inflamação. Estes resultados não corroboram os estudos de Walrand et al (2000) e Boza et al (1990) que avaliaram o efeito da desnutrição sobre as estruturas da mucosa intestinal. No trabalho de Walrand et al (2000) foi relatado que a desnutrição protéica e calórica durante 54 dias em animais adultos acarretou redução na altura das vilosidades e das criptas intestinais. Boza et al (1990) demonstraram que animais submetidos somente ao jejum, por 3 dias apresentaram menor conteúdo protéico e maior permeabilidade intestinal. Porém diferente do nosso trabalho, nestes estudos os animais não foram submetidos à 58 uma injúria adicional, nem a realimentação com dieta normal. No entanto, os nossos dados com relação ao conteúdo de proteínas na mucosa são similares aos resultados de Nieto et al (2000) que observaram um aumento na taxa proteína/DNA da mucosa intestinal de ratos com 21 dias submetidos a desnutrição e diarréia crônica. Assim, não encontramos na literatura nenhum estudo com metodologia semelhante a nossa, ou seja, associando desnutrição protéica ou calórica e injúria radioterápica na idade adulta com alterações na mucosa intestinal, o que torna difícil compararmos os nossos resultados. Em nosso modelo experimental os animais foram desnutridos por 21 dias e realimentados durante 5 dias antes da radioterapia. É provável que esta realimentação pré RT tenha recuperado (homeorresis), pelo menos parcialmente, o estado nutricional destes animais. Além disso, o estresse provocado pela RT num animal previamente desnutrido pode levar a adaptações hormonais e metabólicas diferentes do animal controle. O jejum está associado com um aumento na atividade da proteólise muscular e possivelmente pulmonar, e conseqüente liberação de glutamina destes compartimentos (Welbourne et al 1986; Miller, 1999). A injúria à mucosa intestinal também estimula a liberação de cortisol que causará estímulo para aumentar a liberação de glutamina pelo músculo e pulmão. Esta glutamina circulante é consumida preferencialmente pelo rim (combate a acidose), pelos linfócitos (proliferação) e pelo intestino (reparo e proliferação intestinal) (Saranto et al., 1992). Assim, apesar destes animais não terem recebido glutamina via oral, tanto a desnutrição quanto o cortisol elevado pode estar aumentando a liberação de glutamina de outros tecidos, aumentando a captação da corrente sanguínea para o 59 enterócito, e assim preservando a integridade da mucosa intestinal. A maior síntese protéica nestes animais pode estar associada à habilidade da glutamina em preservar o pool de aminoácidos livres, a qual regula a síntese protéica como citado acima. Para comprovarmos esta hipótese torna-se necessário avaliarmos as concentrações séricas de glutamina e de cortisol, que não foram realizadas no presente estudo. Assim a desnutrição associada à radioterapia abdominal pode levar a alterações adaptativas que aumentam a síntese protéica e preservam parcialmente a integridade da mucosa intestinal. Efeito da Suplementação de Glutamina Sobre a Estrutura e Conteúdo Protéico da Mucosa Intestinal de Ratos Desnutridos Submetidos a Radiação Abdominal A suplementação com glutamina antes ou antes e após a radioterapia no grupo RP (RPGlutA+GlicP e RPGluAP) promoveu aumento da área de superfície de vilosidades, do número de mitoses por cripta e ausência de inflamação, porém não obteve melhora na síntese protéica. No entanto, o grupo RC (RCGlutA+GlicP e RCGluAP) não apresentou aumento da área de superfície de vilosidades, na síntese protéica, e ainda apresentou uma inflamação mais acentuada. Não podemos discutir estes resultados baseado em outros estudos, pois também não encontramos na literatura nenhum estudo avaliando o efeito da glutamina em animais desnutridos submetidos à injúria radioterápica. Estes dados mostram que a suplementação com glutamina protege a mucosa intestinal mesmo no animal submetido previamente à restrição protéica, uma vez que sugerimos que a própria desnutrição associada à radioterapia abdominal pode levar a alterações adaptativas que preservam parcialmente a 60 integridade da mucosa intestinal. Porém, quando os animais são submetidos à restrição calórica a glutamina não exerce os mesmos efeitos. As adaptações metabólicas que ocorrem no animal desnutrido como citado acima parece ser um estado adaptativo da desnutrição. Uma possível explicação para os resultados do grupo RC que receberam glutamina pode ser devido a uma redução nos níveis de glutaminase na mucosa intestinal causado pela desnutrição e consequentemente menor utilização e metabolização da glutamina, pois o jejum prolongado e a desnutrição estão associados à queda na atividade desta enzima no trato gastrointestinal (Galanopoulos, 1988). Isto sugere que a glutaminase é insuficiente para metabolizar uma quantidade suplementar de glutamina exógena, principalmente na forma de administração realizada nosso estudo, que consistiu na dose única diária. È provável que, nestes animais uma dose contínua de glutamina fosse uma melhor indicação. Assim, o fato de no grupo RC estar combinado uma restrição protéico-calórica, que não se verifica no grupo RP, agrava o estado pós radioterapia e a glutamina não exerce nenhum efeito. Assim, estes dados sugerem que o estado nutricional deve ser considerado quando o tratamento com glutamina é indicado, e mostra a importância de se identificar o tipo de desnutrição na avaliação nutricional realizada antes do tratamento radioterápico. 61 CONCLUSÕES 1 - A suplementação oral de glutamina parece não exercer efeitos sobre o ganho de peso corporal e consumo alimentar. 2 - A suplementação oral de glutamina exerce efeitos protetores e terapêuticos na mucosa intestinal irradiada de animais controles e submetidos à restrição protéica, não exercendo estes efeitos, na dose utilizada no presente estudo, quando os animais são submetidos à restrição calórica. 3 - A desnutrição associada à radioterapia abdominal parece levar a alterações adaptativas que preservam parcialmente a integridade da mucosa intestinal. 4 - O estado nutricional deve ser considerado quando o tratamento com glutamina é indicado, pois os dados do presente estudo mostram que ele pode ser recomendado antes da RT em estado de eutrofia e antes e após em estado de restrição protéica 5 - Este modelo é adequado para estudar os efeitos da suplementação com glutamina antes ou após a radioterapia em animais desnutridos. 6 - Este estudo mostra a importância de se identificar o estado nutricional e o tipo de desnutrição na avaliação nutricional realizada antes do tratamento radioterápico. 62 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALBRECHT, J.T. 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