Reflexões sobre a prática e a teoria em PROEJA: Produções da Especialização PROEJA/RS 1 proejafinalpmd.pmd 1 18/11/2007, 19:31 © dos organizadores Todos direitos reservados aos autores. Capa: Vinicius Albernaz Soares Editoração Eletrônica: Rafael Marczal de Lima Projeto Gráfico: Jadeditora Ltda. Fotolitos e impressão: Evangraf Ltda. R333 Reflexões sobre a prática e a teoria PROEJA: produções da especialização PROEJA/RS organizado por Simone Valdete dos Santos, Leomar da Costa Eslabão, Naira Franzoi... [et al.]. – Porto Alegre: Evangraf Ldta., 2007. 424p. : il. ; 14X21cm. Inclui referências. Inclui figuras, gráficos, imagens, quadros e tabelas. 1. Educação. 2. Educação de jovens e adultos – Rio Grande do Sul. 3. Professor – Formação – Especialização – Educação para jovens e adultos. 4. Ensino médio – Educação profissional. 5. PROEJA – Política pública – Educação escolar – Brasil – Rio Grande do Sul. 6. Ensino – Educação profissional e tecnológica. I. Santos, Simone Valdete dos. II. Eslobão, Leomar da Costa. III. Franzoi, Naiva. IV. Albernaz, Roselaine. V. Dorow, Clóvis. VI. Arenhaldt, Rafael. VII. Título. CDU 374.7(816.5) CIP-Brasil. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação. (Ana Lucia Wagner – Bibliotecária responsável CRB10/1396) 2 proejafinalpmd.pmd 2 18/11/2007, 19:31 3 proejafinalpmd.pmd 3 18/11/2007, 19:31 4 proejafinalpmd.pmd 4 18/11/2007, 19:31 Sumário APRESENTAÇÃO ...................................................................................... 9 Especialização PROEJA / RS - PROEJA / RS: Origem, sentidos, percepções CAMINHOS PRECISOS E IMPRECISÕES DA CAMINHADA: A INTEGRAÇÃO DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA COM A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS. ...................................... 12 Caetana Juracy Rezende Silva ACONTECENDO O CURRÍCULO DA ESPECIALIZAÇÃO / PROEJA – RS: DIÁLOGOS DE FORMAÇÃO DE NÓS PARA NÓS MESMOS ................ 18 Naira Lisboa Franzoi, Rafael Arenhaldt e Simone Valdete dos Santos O PROEJA: A CONSTRUÇÃO DE UMA FORMAÇÃO CONTINUADA. ... 32 Clóris Dorow, Leomar da Costa Eslabão, Roselaine Machado Albernaz PROEJA COMO RESGATE DA CIDADANIA ......................................... 44 André Boccasius Siqueira e Beatriz T. Daudt Fischer EJA E A ESCOLA: “ALGUMA COISA ESTÁ FORA DA ORDEM” .......... 55 Arthur da Silva Katrein, Álvaro Moreira Hypolito EDUCAÇÃO: PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL PARA O EXERCÍCIO DA CIDADANIA ..................................................................................... 64 Paulo Roberto Sangoi, Elizabeth Milititsky Aguiar IMPLANTAÇÃO LOCAL DE POLÍTICAS EDUCACIONAIS: AS DIFERENÇAS ENTRE A LEGISLAÇÃO E AS POLÍTICAS DE GOVERNO .......................................................................................... 76 Maria das Graças Barbosa da Silva, Leomar da Costa Eslabão e Maria Antonieta Dall’Igna 5 proejafinalpmd.pmd 5 18/11/2007, 19:31 EXPERIÊNCIAS DE GESTÃO EM PROEJA RECONSTITUINDO OS MOVIMENTOS DE CRIAÇÃO DO PROEJA NO CEFET-RS UNED SAPUCAIA DO SUL ............................................. 88 Margarete Maria Chiapinotto Noro e Maria Aparecida Bergamaschi RELAÇÃO DOS ALUNOS DO PROEJA E DO EMA COM O ESPAÇO FÍSICO DA ESCOLA NO CEFET-RS ........ 101 Lucia Helena Kmentt Costa e Maria Antonieta Dall’Igna AVALIAÇÃO DOS ESTUDANTES DO PROEJA: EM BUSCA DA INOVAÇÃO ...................................................................................... 115 Cristiane Regina Ferrari e Conceição Paludo UM ESTUDO DO CUSTO/ALUNO E CONDIÇÕES DE OFERTA EDUCACIONAL NO CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DE BENTO GONÇALVES ............................................ 125 Rosane Fabris e Nalú Farenzena TRABALHO E EDUCAÇÃO: MEDIAÇÕES E RELAÇÕES NECESSÁRIAS AO PROEJA ESTUDANTES DE PROEJA DO CEFET-BG: UMA MEDIAÇÃO ENTRE ESCOLA E TRABALHO ............................................................ 138 Milene Vânia Kloss e Naira Lisboa Franzoi A ECONOMIA SOLIDÁRIA COMO ALTERNATIVA DE PROEJA ........ 149 Márcia Neugebauer Wille e Clóris Maria Freire Dorow CAPACITAÇÃO DE TRABALHADORES EM UM CENTRO DE TRIAGEM DE RESÍDUOS SÓLIDOS URBANOS: CRIANDO UMA FERRAMENTA PEDAGÓGICA ............................................................. 160 Rafael B. Zortea e Rafael Arenhaldt O OFÍCIO DE CANTINEIRO: OS SABERES TÁCITOS DOS TRABALHADORES DA INDÚSTRIA VINÍCOLA ................................. 174 Alexandre Ferreira dos Santos e Rafael Arenhaldt FAZÊ CARVÃO TEM CIÊNCIA! - APRENDENDO COM OS SABERES DO TRABALHO E DA VIDA PARA PENSAR O TRABALHO E A FORMAÇÃO DE EDUCADORES DA EJA E DO PROEJA .............. 184 Maria do Carmo Canani e Naira Lisboa Franzoi OS SUJEITOS DO PROEJA: QUESTÕES GERACIONAIS, PROCESSOS DE INCLUSÃO E CURRÍCULO PROEJA E ESCOLA TÉCNICA: QUEM SÃO SEUS ALUNOS? ............. 198 Maria Isabel dos Reis Souza Carvalho e Tania Beatriz Iwasko Marques 6 proejafinalpmd.pmd 6 18/11/2007, 19:31 A CULTURA ESCOLAR E A CULTURA JUVENIL NO ESPAÇO TEMPO DA ESCOLA: CONTRIBUIÇÕES PARA O PROEJA ................. 211 Elisete Enir Bernardi Garcia e Carmem Maria Craidy A INSERÇÃO DE CONTEÚDOS GERONTOLÓGICOS NO CURRÍCULO DO PROEJA ........................................................................................... 223 Ângela Gomes e Johannes Doll FORMAÇÃO DE PROFESSORES: EXPERIÊNCIAS NO PROEJA, EXPERIÊNCIAS DO PROEJA, EXPERIÊNCIAS PARA O PROEJA SABERES, INSCRIÇÕES E MOVIMENTOS NA TRAJETÓRIA FORMATIVA DE CORPOS-EDUCADORES: MEMORIAIS DE ESPERANÇAS NO ENSINAR E APRENDER COM A EJA ..................... 236 Dalva J. Balz Bender e Naira Lisboa Franzoi O FAZER PEDAGÓGICO NO PROEJA DO CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DE BENTO GONÇALVES ...................... 252 Maria Teresinha Kaefer e Silva e Simone Valdete dos Santos POSSIBILIDADES E PERSPECTIVAS: CONSTRUINDO SABERES E ENCONTRANDO CAMINHOS PARA A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES NO PROEJA ............................................................ 264 Valéria Catarina Marcos Gomes e Simone Valdete dos Santos TECENDO O CURRÍCULO DO PROEJA A CONSTRUÇÃO E RECONSTRUÇÃO DOS SABERES DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS. .......................................... 276 Celso Panno e Rafael Arenhaldt ARTES VISUAIS PARA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS .......... 287 Ignez Gomes Borgese e Paola Zordan ESTUDO DO TEATRO NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS ...... 299 Lisinei Fátima Dieguez Rodrigues e Tânia Beatriz Iwasko Marques UMA NOVA PROPOSTA DE ENSINO NA ESCOLA PÚBLICA .............. 308 Analice Maria Antoniolli e Juçara Benvenuti CONCEPÇÕES E PRINCÍPIOS PARA UMA PROPOSTA CURRICULAR PARA O ENSINO DE QUÍMICA NO EJA/PROEJA ....... 316 Raquel Lettres e Edson Luiz Lindner O ENSINO DE FÍSICA NAS CLASSES DE EJA/PROEJA: BUSCANDO UMA NOVA PAISAGEM........................................................................ 327 Francisco Barbosa Teixeira e Roselaine Machado Albernaz PENSANDO A INFORMÁTICA EDUCATIVA NO PROEJA .................. 337 Nelza Jaqueline Siqueira Franco e Tania Beatriz Iwaszko Marques 7 proejafinalpmd.pmd 7 18/11/2007, 19:31 CONECTANDO SABERES NO PROEJA:POSSIBILIDADES DE APRENDIZAGEM EM AMBIENTES DIGITAIS ............................... 346 Kely Goze Ferreira e Rosália Procasko Lacerda CANÇÕES, SINFONIAS E INVENÇÕES INTEGRADAS À EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DE JOVENS E ADULTOS: ÂNIMO, CORPO E PENSAMENTO ....................................................... 357 Bernhard Sydow e Rafael Arenhaldt IGUALDADE E DIFERENÇA: DIÁLOGOS PARA O PROEJA O CUMPRIMENTO DA LEI 10639 / 2003 NO PROEJA: ANÁLISE DO MATERIAL DIDÁTICO “A COR DA CULTURA” ................................. 368 Letícia Batistella Silveira Guterres e Simone Valdete dos Santos UM OLHAR PARA AS RELAÇÕES ÉTNICO/RACIAIS NO ESPAÇO PEDAGÓGICO DA EJA DO PROEJA. .................................................... 378 Maritza Ferreira Freitas Flores e Georgina Helena Lima Nunes FALAS QUE DIZEM EXPECTATIVAS DOS EDUCANDOS DA ESCOLA ESPECIAL O SORRISO DE AMANHÃ DA APAE – PASSO FUNDO EM RELAÇÃO AO MUNDO DO TRABALHO ........... 391 Maria Arlete Pereira e Naira Lisboa Franzoi PROSPECÇÃO – PRÓ-POSITIVA - METÁFORAS DE UM TECNOIMAGINÁRIO NA PRODUÇÃO DAS SUBJETIVIDADES NA PESQUISA EM EJA E EAD NA CONSTRUÇÃO DE UM AVA PARA A DIVERSIDADE ....................................................................................... 401 Ronaldo Jorge Rodrigues de Oliveira e Malvina do Amaral Dorneles AS IDENTIDADES E AS DIFERENÇAS NA ESCOLARIZAÇÃO DE JOVENS EADULTOS: REFLEXÕES SOBRE OS DESAFIOS DO PROEJA ..................................................................... 413 Dirnei Bonow e Mauro Augusto Burkert Del Pino 8 proejafinalpmd.pmd 8 18/11/2007, 19:31 Apresentação Compor até que é fácil Difícil é trabalhar Compor é imaginação Izaías M Quintana Izaías é aluno do PROEJA Ensino Médio da Escola Técnica e Colégio de Aplicação da UFRGS. Seu professor é um dos autores deste livro que compõe o fazer pedagógico, os sentidos, os resultados desta experiência pedagógica que é o PROEJA. Compor, como diz Izaías, “até que é fácil”. O processo de autoria é imaginação. Mas no caso de nós docentes, uma imaginação enredada na prática, no que são, no que se constitui nossas escolas, nossos alunos, nossos sonhos. E esse foi o nosso “difícil trabalhar”. Não foi tarefa nada fácil para os professores, técnicos administrativos das escolas comporem-se e re-comporem-se como autores: um expor de si exigente, conseqüente que nos faz e desfaz como criadores e criaturas a todo o momento. A Especialização PROEJA que envolveu diretamente a Faculdade de Educação da UFRGS, os Centros Federais de Educação Tecnológica de Bento Gonçalves e Pelotas iniciou suas aulas em agosto de 2006 e as encerrou em janeiro de 2007. Os artigos aqui presentes revelam a composição deste curso de Especialização – seu currículo, sua relação com as instituições federais de Educação Tecnológica, o caráter inédito da articulação da Educação Básica, especificamente no Ensino Médio, com a Educação Profissional na modalidade Educação de Jovens e Adultos, revelando a composição e re-composição dos Trabalhos de Conclusão de Curso (TCCs) de nossos alunos-professores, professores-alunos. Os orientadores e as orientadoras dos tccs foram co-autores dos artigos, pois indicaram para o grupo de organizadores do livro aqueles mais significativos e contribu- 9 proejafinalpmd.pmd 9 18/11/2007, 19:31 íram no redimensionamento da abordagem, ou seja, na organização e redação final do texto. O PROEJA, circunscrito na Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica SETEC/MEC, é uma política pública necessária, afirmada e refletida em cada linha desta obra. Sua origem histórica está no interior de outras políticas da Educação Escolar no Brasil; a formação docente é o sentido e o desafio da Especialização. Organizamos os artigos em grandes seções que contribuem para o entendimento geral das temáticas abordadas, quais sejam: Especialização PROEJA / RS - PROEJA / RS: Origem, sentidos, percepções; Experiências de Gestão em PROEJA; Trabalho e Educação: Mediações e Relações Necessárias ao PROEJA; Os Sujeitos do PROEJA: Questões Geracionais, Processos de Inclusão e Currículo; Formação de Professores: Experiências no PROEJA, Experiências do PROEJA, Experiências para o PROEJA; Tecendo o Currículo do PROEJA e a última seção intitulada Igualdade e Diferença: Diálogos para o PROEJA. É importante destacar que este livro tem distribuição gratuita pois tal como a Especialização PROEJA, ele foi financiado pela Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica – SETEC, vinculada ao Ministério da Educação. Trazendo novamente Izaías, aluno-cantor-trabalhador do PROEJA, para virarmos a página e nos inspirarmos na alegria, na dor, na descoberta, na reafirmação de cada um, de cada uma que está no cotidiano fazendo do PROEJA uma política pública de Educação perene, exitosa: A chuva caindo Prazer é navegar na música Sem destino certo Só agradecendo a vida 10 proejafinalpmd.pmd 10 18/11/2007, 19:31 Especialização PROEJA / RS - PROEJA / RS: Origem, sentidos, percepções 11 proejafinalpmd.pmd 11 18/11/2007, 19:31 CAMINHOS PRECISOS E IMPRECISÕES DA CAMINHADA: a integração da educação profissional e tecnológica com a educação de jovens e adultos. Caetana Juracy Rezende Silva1 Eu sei que isso que estou dizendo é dificultoso, muito entrançado. Mas o senhor vai avante. Invejo é a instrução que o senhor tem. Eu queria decifrar as coisas que são importantes. (Grande Sertão: Veredas. Guimarães Rosa). A política de integração da educação profissional com a educação de jovens e adultos, traduzida pelo PROEJA2, tem se constituído por uma teia de ações complexas que se articulam de forma mais ou menos direta. Essa teia encontra-se estruturada a partir das seguintes linhas de atuação: formação de profissionais; produção de material teórico-metodológico de referência; fomento à pesquisa e à formação de redes de cooperação acadêmica; conexão com outras políticas setoriais; articulação com segmentos sociais e órgãos administrativos que possuem interface com as temáticas abordadas (visando o aproveitamento de oportunidades de colaboração e a integração de esforços); e monitoramento das taxas de evasão acompanhado de projeto de inserção contributiva nas instituições que apresentam índices maiores do que 30%. Os números estimados para o Programa de Integração da Educação 1 Técnica em Assuntos Educacionais do Ministério da Educação e Coordenadora-Geral de Educação Técnica no Departamento de Políticas de Educação Profissional e Tecnológica da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica. 2 Programa Nacional de Integração da Educação Profissional e com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos. 12 proejafinalpmd.pmd 12 18/11/2007, 19:31 Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA prevêem investimentos da ordem de R$558 milhões no período de 2007 a 2011, sendo R$22 milhões em 2007, R$48,42 milhões em 2008, R$94,78 milhões em 2009, R$178,02 milhões em 2010 e R$238,78 milhões em 2011. Tais recursos devem financiar a formação de profissionais, docentes e gestores, para atuar no Programa; a constituição de núcleos de pesquisa e redes de colaboração acadêmica; material de custeio em geral (para os cursos a serem implantados ou em andamento); material didático e publicações e, para as instituições da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica, incremento na ação nº. 2994 – Assistência ao Educando da Educação Profissional – prevista no Programa nº. 1062 – Desenvolvimento da Educação Profissional e Tecnológica – no Plano Plurianual (PPA 2008-2011). Não estão computados nesses recursos os valores referentes a investimentos em infra-estrutura (obras e equipamentos), objeto de financiamento a ser contemplado em instrumento específico no projeto de expansão e modernização das redes públicas de educação profissional e tecnológica. Esse orçamento também não prevê os valores necessários à manutenção do quadro de pessoal e contratação de professores. Do volume total de recursos destinados ao PROEJA, R$360 milhões devem ser destinados à capacitação de docentes, gestores e técnicos administrativos e R$164 milhões à concessão de benefícios a alunos PROEJA das instituições da Rede Federal. Ressalta-se que a ação nº. 2994 tem como finalidade, conforme sua descrição no PPA, suprir as necessidades básicas do educando, por meio do “fornecimento de alimentação, atendimento médico-odontológico, alojamento e transporte, dentre outras iniciativas típicas de assistência social ao educando, cuja concessão seja pertinente sob o aspecto legal e contribua para o bom desempenho do aluno na escola”. Esse investimento em assistência estudantil é exclusivo para as instituições federais por estarem vinculadas ao MEC e, portanto, mantidas com recursos da União. Para as demais instituições públicas que estão ofertando ou venham a ofertar cursos PROEJA, a vinculação de recursos a serem gastos com manutenção, o que inclui a assistência ao educando, deverá ser contabilizada a partir dos percentuais estabelecidos pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – FUNDEB. No entanto, é importante observar que, no tocante à educação profissional no FUNDEB, podem ser beneficiários dos recursos desse Fundo os alunos regularmente matriculados no ensino médio integrado à educação profissional e na educação de jovens e adultos integrada à 13 proejafinalpmd.pmd 13 18/11/2007, 19:31 educação profissional técnica de nível médio, com avaliação no processo. Para a distribuição dos recursos, a cada modalidade ou etapa é atribuído um fator de ponderação que visa refletir as diferenças de custo de manutenção do estudante, considerando padrões mínimos de qualidade. Conforme o art. 12 da MP339/06, os valores das ponderações são definidos anualmente pela Junta de Acompanhamento dos Fundos, formada por um representante do MEC, um do Conselho Nacional dos Secretários de Estado da Educação – CONSED e um da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação – UNDIME. A Resolução MEC nº. 01, de 15 de fevereiro de 2006, especifica os seguintes valores de ponderação para o ano de 2007: · educação profissional técnica de nível médio integrada ao ensino médio = 1,30; · educação de jovens e adultos integrada à educação profissional técnica de nível médio, com avaliação no processo = 0,70. Algumas questões se apresentam no que diz respeito à definição dos fatores de ponderação para utilização dos recursos do FUNDEB. Pelo Decreto nº. 5.840/2006, o PROEJA abrange – além de cursos de educação profissional técnica de nível médio integrada ao ensino médio – a possibilidade de oferta de cursos de ensino fundamental na modalidade EJA com formação inicial e continuada, bem como de cursos de ensino médio com formação inicial e continuada. Nenhuma dessas duas formas de oferta tem previsão de atendimento pelo FUNDEB. Pode-se compreender que o vínculo se dê pela educação de jovens e adultos. Porém, é preciso considerar que tais cursos são integrados com a educação profissional, não são educação de jovens e adultos isoladamente. Ao se buscar a garantia da qualidade também na formação profissional, conclui-se que o fator a ser atribuído a cursos PROEJA não pode ser inferior ao atribuído ao ensino médio integrado à educação profissional. Ambos os cursos utilizam-se da mesma infra-estrutura de laboratórios, acervos bibliográficos, material de consumo para aulas práticas etc. Afora isso, a necessidade de ações de apoio e assistência estudantil a esse público tem se mostrado muito superior àquelas apresentadas pelos educandos dos cursos de ensino médio integrado que não na modalidade EJA. A garantia da qualidade mínima dos cursos PROEJA passa, portanto, pela utilização de um valor de ponderação no mínimo igual aquele atribuído ao ensino médio integrado. Isso sem entrar no mérito do que possa justificar o fator de ponderação da EJA ser menor do que o dos demais cursos da educação básica. 14 proejafinalpmd.pmd 14 18/11/2007, 19:31 Para o cálculo da meta de educandos a serem atendidos pelo Programa, foram debitados os custos com a manutenção da infra-estrutura física e de pessoal, por serem objetos de outros programas de financiamento previstos no Plano de Desenvolvimento da Educação. Pelas razões expressas anteriormente, também foi subtraído o volume de recursos necessário a ações de apoio aos educandos nas redes públicas estaduais, distrital ou municipais. Após o débito desses fatores, foi estabelecido como valor de referência para cada matrícula R$650,00. Tal valor não corresponde, pois, ao custo-aluno e sim a um incremento que busca garantir certa qualidade ao atendimento. Ao dividir o montante anual de investimentos pelo valor unitário de referência, são obtidos os seguintes números que representam a quantidade de matrículas que se tem por meta a cada ano: 74.492 em 2008; 145.815 em 2009; 273.876 em 2010; 367.353 em 2011. A partir dessa projeção, pretende-se que 12.000 matrículas sejam realizadas nas instituições da Rede Federal em 2008, 25.000 em 2009, 40.000 em 2010 e 60.000 em 2011. Vale ressaltar que os cursos PROEJA em nível médio têm uma duração média de três anos (2.400h). Desse modo, o número de matrículas é cumulativo pelo período de duração do curso. A quantidade de novas matrículas no ano de 2008, por exemplo, repercutirá no número total de matrículas de 2009 e 2010. É importante observar que, segundo os resultados do Censo Escolar 2006, a quantidade de matrículas na educação profissional técnica de nível médio (em todas as formas e modalidades de oferta) era de 744.690 mil. Em relação a 2006, a meta estipulada para 2008 corresponde a 10% de crescimento no total de matrículas provocado por uma única modalidade (considerando apenas as novas matrículas). Para a capacitação de profissionais dos sistemas públicos de ensino para atuar no PROEJA, têm-se como meta a qualificação de 120 mil profissionais, até 2011, em cursos de especialização (pós-graduação lato sensu) com carga-horária mínima de 360h e cursos de extensão com carga-horária entre 120h e 240h, além de ciclos de seminários e oficinas de atualização pedagógica e administrativa. A tabela a seguir apresenta as metas e orçamentos anuais. 15 proejafinalpmd.pmd 15 18/11/2007, 19:31 Apesar de a primeira turma PROEJA ter iniciado suas aulas no segundo semestre de 2005, em curso técnico da área de Construção Civil, oferecido pelo Centro Federal de Educação Tecnológica de Roraima – CEFET RR, a oferta de cursos PROEJA anterior ao segundo semestre de 2006 é quase inexistente. Em agosto de 2007, registrava-se em torno de 7,6 mil matrículas nas escolas federais e um índice de evasão de aproximadamente 7%. Não foi realizado levantamento para obtenção do número de cursos e matrículas PROEJA em escolas estaduais. Ainda em 2006, foram constituídos 15 pólos para oferta dos cursos de especialização PROEJA para profissionais dos sistemas públicos de ensino, formando quase 1,7 mil especialistas. Em 2007, ampliou-se para 21 pólos e calcula-se a qualificação, em nível de pós-graduação lato sensu, de aproximadamente 2,5 mil docentes e gestores. Além dessas ações, ainda em 2006 foram constituídos, em acordo de cooperação entre CAPES e SETEC/MEC, nove grupos de pesquisa sobre a integração da educação profissional com a educação de jovens e adultos. Esses grupos envolvem dezenas de profissionais na pesquisa sobre os campos de atuação do PROEJA e são responsáveis pela consolidação de uma rede de cooperação acadêmica e pela produção e divulgação de estudos e pesquisas que possam contribuir para a implantação do Programa, expansão da oferta e melhoria da qualidade. Na busca da ampliação das oportunidades educativas a partir da oferta pública, de qualidade e laica com o horizonte de uma formação plena e emancipatória para as populações de jovens e adultos que não tiveram acesso à educação básica nem tão pouco à formação profissional, outras discussões são imprescindíveis. Dentre elas encontram-se questões como a garantia de acesso, permanência e aprendizagem desses sujeitos nas instituições de ensino; a gestão participativa e solidária dessas instituições; e a integração curricular entre a formação básica e a profissional. É também de especial importância para garantia de permanência, significação da aprendizagem e contribuição para a constância desses contingentes em suas regiões, a sintonia dessas ofertas educativas (escolha dos cursos, metodologias e currículos) com as vocações econômicas e culturais, arranjos produtivos locais e outras condições do contexto social do educando. Ao mesmo tempo, a consolidação dessa proposta enquanto fazer cotidiano, só se torna possível por sua apropriação pela coletividade gerando uma profunda mudança de cultura no sentido da valorização tanto da educação formal quanto da informal. Dessa forma, alguns dos caminhos precisos passam pela construção e consolidação coletiva de um projeto de alta complexidade em coerência com um planejamento claro de longo prazo para o desenvolvi- 16 proejafinalpmd.pmd 16 18/11/2007, 19:31 mento social do país. Nas imprecisões da caminhada, encontram-se os desafios de buscar a continuidade considerando a efemeridade das equipes de articulação, coordenação, monitoramento e avaliação das políticas públicas e tendo em conta a estrutura precária de pessoal nos órgãos administrativos e nas instituições de ensino, bem como a falta de garantia de financiamento sistemático para além dos próximos quatro anos. Como possibilitar a constituição de núcleos regionais de monitoramento que permitam o acompanhamento, a avaliação e a assessoria permanente para controle da evasão, permitindo alcançar escala, em médio e longo prazo, sem comprometer a qualidade e como inserir-se em uma política mais ampla de EJA, construindo-se dentro de uma visão integral da educação brasileira, são outros tantos passos desse devir. Referências BRASIL. Decreto nº 5.840, de 13 de junho de 2006. Institui, no âmbito federal, o Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA. ______. Emenda Constitucional nº 53. ______. Lei nº 11.494, 20 de junho de 2007. Conversão da MP nº 339/2006. Regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – FUNDEB. ______. Ministério da Educação. O Plano de Desenvolvimento da Educação: razões princípios e programas. Brasília: MEC, 2007. ______. Ministério da Educação. Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA: formação inicial e continuada/ensino fundamental. Brasília: MEC, 2007. ______. Ministério da Educação. Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA: educação profissional técnica de nível médio/ensino médio. Brasília: MEC, 2007. ______. Resolução MEC nº 01, de 15 de fevereiro de 2007. Define as ponderações aplicáveis à distribuição proporcional dos recursos advindos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação - FUNDEB . INEP. Censo Escolar 2006. Brasília: INEP, 2006. _______. Ministério da Educação. Sistema de Informações do Ministério da Educação – SIMEC, módulo do Plano de Desenvolvimento da Educação – PDE, acesso restrito a usuário cadastrado: http://simec.mec.gov.br/ acesso em 1o de outubro de 2007. 17 proejafinalpmd.pmd 17 18/11/2007, 19:31 Acontecendo o currículo da Especialização / PROEJA – RS: Diálogos de formação de nós para nós mesmos Naira Lisboa Franzoi1 Rafael Arenhaldt2 Simone Valdete dos Santos3 1. Os Encontros “A história é sempre a história de uma sociedade, mas com toda a certeza a de uma sociedade de indivíduos”. (Elias, 1993,p.65) Dissertar sobre a memória da Especialização PROEJA é dissertar sobre os encontros e desencontros daqueles e daquelas protagonistas desta memória. Os autores deste texto e atores do processo estiveram e estão nas teias de interdependência4 que fazem e refazem o PROEJA. Um dos fios que compõe nossa teia de entrelaçamento ao PROEJA corresponde à pesquisa5 sobre experiências inovadoras de elevação de 1 Professora da Faculdade de Educação da UFRGS, coordenadora do Projeto de pesquisa vinculado ao Programa CAPES/SETEC/PROEJA/RS. 2 Professor da Especialização PROEJA/RS, da rede municipal de Porto Alegre e coordenador pedagógico da Escola Técnica Mesquita vinculada ao Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de Porto Alegre. 3 Professora da Faculdade de Educação da UFRGS, coordenadora da Especialização PROEJA/ RS. 4 Elias (1993). 5 Pesquisa desenvolvida no ano de 2004, por demanda do MEC. Foi conduzida nacionalmente pelo IIEP (Intercâmbio,Informações, Estudos e Pesquisas) e na Região Sul (estados do Rio Grande do Sul e de santa Catarina) por uma equipe da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Naira Lisboa Franzoi, Nalu Farenzena, Rafael Arenhaldt, Vera Maria Vidal Peroni, Simone Valdete dos Santos, Elizabete Zardo Burigo) e Tânia Raitz da UNIVATES em Santa Catarina. 18 proejafinalpmd.pmd 18 18/11/2007, 19:31 escolaridade articulada à Educação Profissional, que possibilitou um primeiro encontro nosso. Ao construirmos o currículo da Especialização PROEJA, imprimimos nele a marca dessas experiências. A dissertação de mestrado de Rafael foi inspiradora da concepção da formação de professores de nós e para nós mesmos, daí a construção do currículo em módulos. No âmbito do decreto 5840/06 se gesta a idéia da necessidade da formação continuada dos professores para atuar no PROEJA. A participação na elaboração do documento-base do Programa, o encontro na I Jornada Nacional da Produção Científica em Educação Profissional e Tecnológica6 com o CEFET de Bento Gonçalves promoveram o protagonismo das instituições envolvidas na Especialização as quais, no Rio Grande do Sul, constituíram um pólo, denominado pela SETEC/MEC como “consórcio” coordenado pela Faculdade de Educação, da UFRGS; CEFET/RS, de Pelotas; CEFET de Bento Gonçalves e, Escola Técnica e Colégio de Aplicação da UFRGS, esta articulação aglutinou vários outros CEFETs e Escolas Técnicas do estado. Tal entrelaçamento, já dentro do espírito de integração do PROEJA, trouxe a especificidade de constituição, de visão de mundo, da Educação Profissional orientada pelos CEFETs, e da universidade, com a Faculdade de Educação, na experiência acumulada de formação de professores. A especialização foi concebida ao final do primeiro semestre de 2006. E, com a aproximação do fim do primeiro mandato Lula, era necessário que sua execução se desse ainda no segundo semestre do mesmo ano para que fosse garantida. Para que a emergência do tempo não atuasse como um possível “desencontro”, foi preciso muita disciplina e dedicação dos alunos-professores/professores-alunos e do corpo docente. O curso ocorreu com aulas de agosto de 2006 a janeiro de 2007, sempre com aulas de sexta-feira a sábado7, e o período de fevereiro a agosto de 2007 foi dedicado à elaboração dos Trabalhos de Conclusão de Curso. Realizaram-se três turmas: uma em Porto Alegre, uma em Bento Gonçalves e uma em Pelotas. Esta última ficou a cargo da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Pelotas em articulação 6 Evento ocorrido em Brasília no período de 27 a 29 de março de 2006. Todos os alunos, professores em exercício, permaneceram com suas atividades nas instituições de ensino. Não ocorreu qualquer redução de carga horária para dedicação ao curso, salvo os dias de aula presencial, o que exigiu estratégias pedagógicas por parte da organização do curso, para não sobrecarregar os alunos e ao mesmo tempo não prejudicar a qualidade do curso. 7 19 proejafinalpmd.pmd 19 18/11/2007, 19:31 com o CEFET/RS, de Pelotas. Este texto refere-se às duas primeiras turmas, cuja certificação ficou sob a responsabilidade da UFRGS e do CEFET de Bento Gonçalves (CEFETBG). Segue um quadro, com dados gerais das três turmas, presente no relatório circunstanciado encaminhado para SETEC/MEC em maio de 2007: (*) expectativa de formação e monografias defendidas em função do número de matriculados nas turmas O corpo discente foi assim constituído: professores da Escola Técnica e do Colégio de Aplicação da UFRGS; professores e funcionários da Unidade de Ensino do CEFET de Pelotas em Sapucaia do Sul e do CEFETBG; oito professores da rede estadual, 24 professores da municipal e 13 professores vinculados ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, Movimento Negro e a programas de Atendimento Sócio Educativo à crianças, adolescentes e jovens em conflito ou não com a lei – que no quadro acima constam como “outros”. Como corpo docente tivemos professores da Faculdade de Educação da Escola Técnica e do Colégio de Aplicação da UFRGS; do CEFETBG e nas orientações de TCC contamos ainda com outros professores mestres e doutores destas instituições, mais da Escola Agrotécnica Federal de Sertão e do CEFET de São Vicente do Sul. Esta composição discente e docente compôs um desenho heterogêneo nas turmas, pressuposto constitutivo do PROEJA na articulação inédita entre EJA, Educação Profissional e Ensino Médio. 20 proejafinalpmd.pmd 20 18/11/2007, 19:31 1.2 O (des) encontro entre educação geral e educação profissional Entender que os alunos da EJA são alunos trabalhadores, ou “trabalhadores-alunos” como preferem alguns, exige que a categoria trabalho tenha presença marcante em um currículo adequado a esta etapa da vida e de ensino. E, ainda que não possa ser negada uma habilitação profissional àqueles que vivem do trabalho, há que se ter claro que mesmo uma formação profissional não pode ser confundida com preparação estreita. Mas mais que isso, há que se ter claro que se uma habilitação para o trabalho é necessária, não é suficiente. Os dados insistem em mostrar que a escolaridade e ou formação profissional não garantem emprego ou melhores empregos. Vivemos um tempo em que o desemprego atinge índices alarmantes e condições dignas de trabalho são exceção. Em qualquer dos casos estamos falando de uma formação em sentido lato. E, por mais que velhas palavras possam parecer gastas, elas devem ter sempre seu sentido reatualizado. Por isso nunca é demais repetir, quantas vezes for necessário, que se trata de uma formação humana para a emancipação. Mais do que preparar para assumir um lugar no mundo do trabalho, é necessário compreender as relações que ele encerra, para que esses jovens e adultos passem de vítimas de uma sociedade excludente a protagonistas de uma sociedade que se quer mais justa, ou seja, para que assumam seu lugar em uma sociedade contraditória e em movimento. Para tanto é necessário entendê-la como contraditória e em movimento. Para uma formação que não se quer estreita, o trabalho por ela contemplado também não pode ser tomado naquilo que lhe torna estreito, mas naquilo que ele tem de mais pleno. É preciso entender que, posto que é dimensão fundante da condição humana, o trabalho implica a todos nós. A realização do processo completo do trabalho diz respeito a comunicar-se, produzir e usufruir. Começa, pois, quando ao interagir, física e espiritualmente, com o mundo e com os outros homens, “o ser humano primeiramente se expressa, se comunica, admira, contempla, entende e explica” E se completa “quando o homem frui dos bens naturais, artesanais, industriais, estéticos” (Nosella, 2006, p. 20). Por isso o trabalho nos coloca em relação. Compreender isso torna a humanidade mais humana e permite desenvolver laços de solidariedade entre aqueles que vivem de seu trabalho e aqueles que consomem o que é por eles produzido. E é por isso que se tem insistido em um currículo que integre as ditas humanidades e a área técnica. E se tanto se tem insistido em tal integração é porque o trabalho enquanto conteúdo da formação só pode 21 proejafinalpmd.pmd 21 18/11/2007, 19:31 ser pensado em todas as suas dimensões. É esse o lugar que o trabalho deve ocupar em qualquer etapa de ensino e, em especial, no ensino médio e na modalidade EJA. Evidentemente, isto requer colocar em diálogo áreas tão distanciadas por condicionantes históricos e, logo, os professores dessa áreas. Estes são os pressupostos que estão na base de qualquer currículo que se quer integrado, e foi deles que partimos para a concepção deste currículo. 2 Os módulos curriculares integrados De forma reflexiva, procuramos aqui narrar a maneira pela qual foi concebida, configurada, gestada e tecida a concepção curricular do Curso de Especialização do PROEJA/RS, bem como a forma acontecida do currículo, ou seja, a materialização desta concepção curricular na prática e na operacionalização no cotidiano das turmas de Porto Alegre e Bento Gonçalves. Organizado e planejado em Módulos Curriculares Integradores, podemos representar graficamente o itinerário de formação da seguinte forma: 22 proejafinalpmd.pmd 22 18/11/2007, 19:31 Conforme mostra a organização curricular acima, o Curso foi planejado em três Módulos, quais sejam: 1º Módulo – Matriciamentos da formação docente; 2º Módulo - Gestão escolar e suas interfaces e 3º Módulo - Experiências inovadoras na Educação Profissional, na Educação de Jovens e Adultos e no Ensino Médio. Cada um destes Módulos concebeu um Trabalho Integrador e Articulador, cuja principal intencionalidade foi o encaminhamento de subsídios e questões potencializadoras para o Trabalho de Conclusão de Curso de caráter individual, elaborado ao longo do curso. De um modo geral podemos destacar que o Trabalho Integrador e Articulador do Primeiro Módulo previu um aprofundamento sobre os significados do ser professor na Educação Profissional, na Educação de Jovens e Adultos e na Educação Básica, sustentada e embasada na significação da experiência docente a partir da escrita de si: do Memorial Formativo. Posteriormente, no Segundo Módulo, foi desencadeada uma pesquisa da/sobre a realidade escolar das instituições e experiências de EJA integrada à Educação Profissional. Já no Terceiro Módulo ocorreu o encontro de outras possibilidades pedagógicas, que não passam, necessariamente, pela instituição escolar na perspectiva de um esboço das intenções de pesquisa do aluno, articulando a metodologia e as respectivas escolhas teóricas. Cabe destacar ainda que enquanto perspectiva transversal e integradora do currículo foi criada a Disciplina “Invenções e Intervenções Pedagógicas” que desenvolvida ao longo dos três Módulos, procurou dar visibilidade às “intervenções e invenções” dos alunos enquanto professores da Educação Profissional, da Educação Básica e da Educação de Jovens e Adultos, refletindo sobre suas experiências de vida, prática pedagógica e docente através de uma escrita reflexiva de si, materializada no Memorial Formativo e no processo de visibilização das experiências pedagógicas inovadoras das instituições, projetos e programas que cada aluno ou grupo de alunos participa ou participou, na perspectiva de uma formação de nós para nós mesmos. 23 proejafinalpmd.pmd 23 18/11/2007, 19:31 2.1 Do Memorial8 Formativo ou do Trabalho Integrador no Primeiro Módulo Curricular Compreendido como o Trabalho Integrador do Primeiro Módulo do Curso, o Memorial Formativo procurou dar visibilidade - através da escrita reflexiva de si - às experiências profissionais, acadêmicas e formativas dos alunos, articuladas às opções e escolhas de natureza teórica, no sentido de descrever e apontar seus interesses e abordagem para a elaboração do TCC – Trabalho de Conclusão de Curso. Assim sendo, a elaboração dos Memoriais Formativos teve como objetivo proporcionar um contexto de produção que instigasse cada aluno-professor em formação a re(vi)ver seu percurso. Re(vi)ver a trajetória escolar e refletir sobre o desenvolvimento profissional, já que somos profissionais que não deixamos a escola ou outros espaços de formação – enquanto lugar de formação e de atuação profissional –, se consolidando numa experiência importante para ressignificar algumas memórias escolares e (re)pensar as aprendizagens e suas condições de produção. Nas Turmas de Porto Alegre e Bento Gonçalves foram produzidos 88 Memoriais pelos alunos, lidos e avaliados pelos professores do Primeiro Módulo do Curso. Destacamos que o formato e a linguagem das produções dos Memoriais contemplaram diversos recursos de formatação criativos para expor e materializar a inscrição de si. Não somente o recurso da escrita, mas ilustrados com imagens, fotos, documentos, objetos que expressaram outras possibilidades de inscrição/escrita de si. Não somente uma escrita linear e cronológica da sua história de vida, obedecendo inclusive uma outra linearidade expressa pela emoção, pelo afeto e pela escolha de eventos e episódios marcantes e constituintes da docência na pessoa. Nessa perspectiva, salientamos que a escrita do Memorial é um recurso formativo potencial para a reflexão da docência e da prática pedagógica. Assim destacamos que a escolha, neste Primeiro Módulo Matriciamentos da Formação Docente, pela escrita do Memorial se 8 Memorial: do Lat. memoriale. Relativo à memória; que faz lembrar; memorável; obra literária que relata factos históricos; petição em que há referência a um pedido anterior; livrinho de lembranças; apontamento. O Memorial Formativo pode ser compreendido como: um gênero discursivo privilegiado para a divulgação dos saberes e conhecimentos docentes; uma escrita reflexiva sobre suas práticas e sobre si mesmo; uma narrativa reflexiva onde se pode fazer “dialogar” o processo de formação e a prática docente; uma possibilidade interessante para estimular uma reflexão sobre a escola e seus contextos de aprendizagem; uma reflexão de como nos tornamos o que nós somos, isto é, uma reflexão do porque e do modo pelo qual nos tornamos educadores. 24 proejafinalpmd.pmd 24 18/11/2007, 19:31 sustenta na aposta formativa da reflexão de si. Em outras palavras nos questionamos e indagamos: Por que, afinal, escrever um Memorial neste percurso formativo? O Memorial Formativo tem sido cada vez mais utilizado enquanto ferramenta e instrumento em cursos e percursos formativos devido sua natureza reflexiva, na perspectiva do “professor reflexivo”. A escrita de si - através da escrita de um Memorial - não se esgota em si mesma, ela estende suas fronteiras para além de si, como processo formativo e reflexivo, já que “a apropriação que cada pessoa faz do seu patrimônio existencial, através de uma dinâmica da compreensão retrospectiva, é fator de formação” (OLIVEIRA, 1998, p.9). O relato de si é reflexão de si, é formação. Trata-se, como destaca a autora, da “instalação de uma outra cultura na formação de professores [: a] cultura do professor reflexivo” (p.10). Assim sendo, o exercício de produção de Memoriais é uma plataforma de lançamento à reflexão sobre si mesmo e um dispositivo privilegiado para a compreensão do processo de formação pessoal e profissional. Essa é uma perspectiva que vem se afirmando progressivamente nos espaços de formação continuada, à medida que toma as narrativas como gêneros discursivos privilegiados para os educadores escreverem suas histórias e comunicarem os seus saberes e conhecimentos. A produção de Memoriais na formação continuada permite que aquele que escreve reconheça o seu “saber que sabe”, isto é, a percepção crítica das possibilidades, limites, implicações e compromissos. Nesse sentido, quando tomamos consciência desse “saber que sabe” já não poderemos recusar-nos em tomar posição diante da realidade. E se consideramos que o desenvolvimento pessoal e profissional são processos inter-relacionados, a escrita de Memoriais nos processos formativos representa uma atividade privilegiada, porque potencializadora do conhecimento de si e do outro, da própria vida e do próprio trabalho. Em outras palavras, a escrita autobiográfica – através do exercício de escrita de um Memorial - tem reforçado que o registro de nossas lembranças e reminiscências mais significativas se faz importante pela possibilidade que inaugura de darmos sentido à nossa trajetória e projetarmos uma direção ao que ainda pretendemos construir e experimentar como aprendentes e mestres. Nesse sentido, podemos dizer que o exercício da escrita autobiográfica é uma tarefa que exige - além do registro da própria trajetória profissional - que cada autor reflita a respeito do que viveu – o que nem sempre é prazeroso e habitual – mobilizando conhecimentos, saberes, 25 proejafinalpmd.pmd 25 18/11/2007, 19:31 crenças, emoções e o estabelecimento de relações não necessariamente percebidas até então. Trata-se de uma perspectiva que pressupõe um sujeito protagonista de seu percurso de formação e dos diálogos que estabelece sobre sua atuação profissional. Tal como afirma Benjamim (1994), entende-se que a vida não pode ser separada do modo pelo qual podemos nos dar conta de nós mesmos: narrar nossas histórias é, portanto, um modo de dar a nós mesmos uma identidade. E assim, reinventar-se permanentemente. Ainda enquanto acontecimento curricular do Primeiro Módulo destacamos o Seminário sobre a Temática da Educação Popular com a presença do Prof. Adriano Nogueira junto a turma de Porto Alegre nas dependências da Escola Técnica da UFRGS. Além disso, inspirados pelas belas e criativas escritas de si, materializadas nos Memoriais Formativos dos alunos do Curso de Especialização, elaboramos e estruturamos um Blog intitulado Memoriais e Histórias de Vida9 criado com o intuito de publicizar e dar visibilidade as Histórias de Vida e Memoriais Formativos de Educadores, na perspectiva de se conhecer e compreender as múltiplas histórias e memórias da vida escola, da educação e da docência. 2.2 Da Pesquisa da Realidade Escolar ou do Trabalho Integrador no Segundo Módulo Curricular Concebida enquanto Trabalho Integrador do Segundo Módulo, a Pesquisa da Realidade Escolar do PROEJA envolveu, especialmente, as disciplinas: Metodologia de Pesquisa em Educação; Sujeitos da Educação, saberes e mundo do trabalho; Políticas sociais e políticas educacionais; Políticas educacionais e a gestão da escola e Projetos políticos pedagógicos, ocorridas durante o Segundo e Terceiro Módulos, sendo que a entrega do trabalho pelos grupos ocorreu ao final do Terceiro Módulo. Os docentes destas disciplinas leram e avaliaram os trabalhos dos grupos. Como orientação geral para a Pesquisa da Realidade Escolar foi elaborado o seguinte roteiro: · instrumentos de pesquisa (questionários, entrevistas) que envolvam os diversos atores sociais dos projetos escolares do PROEJA: alunos/as, professores, funcionários, direção, comunidade do entorno da escola (associação de moradores, clube de mães, grupo de bocha, etc) e outros; 9 Acesso através do endereço eletrônico: http://memorialformativo.blogspot.com 26 proejafinalpmd.pmd 26 18/11/2007, 19:31 · apreciação do que existe (projeto político pedagógico do PROEJA, política pública relacionada), o que é necessário (em relação ao projeto político pedagógico do PROEJA, política pública relacionada) e o que se faz para atingir o necessário; Nessa perspectiva a Pesquisa da Realidade Escolar, procurou encaminhar e potencializar a elaboração do Trabalho de Conclusão de Curso (monografias ou artigos científicos individuais) nas seguintes ênfases: · Concepções / propostas do PROEJA na escola; · Financiamento; · Formação de professores; · Currículo; · Material didático; · Articulação entre as esferas de governo; · Sujeito / aluno do PROEJA: trajetórias, acesso e permanência; · Relações interpessoais; · Gestão administrativa / Estrutura para implementação do PROEJA na escola; · Práticas Pedagógicas; As instituições escolares, objeto de pesquisa dos grupos foram as seguintes: duas pesquisas foram sobre a Escola Josué de Castro do MST situada em Veranópolis, duas sobre o CEFET de Bento Gonçalves, uma sobre a Escola Agrotécnica Federal de Sertão, uma sobre a UNED de Sapucaia do Sul, uma sobre a Escola Agrotécnica Federal de Alegrete, uma sobre o projeto da Escola Técnica e Colégio de Aplicação da UFRGS e uma sobre o Programa Integrar da Federação dos Metalúrgicos do Rio Grande do Sul. A experiência inicial de PROEJA do CEFET de São Vicente do Sul não foi pesquisada, sendo que os grupos tiveram de três até treze componentes, sendo divididas as tarefas de planejamento, execução e análise das pesquisas, durante os meses de novembro de 2006 a janeiro de 2007. Pela brevidade em que estas pesquisas foram desenvolvidas a reflexão sobre seus resultados terá continuidade na próxima edição do curso que ocorrerá a partir de novembro de 2007 envolvendo 7 turmas de 50 professores – alunos / alunos professores 27 proejafinalpmd.pmd 27 18/11/2007, 19:31 no RS, sendo convênios da UFRGS com o CEFET de São Vicente do Sul para execução de duas turmas, Colégio Técnico Industrial de Santa Maria para outras duas turmas, CEFET de Bento Gonçalves para uma turma e articulação das UNEDs de Sapucaia do Sul e Charqueadas, Escola Técnica e Colégio de Aplicação para duas turmas em Porto Alegre. O Grupo de Pesquisa CAPES / PROEJA10 também tem nestes relatórios de pesquisa material possível para análise do PROEJA como política pública. Como grandes questões retiradas dos resultados destas pesquisas é possível citar: a formação profissional do PROEJA não correspondendo as de excelência das instituições – no caso da UNED de Sapucaia do Sul vinculada ao setor plástico e no CEFET de Bento Gonçalves ao curso de Enologia – é considerada de segunda categoria? Será uma formação profissional de pobre para pobre? Quais os significados do currículo integrado? Qual é a melhor forma de acesso para os alunos do PROEJA nas instituições – prova, sorteio? Como pode ocorrer a formação continuada dos profissionais do PROEJA? 2.3 Da Elaboração do TCC ou do Trabalho Integrador no Terceiro Módulo Curricular As duas turmas somavam 88 alunos para orientar monografias. Tal empreitada foi possível somando aos professores do curso, mestres e doutores do quadro docente do CEFETs, Escola Técnica e Colégio de Aplicação da UFRGS, Agrotécnica de Sertão, outros professores da Faculdade de Educação da UFRGS não vinculados ao corpo docente do curso. Sendo que esta articulação foi realizada, na maioria das situações, pelos próprios alunos- professores do curso, dentro do processo de formação de nós para nós mesmos. Foram realizadas duas reuniões gerais com os orientadores dos TCCs, onde foi possível visualizar a heterogeneidade das temáticas de pesquisa, trajetórias vinculadas à Educação Profisssional, ao EJA, à Educação Básica. No mês de janeiro de 2007 realizamos um Seminário de Acompanhamento das pesquisas e dos TCCs, no qual o grupo de 10 A partir do Edital PROEJA-CAPES/SETEC número 03/2006 foi instituído o grupo de pesquisa CAPES/SETEC/PROEJA coordenado pela UFRGS junto com a Unisinos e UFPEL, tendo nestas instituições e nos CEFETs parcerias de pesquisa com bolsas de mestrado e doutorado nos Programas de Pós-graduação em Educação destas três instituições de ensino superior já citadas, sendo a duração do programa até 2009. 28 proejafinalpmd.pmd 28 18/11/2007, 19:31 alunos-professores e os docentes do Curso da Turma de Porto Alegre se deslocaram e se juntaram com a Turma de Bento Gonçalves e em um dos auditórios do CEFET de Bento Gonçalves assistimos uma palestra proferida pela Profª Malvina do Amaral Dorneles sobre Pesquisa em Educação11 e realizamos trabalhos em grupo diante das temáticas articuladoras e áreas de interesse de pesquisa mais recorrentes, assim classificadas e organizadas: · Temática 1 – Formação de Professores; · Temática 2 – Abordagem Pedagógica: Aprendizagem, Currículo, EAD e Avaliação; · Temática 3 – Metodologias e Áreas do Conhecimento; · Temática 4 – Educadores e Educandos: Histórias e Trajetórias de Vida; · Temática 5 – Escola, Formação e Gestão; · Temática 6 – PROEJA e Política Pública; · Temática 7 – Trabalho, Qualificação Profissional e Mercado; Muitos artigos aqui presentes revelam os inéditos epistemológicos, metodológicos e políticos que o PROEJA propõe para a Educação Profissional, para o Ensino Médio e para EJA em uma teia de interdependência possível de incluir os trabalhadores de forma qualificada nas instituições federais de Educação Básica, no propósito de inserir o PROEJA nas políticas permanentes da Educação Básica. 3. Da formação de nós para nós mesmos ou de outras possibilidades pedagógicas Se por um lado é instigante e desafiador pensar os impactos políticos, epistemológicos e as possibilidades pedagógicas e formativas das ações do PROEJA no cotidiano das instituições, por outro é fundamental pensar a formação inicial e continuada do professor que atua(rá) no PROEJA. Trata-se, como já destacado, de uma política que propõe uma nova forma e um novo jeito de articular e conceber a Educação Profissional integrada à EJA e à Educação Básica. De um modo geral, os modelos e as propostas de formação de professores pouco têm levado em conta a vida, a experiência profissio11 Palestra: “As disposições ético-estético-afetivas da Pesquisa em Educação”. 29 proejafinalpmd.pmd 29 18/11/2007, 19:31 nal e os saberes da própria docência, assim como muitos de nós professores e instituições escolares não temos respeitado as histórias de vida e saberes de nossos alunos. Assim, ao refletir sobre a concepção de formação de professores para o PROEJA no âmbito deste Curso de Especialização, entendemos configurar um currículo e um percurso formativo que, de forma integradora, possibilite ao aluno-professor ser efetivamente protagonista de sua formação na perspectiva da valorização das suas experiências, vivências e trajetórias de vida e do reconhecimento da potência dos seus fazeres e saberes pedagógicos, articulados aos desafios do projeto político-pedagógico institucional no qual cada aluno-professor está inserido. Nesta perspectiva, nos parece pertinente e central a abordagem da formação de professores sustentada na reflexão da prática pedagógica, nas trocas entre saberes docentes, nas experiências inovadoras das práticas institucionais e nas especificidades e características do trabalho pedagógico que se propõe integrador da Educação Profissional com a EJA e a Educação Básica. Foi valorizando e respeitando os saberes e as experiências dos alunos-professores que procuramos viabilizar um processo de formação de nós e para nós mesmos no âmbito do Curso de Especialização do PROEJA. Procuramos potencializar um percurso formativo, expresso em Módulos Curriculares com seus respectivos Trabalhos Integradores, no qual os próprios alunos-professores se constituíssem enquanto protagonistas de sua formação. Um modelo no qual o alunoprofessor se constitui enquanto um professor que aprende e ensina junto-com, e não um modelo de formação onde o professor - que ocupa nesta situação um lugar de aluno - permaneça como simples ouvinte e coadjuvante. Em outras palavras, procuramos viabilizar um modelo de formação que não dicotomize a teoria da prática, nem os saberes acadêmicos dos saberes experienciais, e que remeta a uma “reflexão sobre os saberes pessoais construídos sobre a sociedade, sobre a escola, sobre ser professor, sobre a docência, sobre nós mesmos” (OLIVEIRA, 2002, p.167). Um dos principais desafios do curso foi e, é em sua próxima edição, a construção de um currículo no qual os tempos de formação considerem o que acontece nos subterrâneos, nos interstícios da escola, e assim trazer para a pauta e para a agenda da formação do professor do PROEJA aquilo que acontece e se tece nas dobras da escola e na vida da docência. Em outras palavras, nos filiamos à perspectiva de não continuar, através dos programas de formação docente, a relegar a plano 30 proejafinalpmd.pmd 30 18/11/2007, 19:31 secundário os saberes e as experiências dos trabalhadores em Educação, valorizando assim uma epistemologia da prática. 4 Referências ARENHALDT, Rafael. Das docências narradas e cruzadas, das sur-presas e trajetórias reveladas. Os fluxos de vida, os processos de identificação e as éticas na escola de educação profissional. Dissertação de Mestrado. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul / PPGEDU, 2005. Orientadora: Dra. Malvina do Amaral Dorneles. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica. Programa de Integração da Educação Profissional Técnica de Nível Médio ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos. PROEJA. Documento Base. 2006. BENJAMIN, W. O narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In Benjamin, W. Magia e Técnica, Arte e Política – Obras Escolhidas, Volume I. 7ª ed. São Paulo, Editora Brasiliense, 1994. FRANZOI, Naira Lisboa et al. Experiências Alternativas de Escolaridade Articuladas à Profissionalização de Jovens e Adultos: relatório de pesquisa. Porto Alegre: UFRGS, 2005 ELIAS, Norbert. A Sociedade dos indivíduos. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1993. NOGUEIRA, Eliane Greice Davanço. A escrita de memoriais a favor da pesquisa e da formação. Anais II CIPA – UNEB. Salvador, 2006. NOSELLA, Paolo. Trabalho e Perspectivas de Formação dos Trabalhadores: Para além da formação politécnica. Conferência realizada no I Encontro Internacional de Trabalho e Perspectivas de Formação dos Trabalhadores promovida pelo LABOR, de 07 a 09 de Setembro de 2006, na Universidade Federal de Fortaleza – CE. OLIVEIRA, Valeska Fortes de. Histórias de professores e processos de formação/subjetivação. In: Educação em Debate, Fortaleza, Ano 20, Nº36, p.7-13, 1998. ______ (Org.). Imagens de professor: significações do trabalho docente. Ijuí : Ed. UNIJUÍ, 2000. - 328 p. - (Coleção Educação). ______. Imagens orais, escritas e fotográficas: registros reconstruídos por professores. In: História da Educação. ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas (12): 105-118, Setembro, 2002. 31 proejafinalpmd.pmd 31 18/11/2007, 19:31 O PROEJA: a construção de uma formação continuada. Clóris Dorow Leomar da Costa Eslabão Roselaine Machado Albernaz 1 Introdução Este texto é um relato da construção de um curso técnico na modalidade de Eeducação profissional integrada ao Ensino médio (PROEJA) e as suas interfaces, dentre as quais destaca-se a necessidade da formação continuada com o oferecimento de um curso de especialização voltado a formar profissionais educadores para esta realidade educacional. Utilizaremos como relatos as memórias, as marcas e as inquietações que nos atravessaram durante este período de aprendizado. O texto está dividido em três segmentos. O primeiro aborda a experiência em Educação de Jovens e Adultos (EJA) realizada no Centro Federal de Educação Tecnológica de Pelotas (CEFET/RS). A seguir destaca-se o planejamento e implantação do currículo de um curso técnico na modalidade PROEJA, na referida instituição. E, finalmente, apresenta-se o processo de formação continuada através de um curso de especialização voltado para preparar professores para atuarem dentro desta nova modalidade educacional. Do EMA ao PROEJA: um desafio A Educação de Jovens e Adultos, como uma modalidade da Educação Básica, tem a sua especificidade e, por isso mesmo, necessita de um modelo pedagógico próprio. Nesse sentido o Ensino Médio para Adultos (EMA), projeto desenvolvido desde 1999 no Centro Federal de Educação Tecnológica de Pelotas (CEFET/RS), tem um trabalho pedagógico que incorpora uma 1 Professores do Centro Federal de Educação Tecnológica de Pelotas e coordenadores do Curso de Especialização em PROEJA - turma de Pelotas/RS. 32 proejafinalpmd.pmd 32 18/11/2007, 19:31 reflexão sobre a realidade dos alunos. Como explicita Kuenzer (2002, p.75), é necessária a compreensão de que as finalidades desse ensino dizem respeito a pessoas concretas que vivem em situações reais que precisam ser compreendidas em si e em suas articulações com a totalidade da vida social e produtiva com suas múltiplas, complexas e contraditórias relações, entre as quais muitas certamente precisam ser transformadas em face de seu caráter excludente. A partir do delineamento das finalidades, emergem os conteúdos que podem ser trabalhados dentro do contexto dos alunos adultos. A definição dessas finalidades, como argumentado pela autora, “sempre será um processo político, que implica escolhas, não se submetendo à aplicação de critérios técnicos” (ibidem, p.75). Tanto no EMA como em todos os níveis da escolarização, é importante saber quem são os alunos com os quais se trabalha, quais são as necessidades que apresentam e quais as perspectivas e expectativas que expressam para o futuro. Para que se possa investir em uma prática pedagógica contextualizada, através da articulação entre senso comum e conhecimento científico, Kuenzer (2002, p.77), citando Kosik, mostra que “não há, pois, outro caminho para a produção do conhecimento senão o que parte de um pensamento reduzido, empírico, virtual, com o objetivo de reintegrá-lo ao todo depois de compreendê-lo, aprofundá-lo, concretizá-lo”. Nesse sentido, é necessária uma visão não compartimentada do ser humano, ou seja, o homem deve ser concebido através de suas várias dimensões, não se restringindo a parte intelectual. Em outras palavras, o processo de formação humana compreende a possibilidade de o homem desenvolver-se de forma global, envolvendo todos os seus sentidos e suas potencialidades como possibilidades de realização. Para desenvolver todas essas dimensões, passamos a ter como desafio a implantação de uma Educação que tenha o trabalho como princípio educativo, no sentido do reconhecimento da relação entre ciência, mundo produtivo e a vida dos alunos. Essa relação apresenta-se como possibilidade de avançar no sentido dos professores ajudarem na preparação desses alunos para o exercício de profissões sem deixar de lado o desenvolvimento da autonomia como pressuposto básico. Para Frigotto (2002, p.20), é necessário compreender que “a produção de conhecimento, a formação de uma consciência crítica tem sua gênese nas relações sociais de trabalho e nas relações sociais de produção”. Parece difícil, pensar um trabalho educativo que efetivamente se articule aos interesses dos trabalhadores, sem ter como ponto de partida o 33 proejafinalpmd.pmd 33 18/11/2007, 19:31 conhecimento, a consciência elaborada no mundo do trabalho, na cultura e nas múltiplas formas que esses sujeitos produzem suas existências. Mas, isso só seria possível na perspectiva de um processo educativo transformador, que tenha o objetivo concreto de emancipar as pessoas e que compreenda o trabalho como princípio educativo. Ramos (2005) argumenta que a integração entre o Ensino Médio e o Ensino Técnico passa a ser uma das possibilidades de se trabalhar com a formação humana e a formação profissional, pois exige que a relação entre conhecimentos gerais e específicos seja construída continuamente ao longo da formação, sob os eixos do trabalho, da ciência e da cultura. No currículo que integra formação geral, técnica e política, o estatuto de conhecimento geral de um conceito está no seu enraizamento nas ciências como “leis gerais” que explicam fenômenos. Um conceito específico, por sua vez, configura-se pela apropriação de um conceito geral com finalidades restritas a objetos, problemas ou situações de interesse produtivo. A tecnologia, nesses termos, pode ser compreendida como a ciência apropriada com fins produtivos. Em razão disto, no currículo integrado “nenhum conhecimento é só geral, posto que estrutura objetivos de produção, nem somente específico, pois nenhum conceito apropriado produtivamente pode ser formulado ou compreendido desarticuladamente da ciência básica”. (RAMOS, 2005, p.120) A importância e o desafio de implantar uma educação que tenha o trabalho como princípio educativo, ou seja, “pelo entendimento de que homens e mulheres produzem sua condição humana pelo trabalho, ação transformadora no mundo, de si, para si e para outrem” (BRASIL, 2006, p.35), faz refletirmos sobre o que é a formação integrada e a necessidade real da integração da formação geral de ensino médio à formação profissional de jovens e adultos, sendo a verdadeira natureza do Programa de Integração da Educação Profissional Técnica de Nível Médio ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos PROEJA. Não se tratando apenas de adaptar o currículo do EMA ao do Ensino Técnico. O desafio de construir o ensino médio integrado está na necessidade da educação geral tornar-se parte inseparável da educação profissional em todos os campos. O PROEJA: a construção coletiva como caminho No CEFET-RS, em dezembro de 2005, já havia uma preocupação com o novo decreto que institucionalizava o PROEJA. Ainda que tivéssemos a experiência do EMA, defrontávamo-nos com o desconhecido. Embora o grupo que atuava no EMA acreditasse na necessidade da integração entre o Ensino Médio e o Ensino Profissionalizante, fator im34 proejafinalpmd.pmd 34 18/11/2007, 19:31 portante para o futuro profissional dos alunos, sentíamos um despreparo por parte dos professores, principalmente em relação ao aporte teórico a que o PROEJA remetia. A partir dessa constatação, começamos a mobilizar esforços no sentido de sensibilizar os professores, no sentido de formarmos uma parceria para estudos que viessem a constituir uma base teórica consistente para a construção de uma proposta de um curso técnico na modalidade EJA. Encontramos no grupo de professores do curso Técnico em Sistemas da Informação o apoio desejado, pois estes já eram nossos parceiros no Ensino Médio para Adultos (EMA), sendo o único curso do CEFET/ RS que, voluntariamente, dispôs-se a apresentar um projeto de curso técnico na modalidade de PROEJA. Semanalmente formulávamos um roteiro de trabalho para ser colocado em prática. Iniciamos pelo estudo do Documento Base do PROEJA, Decreto Lei nº 5840, originário do decreto nº. 5.478, de 24/06/2005, cuja ótica direciona-se para uma formação na vida e para a vida e não apenas para o ingresso no mundo do trabalho. Segundo o documento, o que realmente se pretende é a formação humana no seu sentido mais lato, com acesso ao universo de saberes e conhecimentos científicos e tecnológicos produzidos historicamente pela humanidade, integrada a uma formação profissional que permita compreender o mundo, compreender-se no mundo e nele atuar na busca de melhoria das próprias condições de vida e da construção de uma sociedade socialmente justa (BRASIL, 2006, p.10). Tendo essa visão como parâmetro, partimos para uma discussão embasada em alguns teóricos que abordassem estas temáticas, buscando com isso tornar mais clara essa concepção educacional para o grupo de professores. Após o estudo sobre o documento que institui o PROEJA, começamos a leitura da obra de FRIGOTTO, CIAVATTA e RAMOS (2005) como um marco teórico que buscava apresentar a produtividade da integração do Ensino Médio com a Educação Profissional. Para estes autores “a possibilidade de integrar formação geral e formação técnica no ensino médio, visando a uma formação integral do ser humano é condição necessária para a travessia em direção ao ensino médio politécnico e à superação da dualidade educacional pela superação da dualidade de classes” (op.cit., p.45). Dessa forma, em uma sociedade na qual existem inúmeras desigualdades sociais, os filhos dos trabalhadores teriam uma formação integral, que além de lhes possibilitar seguir adiante nos estudos permite que possuam uma profissionalização, ainda no nível médio. 35 proejafinalpmd.pmd 35 18/11/2007, 19:31 Para que essa integração entre ensino médio e técnico se concretize fez-se necessário que buscássemos a formulação de um projeto próprio, com as nuances características da escola, dentre os fatores da sua realidade. O mais importante, segundo Ramos (2005, p.121), é que a “organização formal do currículo exigirá a organização desses conhecimentos, seja em forma de disciplinas, projetos, etc. Importa, entretanto, que não se percam os referenciais das ciências básicas, de modo que os conceitos possam ser relacionados interdisciplinarmente, mas também no interior de cada disciplina”. Portanto, é necessário que cada disciplina conserve suas características como ciência específica, embora havendo diálogos entre as disciplinas. Outro fator preponderante em nossas reflexões, foi a distribuição das disciplinas no decorrer do curso. Pensamos que as disciplinas de formação geral e as técnicas deveriam ser oferecidas/trabalhadas ao longo do curso e não em módulos diferentes com o acúmulo de uma ou de outra em um determinado ano. Só assim a integração poderia se efetivar, pois de acordo com Ramos (2005, p.122) “a integração exige que a relação entre conhecimentos gerais e específicos seja construída continuamente ao longo da formação, sob os eixos do trabalho, da ciência e da cultura”. Na continuidade desse projeto de curso sentimos a necessidade de um estudo sobre a contextualização dos saberes e sua articulação às áreas de conhecimento. Encontramos respaldo teórico na obra de Kuenzer (2005), que destaca a importância de partirmos de um conhecimento da realidade do aluno, reconhecendo os saberes prévios já desenvolvidos, para estabelecer a metodologia mais adequada. Segundo a autora esse trabalho é que determinará a diferença entre prática enquanto repetição reiterada de ações que deixam tudo como está, e práxis enquanto processo resultante do contínuo movimento entre teoria e prática, entre pensamento e ação, entre velho e novo, entre sujeito e objeto, entre razão e emoção, entre homem e humanidade, que produz conhecimento e por isso revoluciona o que está dado, transformando a realidade. (op.cit., p.80) Após as discussões realizadas, estabelecemos o perfil do aluno egresso do Curso Técnico de Nível Médio em Montagem e Manutenção de Computadores – Modalidade EJA. Este deverá ser um cidadão responsável, empreendedor, investigador e crítico, apto a desempenhar sua profissão no que concerne ao suporte e à manutenção de tecnologias da informação, incluindo hardware, por meio de uma formação ética, técnica, criativa e humanística, Na formação desse sujeito, o trabalho aparece como possibilidade emancipatória de luta e de engajamento político 36 proejafinalpmd.pmd 36 18/11/2007, 19:31 social. Embasados nesse perfil, formulamos as competências do curso: - Conhecer, identificar, instalar, configurar e executar recursos de hardware de computador, promovendo o trabalho em equipe e a capacidade de empreender na área de informática. - Planejar, dimensionar, administrar e implementar uma organização de computadores em rede, desenvolvendo o censo de pesquisa e de aperfeiçoamento profissional continuado. - Perceber e compreender que as sociedades são produtos das ações humanas sendo, portanto, construídas e reconstruídas em tempos e espaços diversos, fortemente influenciadas pelas relações sociais, pelos valores éticos, estéticos e culturais, pelas relações de dominação e de poder, e pelas relações de trabalho presentes nas mesmas. - Utilizar elementos e conhecimentos científicos e tecnológicos dos diferentes ambientes (físico, econômico, social, cultural, político) para tomar atitudes decisivas de investigação e compreensão, com o propósito de formular questões, interpretar, analisar e criticar resultados, expressando-se com correção e clareza, de forma responsável na sociedade em que está inserido. - Ler, compreender, interpretar, escrever, experimentar e produzir sentido a partir de textos verbais e não-verbais, utilizando as tecnologias da informação, assim como desenvolver e formalizar o raciocínio lógico, transcrevendo-o em linguagens de programação, a fim de estabelecer relação com o contexto sócio-econômico e histórico-cultural, e posicionarse criticamente para, através da produção do conhecimento, intervir na realidade em busca de sua transformação. Após o estabelecimento das competências, os professores, distribuíram os conteúdos de suas disciplinas, nas competências elencadas no projeto do curso, apresentando sua escolha para discussão no grupo. Depois de inúmeros debates, realizamos a distribuição da carga horária das disciplinas. O fluxograma a seguir, apresenta o processo de discussões construído no desenvolvimento do projeto de criação do curso: 37 proejafinalpmd.pmd 37 18/11/2007, 19:31 A partir da estruturação do curso, continuamos a ter encontros semanais para planejamento das atividades a serem desenvolvidas no primeiro semestre do curso. Escolhemos como eixo norteados o Mundo do Trabalho, com o objetivo de integrar os conteúdos a serem desenvolvidos nas diferentes disciplinas. O processo de avaliação do aluno também mereceu uma atenção especial, fazendo parte de nossas discussões. Entendemos que a avaliação é uma atividade-meio e não uma atividade-fim. Dessa forma a avaliação foi entendida como um processo permanente, contínuo, participativo, abrangente e dinâmico. A avaliação da aprendizagem refere-se ao desenvolvimento do aluno no curso, em cada disciplina, sob a ótica do professor e do próprio aluno, tendo como objetivo principal o acompanhamento do processo formativo, verificando como a proposta pedagógica está sendo desenvolvida ou se processando, na tentativa de proporcionar uma aprendizagem mais efetiva ao longo do percurso. A avaliação não privilegia a mera polarização entre o “aprovado” e o “reprovado”, mas sim a real possibilidade de mover os alunos na busca de novas aprendizagens. A avaliação e a aprendizagem são partes constitutivas de um mesmo processo, neste sentido a avaliação ocorre como parte do processo de construção do conhecimento. Definimos pela avaliação semestral, por área do conhecimento a qual terá como resultado um parecer descritivo no primeiro semestre e um conceito ao final do ano letivo. Os instrumentos de avaliação não são restritos à provas escritas, contemplando outras formas tais como trabalhos em grupo, projetos, seminários, entre outros. A recuperação será oferecida ao longo do processo. Além disso, bimensalmente, é feita uma semana de recuperação das deficiências de aprendizagem do educando. Os conceitos que serão utilizados ao final do ano, pelas áreas, serão: A, B, C para os alunos aprovados, D para os reprovados e E para os que desistiram. A formação continuada Dentro do quadro proposto pelo Governo Federal brasileiro para a educação profissional, a EJA é apresentada como um novo campo a ser coberto por cursos na área da Educação Profissional. Pelo fato de seu público ser específico e por se diferenciar dos alunos que têm um percurso contínuo de estudos, entende-se que a prática docente nessa modalidade deve ser voltada a atender às necessidades apresentadas pelos alunos. Constata-se que, a maioria dos docentes das instituições que trabalham com Educação Profissional, não possuem, uma formação formal 38 proejafinalpmd.pmd 38 18/11/2007, 19:31 adequada que possa servir de subsídios para a atuação em EJA, por isso julgamos adequado proporcionar uma formação continuada, uma pós-graduação lato sensu, que abordasse especialmente a temática sobre educação profissional na modalidade de educação de jovens e adultos (PROEJA). Esta foi entendida como uma possibilidade de contribuirmos na preparação dos docentes para a nova realidade. Com a possibilidade de participarmos do consórcio Rio Grande do Sul, formado pela UFRGS, CEFETRS, CEFET-Bento Gonçalves, criando três turmas de especialização em PROEJA no nosso estado, vindo ao encontro de nossas necessidades, aceitamos o desafio de proporcionar aos colegas uma formação que lhes oferecesse subsídios teóricos e metodológicos para atuar em cursos profissionalizantes que tenham como base um currículo integrado. Inicialmente, de acordo com o projeto da pós-graduação formulado por professores ligados à FACED/UFGRS, seriam alvo da formação continuada os docentes da rede federal, devido à constatação de seu despreparo acadêmico/prático para atuar com a EJA, pois esta é uma realidade não vivenciada pelos cursos técnicos da rede federal. Porém, a gama de sujeitos aos quais a formação continuada era destinada, foi sofrendo alterações ao longo do processo de planejamento da implantação, foram contemplados, também, os técnicos administrativos da rede federal, pois entendemos que faziam parte do processo educativo, uma vez que o pensar a educação não encerra-se apenas nos gabinetes ou nas salas de aula e laboratórios. Assim, o quadro de funcionários deveria ter o conhecimento desta nova realidade para contribuir de forma mais ativa e consciente na implantação de novos cursos técnicos na modalidade de PROEJA. Pelo fato do financiamento ser público, provido pelo Ministério da Educação, que atende a todos os segmentos de educação profissional, o projeto de formação continuada sofreu mais uma ampliação, devendo atender inclusive a professores das redes estaduais e municipais, vinculados a EJA e/ou educação profissional. Com isso, a seleção dos alunos a serem contemplados pela formação continuada, na turma realizada em Pelotas/RS, deu-se atendendo, em um primeiro momento, aos docentes do quadro efetivo das instituições federais de ensino (IFEs) que ofereciam educação profissional de nível médio (CEFET-RS, CAVG/UFPEL, CTI/FURG) e técnicos administrativos. Pelo fato dos quadros docentes das IFEs serem compostos por um número significativo de professores temporários, estes acabaram conseguindo inserir-se no processo, desde que estivessem atuando na Educação de Jovens e Adultos, como é o caso do EMA, projeto cita- 39 proejafinalpmd.pmd 39 18/11/2007, 19:31 do anteriormente. Porém, os professores substitutos ligados a cursos técnicos não foram contemplados pelo deslocamento dos limites de seleção dos sujeitos. Após selecionados os sujeitos ligados às IFEs foram escolhidos outros sujeitos integrantes das redes municipais e estadual. As seleções foram baseadas nos critérios de a) estar envolvido, ter experiência ou atuará com a EJA - PROEJA - INTEGRADO, b) estar envolvido ou ter experiência com o Ensino Médio - Ensino Técnico, c) análise curricular, beneficiando os que ainda não possuíam pós-graduação, e, d) carta justificativa apresentando os interesse em cursar a especialização em PROEJA. Com isso, ao iniciarmos a turma, tínhamos matriculados professores e técnico-administrativos da IFES, professores das redes estadual e municipais. Do quadro inicial dos alunos selecionados para a pós-graduação chamou-nos atenção o fato de que um número significativo de alunos era ligado à área da cultura geral. Da rede federal somente quatro alunos atuavam em cursos técnicos, e destes apenas dois concluíram a especialização. Os outros dois afastaram-se, um em função de ter sido selecionado em pós-graduações stricto sensu em sua área de formação, o outro por ter assumido um cargo administrativo. Os alunos que atuavam como docentes nas redes municipais trabalhavam em escolas que não tinham cursos técnicos, possuíam apenas experiências em EJA. Constatamos que os sujeitos que buscaram a formação continuada não atuavam diretamente com educação profissional, o que gerou uma série de questionamentos: - Seria um indicativo de que esta modalidade de educação não é bem vista pelos professores dos cursos técnicos? - Os professores dos cursos técnicos já possuíam uma formação lato sensu e por isso não se interessavam em ter um outro título equivalente? - Os professores dos cursos técnicos não reconhecem como válidos cursos na área da educação? - A formação que busca a construção de um currículo integrado, a partir de uma educação integral, não agradava aos docentes que atuavam em cursos técnicos modulares, com currículos restritos à suas áreas de especialidades? Os questionamentos aqui apresentados não foram sistematicamente investigados, apenas constituíram-se em inquietações e que podem/devem ser analisadas/pesquisadas em futuros estudos, de forma a contribuir para o entendimento desse fenômeno. 40 proejafinalpmd.pmd 40 18/11/2007, 19:31 Retornando a análise para a formação continuada implantada no CEFET-RS, existiram certas peculiaridades que marcaram o desenvolvimento deste curso. Este foi planejado para ser desenvolvido dentro do ano civil de 2006, em função da execução financeira e da prestação de contas, afetando diretamente o currículo, pois foram concentradas todas as disciplinas em apenas um semestre. Tal redução de tempo provocou um acumulo de leituras e escritas para as disciplinas. O corpo docente escolhido pela direção do CEFET-RS foi formado para atender as disciplinas elencadas no projeto de formação, tendo como base a vinculação da formação/atuação. Em função disso atuaram professores do CEFET-RS que tinham experiência/formação na EJA e na educação profissional, e, um grupo de professores da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) que tem experiência em cursos de formação continuada e de pós-graduação em educação. Os orientadores dos trabalhos de conclusão foram selecionados de acordo com o assunto de pesquisa, que emergiram na interação professor/aluno realizada na disciplina de metodologia da pesquisa. O trabalho de conclusão poderia ser apresentado sob a forma de artigo, de projeto de pesquisa, ou de monografia. Os alunos que integraram a turma da especialização, embora tenham atendido os critérios de seleção, há muito se encontravam fora da posição de aluno. Isso representou algumas dificuldades principalmente voltadas à produção textual, ao domínio de ferramentas de informática tais como e-mails e editores de textos, o que reflete o seu cotidiano de trabalho que se diferencia do sujeito pesquisador, que está acostumado a trabalhar com estas ferramentas. Além disso, tinham mais de um vínculo empregatício, dificultando as leituras prévias necessárias para embasar as discussões nas aulas, o que muitas vezes acarretava em aulas tradicionais de transmissão de conhecimentos. A sobrecarga dos alunos evidenciou uma realidade que passa muitas vezes despercebida, a da auto-intensificação da jornada de trabalho em função de buscar uma remuneração mais digna. Nesse sentido a própria opção do aluno pela formação continuada acarretou em acúmulo de tarefas que muitas vezes exigiam um tempo maior do que o disponível. Observamos que a própria instituição proponente da formação continuada não ofereceu respaldo no sentido de liberação de todos os servidores de forma que pudessem assistir a todas as aulas, pois a pós-graduação iniciou durante o período letivo no qual atuavam, e a instituição não conseguiu remanejar outros professores para cobrir os horários destes que ocupavam a função de alunos. 41 proejafinalpmd.pmd 41 18/11/2007, 19:31 Outro fator que teve influência no desenvolvimento do curso foi o fato de que o CEFET-RS por ter recebido o status de Instituição de Ensino Superior em 1999, não possuía ainda uma organização em pósgraduação, embora já tivessem oferecido dois cursos de especialização, que pudesse ser utilizado como balizador para pensar o andamento do curso e prever possíveis situações que acabaram convertendo-se em desvio de percurso. Uma destas situações foi referente ao trabalho de conclusão, que pelo fato de não haver sido aprovado normativas internas do CEFET-RS, foi adotada as que constavam no projeto de curso, ou seja, o trabalho de conclusão de curso (TCC) deveria ter uma apresentação pública coletiva, na forma de seminário, no qual cada aluno deveria apresentar sua produção. Felizmente os percalços que existiram, nos auxiliaram a detectar e normatizar princípios que orientem um pós-graduação, auxiliando futuros cursos.. Pelo fato do trabalho de conclusão ser mais um elemento a consumir o tempo escasso que os alunos possuíam para as leituras/escritas para as disciplinas, este foi protelado para após o término das aulas o que constituiu-se em um pequeno período para as leituras necessárias e para a sua escrita. Porém mesmo atendendo a um tempo inferior a seis meses, foram produzidos trabalhos significativos no sentido de trazerem novos elementos que possam contribuir para que a área da Educação de Jovens e Adultos avance e que as práticas desenvolvidas nesta modalidade estejam mais próximas as necessidades do público alvo. Considerações Acreditamos que a formação continuada de professores constitui-se como um importante fator para a preparação para atuar em uma nova realidade, que embora tenha relação com outra área pela qual o professor já tenha atuado (Educação Profissional ou EJA), constitui-se como um novo desafio pelo fato de integrar EJA e educação profissional. No casos específicos do CEFET-RS, que já vinha trabalhando com Educação de Jovens e Adultos e Educação Profissional, não existia ainda nenhum curso que atendesse na modalidade de PROEJA. Contudo para o planejamento de um curso nesta modalidade, os conhecimentos adquiridos na vivência prática da EJA foram significativos para a elaboração do currículo integrado à parte profissionalizante. Porém a formação continuada, pensada como um elemento a fornecer subsídios teórico/práticos, pela sistematização de 42 proejafinalpmd.pmd 42 18/11/2007, 19:31 temas peculiares a esta nova realidade da educação profissional (PROEJA) não suscitou interesse aos professores que iriam atuar no novo modelo curricular. Portanto o curso de formação continuada no CEFET-RS, infelizmente, não atingiu de fato os sujeitos aos quais se propunha, gerando como conseqüência a decisão do não oferecimento de uma nova turma, em continuidade ao programa. A constatação da necessidade de formação para a atuação no PROEJA certamente será percebida a medida em que forem sendo implantados cursos técnicos dentro desta modalidade, e talvez aí haja uma conscientização de que atuação docente competente está vinculada a formação continuada, e a demanda possibilitem que surjam novas possibilidades de criação de turmas de pós-graduação, que contemplem um tempo suficiente para a assimilação dos conteúdos desenvolvidos e para a produção de pesquisas significativas que tragam novos elementos para fortalecer a formação daqueles que atuam no PROEJA. Percebemos que os sistemas de ensino raramente investem na formação continuada dos professores. Poucas são as iniciativas no sentido de tornar o espaço de trabalho do professor um espaço importante e propício para a discussão e estudo, que carregue consigo a necessidade de reflexões de caráter sócio-político-pedagógicas sobre a formação acadêmica no sentido de sua complementação. Nesse sentido o curso de pós-graduação, aqui relatado, foi uma grande oportunidade. Referências BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica. Documento Base do Programa de Integração da Educação Profissional Técnica de Nível Médio ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos. Brasília: MEC, 2006. FRIGOTTO, G., CIAVATTA, M. e RAMOS, M. Ensino Médio Integrado. São Paulo: Cortez, 2005. FRIGOTTO, G. Trabalho, conhecimento, consciência e a educação do trabalhador: impasses teóricos e práticos. In: GOMES, C. M. (Org). Trabalho e conhecimento: dilemas na educação do trabalhador. São Paulo: Cortez, 2002. KUENZER, A. Ensino Médio - Construindo uma Proposta para os que vivem do trabalho. - 4.ed.- São Paulo: Cortez. 2005. 43 proejafinalpmd.pmd 43 18/11/2007, 19:31 PROEJA COMO RESGATE DA CIDADANIA André Boccasius Siqueira1 Beatriz T. Daudt Fischer2 Eu vejo o futuro repetir o passado/Eu vejo um museu de grandes novidades/ O tempo não pára (Arnaldo Brandão e Cazuza, 1998). Introdução Esta é uma reflexão sobre a educação formal brasileira no que se refere a três assuntos, aparentemente díspares, mas que estão diretamente relacionados: Educação de Jovens e Adultos, Ensino Profissionalizante e Ensino Médio. O principal objetivo desse artigo é refletir acerca das políticas públicas federais no tocante ao Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA. Para tal promovo uma discussão historicizando os três assuntos, no contexto nacional, que são o foco da presente pesquisa. Para tal, dividi o texto em duas partes: Na primeira apresento um histórico da modalidade de Educação de Jovens e Adultos no cenário brasileiro e algumas interfaces com políticas internacionais. Na segunda, trato da Educação Profissional, o Ensino Médio e o PROEJA. Finalizando, teço algumas considerações pessoais em relação a este conjunto de idéias. 1 Licenciado em Biologia, Mestre e Doutorando em Educação/UNISINOS. Especialista em Educação – PROEJA/UFRGS . 2 Dra. em Educação. Professora do Pós-Graduação em Educação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Orientadora do Trabalho de Conclusão de curso do autor deste artigo. 44 proejafinalpmd.pmd 44 18/11/2007, 19:31 As influências de políticas internacionais no cenário nacional A constituição de 1934 reafirmou a educação como sendo um “direito de todos e dever do Estado” (Haddad e Di Pierro, 2000, p.110), com o ensino primário integral, gratuito e de freqüência obrigatória. O que chama a atenção é “esse ensino deveria ser extensivo aos adultos. Pela primeira vez a educação de jovens e adultos era reconhecida e recebia um tratamento particular” (ibidem). Entretanto, não foi posta em prática. Efetivamente, a “primeira iniciativa pública, visando especificamente ao atendimento do segmento adulto da população, deu-se em 1947, com o lançamento da Primeira Campanha Nacional de Educação de Adultos, por iniciativa do Ministro da Educação e Saúde” (Soares, 1996, p.01). Essa campanha teve a “coordenação do Serviço de Educação de Adultos [e] se estendeu até fins da década de 1950” (Haddad e Di Pierro, id.). A campanha nacional foi deflagrada quando ocorreu o Primeiro Congresso Nacional de Educação de Adultos. Nos olhos de hoje, entende-se que “o analfabeto, por sua vez, era visto de maneira preconceituosa, chegando-se a atribuir a causa da ignorância, da pobreza, da falta de higiene e da escassa produtividade à sua existência” (Soares, op. cit., p.2). Eram considerados motivos de estagnação e do não crescimento nacional. Em 1958 ocorreu o II Congresso Nacional de Educação de Adultos no Rio de Janeiro. O espaço promoveu uma nova forma do pensar pedagógico de adultos. Esse seminário teve como participante o educador Paulo Freire, que assumiu uma grande campanha nacional de alfabetização de adultos. Em 1963 foi realizada a II Conferência Internacional sobre Educação de Adultos, na cidade de Montreal. Nessa, “aparecem dois enfoques distintos: a educação de adultos concebida como uma continuação da educação formal, como educação permanente, e, de outro lado, a educação de base ou comunitária (Gadotti, 1995, p. 30). A educação de base era muito difundida no Brasil nesse período da história. Com o golpe militar, em 1964, todas as iniciativas de educação popular e educação de base foram suprimidas. O governo federal criou a Cruzada da Ação Básica Cristã – ABC – e, no final da década, o Movimento Brasileiro de Alfabetização – MOBRAL. Esse último tinha como finalidade alfabetizar a população das periferias urbanas e a rural. 45 proejafinalpmd.pmd 45 18/11/2007, 19:31 Tinha financiamento próprio, não necessitando de verbas governamentais (Haddad e Di Pierro, op. cit., p. 114). No início da década de 1970, houve a promulgação da lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº5.692/71. Em se tratando da legislação nacional, observo que foi a primeira vez que há incentivo para adultos além da alfabetização. A partir da LDB as oito séries do ensino fundamental foram privilegiadas. Instituiu, também, os exames supletivos, obrigando estados federados a promover um exame anual a fim de certificar o ensino fundamental e o médio com idades mínimas de 18 e 21 anos respectivamente. No ano de 1985 o MOBRAL foi substituído pela Fundação Nacional para Educação de Jovens e Adultos – EDUCAR, que tinha como principais metas fortalecer os estados federados e os municípios a fim de que assumissem sozinhos o supletivo de primeiro e segundo graus. A Organização das Nações Unidas declarou 1990 como o Ano Internacional da Alfabetização e promoveu um encontro mundial, a Conferência de “Educação para Todos – Education For All”, em Jomtien, na Tailândia. “Os 155 governos que subscreveram a declaração ali aprovada comprometeram-se a assegurar uma educação básica de qualidade a crianças, jovens e adultos” (Shiroma et all, 2002, p.56-57). A partir dessa conferência houve uma articulação em todo o território brasileiro, com seminários promovidos pelo governo federal e realizados nas universidades e em algumas Organizações Não-Governamentais com histórico de militância na Educação Popular. Apesar desse quadro, a Fundação EDUCAR3 foi extinta. O Programa Nacional de Alfabetização e Cidadania – PNAC – foi apenas uma promessa governamental. Após turbulências políticas, assume o cargo de presidente da república Itamar Franco, extinguindo o PNAC. Antes de passar o cargo para o próximo presidente eleito, fixou metas através do Plano Decenal de Educação a fim de promover oportunidades de acesso e progressão no ensino fundamental a 3,7 milhões de analfabetos e 4,6 milhões de jovens e adultos pouco escolarizados (Haddad e Di Pierro, op. cit.). 3 A Fundação Educar “passou a fazer parte do Ministério da Educação. A Fundação, ao contrário do Mobral que desenvolvia ações diretas de alfabetização, exercia a supervisão e o acompanhamento junto às instituições e secretarias que recebiam os recursos transferidos para execução de seus programas. Essa política teve curta duração, pois em 1990 – Ano Internacional da Alfabetização – em lugar de se tomar a alfabetização como prioridade, o governo Collor extinguiu a Fundação Educar, não criando nenhuma outra que assumisse suas funções. Tem-se, a partir de então, a ausência do Governo federal como articulador nacional e indutor de uma política de alfabetização de jovens e adultos no Brasil” (Soares, 2003). 46 proejafinalpmd.pmd 46 18/11/2007, 19:31 No Congresso Federal houve vários movimentos para promover a reforma da educação, mas foi no primeiro mandato do governo de Fernando Henrique Cardoso (1994–1998), que as reformas efetivamente ocorreram. Após muitos debates, há a promulgação da lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9394, em 1996. Para os propósitos dessa reflexão, é importante considerar que em relação ao ensino de adultos houve mudanças consideráveis. O que se denominava Ensino Supletivo, passou a categoria de Modalidade: a modalidade de Educação de Jovens e Adultos. Nesse sentido, conforme já fiz referência em estudo anterior, a metodologia é “diferenciada daquela modalidade ofertada pelas escolas até antes da promulgação da LDBEN/96” (Siqueira, 2006, p.62), que se valorizava apenas o saber escolar em detrimento do saber do estudante, o dito saber popular. A partir dessa nova lei, surge um período que se pode considerar fértil para a legislação educacional. Houve a criação de vários movimentos e programas a fim de minimizar o problema do elevado índice de analfabetismo no país. Dentre eles o Programa de Alfabetização Solidária – PAS – foi idealizado pelo Ministério da Educação e coordenado pelo Conselho da Comunidade Solidária, vinculado à Presidência da República. O método usado foi o de alfabetização em cinco meses, preferencialmente aos jovens. Ao mesmo tempo, o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – PRONERA – criado em 1997 e operacionalizado no ano seguinte, foi o responsável por uma proposta de política pública de educação de jovens e adultos no meio rural. Já o Plano Nacional de Formação do Trabalhador – PLANFOR – coordenado pela Secretaria de Formação e Desenvolvimento Profissional do Ministério do Trabalho, financiado pelo Fundo de Amparo do Trabalhador – FAT, incentivou iniciativas articuladas com a escolarização de trabalhadores jovens e adultos do campo e da cidade, bem como cursos em habilidades básicas. Além disso, ainda em 1997, iniciam discussões a fim de ser elaborado o Plano Nacional de Educação – PNE. Entretanto, a década chega ao final e o mesmo não é votado pelo Congresso Nacional. No âmbito internacional, ocorre a “V Conferência Internacional sobre a Educação de Adultos” – V CONFITEA – em Hamburgo, Alemanha. Este evento foi promovido pela UNESCO, com apoio das instituições do Sistema Nações Unidas, União Européia, OCDE e do Banco Mundial. Suas declarações valorizam o direito à educação de adultos, sendo a “chave para o século XXI” (Declaração de Hamburgo, 1999, p. 19). Outra Conferência Mundial de Educação ocorreu em Dakar, Senegal, 47 proejafinalpmd.pmd 47 18/11/2007, 19:31 no ano de 2000. Teve como finalidade, além da avaliação dos dez anos anteriores, apontar medidas educativas para os próximos 15 anos, ou seja, até 2015. Como metas para a Educação de Jovens e Adultos, o documento de Dakar reza que os governos devem4 “assegurar que as necessidades de aprendizagem de todos os jovens e adultos sejam atendidas pelo acesso eqüitativo à aprendizagem apropriada e às habilidades para a vida”. Para que o Brasil se adequasse às exigências das agências internacionais, responsáveis por empréstimos vultuosos à nação, colocou em prática o Plano Nacional de Educação – PNE, cujas discussões iniciaram-se em 1997, sendo sancionado em janeiro de 2001. Contribuem para essa discussão as análises de Redin e Moraes (op cit) acerca da idéia central do PNE o qual, segundo os autores, “baseia na necessidade de superar a desigualdade e a exclusão que caracterizam a nossa sociedade” (p.41-42). Tais idéias já haviam sido apontadas nas discussões em Jomtien, contudo não foram postas em prática. Acerca da Educação de Jovens e Adultos, o documento aponta três grandes desafios, os quais estão em sintonia com as Declarações “Educação para Todos” e de “Hamburgo” que são: a “erradicação do analfabetismo”, o “treinamento de imensos contingentes de jovens e adultos para inserção imediata no trabalho” e a criação de “oportunidades de educação ao longo da vida, ou educação permanente” (Dakar, 2000). Adentrando o século XXI, em 2003, no primeiro mandato do presidente Luis Inácio Lula da Silva (2003–2006), o Ministério da Educação “elege como uma de suas prioridades a implantação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – FUNDEB – que engloba todos os níveis da educação básica” (Ação Educativa, 2005, p.23-24). Esse fundo pretende diminuir a diferença entre os níveis de educação – Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio – e tem como principal objetivo erradicar o analfabetismo em dez anos5. Legislação educacional brasileira após LDBEN/ 96 e o PROEJA Como já se viu na seção anterior, a década de 1990, propriamente após a promulgação das Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei 4 O termo “devem” é uma imposição orçamentária. Quem cumprir, recebe os volumosos empréstimos. 48 proejafinalpmd.pmd 48 18/11/2007, 19:31 nº 9.394/96, foi um período de muitas mudanças legislativas no campo educacional, bem como no ensino médio e na educação profissionalizante. No ano seguinte, em 1997, o Decreto 2.208 regulamentou o parágrafo 2º do artigo 36 e os artigos 39 a 42 da LDB, estabelecendo o nível básico, o técnico e o tecnológico para a educação profissional. Em outras palavras, esse decreto corrobora a separação por completo o Ensino Técnico do Ensino Médio, estabelecido pela LDB. Esta grande reforma teve como os maiores defensores do “novo modelo educacional” (Porto Jr. e Amaral, 2006, p.9), a iniciativa privada, os partidos políticos ligados ao governo federal e uma parte dos dirigentes e dos ex-dirigentes das instituições de ensino que haviam sido responsáveis pela implementação do mesmo, sobretudo em escolas de âmbito federal. Cardozo (2006) chama a atenção “para o fato de que a ênfase na educação geral deve ser vista com ponderação, para que o ensino técnico não seja suprimido da educação pública e o setor privado acabe assimilando essa modalidade como possibilidade de lucro” (p.11). Há um sentimento no território nacional de que possa haver o sucateamento das instituições públicas, sobretudo as escolas técnicas federais. A partir de sucessivos debates, emergiu, em 2004, o Decreto 5.154 que “traz uma série de contradições, demonstrando a ausência de uma política de governo para a Educação Tecnológica” (Ibidem, p.10). Com esse Decreto “tudo é permitido, inclusive, a continuidade do ensino concomitante, que já se mostrou ineficaz, aumentando assustadoramente a evasão escolar nos cursos técnicos” (Ididem, p.12), bem como, re-agrupar, unir o ensino técnico ao médio, como era antes de 1996. Na prática, há poucas mudanças significativas para o Ensino Médio e Profissionalizante. Porém, há uma primeira tentativa de integrar a Modalidade de Educação de Jovens e Adultos ao Ensino Profissionalizante, como se vê no texto do instrumento, em seu Artigo primeiro, inciso I: “formação inicial e continuada de trabalhadores” e no Art. 3º Os cursos e programas de formação inicial e continuada de trabalhadores, referidos no inciso I do art. 1º, incluídos na capacitação, o aperfeiçoamento, a especialização e a atualização, em todos os níveis de escolaridade, poderão ser ofertados segundo itinerários formativos, objetivando o desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva e social. § 1º […]. 5 Até o ano de 2006, o Brasil foi regido pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Fundamental – FUNDEF – que englobou apenas as oito séries do Ensino Fundamental, estudantes na faixa etária dos sete aos 14 anos de idade. 49 proejafinalpmd.pmd 49 18/11/2007, 19:31 § 2º Os cursos mencionados no caput considerar-se-ão, preferencialmente, com os cursos de educação de jovens e adultos, objetivando a qualificação para o trabalho e a elevação do nível de escolaridade do trabalhador, o qual, após a conclusão com aproveitamento dos referidos cursos, fará jus a certificados de formação inicial ou continuada para o trabalho. (BRASIL, 2004). No texto do artigo acima a formação inicial e continuada para trabalhadores/estudantes da educação de jovens e adultos é textualmente referido como “preferencialmente”, não sendo obrigatório como se verá nos decretos posteriores. Esse detalhe do decreto, no meu entender, é o que se apresenta como uma primeira tentativa de conexão dessas duas modalidades de ensino, ainda que incipiente, sem recursos financeiros ou incentivos para as instituições que a adotassem. Um ano depois é promulgado, para aqueles trabalhadores que não conseguem acompanhar o ensino regular, o Decreto 5.478, em 24 de junho de 2005, que “institui, no âmbito das instituições federais de educação tecnológicas, o Programa de Integração da Educação Profissional ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA”. Vem suprir as necessidades de milhares de trabalhadores que não completaram o ensino médio e que receberão um curso profissionalizante nos três anos de escolarização, ao mesmo tempo incentiva a formação do educando em menor espaço de tempo. Entretanto, esse decreto é exclusivo para as instituições federais. Obriga a oferecer dez por cento de suas vagas ao PROEJA, destinado a jovens acima de 18 anos e a adultos trabalhadores que já tenham o ensino fundamental. “Apresenta-se como objetivo desse programa, a ampliação dos espaços públicos da educação profissional para os adultos e uma estratégia que contribui para a universalização da educação básica” (CIAVATTA, 2006, p.13). Apesar disso, a autora revela que essas instituições não ficaram satisfeitas com tal decreto e expõe os motivos que levam os CEFETs a renunciarem o ensino profissionalizante para estudantes da modalidade de EJA. Segundo ela, são motivos históricos, pois a transformação dos CEFETs em instituições de ensino superior expressaria, em parte, a rejeição às atividades técnicas, supostamente, subalternas, que tem uma origem histórica no mundo ocidental e no Brasil, com seus quatro séculos de escravidão e cinco de dualismo estrutural e discriminação étnica e social ante as atividades manuais (op. cit., p. 14). Para tentar diminuir o embate político no interior das instituições federais, promoveu-se a criação de grupos de estudos entre professores interes- 50 proejafinalpmd.pmd 50 18/11/2007, 19:31 sados em cumprir tal decreto. Inclusive, no âmbito federal, o Ministério da Educação, sob a coordenação da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica – SETEC – nomeou um grupo constituído por trinta pesquisadores e educadores preocupados com a Educação de Jovens e Adultos e com a Educação Profissional e Tecnológica. Esse grupo teve a tarefa de construir um Documento Base para o PROEJA (BRASIL, 2006), apresentando aspectos, concepções e princípios que fundamentam o programa. Em 13 de julho de 2006 o Sr. Presidente da República assinou o decreto nº5.840 ampliando o “Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA” para outras instituições. O que diferencia esse do primeiro é que se trata de um programa Nacional, não afeito apenas às instituições de âmbito federal. Amplia o espectro de profissionais envolvidos e de estudantes agraciados com esse programa; e também para o Ensino Fundamental. Conclusão finais A epígrafe do texto “Eu vejo o futuro repetir o passado / Eu vejo um museu de grandes novidades / O tempo não pára” faz pensar nas situações trazidas para compor essa reflexão histórica da Educação de Jovens e Adultos, do Ensino Médio e da Educação Profissional, uma vez que alguns dos momentos relatados desde o início do século XX, como as lutas políticas, têm ressonâncias no início do século XXI. Além disso, entendo que estamos sempre ressignificando o passado. Olhamos para os acontecimentos históricos com lentes atuais, com os sentidos do momento e do lugar de onde falamos, a partir de nossas experiências, de nossas vivências, por esse motivo quando fazemos esse exercício de voltar ao passado, esse é ímpar, pois os fatos são percebidos com outra intensidade e significado. Talvez, em meus olhares atuais, a ação do Governo Federal em criar o PROEJA deveria ter chegado a quase dois séculos atrás, quando da Proclamação da Independência do Brasil, porém não foi o que ocorreu. Temos a realidade atual. Façamos dela um caminho positivo e acolhedor a fim de que um maior número de cidadãos e cidadãs deste país re-ingressem à escola e realizem seus sonhos de estudar e contribuamos, cada vez mais com nossas ações enquanto educadores. O PLANFOR foi uma base, um modelo para o PROEJA, que nasce a partir de articulações de pesquisadores de todo o país com o intuito de 51 proejafinalpmd.pmd 51 18/11/2007, 19:31 promover uma educação profissionalizante para milhões de indivíduos com o ensino fundamental completo, seja na modalidade de EJA ou no ensino dito regular. Os estudantes interessados poderão, a partir do cumprimento do Decreto que cria ao PROEJA e o expande para a Educação Básica, participar de um curso profissionalizante de qualidade, ofertado pelos Centros Federais de Educação Tecnológica, pelas Escolas Técnicas Federais, Escolas Agrícolas Federais, bem como em qualquer instituição estadual ou municipal, espalhados em todo o país que se habilitar a oferecer um ensino técnico de qualidade. Nas palavras do secretário de Educação Profissional e Tecnológica, órgão vinculado ao Ministério da Educação, apresentando o Proeja no documento base: “O PROEJA é mais que um projeto educacional. Ele, certamente, será um poderoso instrumento de resgate da cidadania de toda uma imensa parcela de brasileiros expulsos do sistema escolar por problemas encontrados dentro e fora da escola” (BRASIL, 2006, p.03). É o otimismo do governante que transparece em um documento oficial e que contagia os educadores a ele ligados. No meu entender a inclusão dos estados e dos municípios num programa criado para os trabalhadores que não estudaram na idade dita regular e que queiram ou sentem a necessidade de aperfeiçoamento em seus afazeres laborais, foi uma grande ação do governo federal. Talvez seja o início do resgate de cinco séculos de exploração da mão-de-obra não qualificada no território nacional. Quem ganha com essas ofertas de escolarização são os estudantes que não tiveram oportunidades de freqüentar a escola na idade dita regular e que podem sair da escola melhor qualificados para o Mercado de Trabalho. Outrossim, quem deve ganhar também são os empresários que terão uma massa de mão de obra mais qualificada sem precisar investir na formação dos futuros e atuais funcionários. Alguns estudantes quando ingressam ou reingressam na escola “nutrem a expectativa da carteira assinada a partir da conclusão do curso na EJA, outros, que estão vivenciando o luto da carteira profissional assinada, motivam-se a estudar nas classes da EJA, pois pretendem voltar ao mercado formal de trabalho com a conclusão do curso” (Santos, 2005, p. 88). Os estudantes do PROEJA, em princípio, sairão da escola com uma profissão. Esse é um diferencial em relação à EJA não profissionalizante. A auto-estima, portanto, tende a elevar-se, além de ampliarem seu entendimento acerca das experiências relacionadas ao trabalho. E quem sabe as discussões em sala de aula sejam um bom espaço e oportunidade para a reflexão acerca das estruturas política, econômica e social de nosso país. 52 proejafinalpmd.pmd 52 18/11/2007, 19:31 Finalizando, cabe desdobrar algumas considerações: que tipo de alunos o PROEJA se propõe formar? Que concepção de educação profissional deve dar as diretrizes às práticas que agora passam a se concretizar? Talvez o primeiro princípio deva ser o de formar “trabalhadores-cidadãos, como sujeitos em construção, abarcando uma pluralidade de dimensões formativas: intelectual, sociocultural com recortes de gênero, etnia, classe, ético-política etc. Uma educação que se preocupe com a racionalidade e a subjetividade, com a história” (Manfredi, 2005). Em outras palavras, o que enfatizo também é que a educação profissional seja concebida – e exercida – como uma prática social e cultural que não se limite nem à visão propedêutica (que historicamente acompanhou o ensino de jovens e adultos) e nem à visão reducionista centrada apenas no domínio de competências técnicas. Sem dúvida, um grande desafio – em especial com o Estado assumindo seu papel. Referências BRASIL, Lei nº5692, de 11 de agosto de 1971. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. BRASIL. Lei nº9394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. BRASIL, decreto nº2.208, de 17 de abril de 1997. Regulamenta o § 2º do art. 36 e os arts. 39 a 41 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. BRASIL, Decreto nº5.154, de 23 de julho de 2004. Regulamenta o § 2º do art. 36 e os arts. 39 a 41 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e dá outras providências. BRASIL, Decreto nº5.478, de 24 de junho de 2005. Institui, no âmbito das instituições federais de educação tecnológica, o Programa de Integração da Educação Profissional ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA. BRASIL, Decreto nº5.840, de 13 de junho de 2006. Institui, no âmbito federal, o Programa de Integração da Educação Profissional co a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA, e dá outras providências. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica. Programa de Integração da Educação Profissional Técnica de Nível Médio ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos. PROEJA. Documento Base. 2006. 53 proejafinalpmd.pmd 53 18/11/2007, 19:31 CARDOZO, Maria José Pires Barros. A reforma do ensino médio: competências para o “novo” mundo do trabalho? In: Trabalho necessário. Ano 4, nº 4, 2006. Disponível em http://www.uff.br/trabalhonecessario/Maria%20Jose%20TN4.htm. Acesso em 16/3/2007. CIAVATTA, Maria. Os Centros Federais de Educação Tecnológica e o ensino superior: duas lógicas em confronto. In: Educação & Sociedade, v. 27, n. 96, 2006. CONFERÊNCIA INTERNACIONAL DE JOVENS E ADULTOS (V: 1997. Hamburgo, Alemanha) Declaração de Hamburgo: agenda para o futuro. Brasília: SESI/ UNESCO, 1999. Disponível em http://www.education.unesco.org/confitea. Acesso em 02/11/2006. GADOTTI, Moacir. Educação de Jovens e Adultos: correntes e tendências. 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A escola é parte da sociedade e, por isso, obrigatoriamente envolve sua comunidade em relações políticas, seja no âmbito interno ou na sua relação com a sociedade. Independentemente de sua prática, consciente ou não das teorias pedagógicas que a sustentam, ela influencia e é influenciada pelo conjunto da sociedade. Neste contexto, encontramos a Educação de Jovens e Adultos (EJA) que sofre dupla crise, pois além de carregar as mazelas da educação brasileira vê os governos e a gestões escolares colocarem em um primeiro 1 Licenciado em História, professor do Colégio Municipal Pelotense, Especialista em Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio na Modalidade Educação de Jovens e Adultos – PROEJA. 2 Doutor em Educação. Professor da Faculdade de Educação da UFPel, professor da Especialização PROEJA/RS, orientador do Trabalho de Conclusão de Curso do autor deste artigo. 55 proejafinalpmd.pmd 55 18/11/2007, 19:31 plano o ensino regular, focalizando assim o ensino daqueles que na idade “adequada” irão passar pelo processo de aprendizagem. Mesmo assim, o processo histórico brasileiro nos legou importantes trabalhos com educação de adultos podendo citar na década de 60, entre outros exemplos o Movimento de Educação de Base e o Programa Nacional de Alfabetização do Ministério da Educação e Cultura, com a participação de Paulo Freire. Em Pelotas, no ano de 1998, o Centro Federal de Educação Tecnológica, rompendo com sua trajetória e contando com a luta e compromisso de alguns professores, constrói o Ensino Médio Para Adultos (EMA) com o objetivo de [...] assegurar a jovens e adultos trabalhadores, excluídos do Sistema Formal de Educação, uma oportunidade educacional de Ensino Médio e desenvolver uma experiência pedagógica, tendo como base uma concepção de educação, que forme um cidadão crítico, autônomo e com capacidade de ação social (CEFET,1999, p.04). Em 2001 a Secretaria Municipal de Educação (Gestão 2001 – 2004) lança o Projeto Piloto de Complementação de 5ª a 8ª série do ensino fundamental (Projeto Complementação) procurando [...]oportunizar a todo/a aluno/a jovem trabalhador/a a possibilidade de avanço da escolaridade, de forma diferenciada da modalidade regular, possibilitando condições e/ou tempo necessários para as aprendizagens previstas nos pareceres que legitimam a EJA no Brasil ( PELOTAS, 2002, p. 02). Percebe-se claramente que estas duas propostas buscam colocar as questões que envolvem a EJA no mesmo plano das outras modalidades e níveis que compõem o contexto escolar, resgatando um compromisso há muito assumido pela sociedade brasileira, mas pouco efetivado. Considero estas duas iniciativas como os mais importantes projetos implementados pelos organismos públicos na cidade de Pelotas, principalmente pela capacidade de articular diretamente a proposta pedagógica, a prática de sala de aula e o interesse do público alvo. Por motivos pessoais – sou professor da rede pública municipal – opto por centrar minha análise no projeto piloto, implementado em algumas escolas do município, reafirmando a pretensão de discutir as relações políticas que, no universo escolar, impedem – mesmo com grande parte das condições objetivas preenchidas – o seu sucesso. 56 proejafinalpmd.pmd 56 18/11/2007, 19:31 Partindo de um breve histórico da EJA – aqui tomo como base o trabalho feito por Haddad e Di Pierro (2000) – e de uma análise da gestão escolar, no município de Pelotas, busco em Ball (1994) a concepção de contextos como forma de entender essas relações políticas. 2. Uma prática de gestão escolar O trabalho de Paro (2001), entre outros, mostra que um ambiente democrático eleva em muitas vezes a possibilidade do sucesso escolar. Em Pelotas, já no início da década de oitenta, a partir da mobilização dos professores, passamos a conviver com a eleição direta para diretores de escola da rede municipal. Ao longo desses anos foram muitas as versões da lei até chegarmos a atual concepção de gestão que é a idéia de Equipe Diretiva, ou seja, um colegiado que reúne Direção, Vice-direção e Coordenação Pedagógica. Nota-se, com essa composição, a intenção de descentralizar as decisões, além de incluir um olhar pedagógico na gestão escolar. Ao mesmo tempo, especialmente a partir da implantação do Programa de Descentralização dos Recursos Financeiros (PARF), a Secretaria Municipal de Educação (SME) propõe à escola a autonomia na gestão administrativa e financeira. No entanto, Hypolito e Leite (2006), ao analisar as escolas municipais, identificam três tipos predominantes – A, B e C – e ao caracterizálas escrevem que a escola do tipo A, apresenta um discurso pedagógico próximo do discurso pedagógico da SME, que buscou se produzir em uma perspectiva contra-hegemônica, caracteriza-se por práticas de gestão democráticas; busca a construção de um projeto político-pedagógico, que articule coerentemente teoria e prática; e apresenta indicadores de sucesso escolar (p.14). Já, a do tipo B, apresenta um discurso pedagógico mais tradicional, formalmente próximo do discurso da SME, característico de muitas escolas, sem necessariamente construir um discurso de oposição às políticas educacionais em andamento; caracteriza-se por práticas de gestão tradicional, em que predomina a lógica da eficiência e da organização; as iniciativas de gestão democrática são tímidas e formais (baseadas na delegação); o projeto políticopedagógico tende a ser resultado de exigências formais, não operando na prática; há indicadores de um desempenho escolar próximo aos padrões da rede municipal de ensino (p.14). 57 proejafinalpmd.pmd 57 18/11/2007, 19:31 Seguem dizendo que ainda há a escola C, que apresenta as seguintes características: Um discurso pedagógico aparentemente indefinido; caracterizando-se por práticas de gestão tradicional, em alguns aspectos autoritária, muito desorganizada e pouco eficiente; o projeto político-pedagógico é bastante desarticulado; enfrentam situação significativa de fracasso escolar e de violência (p.14). Note-se que é nesse ambiente escolar que boa parte dos projetos de EJA são inseridos e, mesmo que o município de Pelotas defenda a concepção de equipe diretiva – e essa tenha o caráter colegiado – adotando o processo de eleição direta para sua escolha com a participação da comunidade escolar, ainda boa parte das escolas apresentam como característica uma prática de gestão tradicional explicada, em muito, pela supervalorização da figura do diretor. Ao observarmos a ascensão de um professor à disputa a um cargo diretivo podemos perceber que esta supervalorização não acontece ao acaso, pois boa parte das características que o qualificam, perante aos colegas, estão relacionadas aos aspectos administrativos, ou seja, a sua capacidade de fazer a escola “funcionar”. Já o colegiado, que poderia ser um fórum de discussão, pelo menos dos membros da equipe diretiva, tentando garantir o debate com a coletividade dos aspectos pedagógicos, administrativos e financeiros, dá mostra de carregar os reflexos negativos do processo eleitoral, pois é comum haver uma centralização das decisões nas mãos do diretor, ficando para os outros componentes a tarefa de encaminhar aquilo que muitas vezes é decidido por ele. Quando muito, há os diretores que não se envolvem com as questões pedagógicas, estabelecendo o controle da escola pela via administrativa. Também, nestas condições, dificilmente a discussão pedagógica será valorizada e legitimada pela escola. Esse personalismo e centralismo fazem com que, na maioria das vezes, as equipes diretivas, mesmo sendo eleitas pela comunidade, não entendam que são as legítimas representantes da vontade desta comunidade, e deveriam reafirmar os vínculos políticos com aqueles que os elegeram, mas não é isso que acontece. Uma gestão tradicional dificilmente irá propor a construção ou reconstrução do Projeto Político Pedagógico (PPP) numa perspectiva democrática. Pois isso possibilitaria que esta comunidade se apropriasse de todos os elementos que cercam a sua elaboração. O resultado seria uma 58 proejafinalpmd.pmd 58 18/11/2007, 19:31 produção efetivamente coletiva – reflexo do desejo da comunidade – possibilitando que esta se comprometa com ele, interessada na execução das políticas demandadas, acompanhando o dia-a-dia da escola e passando a ter uma visão mais ampla, incorporando, de forma articulada, os diversos elementos que envolvem o ambiente escolar, incluindo nele a Educação de Jovens e Adultos. O que fatalmente colocaria em xeque o poder da gestão tradicional.Assim, uma prática de gestão tradicional soma nas dificuldades encontradas pelos projetos de EJA. Tomando-se como referência as idéias que embasam o Projeto Complementação, percebe-se como este tipo de gestão pode dificultar a implementação de um projeto de EJA, pois, ao centralizar os aspectos administrativos, essa gestão dificilmente valorizará este trabalho como algo que “se diferencia por sua proposta curricular que integra as áreas do conhecimento através de propostas pedagógicas construídas a partir da realidade dos educandos” (PELOTAS, 2004, p.70) que “utiliza a pesquisa da realidade como metodologia de construção social do conhecimento, valorizando o saber popular e articulando-o ao saber científico” (PELOTAS, 2004, p.70). Ora, levando-se em conta o público alvo e a proposta curricular envolvida no projeto, é necessário avaliar se o grupo de gestão e o corpo docente atuante reconhecem tal desafio. Os gestores e o professor que irá trabalhar em tal projeto, necessitam demonstrar que compreendem a realidade que envolve os alunos da EJA. Mais ainda, precisam incorporar, na sua prática pedagógica, a proposta do projeto, buscando romper com os elementos que levaram o aluno à exclusão, possibilitando-o completar a escolaridade perdida. O chavão do compromisso é aqui reforçado. Ou, como diz o Documento base do PROEJA, da Secretaria de educação profissional e tecnológica do Ministério da Educação, quando aborda os requisitos necessários para enfrentar esse desafio: Por ser um campo específico de conhecimento, exige a correspondente formação de professores para atuar nessa esfera. Isso não significa que um professor que atue na educação básica ou profissional não possa trabalhar com a modalidade EJA. Todos os professores podem e devem, mas, para isso, precisam mergulhar no universo de questões que compõem a realidade desse público, investigando seus modos de aprender de forma geral, para que possam compreender e favorecer essas lógicas de aprendizagem no ambiente escolar. (...) Dos gestores das instituições espera-se o gerenciamento adequado com acompanhamento sistemático movido por uma visão global. Dos servidores, em geral, deseja-se que sejam sensíveis à realidade dos educandos e compreendam as especificidades da EJA (2006,27). 59 proejafinalpmd.pmd 59 18/11/2007, 19:31 No entanto, é preciso salientar o que o próprio trabalho de Hypolito e Leite (2006) aponta: existe no município de Pelotas um tipo de escola – Escola A – que “caracteriza-se por práticas de gestão democrática” e que, diferente das outras que adotam um modelo tradicional de gestão, “busca a construção de um projeto político-pedagógico, que articule coerentemente teoria e prática” (p.14). Contudo, é necessário tentar compreender como se dá essa relação entre as políticas de EJA e as escolas e quais medidas podem transformar radicalmente esta realidade. Partindo do Projeto Complementação, podemos buscar uma análise que leve em conta os contextos que Ball (1994) chama de influência, da produção da política como texto e dos contextos da prática. 3. A política e seus contextos O primeiro contexto é o contexto de influência que, segundo Mainardes (2006), é onde normalmente as políticas públicas são iniciadas e os discursos políticos são construídos. É nesse contexto que grupos de interesse disputam para influenciar a definição das finalidades sociais da educação e do que significa ser educado. Atuam nesse contexto as redes sociais dentro e em torno de partidos políticos, do governo e do processo legislativo. Assim, quando em dezembro de 2001, a Secretaria Municipal de Educação de Pelotas elabora o texto do Projeto Complementação e justifica este pelo compromisso do governo da Frente Popular em “trabalhar pela ampliação da escolaridade do/a aluno/a trabalhador/a, garantindo a continuidade dos estudos no Programa de Educação de Jovens e Adultos” (PELOTAS, 2001, p.02) e também quando afirma que a esta gestão (2001- 2004) “deu início à busca da realização de um sonho de transformação social” (PELOTAS, 2004, p.7) estabelece a construção de uma política que aponta para uma ruptura com o modelo de ensino existente na medida em que diz ser preciso estabelecer novas relações de poder, onde a convivência entre as diferenças, o diálogo e a participação tornem a escola uma instituição democrática “permeada pela participação, pela solidariedade e pela esperança” (PELOTAS, 2004, p.7). Desse modo, dá início a um projeto que pretende reverter o quadro de desalento da Educação de Jovens e Adultos. Toda esta justificativa não vem ao acaso. Como retratado no início deste trabalho é sabido que ao 60 proejafinalpmd.pmd 60 18/11/2007, 19:31 longo dos anos várias foram às políticas públicas para EJA, mas os textos produzidos pouco modificaram o quadro apresentado por tal modalidade. As interações das políticas, sejam globais ou de Estado, ou mesmo da municipalidade, marcam os projetos como o Complementação, que, a partir de uma análise conjuntural e da definição dos objetivos representam uma intervenção textual da política da secretaria no terceiro contexto que é o da prática. Neste contexto, as equipes diretivas também possuem a sua história e uma interpretação própria do projeto. Sendo assim, por mais que o governo reafirme a sua “busca da realização de um sonho de transformação social” (PELOTAS, 2004, p.7) “é crucial reconhecer que as políticas em si mesmas, os textos, não são, necessariamente, claros ou fechados, ou completos” e que “os autores não conseguem controlar os significados de seus textos” (BALL, 1994, p.16). Neste contexto, da prática, a política está sujeita às interpretações, a ser refeita e produzir efeitos e conseqüências que podem alterá-la significativamente. Ou seja, uma política estabelecida pela secretaria ao ser encaminhada na escola pela equipe diretiva, passará a ser influenciada também pela visão administrativa e pedagógica que a equipe diretiva possui. Embora seja óbvio, parece-me que nem todos os docentes atuam com essas convicções. Trabalho com turmas do primeiro ano do ensino médio e a cada ano recebo os alunos egressos do Projeto Complementação. Em conversas com eles percebi o sentimento que carregam quando falam das opiniões de alguns professores que atuam no projeto. Dizem que não é raro docentes questionarem a validade deste, alegando principalmente a defasagem do conteúdo trabalho. Desconhecendo as premissas do projeto, embasam suas críticas numa visão conteudista em que a quantidade de conteúdos repassados aos alunos é o referencial de qualidade. Alegando a provável progressão às séries posteriores, dizem aos alunos que eles terão enormes dificuldades de aprendizagem no ensino médio, pois faltará “a base” para isto.Não foi surpresa para mim, observar que a freqüência das críticas é maior entre os professores das Ciências Exatas. No diálogo com colegas também ouço seguidamente que os alunos do Complementação não sabem “ler direito”, apresentam uma enorme dificuldade para compreender os temas trabalhados, têm dificuldade de raciocínio e principalmente escrevem muito mal. Complementam dizendo que a proposta do projeto acaba se materializando num ensino de segunda categoria. 61 proejafinalpmd.pmd 61 18/11/2007, 19:31 4. Conclusão Ao longo deste texto procurei discutir o que há nas relações políticas que permeiam a escola que fazem com que alguns projetos, legitimamente construídos, pareçam ruínas? Para responder esta questão optei pelo estudo dos contextos de Ball (1994) que são o de influência, da produção da política como texto e o da prática. Mas, antes de reafirmá-los, gostaria de trazer um elemento que julgo extremamente importante, mas que aqui não foi objeto de minha investigação. Como disse anteriormente, um ambiente democrático eleva em muitas vezes a possibilidade do sucesso escolar. Neste sentido, Gadotti acrescenta dizendo que, “as escolas até hoje não descobriram ou não utilizaram todo seu potencial de mobilização social e sua capacidade criadora. Falta-lhes talvez uma dose de rebeldia, essencial ao ato pedagógico, para se transformarem em escolas radicalmente democráticas” (GADOTTI, 2003, p.2). Portanto, a equipe diretiva, que vai desempenhar um papel fundamental na gestão da escola e dos seus projetos, principalmente na tarefa de traduzir as políticas e garantir suas realizações, e os docentes, que são os sujeitos que vão concretizar essas políticas nas práticas escolares, ou seja, nos campos recontextualizadores, são determinantes para o sucesso de qualquer experiência e projeto de inovação no campo educacional. Por isso que o sucesso ou não do projeto Complementação decorre diretamente das definições de quem vai executar e desenvolver o projeto na escola. Por fim, concordo com Gadotti quando diz que toda grande caminhada começa pelo primeiro passo e que o primeiro passo é acreditar na Educação de Jovens e Adultos. A partir do DECRETO Nº 5.840, de 13 de julho de 2006, que institui o Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA, começa uma nova caminhada e acredito que a pesquisa sobre as experiências anteriores podem contribuir decisivamente para a superação dos problemas crônicos que marcam a Educação de Jovens e Adultos. 62 proejafinalpmd.pmd 62 18/11/2007, 19:31 Referências BALL, Stephen J. What is policy? Texts, trajectories and toolboxes. (cap.II) In: Education Reform: a critical and post-structural approach. Great Britain, Open University, 1994 (p.14-27) traduzido por Joice Elias em agosto de 2006 BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Programa de Integração da Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos - PROEJA. Documento Base. Brasília: MEC, 2006. BRASIL. Congresso Nacional. Constituição Federal da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: 5 de outubro 1988. BRASIL. Decreto n. 5.840. Institui, no âmbito federal, o Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos - PROEJA, e dá outras providências. CONGRESSO NACIONAL. Lei Federal nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília, DF: 20 de dezembro de 1996. CEFET-RS. Uma Proposta De Ensino Médio Para Adultos, Pelotas, 1999. GADOTTI, Moacir. A Gestão Democrática Na Escola Para Jovens E Adultos: Idéias para tornar a escola pública uma escola de EJA. São Paulo, 2003. Disponível em http://www.paulofreire.org/Moacir_Gadotti/Artigos/Portugues/ Educacao_Popular_e_EJA/Gestao_democ_EJA_2003.pdf Avaliado em 11/jul/2007. HADDAD, Sérgio; DI PIERRO, Maria Clara. Escolarização de Jovens e Adultos. In: Revista Brasileira de Educação, Maio/Jun/Jul/Ago, 2000, nº 14: ANPED. 2000. HYPOLITO, Álvaro Moreira; LEITE, Maria Cecília Lorea. Contextos, Articulação e Recontextualização: uma construção metodológica. In: 29a. Reunião Anual da ANPEd, Caxambú. EDUCAÇÃO, CULTURA E CONHECIMENTO NA CONTEMPORANEIDADE: Desafios e Compromissos. Rio de Janeiro : ANPEd, 2006. MAINARDES, Jeferson. Abordagem do ciclo de políticas: uma contribuição para a análise de políticas educacionais. Educação & Sociedade., Campinas, vol.27, n.94, p.47-69, jan./abr.2006. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/es/ v27n94/a03v27n94.pdf Avaliado em 11/Jul./2007. PARO, Vitor Henrique. Gestão democrática da escola pública. São Paulo, Ática, 2001. PREFEITURA MUNICIPAL DE PELOTAS. Secretaria Municipal de Educação. Projeto Piloto de Complementação de 5ª à 8ª Séries do Ensino Fundamental. Pelotas: Dez.2001 PREFEITURA MUNICIPAL DE PELOTAS. Secretaria Municipal de Educação. Revista Fazer – Qualidade Social na Educação – publicada em dezembro de 2004 63 proejafinalpmd.pmd 63 18/11/2007, 19:31 EDUCAÇÃO: PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL PARA O EXERCÍCIO DA CIDADANIA Paulo Roberto Sangoi1 Elizabeth Milititsky Aguiar2 1. Introdução O grande contingente de analfabetos existente em nosso país é fruto, e simultaneamente evidência, do desrespeito dos governantes e dos grupos sociais dominantes, aos princípios Constitucionais e às leis aprovadas que visam dar garantias fundamentais aos indivíduos. O analfabetismo é a única evidência do desrespeito aos princípios constitucionais relativos à Educação? Ou, é, também pelo desconhecimento dos direitos, por parte da grande maioria dos cidadãos, mesmo alfabetizados que estes direitos não são garantidos? Portanto, em um país com tantas desigualdades sociais e diferenças culturais, o que é possível ao cidadão fazer, para que tenha seu direito respaldado, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho? 2. Acesso a educação: um direito constitucional Pensar sobre educação de crianças, jovens e adultos é, necessariamente, pensar no direito que todo o ser humano tem à educação. 1 Advogado e Professor da área de direito da Escola Técnica da UFRGS. Especialista em Direito Empresarial. E mail:[email protected] 2 Professora Dra. da Escola Escola Técnica da UFRGS, orientadora do Trabalho de Conclusão de Curso do autor. 64 proejafinalpmd.pmd 64 18/11/2007, 19:31 Conforme o Parecer 11/2000 do Conselho Nacional de Educação: Letramento é, pois, o resultado da ação de ensinar ou de aprender a ler e escrever: o estado ou a condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como conseqüência de ter-se apropriado da escrita... Assim não basta apenas saber ler e escrever, é preciso também saber fazer uso do ler e do escrever, saber responder às exigências de leitura e de escrita que a sociedade faz continuamente (Magda Becker Soares,1998: p. 18-20). A declaração do Direito à Educação aparece no artigo 6º da Constituição Federal: “São direitos sociais a educação, [...] na forma desta Constituição”, na qual pela primeira vez em nossa história Constitucional explicita-se a declaração dos Direitos Sociais, destacando-se, com primazia, a Educação. O Direito à Educação faz parte de um conjunto de direitos denominados de direitos sociais, que têm como inspiração o valor da igualdade entre as pessoas. No Brasil este direito foi reconhecido com o advento da Constituição Federal promulgada em 1988, eis que, anteriormente, o Estado não tinha a obrigação formal de garantir a Educação de qualidade a todos os brasileiros, pois o ensino público era tratado como uma assistência, um amparo dado àqueles cidadãos que não podiam arcar com os custos de uma Educação. Com as discussões travadas durante a Constituinte de 1988, as responsabilidades do Estado foram repensadas, sendo que, promover a Educação Fundamental, passou a ser seu dever, como ficou definido no artigo 205 da Constituição Federal. A Constituição Federal do Brasil incorporou como princípio que toda e qualquer Educação visa o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Conforme parecer CNE/CEB 11/200, retomado pelo art. 2º da LDB, este princípio abriga o conjunto das pessoas e dos educandos como um universo de referência sem limitações. Assim, a Educação de Jovens e Adultos, modalidade estratégica do esforço da Nação em prol de uma igualdade de acesso à educação como bem social, participa deste princípio e sob esta luz deve ser considerada. Estas considerações adquirem substância não só por representarem uma dialética entre dívida social, abertura e promessa, mas também por se tratarem de postulados gerais transformados em direito do cidadão e dever do Estado até mesmo no âmbito constitucional, fruto de conquistas e de lutas sociais. 65 proejafinalpmd.pmd 65 18/11/2007, 19:31 O artigo 208 da CF detalha o Direito à Educação nos seguintes termos: O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria; II – progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio; III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino; IV - atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade; V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um; VI - oferta de ensino noturno regular, adequada às condições do educando; VII - atendimento ao educando, no ensino fundamental, através de programas suplementares de material didático escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde. A inovação que o texto Constitucional apresenta está no inciso I, ao relegar ao Estado o dever de estender o ensino mesmo aos que “a ele não tiveram acesso na idade própria”. Já no inciso II, busca-se um aspecto importante do texto de 1934, que aponta a perspectiva de “progressiva extensão da gratuidade e obrigatoriedade do ensino médio”. De acordo com Romualdo Portela de Oliveira (1998), este dispositivo reequacionou o debate sobre esse nível de ensino para além da polaridade ensino propedêutico x profissional. A idéia era ampliar o período de gratuidade/obrigatoriedade, tornando-o parte do Direito à Educação. É a tendência mundial, decorrente do aumento dos requisitos formais de escolarização para um processo produtivo crescentemente automatizado. Praticamente todos os países desenvolvidos universalizaram o ensino médio ou estão em via de fazê-lo. Em 1996, através da Emenda Constitucional n° 14, ocorreu a alteração da redação do inciso II deste artigo para “progressiva universalização do ensino médio gratuito3”. Esta redação, apesar de tornar menos efetivo o compromisso do Estado na incorporação futura deste nível de ensino à educação compulsória, garantiu a educação básica para todos e não apenas para crianças, ou seja, trata-se de um direito 66 proejafinalpmd.pmd 66 18/11/2007, 19:31 constitucional, podendo qualquer indivíduo garantir o acesso através de mecanismos legais, desde que queira se valer dele. Portanto o titular deste direito é qualquer pessoa de qualquer faixa etária que não tenha tido acesso à escolaridade obrigatória. 2.1 Educação: direito público subjetivo Pontes de Miranda (1933), nos seus comentários à Constituição Federal de 1946, afirmou: “Quanto à estrutura do Direito à Educação, no estado de fins múltiplos, ou ele é um direito público subjetivo, ou é ilusório” (1953, p. 151). Entretanto, é necessário antes de tudo, entendermos que o direito público subjetivo consiste na faculdade específica de exigir a prestação prometida pelo Estado, decorrente da relação jurídica administrativa. A obrigação do sujeito passivo decorre ou das leis e regulamentos ou de ato jurídico individual porque, em ambos os casos, foi editada regra de direito que originou a obrigação. Portanto, o direito público subjetivo confere ao indivíduo a possibilidade de transformar a norma geral e abstrata contida num determinado ordenamento jurídico em algo que possua como próprio. Inquestionavelmente, o direito público subjetivo trata-se de um instrumento jurídico de controle do Estado e seus governantes, através do qual, o titular de um direito pode vir a acionar o Poder Público para ver cumprida uma obrigação legal. Neste sentido decidiu o Supremo Tribunal Federal em acórdão de relatoria do Min. Celso de Mello: Não basta, portanto, que o Estado meramente proclame o reconhecimento formal de um direito. Torna-se essencial que, para além da simples declaração constitucional desse direito, seja ele integralmente respeitado e plenamente garantido, especialmente naqueles casos em que o direito - como o direito à saúde - se qualifica como prerrogativa jurídica de que decorre o poder do cidadão de exigir, do Estado, a implementação de prestações positivas impostas pelo próprio ordenamento constitucional. (STF agrg nº 273834 Min CELSO DE MELLO). 3 Art. 2º - É dada nova redação aos incisos I e II do art. 208 da Constituição Federal: I - ensino fundamental obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria; II - progressiva universalização do ensino médio gratuito; 67 proejafinalpmd.pmd 67 18/11/2007, 19:31 Já o educador Anísio Teixeira, argumentava: “O direito à educação faz-se um direito de todos, porque a educação já não é um processo de especialização de alguns para certas funções na sociedade, mas a formação de cada um e de todos para a sua contribuição à sociedade integrada e nacional, que se está constituindo com a modificação do tipo de trabalho e do tipo de relações humanas. Dizer-se que a educação é um direito é o reconhecimento formal e expresso de que a educação é um interesse público a ser promovido pela lei (TEIXEIRA.1996 p.60). No caso do direito subjetivo à educação, tendo como paradigma os artigos 205, 208 e 209 da Constituição Federal, a decisão, também, pertence a nós, ou melhor, dividindo responsabilidade social com o poder público, família, instituição de ensino e da sociedade na garantia ao direito à educação. 2.2 Direito à educação - direito social fundamental O direito à educação, como direito subjetivo público, é um direito social fundamental (art. 6º c/c art. 205 CF)4, com três objetivos definidos na Constituição Federal, que estão diretamente relacionados com os fundamentos do Estado brasileiro (art. 1º c/c art; 3º da CF): a) pleno desenvolvimento da pessoa; b) preparo da pessoa para o exercício da cidadania; c) qualificação da pessoa para o trabalho. Na leitura de Nelson Joaquim (2006): o acesso ao ensino fundamental, obrigatório e gratuito é um direito subjetivo; por outro lado, é um dever jurídico do Estado oferecer o referido ensino, caso contrário, ou seja, o não-oferecimento ou sua oferta irregular importa responsabilidade da autoridade competente (art. 208 § 2º da CF; art. 5º § 4º da LDB; art. 54 § 1º e § 2º do ECA). 4 Art. 6º - São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição; Art. 205 - A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. 68 proejafinalpmd.pmd 68 18/11/2007, 19:31 Nas palavras de Sérgio Haddad (2003), conceber a Educação como Direito Humano diz respeito a considerar o ser humano na sua vocação ontológica de querer “ser mais”, diferentemente dos outros seres vivos, buscando superar sua condição de existência no mundo. Para tanto, utiliza-se do seu trabalho, transforma a natureza, convive em sociedade. Ao exercitar sua vocação, o ser humano faz História, muda o mundo, por estar presente no mundo de uma maneira permanente e ativa. A educação é um elemento fundamental para a realização dessa vocação humana. Não apenas a educação escolar, mas a educação no seu sentido amplo, a educação pensada num sistema geral, que implica na educação escolar, mas que não se basta nela, porque o processo educativo começa com o nascimento e termina apenas no momento da morte do ser humano. Isto pode ocorrer no âmbito familiar, na sua comunidade, no trabalho, junto com seus amigos, nas igrejas etc. Os processos educativos permeiam a vida das pessoas. O preparo para o exercício da cidadania é papel fundamental da educação. A efetiva proteção dos direitos sociais fundamentais exige, assim, um processo educacional sério, que desperte, nas gerações presentes e futuras, a consciência de participação na sociedade e crie um mínimo senso político nos indivíduos que a compõem. Assim, o indivíduo ao pleitear o direito á educação, estará exercitando a cidadania. 2.3.1 Conhecendo a legislação complementar Pelo sistema jurídico brasileiro, a principal fonte do direito é a lei. A palavra lei pode significar tanto norma geral emanada do Poder Legislativo como qualquer norma de direito escrito, desde a Constituição até um decreto regulamentar ou mesmo decreto individualizado. O Direito à educação possui inúmeras legislações no sentido amplo: decretos, portarias, regulamento, regimento escolar, resoluções e pareceres normativos dos conselhos de educação, tratados e convenções internacionais. No entanto norma primeira e fundamental do Direito Educacional brasileiro está na Constituição federal. Trata-se do Título VIII, da Ordem Social, Capítulo III, intitulado “Da Educação, da Cultura e do Desporto”, com uma soma de dez artigos dedicados à educação (art. 205 a 214), com os princípios do Direito Educacional. Com a promulgação da Constituição em 1988, através da qual instituiu-se o princípio pelo qual o direito a educação a educação básica é direito público subjetivo, foram criadas leis que regulamentam e 69 proejafinalpmd.pmd 69 18/11/2007, 19:31 complementam o direito à Educação: o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), de 1990 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), de 1996. Juntos, estes mecanismos legais inserem todos os brasileiros nas escolas públicas de ensino fundamental, eis que nenhuma criança, jovem ou adulto pode deixar de estudar por falta de vaga. Com uma linguagem mais detalhada, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB (Lei Federal 9394/96) regulamentou os dispositivos constitucionais referentes à educação, com uma peculiar diferença: o ensino fundamental para jovens e adultos foi aqui garantido como um direito público subjetivo, conforme pode ser conferido nos “Princípios e Fins” da LDB, nos artigos 4º, inc. I, e 5º: Dessa forma, a LDB fortaleceu a EJA, trazendo uma garantia a mais para a sua efetivação ao prevê-la como um direito público subjetivo. Apesar de não ter sido regulamentada desta forma no texto constitucional, esta garantia não lhe pode ser negada, sob pena de retrocesso social, infringindo o artigo 5º, inciso II do Pacto Internacional do Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. A Educação de Jovens e Adultos foi melhor regulamentada na Seção V do Capítulo II, Educação Básica, da LDB, sendo determinado aos sistemas de ensino assegurar cursos e exames que proporcionem oportunidades educacionais apropriadas aos interesses, condições de vida e trabalho dos jovens e adultos. O artigo 37, § 2º5 intensificou o respaldo à educação do trabalhador ao estabelecer que “o acesso e a permanência dos trabalhadores na escola sejam viabilizados e estimulados por ações integradas dos poderes públicos”. Se, por um lado, esta disposição tem a sua pertinência dada à presunção da hipossuficiência do trabalhador frente ao empregador, ou seja, o empregado é considerado a parte mais frágil da relação e, este parágrafo, fortalece seu direito; por outro lado fragmenta a noção de universalidade ao aproximar a EJA do trabalho, reforçando a visão mercadológica do ensino e fragilizando sua abordagem como um princípio da dignidade humana, conforme estabelecido na Declaração Universal de 1948. Além das Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996) e do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069, de 13 de julho de 1990), que já relacionamos anteri5 Art. 37. A educação de jovens e adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria. § 2º O Poder Público viabilizará e estimulará o acesso e a permanência do trabalhador na escola, mediante ações integradas e complementares entre si. 70 proejafinalpmd.pmd 70 18/11/2007, 19:31 ormente, dentre as muitas leis que fluem da Constituição de 1988 em direção ao ordenamento jurídico-educacional, podemos destacar: O Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8078, de 11 de setembro de 1990); Conselho Nacional de Educação (Lei nº 9.131, de 24 de novembro de 1995); Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental de Valorização do Magistério (Lei 9.424, de 24 de dezembro de 1996); Decreto 3274/99; Anuidades Escolares (Lei nº 9.870, de 23 de novembro de 1999); Direito Ambiental (Lei nº 9.797, de 27 de abril de 1999); Plano Nacional de Educação (Lei 10.172, de nove de janeiro de 2001); “Bolsa Escola” (Lei nº 10.219, de 11 de abril de 2001); Decreto nº 3.860, de 9 de julho de 2001, que dispõe sobre a organização do ensino superior e avaliação de cursos e instituições; Programa de Diversidade na Universidade (Lei 10.558, de 13 de novembro de 2002); LEI N° 10.639, DE 9 DE JANEIRO DE 2003, que altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira: Programa de Complementação ao Atendimento Educacional Especializado às Pessoas Portadoras de Deficiência (Lei nº 10.845, de cinco de março de 2004), Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Lei 10.861, de 14 de abril de 2004); PROUNI (Lei 11.096, de 13 de janeiro de 2005). Também devemos mencionar a educação a distância (EAD) nos termos do art. 80 da LDB, cujos regulamentos estão disciplinados nos Dec. 2.494, de 10 de fevereiro de 1998, Dec. 256, de 27 de abril de 1998, Portaria Ministerial 301, de 7de abril de 1998 e Portaria 2.253, de 18 de outubro de 2001.8. Por fim, consagração do direito à Educação tem sido constantemente lembrada nas declarações, tratados, convenções, cartas de princípios, compromissos, protocolos e acordos internacionais, que buscam a internacionalização do direito à educação. Esta tem como paradigma a Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada em Resolução da III Sessão Ordinária da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 1948. Considerações finais Tradicionalmente, o Direito preocupou-se com a defesa tanto dos interesses do Estado como dos indivíduos exigindo que, de regra, fosse ela exercitada pelos próprios lesados. Tal situação, inevitavelmente, facilitou que os Gestores Públicos e grupos econômicos fortes praticassem reiteradas ações contrárias às normas constitucionais e infraconstitucionais, aproveitando-se do congestionamento e morosida- 71 proejafinalpmd.pmd 71 18/11/2007, 19:31 de do Poder Judiciário brasileiro, o que desestimula o cidadão de buscar seus direitos. Com o advento da Lei da Ação Civil Pública6, cuidou-se de instituir regras especiais para a defesa de interesses de grupos de pessoas, especialmente no tocante à legitimação para agir, coisa julgada e fundo para reparação dos danos. O acesso à Educação, como direito social fundamental (art. 6º c/c art. 205 CF), igualmente teve sua defesa facilitada, tanto individual como coletivamente. Assim, conhecer os princípios e regras da defesa de interesses transindividuais, passou a ser fundamental aos operadores do direito e à sociedade civil em geral. Uma vez reconhecido pela Constituição Federal de que a Educação é um direito fundamental do cidadão e que cabe ao Estado supri-la, torna-se necessário fazer valer, no cotidiano das crianças, adolescentes, jovens e adultos esse direito. Mas somente através da Educação e do efetivo desenvolvimento da cidadania, que o indivíduo passa a reconhecer e identificar conflitos e violações de direitos. No caso de desrespeito a qualquer de seus direitos, o cidadão deverá acionar a autoridade competente, mas para isso é necessário não apenas o conhecimento legal, mas também conhecer os mecanismos, órgãos e autoridades responsáveis pela fiscalização, controle e investidas de poderes para acionar e julgar as questões relativas aos direitos negados. Para isso o cidadão brasileiro dispõe de várias instituições públicas e privadas sem fins lucrativos, além inúmeros serviço de assistência jurídica gratuita oferecido pelas faculdades de direito e redes de assistência social, mantidas pelas instâncias municipais, estaduais e federal, além das tradicionais organizações confessionais. Portanto, é crucial que toda pessoa conheça os seus direitos e a quem recorrer quando estes forem violados. Observa-se no cotidiano, pouca divulgação institucional sobre direitos e garantias dos cidadãos e isso também ocorre nas instituições de ensino, nas quais os educadores, em grande parte pelo desconhecimento de seus próprios direitos, não focam em suas aulas, estas questões tão relevantes para a construção da cidadania. O conhecimento dar-se-á através da implantação de disciplinas de Introdução ao Direito nos currículos escolares (como alguns estados já estão propondo) ou da inclusão de temas que contribuam para a cidadania, pois, se desde criança o indivíduo passasse a reconhecer e 6 Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985 72 proejafinalpmd.pmd 72 18/11/2007, 19:31 identificar seus direitos civis, quando adulto teria como exigir, de forma mais efetiva e organizada, o respeito às normas existentes. Cabe salientar que, igualmente como a educação ambiental, tais lições de cidadania, também podem ser incluídas como atividades ou programas organizados fora do sistema regular de ensino (educação não-formal), pois desta forma os docentes poderiam utilizar destas atividades, além de suas disciplinas, para mostrar aos alunos seus direitos civis. Outro instrumento importante na luta pelos direitos coletivos e individuais, é a informação, ou seja, tornar público através dos órgãos de imprensa, as violações ocorridas, seja por parte do gestor público ou seus de seus prepostos. A publicidade é fator predominante nas ações dos agentes públicos, tais como o Ministério Público e Poder Judiciário. Ela poderá ser utilizada como fonte de informação para que os atores da rede de atendimento possam exercer sua função de grupo de pressão, especial-mente utilizando-se de entidades organizadas. Igualmente importante é a organização, através de associações de pais, amigos, de bairros e tantas outras, pois estes movimentos coletivos tem se tornado uma grande arma na luta pelo respeito aos direitos constitucionais, pois é fundamental que haja a implementação de ações dentro e fora das escolas, com o intuito de divulgar os direitos civis, em especial o direito a garantia da Educação Básica para todos, eis que se trata de um direito constitucional, podendo os interessados garantir o acesso à Educação através de mecanismos legais, desde que queiram se valer dele. Referências AGUIAR, Raimundo Helvécio Almeida. Educação de Adultos no Brasil: políticas de (des)legitimação. 2001. Tese (doutorado)-Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação, Campinas, SP, 2001. BASTOS, Celso Ribeiro. A Constituição de 1934. In: As constituições do Brasil. Brasília, Ministério do Interior, 1986. ____. A constituição de 1988. In: D’ÁVILA, Luiz Felipe(org.). 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Dispõe sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério, na forma prevista no art. 60, § 7°, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, e dá outras providências. ____. Lei Nº 8.069, DE 13 DE JULHO DE 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. ____. Lei Nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor (CDC) ____. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei n° 9.394 de 20 dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23 dez.1996. ____. Ministério da Educação. Brasil Alfabetizado. Brasília: MEC, 2003. ____Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da Assembléia Geral da ONU de 16.12.66, aprovado, no Brasil, pelo decreto legislativo nº. 226 de 12.12.95 e promulgado pelo decreto nº. 591 de 7.7.92) CRETELLA Jr, José. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. 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Na maioria das vezes as indicações normativas e mesmo a legislação são recontextualizadas ou até mesmo desconsideradas quando da construção local de políticas e programas educacionais, as quais se materializam nas construções curriculares, orientadoras das práticas educacionais. (LOPES, 2005). Seguindo esta linha analítica, neste trabalho faz-se um estudo de caso, que tem como foco a implantação de um projeto de educação de jovens e adultos, associado à formação profissional, nas escolas municipais de Pelotas/RS, no período 2001-2004. Este trabalho se fundamenta na análise de documentação oficial da Secretaria Municipal de Educação de Pelotas/RS - referente ao projeto 1 Graduada em História pela Universidade Católica de Pelotas, professora da rede municipal de ensino da cidade de Pelotas/RS, professora de rede de ensino do Estado do Rio Grande do Sul, assessora do Conselho Municipal de Educação da cidade de Pelotas/RS. 2 Professor do CEFET-RS, orientador do Trabalho de Conclusão de Curso, do qual originouse este texto. 3 Professora da UFPEL, co-orientadora do Trabalho de Conclusão de Curso da aluna, do qual originou-se este texto 76 proejafinalpmd.pmd 76 18/11/2007, 19:31 em foco, de atas de reuniões e de Pareceres normativos do Conselho Municipal de Educação e no depoimento de uma professora que participou da elaboração e desenvolvimento do primeiro projeto em uma escola da rede municipal de Pelotas/RS e que também era integrante do Conselho Municipal de Educação. Para mostrar a possibilidade de diferentes interpretações dos textos legais e normativos, recorre-se ao estudo de caso da implantação do Projeto Complementação de 5° a 8ª séries, também denominado Classes da Aceleração, no município de Pelotas/RS. As altas taxas de repetência e evasão vêm se secularizando no sistema educacional brasileiro. Os estudos e pesquisas têm demonstrado a ineficácia de um ensino baseado nos padrões tradicionais, sem contemplar as diferenças sociais e culturais dos alunos. Apesar da extensa divulgação da produção acadêmica, dos dados estatísticos e dos programas oficiais para romper com a tradição excludente da educação nacional, não conseguimos desenvolver políticas e propostas pedagógicas que alcancem sucesso em modificar o quadro da exclusão no sistema educacional brasileiro, que continua produzindo jovens e adultos sem ou com baixa escolarização, que são os potenciais sujeitos de políticas e programas de Educação de Jovens e Adultos. A educação de adultos, de acordo com a Declaração de Hambur4 go é “...mais que um direito: é a chave para o século XXI; é tanto conseqüência do exercício da cidadania como condição para uma plena participação na sociedade. Além do mais, é um poderoso argumento em favor do desenvolvimento ecológico sustentável, da democracia, da justiça da igualdade entre os sexos, do desenvolvimento socioeconômico e científico, além de ser um requisito fundamental para a construção de um mundo onde a violência cede lugar ao diálogo e à cultura de paz baseada na justiça.” Muitas são as teorias, investigações e metodologias de ação para pontuar conceitos e destacar a importância da Educação de Jovens e Adultos. Os paradigmas vigentes em determinado momento histórico, ou mais propriamente os valores que os suscitaram, estão na base de todas as ações humanas, sendo inevitável reconhecer-se sua importância para a práxis educativa. Embora não seja tão fácil percebê-los, pois nem sempre se encontram claramente tematizados. Entretanto, desde o nascimento, 4 A Conferência Internacional de Educação de Adultos (CONFINTEA) é convocada pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura). Ocorreu em 1949 (Elsinore, na Dinamarca), em 1960 (Montreal, no Canadá), em 1972 (Tóquio, no Japão), em 1985 (Paris, na França) e em 1997 (Hamburgo, na Alemanha). 77 proejafinalpmd.pmd 77 18/11/2007, 19:31 o ser humano encontra-se envolto numa rede de valores herdados, porque o mundo cultural é um sistema de significados estabelecidos por outros. Inúmeros são os valores: econômicos, vitais, éticos, estéticos, religiosos, lógicos, cobrindo todas as áreas a ação humana, de onde se conclui que é impossível viver sem eles. Isto significa que embora abstratos e amplos, valores tais como os da cidadania não causam indiferença, ao contrário são amplamente desejados pois não escapa a percepção de ninguém os benefícios que confere-se a quem pode efetivamente se dizer cidadão. O cidadão é valorado de forma diferente ao longo da história, ou seja, um mesmo conceito difere, quando diferem as bases axiológicas que o norteiam. Nas últimas décadas no Brasil, o direito à cidadania passou a fazer parte do discurso legislativo. Pela Constituição de 1988, a educação passa a ser um direito subjetivo de todos, dever do Estado e da família. Ela visa o pleno desenvolvimento da pessoa, o seu preparo para o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, os Parâmetros Curriculares Nacionais, as Diretrizes Curriculares Nacionais, o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Estatuto do Idoso enfatizam que o ensino deve ser ministrado levando em conta primeiramente a preparação para a cidadania. A educação cidadã é hoje uma prioridade reivindicada no mundo inteiro. Diferentes países, de acordo com suas características históricas, promovem reformas em seus sistemas educacionais, com finalidade de torná-los mais eficientes e eqüitativos no preparo de sua cidadania, capazes de enfrentar a revolução tecnológica que está ocorrendo no processo produtivo e seus desdobramentos políticos, sociais e éticos. Num mundo globalizado como o que se vive, atualmente, os tratados e convenções internacionais têm suma importância na elaboração das leis que regulam os direitos humanos, encontrando-se as leis educacionais neste campo (SOUZA, 2000). A EJA vai ao encontro da necessidade de cerca de 40 milhões de jovens e adultos brasileiros sem formação, sujeitos marginais do sistema, tais como, negros, quilombolas, mulheres, indígenas, camponeses, ribeirinhos, pescadores, jovens, idosos, subempregados, desempregados, trabalhadores informais, necessitados de serem cidadãos. Isto tem gerado um conjunto de normas, pareceres e resoluções, dos Conselhos Nacional, Estaduais e Municipais de Educação. Todos surgidos a partir de uma mudança de paradigmas em nível internacional a respeito da educação de pessoas adultas, onde se consolida a concepção de uma educação continuada ao longo de toda a vida. 78 proejafinalpmd.pmd 78 18/11/2007, 19:31 Pode modelar a identidade do cidadão e dar um significado à sua vida. Um projeto educacional para aqueles que foram excluídos da escola na idade própria implica em repensar os conteúdos, o currículo, as práticas pedagógicas para que contemplem certos fatores, como experiência, idade, gênero, necessidades especiais, relação com o trabalho, entre outros. Nesse sentido, o contexto cultural do aluno trabalhador se caracteriza como uma ponte entre o seu saber e o saber que a escola pode proporcionar, com isso podem ser evitados desinteresses, conflitos e a expectativa de fracasso que acabam resultando em alto índice de evasão. No Documento Base do PROEJA (BRASIL, 2006) a educação de jovens e adultos (EJA) no Brasil é apresentada como uma modalidade de ensino que (...) implica em modo próprio de fazer a educação, indicando que as características dos sujeitos jovens e adultos, seus saberes e experiências do estar no mundo são guias para a formulação de propostas curriculares político-pedagógicas de atendimento. (BRASIL, 2006, p.5). Este mesmo documento declara ainda, que as políticas brasileiras de EJA têm-se caracterizado pela descontinuidade, pela insuficiência e pela carência de um projeto que efetivamente dê conta da demanda potencial e, conseqüentemente, do cumprimento do direito à educação, nos termos estabelecidos pela Constituição Federal de 1988. Pela organização da oferta da educação brasileira, de acordo com a LDB, União, estados e municípios dividem a responsabilidade pela oferta da educação infantil, do ensino fundamental e do ensino médio, em colaboração. Cabe também à União definir diretrizes e políticas nacionais. Entretanto, é conclusão de muitas pesquisas e observações a diferença e/ou a distância de entre a concepção das políticas e programas e o que é realizado. Os governos locais (estaduais e municipais) ao implementarem os preceitos legais e as políticas nacionais o fazem de diferentes maneiras, conseqüência de diversos fatores que vão desde a diferença de interpretação à influência das características do contexto local, às prioridades e, finalmente, à vontade política de cada governo. Fatores específicos também são definidores do sucesso ou não de determinada política, entre eles o financiamento, a concepção curricular, o engajamento do pessoal docente, o envolvimento de alunos e da comunidade escolar e da sociedade em geral. Cabe a cada sistema de ensino, estadual ou municipal, definir a estru- 79 proejafinalpmd.pmd 79 18/11/2007, 19:31 tura e a duração dos cursos da educação de Jovens e Adultos, respeitadas as diretrizes curriculares nacionais, a identidade desta modalidade de educação e o regime de colaboração entre os entes federativos. Normatizando os princípios estabelecidos na LDB, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos aponta os marcos que devem nortear a construção de currículos de EJA: a construção da cidadania associados à qualificação da mão-de-obra para atender a rápida internacionalização da economia a nível mundial, que apresenta reflexos sobre todos os setores econômicos. Nessa construção curricular o contexto cultural do aluno trabalhador deve ser considerado e servir de ponte entre o seu saber e o que a escola pode proporcionar, evitando assim o desinteresse, os conflitos e a expectativa de fracasso que acabam provocando um alto índice de evasão. (Art. 6º da Resolução CEB nº. 01/2000) A implantação local das políticas de EJA no município de Pelotas: um estudo de caso Para atender o compromisso com a educação de jovens e adultos, a Secretaria Municipal de Educação de Pelotas implantou em 2002, em seis escolas municipais, um programa que denominou Classes de Aceleração. A análise do projeto das Classes de Aceleração levou o Conselho Municipal de Educação (CME) a alertar sobre as interpretações legais quanto à oferta de EJA vinculada à formação/preparação profissional. O CME, que tem entre as suas funções as de analisar e aprovar os projetos do executivo, preocupou-se com o atendimento ao previsto na legislação quando emitiu seu parecer nº. 001/2002. O processo de re-ordenamento legal e constitucional do país, que se expressa nas Constituições Federal, Estadual e Municipal, reforça os princípios descentralizadores e, reconhece os Municípios como entes da Federação, fazendo crescer a sua importância e responsabilidade na oferta dos serviços sociais básicos à população. Os Conselhos Representativos da sociedade, como os da educação, têm-se destacado como um dos instrumentos de democratização da sociedade brasileira, nas mais diversas áreas, como uma nova forma de participação, acompanhamento e controle das ações do Poder Público pela sociedade, elemento essencial da democracia. A criação de Conselhos Municipais de Educação é um dos mecanismos importantes para 80 proejafinalpmd.pmd 80 18/11/2007, 19:31 colocar em prática as políticas de descentralização e democratização do ensino, que no Brasil tem tomado a forma de municipalização e contribui para o fortalecimento dos sistemas municipais de ensino.. O Conselho Municipal de Educação de Pelotas, criado no ano de 1972, passa a ser o órgão normativo do Sistema Municipal de Ensino5, devendo assim normatizar e acompanhar a educação não só nas escolas de educação infantil, fundamental e médio da rede municipal do Ensino, mas também as de educação infantil da rede privada. O CME de Pelotas é um órgão representativo da sociedade composto por 15 conselheiros e 15 suplentes eleitos por seus e com as funções consultiva, normativa, deliberativa, fiscalizadora, propositiva e mobilizadora6 . As classe de complementação: o projeto piloto de complementação de 5ª à 8ª Série do Ensino Fundamental da Rede Municipal de Pelotas O governo municipal de Pelotas, no período 2001/2004, preocupouse em desenvolver uma política de Educação de Jovens e Adultos. Um dos projetos foi denominado Complementação de 5ª a 8ª séries do Ensino Fundamental7. Com o objetivo de dar continuidade à escolaridade dos alunos do Programa de Educação de Jovens e Adultos (PEJA)8, da rede municipal de ensino, e, bem como Oportunizar a todo(a) aluno(a) jovem trabalhador(a) a possibilidade de avanço da escolaridade, de forma diferenciada da modalidade regular, possibilitando condições e/ou tempo necessário para as aprendizagens previstas nos pareceres que legitimam a EJA no Brasil. (PELOTAS, 2002a ) O Projeto de Complementação da Secretaria Municipal de Educação de Pelotas teve sua origem na iniciativa de uma escola da zona rural que desenvolveu, com o incentivo da secretaria uma proposta de oferta de EJA com um viés profissionalizante. Esse projeto foi depois 5 O Sistema Municipal de Ensino de Pelotas foi criado pela Lei 4.904/03. Para maior detalhamento das funções do Conselho Municipal de Educação do Município de Pelotas, sugerimos a leitura da Cartilha do Conselheiro, produzida pelo Fórum dos Conselhos Municipais de Pelotas. 7 O Projeto de Complementação de 5ª a 8ª série será denominado como Projeto de Complementação neste texto. 6 81 proejafinalpmd.pmd 81 18/11/2007, 19:31 desenvolvido, em outras cinco unidades escolares da rede municipal de ensino, em diferentes bairros da cidade. Segundo a professora entrevistada a escola que desenvolveu o projeto inicial, vem procurando, ao longo de sua história, pautar sua proposta político-pedagógica com base nas necessidades e anseios da comunidade em que está inserida. Uma das questões que chamava a atenção nessa comunidade da zona rural era o grande número de adultos analfabetos ou com ensino fundamental incompleto. Por essa razão a escola participou de vários projetos de educação de jovens e adultos, ofertados pelos governos, como por exemplo, dentre outros, o projeto LER9. Ciente de que somente a alfabetização não era suficiente, pois, formava-se um novo contingente de jovens e adultos que, por inúmeros motivos acabavam evadindo nas primeiras séries do Ensino Fundamental passou a preparar estes jovens e adultos para os exames supletivos estaduais. Essa estratégia não reduziu o contingente de jovens e adultos fora da escola sem a conclusão do ensino fundamental. A escola, no intuito de desenvolver uma proposta que resgatasse o direito dessa população ao acesso e permanência na escola, associada à qualificação para o trabalho, como cumprimento do seu direito ao exercício da cidadania. Com base neste projeto a SME desenvolveu uma proposta de EJA. A implantação desse projeto denominado de “Projeto Piloto de Complementação” iniciou-se em 2002, em cinco escolas municipais, abrangendo diferentes localidades do município: Monte Bonito (zona rural), Colônia Z3, Fragata, Areal e Três Vendas. As aulas eram noturnas de segunda a sexta-feira, sendo quatro noites com aulas das diferentes disciplinas (português, matemática, ciências, história, geografia, sociologia, língua inglesa e educação física) e, na quarta-feira, os alunos freqüentavam diferentes cursos profissionalizantes, realizados em outras instituições, entre as quais as da rede federal de educação, como o Colégio Agro-técnico Visconde da Graça – CAVG/UFPel e o Centro Federal de Educação Tecnológica de Pelotas (CEFET-RS). Mensalmente os alunos participavam de oficinas pedagógicas aos sábados (manhã e tarde), tratando de temas referentes ao cotidiano do jovem e adulto trabalhador. 8 PEJA - Programa de Educação de Jovens e Adultos de Alfabetização, implantado pela Secretaria de Educação de Pelotas em escolas de ensino fundamental da rede municipal de ensino de Pelotas. 9 Projeto LER era um programa do governo estadual, coordenado em Pelotas pela 5a Delegacia de Educação, a qual contratava professores para a alfabetização de adultos. 82 proejafinalpmd.pmd 82 18/11/2007, 19:31 O projeto previa o avanço dos alunos nas séries possibilitando aceleração de estudos e a conclusão das séries finais em menor tempo, de acordo com o artigo 23 da LDBEN. O currículo se construía cotidianamente, coordenado pela SME e pelas equipes diretivas das escolas. Semanalmente, os professores e a equipe coordenadora reuniam-se para discutir, reafirmar ou readequar o projeto. Os temas tratados envolviam dúvidas quanto à estrutura do projeto, carga horária e conteúdo das disciplinas. Com a mudança da administração municipal e conseqüentemente mudança no quadro de profissionais da SME, a proposta original perdeuse, embora as escolas envolvidas tenham insistido na proposta, o projeto terminou em 1996. Os trâmites locais e as interpretações da legislação No período da elaboração do projeto, na SME, havia muitas dúvidas de como operacionalizar o projeto contemplando as questões pedagógicas, administrativas, financeiras e legais para a EJA, ocorreram muitas reuniões de estudo sobre a legislação, contatos com outras instituições que atuavam com esta modalidade de ensino. A análise do projeto pelo CME coincidiu a análise dos regimentos de algumas escolas. Entre estes, constavam os regimentos das cinco escolas escolhidas para implantação do Projeto Piloto de Complementação, que traziam o detalhamento do projeto. O Conselho chamou a atenção para duas questões que entendeu não estarem de acordo com a normatização: o Projeto de Complementação não podia aparecer como projeto da SME, mas como uma proposta da escola para EJA, porque o texto regimental é especifico de cada escola e adequado à sua realidade. A segunda questão dizia respeito aos conceitos de avanço e de aceleração entre as séries que deveriam ser entendidos como processo individual e não de turmas inteiras. Por ser um projeto piloto, com turmas limitadas com constantes avaliações, reformulações e adequações, o CME, aprovou o projeto com as ressalvas pelo Parecer nº. 001/2002, que alertou: “A operacionalização dos estudos de aceleração, dentro do tempo estipulado no projeto, é uma oferta de no mínimo 800 horas aulas (oitocentas 83 proejafinalpmd.pmd 83 18/11/2007, 19:31 horas aulas) para o aluno, considerando que o recurso é para oportunizar ao aluno que não teve em tempo hábil, a chance de efetuar os seus estudos, mas que embora, seja um recurso com o tempo mínimo para o aluno, a escola deve assegurar os conhecimentos disciplinares desenvolvidos no mínimo de 800 horas para que não haja prejuízo no aproveitamento do aluno.” (PELOTAS, CME. 2002b). Para emitir seu parecer, o CME apoiou-se nos pareceres do Conselho Estadual de Educação – CEED. O Par. 740/1999, que define que a aceleração deve ser oferecida a partir da constatação da necessidade pela comunidade escolar e fazer parte da Proposta Política Pedagógica da Escola, dos Planos de Estudos e do Regimento Escolar. No Parecer CEED-RS 440/2004, quando, ao interpretar o artigo 23 da LDBEN estabelece que “... a possibilidade de avanço é do aluno e a escola deve estar preparada para não dificultar esse processo. [...] a possibilidade de avanço não é autorização para a escola diminuir atividades ou trabalhar de forma intensiva no sentido de encurtar o tempo do aluno na escola”. Portanto, a interpretação local da legislação referente aos estudos intensivos, que orientavam o projeto das Classes de Aceleração, acabaram sofrendo desvios, que tiveram seus reflexos na implementação, desenvolvimento e na extinção desta experiência educacional. Algumas Considerações A necessidade de políticas para EJA se origina na existência de uma parcela da sociedade que não teve acesso à educação básica. Existem determinações legais que orientam e suportam essas políticas, fundamentadas na busca da formação para o exercício da cidadania, no ingresso no mundo do trabalho e na possibilidade de estudos posteriores. A legislação, as normas, somente, não se constituem em elementos que garantam o acesso, a permanência e o sucesso a esse contingente de jovens e adultos que foram privados do direito a educação, é necessário que a norma seja operacionalizada localmente. Enfocando o caso analisado neste trabalho, percebemos que embora fosse meta atender de modo eficaz e significativo aos alunos e alunas que recorreram a esta modalidade de ensino, ocorreram alguns equívocos quando da implantação dessas políticas. Para Alice Casimiro Lopes, com fundamento em Stephen Ball, as diferenças entre o discurso legal e a sua tradução em políticas devem-se 84 proejafinalpmd.pmd 84 18/11/2007, 19:31 à sua historicidade e contextualização, ao tempo e espaço em que acontecem, logo, ao fato de serem “múltiplos os produtores de textos e discursos – governos, meio acadêmico, práticas escolares, mercado editorial, grupos sociais os mais diversos e suas interpenetrações –, com poderes assimétricos, são múltiplos os sentidos e significados em disputa.” LOPES, 2007). No caso do referido projeto havia a possibilidade da aceleração de estudos e a conclusão das séries finais antes do tempo previsto. Do ponto de vista legal faltou a clareza de que esta oferta para a escola teria que contemplar os quatro anos e para os alunos e alunas deveria contemplar o tempo deles, ou seja, a escola deveria se organizar de modo a oportunizar que o educando acelerasse, mas com conhecimentos de qualidade e significados; e também com garantia de certificação escolar. No entanto observa-se que o tempo não foi assegurado conforme a legislação, isto é, a oferta foi de dois anos, como costumava ser antes da LDBEN, nos cursos supletivos. Assim destaca-se que é necessário ter clareza quando da implantação das políticas educacionais de modo que o estímulo criado pela apresentação e divulgação da proposta educacional não seja logo ali esmorecida. Portanto a boa interpretação da legislação associada a projetos que resultem do comprometimento dos órgãos responsáveis pelo sistema, das direções e professores das escolas, pode favorecer que políticas educacionais, implementadas localmente, venham a ter êxito. 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Documento Base do Programa de Integração da Educação Profissional Técnica de Nível Médio ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos. Brasília: MEC, 2006. BRASIL. Resolução CNE/CEB nº 1, de 5 de julho de 2000. Estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação e Jovens e Adultos. Disponível em http:// www.deja.pr.gov.br/arquivos/File/resol_01_2000_CNE.pdf avaliado em 12/jan./2007. LOPES, Alice Casimiro. Política de currículo: recontextualização e hibridismo. Currículo sem fronteiras, v.5, n.2, pp.50-64, Jul/Dez 2005. 2005. Disponível em http://www.curriculosemfronteiras.org. Avaliado em 21 jan. 2007. Município de Pelotas, Conselho Municipal de Educação de Pelotas, Parecer nº001/ 2002. Trata de esclarecimentos sobre a Aceleração de Estudos do Projeto Piloto de Aceleração de Estudos de 5a à 8a série do Ensino Fundamental. 2002b Município de Pelotas, Secretaria Municipal de Educação. Projeto de Complementação de 5ª a 8ª série do Ensino Fundamental da Rede Municipal de Ensino de Pelotas. 2002a Município de Pelotas. Lei 4.904 de 13 de janeiro de 2003. Cria o sistema Municipal de Ensino de Pelotas. Disponível em http://www.pelotas.rs.gov.br/ interesse_legislacao/leis/2003/lei_4904.pdf. Avaliado em 14/abr./2007 Município de Pelotas. Lei no 2.776, de 18 de março de 1983. Dá nova redação ao artigo 20º da lei nº 2.037, de 09 de fevereiro de 1.973, que dispõe sobre a estrutura administrativa da prefeitura. Disponível em http://www.pelotas.rs.gov.br/ interesse_legislacao/leis/antigo/L1983/Lei_n_2776.pdf Avaliado em 14/abr./2007. Município de Pelotas. Lei nº 2.005, de 11 de outubro de 1972. Cria conselho municipal de educação. Disponível em http://www.pelotas.rs.gov.br/ interesse_legislacao/leis/antigo/L1972/Lei_n_2005.pdf Avaliado em 14/abr./2007 RIO GRANDE DO SUL. Conselho Estadual de Educação. Parecer nº. 740. de 13 de outubro de 1999. Orientações para o Sistema Estadual de Ensino, relativas aos artigos 23 e 24 da Lei federal nº 9.394/96. Porto Alegre: 1999. Disponível em http://www.mp.rs.gov.br/infancia/legislacaoc/legislacaoc/id3117.htm Avaliado em 14/abr./2007. RIO GRANDE DO SUL. Conselho Estadual de Educação. Parecer nº. 440. de 30 de junho de 2004. Esclarece regras da organização escolar. Estabelece que são irregulares ofertas em regime de estudos intensivos no Sistema Estadual de Ensino do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: 2004. Disponível em http:// www.ceed.rs.gov.br/ceed/dados/usr/html/pareceres/parecer_2004/ pare_0440.doc Avaliado em 19 de junho de 2007. SOUZA, João Francisco de. A Educação de Jovens e Adultos no Brasil e no Mundo. Edições Bagaço, NUPEP, Recife. 2000 UNESCO. Declaração de Hamburgo sobre a Educação de Adultos. 1997. Disponível em http://unesdoc.unesco.org/images/0012/001297/129773porb.pdf avaliado em 15 fev. 2007. 86 proejafinalpmd.pmd 86 18/11/2007, 19:31 EXPERIÊNCIAS DE GESTÃO EM PROEJA 87 proejafinalpmd.pmd 87 18/11/2007, 19:31 RECONSTITUINDO OS MOVIMENTOS DE CRIAÇÃO DO PROEJA NO CEFET-RS UNED SAPUCAIA DO SUL 1 Margarete Maria Chiapinotto Noro2 Maria Aparecida Bergamaschi3 “Minha preocupação, neste trabalho esperançoso, como tenho demonstrado até agora, vem sendo mostrar, excitando, desafiando a memória, como se estivesse escavando o tempo, o processo mesmo como minha reflexão, meu pensamento pedagógico, sua elaboração ...” (FREIRE 2006, p.65) Introdução O presente trabalho tem como objetivo registrar e compreender os movimentos que perpassaram a criação do Curso Técnico de Nível Médio em Processos Administrativos forma integrada, modalidade EJA, no Centro Federal de Educação Tecnológica de Pelotas - CEFET-RS, em sua Unidade Descentralizada de Ensino de Sapucaia do Sul, RS, dentro do contexto de implantação do PROEJA nas instituições educacionais que fazem parte da rede federal da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica – SETEC do Ministério da Educação. Ao registrar e descrever este processo, busco reconstituir a história de nosso curso que inicia em julho de 2006 quando é escolhida comissão instituída através da Portaria nº 583/2006 pela direção do CEFETRS, para elaborar um projeto de curso técnico nesta modalidade, a ser a implantado em março de 2007. Procuro também analisar este processo 1 O trabalho é parte da monografia apresentada na Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, como requisito parcial para obtenção do título em Especialista em Educação Profissional Média Integrada ao Ensino Médio na Modalidade Educação de Jovens e Adultos, em julho de 2007. 2 Professora do CEFET/RS UNED Sapucaia do Sul – Especialista em Língua Inglesa e Literatura Anglo-Americana 3 Professora da Faculdade de Educação da UFRGS, Dra. em Educação, orientadora do Trabalho de Conclusão de Curso da autora do presente artigo. 88 proejafinalpmd.pmd 88 18/11/2007, 19:31 coletivo de criação, que se estendeu ao longo de 2006 e envolveu docentes e técnicos administrativos em educação de nossa UNED, alunos e professores de EJA da rede escolar pública de Sapucaia do Sul e Esteio, além da comunidade empresarial local. A realização deste estudo envolve duas dimensões: a análise de documentos oficiais isto é, dos dois decretos que estabelecem as diretrizes do PROEJA e do marco conceitual do PROEJA, o Documento Base. A segunda dimensão envolve a análise de documentos produzidos pela Comissão de implantação do PROEJA: as atas das reuniões, os dados obtidos através de questionários respondidos pelos alunos de EJA fundamental, pelo meio empresarial e pelos alunos ingressantes. Dedico-me também ao exame e reflexão do texto do projeto do curso, produzido pela nossa comissão a partir das ações e intervenções dos seus integrantes. O CEFET/RS - A UNED Sapucaia do Sul Nossa Instituição, originalmente denominada Escola Técnica Federal de Pelotas- ETFPel - foi cefetizada em 02.12.98, passando a denominar-se CEFET-RS. Possui atualmente quatro unidades: a Unidade Sede, localizada em Pelotas e a UNEDs - Sapucaia do Sul, inaugurada em 26 de fevereiro de 1996, Charqueadas, aberta em 2006 e Passo Fundo, cujas atividades tem previsão de início para agosto de 2007. A UNED Sapucaia do Sul já tem mais de dez anos de funcionamento. Contamos hoje com quatro modalidades de ensino: 1) Ensino Médio, Projeto Ensino Médio para Adultos – EMA ; 2) Ensino Técnico, com o Curso Técnico em Transformação de Termoplásticos; 3) PROEJA com o Curso Técnico em Processos Administrativos e 4) Ensino Superior Tecnológico, com os cursos de Tecnologia em Gestão da Produção Industrial e de Tecnologia em Fabricação Mecânica. Atualmente contamos com 812 alunos, 50 docentes efetivos, 15 substitutos, 03 cedidos em convênio com a Prefeitura Municipal de Sapucaia do Sul e 16 Técnicos Administrativos. Registrando os Movimentos de Criação do Projeto do PROEJA em nossa Instituição. Movimento 1 - Formação da Comissão Elaboradora. No contexto de discussão sobre a função social do CEFET-RS dentro do processo de (re) construção de nosso PPP em 2006, foi toma89 proejafinalpmd.pmd 89 18/11/2007, 19:31 da a decisão de oferecer o PROEJA em nossa unidade. Para elaborar um projeto de curso, foi nomeada uma comissão4, formada por 09 docentes do ensino médio, técnico e tecnológico, o gerente de ensino e a representante do setor pedagógico. Movimento 2 – Diagnóstico da Realidade Na primeira reunião de nossa comissão, já foi levantada a necessidade de ouvirmos a comunidade estudantil e setores do comércio e indústria de Sapucaia do Sul e região acerca do curso técnico que ofereceríamos dentro do PROEJA. Elaboramos questionário para levantar a área de interesse dos alunos, que foi aplicado em 06 turmas de EJA fundamental em Sapucaia do Sul (213 alunos) e quatro de Esteio (65 alunos), totalizando 278 alunos. A compilação dos dados desta pesquisa, presente na Tabela 1 e Gráfico 1, resultou na escolha da área técnica em que nosso curso PROEJA seria implementado e constituiu capítulo intitulado Avaliação da área técnica a ser implementada no PROEJA: Um foco na comunidade e no meio empresarial, de autoria do Prof. Rafael Batista Zortea , no trabalho em grupo5 que realizamos no módulo II do Curso de Especialização. 4 Profs. Clarice Francisco Brauner, Donald Hugh de Barros Kerr Jr., Enio César Machado Fagundes, Jorge Luiz Joaquim Hallal, Mack Leo Pedroso, Marcus Vinícius Farret Coelho, Margarete Ma. Chiapinotto Noro, Renato Mazzini Callegaro e Stefanie Merker Moreira. 5 Realidade Escolar em Pesquisa: PROEJA no CEFET-RS UNED Sapucaia do Sul de autoria de Colvara, Ana Claudia K. et all. 90 proejafinalpmd.pmd 90 18/11/2007, 19:31 O resultado expresso no Gráfico 1 abaixo, foi obtido após os alunos responderem às perguntas “13.Você teria interesse num curso integrado que lhe oportunizasse Ensino Médio e Ensino Técnico ao mesmo tempo? Sim ou Não” e “ 14. Que curso você gostaria de fazer?”. O gráfico demonstra a preferência de 23% dos estudantes entrevistados pela área de Informática e 17% pela de Mecânica, sendo que a soma destas, 40%, se sobrepõe ao total da preferência nas demais áreas de conhecimento, que alcança 38%. Entretanto, a Comissão levantou a hipótese que, ao mencionar Informática, os alunos estivessem pensando no domínio do computador como ferramenta e não como área de formação. Gráfico 1: Áreas de interesse de formação profissional - alunos do ensino fundamental deEJA em Sapucaia do Sul e Esteio Paralelamente a esta pesquisa, discutimos com a Associação Comercial e Industrial de Sapucaia do Sul (ACIS),com uma empresa de recrutamento de Recursos Humanos e com o SEBRAE, as necessidades de formação em Sapucaia do Sul e região e elaboramos questionário de pesquisa a eles dirigido, cujo resultado demandou formação nas áreas de tecnologia da informação( informática), comércio (vendas e atendimento ao público) e gestão (negociação e autonomia para resolução de problemas). Levando em conta as demandas externas, a discussão com o mundo do trabalho e as possibilidades internas da UNED, analisamos as opções de curso. Enquanto que a preferência dos alunos recaía em Informática e Mecânica, as necessidades de formação apontadas pela ACIS eram informática, comércio e administração e um estudo do IBGE 91 proejafinalpmd.pmd 91 18/11/2007, 19:31 realizado de 2002 à 2006 na região metropolitana de Porto Alegre indicava as áreas de comércio e serviços como potencial no aumento de vagas de ocupação em micro e pequenas empresas, para pessoas a partir dos 50 anos de idade, com 11 anos ou mais de estudo. Observando novamente o gráfico 1, pode-se perceber que um curso que abrangesse as áreas administrativa, financeira e de atendimento ao público conjuntamente somaria 13% da preferência dos alunos pesquisados. Movimento 3 - Contexto interno e externo Prevendo uma disponibilidade mínima de recursos humanos e alguma infra-estrutura em laboratórios, aliadas ao fato da UNED possuir um curso superior na área de Gestão da Qualidade, pensou-se em atender a expectativa dos alunos oferecendo um curso que articulasse as áreas administrativa, financeira e de atendimento ao público e que incluísse em sua proposta curricular, a informática como ferramenta. Foi a descoberta de nosso inédito viável, segundo Freire (1980:110): a percepção crítica de uma situação-limite que precisa ser compreendida, discutida, enfrentada e superada através de ações, para que o sonho se torne viável. Esta concretização irá se desdobrar em outros desafios a serem transpostos a medida que o projeto for sendo construído com a efetiva participação dos alunos ao longo do curso. Alguns integrantes da comissão voltam-se para o nome do novo curso, havendo a preocupação de que este “não coincida” com o nome do curso de tecnologia em Gestão da Produção Industrial. Discute-se a possibilidade de se oferecer oficinas ou créditos para contemplar conhecimentos técnicos mais específicos. Critérios de seleção são debatidos. Alguns defendem ingresso com entrevista do candidato. Debatemos durante uma reunião inteira sobre o nome do curso que “não deverá ser”. O termo “administração” também é inadequado, pois poderia criar nos alunos expectativas que não se confirmariam no curso. Surgem onze propostas de nomes, num verdadeiro brainstorming, entre os quais, Técnico em Rotinas Administrativas ou Técnico em Serviços Administrativos, mas o que “virá a ser” ainda não emerge. Define-se, também, que a elaboração do perfil do egresso e das grandes competências gerais do curso deve anteceder o esboço curricular e o nome do curso. Mas como escrever um texto sobre um curso que ainda não tinha nome e cuja identidade ainda não se materializara? Estávamos pressionados pelo prazo de publicação do edital do processo seletivo de novos alunos, que se esgotava. 92 proejafinalpmd.pmd 92 18/11/2007, 19:31 Tensões entre diferentes posicionamentos quanto a definições sobre o curso permeavam o processo, o tempo nos pressionava e a angústia do querer fazer, do avançar e do retroceder nos remetia à Balandier (1997: 14) “a paisagem está confusa, remexida, desajustada, incerta. As aparências mascaram o que seria preciso ver de perto. Nessas circunstâncias, só existe uma regra: tomar distância, colocar-se fora da confusão”. No dia seguinte, estávamos prontos para apresentar em reunião geral os “contornos” que se delineavam até então e os movimentos que já havíamos realizado para definir a área do Curso. Retomamos a discussão sobre critérios de seleção para os alunos do PROEJA e coloquei novamente para o grupo o desejo manifesto pelos formandos do EMA de que pudessem ingressar no PROEJA com aproveitamento de estudos de ensino médio ou através de uma cota para egressos.6 Entretanto, como estes egressos não vivenciaram as articulações entre formação geral e profissional existentes no currículo do PROEJA, não conseguimos visualizar uma estratégia para incluí-los, e decidiu-se pelo ingresso por sorteio público. De imediato, produzimos um texto mencionando a área do Curso - Gestão - para divulgar o processo seletivo de alunos que iria ocorrer em dezembro. O sorteio dos 35 alunos/as, sendo 8 alunos e 27 alunas que inicialmente iriam compor a turma, além de 35 suplentes, ocorreu em assembléia pública às 19h do dia 04 de dezembro de 2006, no auditório da UNED, com a presença de 146 candidatos inscritos. Agendamos 15 voluntários entre os sorteados para aplicar questionário sobre trabalho e educação na semana subseqüente, a fim de levantar dados sobre o perfil dos ingressantes, estudo7 este que também integrou o trabalho em grupo que realizamos no módulo II do Curso de Especialização. Os resultados desta amostragem evidenciaram a predominância de mulheres solteiras ou descompromissadas, na faixa etária entre 20 a 30 anos, sendo onze moradores de Sapucaia do Sul, três de Esteio e um de Canoas. A situação econômica familiar está entre um a cinco salários mínimos. A maioria exerce alguma atividade no mercado de trabalho informal, seis tem carteira de trabalho assinada. Muitos começaram a trabalhar com menos de 18 anos, no comércio. Todos vêem o trabalho como fonte de renda, porém gostariam que também gratifi6 Havia na UNED 2 turmas de formandos do EMA ao final de 2006 e muitos deles manifestaram interesse em ingressar no PROEJA com aproveitamento dos estudos . Embora não tenha sido possível atendê-los, vários alunos do EMA se inscreveram e 3 alunos, 2 egressos mais um que havia abandonado o projeto, foram sorteados e estão cursando o PROEJA, tendo que refazer parte de sua caminhada de Ensino Médio. 93 proejafinalpmd.pmd 93 18/11/2007, 19:31 casse suas vidas. O fato de o PROEJA oferecer um curso técnico junto com o ensino médio foi o que mais os atraiu, como também a oportunidade de concluir o 2º grau. A maioria dos entrevistados concluiu ou estava concluindo o ensino fundamental nas escolas que oferecem modalidade EJA ou supletivo à noite, o que também demonstra o acerto de nossa estratégia de divulgação do PROEJA em escolas com turmas noturnas de EJA. Movimento 4 - Elaboração do texto do projeto Junto com professores de nosso Curso Superior de Tecnologia em Gestão da Produção Industrial e do Ensino Médio fizemos um estudo do perfil profissional do egresso e discutimos possibilidades de currículo. Buscamos junto às Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional de Nível Técnico – DCNEP´s, as caracterizações das áreas profissionais de Comércio e de Gestão8 e resgatamos pontos levantados no questionário aplicado ao meio empresarial. Uma integrante da comissão realiza um estudo junto às grades curriculares de nossos cursos de tecnologia e identifica aproximações com áreas afins às que pretendemos propor no PROEJA. As múltiplas faces da elaboração do projeto começam a evidenciar o contorno desta experiência coletiva e surge assim um primeiro ensaio de desenho curricular (outubro 2006) contemplando as áreas de gestão e informática: Porém, quando tudo parece estar se ordenando, segue-se um tempo de (re) elaboração, (re) definição e re (organização). A noção de ecologia da ação que Morin (2006:86-87) propõe nos ajuda a entender que as ações que empreendemos estão impregnadas de contextos complexos que tanto podem comprometê-las quanto viabilizá-las. No perfil do egresso que elaboramos, o nome do curso ainda não estava definido: “O egresso do PROEJA9 será um cidadão com visão crítica, capaz de atuar no contexto social, cultural, político e econômico em que vive, contribuindo para a transformação da sociedade. Estará apto a operacionalizar atendimentos, serviços e rotinas administrativas, utilizando instrumentos e meios tecnológicos disponíveis para a gestão organizacional. A re-qualificação adquirida proporcionará mais oportunidade de inserção no mundo do trabalho, num processo de inclusão social continuado.” 7 Pesquisa 1 Realidade e Perfil dos Novos Ingressantes, Assistente Social Arita T. Dias de Barcellos. 8 Páginas 12 e 13, 14 e 15 respectivamente. 94 proejafinalpmd.pmd 94 18/11/2007, 19:31 O projeto começava a delinear-se através das seis competências gerais do curso: · Compreender a organização empresarial e sua razão de ser, seus modelos de gestão, objetivos, estruturas orçamentárias, societárias e trabalhistas, bem como suas inter-relações com o ambiente externo; · Utilizar a capacidade empreendedora desenvolvida para analisar, planejar e implementar rotinas e procedimentos administrativos; · Atuar como apoio na gestão financeira, tributária, contábil e de pessoal segundo metas e diretrizes pré-estabelecidas; · Comunicar-se com eficácia no fluxo de informações internas e externas, especialmente no que diz respeito a atendimento de pessoal e estratégias de marketing; · Compreender a organização e os processos próprios de uma empresa comercial ou dos setores responsáveis pela comercialização em organização não-comercial. · Atuar profissionalmente em consonância com padrões éticos, sociais e ambientais que favoreçam o constante aprimoramento da qualidade de vida de forma geral. 9 No texto final do projeto do Curso, a redação do perfil foi alterada para incluir o nome oficial do Curso. 95 proejafinalpmd.pmd 95 18/11/2007, 19:31 O Documento-Base discute a concepção de uma organização curricular dinâmica no PROEJA, isto é, a construção de currículos integrados que pressupõe a abordagem de conteúdos muito diversos - os conteúdos gerais ou básicos e os profissionais ou tecnológicos- mediante o estabelecimento de relações e aproximações amplas entre os mesmos. A estrutura tradicional e segmentada das disciplinas nos cursos de nossa Instituição mostra que temos um caminho a percorrer na busca de uma organização curricular com tempos e espaços diferenciados, que leve em conta a realidade sócio-histórica de nossos alunos. O esboço de desenho curricular de nosso PROEJA, que inicialmente continha um eixo articulador entre formação geral e a profissional com “espaços temáticos”, mais tarde veio a assumir a forma de uma grade curricular com disciplinas compartimentadas e carga horária anual totalizando 2.400 horas. As disciplinas da formação geral compreendem: Língua Portuguesa, Educação Física, Artes e Design, Informática, Inglês, Matemática, Física, Química, Biologia, Qualidade de Vida, História, Geografia, Sociologia, Educação Ambiental, Espanhol e Relações Humanas. A formação profissional inclui: Introdução à Teoria Geral da Administração Comunicação Eficaz, Contabilidade Geral, Gestão da Qualidade, Custos e Orçamentos, Estatística Básica, Estatística Aplicada à Administração, Noções de Empreendedorismo, Gestão de Projetos, Gestão de Recursos Humanos, Introdução à Economia, Noções de Marketing, Legislação Societária e Direito Trabalhista, Legislação Tributária e Comercial, Matemática Financeira, Rotinas Comerciais, Rotinas Administrativas, Inglês Instrumental, Técnicas de Negociação e Ética Profissional. O que fazer diante desta escolha de desenho curricular assumida pela maioria dos integrantes da Comissão como sendo a “viável”? Haveria alguma forma de integrar o currículo, apesar da fragmentação das disciplinas? No contexto das abordagens metodológicas de integração, proposto por Lucília Regina de Souza Machado10 e sugeridas no Documento-Base (p.48-49), visualizo um cenário que, enquanto professores do curso e junto com os alunos, seja possível modificarmos: a alternativa de rompermos com as “caixinhas” das disciplinas e utilizarmos abordagens centradas em resoluções de problemas ou projetos de trabalho. Quanto à avaliação, o PROEJA deve atender a orientação normativa 001/07, que mudou a forma de expressão de conceito para nota, de 0 à 10, dentro do trimestre, módulo ou semestre, numa discussão dentro de nosso PPP. Porém ainda considero que a avaliação enquanto processo é um tema que está em aberto. Ao mesmo tempo em que dávamos seqüência ao projeto, abordando aspectos culturais e sócio-econômicos de Sapucaia do Sul, aspec- 96 proejafinalpmd.pmd 96 18/11/2007, 19:31 tos institucionais, a concepção do Curso, a metodologia, avaliação e estágio curricular e “fechávamos”a grade curricular definindo o estágio de 240 horas, (concomitante ao 3º ano), chegamos, finalmente, ao nome do curso: Técnico de Nível Médio em Processos Administrativos. Aquele contorno que se apresentava difuso e parecia pouco controlável, se assume na forma “melhor ajustada”. Compreendendo os Movimentos: análise do processo coletivo de criação e de seus atores. Ao reconstituir a memória de nosso projeto de curso, desejo reportar-me a algumas interfaces que nele se fazem presentes. A primeira refere-se ao nosso protagonismo e “apropriação” do projeto, uma vez que ele é resultado de nossa criação. Desde a inscrição voluntária para a Comissão, passando pela elaboração dos diversos instrumentos de pesquisa, pelo novo contorno da Comissão, com colegas se retirando após significativa contribuição, e outros se incluindo para colaborar além dos limites de suas especialidades, até a elaboração do texto final do projeto, nele ficaram gravadas as marcas de nosso trabalho. Foram 32 encontros coletivos e inúmeros momentos de dedicação individual, enquanto buscávamos dados, revisávamos bibliografia, elaborávamos gráficos, enviávamos fragmentos do projeto por e-mail para trocar idéias com colegas da área da gestão e nos debatíamos com os recortes de conhecimento e a “matemática” implacável da carga horária na grade curricular do curso. Outra interface diz respeito à ousadia de interpretarmos e analisarmos os dados coletados nas pesquisas e de concebermos um curso inédito, que “busca oportunizar a (re)inserção de jovens e adultos no sistema escolar a partir de uma educação integral”11, o que certamente se constituiu num mérito para nossa Comissão, ao invés de simplesmente replicarmos modelo de curso já existente na Instituição e “adaptá-lo” ao PROEJA. O processo de elaboração de nosso projeto mostrou muitas faces, algumas bastante tensas, evidenciando o envolvimento humano e apaixonado dos integrantes desta equipe. A (re) constituição dos movimentos, dos contornos revela a criação, as tensões, as resistências e as rupturas, ao mesmo tempo que nos ensina a compreensão da complexidade 10 Apresentou painel em reunião com gestores estaduais da educação profissional e do ensino médio em Brasília, dezembro 2005. 97 proejafinalpmd.pmd 97 18/11/2007, 19:31 humana, a “interiorização da tolerância”, pois “a verdadeira tolerância (...) supõe convicção, fé, escolha ética e ao mesmo tempo aceitação da expressão das idéias, convicções, escolhas contrárias às nossas” (MORIN, 2006:101-102). Tivemos inúmeros tensionamentos internos no contexto plural de nossa Comissão. Talvez o mais significativo foi o que envolveu a escolha da área profissional do PROEJA, que abrangeu as 3 áreas de formação nas quais a UNED oferece cursos, a de transformação de termoplásticos, a de gestão da qualidade e a de fabricação mecânica. Quando a prospecção realizada com alunos de EJA e o meio empresarial indicou as áreas de gestão e mecânica, vivenciamos cenas de conflito entre os representantes destas áreas: para alguns, a carência de recursos humanos disponíveis, para outros, a infra-estrutura precária enquanto outros ainda apontavam para o comprometimento de todo o CEFET-RS na implantação do PROEJA. Outro tensionamento que se faz presente é o que resultou em nossa tradicional “grade curricular”. Múltiplas intenções moveram a participação dos atores envolvidos, ou a ausência dela. Ao final, seis professores “abraçaram” este projeto e desenharam o contorno final deste processo de criação, formatando o texto do projeto de curso nos dias quentes do final de janeiro e início de fevereiro de 2007. Considerações Finais A concepção deste nosso CURSO TÉCNICO DE NÍVEL MÉDIO EM PROCESSOS ADMINISTRATIVOS funda-se na premissa de que a re-inserção de jovens e adultos de classes populares no sistema escolar a partir de uma educação integral de qualidade é, ao mesmo tempo, um direito e uma necessidade. As Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação de Jovens e Adultos 12 enfatizam a heterogeneidade do público de EJA e as formas como estes estudantes dispõem de seus tempos e espaços, e de como, através da flexibilidade curricular, podemos aproveitar suas experiências de vida e de trabalho para organizar os tempos da escola e sintonizar o currículo com elementos geradores a partir de suas vivências, re-significando-as. Por isso, acho de extrema importância que nós, professores da rede fede11 Projeto Curso Técnico de Nível Médio em Processos Administrativos Forma Integrada Modalidade EJA, p.6. 98 proejafinalpmd.pmd 98 18/11/2007, 19:31 ral de educação profissional, busquemos, através da formação continuada, uma aproximação maior com as especificidades da EJA para que possamos re-pensar nossa escola como um espaço mais aberto e democrático, “que respeite seus direitos [dos sujeitos de EJA] em práticas e não somente em enunciados de programas e conteúdos”13. Dentro da política de consolidação do PROEJA devemos também ter presente a função social e o protagonismo de nossa rede enquanto referência na implementação do programa Por fim, através da reconstituição de nosso projeto e dos contornos que envolveram o processo e seus respectivos atores, espero que os leitores deste trabalho sintam-se motivados a realizar os seus movimentos para a consolidação desta política pública de integração da educação profissional técnica de nível médio ao ensino médio na modalidade EJA. Referências ANDRADE, Eliane Ribeiro. Os sujeitos educandos na EJA. In: TV Escola, Salto para o Futuro. Educação de Jovens e Adultos: continuar... e aprender por toda a vida. Boletim, 20 a 29 set. 2004. BALANDIER, Georges. O Contorno. Poder e Modernidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,1997. BRASIL. Congresso Nacional. Decreto nº 5.478 de 24 de junho de 2005. Institui, no âmbito das instituições federais de educação tecnológica, o Programa de Integração da Educação Profissional ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA). Brasília, DF, 2005. ______. Congresso Nacional. Decreto nº 5.840 de 13 de julho de 2006. Institui, no âmbito das instituições federais de educação tecnológica, o Programa de Integração da Educação Profissional ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA). Brasília, DF, 2006. ______. Conselho Nacional de Educação. Parecer CNE/CBE nº11/2000 e Resolução CNE/CEB nº1/2000. Diretrizes Curriculares para a Educação de Jovens e Adultos. MEC, maio 2000. _______. Conselho Nacional de Educação (CNE). Parecer nº 16, de 5 de outubro de 1999. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional de Nível Técnico. Brasília, DF, 1999. ________. Ministério da Educação. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. 12 13 Parecer CNE/CBE 11/2000, Carlos Roberto Jamil Cury p. 60-61. ANDRADE, Eliane Ribeiro. Os sujeitos educandos na EJA. 99 proejafinalpmd.pmd 99 18/11/2007, 19:31 ______ . Ministério da Educação. Secretaria da Educação Profissional e Tecnológica. Programa de Integração da Educação Profissional ao Ensino Médio na Modalidade Educação de Jovens e Adultos. Documento-Base. Brasília: MEC, fevereiro 2006. CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DE PELOTAS –RS. Projeto Político Pedagógico: Uma Construção Participativa. Pelotas: CEFET-RS, 2006. CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICADE PELOTAS –RS. UNED Sapucaia do Sul- RS. Edital nº. 003/2006. Processo Seletivo para ingresso no Ensino Técnico de Nível Médio –PROEJA – no ano letivo de 2007. CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICADE PELOTAS –RS. UNED Sapucaia do Sul- RS. 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Julho 2007 . 100 proejafinalpmd.pmd 100 18/11/2007, 19:31 RELAÇÃO DOS ALUNOS DO PROEJA E DO EMA COM O ESPAÇO FÍSICO DA ESCOLA NO CEFET-RS Lucia Helena Kmentt Costa 1 Maria Antonieta Dall’Igna 2 O objetivo deste trabalho é identificar a relação dos alunos do PROEJA3 e do EMA4 com a estrutura física do CEFET-RS, como e quais são os espaços utilizados, ou não, por esses alunos e se eles satisfazem às suas necessidades e chamar a atenção para a importância da adequação do ambiente escolar para a promoção da aprendizagem e a permanência do aluno na escola possibilitando que complete a sua escolarização e conquiste condições para a sua inserção na sociedade e no mercado de trabalho. Com o uso de um questionário como instrumento de pesquisa constatou-se que os alunos das duas turmas, na sua maioria, mostram familiaridade e utilizam os espaços tradicionais, tanto nas áreas pedagógicas, como nas áreas de lazer, com destaque para as salas de aula e os laboratórios e para a cantina e jardins. Constatou-se, também o desejo dos alunos de usufruírem mais de espaços de esporte, lazer e convivência. A minha posição como Assessora de Projetos e Obras, no CEFETRS, permite afirmar que, ao elaborar um projeto de reforma ou construções novas nesta instituição, partimos sempre de uma pesquisa, um levantamento de dados sobre as necessidades para a área a que se destina a reforma e/ou obra, buscando nas Normas Técnicas, no Plano Diretor e 1 Graduada em Licenciatura para o Magistério em Disciplinas Específicas para o Ensino de 2º Grau – Esquema II, assessora de Projetos e Obras do Centro Federal de Educação Tecnológica de Pelotas. 2 Professora da UFPEL, orientadora do Trabalho de Conclusão de Curso de Lucia Helena Kmentt Costa, do qual originou-se este texto. 3 Programa de Integração da Educação Profissional Técnica de Nível Médio ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos. 4 Ensino Médio para Adultos 101 proejafinalpmd.pmd 101 18/11/2007, 19:31 nos Pareceres o conjunto de regulamentações que permitem criarmos um determinado “espaço”. Outro dado importante é que estamos em constante atualização, sobre materiais adequados e sobre o que o mercado está oferecendo, levando em conta sempre custo/benefício. Quando elaboramos o projeto de um prédio novo, por exemplo, é fundamental um planejamento que vise uma futura ampliação através da busca, com professores e alunos, das reais necessidades a que se destina a construção. Muitos fatores, certamente, influenciam no processo de ensino-aprendizagem, dentre eles: a dimensão do espaço físico e sua relação com número de alunos, para que não fiquem “amontoados”, tirando a mobilidade, tanto do professor quanto dos alunos, incluindo a pouca distância entre as fileiras e entre o quadro, dificultando a concentração e a possibilidade de desenvolver as atividades didáticas propostas. Outras questões também podem ocorrer, por exemplo, a inadequação dos pisos (irregulares) pode ocasionar quedas ou dificuldades para escrever devido à instabilidade das classes; as cores de tonalidades fortes cansam a visão; a falta de iluminação natural que provoca, muitas vezes, problemas de visão e sensações desagradáveis; a utilização de iluminação artificial que nem sempre atende às necessidades do ambiente, por ser deficitária ou excessiva; a ausência de ventilação natural direta, torna as salas de aula quentes ou frias demais e até insalubres; a pouca altura dos tetos que provoca uma sensação de abafamento, são muitas as decisões sobre as condições físicas que precisam ser consideradas. Além desses, outros aspectos podem ser apontados, entre eles a importância do planejamento de áreas de lazer, como os pátios e as áreas de esportes. Esses espaços, que além de serem pedagógicos, podem propiciar momentos agradáveis, e, principalmente, contribuem para a integração do aluno com a Escola, dos alunos com os alunos, dos alunos com os professores, servindo como um meio de socialização. Por isso, entendo ser importante a preocupação em compreender como os alunos dos cursos PROEJA – Programa de Integração da Educação Profissional Técnica de Nível Médio ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos e EMA – Ensino Médio para Adultos, oferecidos pelo CEFET, relacionam-se com os espaços da escola. A escolha de trabalhar com as turmas de educação de jovens e adultos deve-se ao fato de que esta é uma atividade recente no CEFETRS e tem relação com o compromisso de contribuir com a oferta de acesso e profissionalização àqueles que não o tiveram na idade própria, e fazem parte da parcela da população excluída da escola e consequentemente do mercado de trabalho. 102 proejafinalpmd.pmd 102 18/11/2007, 19:31 A questão da educação de Jovens e Adultos e a oferta de EMA e PROEJA no CEFET-RS No Brasil, desde a introdução do capitalismo industrial com o modelo de desenvolvimento, que se caracteriza pela divisão social do trabalho, discute-se e buscam-se alternativas para a exclusão social com a diminuição da pobreza e do desemprego. Ao abordar este tema Alceu Ravanello Ferraro5 destaca que “...uma seqüência de movimentos sociais e momentos típicos dentro da história do pensamento liberal e do capitalismo...”, com uma série de características comuns, oportunizaram crises que legitimaram a exclusão social. A organização política e econômica do país tem levado ao agravamento da pobreza e da desigualdade. Essa situação manifesta-se pelos altos índices de analfabetismo e exclusão da escola, seja pela falta de acesso seja pela não permanência. Para superar a exclusão da escola que está incluída em uma categoria mais ampla que é a exclusão social, governo e sociedade têm a responsabilidade de desenvolver políticas de inclusão. A escolarização de jovens e adultos, em nível fundamental e em nível médio, é necessidade resultante da situação econômica e social do país e deve contribuir para a formação profissional e para o seu crescimento cultural aqueles que foram excluídos na idade regular. Falar em inclusão de jovens e adultos trabalhadores não é só falar em melhores e maiores oportunidades de emprego, mas é falar em condições para o exercício da cidadania pela possibilidade de maior participação na vida em sociedade, com capacidade para interferir criticamente na sociedade. Álvaro Vieira Pinto6 ao estudar este tema diz que “O adulto precisa aprender a totalidade do saber existente em seu tempo” (1994, p. 86). e destaca o papel do educador de jovens e adultos, pois “ao ensinarmos o adulto estamos abrindo um caminho para seu aprendizado futuro”, (1994, p. 86). Para ele, o educador necessita ter uma consciência verdadeiramente crítica, não se sobrepondo ao educando adulto, e, sim, identificando-se com ele, desta forma estará desenvolvendo práticas adequadas, promovendo a capacidade de apreensão entre elas “considerar os conhecimentos que o aluno traz em sua bagagem cultural, (PINTO, 1994, p. 83)”. 5 FERRARO, Alceu Ravanello. Neoliberalismo e políticas sociais: a naturalização da exclusão. Estudos Teológicos, v. 45, n.1, p.99-117, 2005. 6 PINTO, Álvaro Vieira. Sete lições sobre educação de adultos. 9ª edição – São Paulo – Cortez, 1994. 103 proejafinalpmd.pmd 103 18/11/2007, 19:31 As políticas educacionais, tanto no ensino médio como no profissionalizante, apresentam como objetivo qualificar a força de trabalho, para que possam exercer funções necessárias às diversas ocupações. Essa qualificação deve atender à complexidade tecnológica que o mundo do trabalho atual exige e ao mesmo tempo contribuir para inserção social dos trabalhadores. O EMA - Ensino Médio para Adultos passou a ser oferecido pelo CEFET a partir de 1998, com a finalidade de propiciar o acesso ao ensino médio a pessoas que não puderam completar sua formação regular e que buscam a complementação de sua escolarização básica, visando uma melhor colocação no emprego, encontrar emprego ou dar seqüência aos seus estudos, para, posteriormente, cursar o Ensino Técnico ou a Universidade. Em 2006, atendendo a um projeto do Governo Federal, o CEFET aderiu ao PROEJA - Programa de Integração da Educação Profissional Técnica de Nível Médio ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos, com o objetivo de oferecer formação profissional qualificada, integrada ao ensino médio para que pessoas que se encontram afastadas da escola e principalmente da vida em sociedade, possam assumir seu papel no mercado de trabalho, com formação técnica e com uma visão mais clara do mundo do trabalho. “Com o PROEJA busca-se resgatar e reinserir no sistema escolar brasileiro milhões de jovens e adultos possibilitando-lhes acesso a educação e a formação profissional na perspectivas de uma formação integral”. (Documento Base PROEJA. 2005a, p. 3). De modo geral, os alunos do PROEJA e do EMA pertencem a um grupo que já passou pela Escola e, por algum motivo, abandonou os estudos, ou, pode-se dizer, foi excluído da oportunidade de escolarização de nível médio. São alunos de diferentes faixas etárias, trabalhadores ou desempregados, que chegam cansados do emprego ou sem perspectiva de vida e que necessitam de um ambiente acolhedor e confortável. São oriundos de diferentes locais da cidade, de diversas etnias e pertencentes a diferentes camadas sociais com predomínio de alunos de baixa renda moradores das periferias. Esses alunos buscam na escolarização além do resgate de sua formação para poder competir no mundo do trabalho, um espaço de socialização. Uma vez que a escola é sem dúvida um importante e decisivo espaço de convivência. Nessa perspectiva, o retorno à escola, assume outro papel importante para a sociedade à medida que pode propiciar, além da reintegração escolar a reintegração social. É importante consi- 104 proejafinalpmd.pmd 104 18/11/2007, 19:31 derar que a escola como diz Dayrell (1996) tomando com referência as análises de Ezpeleta e Rockwell (1986) é um espaço sócio-cultural específico, ordenado em dupla dimensão: a institucional e a cotidiana, “Institucionalmente, por um conjunto de normas e regras, que buscam unificar e delimitar a ação dos seus sujeitos. Cotidianamente, por uma complexa trama de relações sociais entre os sujeitos envolvidos, que incluem alianças e conflitos, imposição de normas estratégias individuais, ou coletivas, de transgressão e de acordos. Um processo de apropriação constante dos espaços, das normas, das práticas e dos saberes que dão forma à vida escolar”. (ibid. 1996a, p. 136). A oferta de escolarização de qualidade para jovens e adultos significa superar os problemas históricos da exclusão escolar reforça a necessidade de planejamento dos espaços e das condições físicas na oferta dessa e de todas as modalidades de ensino. Pensando no compromisso das escolas com a inclusão dos jovens e adultos trabalhadores, realizei essa pesquisa sobre a relação dos jovens e adultos alunos do CEFET com os espaços da escola. A busca de qualidade reforça a necessidade de planejamento e da adequação dos espaços e das condições físicas para a oferta dessa e de todas as modalidades de ensino e o compromisso das escolas com a inclusão dos jovens e adultos trabalhadores. Os Prédios Escolares – A importância do espaço para a aprendizagem Todas as construções, urbanas e rurais, devem obedecer às Normas Técnicas e aos Planos Diretores de seus municípios. No caso das escolas, essas exigências são complementadas por legislação específica e definidas em Pareceres e Resoluções dos órgãos normativos dos sistemas educacionais: os Conselhos de Educação (Nacional, Estadual ou Municipal), que estabelecem as condições mínimas necessárias para implantação de uma Escola, inclusive as que dizem respeito aos prédios escolares e às condições físicas necessárias, pois as “escolas são um espaço cultural próprio” (Dayrell, 1996, p.47), com destinação específica e, por essa razão, exigem uma arquitetura também específica. As normas têm como objetivo criar um ambiente seguro e propício ao cumprimento dos objetivos das instituições escolares – o cumprimento do direito à educação com qualidade. 105 proejafinalpmd.pmd 105 18/11/2007, 19:31 É importante considerar que “A arquitetura e a ocupação do espaço físico não são neutras. Desde a forma da construção até a localização dos espaços, tudo é delimitado formalmente, segundo princípios racionais, que expressam uma expectativa de comportamento dos seus usuários. (Dayrell, 1996b, p. 147). Para Moussatche, Alves-Mazzotti e Mazzotti (2000) as edificações como ambientes psicossocialmente representados, influenciam na relação afetiva da população com a escola; os prédios escolares são construídos num âmbito social complexo que alguns seres humanos criam e outros recriam, e estes, serão vividos por alunos. Assim sendo a edificação escolar representa a idéia de escola criada por alguns grupos para atender a um usuário que não participa ativamente do processo decisório. Desta forma, a arquitetura escolar tem papel relevante no processo de construção social. Os espaços destinados aos alunos que freqüentam as classes de Educação de Jovens e Adultos nas escolas costumam ser os mesmos utilizados para as chamadas classes regulares. No CEFET, da mesma forma, os espaços utilizados para as turmas do PROEJA e do EMA não costumam ser espaços especiais, resultado de um planejamento, ou de uma adaptação das condições já existentes. Esse fato pode provocar a evasão, visto que os alunos, por não se sentirem confortáveis dentro do ambiente escolar, encontram motivos para desistir mais uma vez da escola. Os ambientes a eles destinados devem tornar-se atrativos e adequados à sua realidade, fazendo com que continuem seus estudos. Alguns autores já se dedicaram a estudar os prédios e espaços escolares entre eles João Roger de Souza Sastre7 que, estudou os prédios escolares em Pelotas e Beatriz Fedrizzi8 que pesquisou os pátios escolares em Porto Alegre, Helena Moussatche, Alda Judith Alves-Mazzotti e Tarso Bonilha Mazzotti (2002), que estudaram os prédios escolares de quatro escolas públicas do Rio de Janeiro. Sastre destaca a importância do espaço onde acontece o processo educativo pois “onde acontece o ato de educar, faz-se necessário discutir a educação não só no âmbito pedagógico, mas também deve-se destacar a questão do prédio que irá abrigar a escola”(2001, p.24). 7 SASTRE, João Roger de Souza. Dissertação de Mestrado: “Edifícios Escolares na Cidade de Pelotas”. Pelotas- UFPel, 2001. 8 FEDRIZZI, Beatriz. A Organização Espacial em Pátios Escolares Grandes e Pequenos – UFRGS. mimeo, s/ data. 106 proejafinalpmd.pmd 106 18/11/2007, 19:31 Para a aprendizagem, não só os métodos didáticos são importantes, o ambiente pode ter significável influência. O planejamento de escolas deve começar e terminar com o aluno. Os prédios escolares não podem ser reduzidos apenas a um abrigo construído para alunos e professores e tampouco ser apenas um depósito de material de ensino. Ao se considerar todos esses aspectos, estará sendo oferecido condições necessárias tanto às atividades escolares quanto ao bem estar físico e emocional dos alunos. Partindo do princípio de que a escola, como a conhecemos, existe porque existem alunos, todo seu planejamento deve ser com o objetivo de dar-lhes condições de estudo de qualidade o que inclui os prédios e as condições físicas da escola. Ao estudar o espaço escolar, Luciano Mendes de Faria Filho9 destaca que “no seu conjunto, o espaço escolar, materializado no prédio do grupo escolar, bem como nas suas divisões e subdivisões internas, no seu afastamento da casa e na sua separação da rua, produziu, tanto quanto foi produto, de uma nova forma e cultura escolar que, em seu movimento de constituição, foi o palco e a cena de apropriações diversas, produzindo e incorporando múltiplos significados para um mesmo lugar projetado pela arquitetura escolar”. Embora nos últimos anos, tenha se observado uma significativa melhoria nas condições físicas das escolas é muito comum encontrarem-se escolas, principalmente da rede pública, com mobiliário deteriorado e inadequado, sinais de vandalismo, pisos danificados, salas de aula com maior número de alunos do que o recomendado. O estado precário de alguns edifícios escolares indica a falta de políticas públicas efetivas no sentido da sua melhoria. A análise de todos os aspectos que envolvem essas construções pode-se dizer que muitas vezes os espaços, não sendo próprios para o ensino, tornam-se espaços mal dimensionados. Algumas vezes, não permitem o acesso do aluno a alguma parte da escola, pois foram criadas e projetadas para um outro uso. A importância do edifício escolar na educação e necessidade de sua adequação aos objetivos a que se destina, estão muito claras nos pareceres do Conselho Estadual de Educação que regulamentam a ofer9 FARIA FILHO, Luciano Mendes de. O espaço escolar como objeto da história da educação: algumas reflexões. Revista da Faculdade de Educação ISSN 0102-2555 versão impressa, v.24 n.1. São Paulo - jan./jun. 1998. 107 proejafinalpmd.pmd 107 18/11/2007, 19:31 ta do ensino fundamental (Parecer nº 1400/2002) e do médio no Rio Grande do Sul (Parecer nº 580/2000). Sendo a escola um espaço de convivência e socialização, os seus espaços não se limitam às salas de aula e laboratórios, os espaços de convivência e lazer também são importantes. A Engª Agrônoma Drª Beatriz Fedrizzi10 destaca a importância dos pátios escolares em relação aos tamanhos, seus usos, não só pedagógicos, mas proporcionando sociabilidades. Estudos das condições dos pátios escolares e a indicação de possibilidades de melhorias nortearam sua pesquisa. Ela mostra que as limitações nos espaços oferecidos aos alunos para os intervalos de aulas, diminuem as possibilidades de interação dos alunos como o ambiente que os cerca. Ela encontrou, nas escolas de Porto Alegre, dois tipos de pátio que classificou de: grandes e pequenos e mostrou que a dimensão do pátio condiciona as atividades dos alunos. Disse também que como não é possível desconsiderar, nem alterar essas diferenças os pátios devem ser planejados de acordo com a sua dimensão para propiciarem as melhores condições de uso pelos alunos. Esse uso é diferente de acordo com o tamanho do espaço e que segundo a autora “...os espaços devem ser flexíveis para poder proporcionar múltiplos acontecimentos” (p. 2 ). As alternativas propostas pela autora mostram o papel que os espaços escolares fora da sala de aula têm na formação dos alunos pela interação. Ela sugere que sejam planejadas algumas áreas pequenas e íntimas, outras grandes e desafiantes para os alunos. As diferentes qualidades de áreas, juntamente com diferentes tamanhos e formas e também com os objetos que os compõem, permitem diferentes atividades. Os Prédios Escolares nos Pareceres Nº 580/2000 e Nº 1400/2002 do CEED O Parecer nº 580/2000 do Conselho Estadual de Educação do Rio Grande do Sul11, estabelece diretrizes para o funcionamento das escolas públicas e privadas no estado, estabelecendo parâmetros para a construção de prédios escolares para ensino médio e o Parecer nº 1400/2002, para prédios de ensino fundamental, inclusive para a Educação de Jovens e Adultos. 10 FEDRIZZI, Beatriz. A organização Espacial em Pátios Escolares Grandes e Pequenos – UFRGS. Mimeo, s/ data. 11 Após a promulgação da Lei 9394/1996, a LDB, O Conselho Estadual de Educação do Rio Grande do Sul, reformulou as diretrizes para a autorização de funcionamento das escolas no estado. 108 proejafinalpmd.pmd 108 18/11/2007, 19:31 Segundo o Parecer nº 580/2000 os prédios destinados à oferta de ensino médio devem ser exclusivos para o funcionamento da escola e ter acesso direto, oferecer condições de segurança e considerar fatores como higiene, iluminação, acústica e temperatura. Os espaços pedagógicos, como Salas de Aula, Laboratórios e Bibliotecas deverão oferecer condições mínimas de conforto, e estar adequados a sua finalidade, com medidas mínimas em relação à área do ambiente, vãos de ventilação, iluminação natural e direta. As áreas destinadas à prática de Educação Física, bem como os espaços de recreação devem também obedecer às normas estabelecidas nos pareceres. Todas as dependências e ambientes devem dispor de instalações elétricas necessárias ao bom funcionamento de equipamentos e apresentar iluminação artificial adequadas. O número de alunos, por sala de aula, é considerado pela capacidade máxima de cada sala de aula. A escola deve contar, também, com espaços para atividades conjuntas, que envolvam concentrações e reuniões comunitárias, mostrando que existe a preocupação da integração entre os alunos e a escola. Dessa forma, também possibilitará atividades coletivas além da sala de aula. O acesso a esses espaços, tanto interna como externamente, deve facilitar o deslocamento de pessoas portadoras de necessidades especiais. O Parecer nº 1400/2002, não obriga, mas recomenda, para a qualificação da oferta do Ensino Fundamental, a existência de outros espaços pedagógicos como laboratórios, salas de convivência para professores e funcionários, Ciências e Artes, que são obrigatórios para o ensino médio. As escolas poderão ter características diferentes de acordo com a sua localização, urbana ou rural, para estar de acordo com a realidade geográfica em que estão inseridos. Os prédios localizados na zona rural terão que atender aos pré-requisitos físicos mínimos de qualidade em relação a instalações, equipamentos e recursos didáticos. As áreas para Educação Física e Recreação poderão ser junto à escola ou em espaço disponibilizado pela comunidade. Além disto, as escolas rurais terão também refeitório/cozinha e instalações sanitárias adequadas ao número de educandos, como as urbanas. A oferta de Educação de Jovens e Adultos (EJA) está contemplada no Parecer CEED nº 1400/2002 no que se refere à qualificação docente específica, proposta pedagógica e recursos pedagógicos de acordo com a natureza dos alunos e apropriados a essa modalidade de ensino (item 5.3). 109 proejafinalpmd.pmd 109 18/11/2007, 19:31 Com relação aos prédios escolares o mesmo parecer, apresenta uma flexibilização quando se trata de oferta da EJA, possibilitando o uso de espaços cedidos para atividades de Educação Física (item 6.2) e a ocupação de edifício, preservadas as exigências de entrada exclusiva e identificação (item 6.3). A relação dos alunos do PROEJA e do EMA com a estrutura do CEFET-RS Para coletar dados sobre como e quais espaços são utilizados pelos alunos das turmas de EMA e PROEJA foi aplicado um questionário em sala de aula, com questões abertas e fechadas, de modo a apontar quais os ambientes mais utilizados por esses alunos, quer na área pedagógica, quer na de lazer. Relacionando os ambientes com as atividades a que se destinam, verificamos como os espaços escolares são ocupados por esses alunos, que outros ambientes julgam necessários e a quais ambientes eles não têm acesso. Foram sujeitos da pesquisa os alunos de duas turmas: uma do PROEJA e uma do EMA, do Centro Federal de Educação Tecnológica de Pelotas, do turno da noite. Os alunos que freqüentam a turma do PROEJA são alunos na faixa etária entre dezoito e cinqüenta e cinco anos, todos moradores da cidade de Pelotas e a grande maioria proveniente dos bairros. Já os alunos que freqüentam a turma do EMA, são alunos na faixa etária entre vinte e sete e cinqüenta e seis anos, três alunos são moradores de cidade vizinha e os demais, oriundos de bairros e do centro da cidade. A turma de PROEJA é composta de vinte alunos, doze do sexo masculino, e oito do sexo feminino, mostrando a predominância do sexo masculino no curso profissionalizante. Do total de alunos somente doze responderam o questionário. Desses, seis são do sexo masculino, cinco do feminino, um não marcou essa resposta. A turma de EMA é composta de trinta e oito alunos, dez do sexo masculino e vinte e oito do sexo feminino, com marcante predominância do sexo feminino. Do total de alunos somente onze responderam à pesquisa. Entre os onze alunos, um é do sexo masculino e dez são do sexo feminino. Constata-se que a turma de PROEJA, que é profissionalizante, tem um pequeno predomínio de homens, mas na turma de EMA, as mulheres são a maioria. 110 proejafinalpmd.pmd 110 18/11/2007, 19:31 Estes alunos são trabalhadores12 que estiveram afastados da escola por muito tempo e agora buscam dar continuidade aos seus estudos. No caso do PROEJA, para ter maiores oportunidades de inserção no mercado de trabalho. Das respostas dos alunos constata-se que, além das salas de aula e dos laboratórios, são poucos os outros espaços utilizados. As respostas indicam a vontade de usufruir das áreas de lazer e de práticas esportivas. Sobre os espaços que mais utilizam no CEFET-RS para aprendizagem, na turma de PROEJA, todos responderam a Sala de Aula, dez incluíram os Laboratórios; cinco citaram a Biblioteca e cinco, o Auditório. No que se refere ao Lazer; onze responderam que freqüentam os Jardins; cinco, o Auditório e cinco, a Cantina. Para a pergunta sobre espaços utilizados em Outros Momentos; seis responderam a Cantina; quatro, os Jardins e o Abrigo de Bicicletas. Entre os espaços que os alunos julgam não existirem e necessários, quatro não responderam; cinco acham que está ótimo; um não sabe; um diz que não houve tempo de utilizar todos os espaços e somente um sugeriu a necessidade de um espaço para integração alunos/alunos e alunos/professor, no intervalo. A respeito da dificuldade de acesso a algum espaço, cinco alunos não responderam; seis responderam que não tiveram dificuldade e um respondeu que não buscou com medo de se perder. Na turma de EMA, da mesma forma, todos responderam ser a Sala de Aula o principal espaço de aprendizagem, sete incluíram os Laboratórios; dez utilizam a Biblioteca e sete, o Auditório. Para lazer, um vai a Biblioteca, um para o Refeitório e um utiliza os Jardins, os outros não responderam. Quando à questão sobre o uso em outros momentos, um respondeu o Gabinete Médico. O item referente aos espaços que julgavam necessários, obteve somente três respostas: um gostaria de Educação Física, esportes para a EMA; outro gostaria de usufruir a Piscina e o terceiro respondeu o Refeitório. Sobre a dificuldade de acesso a espaços um declarou não ter acesso ao refeitório, três não enfrentaram essa dificuldade e seis alunos não responderam. Analisando as respostas, constata-se que, para as atividades pedagógicas, tanto os alunos do PROEJA quanto os do EMA citam, além das Salas de Aula, o uso dos Laboratórios como um espaço de aprendiza12 Entendemos assim porque no CEFET, é pré-requisito ser trabalhador para cursar aulas no turno da noite. 111 proejafinalpmd.pmd 111 18/11/2007, 19:31 gem. A utilização da Biblioteca e do Auditório, no processo pedagógico, também são citados como espaços de aprendizagem, mas por um menor número de alunos. As áreas de Lazer eles acreditam serem necessárias, tanto que enumeram os Jardins e a Cantina e indicam que há falta de um espaço mais adequado à integração entre os alunos e com os professores. O que chamou a atenção, e deve ser motivo de avaliação pela administração e coordenação pedagógica, foi a afirmação de um aluno de que tem “medo de se perder” e que por isso não procurou outros ambientes. Pode acontecer de outros alunos enfrentarem esse mesmo sentimento sem declarar, e com isso ficarem tolhidos na sua movimentação no âmbito da Escola. A falta de acesso ao ambiente do Refeitório é apontada por um aluno em cada turma, como não dizem o objetivo para o acesso ao Refeitório e, sendo esse um espaço reservado às refeições, pode-se deduzir que gostariam de ter refeições ou um espaço mais tranqüilo para comer o que trazem. Será essa uma política necessária para que continuem seus estudos. Conclusão O presente trabalho buscou delinear como os alunos das turmas de Educação de Jovens e Adultos do CEFET-RS, Pelotas, se relacionam com e quais os espaços mais utilizados para a aprendizagem. Uma vez que a Escola tem como objetivo contribuir para que seus alunos tornem-se indivíduos capazes e cidadãos participativos, é necessário que ele encontre um prédio acolhedor e com condições mínimas, que permitam o seu desenvolvimento e a aquisição de conhecimentos. Se a educação de Jovens e Adultos tem como objetivo possibilitar aos trabalhadores e a outros segmentos da sociedade, a reentrada no sistema educacional, dando-lhes a condição de escolarizado e possuidor de conhecimentos sistematizados, faz-se necessário que além da formação de docentes para a área de educação de Jovens e Adultos, sejam oferecidos ambientes adequados tanto no que se refere aos ambientes pedagógicos, propriamente ditos, como Salas de Aula, Laboratórios e Oficinas, como também áreas destinadas a Lazer e Esportes que terão a importância para a socialização e a construção da auto-estima dos alunos. É fundamental que o prédio escolar ofereça condições mínimas para um ensino de qualidade e sejam adequados às Normas Técnicas, os 112 proejafinalpmd.pmd 112 18/11/2007, 19:31 Pareceres e os Planos Diretores das cidades que se respeitados, certamente, a oferta será de espaços bem aproveitados. Ambientes pedagógicos bem dimensionados e planejados, assim como espaços de Lazer e atividades de Educação Física, possibilitarão integração aluno/aluno e aluno/escola. Esse conjunto de situações contribui para a formação social do aluno e abre um amplo caminho de aprendizagem, visto que o aprendizado não se dá somente na Sala de Aula. Outro aspecto que se deve considerar que os Pareceres em determinado momento abre a possibilidade de alternativas paliativas, permitindo uma adequação. Abre-se dessa maneira, uma flexibilização de acordo com área onde a Escola encontra-se inserida. Finalmente, ao tratar-se da relação com os prédios e as condições físicas para o desenvolvimento das propostas pedagógicas para Educação de Jovens e Adultos de oferta de EJA, no CEFET-RS, PELOTAS, pode-se concluir, em primeiro lugar, que os espaços utilizados são os mesmos destinados às turmas regulares, com exceção do Refeitório. Dos resultados da pesquisa, pode-se concluir que os alunos do PROEJA e do EMA utilizam os mesmos ambientes físicos quer para atividades pedagógicas, quer para o lazer e a maioria é de parece ter atendidas as suas necessidades básicas. Os prédios e espaços escolares fazem parte uma arquitetura que “...é também por si mesma um programa, uma espécie de discurso que institui na sua materialidade um sistema de valores, como os de ordem, disciplina e vigilância, marcos para a aprendizagem sensorial e motora e toda uma semiologia que cobre diferentes símbolos estéticos, culturais e também ideológicos” ([Escolano, 1998, p. 26] apud, Vieira, 2000, p2). Por essas razões, é preciso dar atenção aos indicadores que apontam a necessidade de espaços para maior integração e, embora tenha sido referido apenas por um aluno, é preciso considerar a dificuldade desses alunos, que, diferentemente dos alunos que desenvolvem regularmente a sua trajetória escolar, não estão familiarizados com os ambientes escolares e que as dimensões e organização/distribuição dos espaços no CEFET podem ser estranhos e apresentar dificuldades de circulação. Referências BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação.Lei nº9.394, de dezembro de 1996. Rio de Janeiro: Casa Editorial Pargos, 1997. 113 proejafinalpmd.pmd 113 18/11/2007, 19:31 CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DE PELOTAS. Relatório de Gestão, ano 2005. DAYRELL, Juarez. Múltiplos Olhares sobre Educação e Cultura, Ed. UFMG, Belo Horizonte, 1996 DOCUMENTO BASE. Programa de Integração da Educação Profissional Técnica de Nível Médio ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos. 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Para a análise, parte-se da compreensão de que a avaliação deve servir para diagnosticar e orientar as estratégias de ação do processo de ensino e aprendizagem e que deve ser processual, contínua, emancipatória e formativa. A proposição do PROEJA evidencia que a avaliação tem o papel de priorizar a qualidade e o processo de aprendizagem. Nesse sentido, a avaliação deve buscar a re(construção) do conhecimento, considerando o sujeito criativo, autônomo, participativo, reflexivo e capaz de transformar a sua realidade e a da sociedade em que está inserido. 1 Licenciada em Ciências Biológicas pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, professora de Ciências Biológicas na modalidade de jovens e adultos.Este artigo, realizado para cumprir o requisito parcial para obtenção de título de especialista em Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos, realizado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Centro Federal de Educação Profissional e Tecnológica de Bento Gonçalves. 2 Professora da Universidade do Estado do Rio Grande do Sul, da Faculdade de Porto Alegre (FAPA), Dra. Em Educação, orientadora do Trabalho de Conclusão de curso da autora do presente artigo. 115 proejafinalpmd.pmd 115 18/11/2007, 19:31 A instituição pesquisada é pública federal e atende os alunos do PROEJA, através do curso Formação Inicial e Continuada de Trabalhadores de Nível Médio, com Habilitação em Assistente em Comércio e Serviços,3 que iniciou em 2006. A pesquisa desenvolvida pode ser caracterizada como um estudo de caso. Assume-se, entretanto, a perspectiva metodológica de articulação entre a parte e a totalidade na qual está inserida. Conforme Trivinos (1995), o estudo de caso é um dos tipos mais relevantes da pesquisa qualitativa, emprega uma estatística simples e tem por objeto de estudo uma unidade que é analisada profundamente dentro do contexto geral. Conforme Minayo (1994) a pesquisa social qualitativa se constrói numa relação dinâmica entre a razão daqueles que a praticam e a experiência que surge na realidade concreta sendo, os resultados, uma aproximação da realidade4. O texto a seguir, será apresentado em três momentos distintos: o primeiro apresenta algumas conclusões a respeito da EJA, no Brasil, baseadas no estudo de diversos autores; o segundo aborda a teoria da avaliação sob o ângulo de duas principais concepções avaliativas e sobre a proposição do PROEJA e da Escola pesquisada. O último momento compreende a análise e discussão dos resultados sobre a forma como é processada a avaliação na instituição estudada. Finalmente, apresentamos alguns indicativos para avançar na implementação da proposta de avaliação de cunho formativo / emancipatório. Educação de Jovens e Adultos no Brasil: algumas constatações Ao longo da segunda metade do século XX houve um importante movimento de ampliação de ofertas de vagas no ensino público, porém, ainda insuficiente. Essa ampliação de oferta não foi acompanhada de uma melhoria na qualidade de ensino, produzindo um contingente de jovens e adultos analfabetos funcionais ou incapazes de fazer a leitura crítica da realidade da sociedade em que vivem (Haddad & Di Pierrô, 2000). 3 Conforme o Plano de Curso (2006), o curso está dividido em duas fases: 1) Formação Inicial e Continuada de Trabalhadores, com 1200 horas de formação geral de nível médio, integrada a uma formação profissional de 200 horas, voltada para o mundo do trabalho; 2) Composta por módulos direcionados para a formação técnico-profissional (600 horas), abarcando o curso de educação profissional técnica de nível médio. 4 Os instrumentos utilizados na pesquisa foram: um questionário qualitativo para estudantes e professores, contendo perguntas gerais sobre o PROEJA e perguntas específicas sobre sistema de avaliação de ensino e aprendizagem, análises de documentos da instituição e do PROEJA e conversas informais com a comunidade escolar. Foram aplicados 27 questionários para os estudantes de PROEJA e 10 para os professores que atuam com o PROEJA, obtendo um retorno de 22 e 05 questionários respectivamente. 116 proejafinalpmd.pmd 116 18/11/2007, 19:31 Fazendo um balanço, após o estudo de diversos autores,5 percebemos várias expressões da Educação de Jovens e Adultos (EJA) no cenário nacional. Expressões construídas pelas intencionalidades, interesses e conflitos entre as classes sociais, através dos vários segmentos, grupos e representações que as compõem, no espaço do Estado ou da Sociedade Civil. Estas expressões estão fundamentadas em idéias, conceitos, discursos e ações que revelam projetos diferentes de sociedade e de Brasil. A falta de qualidade de ensino, caracterizada pelas metodologias e currículos padronizados e distantes da realidade dos alunos, o processo avaliativo classificatório e excludente e a situação de extrema pobreza de uma grande parcela da população acaba por excluir da escola muitas crianças e adolescentes antes de concluírem os estudos. Dessa forma, nos últimos anos, a EJA vem perdendo sua identidade, pois, além de oportunizar formação aos adultos trabalhadores que não tiveram oportunidade de concluir os estudos em tempo hábil, está absorvendo uma grande contingência de adolescentes excluídos do ensino “regular” e que estão em busca de “aligeiramento” dos estudos. Percebe-se, também, que em toda a trajetória, a EJA foi marcada por iniciativas descontinuadas e de caráter voluntariado. Porém, destacam-se três momentos importantes para EJA: a política pública de alfabetização de Paulo Freire, anterior a 1964; o MOVA, na década de 1990; que mesmo não-governamental/nacional travou lutas importantes, problematizando o descaso com a EJA; e o PROEJA que, embora não se constitua em uma política pública, busca ser inovador nos seus ideais emancipatórios. A experiência histórica mostra, igualmente, que uma educação de qualidade requer professores devidamente preparados e qualificados. Porém, a rotatividade de docentes devido à falta de carreira específica para EJA e a inexistência de equipes direcionadas à educação de jovens e adultos impedem a formação de um corpo técnico especializado e dificulta a organização de projetos pedagógicos específicos para esta modalidade. Tratando-se de educação de qualidade muito se tem a fazer ainda pela EJA, já que o setor público ainda não encontrou uma maneira eficaz de elevar a escolaridade das camadas populares. As aprendizagens mínimas e de qualidade dessa contingência da população precisam ser sanadas, através de oferta permanente de educação, garantida por políticas públicas que visem à formação humana e científica, associada a uma ampliação de oportunidades de trabalho, melhor distribuição de renda e maior participação política. 5 Haddad & Di Pierro (2000), Aranha (1996), Brandão (2001), e Frigotto (2004). 117 proejafinalpmd.pmd 117 18/11/2007, 19:31 Teoria da avaliação, proposição de avaliação do PROEJA e do CEFET-BG O tema avaliação vem sendo muito discutido entre a comunidade científica, educadores e teóricos. Isso ocorre devido à necessidade de compreender a avaliação como parte extremamente relevante do processo de aprendizagem. A avaliação com características classificatórias, niveladoras e excludentes, ainda presentes no cotidiano escolar, gera desconforto e conflito no momento em que aos poucos se dissemina uma nova concepção de avaliação da aprendizagem. A nova concepção, emancipatória, processual, contínua, mediadora e formativa se apresenta contextualizada, inserida em uma sociedade com uma problemática sócio-político-cultural e econômica (Abramowicz, 1990). Abordar a avaliação supõe, necessariamente, a análise de toda a pedagogia que se pratica. Para Sacristán (1998), a avaliação é explicada pela forma como são realizadas as funções que a escola desempenha e, portanto, está condicionada por aspectos sociais, pessoais e institucionais, incidindo sobre os demais elementos envolvidos na escolarização. Nesse sentido, a forma como o ensino é concebido, o entendimento do que é aprender, do papel da escola, está intimamente relacionado com a forma de avaliar. No nosso entendimento, a avaliação é um processo político a serviço da sociedade na busca do aperfeiçoamento da educação e do pleno desenvolvimento cidadão. Nesse sentido, a prática avaliativa deve articular-se com os objetivos, a metodologia, o conteúdo e todo o processo de ensino e aprendizagem, ou seja, a instituição de ensino precisa ter claro quando avaliar, como avaliar, o que avaliar, para que avaliar e para quem avaliar. O eixo central do processo didático escolar está dado pela relação entre objetivos e avaliação que modula o par conteúdos/métodos (Freitas, 2003). Para tal, parte-se da construção coletiva do Projeto Político Pedagógico6 e do Currículo7 que devem ser sustentados por um referencial teórico pedagógico e político que dê identidade à instituição escolar. A fragmentação dos conteúdos escolares impõe uma estratégia de avaliação fragmentada que estimula de forma negativa a competição 6 O projeto político pedagógico é o projeto global da escola, deve ser reavaliado e reorientado constantemente, uma vez que diz do rumo e da direção que a instituição vai perseguir de forma intencional e explícita. 7 O currículo, por sua vez, é uma construção social do conhecimento, pressupondo a sistematização dos meios para que esta construção se efetive. 118 proejafinalpmd.pmd 118 18/11/2007, 19:31 pelos melhores resultados, inibindo a solidariedade e o companheirismo. Nesse sentido, o currículo deve reduzir o isolamento entre as disciplinas, oportunizando, assim, menor fragmentação dos conteúdos e maior compreensão dos aspectos sociais, visando buscar uma alternativa frente a essa prática hegemônica. Na prática predominante, a avaliação feita pelo professor se fundamenta na fragmentação do processo ensino/aprendizagem e na classificação das respostas dos educandos, a partir de um padrão pré-estabelecido, onde a diferença de respostas quanto ao pré-estabelecido é chamado de erro e, a semelhança, de acerto. Conforme Luckesi (1995), a avaliação dominante se processa, muitas vezes, de forma reducionista, através da aplicação de testes, trabalhos e provas, aos quais se atribui um valor que deve corresponder ao nível qualitativo da aprendizagem do aluno. Para Sacristán (2000 p. 317), esse “procedimento funcionaria como uma “rotina” que agiliza o processo de avaliação por parte do professor. O processo de aferir a aprendizagem escolar impõe aos estudantes conseqüências negativas, uma vez que o sujeito não adquire autonomia para atuar como efetivo cidadão e por viver sob a ameaça da reprovação. Segundo Abramowicz (1990, p.03) “observamos a marca inconfundível do controle”. Através da “medida” de aprendizagem a escola tenta “moldar” o aluno dentro do padrão considerado normal/ ideal. Desenvolver uma nova postura avaliativa nas escolas requer reconstruir a concepção e a prática avaliativa rompendo com a cultura de memorização e do professor como detentor do saber, visando uma prática pedagógica comprometida com a inclusão, com o respeito às diferenças, com a construção coletiva do conhecimento (Esteban, 1999). Para tal, devese ter um olhar mais atento, uma escuta densa e uma intuição apurada. Numa perspectiva de avaliação emancipatória e democrática partse do pressuposto de que se defrontar com dificuldades é inerente ao ato de aprender, porém, se respeitado o tempo e a especificidade de cada aluno, todos são capazes de aprender. Utilizada de forma transparente e participativa, a avaliação permite ao aluno reconhecer suas próprias necessidades, desenvolver a consciência de sua situação escolar e orientar seus esforços na direção dos critérios de exigência da Escola. A proposta do PROEJA aposta na adaptação do tempo/espaço às especificidades dos sujeitos que atende, tanto no sentido de permitir o acesso à escola em turnos contrários ao trabalho, quanto no respeito ao tempo de aprendizagem de cada um. Torna-se necessário elaborar uma proposta avaliativa que atenda ao alto grau de expectativa que esses sujeitos possuem no retorno à escola. 119 proejafinalpmd.pmd 119 18/11/2007, 19:31 A proposta avaliativa no documento base do PROEJA (2006), apresenta a avaliação como forma de priorizar a qualidade e o processo de aprendizagem. Dessa forma, a avaliação deve ser desenvolvida numa perspectiva processual e contínua, por meio de um processo interativo que considere o aluno capaz de transformações significativas na realidade. Conforme plano de curso da instituição, a proposta avaliativa do PROEJA do CEFET-BG apresenta a avaliação como um processo contínuo de formação, cujo foco é a emancipação dos sujeitos que participam do processo educacional, na qual os mesmos desenvolvem conceitos8 previamente definidos, por meio da apreensão de objetos do conhecimento relacionados as diferentes disciplinas, indo ao encontro, sempre que possível, da Rede Temática constituída e apresentada aos alunos. Nesta proposição, portanto, todos os sujeitos podem avaliar e ser avaliados, tendo como formas a avaliação individual, a auto-avaliação9 e a avaliação coletiva10. A expressão final da avaliação ocorre através de pareceres descritivos que apresentam os conceitos já construídos, de modo que o aluno progrida de um módulo para outro ou permaneça no mesmo módulo. O PROEJA e a avaliação dos estudantes No que diz respeito ao objetivo dessa pesquisa, ou seja, saber como ocorre a avaliação dos alunos do PROEJA do CEFET-BG, foram encontradas algumas contradições nas respostas dos pesquisados, bem como, algumas divergências em relação ao Plano de Curso do PROEJA do CEFET–BG, embora se tenha verificado esforços para obter avanços. No que se refere aos estudantes, 20%11 entendem a avaliação como parte da aprendizagem, de maneira a subsidiar o crescimento do aluno e o melhoramento do processo de ensino e aprendizagem. O restante acredita que a avaliação é uma forma de testar o conhecimento adquirido. Seguem algumas expressões escritas pelos alunos: “è importante pelo motivo que o aluno se esforça mais para adquirir a nota para a aprovação; o professor avalia pela freqüência e participação”. Apesar de afirmarem que a avaliação é verificada através de conceitos e não medida por notas, os alunos 8 Os conceitos são previamente discutidos com os professores e alunos e são de conhecimento de todos. Exemplos de conceitos: argumentação: apresentar justificativas com coerência às idéias; discernimento: distinguir situações diferentes. 9 A auto-avaliação consiste em uma planilha onde o aluno coloca a manifestação de sua aprendizagem, através dos conceitos trabalhados em cada disciplina. 10 A avaliação coletiva consiste em um conselho participativo, onde os resultados são discutidos pelos professores conjuntamente com os estudantes. 11 Esta pesquisa foi efetivada através da aplicação de questionários e entrevistas, realizados com 05 professores e 22 alunos, da turma do PROEJA, do CEFET-BG. 120 proejafinalpmd.pmd 120 18/11/2007, 19:31 entendem a avaliação como caminho para aprovação ou reprovação, que é medida através de uma demonstração de aquisição de conhecimento. Cerca de 82% dos alunos afirmaram serem avaliados diariamente, porém, quando solicitado para descrever o modo como são avaliados, não sabem responder ou deram respostas incoerentes. Percebem-se, portanto, equívocos na aplicação da avaliação contínua e participativa descrita no Plano de Curso (2006) do CEFET-BG. Isso retrata um problema não apenas da instituição, mas do sistema de educação brasileiro, onde as políticas educacionais são impostas pelos governantes e não são discutidas com os verdadeiros responsáveis pelo processo educativo: professores e alunos. Ainda, além da falta de discussão com a escola, antes da implantação do PROEJA, o tempo de implantação foi muito curto, impossibilitando, assim, a devida preparação docente e conseqüente preparação discente. Cerca de 18% acreditam não serem avaliados diariamente ou estão incertos quanto a esse quesito: “Eu acho que não me avaliam”; “Acho que sim, verbalmente”. Quanto ao modo de verificação dos objetivos das avaliações, cerca de 60% afirmam ser através de conceitos, enquanto 40% não conseguiram estabelecer uma definição citando que a avaliação ocorre por trabalhos, por auto-avaliações, participação e freqüência em sala de aula e parecer descritivo. Isso nos indica pouco trabalho participativo junto aos alunos sobre a concepção, os objetivos, a metodologia e avaliação do PROEJA. Dessa forma, sem a devida compreensão da nova proposta pedagógica, a avaliação é vista pelos alunos como “fácil”, sem provas, diferente da avaliação da escola regular, porém, não como forma de inclusão e formação cidadã, apenas como forma de certificação rápida dos excluídos da escola. Como vimos anteriormente, a proposta da escola possibilita que todos os sujeitos avaliem e sejam avaliados, tendo como formas à avaliação individual, a auto-avaliação e a avaliação coletiva. No entanto, alguns alunos citam a dificuldade de se expor na auto-avaliação ou avaliação coletiva. Isso nos remete a um problema de planejamento e incentivo para a avaliação participativa, onde o objetivo é identificar o caminho percorrido na aprendizagem e apresentar possíveis medidas para atingir os conceitos ainda não construídos. Nesse sentido fica difícil realizar uma efetiva auto-avaliação ou avaliação coletiva, quando os sujeitos avaliados desconhecem ou estão incertos quanto ao modo avaliativo. A auto-avaliação requer do aluno o conhecimento de sua atual situação de aprendizagem, baseado nos conceitos trabalhados nos mais diversos conteúdos. 121 proejafinalpmd.pmd 121 18/11/2007, 19:31 Mesmo inseguros, 50% dos alunos aprovam a proposta avaliativa atual; 25% gostariam de ser avaliados através de provas, testes e conseqüente classificação por notas e os outros 25% gostariam de ser avaliados somente no final do semestre. A parcela de alunos (25%) que prefere provas e notas representa os sujeitos mais jovens e com menor tempo de afastamento da escola. É possível fazer duas reflexões sobre esse aspecto: ou os mais jovens têm mais dificuldades de entender o novo processo, por estarem acostumados com notas, enquanto os mais velhos o entendem, por terem sido afastados do sistema escolar devido à avaliação classificatória e exclusiva, ou a nova proposta avaliativa não está bem clara, causando insegurança. No que se refere à posição dos professores, 40% disseram que a avaliação é feita através de uma listagem de conceitos, 40% citaram a realização de um trabalho coletivo e uma avaliação individual em cada disciplina, com critérios estabelecidos pelo professor e uma professora mostra-se afinada com o projeto político pedagógico da instituição, quando escreve que a avaliação é contínua e visa diagnosticar a aprendizagem. Quanto à forma de retorno da avaliação durante o processo avaliativo, a maioria se restringiu à devolução dos trabalhos e provas de forma coletiva ou individual. Alguns citaram, ainda, a conversa e a discussão dos resultados com o grupo de alunos. Para os professores, a avaliação é vista como uma forma de verificar o aprendizado e de construção do saber, porém, um professor salienta que os alunos se dedicam mais quando tem uma avaliação e que isto é importante para conscientizálos da necessidade de avançar. Ainda, expressam que, para ser formativa, a avaliação precisa estar de acordo com o conteúdo trabalhado. Quando questionados quanto à maneira ideal de avaliação no PROEJA, 60% dos professores defendem a atual forma e incentiva a sua manutenção. A análise da escrita de dois professores mostra a necessidade de mudança e aperfeiçoamento no sistema avaliativo da instituição, quando colocam que a avaliação deve ser o mais ampla possível, com todos os aspectos relevantes contemplados e que contribua para a aprendizagem do aluno. Apesar do PROEJA do CEFET-BG ter uma concepção Freiriana voltada à educação popular e, conseqüentemente, a uma proposta de avaliação formativa/emancipatória, alguns aspectos, como vimos, demonstram a dificuldade do corpo docente do PROEJA de alterar a concepção e prática da avaliação e fazer a diferença na escola, uma vez que todas as outras modalidades de ensino da instituição trabalham com uma avaliação classificatória e somatória. Percebe-se, assim, a fragmentação e a desarticulação entre as modalidades de ensino oferecidas pela instituição. Da mesma forma, torna-se difícil colocar em prática a avaliação formativa/ emancipatória sem uma efetiva formação dos professores. 122 proejafinalpmd.pmd 122 18/11/2007, 19:31 Para avançar na avaliação formativa/emancipatória Conforme pudemos perceber através da análise do Projeto Político Pedagógico da Instituição, o curso de PROEJA possui uma concepção, uma infraestrutura e uma forma avaliativa diferenciada, já que toda a instituição trabalha de forma tradicional com conteúdos a seres transmitidos e avaliações através de provas e testes. Os resultados desta pesquisa mostram que, para avançar, é preciso que os Projetos Político Pedagógicos globais das instituições incorporem o PROEJA, o que requer maior engajamento por parte de toda a comunidade escolar, para poder oferecer uma educação de qualidade aos jovens e aos adultos. Nesse sentido, a formação continuada de professores deve ser feita numa estreita relação com a prática cotidiana, com acompanhamento sistemático, para que se possa garantir algum retorno ao trabalho efetivo em sala de aula. Os “treinamentos” esporádicos, os cursos aligeirados e sem continuidade garantida são instrumentos de desserviço a EJA, pois criam expectativas que não serão correspondidas, frustram alunos e professores, reforçam a concepção negativa de que não há o que fazer nesta modalidade de ensino (Haddad, 2000). A mudança na avaliação deve ser acompanhada de uma autonomia escolar, currículo flexível e contextualizado, formação continuada de professores, continuidade das propostas pedagógicas e os estudantes devem ter condições de ir compreendendo esta nova perspectiva de avaliação. Quando as mudanças ocorrem de forma fragmentada nas escolas, seu efeito conjunto não alcança uma modificação substantiva nas práticas tradicionais. Finalmente, através desse estudo sobre a avaliação dos estudantes do PROEJA, conseguimos identificar que o PROEJA, de um modo geral, é um programa inovador de caráter emancipatório, fundamentado na concepção Freiriana e que busca uma avaliação processual e contínua. Apesar do esforço e dos avanços em relação à avaliação por parte do CEFET-BG, encontramos alguns professores ainda não preparados e alunos inseguros frente à nova forma avaliativa e pensamos que esse fator é decorrente, também, da atual situação educacional brasileira e, conseqüentemente, da falta de preparo das instituições e professores, o que acaba dificultando a elaboração e implementação de propostas diferenciadas e deixando os estudantes com poucas condições de um posicionamento mais consistente. 123 proejafinalpmd.pmd 123 18/11/2007, 19:31 Referências ABRAMOWICZ, M. Avaliação da aprendizagem: como trabalhadores-estudantes de uma Faculdade particular noturna vêem o processo - em busca de um caminho. 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Porto Alegre, Artmed, 2000. Cap. 10. TRIVINOS, A. N. S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1995. 124 proejafinalpmd.pmd 124 18/11/2007, 19:31 UM ESTUDO DO CUSTO/ALUNO E CONDIÇÕES DE OFERTA EDUCACIONAL NO CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DE BENTO GONÇALVES Rosane Fabris1 Nalú Farenzena2 Introdução Este artigo trata do custo/aluno no Centro Federal de Educação Tecnológica de Bento Gonçalves – CEFET-BG -, apresentando resultados de uma pesquisa realizada nessa Instituição em 20063. São identificadas também algumas características de organização, funcionamento e gestão escolar, a fim de discutir os custos associados a algumas condições de oferta educacional. Na análise dos custos do CEFET-BG é dado relevo aos custos representados pela turma do Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA), comparando-os com os custos médios da Instituição – o total e de cada modalidade oferecida. Uma descrição bastante sintética dos procedimentos metodológicos da pesquisa é descrita no início deste texto. É feita, na seqüência, uma caracterização geral do CEFET, recolhendo elementos que auxiliam mais diretamente na apreciação dos custos e de condições para a oferta de um ensino de qualidade. Os custos estimados são o objeto do terceiro item desse artigo, 1 Técnica administrativa do Centro Federal de Educação Tecnológica de Bento Gonçalves, Especialista em Educação PROEJA. 2 Professora da Faculdade de Educação/UFRGS, Dra em Educação, orientadora do Trabalho de Conclusão de Curso da Autora do presente artigo. 3 Este artigo aproveita parte de um trabalho de conclusão de curso realizado pela autora no Curso de Especialização em Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio na Modalidade Educação de Jovens e Adultos, da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. O título deste trabalho é “Custo Aluno no Centro Federal de Educação Tecnológica de Bento Gonçalves” e foi orientado pela profª Nalú Farenzena. 125 proejafinalpmd.pmd 125 18/11/2007, 19:31 finalizando-se com comentários que sintetizam o conteúdo do artigo, assim como ponderam desafios para a pesquisa sobre custos educacionais. Procedimentos metodológicos Foram coletados os valores dos salários dos servidores ativos do CEFET-BG, a carga horária dos docentes e sua distribuição por cursos, com o objetivo de ratear seus salários entre as modalidades atendidas, os dados das matrículas efetuadas e o número de alunos no ano de 2006. Foram coletados os valores da remuneração dos servidores técnicos administrativos no mês de julho de 2006 e os do mês de outubro do mesmo ano para os servidores docentes, meses esses em que não houve pagamentos atípicos. Quanto aos salários de funcionários terceirizados, considerou-se o valor pago à empresa contratada pelo CEFET-BG e não o valor que os trabalhadores efetivamente recebem. Nos salários dos estagiários foi acrescido o percentual de 10% pago ao CIEE - Centro de Integração Empresa Escola, a título de taxa de administração. Além disso, foi pesquisado o horário de funcionamento da Instituição, o número de turmas e de alunos no ano 2006, os dados dos servidores referentes à função exercida, vínculo com a escola, carga horária e escolarização e também a gestão financeira do CEFET-BG. Importante salientar que não foram levantados os custos de material de consumo, energia elétrica, água, gás e tampouco os valores de reposição do prédio, terreno e equipamentos existentes, uma vez que o tempo disponível era muito curto para que fosse feito um levantamento tão detalhado. Assim, partindo dos 100 pontos percentuais, foi considerado 73% como o percentual de custo do pessoal e o restante considerado como outros custos, ou seja, os mesmos percentuais encontrados no Levantamento do Custo/aluno realizado pela UFRGS em 2003, no CEFET-BG (LEVANTAMENTO, 2003). Para a definição de custo/aluno, foram consideradas as quantidades de recursos utilizados por aluno, no período de um ano. O divisor do custo foi o número de matrículas. No custo de pessoal estão inclusos os valores com salários, gratificações e encargos, ou seja, o valor bruto dos salários no período de um mês, multiplicado por 13,3 que corresponde a 12 meses + 13º salário + 1/3 de férias, multiplicando a seguir pelo fator 1,21, referente aos encargos patronais. Importante salientar que os salários do pessoal contratado através de terceirização e de estágios remunerados foram multiplicados por 12. 126 proejafinalpmd.pmd 126 18/11/2007, 19:31 Breve caracterização do Centro Federal de Educação Tecnológica de Bento Gonçalvs O Centro Federal de Educação Tecnológica de Bento Gonçalves é uma autarquia federal vinculada ao Ministério da Educação, detentora de autonomia administrativa, patrimonial, financeira, didático-científica e disciplinar, sendo supervisionado pela Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica do Ministério da Educação. Por suas características peculiares, mantém uma estrutura diferenciada em relação a outras instituições. Na sede, com 7,62 ha, localizada na área urbana do município de Bento Gonçalves, estão localizados a residência dos alunos, com 28 quartos, a residência do diretor, ginásio poliesportivo, sala de musculação, duas quadras de esportes descoberta, cantina de vinificação, agroindústria, Cooperativa Escola, Centro de Tradições Gaúchas (CTG), lavanderia, refeitório, copa/cozinha, auditório, biblioteca, 26 salas de aula, cinco salas de professores, sala de depósito, enfermaria, laboratórios de biotecnologia, biologia e química e dois laboratórios de informática. Conta, também, com uma estação experimental, no Distrito de Tuiuty, com 76,7 ha., onde são desenvolvidos os projetos de zootecnia, agricultura, viticultura e mecanização agrícola. O quadro de pessoal da Instituição é formado por 109 servidores ativos do quadro permanente, dos quais 69 são técnicos administrativos, 39 são professores; desses últimos são três de 3º Grau. Além do pessoal efetivo, o CEFET conta também com 11 professores em contrato temporário, 28 trabalhadores terceirizados e nove estagiários remunerados. O quadro docente do CEFET-BG é composto por 78,43% de efetivos, sendo que 55% dos mesmos possuem dez ou mais anos de experiência, fatores que contribuem para a oferta de um ensino de qualidade. Os professores contratados temporariamente representam 21,57% do quadro; a rotatividade provoca impactos negativos na qualidade de ensino oferecida, pois impede a aquisição da experiência profissional e prejudica a organização escolar, pela constante troca de pessoal efetuada, muitas vezes, no meio do ano letivo. É elevado o grau de qualificação dos docentes efetivos, sendo que 90% possuem curso de especialização, mestrado ou doutorado. Entre os técnicos administrativos efetivos, 46,38% possuem cursos de graduação ou mais. O alto grau de qualificação pode ser observado também entre os docentes contratados, dos quais 72,73% possuem cursos de pós-graduação. Esses níveis de escolaridade repercutem nos custos relativamente elevados do CEFET-BG, como veremos adiante. 127 proejafinalpmd.pmd 127 18/11/2007, 19:31 O regime de trabalho de todos os docentes efetivos é a dedicação exclusiva, o que possibilita uma maior qualidade do trabalho, uma vez que se dedicam a uma única escola. Dos contratados, quatro tem carga horária de 20 horas semanais e sete tem carga horária de 40 horas semanais. Os técnicos administrativos possuem regime de trabalho de 40 horas semanais, com exceção de dois funcionários cuja carga horária é de 30 horas semanais. O número de horas/aula ministrado pelos professores interfere na qualidade de ensino oferecida. É necessário que os mesmos tenham tempo disponível para realizar outras atividades e também para própria atualização profissional. A esse respeito, no CEFET-BG, o número de horas dos docentes em sala de aula varia de 22,5% a 60% da carga horária total semanal de trabalho. Em geral os docentes possuem tempo disponível para realizar atividades extra-classe, tais como planejamento e preparação de aulas, avaliação de alunos, atividades de pesquisa, extensão e administrativas. O salário pago aos servidores é o principal componente do custo e tem impacto decisivo no cálculo do custo/aluno/ano. Em 2006, o salário dos professores variou de R$ 1.008,23 a R$ 7.997,65 e o dos técnicos administrativos de R$ 1.464,13 a R$ 5.751,29. No Quadro 1 está demonstrado o quantitativo de pessoas em cada faixa salarial. Quadro 1 - Salários do Pessoal Docente e Técnicos Administrativos - CEFET-BG - 2006 Fonte: folha de pagamento do CEFET-BG Os servidores possuem um plano de carreira com níveis e padrões, nos quais são enquadrados conforme a qualificação profissional e o tempo 128 proejafinalpmd.pmd 128 18/11/2007, 19:31 de serviço. Reconhecer a qualificação pela ascensão funcional, garantida em plano de carreira, é condição de valorização e motivação profissional. A Instituição oferece cursos nas seguintes modalidades: Ensino Médio; Técnico em Enologia, concomitante e subseqüente ao Ensino Médio; Técnico em Agropecuária com habilitação em Agricultura e em Zootecnia, concomitante ao Ensino Médio; Técnico em Agropecuária com habilitação em Agricultura, Zootecnia e Agroindústria, subseqüente ao Ensino Médio; Técnico em Informática, subseqüente ao Ensino Médio; Tecnólogo em Viticultura e Enologia, PROEJA; em 2007 está ofertando o Curso Superior na área de Tecnologia em Alimentos. Ofertou também, em 2006, dois cursos técnicos em parceria com prefeituras municipais do estado. No município de Casca foram ofertadas 25 vagas para o Curso Técnico em Agropecuária com habilitação em agroindústria e, em Antônio Prado, 30 vagas para o Curso Técnico em Agropecuária com habilitação em agricultura. No ano de 2006 foi implantado o Ensino Médio Integrado à Formação Profissional na modalidade da Educação de Jovens e Adultos – PROEJA. Por meio de um sorteio, realizado publicamente com toda a comunidade, 35 alunos ingressaram nesse curso no 1º semestre de 2006, oriundos de um processo seletivo cujo número de inscritos havia sido de 58 candidatos. O curso iniciou como ensino médio integrado a uma formação profissional de Técnico em Comércio e Serviços, com duração de 4 semestres, totalizando 1.440 horas. Para a implantação do PROEJA no CEFET-BG, foram levados em consideração diversos fatores. O primeiro deles é que existia demanda de jovens e adultos egressos da EJA/ Ensino Fundamental que poderiam dar continuidade a sua formação através de um curso técnico que, além de elevar sua escolarização, contribuiria com sua qualificação profissional. Outro ponto foram os resultados obtidos em pesquisa realizada com alunos da EJA do Município, que apontou a necessidade de um curso técnico com direcionamento profissional para a área de comércio e prestação de serviços. Além dessa pesquisa, foram consultados o Sindicato dos Trabalhadores do Comércio e o Sindicato do Comércio Varejista de Bento Gonçalves. O resultado dessas consultas convergiu no sentido da necessidade permanente de atualização e aperfeiçoamento constante do profissional para o mundo do trabalho, sobretudo no setor de comércio. 4 No dia 25 de junho de 2005 foi publicada no Jornal Semanário uma matéria intitulada “Comércio precisa se qualificar”, na qual o coordena4 Plano de Curso PROEJA do CEFET-BG (2006) 129 proejafinalpmd.pmd 129 18/11/2007, 19:31 dor da pesquisa sobre a “Hierarquia Sócio-Econômica de Bento Gonçalves”, Prof. Jorge Thums, afirma que “Ao contrário do que ocorre na indústria e na prestação de serviços, o comércio não se qualifica, não se aperfeiçoa. O resultado é um atendimento e, por conseqüência, um desempenho amador”. O diagnóstico foi ratificado em 13 de janeiro de 2006, com a publicação de outra matéria noticiando que “Apesar do aumento de vagas, Bento Gonçalves carece de profissionais qualificados”, e que, “os cursos profissionalizantes não estão preenchendo as demandas”. As empresas, segundo a matéria, “estão em busca de profissionais que detenham conhecimento na sua área de atuação, tanto na área administrativa e técnica quanto nos setores comercial e industrial”. Além disso, as novas tendências do mundo do trabalho apontam para a necessidade de pessoas com visão empreendedora, que participem de todos os processos da empresa, desde a gestão até o varejo, contribuindo para o crescimento e desenvolvimento de todos os setores. Ressaltou-se ainda a necessidade de profissionais qualificados para atuar nas áreas de comércio e serviços pela forte representatividade desses setores na composição da economia do município, respectivamente 5,35% e 31,95%, no ano de 2005. A distribuição dos alunos pelas diferentes modalidades de ensino e de educação profissional do CEFET-BG pode ser visualizada no Quadro 2. Quadro 2 - Número de Matrículas e de Turmas, Número Médio de Matrículas por Turma, por Etapa ou Modalidade de Educação Oferecida – CEFET-BG – 2006 Fonte: Secretaria do CEFET-BG Dos estudantes que freqüentam a escola, 50,18% o fazem em turno integral, conforme se observa no Quadro 3. Cabe observar que a oferta em turno integral é fator que contribui para elevação do custo/aluno. 130 proejafinalpmd.pmd 130 18/11/2007, 19:31 Quadro 3 - Turno de Funcionamento por Etapa ou Modalidade de Educação Oferecida CEFET-BG – 2006 Fonte: Secretaria do CEFET-BG Como pode ser verificado no Quadro 2, o número médio de matrículas por turma é de 27,6. Outros dados são importantes pelo fato de influenciarem mais diretamente os valores de custo aluno/ano da instituição: o número médio de matrículas por docente ficou em 21,37 em 2006; o número de matrículas por pessoal não docente foi de 10,28; o número de matrículas dividido por todos os profissionais (docentes e não-docentes) resultou 6,94. Outro tema pesquisado foi a gestão financeira da Instituição, detalhando o montante de recursos financeiros recebidos e gerados pela Instituição e, complementarmente, a distribuição desses recursos por itens de despesa. Constatou-se que a maior parcela de recursos é repassada pela mantenedora, ou seja, pelo Ministério da Educação, e que a gestão desses recursos é feita pelo próprio CEFET. O orçamento previsto na Lei Orçamentária Anual, para o ano de 2006, foi de R$ 11.363.017,00. No decorrer do exercício, foram recebidos créditos suplementares no valor de R$ 642.984,70, dentre os quais o valor de R$ 58.500,00 destinados à implantação do PROEJA; esses últimos foram alocados em reestruturação física, orientação pedagógica para implantação do PROEJA e aquisição de materiais de expediente. Os recursos destinados ao CEFET-BG totalizaram R$ 12.006.001,70, tendo sido executados 99% desse valor, nos itens explicitados no Quadro 4. 131 proejafinalpmd.pmd 131 18/11/2007, 19:31 Quadro 4 - Demonstrativo Orçamentário / Financeiro Executado – CEFET –BG 2006 * Fonte: Balanço Orçamentário 2006 O valor da receita própria arrecadada foi de R$ 310.427,19, o que representa 2,6% dos mais de 12 milhões recebidos em 2006, ou seja, a instituição se mantém majoritariamente com recursos repassados pela mantenedora. Custos educacionais no CEFET-BG em 2006 Os custos educacionais do CEFET-BG totalizaram R$ 8.177.721,79, sendo que o custo do pessoal foi de R$ 5.969.736,91, representando 73% do total; a categoria outros custos totalizou R$ 2.207.984,88, representando 27%. Dos R$ 5.969.736,91 de custo do pessoal, 43,24% são custos do pessoal docente, ou seja, R$ 2.581.059,87. O custo do pessoal não-docente ficou em R$ 3.388.677,04. O total do custo dividido pelo número de alunos (custo/aluno/ano), em 2006, foi de R$ 7.502,50, sendo o resultado da divisão do custo total por 1090, que foi o número de matrículas efetuadas. Quadro 6 - Custo/Aluno/Ano por Categoria CEFET-BG – 2006 Em R$ e % 132 proejafinalpmd.pmd 132 18/11/2007, 19:31 Comparando os dados dessa pesquisa com aqueles da pesquisa anterior realizada no CEFET (LEVANTAMENTO, 2004), verifica-se que na pesquisa que contém dados de custos de 2003 o custo do pessoal docente era superior ao do pessoal não docente, ocorrendo uma inversão dessa condição no ano de 2006. Atualmente, o custo/aluno/ano do pessoal representa 31,56%, enquanto que o percentual do custo/aluno/ano do pessoal não-docente ficou com a proporção de 41,44% (Quadro 6). O Quadro 7 sintetiza o custo/aluno/ano estimado, a média do total e de cada modalidade do ensino oferecida no CEFET-BG. O custo dos não-docentes não apresenta variações significativas, uma vez que o trabalho desses em geral direciona-se ao atendimento de todas as modalidades. Diferenças de custos mais marcantes encontram-se no custo dos docentes, que varia de acordo com a carga horária dos professores e o número de matrículas de cada modalidade. O Ensino Médio possuía apenas 196 matrículas que foram atendidas por 20 professores, sendo que 16 deles atendem apenas a essa modalidade, ao custo total de R$ 928.687,44. Cada professor atendeu apenas 9,8 alunos, o que contribuiu para elevação do custo nessa modalidade, pois quanto menos alunos por docente maior será o custo. Quadro 7 - Custo/Aluno/Ano por Modalidade de Ensino – 2006 Em R$ O Ensino Técnico apresentou o segundo maior custo dentre as modalidades. As 604 matrículas foram atendidas por 28 professores, sendo que 19 deles atendem apenas a essa modalidade, a um custo de R$ 1.271.965,29, sendo que a média de alunos atendidos por professor foi 21,57. A elevação do número de alunos por docente ocasionou a 133 proejafinalpmd.pmd 133 18/11/2007, 19:31 diminuição relativa desse custo, conforme podemos verificar no Quadro 7, mas não baixou o custo com pessoal não docente, uma vez que este foi rateado de acordo com o percentual das matrículas na modalidade em relação ao total. Situação semelhante aconteceu com o custo do Ensino Tecnológico. Nessa modalidade foi registrado o atendimento de 22,4 alunos por professor, o custo ficou em R$ 329.553,58, o qual, dividido pelo número de alunos, resultou em R$ 6.274,01. O PROEJA apresentou o custo mais baixo da pesquisa, apesar de cada professor ter atendido apenas 6,6 alunos, fator que contribuiria para elevar os custos. Tal fato foi ocasionado pela baixa carga horária do pessoal docente, uma vez que esses não se dedicam exclusivamente a essa modalidade. Tendo seus salários rateados, geraram um custo de apenas R$ 50.853,56, que reduziu consideravelmente o custo com docente relativamente às demais modalidades. Comentários finais O objetivo central da pesquisa da qual parte dos resultados são apresentados nesse artigo, foi o levantamento e análise dos custos educacionais do Centro Federal de Educação Tecnológica de Bento Gonçalves, atualizando o Levantamento do Custo/aluno realizado pelo Núcleo de Estudos de Política e Gestão da Educação, da UFRGS, em 2003, (LEVANTAMENTO, 2003); também foi um objetivo verificar se existiam algumas condições consideradas indispensáveis para oferta de um ensino de qualidade, tais como a instalações adequadas, qualificação dos docentes, quadro de pessoal efetivo da instituição, o regime de trabalho adotado, a carga horária disponível para realizar atividades fora da sala de aula e características do plano de carreira dos servidores . O CEFET-BG conta com uma infra-estrutura muito boa e com equipamentos disponíveis para a realização das aulas práticas necessárias aos cursos profissionais. Além do ensino técnico, oferece também o ensino médio, o tecnológico em nível superior e o PROEJA, que asseguram aos alunos tanto a possibilidade de continuar os estudos como a habilitação para o ingresso no mercado de trabalho. O nível de formação dos professores, considerado como indicador de qualidade essencial, é bastante elevado. Os docentes trabalham em regime de dedicação exclusiva, ou seja, trabalham apenas para o CEFET, assim como possuem tempo disponível para realizar atividades extra sala 134 proejafinalpmd.pmd 134 18/11/2007, 19:31 de aula.. Além disso, percebem remunerações relativamente elevadas e contam com um plano de carreira, que são fatores que também contribuem para a oferta de um ensino de qualidade. Acrescente-se que o quadro docente do CEFET-BG é composto por 78,43% de efetivos, sendo que 55% dos mesmos possuem dez ou mais anos de experiência. O custo/aluno/ano médio da Instituição ficou em R$ 7.502,50, sendo o resultado da divisão do custo total por 1090, que foi o número de matrículas efetuadas em 2006. O custo/aluno/ano também foi calculado por modalidade de ensino, ficando assim distribuído: Ensino Médio, R$ 10.749,03; Ensino Técnico, R$ 7.143,32; Ensino Tecnológico, R$ 6.274,01; PROEJA, R$ 5.317,71. São exploradas condições da oferta educacional no CEFET que explicam mais diretamente as diferenças de custos entre as modalidades, apontando-se que essas estão associadas ao custo dos docentes, que varia de acordo com a carga horária e o número de matrículas atendidas por eles em cada modalidade. Desse modo, o custo mais elevado é o do Ensino Médio, seguindose o Técnico e o Tecnológico, gradação que acompanha as diferenças de número de alunos por docente e de carga horária dos docentes dedicada a cada modalidade. O PROEJA apresentou o custo mais baixo da pesquisa; embora a relação número de alunos por docente seja relativamente mais baixa, 6,6 alunos, a carga horária do pessoal docente dedicada a essa modalidade foi mais reduzida, se confrontada às demais modalidades, gerando o custo menor. Pelos dados coletados e sistematizados na pesquisa, é possível dizer que o CEFET-BG é uma Instituição cujas condições de oferta educacional podem ser adjetivadas como de qualidade, gerando um custo por aluno que pode ser considerado elevado se confrontado, por exemplo, com instituições educacionais estaduais Ensino Médio e Ensino Técnico. Tal configuração deve ser entendida no marco de uma instituição cujas atividades abrangem, além do ensino, a pesquisa e a extensão, o que remete a relativizar os dados de custo por aluno. Esses não dão conta dos benefícios auferidos por tal ou qual montante e perfil de custos. Para instituições como o CEFET-BG seriam necessários levantamentos e avaliações de custos que extrapolassem o indicador já consagrado de custo/aluno/ano, uma vez que os beneficiários do trabalho institucional não são apenas os alunos da instituição, mas todos aqueles favorecidos pelas ações de pesquisa e extensão. Pode-se dizer que esse é um desafio para os pesquisadores que tem se debruçado sobre o tema 135 proejafinalpmd.pmd 135 18/11/2007, 19:31 dos custos educacionais, quer dizer, desenvolver metodologias e indicadores que ponderem ou possam ir além do indicador custo por aluno. De outra parte, entende-se que o oferecimento do PROEJA no CEFET de Bento Gonçalves foi oportuno. Do ponto de vista da capacidade institucional, incluindo a dimensão dos custos, verifica-se que essa oferta era e é totalmente viável, vindo a fortalecer suas atribuições de atendimento na formação geral e profissional de um modo que acolhe demandas da sociedade local e de usufruto do direito à educação de jovens e de adultos. Referências CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DE BENTO GONÇALVES. Plano de Curso PROEJA (documento em construção). Bento Gonçalves, CEFET-BG, 2006. FABRIS, Rosane. Custo Aluno no Centro Federal de Educação Tecnológica de Bento Gonçalves. Porto Alegre, UFRGS/FACED, 2007 (Monografia de conclusão do Curso de Especialização em Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio na Modalidade Educação de Jovens e Adultos). FARENZENA, Nalú. A Política de Financiamento da Educação Básica: rumos da legislação brasileira. Porto Alegre, Editora da UFRGS, 2006. LEVANTAMENTO do custo aluno/ano em escolas da educação básica que oferecem condições para oferta de ensino de qualidade. Porto Alegre, UFRGS/ FACED/Núcleo de Estudos de Política e Gestão da Educação, coord. de Nalú Farenzena, 2004. 136 proejafinalpmd.pmd 136 18/11/2007, 19:31 TRABALHO E EDUCAÇÃO: MEDIAÇÕES E RELAÇÕES NECESSÁRIAS A O PROEJA AO 137 proejafinalpmd.pmd 137 18/11/2007, 19:31 Estudantes de PROEJA do CEFET-BG: uma mediação entre escola e trabalho Milene Vânia Kloss1 Naira Lisboa Franzoi2 O homem, o capitalismo e o trabalho Infelizmente, hoje em dia é comum perceber tratamentos desiguais nas relações de trabalho. O patrão geralmente compra de seu trabalhador o máximo de tempo de serviço possível a preços irrisórios, preocupando-se primordialmente em obter lucro. Muitas vezes, essa figura de poder acaba desconsiderando o caráter humano do indivíduo responsável pela produção e pela manutenção da empresa, indústria, etc. Com isso, o trabalho assalariado fica seriamente comprometido, obedecendo à lei da oferta e da procura, pois, segundo Frigotto (2001, p. 32), pode mais aquele trabalhador que é mais qualificado, que não só entende de informática, por exemplo, mas que também apresenta “atributos intelectuais e psicossociais” mais evoluídos do que a força física. No entanto, apesar dessa atual exigência do mercado - uma tendência que surgiu, por assim dizer, com a globalização -, a qualificação profissional não tem solucionado o problema do aumento do desemprego, pois o sistema produtivo não comporta grandes massas de trabalhadores estáveis, restando aos excluídos submeter-se a empregos de tempo parcial, terceirização e trabalho autônomo. As relações sociais capitalistas nos dias de hoje, demonstram uma grande capacidade de produção de mercadorias (que não são usufruídas igualitariamente por todos), 1 Professora do CEFET de Bento Gonçalves, Especialista em Educação PROEJA pela turma de Bento Gonçalves. 2 Professora da Faculdade de Educação / UFRGS, Dra em Educação, orientadora do Trabalho de Conclusão de Curso da autora do presente artigo. 138 proejafinalpmd.pmd 138 18/11/2007, 19:31 de concentração de riquezas, de conhecimento e de poder. Elas revelam, com mais intensidade, toda sua natureza anti-social e anti-humana, sendo incapaz de distribuir e de socializar a produção para o atendimento das necessidades humanas básicas, como a alimentação e a moradia. Além disso, essas relações privam o homem de exercer aquilo que não somente dá suporte para sua existência e subsistência, mas que o torna ser social: o trabalho. Para Castel (1998, p. 18), “o trabalho permanece como referência dominante não somente economicamente como também psicologicamente, culturalmente e simbolicamente, fato que se comprova pelas reações daqueles que não o tem”. Ele é tão fundamental para o homem quanto o ar que ele respira, constituindo-se na especificidade humana que a diferencia dos animais. Para Frigotto (2005, p. 70), a ciência e a técnica ironicamente foram as grandes colaboradoras para o aumento da crise do trabalho assalariado. Isso porque, ao invés de possibilitarem uma melhor qualidade de vida, para que o homem possa dispor de tempo livre, tempo de fruição e de lazer, elas produziram, sob as relações do capitalismo, o desemprego estrutural ou o trabalho precarizado. Diante desse quadro social, é preciso que buscar alternativas que amenizem as dores sociais causadas pelo desemprego e pelo capitalismo. A escola surge como uma das principais formas de resistência, pois ela pode oferecer novos horizontes, principalmente para a classe trabalhadora, através do conhecimento, da promoção de valores e do estimulo ao estudo e ao pensar criativo. Conforme Arroyo (1991, p. 01), esse trabalho escolar já está sendo feito, uma vez que o trabalho moderno vem constituindo trabalhadores novos em consciência, com novo saber, nova capacidade de entender-se e de entender a realidade, as leis e a lógica que governa a natureza e a sociedade. Estudantes de PROEJA do CEFET-BG O PROEJA foi instituído no Centro Federal de Educação Tecnológica de Bento Gonçalves (CEFET-BG), em março de 2006. Ele obedece aos decretos 5.154, de 23 de julho de 2004, e 5.840, de 13 de julho de 2006, que prevêem qualificação profissional e elevação de escolaridade para boa parte dos trabalhadores brasileiros, acima de 18 anos, que não conseguiram concluir o ensino médio regular. Conforme dispositivos legais, o programa é integrado ao ensino médio, totalizando uma carga horária de aproximadamente 2.000 horas. O curso de “Técnico em Comércio e Serviços” está em fase final de construção, carecendo 139 proejafinalpmd.pmd 139 18/11/2007, 19:31 de alguns ajustes que, provavelmente, serão feitos até o final de 2007. A opção pela área de comércio e serviços é uma tentativa de atender as necessidades da comunidade local. Ela resultou de uma pesquisa, através da aplicação de questionário, feita com empresas, com a Câmara da Indústria e do Comércio (CIC) e com moradores do município. O curso divide-se em seis módulos e tem duração de três anos, sendo que, ao concluí-lo, o aluno “fará jus à obtenção de diploma com validade nacional, tanto para fins de habilitação na respectiva área, quanto para certificação de conclusão do ensino médio, possibilitando o prosseguimento de estudos em nível superior” (Art. 6°, Decreto 5.478/05). Acredita-se que não se deve restringir a educação dos trabalhadores a uma profissionalização somente para atender às demandas do mercado de trabalho. Precisa-se de uma formação que ajude a concretizar o que Nosella (2006, p. 02) chama de “ciclo de interação homemnatureza-sociedade”. Para esse pesquisador, a “escola-do-trabalho” deve educar não só para a produção, mas também para a fruição e para a expressão e comunicação. Isto é, a escola precisa oferecer uma formação mais abrangente, que possibilite a todo o cidadão “comunicar-se com propriedade, produzir algo útil para si e para outros e usufruir os prazeres simples e elevados que a cultura e o planeta dispõem”. Em tese, essa árdua tarefa caracteriza o trabalho que deve ser desenvolvido com os estudantes do PROEJA, pois o programa pretende, entre outras coisas, resgatar a cidadania de uma parcela da população que vem aumentando os índices estatísticos de exclusão educacional do país. Para que esta formação se efetive, é necessário que o currículo do PROEJA alie os conhecimentos já adquiridos de seu público e relacioneo a teorias científicas, tecnológicas e sociais. Surgem então alguns questionamentos: essa integração está ocorrendo de fato? Como os alunos a estão percebendo? De que forma eles estão se beneficiando dela? Será que o programa os faz sentir cidadãos? Na tentativa de responder a essas perguntas, aplicou-se um questionário junto ao grupo, que participou também de um debate em sala de aula. Esse questionário foi respondido por dezenove estudantes presentes naquele momento, sendo todos eles residentes em Bento Gonçalves. A maioria dos entrevistados são mulheres, assim como o são em relação ao grupo. A faixa etária de doze (12) estudantes está entre 20 e 40 anos. Quatro (4) encontram-se na faixa etária entre 15-20 e os três (3) restantes entre 40-50 anos de idade. Portanto, esse é o perfil geral da turma: feminina e adulta. Dentre os entrevistados, quinze (15) estão inseridos no mercado de trabalho, sendo (4) autônomos e os demais empregados assalariados. A 140 proejafinalpmd.pmd 140 18/11/2007, 19:31 grande parte deles, apesar das particularidades de cada resposta, afirmou que o principal motivo que os faz cursar o PROEJA é a necessidade de retomar os estudos, aperfeiçoando seus conhecimentos. Esta necessidade está relacionada à idéia de profissionalização, como meio de conseguir oportunidades de trabalho melhores do que as atuais. Por um lado isso confirma a afirmação de Frigotto, já citada na página 8 deste artigo, de que os trabalhadores precisam de uma formação profissional para uma inserção no mercado de trabalho. Mas, por outro lado, estas respostas expressam uma idéia generalizada na sociedade de que é a falta de qualificação que gera o desemprego. Assim, os trabalhadores se sentem responsáveis por sua “empregabilidade”. Essa procura por qualificação corrobora o “Tema Gerador”3 escolhido pelo grupo. Segundo Paulo Freire (2003: p. 87), tema gerador é a investigação do que ele chama de universo temático, ou temática significativa do povo. Trata-se do diálogo da educação como prática da liberdade, proporcionando também “a tomada de consciência dos indivíduos em torno dos temas geradores”. Dessa forma, em uma tentativa de sintetizar as necessidades e os anseios dos estudantes, os docentes destacaram a fala de um dos alunos que, segundo eles, demonstra a urgência que o grupo tem de se profissionalizar: “O mercado de trabalho tá sendo competitivo e precisamos da educação para isso”. A frase deixa transparecer a idéia que os estudantes têm, impregnada de senso comum, de que somente a qualificação profissional lhes trará emprego. Não se pôde, entretanto, verificar como esse tema gerador foi abordado pelos professores. Acredita-se que só viria na direção de uma formação omnilateral, na medida em que propiciasse aos alunos entenderem que a sua formação deve ser para além do mercado de trabalho. Sabe-se que, apesar de necessária, a realidade tem mostrado que a qualificação por si só já não é suficiente. É preciso ir além, buscando alternativas que despertem a consciência crítica, possibilitando a descoberta de novas formas de subsistência. A educação escolar, primeiramente, deve priorizar o crescimento humano para somente então voltar-se ao mercado de trabalho. Nesse segundo momento, espera-se que o ensino assuma “uma postura epistemológica e ontológica que foge dos padrões tradicionais, estabelecendo um diálogo entre o conhecimento produzido/adquirido no mundo do trabalho e o conhecimento escolar” (ARANHA, 2003, p. 105). O PROEJA 3 CEFET de Bento Gonçalves. Sistematização do trabalho realizado durante o 1° semestre do PROEJA. Agosto de 2006. 141 proejafinalpmd.pmd 141 18/11/2007, 19:31 pode ser considerado como uma tentativa de resgatar a educação básica articulando-a ao mundo do trabalho, da cultura e da ciência. Trata-se de um ensino médio integrado apresentado para essa turma como uma chance que os indivíduos têm de tornarem-se, conforme Frigotto (2005, p.74), “sujeitos emancipados, criativos e leitores críticos da realidade onde vivem e com condições de agir sobre ela”. O autor ainda afirma que a população precisa se dar conta de que a pedagogia das competências, da empregabilidade, do empreendedorismo e da idéia que cursinhos curtos profissionalizantes os levam mais rapidamente ao emprego, não passam de “entulho ideológico” imposto pelas classes dominantes. Para ele, somente a educação básica de qualidade, aliada a uma mudança no interior da organização escolar, envolvendo, entre outras coisas, formação dos educadores e suas condições de trabalho, podem promover justiça social. Ao que tudo indica, o primeiro ano de curso teve uma influência consideravelmente positiva sobre a turma, cumprindo com seu papel no que diz respeito à formação humana. No que se refere ao questionário aplicado, chama a atenção, a resposta dada à pergunta de número 7, em que a questão do crescimento pessoal está fortemente presente, sendo uma conclusão praticamente unânime entre o grupo. Houve uma mudança de atitude ao longo de 2006, fazendo-os perceber algo novo: a possibilidade de a formação educacional lhes propiciar qualidade de vida. No início, a preocupação maior era a profissionalização, agora ela cede um pouco mais de espaço para outras necessidades, como o desenvolvimento das habilidades comunicativas e das relações interpessoais. Esse tipo de comportamento vem a ser uma das características que compõem o perfil do egresso do PROEJA, estipulado pela instituição, com base na CNE/CEB n°11/00. Assim, o aluno, ao concluir seus estudos, deverá estar apto a uma releitura de mundo no qual está inserido para ser capaz de construir “conhecimentos, habilidades e valores que transcendam os espaços formais da escolaridade e o conduzam à realização de si mesmo e ao reconhecimento do outro como sujeito” (Parecer CNE/CEB n°11/00). 4 Já, às questões de números 8 e 9, que abrangem o mundo do trabalho, referindo-se ambas, respectivamente, à conquista e troca de emprego, foram dadas respostas vagas e contraditórias. Por isso, levantaram-se algumas possibilidades que vão desde a má elaboração das perguntas – 4 Plano do Curso de Ensino Médio Integrado à Formação Profissional na Modalidade da Educação de Jovens e Adultos – PROEJA: Assistente em Comércio e Serviços. Centro Federal de Educação Tecnológica de Bento Gonçalves. Fevereiro de 2006. pg. 11. 142 proejafinalpmd.pmd 142 18/11/2007, 19:31 talvez carentes de objetividade – às dificuldades de interpretação textual. Porém, há uma hipótese que não pode ser esquecida: a turma, desde o início de suas aulas, teve que responder a infindáveis questionários e já demonstrava pouco interesse e até insatisfação por ter que responder a mais algum. Apesar das adversidades, pode-se perceber, a partir das respostas, que a satisfação por poder freqüentar o curso permanece. Decidiu-se então fazer nova entrevista com a turma, dando maior ênfase à questão do trabalho como formação humana. Através de um debate realizado em sala de aula, preferencialmente com os quinze estudantes que estão trabalhando, as relações entre escola e trabalho foram discutidas, propondo-se duas perguntas inversas: 1) O que vocês e os seus professores aproveitam da experiência de trabalho no PROEJA? 2) O que vocês e os seus professores aproveitam da experiência do PROEJA no trabalho? A discussão estendeu-se durante todo um período de aula e, apesar da pouca atenção dispensada à primeira pergunta, surgiram comentários que envolveram, primordialmente, as áreas da matemática, das linguagens, da sociologia e da psicologia. No que se refere à Matemática, eles descreveram as relações que geralmente estabelecem entre as operações matemáticas e o raciocínio lógico utilizados no cotidiano com o conhecimento teórico de sala de aula, afirmando que a prática do dia-adia os ajudava no entendimento da disciplina. Da mesma forma, eles mencionaram as Línguas Estrangeiras5, lembrando de rótulos de produtos e manuais que já tiveram que interpretar; o que lhes garantiu um conjunto vocabular que hoje os ajuda na aquisição de outros mais. Com as áreas da sociologia e da psicologia não foi diferente, sempre destacando as relações interpessoais, os estudantes lembraram fatos que envolveram pontualidade, assiduidade, maturidade e experiência de vida. Fatos que hoje eles dizem não querer esquecer, procurando aplicar e desenvolver o lado positivo de suas vivências para melhor conviver com os colegas e os professores. Nota-se que tais relações, quando incentivadas pelo professor, melhoram a auto-estima dos estudantes, pois estes percebem que os seus saberes tem valor e contribuem para o desenvolvimento do conteúdo trabalhado na aula. Porém, a turma afirmou que nem todos os docentes fazem uso dessa prática, estratégia de ensino, deixando transparecer que, para alguns, estes são ainda trabalhos isolados, eventuais. Em uma tentativa de contrapor essa afirmação com o depoimento de alguns docentes, verificou-se que para estes, ao contrário da afirma5 O currículo do Curso abrange os idiomas de Língua Inglesa e de Língua Espanhola. 143 proejafinalpmd.pmd 143 18/11/2007, 19:31 ção do grupo, a experiência cotidiana dos alunos é uma constante no ambiente de ensino. Eles afirmaram que muito frequentemente pedem aos discentes que falem sobre alguma de suas vivências que exemplifique o conteúdo proposto no momento. A professora de Economia Solidária afirmou que “os alunos acabavam falando mais do que deviam” e por causa disso, muitas vezes, o conteúdo não rendia. Ela afirmou ainda, que a turma não apresenta dificuldades na disciplina de empreendedorismo. Da mesma forma, o professor de História citou o exemplo de uma situação em que a História da Antiguidade estava sendo trabalhada. Segundo ele, ao propor um debate sobre a democracia ateniense, relacionando-a com a democracia atual; a turma obteve êxito no desenvolvimento da tarefa, pois soube utilizar seus conhecimentos de mundo, construindo assim argumentações consistentes. A partir dos comentários e exemplos dados por esses colegas, percebe-se que há uma tentativa de tratar o cotidiano como assunto de aula, bem como o saber que ele abarca. Resta averiguar até que ponto esses assuntos são relevantes o suficiente para a prática de trabalho desses trabalhadores, ou melhor, até que ponto os professores conseguem estabelecer uma relação frutífera entre o conhecimento de vida e o conhecimento científico desenvolvido no curso. Talvez, pelo fato de o PROEJA ser uma proposta pedagógica nova, ainda em construção, surge a grande dificuldade que é partir do saber dos alunos para elaborar um currículo ou uma prática de sala de aula. Sem dúvida nenhuma esses adultos têm experiências e a escola tradicionalmente desconhece isto. Para Yves Schartz (2003, p. 33), “as instituições do saber são conduzidas a subestimar ou até mesmo desprezar a consideração desse re-trabalho do saber, recusando o desconforto salutar ao qual, ao contrário, ele conduz”. Este é o grande desafio de trabalhar uma educação profissional com alunos-trabalhadores. Resta, portanto, promover uma discussão entre os discentes e a instituição com o objetivo de averiguar o andamento do processo e as reformas necessárias, re-avaliando o currículo e a proposta pedagógica atual do curso, somente assim a “escola-do-trabalho”, definida por Nosella, terá chances de tornar-se realidade. A opção pelo curso “Técnico em Comércio e Serviços” parece corresponder às necessidades imediatas de trabalho do grupo, pois a maioria dos estudantes realmente atua na área de prestação de serviços. São trabalhadores de lojas, padarias, imobiliárias, casas de família, comerciantes e autônomos. No entanto, ainda repensando o programa em conformidade com as necessidades e a realidade local, sabendo que o 144 proejafinalpmd.pmd 144 18/11/2007, 19:31 município é conhecido como a capital nacional do vinho, questiona-se o fato de um centro de excelência em enologia, como o CEFET de Bento Gonçalves, não oferecer esse curso também em forma de PROEJA. Não será esta uma atitude preconceituosa, que encara o PROEJA como um curso de segunda categoria para cidadãos de segunda categoria? Se assim for, esse não é um problema exclusivo do CEFET-BG, mas sim de toda uma sociedade e políticas públicas que historicamente atribuem à educação de jovens e adultos um lugar menor. Coloca-se, portanto, para o grupo de gestores e professores do CEFET-BG a necessidade de aprofundamento dessa questão. Em relação à segunda pergunta, em que se questionou a turma e os professores sobre o aproveitamento que eles faziam da experiência do PROEJA no trabalho, surgiram várias situações e exemplos que favoreceram a criação de um mapa semântico, indicando um movimento que se desloca do PROEJA para o trabalho. A partir desse mapa, pode-se ter uma noção mais clara sobre os conceitos que os estudantes disseram ter desenvolvido a partir da experiência com o PROEJA. A começar pela cidadania, mencionada por um dos estudantes e desenvolvida pelos demais, eles apontaram questões como o respeito pelas diferenças, o ser mais tolerante com o próximo e sentir-se parte ativa na sociedade. Da mesma forma, apontaram para o desenvolvimento de suas habilidades escrita e oral. Afirmaram também que com as aulas muitas das ações que antes não lhes chamavam a atenção, parecendo triviais, tornaram-se ações conscientes e racionais como, por exemplo, situações do dia-a-dia que envolviam pensamento lógico, físico e matemático. Em relação à qualidade de vida, foram citados vários exemplos, principalmente vindos da biologia, situações envolvendo doenças e cuidados higiênicos. Um dos estudantes mencionou o fato de nunca ter se importado com o prazo de validade dos produtos que consumia, mas, por causa das aulas, passou a ter um cuidado maior na hora de ir às compras. Ao se falar sobre auto-estima foi praticamente unânime entre a turma a afirmação de que o PROEJA os faz sentir pessoas melhores, 145 proejafinalpmd.pmd 145 18/11/2007, 19:31 mais cultas. Hoje, eles se dizem satisfeitos com sua opção de retomar os estudos e expressam inclusive a intenção de dar continuidade ao seu desenvolvimento intelectual, almejando cursos de nível superior. Esse dado justifica a existência do curso, confirmando o proposto no artigo 37 da LDB que determina que “cursos e exames são meios pelos quais o poder público deve viabilizar o acesso do jovem e adulto na escola de modo a permitir o prosseguimento de estudos em caráter regular tendo como referência a base nacional comum dos componentes curriculares”. Além disso, eles afirmaram saber-se reconhecidos, principalmente, em ambiente familiar. Segundo eles, são os parentes próximos que percebem com facilidade as mudanças de comportamento e postura, ocorridas desde a sua inscrição no curso. Entretanto, apenas alguns disseram ter recebido elogios no local de trabalho, o que talvez indique a falta de “reconhecimento” do programa por parte da comunidade local, falta saber se isso ocorre no sentido literal e/ou valorativo do termo. Dados que abordam a melhora na auto-estima do grupo também podem ser confirmados a partir das respostas fornecidas às questões de números 10 e 11, no questionário em anexo. Constatou-se a mudança de postura em relação a si mesmo em dezembro de 2006, durante a apresentação do trabalho de conclusão do semestre. A atividade envolveu todas as disciplinas do curso em uma proposta interdisciplinar, sendo que sua principal tarefa consistia na elaboração e apresentação de um projeto de microempresa. Assim, para o desenvolvimento escrito do projeto, eles tiveram que fazer uso das competências de Língua Portuguesa; para a formatação do trabalho em PowerPoint recorreram à disciplina de Informática; Economia Solidária foi o módulo responsável pelo projeto em si e envolveu os conhecimentos da Matemática para a elaboração de gráficos e de estatísticas; a Biologia marcou forte presença nos trabalhos que optaram por microempresas do ramo alimentício, com destaque para questões que envolveram vigilância sanitária; e assim o foi em relação a todos os demais módulos. As apresentações ocorreram no auditório da escola, foram filmadas e contaram inclusive com banca avaliadora, formada pelo próprio corpo docente do PROEJA. O projeto foi um sucesso, pois os alunos perceberam sua capacidade de realizar um trabalho em grupo, de qualidade, superando seus limites. Muitos deles, no início do curso, não conseguiam nem mesmo segurar o mouse do computador. Além disso, houve a exposição pessoal em grande grupo, que afirmaram ter sido uma experiência única até aquele momento. Devido a essa atividade, eles disseram-se capa- 146 proejafinalpmd.pmd 146 18/11/2007, 19:31 zes de perceber com mais clareza a relação existente entre a teoria trabalhada em sala de aula e a sua prática. Ao final das apresentações, a expressão de satisfação era visível em seus rostos como manifesto de dever cumprido. Em momentos como este, percebe-se a escola assumindo sua função humanizadora, “educando o homem na realização do processo completo do trabalho: se comunicar, produzir e usufruir” (NOSELLA, 2006, p. 02). Nesse dia houve comunicação, pois cada grupo ao apresentar seu trabalho interagiu com os colegas e professores, expressando e explicando suas idéias. Eles produziram seu trabalho intelectual e usufruíram do prazer de ter seu esforço reconhecido. Esse tipo de atividade é um importante passo rumo à interação que se pretende constantemente em uma “escola-do-trabalho” e que o PROEJA do CEFET-BG está se esforçando para buscar. Porém, ela não esgota a necessidade de trazer para dentro da escola as situações de trabalho que não podem ser encaradas como experimentação, mas como experiência humana. Considerações finais Ao analisar o modo com que os estudantes da primeira turma de PROEJA do CEFET-BG relacionam o curso de “Técnico em Comércio e Serviços” com sua experiência de trabalho e de vida, verificou-se que o curso parece corresponder às necessidades de trabalho imediatas do grupo, sendo que a maioria deles atua na área de prestação de serviços. Além disso, ficou claro que o programa de certa forma os faz sentir cidadãos melhores, pois tem contribuído com seu crescimento pessoal fazendo-os perceber que a formação educacional propicia qualidade de vida. No entanto, para essas pessoas, a necessidade de retomar os estudos e aperfeiçoar seus conhecimentos ainda está relacionada à idéia de profissionalização, como meio de conseguir melhores oportunidades de trabalho. Eles se sentem responsáveis por sua empregabilidade e acreditam que a qualificação solucionará seus problemas. Resta à escola amenizar as dores sociais causadas pelo desemprego e pelo capitalismo, oferecendo novos horizontes através do conhecimento, da promoção de valores e do estímulo ao estudo e ao pensar criativo. 147 proejafinalpmd.pmd 147 18/11/2007, 19:31 Referências ANTUNES, Ricardo. Trabalho e precarização numa ordem neoliberal. In: Gentili, Pablo; Frigotto, Gaudêncio (orgs.). A cidadania negada. São Paulo: Cortez; [Buenos Aires, Argentina]: CLACSO, 2002. ARANHA, Antônia Vitória Soares. Relação entre o conhecimento escolar e o conhecimento produzido no trabalho: dilemas da educação do adulto trabalhador. In: Trabalho & Educação – vol. 12, n°1 – janeiro/junho, 2003. 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Trabalho e perspectivas de formação dos trabalhadores: para além da formação politécnica. In: Conferencia realizada no I Encontro Internacional de Trabalho e Perspectivas de Formação dos Trabalhadores promovida pelo LABOR, de 07 a 09 de Setembro de 2006, na Universidade Federal de Fortaleza – CE. SCHWARTZ, Yves. Trabalho e saber. In: Trabalho & Educação – vol. 12, n°1 – janeiro/junho, 2003. 148 proejafinalpmd.pmd 148 18/11/2007, 19:31 A ECONOMIA SOLIDÁRIA COMO ALTERNATIVA DE PROEJA Márcia Neugebauer Wille1 Clóris Maria Freire Dorow 2 Introdução Vivemos atualmente em um processo de transformação na política, na economia e na sociedade, devido à globalização, que tem provocado a exclusão e aumentado as desigualdades entre os homens, baseando-se na doutrina neoliberal a qual afirma que o mundo não é de todos e para todos, mas apenas dos mais aptos ao pensamento e ao desenvolvimento mercadológico da economia. Para encontrar alternativas à lógica neoliberal devemos mudar nossos conceitos e práticas, desenvolver a criatividade e acreditar que é possível pensar em um mundo diferente, consolidado pela única senda possível: a educação. Mas esta educação deve ter nuances diferenciadas para um público heterogêneo. Uma das alternativas possíveis é pensar em um curso de PROEJA que trabalhe com uma proposta de educação solidária, instigando nos alunos exatamente o contrário do que faz o capitalismo: em vez da competição, a colaboração, em vez de poucos alcançarem o maior lucro, muitos obterão lucros que serão repartidos de forma igualitária. Contextualização Podemos dizer que a globalização, ora em curso, está para o atual período científico-tecnológico do capitalismo como o colonialismo esteve 1 Especialista em Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio na Modalidade Educação de Jovens e Adultos 2 Coordenadora do Curso de Especialização do PROEJA e Doutoranda em Lingüística 149 proejafinalpmd.pmd 149 18/11/2007, 19:31 para a sua etapa comercial ou o imperialismo para o final da fase industrial e início da financeira. Ou seja, trata-se de uma expansão que tem como objetivo aumentar os mercados e, portanto, o lucro, que é o que de fato move os capitais, produtivos e especulativos, na arena do mercado. A globalização é então mais uma etapa da história humana, mas a forma como esta vem sendo orquestrada, pelas multinacionais e as agências unilaterais, seguidoras dos ideais neoliberais, tem criado uma contradição no interior das sociedades, pois não há uma relação harmônica entre os ideais democráticos e o livre mercado, enquanto o primeiro baseia-se nos ideais de liberdade política, estimulando o coletivismo, o segundo estimula o individualismo. Infelizmente, não se pode pensar que a globalização tende a homogeneizar o espaço mundial. Ao contrário, ela é seletiva, pois escolhe alguns lugares, certas atividades, determinados setores e alguns grupos ou segmentos sociais para serem mundializados e desfrutarem dos benefícios. Assim, enquanto muitos lugares e grupos de pessoas se globalizam, outros, às vezes, bem próximos, ficam excluídos do processo. Por esse motivo, a globalização tende a tornar o espaço mundial cada vez mais heterogêneo. Além disso, ela tem provocado uma imensa concentração de riqueza, aumentando a diferença entre países e, no interior de cada um deles, entre classes ou segmentos sociais. Nesse contexto, a situação dos trabalhadores tem sido agravada pela revolução técnico-científica que provoca a substituição do trabalho humano por máquinas, pela introdução de novos modelos produtivos (Toyotismo), onde se exige do trabalhador cada vez mais qualificação e pela flexibilização financeira e das relações de trabalho (na sua grande maioria financiadas e idealizadas pelo Banco Mundial, FMI, BIRD, etc.), que provocam a redução dos seus salários. O sonho de gerações que imaginavam que a tecnologia poderia no futuro poupar tempo e energia, permitindo aos seres humanos melhor qualidade de vida também foi frustrado, pois o capital apropria-se desses benefícios através da mais-valia relativa aumen-tando a produtividade do trabalho, fazendo com que um só trabalhador possa realizar as tarefas de muitos. Diante dessa realidade, a educação deveria estar comprometida com aqueles que vivem do trabalho e não apenas com os que vivem da sua exploração, mas certamente não é isso que temos vivenciado.Até aqui, o Ensino, a Escola e a Educação Pública vêm servindo a uma minoria da população e não têm contribuído para o desenvolvimento da cidadania pois perpetuam os ideais economicistas da ordem capitalista.Em 150 proejafinalpmd.pmd 150 18/11/2007, 19:31 conseqüência disso, não se tem conseguido, no Brasil, garantir que as crianças, principalmente às procedentes de classes populares, permaneçam na escola e aprendam, o que resulta em grande demanda na educação de jovens e adultos. Aqueles que ficaram à margem do sistema ao se defrontarem com as exigências do mercado de trabalho buscam a EJA, acreditando que a escolarização é o caminho para um emprego e para uma vida melhor.Mas Gaudêncio Frigotto nos alerta sobre essa falácia: ...se o sistema educacional investir em uma determinada educação, visando o desenvolvimento de determinadas competências, aqueles que adquirirem essas competências terão emprego. Esta é uma ilusão brutal. Não negamos a importância da educação, que é crucial e fundamental, mas não por esse caminho...isolada não tem o poder de transformar a realidade social, cultural, política e econômica de uma sociedade marcada pelo estigma escravocrata e pela servil subordinação ao grande capital...” (FRIGOTTO, 1999, p.100). Portanto, no momento em que as políticas públicas buscam resgatar e reinserir no sistema escolar brasileiro milhões de jovens e adultos, através do Programa de Integração da Educação Profissional Técnica de Nível Médio ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA, possibilitando-lhes acesso à educação e à formação profissional, é preciso redirecionar a educação, sintonizando seus conceitos, suas práticas com os ideais de justiça social, para que não sejam frustradas as esperanças dos que a procuram. Uma prosposta de PROEJA Para que os rumos da PROEJA converjam na direção dos interesses da coletividade, é imprescindível reestruturar as suas propostas curriculares, pois entendemos que o trabalho é essencial na vida do ser humano e a sua ausência é a raiz da maioria dos nossos problemas sociais. Pode visualizar-se o trabalho como algo que faz parte do ser humano e o constitui, se considerarmos esse termo na sua amplitude e não apenas como uma atividade, um emprego. Todas as atividades realizadas pelo homem constituem formas de sua transformação, exercendo influência em seu pensamento e suas atitudes, portanto o trabalho é inerente ao homem, no decorrer de toda a sua existência (CORRÊA, s.d.). O objetivo desse artigo é propor uma nova alternativa de currículo para o PROEJA, que não se limite apenas à qualificação, ou ao desen151 proejafinalpmd.pmd 151 18/11/2007, 19:31 volvimento e aperfeiçoamento técnico para trabalhadores desempregados, mas que seja capaz de superar, através da educação, o conceito de trabalho criado pelo sistema capitalista Acreditamos que direcionar a educação para economia solidária seria uma excelente alternativa. Para Paul Singer (1995, p.80) A Economia Solidária foi concebida como um modo de produção que tornasse impossível a divisão da sociedade em uma classe proprietária dominante e uma classe sem propriedade subalterna.Sua pedra de toque é a propriedade coletiva dos meios sociais de produção (além da união em associações cooperativas dos pequenos produtores). Na empresa solidária, todos que nela trabalham são seus donos por igual, ou seja, têm os mesmos direitos de decisão sobre o seu destino. E todos os que detêm a propriedade da empresa necessariamente trabalham nela. Essa última condição nega a possibilidade de haver uma classe que viva apenas de rendimentos de seu capital, sem tomar parte no trabalho. Daí deriva a norma de que a empresa solidária não remunera o capital próprio dos sócios e que, quando trabalha com capital emprestado, paga a menor taxa de juros do mercado. Isso significa que os ganhos dos trabalhadores têm prioridade sobre o lucro, que na empresa solidária toma a forma de “sobras”. Mudar essa mentalidade é uma tarefa árdua e requer uma reeducação coletiva que leve os educandos a uma nova maneira de ver o mundo, é essencial que eles compreendam que a desigualdade não tem nada de natural, e que ela só pode ser superada com a prática da solidariedade, pois ninguém sobrevive sem a ajuda dos outros. Primeiro, deveria haver uma mudança na concepção que norteia escolas, pois hoje esta sofre a influência dos conceitos da economia capitalista e os reproduz, reforçando os valores da competição e adotando o que Paul Singer (op.cit) chama de visão produtivista. Essa concebe a educação, sobretudo escolar, como preparação dos indivíduos para o ingresso, da melhor forma possível, na divisão social do trabalho. A visão produtivista não despreza outros propósitos do processo educacional, mas enfatiza o que é chamado pelos economistas de acumulação de capital humano. Cada indivíduo é encarado como tendo capacidade produtiva potencial, cujo desenvolvimento exige esforço, tanto do próprio como de seus instrutores e familiares. Esse esforço se traduz num custo, que pode ser formulado em termos pecuniários e representa o valor do capital humano de que dispõe cada indivíduo. Esse capital humano provém, não apenas da educação escolar, mas, também, de cuidados com a saúde e outros que contribuem para desenvolver a capacidade produtiva do 152 proejafinalpmd.pmd 152 18/11/2007, 19:31 indivíduo. Educar seria primordialmente isto: instruir e desenvolver faculdades que habilitem o educando a integrar o mercado de trabalho o mais vantajosamente possível. Cumpre atentar para o pressuposto crucial dessa visão: o de que a vantagem individual, que se traduz em ganho elevado e outras condições favoráveis de usufruto material, é simultaneamente social. O bem-estar de todos é o resultante da soma dos ganhos individuais que, em um mercado de trabalho livre e concorrencial, são proporcionais ao capital humano acumulado em cada um dos indivíduos. Em outras palavras, a educação promove o aumento da produtividade, que seria o fator mais importante para elevar o produto social e, dessa maneira, eliminar a pobreza. A visão produtivista não oferece perspectivas para os alunos precocemente excluídos da escola, cuja infância que deveria ser o tempo de brincar e de aprender, foi usada para trabalhar, para garantir o sustento próprio e o da família. Assim, como não adquiriram o capital humano necessário para garantir a empregabilidade estarão permanentemente condenados às ocupações informais, ao subemprego e às atividades penosas. O grande propósito da educação seria proporcionar às classes trabalhadoras a consciência, portanto, a motivação (além de instrumentos intelectuais), que lhe permita o engajamento em movimentos coletivos, visando tornar a sociedade mais livre e igualitária. É óbvio que a educação escolar também deveria cumprir muitos outros propósitos, que poderiam ser resumidos na habilitação do indivíduo a se inserir de forma adequada na vida : profissional, familiar, esportiva, artística, etc. A visão civil democrática da educação não vê contradição entre a formação do cidadão e a formação do profissional, da mãe ou do pai de família, do esportista, do artista e assim por diante. Para lançar na escola a semente de um trabalho conjunto (solidário) todos os aspectos da vida dos alunos devem ser levados em conta, bem como suas aspirações e seus anseios, seu universo de relações interpessoais, comunitárias e sociais. Segundo Marcos Arruda (2005.) A Economia Solidária promove a educação não como fim em si, mas como via de empoderamento dos educandos para tornarem-se gestores competentes dos seus empreendimentos cooperativos e sujeitos do seu próprio desenvolvimento pessoal, comunitário e social. Chamo-a de Educação da Práxis. Essa educação identifica-se pelas práticas conscientes da cooperação e da solidariedade no modo de ensinar e aprender e também nas relações entre educandos, entre esses e os educadores, e entre educadores. 153 proejafinalpmd.pmd 153 18/11/2007, 19:31 A educação solidária deve estar pautada nas idéias de Paulo Freire, na Educação Libertadora, em que o educador tomando como ponto de partida as condições de vida e de trabalho dos educandos, abre um diálogo com eles sobre a questão “para que desejam educar-se”. Outro aspecto importante é compreender, como nos diz Paulo Freire, que o aluno do PROEJA não é um ser sem história, um pote vazio a ser cheio pelo professor, pelo livro, pelo saber acumulado, pois os jovens e adultos são pessoas que já trazem um saber acumulado de décadas de vida e trabalho. Como a educação que queremos desenvolver é voltada para a economia solidária, precisamos combater o individualismo e incentivar o diálogo, a troca de experiências entre os alunos, afinal ninguém aprende sozinho, aprendemos uns com os outros. Também, devemos superar a fragmentação curricular, pois o conceito de transdisciplinaridade perpassa toda a economia solidária, já que o aluno/trabalhador/empreendedor precisa ter compreensão do conjunto do funcionamento do empreendimento através de uma visão integrada, desde o conhecimento teórico aos diversos processos produtivos, aos métodos de trabalho, à atividade financeiro-administrativa, à comercialização etc. É preciso pensar em uma escola que permita uma pluralidade de saberes. Não se quer com isso negar o conhecimento acumulado pela humanidade. Na verdade, o conhecimento avançou muito com o desenvolvimento do capitalismo. Não se trata de perder o acúmulo do conhecimento especializado, mas se exige uma nova ética diante desses conhecimentos para que os trabalhadores reconstruam uma visão de totalidade que foi perdida com a divisão do trabalho nas fábricas, imposta pelos modelos Toyotista e Fordista. É necessário unir os ideais de justiça social aos de preservação do meio ambiente, ou seja, desenvolver o consumo ético, crítico e solidário, fazendo com que os alunos aprendam a buscar o atendimento de suas necessidades, tendo como principio básico o consumo do suficiente, pois o consumo do supérfluo é um fator de exclusão social bem como um risco a própria sobrevivência da humanidade. A sustentabilidade deve nortear a educação para a economia solidária, da forma como nos orienta Marcos Arruda (op.cit, p.22) Consciente de que todo consumo envolve a geração de resíduos, cada habitante estará comprometido com os três princípios de uma gestão responsável do ambiente: gastar o mínimo, reutilizar tudo o que é possível, reciclar o que não pode ser reutilizado. Dessa forma, elimina-se todo desperdício, seja de recursos, seja de energia, e buscam-se formas de manter a harmonia da existência da comunidade humana em relação aos seus ecossistemas. 154 proejafinalpmd.pmd 154 18/11/2007, 19:31 O papel do educador na formação para a economia solidária também é fundamental, ele deve ser capaz de estabelecer uma relação educativa com seus alunos em que ambos ensinem e ambos aprendam, conforme Marcos Arruda (op.cit, p.57) O saber do educador, supostamente maior e mais erudito que o dos educandos, é relativo ao seu universo cultural e situação social. Portanto, tende a estabelecer uma relação complexa e contraditória com o saber dos educandos jovens e adultos. Saber administrar esta relação no sentido de superá-la mediante a crescente autonomização dos educandos e não a mera reprodução por estes do saber absorvido do educador ou dos autores estudados, este é o grande desafio para o educador da Práxis. Outro diferencial importante na educação para a economia solidária é a avaliação. Partindo-se do pressuposto de que a aprendizagem não ocorre de maneira imediata e instantânea e nem apenas pelo domínio de conhecimentos específicos ou informações técnicas, a aprendizagem requer um processo constante de envolvimento e aproximações sucessivas, amplas e integradas, fazendo com que o educando possa, a partir das reflexões sobre suas experiências e percepções iniciais, observar, reelaborar e sistematizar seu conhecimento acerca do objeto em estudo.Outra estratégia importante é a de cuidar para que em momento algum a avaliação induza à competição entre os alunos, já que o espírito o qual se deseja desenvolver é o da cooperação e o da solidariedade. A maior parte das iniciativas de incubação da economia solidária tem partido de Organizações não governamentais, de sindicatos ou de grupos dentro das universidades que atuam na organização, assessoria e acompanhamento de grupos ou cooperativas em comunidades pobres, com certeza a atuação dessas entidades tem um papel importantíssimo na divulgação da economia solidária, porém, a Economia Solidária pode ter na escola um espaço para que seus ideais sejam divulgados de forma mais abrangente. Uma das inquietações presentes na construção da EJA, enquanto política pública tem sido a necessidade de superar vácuo existente nas propostas curriculares, devido ao distanciamento entre essas e o mundo do trabalho. Embora no Plano Nacional de Educação (PNE) na LDB (Lei nº 9.394/96), esteja explícita a necessidade de vinculação do ensino fundamental para jovens e adultos à formação para o trabalho, isso não tem ocorrido na prática. No máximo, o que se observa são práticas aligeiradas de treinamento profissional às vezes vinculadas à elevação de escolaridade. 155 proejafinalpmd.pmd 155 18/11/2007, 19:31 Atualmente, existem alternativas promissoras, como as desenvolvidas com base no Plano Nacional e Qualificação (PNQ) e no Programa Economia Solidária em Desenvolvimento. É uma tentativa de articulação com a EJA, que tem, entre outros objetivos: “Articular a Economia Solidária às demais políticas públicas, em especial, aquelas relativas à elevação da escolaridade, alfabetização e à educação de jovens e adultos” (DEQ/Senaes/SPPE/MTE, 2003, p. 4). O PROEJA pode ter um papel fundamental quando se busca uma outra lógica de geração de emprego e de renda, como no caso das experiências ligadas à Economia Solidária, não apenas no sentido de contribuir para que os jovens e adultos coloquem-se diante das relações capital e trabalho por outro prisma, mas, também, porque esse pode ser o caminho de mudanças dos próprios prismas da escolarização para esses alunos. A Economia Solidária é um poderoso instrumento de combate à exclusão social por apresentar uma alternativa viável de geração de trabalho e de renda, garantindo a satisfação das necessidades de quem está nela envolvido. Ela propõe uma reflexão sobre a organização da produção e da reprodução da sociedade de modo a diminuir as atuais desigualdades e difundir os valores de solidariedade humana. No PNQ (Plano Nacional de Qualificação) os conteúdos recomendados são os do universo temático da Economia Solidária, ou seja, são aqueles que contemplam o acúmulo histórico dos trabalhadores na organização de iniciativas econômicas fundamentadas na cooperação e na solidariedade. Esses conteúdos dizem respeito aos conhecimentos, às formas de organização, aos comportamentos e às atitudes necessárias à viabilidade dos empreendimentos e à concretização de princípios e valores próprios de uma cultura solidária.Entre esses conteúdos, pode destacar-se: • Constituição, organização e gestão democrática de empreendimentos solidários. • Autogestão. • Relações intersubjetivas no trabalho. • Construção de redes, complexos cooperativos, centrais de comercialização. • Participação cidadã e controle social nas políticas públicas. • Legislação do cooperativismo, mutualismo e autogestão. • Direitos sociais e trabalhistas como direitos humanos. 156 proejafinalpmd.pmd 156 18/11/2007, 19:31 • Trabalho emancipatório e a superação do trabalho alienado. • Conteúdos profissionais e sociais integrados, de forma a facilitar a construção de metodologias relativas ao processo produtivo coerentes com o projeto de Economia Solidária. Considerações finais Logo, para instrumentalizar tecnicamente o trabalhador, de acordo com o empreendimento que se buscará desenvolver, poderão ser feitas parcerias com CEFETs, organizações não-governamentais, como a rede “S” ou com outras entidades que possam viabilizar o desenvolvimento das técnicas necessárias à produção.Os diferentes caminhos serão definidos segundo as características e capacidades de cada comunidade local, partindo do princípio de que as dinâmicas geradoras de desigualdade e exclusão só podem ser desmontadas de baixo para cima, do nível micro para o macro. Articulando o sistema produtivo com o educacional, em especial com o ensino na modalidade PROEJA, é possível torná-lo capaz de gerar rendimentos crescentes, mediante a utilização dos recursos disponíveis e a introdução de inovações adequadas, sob o controle crescente da comunidade local, garantindo a criação de riqueza e a melhoria do bemestar da população local.A educação para a economia solidária não pode ser formulada e transmitida apenas em termos teóricos, pois é um ato pedagógico em si mesmo, na medida em que propõe nova prática social e um entendimento novo dessa prática. A melhor maneira de aprender a construir a Economia Solidária é praticando-a por isso é extremamente importante trazer para dentro da escola pessoas que estejam envolvidas em empreendimentos solidários, já que essas pessoas possuem a experiência prática obtida na vivência diária, adquirida por tentativa e erro. Ao articularmos estas novas iniciativas/alternativas econômicas coletivas, populares e solidárias para geração de renda ou trabalho, permeado pela autogestão, com os processos educacionais, principalmente com a Educação de Jovens e Adultos no PROEJA, estamos aliando o conhecimento teórico ao conhecimento prático, aumentando, assim, as chances de que o ensino de economia solidária possa alcançar os resultados promissores, mudando a vida de várias pessoas excluídas pelo ensino regular. 157 proejafinalpmd.pmd 157 18/11/2007, 19:31 Referências ARRUDA, Marcos, Redes, educação e Economia Solidária: novas formas de pensar a Educação de Jovens e Adultos in: INEP,MEC Economia solidária e educação de jovens e adultos, Brasília:INEP, 2005. BRASIL. Congresso Nacional. Constituição Federal de 1988. _______. Congresso Nacional. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394/96. _______. Congresso Nacional. Plano Nacional de Educação. Lei nº10.172, de 9 de janeiro de 2001. _______. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Básica. Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação de Jovens e Adultos. Parecer nº 11 aprovado em 10 de maio de 2000. _______. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Básica. Resolução nº 1 de 5 de julho de 2000. _______.Programa Economia Solidária em Desenvolvimento: Carta de Princípios. Brasília, 2004. FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade, 23ª ed.São Paulo: Paz e Terra, 1966 . FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia - Saberes necessários à prática educativa. São Paulo, Brasil: Paz e Terra (Colecção Leitura), 1996. FREIRE, Paulo Essa escola chamada vida. 8ª edição. São Paulo: Ática, 1985; 1994. FREIRE,Paulo.e Frei Betto.Pedagogia do oprimido. 23ª Edição. São Paulo:Editora Paz e Terra 1970, 1996. FREIRE, P. - Educação e Mudança - p.16 - RJ – editora Paz e Terra - 1979 FRIGOTTO, Gaudêncio. Sujeitos e conhecimento: os sentidos do ensino médio. apud: INEP,MEC,Economia solidária e educação de jovens e adultos, Brasília:INEP, 2005. Revista Eletrônica da Administração (UFRGS), Porto Alegre - RS, v. 10, 2004. MELLO,Sylvia Leser, Saber e fazer, fazer e aprender:escola itinerante, política pública e Economia Solidária in: INEP,MEC,Economia solidária e educação de jovens e adultos, Brasília:INEP, 2005. NASCIMENTO,Cláudio.Educação como elemento estruturante da Economia Solidária, in: INEP,MEC,Economia solidária e educação de jovens e adultos, Brasília:INEP, 2005. 158 proejafinalpmd.pmd 158 18/11/2007, 19:31 REUNIÃO ANUAL DA ANPED , XVIII, 1995,Caxambu. SINGER, Paul, Poder, política e educação. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1995. Faculdade de Economia e Administração, Universidade de São Paulo. CORRÊA , Luís Oscar Ramos - Economia popular , solidária e autogestão: o papel da Educação de Adultos neste novo cenário (tendo como perspectiva a atuação da UFRGS) (s.d.) Disponível em http://www.ecosol.org.br/txt/eja.doc, acesso em março de 2007 i. e x e SECRETARIA NACIONAL DE ECONOMIA SOLIDÁRIA (Senaes). Economia Solidária em desenvolvimento.Brasília, 2003. _______. Termo de Referência em Economia Solidária. Disponível em: http:// www.mte.gov.br Acessado em: 2007 ______. Termo de Referência “Formação de agentes de desenvolvimento solidário”. Disponível em: http://www.mte.gov.br Acessado em: 2007. SINGER, P. e SOUZA, A. R. A economia Solidária no Brasil. São Paulo: Contexto, 2000. 159 proejafinalpmd.pmd 159 18/11/2007, 19:31 CAPACITAÇÃO DE TRABALHADORES EM UM CENTRO DE TRIAGEM DE RESÍDUOS SÓLIDOS URBANOS: CRIANDO UMA FERRAMENTA PEDAGÓGICA Rafael B. Zortea1 Rafael Arenhaldt2 Introdução Nas grandes cidades, um dos vários problemas enfrentados concentra-se na gestão dos resíduos sólidos gerados. Tal fato toma dimensões maiores quando este problema é enfrentado pelos países subdesenvolvidos, pois o problema da geração dos resíduos sólidos acaba se constituindo como uma alternativa de sobrevivência, conseqüência dos graves problemas sociais enfrentados por estas nações. Pessoas que acabam sendo excluídas do mercado de trabalho, não possuindo qualquer oportunidade, acabam encontrando no lixo, um meio de ganho e sobrevivência. Portanto, os responsáveis pela gestão desses resíduos sólidos gerados (no caso do Brasil, fica por contas das gestões municipais), acabam verificando que a organização destas pessoas marginalizadas em grupos de trabalho com o foco na coleta e separação destes resíduos ajuda no cumprimento de um papel muito importante no que diz respeito à gestão destes resíduos e atividades como: reinserção de pessoas no mercado de trabalho, reutilização de resíduos recicláveis e coleta e disposição do lixo. Tais tipos de organizações acabam assumindo o papel de minimização e reutilização dos resíduos, além, é claro, do aumento de oportunidades de trabalho para a população que, atualmente, se encontra marginalizada. Entretanto, a forma de organizar estas pessoas acaba encontrando 1 Rafael B. Zortea é Professor do CEFET-RS e Aluno do Curso de Especialização do PROEJA/ UFRGS. 2 Rafael Arenahdlt é Doutorando em Educação e Professor do Curso de Especialização do PROEJA/UFRGS. 160 proejafinalpmd.pmd 160 18/11/2007, 19:31 entraves e dificuldades, como a dificuldade de capacitação dos próprios integrantes e a vulnerabilidade destas formas de organização entre outros obstáculos (Castilhos, 2003). Mesmo assim, Gonçalves (2002) levanta o grande número de externalidades positivas que se pode chegar com a organização destas pessoas, pois tais associações não possuem somente o objetivo de melhorar a renda destes indivíduos, como também ser um meio de união e participação na conquista de direitos. Deste modo, o desenvolvimento de metodologias e procedimentos que venham a auxiliar a capacitação dos atores destas organizações sociais torna-se essencial para a elaboração de futuros projetos que busquem a sustentabilidade e sobrevivência destas formas de organização de economia solidária. Diante do que foi colocado, este artigo propõe a criação de uma ferramenta pedagógica, ou seja, um modelo de capacitação técnica para um grupo heterogêneo que trabalha em um galpão de triagem de lixo. No caso desse estudo, os catadores e triadores de resíduos sólidos urbanos pertencem ao Centro de Triagem da Restinga em Porto Alegre, formado por trabalhadores com baixa escolaridade, o que revela a necessidade de formas de aprendizagem que busquem viabilizar esta apropriação do conhecimento a ser passado em uma capacitação Perspectiva metodológica A proposta do trabalho visa oferecer ferramentas pedagógicas que demonstraram um resultado positivo no que se refere a apropriação de conhecimento técnico por parte das pessoas que trabalham nestes galpões. Todavia, segundo Gonçalves (2002), a idéia de se construir uma metodologia e/ou procedimentos que consigam investigar e reconhecer a realidade local de uma forma completa, detectando problemas, demandas e potenciais, deve, no mínimo, levantar informações como: · cotidiano das pessoas que participam da organização; · histórico dos processos de organização que já ocorreram na região; · riqueza e valores presentes no grupo social; · formas que utilizam para o relacionamento e valorização do ambiente onde moram; · formas e relações de trabalho construídos no grupo social. Daí pode-se constatar que a precisão no levantamento destas informações e a forma como estas serão buscadas acabam se tratando 161 proejafinalpmd.pmd 161 18/11/2007, 19:31 dos principais problemas do trabalho. Estas informações acabam tornando-se as premissas básicas na investigação da realidade organizacional a ser diagnosticada. Além disso, tal diagnóstico, por conseqüência acabará influenciando na questão da forma de planejamento da capacitação destas pessoas. Vale destacar que, a forma de condução, tanto do diagnóstico como da inserção de conhecimentos técnicos, devem atingir como resultado final uma boa eficiência no que se refere à questão da inserção de uma sustentabilidade para esta forma organizacional de economia solidária. A verificação deste resultado final basear-se-á na aplicação do mesmo procedimento utilizado quando da realização do diagnóstico, fazendo então um comparativo da situação antes e a de agora. As etapas do trabalho foram realizadas junto com os integrantes da organização de economia solidária em questão (Centros de Triagem de Resíduos Sólidos) e seguiram o processo descrito a seguir. Diagnóstico do processo produtivo Umas das etapas do diagnóstico versou sobre o processo de triagem e a sua eficiência em termos de resultado para os associados do Centro de Triagem da Restinga (CT Restinga). A Associação recebe do Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU) de Porto Alegre os resíduos sólidos urbanos (RSU) oriundos da coleta seletiva (CS) do município. As cargas são diárias de segunda a sábado. De acordo com registros do próprio CT Restinga, em maio de 2002 a média de cargas semanais foi de 20 cargas. Uma carga possui, em média, 1,3 toneladas. O mês contabilizou 111,8 toneladas de RSU, sendo que os materiais termoplásticos comercializados representaram 29,1 toneladas (26% do RSU oriundo da coleta seletiva). Como resultado da triagem obtém-se uma ampla variedade de produtos, além do rejeito. Os produtos têm na sua composição materiais básicos como celulose, metais, polímeros e materiais vítreos; enquanto que o rejeito é uma mistura complexa e heterogênea de materiais inertes, minerais e orgânicos. Tomando-se como base os dados de venda do mês de agosto de 2002, pelo número de cargas recebidas e, considerando 1,3 toneladas a massa média destas cargas, realizou-se um balanço de massa para confrontar os dados atuais tanto dos materiais comercializados como do valor do índice de rejeito de 57,9 % de agosto de 2000. Os dados deste balanço de massa, de forma geral, são apresentados na Figura 1. 162 proejafinalpmd.pmd 162 18/11/2007, 19:31 Figura 1: Composição dos RSU do CT Restinga Fonte: DMLU (Agosto/2002) Analisando o percentual de termoplásticos comercializado no CT Restinga, no mês de agosto/2002, verificou-se que não houve evolução significativa deste valor nos últimos dois anos. Desta forma, será adotado o valor do IR de 39,1% como parâmetro de comparação da eficiência do projeto. Focando a análise para os termoplásticos comercializados, percebe-se que estes são classificados em 16 itens, isto é, 62% dos tipos de produtos. Tomando-se como base a quantidade total de termoplásticos no material comercializado (22,3%, conforme figura 1). Análise técnica do processo produtivo A fim de obter um resultado mais discriminado, para realizar uma melhor compreensão técnica realizou-se uma análise qualitativa dos produtos termoplásticos comercializados pelo CT Restinga com a finalidade de verificar quais as resinas que compõem os itens bem como os principais contaminantes. Os resultados são apresentados na tabela 1. 163 proejafinalpmd.pmd 163 18/11/2007, 19:31 Tabela 1: Descrição dos materiais comercializados pelo CT Restinga. Fonte: Pesquisa CEFET/RS - UNED/Sapucaia do Sul (Agosto/2002) A próxima etapa tratou-se da realização da análise da fração rejeitada com o intuito de definir uma sistemática para a classificação da mesma. A partir dos resultados desta análise, desenvolveu-se a seguinte classificação: · fração de rejeitos sem nenhuma possibilidade de reciclagem (FNR); · fração de materiais recicláveis que podem ser classificados dentro de algumas das 26 classificações já existentes (FMR); · fração de materiais que possuem viabilidade de reciclagem, porém não podem ser classificados numa das 26 classificações já existentes (FPR). Após a caracterização inicial já descrita, foi realizado o acompanhamento “in loco” com a intenção de analisar a gestão do processo produtivo. Este acompanhamento baseou-se nas seguintes constatações: · o índice de rejeitos de 39,1%; · o nível de contaminantes dos produtos comercializados pelo CT Restinga; · a falta de padronização nos procedimento, principalmente nas mesas de triagem; · o resultado qualitativo e quantitativo do rejeito. 164 proejafinalpmd.pmd 164 18/11/2007, 19:31 Os resultados estão apresentados em relação às duas frações estabelecidas pela classificação do rejeito: fração de materiais reciclaveis (FMR) e fração de materiais potencialmente reciclaveis (FPR). A fração de materiais não recicláveis (FNR) não foi incluída na discussão, pois as causas de sua não reciclabilidade tem origem no desenvolvimento dos produtos e na falta de tecnologia para reciclagem. Estes dois aspectos não podem ser resolvidos com a capacitação destes atores. Assim, os resultados podem ser sintetizados abaixo. Principais causas do FMR: · falta de padronização do processo de triagem entre os associados; · pequeno tamanho do material recebido; · dificuldade de separação, embalagens com mais de um tipo de material reciclado; · sujeira. Principais causas do FPR: · não possui demanda pelos intermediários; · problemas de identificação e classificação. Após a realização do plano de trabalho acima, os educadores se inseriram no ambiente de trabalho desenvolvendo os trabalhos de rotina como um trabalhador do Centro de Triagem. A finalidade desta etapa foi a de levantar, de forma completa, as principais causas dos problemas conhecimentos técnicos voltados para a produtividade e qualidade. Este processo de acompanhamento ativo estendeu-se por diferentes horários, turnos e atividades, com ênfase no processo de triagem pertinentes às mesas de separação. Os resultados estão sintetizados abaixo. As principais causas do problema da produtividade e qualidade na triagem de termoplásticos analisados pelos educadores. · Separação muito criteriosa, sendo que às vezes um mesmo material é separado em três classificações diferentes. · Rejeita-se uma parcela muito grande de material termoformado e de potes de iogurte com filme exterior colorido, além de um desperdício já existente em relação aos demais materiais. · Falta de padrão entre o pessoal da mesa quanto aos tipos de classificações, por exemplo, no caso dos filmes, verificou-se mesas separando em 3, outras em 4 e até em 5 tipos diferentes. 165 proejafinalpmd.pmd 165 18/11/2007, 19:31 · Definição de somente um box para a colocação de todos os tipos de filmes classificados, o que repercute numa grande perda de tempo da pessoa da prensa que precisa dispender mais tempo localizando sacolas de um mesmo material neste box. Tempo perdido de 30 minutos à uma hora por fardo prensado. Realizado o levantamento dos principais problemas do processo com relação ao conhecimento técnico necessário e com base nos dados qualitativos e quantitativos do balanço de massa do CT Restinga, definiu-se o sistema de avaliação para o projeto. A avaliação consistirá no acompanhamento e medição, quando possível: · da eficácia da metodologia de capacitação; · da efetividade do projeto. A eficácia da metodologia de capacitação será avaliada por: análise dos aspectos comportamentais e ambientais, além de uma análise qualitativa e quantitativa do rejeito. A análise qualitativa do rejeito foi realizada de acordo com a classificação desenvolvida, isto é através das três frações já mencionadas acima; enquanto que a análise quantitativa foi obtida por amostragem dos tonéis de rejeitos oriundos das mesas de separação. Figura 2: Constituição do rejeito do CT Restinga (antes da capacitação) Fonte: Pesquisa CEFET/RS - UNED/Sapucaia do Sul (Agosto/2002) 166 proejafinalpmd.pmd 166 18/11/2007, 19:31 O procedimento experimental consistiu na análise de um tonel de cada uma das 5 mesas e em cada um dos turnos. Os resultados estão sintetizados na figura 2. Cabe ressaltar que uma análise genérica destas três frações geradas no CT Restinga apresentou os seguintes valores: FNR – 71%, FMR – 19% e FPR – 10%. Criando uma ferramenta pedagógica A próxima etapa trata-se da aplicação de uma forma de capacitação que possa apresentar um bom aproveitamento por parte dos trabalhadores do CT Restinga. A ferramenta pedagógica proposta neste artigo consiste em uma estrutura básica formada pelos códigos de identificação dos principais termoplásticos existentes nos RSU, conforme Tabela 2. Com esta estrutura construiu-se uma tabela onde, à direita está a área relacionada à dinâmica de mercado dos itens que compõem o rol de produtos comercializados e, à esquerda e em diferentes graus de dificuldade de assimilação, os conteúdos envolvendo os conhecimentos sobre identificação de termoplásticos, conforme Tabela 2. A respeito do quadro proposto, a utilização da simbologia de identificação torna-se significativa, pois o uso destes símbolos é compulsório nos produtos termoplásticos, portanto, abrange a grande maioria dos produtos termoplásticos além de possibilitar a utilização desta forma de reconhecimento das diferentes resinas para trabalhadores analfabetos. Além disso, facilita a aprendizagem por parte de todos os trabalhadores do Centro de Triagem. No que se refere a composição da simbologia de identificação com os aspectos do lado direito do quadro, verifica-se que este auxilia na demonstração da relação entre os tipos de resina e a resina constituinte de cada produto comercializado. Por conseqüência, este quadro também permite verificar quais resinas constituintes serão contaminantes em cada um dos produtos comercializados, adaptando-se, portanto a dinâmica de comercialização atualmente existente. Sendo assim, tal quadro também poderá auxiliar na atualização dos produtos conforme a dinâmica dos processos de transformação de termoplásticos, ou seja, as mudanças que ocorrem nos RSU. Sendo assim, acredita-se que a metodologia proposta pode, também, ser utilizada por trabalhadores analfabetos. 167 proejafinalpmd.pmd 167 18/11/2007, 19:31 Tabela 2: Ferramenta pedagógica proposta Por fim, com relação a composição da simbologia de identificação com os aspectos do lado esquerdo, acredita-se que este quadro permitirá aos trabalhadores ter em mãos diferentes métodos e informações para identificação dos termoplásticos mais comuns nos RSU, além da utilização de um elevado número de informações que levam a identificação da resina. Apesar de apresentar métodos complexos ou analíticos (como solubilidade) este quadro também demonstra métodos simples ou empíricos (método visual), ficando a disposição todos os métodos conforme seja o grau de assimilação dos trabalhadores, a fim de atender as características individuais de aprendizagem. Pode-se acrescentar também que se trata de um instrumento de consulta rápida pelos próprios trabalhadores, permitindo a retomada das informações, como por exemplo: nicho de mercado de embalagens e produtos, tipo de processamento, etc. Somado a tudo isto, acredita-se, também que se trata de um método que se adaptam facilmente a dinâmica de auto-aprendizagem do trabalhador. O procedimento pedagógico para aplicação da ferramenta ocorreu através de aulas de curta duração. O educador apresentou os conteúdos básicos para a construção do lado esquerdo do quadro, relacionando-o com a simbologia. Para isso utilizou o próprio ambiente e os mesmos procedimentos de trabalho de rotina. Isto permitiu corrigir os erros de identificação in loco, promover a redução da FMR e da FPR e, através do nivelamento, o processo de padronização dos referidos procedimentos. 168 proejafinalpmd.pmd 168 18/11/2007, 19:31 O procedimento foi repetido em diversos momentos e após a assimilação deste conhecimento passado, o grupo de trabalhadores juntamente com o educador realizaram a montagem do lado direito da tabela 2, conforme apresentados na figura 3. Os testes ensinados foram: · análise do comportamento dos termoplásticos na combustão; · análise das características densitárias em meio aquoso; · análise quanto ao comportamento mecânico; · análise quanto às propriedades óticas; · identificação do tipo de processamento através de características do projeto do produto e relacionar o processamento com a resina; e · relacionar o tipo de resina com o tipo de embalagem. Durante o processo de capacitação, onde os trabalhadores foram capacitados em técnicas de identificação, as discussões iniciavam por estas técnicas e terminavam em alterações de procedimentos envolvidos na gestão do processo. Figura 3: Avaliação dos itens termoplásticos comercializados Fonte: Pesquisa CEFET/RS - UNED/Sapucaia do Sul (Dezembro/2002) 169 proejafinalpmd.pmd 169 18/11/2007, 19:31 Avaliando o processo de capacitação Por fim, com o intuito de verificar os resultados alcançados com a aplicação da metodologia de capacitação sugerida neste trabalho, fez-se uma nova medição de alguns resultados levantados no diagnóstico. Ao se avaliar o processo de triagem, após a capacitação, notou-se que muitos materiais, por conta da: falta de informação sobre o procedimento correto de triagem, falta de conhecimento técnico sobre o tipo de resina termoplástica, ou mesmo desmotivação para realizar a triagem correta, mudaram suas rotas dentro do processo. As mudanças nas rotas foram, basicamente, de dois tipos: · mudança no critério de classificação entre os termoplásticos comercializados, · inserção de materiais termoplásticos do rejeito em um dos 16 itens deste grupo comercializados. Para ilustrar, tem-se o exemplo das embalagens termoformadas não expandidas, principalmente as que compõem o rol de embalagens para alimentos perecíveis. Estas embalagens são constituidas, normalmente, por quatro tipos de resinas: o poliestireno (PS), o policloreto de vinila (PVC), polipropileno (PP) e, nos últimos anos, devido a dinâmica do mercado de termoplásticos e de forma crescente, o polietileno tereftalato (PET). Figura 4: Constituição do rejeito do CT Restinga (após a capacitação). Fonte: Pesquisa CEFET/RS - UNED/Sapucaia do Sul (Dezembro/2002) As embalagens termoformadas de PS tem como destino a rota para o item: copos e bandejas de PS. As dificuldades em separá-las do 170 proejafinalpmd.pmd 170 18/11/2007, 19:31 PET, do PP e do PVC, se deve, principalmente às propriedades como transparência, por gerar confusão com o PS cristal. Os trabalhadores desenvolveram a capacidade de classificar tais embalagens de forma satisfatória. Aquelas embalagens de PS antes descartadas no rejeito passaram a ser aproveitadas. As embalagens de PET termoformadas que seguiam para o rejeito foram incluídas no item: garrafas de azeite, inclusive com baixo nível de contaminação do PP e do PVC. Em análise qualitativa posterior ao processo de capacitação ter sido realizado, o rejeito apresentou baixo nível de termoformados, principalmente porque o PVC e o PP não representam a mesma importância em termos de consumo neste nicho de embalagens. Assim, este exemplo apresenta os dois tipos de mudanças nas rotas dos materiais triados. Além disso, realizaram-se novamente medições sobre a produtividade dos associados no que se refere ao processo de triagem. A figura 5 apresenta os resultados da análise quantitativa do rejeito. O estudo foi realizado após o processo de capacitação e de forma a apresentar os resultados por mesas de separação, com o intuito de estudar, também, variabilidade entre os grupos de cada mesa. Figura 5: Rejeito antes e após a aplicação do processo de capacitação no CT Restinga 50,0% Índice de Rejeito 40,0% 39,1% 30,0% 18,3% 20,0% 10,0% 0,0% Antes Depois Fonte: Pesquisa CEFET/RS - UNED/Sapucaia do Sul (Dezembro/2002) A comparação entre as figuras 2 e 4 mostra uma clara evolução da qualidade de separação realizada pelos associados. Cabe destacar que durante o processo de capacitação nenhum dos integrantes das mesas 4 e 5 participaram do treinamento ou apenas acompanharam a primeira parte do trabalho de capacitação. 171 proejafinalpmd.pmd 171 18/11/2007, 19:31 Com relação a análise da produtividade do Centro de Triagem de uma forma global, a FNR que era de 71% subiu para 89%, a FMR que antes da capacitação mostrava um valor de 19% caiu para 8% e por fim, o FPR que era de 10% caiu para 3%. Por fim, a figura 5 mostra a comparação entre os valores do índice de rejeitos antes e depois da aplicação do processo de capacitação aos trabalhadores do CT Restinga. Pode-se verificar que houve uma redução de 20,8 % do total resíduos sólidos urbanos recebidos neste Centro de Triagem. Considerações Com relação ao trabalho em questão, baseando-se na avaliação do processo de capacitação sugerido e aplicado, pode-se colocar que a metodologia de capacitação pode ser considerada eficaz, pois atingiu a meta determinada no objetivo geral com a redução do índice de rejeito em 20,3%. O projeto de capacitação se aplicado e tomando como base os resultados alcançados neste trabalho poderá resultar nos seguintes ganhos: · retorno econômico para os trabalhadores; · retorno à cadeia produtiva que receberá material mais qualificado; · retorno social, pois a qualificação profissional consolida a cidadania. Além disso, se for considerado o resultado alcançado neste trabalho para todos os Centros de Triagem de Porto Alegre que participam do Projeto Social da Prefeitura, pode-se estimar um ganho ambiental por volta de 22 toneladas/mês de RSU que deixariam de ser destinados para o aterro sanitário da cidade, sendo então agregados aos produtos de venda destes Centro de Triagem. Por fim, não se pode deixar de colocar que o desenvolvimento da metodologia permitiu aos educadores e educandos envolvidos uma nova ferramenta pedagógica. 172 proejafinalpmd.pmd 172 18/11/2007, 19:31 Referências ADAMS, Telmo. Vivendo e Reciclando: Associação dos Recicladores de Dois Irmãos. São Leopoldo: Oikos, 2005. CASTILHOS, Assis; ZORTEA, Rafael B.; SOARES, Alessandro L. Projeto de Desenvolvimento de Metodologia para Capacitação de Trabalhadores de Centros de Triagem, CEFET/UNED-RS, 2003. GONÇALVES, José A.. Metodologia para a organização social dos catadores. São Paulo: Fundação Peirópolis, 2002. SISINNO, Cristina L.C. Resíduos Sólidos, Ambiente e Saúde: uma visão multidisciplinar. 20 ed. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2000. ZORTEA, Rafael B.; SOARES, Alessandro L.; CASTILHOS, Assis. Projeto de Capacitação em Galpões de Reciclagem, XVII CRICTE, Passo Fundo, 2002. 173 proejafinalpmd.pmd 173 18/11/2007, 19:31 O OFÍCIO DE CANTINEIRO: Os Saberes Tácitos dos Trabalhadores da Indústria Vinícola Alexandre Ferreira dos Santos1 Rafael Arenhaldt2 Convido-os a mergulhar, através deste trabalho, no maravilhoso mundo do vinho. Compartilho as compreensões que obtive procurando entender os bastidores desta maravilhosa bebida, nos porões onde é produzida. Considerado o néctar dos deuses, bebida milenar, o sangue de Jesus Cristo e citado no melhor dos livros - a Bíblia Sagrada - o vinho nos leva até o subterrâneo da imaginação para estudar o homem que o elabora na sua mais humilde e simples condição: a de trabalhador da indústria vinícola. Pensando e buscando entender como os trabalhadores da indústria vinícola construíram seus conhecimentos, procuro tecer este texto e estudar os fatores que levaram à construção dos saberes tácitos destes trabalhadores. Assim sendo, procuro dar visibilidade e mostrar de que forma os trabalhadores da indústria vinícola aprendem o “ofício de cantineiro” a partir da experiência prática no mundo do trabalho e da vida. Do ponto de vista metodológico, visito os cantineiros nos seus locais de trabalho e consulto a bibliografia (um pouco escassa sobre o tema). A partir dos depoimentos, “costuro”, faço um novo texto procurando compreender a relação empírica do trabalho com os referenciais teóricos consultados e os depoimentos coletados durante as entrevistas. 1 Alexandre Ferreira dos Santos é Enólogo e aluno do Curso de Especialização do PROEJARS, turma de Bento Gonçalves. 2 Doutorando em Educação pela UFRGS, professor da rede municipal de Porto Alegre e coordenador pedagógico da Escola Técnica Mesquita vinculada ao Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de Porto Alegre, orientador do Trabalho de Conclusão de Curso do autor do presente artigo. 174 proejafinalpmd.pmd 174 18/11/2007, 19:31 No que tange a realização das entrevistas não utilizei um questionário fechado, mas deixei a conversa fluir naturalmente. Considero importante que, para entender o mundo do trabalho e suas relações com o trabalhador, é preciso estar inteirado com a história do mesmo através da leitura de alguns autores dessa própria história, da Psicologia, Antropologia, Sociologia, entre outros nesse universo interminável que cerca o estudo das relações do ser humano consigo mesmo e com o mundo do trabalho. Tendo em vista a vasta experiência prática adquirida pelos trabalhadores da indústria vinícola em suas atividades rotineiras, faz-se necessário mostrar que os conhecimentos construídos durante as atividades realizadas são absorvidos pelo desempenho das funções operadoras realizadas durante a jornada de trabalho. No Brasil as atividades inerentes aos trabalhos realizados na elaboração de vinhos são desempenhadas pelos “Cantineiros”, chefiados por Enólogos que controlam as operações de produção. · De que forma e onde esses trabalhadores adquiriram tal experiência? · Como se constituem os saberes e experiências dos cantineiros? · Como tais saberes foram adquiridos com a prática? A definição de Trabalho segundo o Dicionário Aurélio é “a aplicação da atividade física ou intelectual; serviço; esforço; ação ou resultado da ação de um esforço”. Nesta perspectiva, Serviço significa “exercício de funções obrigatórias; duração desse exercício; desempenho de qualquer trabalho” e Ofício é “arte; cargo; profissão; ocupação; obrigação”. Já os termos Saber e Tácito são definidos no Dicionário como: “saber: conhecer; ser informado; ter conhecimento; erudição; sensatez; sabedoria; experiência” e tácito: “silencioso; que não se exprime por palavras; implícito; secreto” (FERREIRA, 1986). Nesta dimensão, os saberes tácitos: “(...) Por esse termo genérico são designados saberes práticos, concretos, empíricos, aprendidos no local de trabalho (Barcet et al. 1985), o conhecimento das máquinas (Bernoux et al. 1984), o conhecimento do processo de trabalho (Rosanvalon & Troussier, 1983) a ‘inteligência operatória’ (Raveyre, 1984), etc.”. (DESAULNIERS, 1998, p. 88, apud, STROOBANTS, 1993). Conversando com os donos destes saberes, noto que são pessoas adultas e questionando-as sobre o que as fez saber, ouvi que isso ocorreu 175 proejafinalpmd.pmd 175 18/11/2007, 19:31 naturalmente de tanto fazer e tanto errar. “O erro nos faz correr atrás das ‘cagadas’ que fizemos”, disse-me Mateus, cantineiro de uma Vinícola. “De tanto tentar, um dia nós acertamos e não esquecemos mais” (João, cantineiro). Por que não mostrar estes saberes? Por que não tornar essas pessoas reconhecidas pelo trabalho que desempenham e tirá-las da exclusão diplomada? Nesse caso, o saber prático vem antes do certificado, diferente do que ocorre com a maioria dos formados que só possuem o saber teórico e muito depois adquirem o saber prático, se assim o quiserem. “Também gostaria de ser chamado de doutor em limpeza de chão, pois sou o mais rápido e ninguém limpa que nem que eu”, disse-me Paulo ouvindo os risos dos colegas e rindo também. Já Natanael gritou: “E filtrar? Duvido quem deixa os vinhos mais limpos que eu, e bem rápido!”. Nas quatro indústrias vinícolas brasileiras que pesquisei3, aproximadamente 85% dos trabalhadores do setor de vinificação não possuem o Ensino Médio completo e mais de 90% dos cantineiros possuem o Ensino Fundamental incompleto, mal sabendo escrever seus nomes. Isso não significa que não podem desenvolver seu trabalho com maestria, pois são seres humanos que possuem a mesma capacidade que qualquer pessoa “letrada”. É importante ressaltar que as empresas vinícolas estão buscando inserir seus funcionários e cantineiros na Educação de Jovens e Adultos através do PROEJA ou de outras iniciativas de educação básica. Percebo um conflito entre os cantineiros “iletrados”, seus superiores “letrados”, os técnicos em enologia e os enólogos responsáveis quando converso com eles, pois uns dizem ser melhores que os outros: “É muito fácil o chefe me dizer eu quero essa máquina funcionando, aí nós se quebra tudo. Me chamam de cara bom porque sei fazer muita coisa, mais se dá certo foi o chefe que fez e se dá errado, fomos nós” (João, cantineiro e operador de enchedora). Os cantineiros têm um olhar indiferente sobre o diploma, pois não acreditam que o mesmo tenha tanta importância no que diz respeito à realização das atividades de trabalho solicitadas. Isidoro Selli, cantineiro, diz: “não precisa ser enólogo pra entender de vinho”. Teorizando, conforme Guedes (1997): “O diploma é o resultado de um saber que não se construiu necessariamente no fazer e não capacita para situações concretas” (p.198). 3 Fiz um levantamento com os trabalhadores das Vinícolas Aurora, Miolo, Salton e Garibaldi no período de Fevereiro a Maio de 2007. 176 proejafinalpmd.pmd 176 18/11/2007, 19:31 Compreendo que o trabalho livre que explore a completude do cantineiro ao trabalhar com prazer não é fácil de ser alcançado, pois os conflitos estão presentes, mas pode ser alcançado. “Embora estejamos muito distantes da realização da utopia de um trabalho emancipado e libertado, onde o homem possa desenvolver suas potencialidades reais, acreditamos que, nos modernos processos de bens e serviços, surgem espaços para o desenvolvimento da identidade individual e coletiva, e que esses espaços tendem a se expandir”. (DELUIZ, 1995, p.196). Durante as entrevistas realizadas, compreendo que no aprendizado do ofício de cantineiro, uma parte da história da vida dos trabalhadores é construída junto com o próprio aprendizado. “A cantina é minha segunda casa e meus colegas são meus irmãos, de tanto ficar aqui, a gente se apega à firma e aos colegas, pois a gente se ajuda pra resolver os problemas” (João, cantineiro e operador de enchedora). As relações de trabalho implicam na história de vida do cantineiro durante a jornada de trabalho e ele transfere para a empresa uma parte de sua vida pessoal e familiar. O cantineiro convive muito tempo no lócus de trabalho e acaba traduzindo para si a formação de uma espécie de família, pois se relaciona muito com seus colegas. Há fortes relações interpessoais (intersubjetivas) no convívio, modificando seu jeito de ser e seu ethos, pois é na vinícola que transcorre a maior parte do tempo de sua existência. O cantineiro transfere os modos de pensar, sentir e agir que se constituem no interior das experiências do cotidiano profissional para a vida pessoal, familiar e comunitária. Acredito que o trabalho possui um significado importante para a vida. No caso dos cantineiros, nos meses em que a uva é recebida na vinícola, a dificuldade de proporcionar lazer à família desempenha um forte sentido nas relações familiares, pois é no verão que a uva deve ser processada, impedindo, às vezes, uma viagem de férias. A decisão em continuar nesse ramo é muito forte. “A minha mulher e meus filhos quase sempre vão sozinhos para a praia. Acho que a futura mulher de quem trabalha em vinícola deve ser avisada disso antes de casar” (Fábio, Enólogo). A realização de qualquer função operadora na vinícola dependerá de como o cantineiro encara e entende o universo no qual está inserido. O trabalhador, primeiramente, precisa desejar aprender o ofício e, assim, constrói condições objetivas de trabalho com o auxílio da subjetividade com o passar do tempo.”Precisa de anos de experiência prática, senão não dá” (Lindonês, cantineiro). A construção de um saber tácito é um processo complexo. 177 proejafinalpmd.pmd 177 18/11/2007, 19:31 Nesse contexto, para compreender o processo, o cantineiro, juntamente com a necessidade de aprender o ofício e seu saber tácito, articula valores e sentimentos presentes nesse mesmo processo complexo de construção do saber. No local de trabalho, constroem-se saberes práticos com auxílio, também, de costumes vivenciais dos agentes envolvidos no processo. O habitus permite que as práticas do cantineiro adquiram sentido histórico e social, na realização das atividades laborais. A permanência no lócus, a vivência na vinícola contribui para essa construção. Segundo Tittoni (1994): “A construção do ‘saber-fazer’ no cotidiano do trabalho surge marcado pelo antagonismo, pela necessidade e, também, pelo desejo” (p.35). Utilizando tal enfoque, a possibilidade de compreender as formas como o sujeito constrói seus saberes, possíveis de aprender, estão implícitas no inconsciente. Inconscientemente o cantineiro utiliza vários ramos do conhecimento humano que ele mesmo desconhece, como psicologia, sociologia, entre outros. O gosto pelo trabalho, a curiosidade, a coragem, entre outros fatores contribui para a construção do saber-fazer. Gostar do trabalho, ser curioso, tendo satisfação na realização das atividades, aprender algo novo ou desafiar os conhecimentos adquiridos são quesitos importantes na construção do conhecimento tácito. Jandir, cantineiro com 34 anos de profissão, disse emocionado: “amor ao trabalho, boa vontade, dedicação faz a gente saber tudo”. Conhecer e aprender o processo produtivo são fundamentais para aprender o saber-fazer. A rotina de trabalho, repetitiva, pode não exigir um conhecimento aprofundado, mas ajuda quando o andamento da operação é prejudicado por algum problema. Como todo ser humano, o cantineiro possui características pessoais, sendo um mais curioso, mais persistente e decisivo que o outro. “O magrão sabe fazer de tudo porque é fuçador, curioso, se mete em tudo... às vezes até se machucava, mas aprendeu bem”. (Mateus, cantineiro). O cantineiro curioso está sempre aprimorando a sua forma de trabalhar: “Memória, acompanhando, quando ocorre problema, tem que prestar atenção no serviço. 30 anos de cantina, 17 na Tecnovin e 13 no Cefet de Bento. Vários ensinaram. Sei todos os serviços, desde a uva até a garrafa” (Domingos, cantineiro do CEFET-BG). Ao meu ver, a forma como os cantineiros edificam seu saber, está associada à utilização de vários conhecimentos que habitam seu ser (ter “faro”, ter “jeito”, ser do “métier”), alguns imperceptíveis aos próprios trabalhadores. As tarefas intelecto-manuais, abstrato-concretas, formalinformal, dependem de critérios que se impõem com toda ambigüidade nas descrições das atividades. 178 proejafinalpmd.pmd 178 18/11/2007, 19:31 “Essa categoria de saberes que é necessária para o domínio do ofício mobiliza a pessoa na sua totalidade, o corpo e a mente, a habilidade e a reflexão. (...) Enfim, os antigos operários profissionais traduzem as exigências definidas pela norma – compreender, saber refletir, possuir um método, - nestes termos: compreender mecanismos, possuir um método de trabalho, saber agir para realizar determinada tarefa. Em suma, eles não valorizam disposições gerais por si mesmas, mas a atividade de pensamento finalizada” (DESAULNIERS, 1998, p.63). Para reforçar essa afirmação, a interdisciplinaridade se articula para concretizar o saber. O aprendiz de cantineiro nota que, para as atividades mais simples, como lavar as pipas, não há necessidade nem de instrução nem de experiência: “quando comecei aqui, há dez anos atrás, para lavar o chão e as pipas não precisei ter prática, já sabia fazer” (Paulo, cantineiro). Acredito ser duvidosa essa afirmação, pois Paulo fetichizou sua ação e não se lavam as pipas como se lava o chão ou uma parede, sendo necessário que um colega mais experiente mostre como executar a tarefa: “olha que não é bem assim, pois tem produto diferente pra lavar as pipas e tem que saber usar certo. Eu já ensinei até o chefe, pois vim de outra firma que já usava o produto” (Mateus, cantineiro). Acredito que foi a prática advinda da experiência adquirida no trabalho que lhe possibilitou o acesso a este conhecimento. E este conhecimento não raras vezes tem sido suficiente para ensinar o trabalho aos colegas e chefes. Os cantineiros disseram que começaram a trabalhar muito cedo, entre oito e doze anos, na lavoura com a família, com o pai na firma, em construções, no mercado do bairro desempenhando atividades diversas. Todos os entrevistados disseram ter aprendido a trabalhar na prática. Percebendo que o seu saber se originou praticando o ofício, sabendo que assim desempenham bem a tarefa, dizendo que a teoria é insuficiente para o aprendizado do trabalho. Reconhecem a importância de quem vai para a escola, porém percebem claramente que, embora dizendo que o que sabem é suficiente para trabalhar, a melhoria da sua vida depende da aquisição de um outro tipo de saber, conferido pela escola: o saber teórico. “Eu não consigo ir mais pra aula, mas meu filho vai estudar pra ser doutor, para que o filho dele não diga – viu, tu não quis estudar” (Natanael, cantineiro). “Seu discurso revela a incorporação da dicotomia saber teórico/saber prático, e a percepção de que eles têm finalidades diferentes e são adquiridos em diferentes locais; no trabalho, aprende-se a prática, na escola, a teoria. Ao mesmo tempo em que subvalorizam o ‘saber prático’, aspiram ao aces- 179 proejafinalpmd.pmd 179 18/11/2007, 19:31 so ao ‘saber teórico’ conferido pela escola e explicam pela própria incapacidade e impossibilidade de permanecer no sistema de ensino” (KUENZER, 1989, p.146). As relações sociais entre os cantineiros auxiliam muito na construção do saber tácito, nesse sentido, o saber não existe pronto e acabado, mas é resultado dessas relações. O cantineiro se defronta cotidianamente com problemas que a prática lhe apresenta, as quais ele tem que resolver. Nesse processo, ele vai experimentando, analisando, refletindo, indagando, discutindo, descobrindo e, desta forma, vai construindo um conjunto de explicações para a sua própria ação, ao mesmo tempo em que edifica formas de “fazer” ao seu jeito. Ele apreende, compreende e transforma ao mesmo tempo em que se transforma. Heitor Marson (Enólogo da Vinícola Marson) diz:”(...) pouco aprendi no curso que uso hoje. Aquelas teorias, que vem tudo de livro francês, espanhol e italiano não tem muita serventia aqui, porque estamos no Brasil, a terra é outra, o clima também”. Conforme Guedes (1997): “Essencialmente, o que a escola comum, (...) propõe é uma fraca iniciação ao ‘saber teórico’ que lhes é, de fato, por essa via, negado. Este saber, do modo como lhes é apresentado, não dá direção a ninguém. É preciso encontrar caminho para aqueles que se constroem pelo saber-fazer” (p.203). Portanto, o trabalhador do ramo enológico precisa ser especificamente treinado e o “saber fazer” ocupa papel de destaque nessa atividade. Buscando compreender mais a fundo a relação do trabalhador da indústria vinícola com o seu próprio trabalho, percebo uma situação que, para mim, assusta. O “trabalhar” manualmente ou no controle das diversas máquinas que sustentam a produção de vinhos mostra uma relação, a meu ver, não muito agradável entre o cantineiro e seu trabalho. As máquinas trouxeram avanço na produção de vinhos, segundo os olhares dos proprietários de vinícolas. Ao meu olhar, trouxeram uma submissão e uma dependência maior do trabalhador, pois além de substituir alguns, tornam outros realizadores de tarefas repetitivas, impedindo-lhes criar situações de trabalho novas, alienando-os. Isso, ao meu ver, impede relações de trabalho socializadas e humanizadas. Os cantineiros ficam submissos ao materialismo dos donos de vinícola, tornando-se repetidores de tarefas pré-determinadas: centrifugar, filtrar, clarificar, entre outras, sem criar. O trabalho do cantineiro assume a forma de uma espécie de mercadoria que produz, também, mercadoria. Sob a égide da investigação que realizei para a confecção deste 180 proejafinalpmd.pmd 180 18/11/2007, 19:31 estudo nas vinícolas, procurei compreender as relações dos trabalhadores desta indústria com a construção dos saberes que não advém da escola. Sob esta perspectiva, procurei compreender como os cantineiros, construíram seus saberes. Gravitando em torno de alguns eixos temáticos - história e a formação da classe trabalhadora industrial, o capitalismo e a construção dos saberes tácitos – compreendo que a construção desses saberes se dá no lócus de trabalho, a partir do ethos e de fatores sociais e psicológicos, entre outros. Diferentes grupos sociais produzem diferentes saberes. A construção do saber-fazer prepara somente para o ofício ou para a vida? O meio no qual o cantineiro está inserido parece ofuscar sua condição de liberdade e de construtor de um “saber da vida”, para desempenhar somente um ofício fragmentado tornando-o, assim, dependente e expropriado de seu saber. O aprendizado do saber tácito não ensina ao cantineiro saber exigir seus direitos, solucionar problemas sociais, de educação, segurança e saúde para sua família, entre outros. O saber-fazer constrói a história do cantineiro, história fabril e pessoal, influenciando a história familiar. O saber-fazer do cantineiro é gestado a partir de fatores muito significativos e importantes para ele. Esses fatores são, em primeiro lugar, a necessidade de trabalhar. A coragem, vontade de aprender vem somar ao primeiro juntamente com a curiosidade. O uso de diversas áreas do conhecimento humano, como psicologia, sociologia, e outras enriquecem esta formação, sob o manto de sua práxis. Ao me debruçar sobre essa realidade a analisar a questão, compreendo que ele é impedido de ser um sujeito com alto conhecimento tecnológico, de comprometer-se socialmente na construção de sua identidade e de ter senso crítico. Nesse sentido, o saber não existe pronto e acabado, mas é síntese das relações sociais que os cantineiros estabelecem na construção de seu saber e de sua história de vida, pela união incessante de contrários – tese e antítese – numa categoria superior, a própria síntese. Assim, ao edificar seu saber-fazer, o cantineiro apreende, compreende, transforma e se transforma em um ser repleto de saberes. Mesmo sendo “rato de porão”, precisa resolver (e resolve) problemas oriundos da prática de trabalho cotidiana. No trabalho, portanto, se fundem teoria e prática como momentos inseparáveis e dialeticamente relacionados. E não é nas instâncias superiores das atividades intelectuais e sim no terreno firme das relações sociais que o cantineiro constrói conhecimento. Acredito que nessa construção existem dois pólos contrários que interagem entre si: a atividade 181 proejafinalpmd.pmd 181 18/11/2007, 19:31 intelectual e a manual. Ambas são interdependentes, pois não há ação sem antes pensá-la e não há pensamento sem antes ter ação. O cerne da minha crítica sobre a raiz da construção do saber tácito do cantineiro são as relações de produção. Nas vinícolas, essas relações possuem visão unilateral, hegemônica e conservadora. Assim sendo, penso que o cantineiro, de certa forma reproduz uma perspectiva hegemônica, pois aceita a estrutura de funcionamento sem questionar. Se pensar só no trabalho, a relação de produção é hegemônica, mas se for, além disso, com preocupação na formação humana, consciência de compromisso social, quebrar preconceitos, desenvolver senso crítico é contrahegemônica. Há uma ambigüidade: se o cantineiro perceber o todo do processo de construção de seu saber, poderá usá-lo e modificá-lo, será proprietário de seu conhecimento, porém, coerência na totalidade não existe, pois estamos sempre buscando. O patrão deve proporcionar a plena liberdade e condições para que haja um livre exercício da construção do ofício, o que, na verdade, não ocorre. Ao aprender com os que já sabem, aprende só o que os outros sabem, pois também foram construídos dessa forma, limitadamente. Na zona sombria e obscura dos porões das vinícolas habitam saberes construídos sem olhares de reconhecimento. Novos fachos de luminosidade me permitiram ver onde parecia faltar luz. Esse novo olhar abre uma profunda discussão, pois a construção dos saberes da experiência me faz chegar a uma compreensão que abre caminho para um terreno repleto de complexidade e com o desvendar dos mistérios surgem novas e intrigantes indagações, mostrando um horizonte que não termina por aqui. A discussão não está terminada, não é possível concluir para a eternidade, pois tentei e estou tentando entender as relações do cantineiro, um ser humano, com toda a sua incompletude, sentimentos e emoções, com o seu trabalho e com o aprendizado de seu ofício. Nesse aprendizado, o cantineiro demarca seu território, edifica a sua auto-importância com base em alicerces empíricos comungados individual ou socialmente. Assim, ele define a sua identidade, constrói sua segunda casa, pois se enraíza no local, equipamentos, pipas e no próprio colega, fundindo uma amizade ao calor do vinho, aquele especial, bebido às escondidas na sexta-feira, final de expediente, nos meandros das enormes pipas, suas irmãs. E nesse efeito inebriante proporcionado por Baco, surgem risadas, brincadeiras, algumas não bem-vindas, causadoras de tumulto, deteriorando o clima amigável. Como visto em BAUDELAIRE (1998): 182 proejafinalpmd.pmd 182 18/11/2007, 19:31 “Profundos prazeres do vinho, quem não os conhece? (...) Como é verdadeira e abrasora esta segunda juventude que o homem dele retira! Mas são, também, perigosas suas volúpias fulminantes e seus encantamentos enervantes!” (p.186). É ali que o vinho desempenha um de seus papéis: do acolhimento, das dificuldades, inquietações e intrigas. É nesse momento que irradia o apego, o costume de ali estar. Revela-se íntimo, familiar, dotado de sentido próprio, construído na fraternidade ao se ajudar a resolver problemas inesperados. Isso é ser tácito. Isso é ser empírico. Isso é ser ofício de cantineiro. Referências BAUDELAIRE, Charles Pierre. Paraísos Artificiais. Porto Alegre: L&PM, 1998. DELUIZ, Neise. Formação do Trabalhador: Produtividade & Cidadania. RJ: Shape, 1995. DESAULNIERS, Julieta Beatriz Ramos. Formação & Trabalho. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1998. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 1986. GUEDES, Simoni Lahud. Jogo de Corpo. Niterói: EDUFF, 1997. KUENZER, Acácia Zeneida. Pedagogia da Fábrica. 3.ed., São Paulo: Cortez Editora, 1989. TITTONI, Jaqueline. Subjetividade e Trabalho. Porto Alegre: Ortiz, 1994. 183 proejafinalpmd.pmd 183 18/11/2007, 19:31 FAZÊ CARVÃO TEM CIÊNCIA! APRENDENDO COM OS SABERES DO TRABALHO E DA VIDA PARA PENSAR O TRABALHO E A FORMAÇÃO DE EDUCADORES DA EJA E DO PROEJA Maria do Carmo Canani1 Naira Lisboa Franzoi2 Introdução Este artigo nasce do estudo que realizei tendo em vista a conclusão do Curso de Especialização em Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA/UFRGS3 O estudo teve como objetivo discutir a formação social de educadores de jovens e adultos e educadores do Programa de Integração da Educação Profissional Técnica de Nível Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA), tendo por base a questão do trabalho. Para concretizar esse objetivo, foi realizada uma oficina pedagógica, “O Velho Vendedor de Carvão”4, com três grupos de educadores e um grupo de carvoeiros da localidade de Samambaia, na zona rural do 1 Graduada em Letras pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Educadora popular, com experiência em formação de educadores de jovens e adultos. 2 Professora da Faculdade de Educação da UFRGS, Dra. em Educação, orientadora do Trabalho de Conclusão decurso da autora do presente artigo. 3 Conclusão do Curso: 2007. 4 A oficina compõe-se de três momentos: contato com o carvão e produção individual e coletiva a partir das diferentes representações (1); interação com o livro “O Velho Vendedor de Carvão” e início da discussão sobre trabalho (2); aprimoramento da discussão a partir de três músicas que abordam a questão do trabalho: “A Força que Nunca Seca”, de Vanessa da Mata, “Capitão de Indústria”, do Grupo Paralamas do Sucesso, e “Cidadão”, de Zé Ramalho. 184 proejafinalpmd.pmd 184 18/11/2007, 19:31 município de São Francisco de Paula. Dois grupos de educadores foram estudantes do Curso de Especialização em Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos - PROEJA/UFRGS - turma de Porto Alegre e de Bento Gonçalves - RS, e um era formado por educadores populares do Programa de Auxílio Solidário - PAS, desenvolvido pela Secretaria de Assistência, Cidadania e Inclusão Social do município de São Leopoldo RS. Na oficina realizada nos diferentes grupos, a discussão sobre trabalho é desencadeada a partir das representações construídas, individual e coletivamente, sobre o produto carvão. A oficina surge, sobretudo, das diferentes experiências de que participei como educadora de trabalhadores, em diferentes espaços: chão de fábrica, universidade, sindicato, movimentos sociais. Nessas experiências, ampliei minha visão sobre o mundo do trabalho e sobre o contexto social, o que me possibilitou, também, atuar na formação de educadores de jovens e adultos. Como referencial teórico do estudo, foram utilizados textos de Gaudêncio Frigotto, Yves Schwartz, Paolo Nosella, Miguel Arroyo e Marise Ramos. Pelos limites deste texto e pela riqueza de dados da oficina desenvolvida com os carvoeiros, opto por relatar, na íntegra, apenas essa oficina. Eu já sei o que é, e conheço muito bem isso, o carvão - Oficina 4 -Carvoeiros de Samambaia São Francisco de Paula - RS A oficina foi realizada no dia 12 de maio de 2007, na casa do casal Eloni Teresinha Bertuol Boff e César Rudimar Boff, ambos carvoeiros e agricultores rurais, residindo e trabalhando na localidade de Samambaia, zona rural de São Francisco de Paula, município que faz parte da região dos Campos de Cima da Serra. A localidade de Samambaia fica a 8 km da cidade, e a estrada é de chão. Uma estrada estreita, rodeada pela linda natureza da serra. Passamos por algumas poucas casas, por uma escola, e encontramos pouquíssimas pessoas nesse trajeto. Acompanhou-me, nessa experiência, uma amiga que também atua na área de educação e trabalho. Ao nos aproximarmos do grupo, pedi desculpas pelo atraso de dez minutos - chegamos às 14h 40min. O grupo nos recebeu cordialmente, e Eloni nos ofereceu um chimarrão, seguran185 proejafinalpmd.pmd 185 18/11/2007, 19:31 do no colo uma das netas gêmeas de oito meses, que ficaram com os avós durante toda a tarde. É interessante dizer que um dos participantes, quando nos viu chegar, foi saindo e desapareceu. Só soubemos disso depois, quando íamos começar o trabalho e o marido de Eloni, César Rudimar, comentou sobre o desaparecimento de José Roque. César disse que o outro havia fugido porque ele brincara com o primo dizendo que éramos do IBAMA, e foi buscá-lo. Com o retorno de Roque, iniciamos o trabalho. Primeiramente, tentei explicar ao grupo o motivo de estarmos lá com eles, tentando quebrar a idéia da fiscalização. Disse que o objetivo desse trabalho, principalmente, era valorizar o trabalho dos carvoeiros e aprender com eles, ou seja, o oposto de uma fiscalização. César comentou que, no início, houve um pouco de resistência, mas que resolveu dar uma força quando soube que seria eu que faria o trabalho, uma vez que já me conhecia. Ainda assim, Roque disse que queria fazer um pedido: Vocês podiam ajudar a gente [...] (referindo-se ao IBAMA). Então, César falou: Cala a boca, rapais, isso é outra coisa. Logo em seguida, fizemos uma rodada de apresentação dos cinco participantes do grupo: Avelino Boff: 92 anos, aposentado. Trabalhou 16 anos com produção de carvão de estufa, desde os 6 anos. A partir dessa idade, por um período de três a quatro anos, ia à frente com os animais trilhando para preparar plantios, inclusive de acácia. Inês Teresinha Ramos Ferreira: 62 anos, aposentada. Tia de Eloni. Trabalhou sempre na lavoura, mas também ajudava o marido a produzir carvão (carvão feito no chão, tapado com vassoura e terra). João Roque Bertuol: 58 anos. Primo de Eloni. Trabalhou desde os 15 anos com carvão feito no chão, mas hoje trabalha apenas como agricultor. César Rudimar Griffante Boff: 42 anos, agricultor rural e produtor de carvão de estufa, há 25 anos. Filho de Seu Avelino. Eloni Teresinha Bertuol Boff: 46 anos, casada com César. Professora municipal há 17 anos, trabalhando com classes multisseriadas (1ª a 4ª série do Ensino Fundamental). Trabalha com carvão nas férias ou no turno contrário ao turno de trabalho. Ao Eloni revelar sua idade, Seu Avelino comentou: Eu tenho o dobro da idade dela. Todos ficaram admirados com seu raciocínio rápido, e então comentamos sobre a matemática da vida. Depois das apresentações, desenvolvemos o primeiro momento da oficina - o contato com o carvão. Primeiramente, brinquei dizendo que havia levado de presente para eles algo que não conheciam, sugerindo que cada um pusesse a mão dentro de um saco de papel e tirasse algo de dentro. Distribuí, também, uma folha de ofício para cada participante. 186 proejafinalpmd.pmd 186 18/11/2007, 19:31 João Roque, antes de retirar o carvão do pacote, comentou: Eu já sei o que é, e conheço muito bem isso!. Quando viu o produto, exclamou: Carvão!!. Depois, associando o carvão à possibilidade de escrita, disse: Eu sou vivo, eu já peguei um de biquinho. Seu Avelino, ao pôr a mão dentro do saco de papel, falou: Ah, bolacha!. Ao pegar o carvão, Roque disse, convicto: Este carvão tem água, porque suja a mão. A afirmação de Roque provocou uma discussão em torno da qualidade do produto. Roque concluiu: Alguns colocam água no carvão para pesar mais. Comentei sobre os paus inteiros que vêm no saco de carvão, e César completou: É sacanagem! Eles fazem isso pra ganhar mais. Admiramo-nos quando ouvimos que o carvão de boa qualidade é completamente limpo, não suja as mãos, pois não tem água. Salientamos, então, a importância dos saberes contidos no trabalho. Depois do impacto inicial do produto, e da primeira discussão que se desencadeou, foi lançado o desafio: registrar no papel, através da escrita ou do desenho, a primeira sensação/sentimento/memória a partir da observação do produto. Comentei que podiam usar o próprio carvão para registrar, mas também pincel atômico ou caneta. Eloni, César e Inês aderiram prontamente à proposta, demonstrando facilidade para expressar no papel o que estavam pensando/sentindo. Roque demonstrou uma certa timidez, ou uma certa dificuldade para se expressar, mas não desistiu da idéia. Primeiro, tentou escrever com o pincel atômico, estimulado por César, que dizia: Escreve!. Como teve dificuldade com o pincel, César pediu uma outra folha e uma caneta para Roque, ajudando-o na escrita. Quanto a Seu Avelino (92 anos), começou tentando escrever com o carvão, depois com a caneta, uma frase e seu nome, mas depois disse: Já fiz muito carvão, não lembro mais nada! Vou botar: estou esquecido!. Disse-lhe, então: Não tem problema, Seu Avelino. O senhor pode escrever que está esquecido. Ele tentou novamente, mas acabou não escrevendo. Vendo isso, Dulce comentou: Não tem importância se o senhor não escrever, o importante é que está aqui com a gente, e o senhor pode falar. No momento seguinte, cada um falou sobre o que registrou, e foram surgindo muitas histórias. Foi César quem começou falando: Quando eu faço um carvão, eu penso em quem tá fazendo um bom churrasco. Se for bom, vão querer mais!. Seu Avelino, muito quieto depois que não havia conseguido escrever, a partir do que o filho colocou, começou a falar: Eu levava carvão pra Novo Hamburgo, e o César era o motorista. Levava de Kombi. Hoje eu não fazia mais. Ao lhe perguntar se o trabalho era difícil, ele 187 proejafinalpmd.pmd 187 18/11/2007, 19:31 comentou: O trabalho não! Mas o frio que eu passava. Gelado. Os outros dois, César e Roque, comentaram, então, que era preciso cuidar do carvão a noite toda, mesmo com frio, pois senão, se os buracos não fossem fechados na hora certa, o carvão era perdido e arrebentava a estufa, e tudo virava em cinza. João Roque fez uma comparação: É como uma pessoa doente, a gente tem que ficar em cima. Eloni mostrou seu registro: a árvore que dá o carvão. Desencadeou-se, então, uma conversa sobre as árvores que utilizam para produzir o carvão: eucalipto e acácia. Eles comentaram que fazem a produção do carvão desde o plantio da árvore: planta pra usar, corta uma e planta cinco. Com relação à acácia, Eloni salientou que depois do corte é preciso queimar toda a área, e ainda tem que cuidar das formigas. De oito anos pra cima, as árvores podem ser cortadas, explicou César. Segundo o carvoeiro, não pode colocar no forno só lenha grossa, tem que ser a grossa e a fina, para não ficarem espaços vazios. Enfim, cada um queria mostrar o que sabia de seu trabalho. Chegou a vez de Roque explicar sua escrita: o carvão me ajudou muito. Ele contou, então, que produzia o carvão no chão, não na estufa (forno). Trabalhou nesse sistema desde os quinze anos, mas depois parou, por causa de um acidente que ocorreu com o filho, que queimou os pés quando pulava em cima da caieira, ficando hospitalizado por vários meses. Hoje, ele só trabalha na lavoura. César ajudou-o a explicar as etapas desse antigo processo de produção do carvão: empilhar a madeira; tapar com vassouras verdes; cobrir as vassouras com terra; nas laterais, fazer buracos, para a fumaça sair; atrás, fazer um suspiro; ao mesmo tempo, ir socando a caieira - parte alta (pulando por cima) - e fechando os buracos laterais, até chegar no fim - suspiro (medidas da caieira: 2m de largura, 4m de comprimento e 1,5 m de altura). Roque comentou que trocava o carvão por alimentos, no armazém. César disse que eles plantavam também, não só olhavam o carvão plantavam perto de onde o produto estava sendo feito. Aproveitavam a lenha que estava no espaço do plantio para fazer carvão - planta silvestre, de mato. Perguntamos a Roque se ele começaria tudo de novo, e ele disse que sim. César explicou-nos, também, o processo de produção do carvão na estufa (forno). Enche-se o forno com a madeira, sendo que nele também há buracos laterais e o suspiro. Quando os buracos começam a ficar vermelhos, é hora de fechá-los, senão o carvão está perdido. Por fim, ele comentou: Se são três dias pra queimar, são três dias pra apagar - tá pronto o carvão!. Perguntado sobre quem fazia os fornos, César disse que há pessoas na comunidade que os fazem Ele também 188 proejafinalpmd.pmd 188 18/11/2007, 19:31 lembrou que, antigamente, o carvão era transportado numa carreta de bois, com correntes nas rodas, depois numa caminhonete. Inês não falou sobre o registro - teve dificuldade para falar sobre o que desenhou e escreveu. Dulce sugeriu que ela não se prendesse ao registro e falasse da experiência, e ela, então, contou que ajudava o marido, quando podia, na produção do carvão. Comentou que tinha que cortar a madeira, e que era um trabalho muito pesado. Perguntamos com quem eles haviam aprendido tudo isso, e César respondeu: A nici ajudou a gente. Quando ela não nos indicava, ela nos empurrava (referindo-se à necessidade). E eu sempre fui ambicioso. Ele comentou, ainda, que com 15 anos começou a mexer no forno, pois antes seu pai não permitia, achando que só ele sabia fazer carvão, sendo muito resistente a mudanças: O mestre não deixava. Roque completou: O mestre-sala!. Depois disse: eu aprendi por conta, ninguém me ajudou. Aproveitei para perguntar se na escola, quando crianças, eles aprenderam ou discutiram sobre o carvão. César respondeu: Na escola só ouvi falar de carvão mineral, dos perigos que as pessoas passavam [...] O grupo começou a conversar, então, sobre os professores de antigamente, que davam muito castigo e até surravam os alunos. Todos comentaram que estudaram até o “quinto ano” - não ficou claro se foram cinco anos na escola ou se estudaram até o antigo quinto ano primário. Muito interessante, finalizando essa etapa da oficina, foi que eu comentei com Dulce que não iria trabalhar com as músicas, em função do horário. César brincou: Mas tem gente aqui que gosta de cantar!. Minha amiga perguntou: Alguém aqui conhece alguma música que fale sobre trabalho?. E Roque, imediatamente, responde à pergunta cantando, inteira, a música “Colono”, de Teixeirinha. Passamos, então, ao último momento da oficina: a história “O Velho Vendedor de Carvão”5. Muito interessante foi observar os rostos enquanto olhavam apenas as imagens do livro, sem o texto escrito pareciam crianças!. Seu Avelino observou que o velho não tinha sapatos, que devia sentir frio, e então fizemos uma relação com o que ele havia falado antes sobre o frio que passava durante a noite, quando tinha que ficar cuidando do carvão. Olhadas as imagens, feitas algumas hipóteses, eu perguntei: Será que a história do velho tem um final feliz?. A história foi então lida, sendo apresentadas novamente as imagens. 5 “O Velho Vendedor de Carvão” – é um texto chinês muito antigo e popular, de crítica social, cujos autores são Pó Chu-i e Cen Long. 189 proejafinalpmd.pmd 189 18/11/2007, 19:31 À medida que eu lia o texto, já íamos relacionando-o com as histórias que eles haviam contado sobre si - por exemplo: o velho esperava algumas moedas para encher de arroz seu prato vazio, e Roque havia comentado que trocava o carvão por alimentos no armazém; o velho era muito pobre, talvez nem tivesse casa, e não recebeu pagamento do Imperador por seu trabalho (apenas uma homenagem ao boi), e eles já ganharam um bom dinheiro com a produção do carvão, além de trabalharem como agricultores rurais; o velho era persistente, voltou à montanha para fazer tudo de novo, e eles também são persistentes; o personagem da história construiu saberes sobre seu trabalho, assim como eles. No final da história, perguntei: Afinal, o que o velho tem de diferente de vocês e o que tem de igual, além do que já comentaram?. Roque disse: Pra mim não tem nada de diferente, tudo é trabalho. Fomos, então, conhecer o forno e aprender, na prática, como se faz o carvão no chão. Na volta, para nossa surpresa, Eloni convidou-nos para tomar café - um verdadeiro café colonial, com produtos da terra, como pinhão e banana, e outros feitos pela dona da casa: cuca, queijo, nega maluca. No final do café, ganhamos um vidro de mel, feito manualmente (espremido com a mão) pela família (um vidro para cada uma). Já eram mais de 18h, e uma forte cerração tomava conta do lugar - tudo branco! Despedimo-nos afetuosamente de todas e de todos, e fomos embora, tremendo de frio e quase sem enxergar nada por causa da neblina. Valeu! A ‘NICI’ AJUDOU A GENTE: QUANDO ELA NÃO NOS INDICAVA, ELA NOS EMPURRAVA - ANALISANDO A EXPERIÊNCIA Desde sempre, o trabalho pode ser considerado a base da vida. Na visão marxista, o trabalho é, fundamentalmente, interação dos homens entre si e com a natureza. No entanto, apesar de ser fundamental à produção e reprodução dos bens da vida, nem todos têm tido o direito de apropriar-se dele. Segundo Gaudêncio Frigotto (2002, p.12-13), “a história humana, infelizmente, até hoje, reitera a exploração de seres humanos por seres humanos e de classes por classes”. Portanto, o trabalho tem dupla face: criação e destruição da vida. Para Nosella (2006), são três as dimensões fundamentais da interação homem-natureza: comunicação/expressão, produção e 190 proejafinalpmd.pmd 190 18/11/2007, 19:31 fruição. Conforme o mesmo autor, na dimensão da comunicação-expressão, o homem interage, física e espiritualmente, com o mundo e com os outros. Então, primeiro se expressa, se comunica, admira, contempla, entende e explica, cumprindo com a primeira dimensão do trabalho. Quando produz e cria objetos materiais, artísticos, técnicos e intelectuais, o ser humano, interagindo com a natureza e com outros, trabalha - sentido da produção. Na dimensão da fruição, o ser humano frui dos bens naturais, industriais, artesanais, estéticos, interagindo com a natureza e com os outros seres humanos, completando o processo de trabalho. Na oficina realizada com os diferentes sujeitos: educadores de adultos e carvoeiros, dois aspectos ficam evidentes: 1º - Os educadores relacionam o carvão muito mais à fruição, uma vez que são usuários e não produtores, vagamente relacionandoo a trabalho humano. Nesse caso, a fruição é representada não somente pela alusão ao churrasco de domingo, ou ao calor do fogão, mas à fruição do trabalho produzido, das lembranças vindas à tona (o carvão que virou arte, para expressar sentimentos, evocar memórias: infância, lazer, conflitos internos, relação com a prática educativa, entre outras). De certa forma, considerando o processo de construção desencadeado pela oficina, também estão presentes, nesse grupo, as dimensões comunicação/expressão e produção. Mas produção de outra natureza, ou seja, a partir do carvão, produzem arte, comunicando, expressando idéias, emoções - produção subjetiva. 2º - Os carvoeiros pesquisados vêem-se como produtores e percebem-se sujeitos de seu trabalho, uma vez que trabalham para si e não como empregados. Além disso, percebem-se produtores de um saber como carvoeiros: esse carvão tem água, porque suja a mão; fazê carvão tem ciência!; a ‘nici’ ajudou a gente: quando ela não nos indicava, ela nos empurrava. Nesse sentido, expressam-se, comunicam-se, parecem ter orgulho do que produzem: colaborando para um bom churrasco!, como disse o carvoeiro César - dimensão da comunicação/ expressão. E não dá para dizer que não usufruem do que produzem, não apenas porque deixaram claro que é possível ganhar algum dinheiro com a produção do carvão, e por isso também têm condições de saborear de vez em quando o seu churrasco, mas pela própria fruição do processo de produzir, em que se sentem valorizados e não explorados - para eles, o trabalho tem mais a face da criação do que da destruição da vida. Talvez fosse diferente se a oficina tivesse sido realizada com carvoei- 191 proejafinalpmd.pmd 191 18/11/2007, 19:31 ros assalariados ou com trabalhadores das minas, mas ainda assim, como aponta Yves Schwartz (2003, p.22), “a experiência é sempre, em parte, encontro.” Quando fala de trabalho e saber, Schwartz (2003, p. 23) afirma que toda atividade de trabalho é atravessada de história. Mas, segundo ele, quando se trata de trabalho, se isto é verdade também, não se trata de uma ‘pequena história’, de uma história marcada pelo acaso das vidas individuais: nenhuma situação humana, sem dúvida, concentra, ‘carrega’ com ela tantos sedimentos, condensações, marcas de debates da história das sociedades humanas com elas mesmas quanto as situações de trabalho: os conhecimentos acionados, os sistemas produtivos, as tecnologias utilizadas, as formas de organização, os procedimentos escolhidos, os valores de uso selecionados e, por detrás, as relações sociais que se entrelaçam e opõem os homens entre si, tudo isto cristaliza produtos da história anterior da humanidade e dos povos. A oficina realizada com os carvoeiros reforça as idéias do autor. Quanto de história está impregnado no relato dos processos de produção do carvão (no forno e no chão), das tecnologias utilizadas (forma mais e menos artesanal), das relações familiares (o pai que ensinou ao filho, que talvez ensine aos filhos e netos; o acidente do filho no trabalho) e sociais - o fato de serem também agricultores rurais e de trabalharem sem patrão. Qual a relação das oficinas com a formação de educadores, em especial dos educadores de EJA e do PROEJA? Os processos educacionais, escolares ou não, são práticas sociais não-neutras, podendo reforçar as relações capitalistas que subordinam o trabalho e todos os bens, pois têm o mercado e o capital como base de tudo, para o privilégio de poucos. Mas esses processos também podem constituir-se em instrumento de crítica em relação a tais relações sociais e em produtores de uma nova sociedade, afirmando o “humano como medida de todas as coisas e os bens do mundo como bens de uso de todos os seres humanos” (FRIGOTTO, 2002, p. 24). Poderíamos perguntar-nos: se o trabalho é o fundamento da vida, qual é nossa visão de trabalho - visão do mercado ou visão humana? Qual a importância de se tomar o trabalho como uma das bases da formação de educadores de jovens e adultos? Sem uma formação social consistente dos educadores, como pensar numa proposta de ensino médio que seja omnilateral, a exemplo do que propõe o PROEJA? A respeito da importância de se considerar a historicidade nas atividades de trabalho, SCHWARTZ (2003, p. 23) diz: 192 proejafinalpmd.pmd 192 18/11/2007, 19:31 Se o trabalho é atravessado pela história, se ‘nós fazemos história’ em toda atividade de trabalho, então, não levar em conta esta verdade nas práticas das esferas educativas e culturais, nos ofícios de pesquisadores, de formadores, nas nossas práticas de gestores, de organização do trabalho, e também nas nossas práticas de cidadãos, é desconhecer o trabalho, é mutilar a atividade dos homens e das mulheres que, enquanto ‘fabricantes’ de história, re-questionam os saberes, reproduzindo em permanência novas tarefas para o conhecimento. Pensar a formação de adultos, a formação profissional sem se indagar sobre o que os educandos já construíram como saberes em seu trabalho, “e como esse trabalho sobre suas próprias competências inscreve-se em projetos de vida, é contentar-se com uma certa esterilidade do ato educativo” (SCHWARTZ, 2003, p. 29). Quando diz: fazê carvão tem ciência, César não apenas tem consciência de que tem um saber construído em sua atividade de trabalho como, mais do que isso, questiona-nos sobre o significado de ciência e sobre a oposição entre saber científico e saber popular, dando-nos a entender que o saber popular também é explicado por uma ciência para explicar o mundo, ao contrário do que historicamente vem sendo afirmado: que uma coisa é o saber científico e outra é o formal. Conclusão A experiência da oficina realizada com os carvoeiros parece mostrar-me (ou mostrar-nos) que, acima de tudo, muito pouco sabemos sobre o mundo do trabalho, ainda que tenhamos a pretensão de ser educadores. Um dos educadores participantes da oficina, na apresentação de seu grupo de trabalho, dá-se conta disso, quando diz: A gente olha para essa cadeira e não se dá conta de que por trás dela há uma humana história. Assim, acabamos olhando banalmente para os objetos, produtos de longo, muitas vezes penoso, mas sempre humano trabalho: o sapato, o alimento, as roupas - produtos, enfim, que garantem a sobrevivência ou a riqueza humana. E, assim, acabamos por olhar com banalidade, também, para os seres humanos que os produziram e nem sempre os têm em abundância. O carvoeiro Roque adverte-nos sobre esse olhar de banalidade, ou até de deboche e desprezo em relação ao trabalhador, especialmente o trabalhador rural, quando canta a música “Colono”, de Teixeirinha, no 193 proejafinalpmd.pmd 193 18/11/2007, 19:31 momento em que é perguntado se alguém do grupo conhece uma música que fale de trabalho. Não se trata apenas de uma música que fala de trabalho, mas que fala de seu trabalho (de Roque), de sua vida e do trabalho e da vida dos pequenos agricultores rurais, que produzem alimentos - e, no caso dele e dos outros quatro participantes da oficina, também carvão para os moradores da cidade, sendo, muitas vezes, tratados com indiferença ou discriminação por alguns desses moradores. Uma proposta curricular para se contrapor a esse olhar banal com que se olha para a realidade precisa possibilitar às pessoas que compreendam essa realidade para além dos fenômenos. Segundo Marise Ramos (2005, p. 114), dois pressupostos filosóficos embasam a organização curricular nessa perspectiva: O primeiro deles é a concepção de homem como ser histórico social que age sobre a natureza para satisfazer suas necessidades e, nessa ação, produz conhecimentos como síntese da transformação da natureza e de si próprio. Assim, a história da humanidade é a história da produção da existência humana, e a história do conhecimento é a história do processo de apropriação social dos potenciais da natureza para o próprio homem, mediada pelo trabalho. Por isto, o trabalho é mediação ontológica e histórica da produção do conhecimento. O segundo princípio é que a realidade concreta é uma totalidade, síntese de múltiplas relações. Mas isso não se concretiza sem uma proposta, também, de formação de educadores. O grande desafio, pois, de uma proposta de formação de educadores de adultos, portanto de educadores do PROEJA, na perspectiva do currículo integrado para uma formação omnilateral, é o da construção, primeiro, de um outro olhar, sensível, sobre o trabalho, sobre o humano e sobre o social, sobre as histórias que estão por trás, lembrando a fala do educador já comentado. Dispor-se a aprender com o trabalho, para além do trabalho, numa relação de escuta, de troca, de vida. O trabalho como princípio educativo precisa deixar de ser um discurso bonito para ser uma vivência. Deixar-se aprender pelo e com o trabalho, portanto, pelos e com os trabalhadores. Com certeza, sendo educada e educando na troca com os carvoeiros, amplia-se minha visão sobre o carvão e sobre os seres humanos que o produziram. Voltando ao título do estudo e deste artigo: FAZÊ CARVÃO TEM CIÊNCIA! - APRENDENDO COM OS SABERES DO TRABALHO E DA VIDA PARA PENSAR O TRABALHO E A FORMAÇÃO DE EDUCADORES DA EJA E DO PROEJA, é possível dizer que construir um outro olhar sobre o trabalho e sobre os trabalhado194 proejafinalpmd.pmd 194 18/11/2007, 19:31 res, e entender, sem preconceitos, o que o trabalhador César diz, também tem ciência. Talvez, então, seja preciso repensar o próprio conceito de ciência, colocada a serviço dos seres humanos, da vida, e não do mercado. Segundo Miguel Arroyo (2000, p. 78), para pensar um projeto de formação é necessário ser capaz de fazer a vinculação do mundo da produção com o mundo da civilização e com o processo da formação da espécie humana, de sua constituição como sujeitos sociais e culturais e, por isso, como sujeitos identitários. Do contrário, a única relação possível é a da formação e a da educação com o mercado de trabalho, formando sujeitos empregáveis. E é sempre bem-vinda a palavra de Freire (1968, p. 90): não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão. Mas, se dizer a palavra verdadeira, que é trabalho, que é práxis, é transformar o mundo, dizer a palavra não é privilégio de alguns homens, mas direito de todos os homens. Mas há que se continuar sonhando, não apenas com uma educação diferente, mas também com uma sociedade diferente, lembrando o sempre bem-vindo poema de Thiago de Mello - Estatutos do Homem: “Fica decretado que agora vale a verdade, agora vale a vida, e de mãos dadas trabalharemos todos pela vida verdadeira”. Referências ARROYO, Miguel. Ação política sobre a educação profissional. Outras falas, nº3, p. 71-79, ago. 2000. CHUI, Pó; LONG, Cen. O velho vendedor de carvão. Jaoão: Shinseken, 2003. FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1968. MELLO, Tiago de. Estatuto do homem. Disponível em <http:// www.corassol.org.br/estatutodohomem.htm>. Acesso em : 12 dez 2006. NOSELLA, Paulo. Trabalho e perspectivas de formação dos trabalhadores: para além da formação politécnica. In: Conferência realizada no I Encontro Internacional de Trabalho e Perspectivas de Formação dos Trabalhadores, 2006, Fortaleza. Anais da Conferência realizada no I Encontro Internacional de Trabalho e Perspectivas de Formação dos Trabalhadores Universidade Federal de Fortaleza – CE: LABOR, 1996. 195 proejafinalpmd.pmd 195 18/11/2007, 19:31 RAMOS, Marise. Possibilidades e desafios na organização do currículo integrado. In: FRIGOTTO, Ciavatta; RAMOS, Marise (orgs.). Ensino Médio integrado: concepção e contradições. São Paulo: Cortez, 2005. p. 106-125 SCHWARTZ, Yves. Trabalho e saber. Trabalho e Educação. vol. 12, n. 1, p. 2134, jan-jun. 2003.FRIGOTTO, Gaudêncio. A dupla face do trabalho: criação e destruição da vida. In: ______. A experiência do trabalho e a educação básica (orgs). Rio de Janeiro: Dp&A, 2002. p. 11-28. 196 proejafinalpmd.pmd 196 18/11/2007, 19:31 OS SUJEITOS DO PROEJA: QUESTÕES GERA CIONAIS, PROCESSOS DE GERACIONAIS, INCLUSÃO E CURRÍCULO 197 proejafinalpmd.pmd 197 18/11/2007, 19:31 PROEJA E ESCOLA TÉCNICA: QUEM SÃO SEUS ALUNOS? Maria Isabel dos Reis Souza Carvalho1 Tania Beatriz Iwasko Marques2 Introdução O objetivo deste artigo é traçar um paralelo entre os alunos da Escola Técnica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul considerando-se as diferentes modalidades de ingresso destes nos cursos técnicos. Com base em um Perfil traçado a partir de pesquisa realizada no ano de 2002, busca-se a comparação entre o perfil dos alunos que ingressaram mediante exame de seleção e os alunos do PROEJA (Programa de Integração da Educação Profissional Técnica de Nível Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos) – baseado no Decreto nº. 5.840, de 13/07/2006 – que ingressaram na Escola Técnica neste ano de 2007. Os alunos regulares ingressam por Exame de Seleção, realizado duas vezes por ano nos meses de julho e dezembro. Os alunos do PROEJA, ao contrário, ingressam na escola por sorteio. Já que os dois grupos de alunos serão colegas em um curso técnico da escola, com o objetivo de estabelecer uma comparação entre os dois grupos, foi aplicado um questionário aos alunos do PROEJA. Após a aplicação do questionário e tabulação dos dados, será possível estabelecer um perfil comparativo entre os dois grupos. 1 Acadêmica do Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, no Curso de Especialização em Educação Profissional Média Integrada ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos. 2 Professora da Faculdade de Educação da UFRGS, Dra. em Educação, orientadora do Trabalho de Conclusão de curso da autora do presente artigo. 198 proejafinalpmd.pmd 198 18/11/2007, 19:31 Perfil dos alunos Perfil dos alunos do Ensino pós-Médio da Escola Técnica Um estudo feito pela Escola Técnica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), por meio da aplicação de 425 questionários, no período de 30 de setembro a 7 de outubro de 2002, permitiu coletar dados que nos mostram um pouco da realidade dos alunos desta instituição. Os resultados que integram este relatório referem-se aos alunos da Escola Técnica, agrupados em duas áreas: Ciências da Natureza – que compreende os cursos técnicos de Biotecnologia, Monitoramento e Controle Ambiental e Química; e Gestão Empresarial – que compreende os cursos de Secretariado, Contabilidade, Gestão, Sistema de Informações, Segurança do Trabalho e Transações Imobiliárias. Dessa análise feita, foram selecionadas algumas perguntas pertinentes aos dois grupos, escola técnica e PROEJA. As respostas foram analisadas e organizadas em tabelas para maior visualização e interpretação dos dados. Tabela 1 – Escolaridade dos alunos que ingressaram por exame de seleção Fonte: UFRGS, 2002. Tabela 2 – Instituição na qual concluiu o Ensino Médio por área de conhecimento dos que ingressaram por exame de seleção Fonte: UFRGS, 2002. 199 proejafinalpmd.pmd 199 18/11/2007, 19:31 Tabela 3 – Grau de instrução dos pais e mães, por área de conhecimento dos alunos que ingressaram por exame de seleção Fonte: UFRGS, 2002. Tabela 4 – Renda familiar dos alunos que ingressaram por exame de seleção * Salário Mínimo à época: R$ 200,00 Fonte: UFRGS, 2002. Tabela 5 – Informação, leituras e línguas estrangeiras dos alunos que ingressaram por exame de seleção Fonte: UFRGS, 2002. Tabela 6 – Principais fontes de informação sobre assuntos da Universidade dos alunos que ingressaram por exame de seleção Fonte: UFRGS, 2002. 200 proejafinalpmd.pmd 200 18/11/2007, 19:31 Tabela 7 – Principal motivo para a escolha da Escola Técnica da UFRGS dos alunos que ingressaram por exame de seleção Fonte: UFRGS, 2002. Tabela 8 – Perspectiva profissional após concluir o curso técnico dos alunos que ingressaram por exame de seleção Fonte: UFRGS, 2002. Tabela 9 – Preocupação maior em 201 proejafinalpmd.pmd 201 18/11/2007, 19:31 Perfil dos alunos do PROEJA O perfil dos alunos do PROEJA, a seguir apresentado, foi feito mediante pesquisa de campo realizada no primeiro semestre do ano de 2007. Tabela 10 – Renda mensal familiar dos alunos do PROEJA * Salário Mínimo à época: R$ 350,00 Fonte: Pesquisa de Campo Tabela 11 – Rede em que os alunos do PROEJA concluíram o Ensino Fundamental Fonte: Pesquisa de Campo Tabela 12 – Grau de instrução dos pais dos alunos do PROEJA Fonte: Pesquisa de Campo 202 proejafinalpmd.pmd 202 18/11/2007, 19:31 Tabela 13 – Alunos do PROEJA que possuem computador Quadro 1 – Tipo de trabalho que os alunos do PROEJA gostariam de realizar Fonte: Pesquisa de Campo 203 proejafinalpmd.pmd 203 18/11/2007, 19:31 Quadro 2 – Motivos dos alunos do PROEJA voltarem a estudar Fonte: Pesquisa de Campo Quadro 3 – Expectativas dos alunos do PROEJA em relação ao curso Fonte: Pesquisa de Campo 204 proejafinalpmd.pmd 204 18/11/2007, 19:31 Quadro 4 – Assuntos que os alunos do PROEJA gostariam que fossem abordados no curso Fonte: Pesquisa de Campo Comparação entre os perfis Como vemos, observamos perfis bem diferenciados, situações financeiras bem definidas, aspectos de renda familiar diversos, e o aspecto que nos chama mais a atenção são as pequenas curiosidades entre os alunos regulares da Escola Técnica e os alunos do PROEJA em relação à escolha de um Curso Técnico. Enquanto os alunos da Escola Técnica esperam um ingresso mais rápido no mercado de trabalho, qualidade de cursos para o mercado, melhores perspectivas salariais, muitos que já possuem curso superior, buscam mais qualificação e mais aptidão para a própria exigência do mercado, temos, em contrapartida, do lado do PROEJA, uma situação muito explícita de terminar cursos que foram abandonados por inúmeras razões, a desatualização, em vista de amigos ou familiares estarem mais atualizados, e não só por isso, mas a exigência na hora de buscar uma nova vaga no mercado ou buscar o seu primeiro emprego e ser barrado por não ter uma qualificação pelo menos média, procurar uma maior estabilidade não só financeira mas também social. Nos vários depoimentos, ficou destacado também o aspecto que todos desejam ser valorizados não só pela sua família, mas também pela sociedade. Ficam ressaltados aspectos como sair do Curso Técnico com uma visão diferente do mercado de trabalho, poder até trocar de emprego numa perspectiva de subir mais um degrau como valorização pessoal e profissional, poder se relacionar melhor com a própria família e procurar um curso superior. Vemos que a aspiração por um Curso Superior ainda é bem relevante, tanto nos alunos da Escola Técnica como no PROEJA. Os alunos do PROEJA citam cursos como Engenharia, Enfermagem, Química, Biologia, Biblioteconomia, Direito (para ser Promotor), Medicina e cursos relacionados com o meio ambiente. Um dado interessante é o grau de instrução dos pais nos dois 205 proejafinalpmd.pmd 205 18/11/2007, 19:31 perfis, sendo que, entre os alunos da Escola Técnica, 23,8% (pai) e 24,5% (mãe) possuem o ensino médio completo e, no PROEJA, apenas 16,67% (pai) e 25,02% (mãe). Outro dado é que 12,50% (pai) e 8,33% (mãe) não são alfabetizados, contra 3,1% (pai) e 1,6% (mãe) da Escola Técnica. Ainda temos no Brasil um número considerável de analfabetos que preocupa muito, na faixa entre 15 e 29 anos de idade. São 1,8 milhões de iletrados que, em conseqüência dessa condição, esbarram em dificuldades adicionais para conseguir emprego e, mais ainda, para receber um salário mais compensador (EDUCAÇÃO Desacreditada, 2006). Uma das inovações pretendidas pelo Brasil Alfabetizado – projeto que visa a diminuir as taxas de analfabetismo com um programa mais moderno, que se adapta a cada necessidade – é justamente a contratação de professores da rede pública de ensino para se encarregarem do programa, cujo objetivo é melhorar a eficácia do ensino não apenas de jovens e adultos, mas das próprias crianças, que, em muitos casos, continuam enfrentando dificuldades com a leitura e a escrita, mesmo depois de serem consideradas alfabetizadas. Outro lado importante a ser analisado é o nível superior; mesmo a renda familiar sendo baixa, os pais dos alunos do PROEJA chegaram a concluir o curso superior (8,33% das mães e 4,16% dos pais). No Ensino Fundamental, o maior problema é a reprovação, que alcançou uma média de 13% em 2005. No Ensino Médio, preocupa mais o percentual de abandono da escola, que foi de 15,3% neste mesmo ano, segundo dados do INEP. Também é revelado que, de 1998 até 2005, as taxas de reprovação do Ensino Médio aumentaram, não deixando de preocupar o ensino fundamental (EDUCAÇÃO Desacreditada, 2006). Temos que 60% dos alunos da Escola técnica possuem computador contra 41,67% do PROEJA. Muitos alunos buscam no Curso Técnico em informática uma oportunidade de conhecer esta ciência da computação, e outros aprendem através dos outros cursos noções básicas que possibilitem o seu uso em casa, pois muitos não conseguem pagar um curso paralelo às suas atividades. Fica evidente que a escolha do Curso Técnico reflete a necessidade de uma complementação da profissão, aspiração por um emprego melhor e, por fim, o almejado curso superior. 206 proejafinalpmd.pmd 206 18/11/2007, 19:31 Considerações finais As pesquisas feitas na Escola Técnica no ano de 2002 e a de 2007, com alunos do PROEJA que ingressaram mediante sorteio de vagas, mostram dados significativos quanto à idade, renda familiar, grau de instrução dos pais e suas preocupações e perspectivas quanto ao futuro no mercado de trabalho. A empregabilidade deve ser entendida como a capacidade não só de se obter um emprego, mas sobretudo de se manter em um mercado de trabalho em constante mutação (BRASIL. Ministério do Trabalho /SEFOR,1995, p. 9) É importante lembrar que, para o Ministério do Trabalho, a Educação Profissional é considerada complementar à educação básica regular e deve ter como objetivo a empregabilidade. Isso fica evidenciado, na conclusão da pesquisa do Curso Técnico, nos desejos em relação à realidade que estão vivendo e ao que almejam do futuro após concluírem o curso. Essa necessidade fica muito transparente, porque nasce um novo perfil de trabalhador capaz não de apenas “fazer”, mas de “pensar” e “aprender” continuamente. Para a construção deste novo perfil, temos que ter qualidade de educação básica, uma educação profissional permanente, com começo, meio e fim, ou seja, focalizada no mercado, garantindo ao trabalhador chances de entrada e saída no processo de formação, ao longo de sua vida profissional. O aprendizado faz parte da natureza do ser humano, e este gosta de aprender. Esse desafio está imposto aos professores. Que especificidades precisam ser trabalhadas no que se refere a Educação de Jovens e Adultos? A qualidade da experiência de vida dos professores, que têm inúmeras experiências, saberes muitas vezes que precisam ser revistos e analisados de outra forma, adaptando-se à nova realidade dos alunos. Temos de oferecer assistência e benefício, com padrão de qualidade adequado às especificidades, igualitário, mas considerando as diversidades. Como a escola deve trabalhar o respeito aos saberes quando se depara com alunos que já têm profissão, mas não têm certificados? A escola e os docentes estão capacitados para dar conta disso. O grande desafio é tomar o ponto de vista do jovem e do adulto, o que não é uma tarefa fácil, pois quando olhamos um adulto pensamos que ele já deveria estar completo. Trabalhar a incompletude do outro em relação ao saber é realmente o maior desafio. 207 proejafinalpmd.pmd 207 18/11/2007, 19:31 Este é o perfil dos alunos da Escola Técnica e dos alunos do PROEJA. Após um ano e meio no Colégio Aplicação, eles entram para o Curso Técnico e encontram-se com os alunos regulares da Escola Técnica. Como faremos para trabalhar este perfil junto com os regulares? O grande desafio é quando estes dois perfis se encontram disputando uma vaga no mercado de trabalho. Sim, porque neste momento eles são iguais, não são destacados como alunos da Escola Técnica e nem alunos do PROEJA, mas sim alunos que possuem um Curso Técnico. Como os professores da Escola Técnica irão trabalhar com estes dois contextos? Como fazer com que não haja desinteresse por parte desses alunos em relação aos outros alunos que são regulares e que vêm de uma outra realidade, como nos mostra a pesquisa, alunos até com Curso Superior, que voltam para a escola para atualizarem-se? Mais uma vez, temos o professor contratado para mais este desafio, como somar mais e mais e não diminuir essas pessoas que vieram buscar um mundo melhor para seus filhos, uma luz no fundo do túnel. Educação é o processo de desenvolvimento da capacidade física, intelectual e moral da criança e do ser humano em geral, visando a sua melhor integração individual e social: educação da juventude: educação de adultos: educação de excepcionais.[...] Educar: promover a educação; transmitir conhecimentos a instruir. (HOLLANDA, 1986) Bons professores educam, concorrem para a educação. Com estas definições, chego à conclusão de que o professor participa neste contexto para ENSINAR. Mas como ensinar num país em que os dados estatísticos nos mostram números assustadores? Como trabalhar, como transmitir conhecimento e formar um cidadão quando, praticamente, a educação está nos últimos interesses de nossos governantes? Numa recente pesquisa feita pelo Instituto Paulo Montenegro do IBOPE, a educação é considerada prioritária apenas para 15% dos entrevistados, perdendo para a saúde, emprego, fome e miséria, segurança, corrupção e drogas (EDUCAÇÃO Desacreditada, 2006). Esse mesmo artigo revela que os brasileiros não confiam na eficiência da rede estatal de ensino, deixando claro que há buracos que os governantes e a própria comunidade escolar devem resolver. Como transmitir conhecimentos, educar intelectual e moralmente se as próprias comunidades não acreditam nas suas próprias escolas? Como irá um país alcançar índices melhores de desenvolvimento com este descrédito? Com um índice de expectativa de vida aumentando, a tecnologia avançando, 208 proejafinalpmd.pmd 208 18/11/2007, 19:31 as áreas da saúde com novas descobertas, cada vez mais animadoras, campanhas para uma alimentação melhor, divulgação de grupos de terceira idade cada vez mais ativos e participantes, como pode a educação ficar tão desvalorizada? Existe um grande retrocesso em nível mundial, pois o poder público não está preocupado em investir na qualidade de vida da educação. Investimentos contínuos e em longo prazo podem ajudar para que haja um objetivo traçado e cumprido dentro de um prazo determinado. Com isso, todos os setores do país ganham, a economia avança, empregos surgem, trabalho com capacitação se faz presente, e fica menor o conflito entre a renda e o poder aquisitivo da população. Segundo dado do IBGE, numa pesquisa nacional feita por amostragem de domicílios, aponta que jovens que povoam a base da pirâmide de renda brasileira já são maioria nas faculdades privadas do país, onde elas ocupam 52% das vagas. Para obter um diploma, 66% dos alunos pobres pagam mensalidades. Alunos egressos de colégios privados e famílias de alta renda são maioria nos bancos das universidades públicas, sobretudo nas carreiras mais disputadas. Por um levantamento do Ministério de Educação (MEC) relata que apenas 15% das matrículas escolares, tornam-se classe dominante na universidade pública, com 58% das vagas. (ANTUNES e WEINBERG, 2007, p. 84) Com todos estes dados que comprovam a fragilidade do ensino público e professores com baixa remuneração, o que falta então? Talvez mais recursos, é o que a experiência de outros países nos mostra: Na Coréia do Sul, entre 1970 e 1995, o governo coreano separou 3,5% do PIB (Produto Interno Bruto) para patrocinar uma revolução na educação. A China tem gasto pouco, apenas 2% do PIB ao ano. Estes dados revelam que não é só isso que faz melhorar a qualidade em sala de aula, mas sim o fato de serem mal alocados os recursos (ANTUNES e WEINBERG, 2007, p. 98) Portanto, precisamos cada vez mais nos atualizar, desempenhar muitas tarefas, sobreviver com um salário totalmente defasado, mas precisamos ensinar. Precisamos levar esses alunos até os seus objetivos da melhor maneira possível, sendo professores, amigos, com uma estrutura que envolva um bom setor pedagógico, um bom setor psicológico, na qual todos juntos possamos diminuir um pouco os índices de analfabetismo, repetência e desistência. É uma tarefa que não compete só a nós, mas sim também ao governo. Talvez, com o nosso trabalho em sala de aula, vejamos um grupo em que os aspectos por eles levantados daqui a um ano e meio sejam totalmente realizados, tornando-nos vitoriosos. 209 proejafinalpmd.pmd 209 18/11/2007, 19:31 Referências ANTUNES, Camila; WEINBERG, Mônica. O X da educação. Revista Veja, ano 39, edição 1.976, nº. 39, 4 out. 2006, p. 84. BRASIL. Decrteto nº. 5.840, de 13 de julho de 2006. Institui, no âmbito federal, o Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos - PROEJA, e dá outras providências. Brasília, 2006 HOLLANDA, Aurélio Buarque de. Novo dicionário brasileiro da língua portuguesa. 2. ed. Revistada e Ampliada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. IOSCHPE, Gustavo. Os quatro mitos da escola brasileira. Revista Veja, ano 40, edição 1.998, nº. 9, 7 mar. 2007. p. 98. UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL. Coordenadoria de Educação Básica e Profissional. Perfil e representações dos estudantes da Escola Técnica da Universidade do Rio Grande do Sul – Relatório Final. Porto Alegre, 2002. ZERO-HORA. A chaga do analfabetismo. Editorial, 10 abr. 2007. p. 16. ZERO-HORA. Educação desacreditada. Editorial, 19 nov. 2006. p. 16-19. 210 proejafinalpmd.pmd 210 18/11/2007, 19:31 A CULTURA ESCOLAR E A CULTURA JUVENIL NO ESPAÇO - TEMPO DA ESCOLA: CONTRIBUIÇÕES PARA O PROEJA Elisete Enir Bernardi Garcia1 Carmem Maria Craidy2 Cultura escolar: Para falar de cultura escolar é necessário um esforço denso, principalmente para defini-la. Conforme estudos de Faria Filho (2004), no que tange à historiografia educacional, há aproximadamente dez anos a categoria cultura escolar vem subsidiando as análises históricas assumindo visibilidade na estruturação propriamente dita de eventos do campo (p. 142). Podemos dizer que cultura escolar é um conceito polissêmico e o que nos parece comum é a sua relação com um espaço e tempo destinado para transmissão de conhecimentos e valores (Faria Filho, 2002; Julia, 2001). A cultura escolar foi se constituindo através das normas e práticas que definiam os valores e comportamentos que seriam “inculcados” e não está relacionada apenas aos processos macros, mas também aos processos micros que perpassam o cotidiano escolar, tais como disciplinas curriculares, didáticas, pátios, salas de aulas, prédios escolares, que nos remetem à idéia de um espaço e de um tempo ou de espaços e tempos onde se reúnem estudantes, ou lugares (livros, bibliotecas, laboratórios, materiais didáticos) onde se reúnem as idéias e tempos de aprendizagens. Conforme Pessanha, Daniel e Menegazzo (2004), se o espaço escolar - o lócus - é o território comum para analisar a cultura escolar, a sua definição como objeto de conhecimento é um processo complexo. Os au1 Professora da Municipal de São Leopoldo, atuando na Coordenação Pedagógica da Secretaria Municipal de Educação de São Leopoldo. Doutoranda em Educação na UNISINOS. 2 Professora da Faculdade de Educação da UFRGS, Dra. em Educação, orientadora do Trabalho de Conclusão de Curso da autora do presente artigo. 211 proejafinalpmd.pmd 211 18/11/2007, 19:31 tores salientam que há muitas peculiaridades no cotidiano da escola que “autoriza a análise de uma vida escolar. No entanto, a expressão ‘cultura escolar’ não implica considerar a existência de uma cultura oposta ou desvinculada da cultura da sociedade que a produziu e foi por ela produzida” (p. 62-63). Assim, deve-se observar que a cultura escolar não pode ser estudada sem considerar as tensões que ela produz e sem fazer uma “análise precisa das relações conflituosas ou pacíficas que ela mantém, a cada período de sua história, com o conjunto das culturas que lhe são contemporâneas: cultura religiosa, cultura política ou cultura popular” (Julia, 2001, p. 10). Segundo Pessanha, Daniel, e Menegazzo (2004), pode-se conceber cultura como produto e processo que dão significado às práticas humanas (p. 62). É importante considerar que as normas e práticas não podem ser analisadas sem se levar em conta as crenças, os valores do corpo profissional dos atores que serão os executores destas normas e práticas, pois, “estudar a cultura escolar é estudar os processos e produtos das práticas escolares, isto é, práticas que permitem a transmissão de conhecimentos e a imposição de condutas circunscritas à escola” (id. p. 63). Julia (2001) considera que a articulação da cultura escolar não se dá somente em torno do conhecimento, mas também da possibilidade de construção de um projeto político que visa não só alfabetizar, mas “forjar uma nova consciência cívica por meio da cultura nacional e por meio da inculcação de saberes associados à noção de ‘progresso’” (Julia, 2001, p. 23). Assim, considerar a cultura escolar como objeto histórico implica analisar esses significados impostos aos processos de escolarização. Implica, também, considerar a transmissão de saberes e inculcação de valores no espaço-tempo escolar como elemento central desse processo e como meio para executar o projeto político. A análise da cultura escolar, do espaço-tempo escolar nos remete à necessidade de estudar, também, os processos micro e fragmentados da escola e um desses processos são as grades curriculares/disciplinas escolares. Estas, “não são nem uma vulgarização nem uma adaptação das ciências de referência, mas um produto específico da escola, que põe em evidência o caráter eminentemente criativo do sistema escolar” (Julia, 2001, p. 33). É importante discutir e estudar sobre espaço-tempo escolar, pois no nosso cotidiano lidamos com noções de tempo e espaço, muitas vezes, de forma inconsciente. Os conceitos de espaço e tempo nem sempre tiveram o sentido que lhes é atribuído atualmente. Muitas foram as mudanças nas formas de conceber e contar o tempo ao longo do percur- 212 proejafinalpmd.pmd 212 18/11/2007, 19:31 so histórico. Carvalho, ao iniciar o diálogo em seu texto sobre o tempo, poeticamente, através do olhar da psicanálise, apresenta algumas das dificuldades de “conhecer o tempo que não se deixa conhecer, pois vivemos com ele, vivemos nele, mas como é difícil falar dele!” (CARVALHO, 2003, p. 13). Sabemos que nossa existência reside no tempo, mas que ela não é definida só pelo tempo, pois esta passa, enquanto o tempo fica. Por isso, usamos expressões muito corriqueiras “a vida está passando!”, “O tempo passa muito depressa!”. Neste sentido, “pode-se concluir, então, que a percepção do tempo é um aspecto essencial da consciência do homem comum – que somos todos nós – a qual se alimenta da experiência física e psíquica da sua passagem” (PINO, 2003, p. 50 e 51). O tempo deve ser entendido como dimensão de cultura, por considerar que o sujeito ressignifica o mundo em que vive; mesmo assim ele terá suas construções e ressignificações sobre um patrimônio de saber já adquirido e construído. O conceito de tempo é construído historicamente e o tempo também se modificou de acordo com o surgimento das diversas formações sociais; por exemplo, nas sociedades agrárias ele possuía um caráter cíclico e mítico e, nas sociedades industriais, uma marca cronológica e disciplinadora. A compreensão individual do tempo “mediada pela regulação da vida social e pelas unidades simbólicas” exigiu a organização do calendário. “Com a modernidade, os elementos que serviram para contar o tempo, elementos de fruto de sínteses históricas, são unificados em uma dimensão única, alusiva à contagem e compreensão do tempo, e este passa a ser o principal paradigma escolar” (MIRANDA, 2003, p. 181 e 203). O espaço escolar assume um papel central na invenção dos horários e cria uma cultura pedagógica com a inversão da lógica cultural e subjetiva “ao partir de sínteses generalizadoras resultantes de um longo e complexo processo histórico” (id, p. 203). Goergen (2005) fundamenta a idéia de que as categorias de espaço e tempo que estruturam a educação foram assumidas no início da modernidade, com base no modelo das ciências naturais, permanecendo inalteradas até hoje e que estas mesmas categorias perderam, ao longo da modernidade sua rigidez inicial, tornando-se móveis e fluidas sob a influência da ciência e da tecnologia, em particular, da mídia eletrônica. É com as indagações deste pesquisador que procura explicitar as dicotomias entre os conceitos de espaço e tempo, ainda vigentes na escola, e as características que tais conceitos assumiram na 213 proejafinalpmd.pmd 213 18/11/2007, 19:31 contemporaneidade, que nos debruçamos para entender o estranhamento da escola com relação ao mundo contemporâneo que se manifesta em diferentes momentos ou situações, principalmente diante do desconforto e desinteresse dos professores, alunos e comunidade escolar. Um elemento chave para estudar espaço-tempo escolar é o fenômeno da escolarização que passa por uma transição de uma sociedade não-escolarizada (século XIX) para uma expansão com quase totalidade de nossas crianças na escola (início do século XXI). Por isso, não se trata mais de discutir o acesso a escola deslocado da permanência com qualidade na escola dos nossos infantes, jovens e adultos que estão ou estarão no espaço tempo da escola. A análise dos tempos, espaços, sujeitos, conhecimentos e práticas escolares são, hoje, indispensáveis para compreender a cultura escolar. De acordo com Faria Filho (2002), “a escola vai-se constituindo, assim, não apenas no locus privilegiado da cultura e da formação humana, mas também como um grande mercado de trabalho e de consumo de inúmeros produtos da cada vez mais complexa e poderosa indústria editorial, entre outras” (p. 34). Pode-se considerar também a importância do magistério enquanto categoria econômica, uma vez que são destinados 25% da arrecadação de impostos estaduais e municipais e 18% dos impostos recolhidos pela União para a Educação, a maior parte gasta com a folha de pagamento dos professores. Para analisar as culturas escolares é necessário ter a compreensão sobre espaço e tempo e reconstruir a história a partir de múltiplas versões, analisar documentos, estabelecer relações e correlações no sentido de reconstruir uma rede de significados. Ao fazer essa reconstrução, é importante trazer para a análise o enfrentamento e a tensão entre aspectos macro-sociais e as dimensões micro referentes as instituições e as salas de aula onde a cultura escolar se materializa, principalmente através do currículo escolar. Pois (...) o tempo escolar, melhor dizendo, os tempos escolares são múltiplos e, tanto quanto a ordenação do espaço, fazem parte da ordem social e escolar. Sendo assim, são sempre “tempos” pessoais e institucionais, individuais e coletivos, e a busca de delimitá-los, controlá-los, materializando-os em quadros de ano/séries, horários, relógios, campainhas, deve ser entendido como um movimento que tem ou propõe múltiplas trajetórias de institucionalização, daí, entre outros aspectos, a sua força educativa e sua centralidade no aparato escolar (FARIA FILHO, 2002, p. 17). 214 proejafinalpmd.pmd 214 18/11/2007, 19:31 Os estudos históricos sobre cultura escolar transformam nosso foco de atenção, colocando novos questionamentos e nos instigando a desenvolver estudos que analisem propostas curriculares e façam uma reflexão sobre as práticas escolares em diferentes níveis e contextos. Alguns cuidados são importantes quando se trata da análise do currículo, pois não se trata de substituir as análises macroscópicas pelo estudo dos funcionamentos internos específicos de cada escola, e sim que essas duas instâncias devem se complementar, oferecendo aos educadores/ pesquisadores a possibilidade de fazer uma análise mais abrangente. Cultura escolar e cultura juvenil: uma relação possível na educação de jovens e adultos? A cultura contemporânea concebe a existência de uma cultura juvenil espontânea gerada na relação entre seus pares e em grande parte gerada fora do espaço escolar. É marcada pela criatividade em contraposição a proposta reprodutivista da escola tradicional. Assim, o desafio da escola contemporânea é estabelecer um diálogo entre a cultura escolar elaborada e a cultura emergente trazida pelos jovens. Corsaro (2005) define cultura de pares como um conjunto estável de atividades ou rotinas, artefatos, valores e interesses que as crianças produzem e compartilham na interação com seus pares. Segundo ele, a palavra “pares” está relacionada não ao sentido de duplas, e sim de parceiros, de iguais – como em “pares do reino”. Neste trabalho, portanto, estamos utilizando a cultura de pares como a cultura vivida pelos jovens nos espaços lisos conforme conceitua Pais (2006): Há duas diferentes maneiras de olharmos as culturas juvenis: através das socializações que as rescrevem ou das suas expressividades (performances) cotidianas. A distinção entre estas duas perspectivas pode ser aclarada tomando a “dualidade primordial” proposta por Deleuze ao contrapôr “espaço estriado” a “espaço liso”. O espaço estriado é revelador da ordem, do controle. Seus trajetos aparecem confinados às características do espaço que os determinam. Em contraste, o espaço liso abre-se ao caos, ao nomadismo, ao devir, ao performativo. É um espaço de patchwork: de novas sensibilidades e realidades (p.5) Peregrino e Carrano, baseando-se em Machado Pais, apontam algumas razões pelas quais os jovens identificam o espaço escolar como desinteressante: não se reconhecerem numa instituição onde suas culturas não podem se realizar e se fazer presentes. “Parece não haver chances e negociação entre os espaços lisos - que permitiriam aos jo215 proejafinalpmd.pmd 215 18/11/2007, 19:31 vens transitar sem as marcas prévias da instituição do mundo adulto – e os espaços estriados - cujas principais características seriam a ordem e o controle” (PEREGRINO e CARRANO, 2003, p.16). O mundo contemporâneo está exigindo da escola esta revisão: transcender a noção de cultura escolar como “inculcadora” para a criação de espaços de diálogos entre cultura escolar e a cultura emergente trazida pelos jovens e interlocução entre espaços lisos e estriados. É preciso recriar a cultura e não só reproduzir. O jovem precisa vivenciar o espaço-tempo escolar e ser jovem ao mesmo tempo, sem ter que deixar de sê-lo para poder viver nele, pois a escola desconsidera a diversidade e o que há de comum entre a geração juvenil, considerando-a como passagem e como problema. Podemos constatar isso nos projetos que envolvem essa faixa etária, os quais geralmente são pensados de maneira disciplinar e tutelar, com o objetivo de ocupar os jovens quando não estão em aula, para que não sirvam de ameaça para a escola e para a sociedade. Metaforizando, poderíamos dizer que, na sala de aula, no cotidiano escolar - lócus escolar - parece haver múltiplos mundos e o que aparenta estar mais desconectado é o mundo do professor e o mundo do aluno. Muitas vezes eles se cruzam, se aproximam e se tocam, mas se separam como se não fosse possível estar na mesma sintonia3. É condição sine qua non, para aproximar esses diferentes “mundos”, que os educadores, principalmente de Educação de Jovens e Adultos - EJA, tentem penetrar no “mundo” do jovem, interagindo, dialogando e registrando suas palavras sobre o que pensam de si mesmo, da escola, ou do seu entorno, para compreender como eles podem ser protagonistas do seu tempo. As questões trazidas por Dubet (1997)4 também nos remetem à desconexão da cultura juvenil em relação à cultura da escola Os alunos são adolescentes completamente tomados pelos seus problemas de adolescentes e a comunidade dos alunos é “por natureza” hostil ao mundo dos adultos, hostil aos professores (p. 225). Portanto analisar o espaço-tempo escolar significa mirar o cotidiano da escola com suas múltiplas facetas, levado a cabo pelos diferentes atores que compõem o cenário educativo, para analisar e resgatar seus diferentes papéis 3 Na dissertação de Mestrado, Um estudo sobre juventude no espaço-tempo da escola (Garcia, 2005), identificamos alguns elementos que marcam, principalmente, o “mundo juvenil” no espaço e tempo da escola do Ensino Médio. 4 O sociólogo François Dubet, em entrevista concedida à Angelina Teixeira Peralva e Marilia Pontes Sposito, reflete sobre a sua experiência como professor de história e geografia em um colégio da periferia de Bordeaux, França. 216 proejafinalpmd.pmd 216 18/11/2007, 19:31 que exercem na trama social que constitui a escola, pois “aprender a escola como construção social implica, assim, compreendê-la no seu fazer cotidiano, onde os sujeitos não são apenas agentes passivos diante da estrutura. Ao contrário, trata-se de uma relação em contínua construção, de conflitos e negociações em função de circunstâncias determinadas” (DAYRELL, 1996, p. 137). Cada um dos sujeitos que compõe o lócus escolar é fruto de um conjunto de experiências singulares vivenciadas nos mais variados espaços sociais. Assim, concordamos com Dayrell (1996), pois “a vida não começa na escola e o cotidiano se torna espaço e tempo significativos” (p. 140). MacLaren (1997) corrobora essa posição ao sinalizar que os educadores devem compreender que as experiências dos educandos originam-se de diferentes discursos e subjetividades, por isso devem ser analisadas criticamente, evitando, assim, o que a maioria das abordagens educativas fazem ao negar o conhecimento e as formas sociais pelas quais os estudantes estabelecem relevâncias e conexões com a vida: Os alunos não podem ter um aprendizado ‘proveitoso’, a menos que os professores compreendam as várias maneiras que eles dispõem para constituir suas percepções e identidades. Os professores precisam entender como as experiências produzidas nos vários domínios da vida cotidiana produzem, por sua vez, as diferentes vozes que os alunos empregam para dar sentido aos seus mundos e, conseqüentemente à sua existência na sociedade em geral (p. 249). Seria preciso considerar o lugar da adolescência na escola e a criação de regras de vida em grupo partilhadas possibilitando que haja no mundo escolar uma cidadania escolar. “Haveria em termos de educação para a cidadania, coisas fundamentais a serem feitas, ou seja, verdadeiros contratos de vida comum entre os professores e os alunos, mas que suporiam obrigações para estes alunos, obviamente, mas também obrigações para os professores” (DUBET, François, 1997, p. 227). Outeiral5 (on line) suscita uma questão interessante: o papel do professor que ocupa o lugar do “outro” - o lugar do “adulto”, pois existe hoje uma perplexidade nos professores e nos adultos de forma geral quanto à educação das crianças e, principalmente dos adolescentes. Um dos motivos desta perplexidade está alicerçada na falta de “adultos” para identificações estruturantes positivas. Por isso ele defende que a criança e o adolescente, para constituírem sua personalidade, necessitam de um “outro”, um adulto, que representa um modelo de identificação estruturante positiva. 5 Disponível em: < www.joseouteiral.com> . Acesso em 02/08/2007 217 proejafinalpmd.pmd 217 18/11/2007, 19:31 Segundo o autor, a adolescência6 não está apenas invadindo a infância, mas também o mundo adulto. Hoje, muitos adultos, influenciados pela mídia, querem, ao menos, parecer adolescentes. Surge então, já em dicionário, a palavra “adultescente” (mixagem de adultos e adolescentes). Além dos adultescentes, contamos também com os “kidadults”, adultos infantilizados que agem e se vestem como se fossem crianças. Essa noção é importante para a EJA, pois historicamente ela atendia praticamente turmas formadas por alunos “adultos trabalhadores”. No entanto, hoje o rejuvenescimento da população que freqüenta a EJA é um fato que está desafiando o Estado, sociedade civil e os educadores a atenderem a diversidade vivenciada pelos diferentes grupos geracionais. Por isso precisamos nos perguntar: o que leva os jovens a procurarem as turmas e como chega o jovem na EJA? Muitos são os fatores que fazem o jovem a buscar a EJA. Entre eles estão os fatores pedagógicos, econômicos e de convivência: trabalho (oportunidades); amigos; ocupação (algo para fazer); obrigados pelo mercado de trabalho ou ainda, por terem sido empurrados pela escola diurna que não suporta o risco de sua presença. Alguns chegam com históricos de repetência ou com interrupções dos estudos e geralmente com marca de fracassados. Os jovens chegam desconfiados do futuro e da escolaridade, pois por muito tempo a EJA foi rotulada como uma educação “aligeirada” ou de pouca qualidade. Esta presença marcante dos jovens no espaço-tempo da EJA vem chamando a atenção para temas emergentes como a situação do trabalho no Brasil e o número crescente de óbitos juvenis causados por homicídios, acidentes de transportes e suicídios. Além da relação com o trabalho, os jovens brasileiros, principalmente das classes mais empobrecidas, de acordo com IBGE (indicadores sociais) e pesquisa da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura)7, vivem uma situação crucial que se 6 O Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA define adolescência como uma fase compreendida entre 12 e 18 anos e a Organização Mundial da Saúde entre 10 e 20 anos. O conceito de infância, como período de desenvolvimento com direitos e necessidades específicas, surge em torno do século XVIII, com a Modernidade, com a urbanização. A adolescência é mais recente; começa a se delinear no século XX, acompanhando o crescimento da urbanização. 7 Conforme o Mapa da Violência IV, divulgado pela UNESCO, a taxa global de mortalidade da população brasileira caiu de 633 em 100 mil habitantes em 1980 para 561 em 2002. Porém, a taxa referente aos jovens cresceu, passando de 128 para 137 no mesmo período. O número de homicídios entre os jovens, na faixa entre 15 e 24 anos, aumentou 88,6% de 1993 a 2002. Em relação ao número homicídios entre os jovens os estados de Pernambuco, Espírito Santo e Rio de Janeiro apresentam o maior número. Para maiores detalhamentos ver (WAISELFISZ. Mapa da violência IV: Unesco – Brasil. (2004)). Disponível em: http://www.unesco.org.br/publicacoes/livros/mapaiv/mostra_documento. 218 proejafinalpmd.pmd 218 18/11/2007, 19:31 expressa através dos índices de homicídios, acidentes de transportes e suicídios (causas externas ligadas à violência) que, em conjunto, são responsáveis por mais da metade dos óbitos juvenis. Sem embargo, conforme Relatório da Unesco, a mortalidade entre jovens não só aumentou, mas mudou sua configuração adquirindo “novos padrões de mortalidade juvenil” (WAISELFISZ, 2004, p 25-26). A violência como fenômeno marcante no mundo contemporâneo é preocupante porque viola o direito á vida. “Os jovens brasileiros, particularmente, dos 15 aos 24 anos, são a parcela da sociedade que está mais exposta a violência, quer como vítimas quer como agentes” (WAISELFISZ, 2004, p 7) e é neste sentido que este tema sinaliza que as escolas têm hoje um papel diferente que não havia há algumas décadas. Em relação à situação do trabalho é preciso entender o fenômeno estrutural do desemprego, sem a culpabilização individual: muito velho para o mercado de trabalho, muito novo e sem experiência ou com baixa escolaridade. Apostar somente na competência individual contribui, mais uma vez, para a exclusão social destes alunos. Um dos argumentos colocados para não empregar os jovens são as alegações de que estes estariam com baixa qualificação. Por outro lado, vale lembrar que nunca tivemos um número tão grande de jovens buscando a Educação Média como nos dias de hoje. O fato de possuir escolarização não tem garantido acesso e permanência no mundo do trabalho dos jovens brasileiros, pois a alta taxa de desemprego juvenil abrange os jovens com e sem escolaridade. Qual seria o papel da escola? Conforme Pochmann, em primeiro plano, a escola deveria preparar o jovem para a cidadania e, em segundo, voltar-se para a formação para o mercado de trabalho. “No Brasil nós temos quase que um muro que separa a formação, o mundo do conhecimento, da educação de um lado e, de outro, o sistema produtivo”. Ele considera que uma das soluções seria a redução das incompatibilidades existentes entre o ensino e o setor produtivo (POCHMANN, 2005, p. 13). Para muitos, a EJA é a única forma e esperança de concluir o Ensino Fundamental ou Ensino Médio. Esse cenário modifica o ambiente escolar e exige outras formas de convivência escolar e de políticas públicas, que não sejam só de inserção, mas também de integração. Neste sentido é que o PROEJA8 ganha adesão da sociedade civil e das redes escolares. 8 PROEJA , conforme Documento Base, tornou-se um Programa pela promulgação do Decreto no 5.478, de 24 de junho de 2005 e, após discussões com os segmentos envolvidos, suas diretrizes foram alteradas através da promulgação do Decreto nº 5.840, de 13 de julho de 2006, que revoga o anterior e passa a denominar o PROEJA como Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos. 219 proejafinalpmd.pmd 219 18/11/2007, 19:31 Acreditamos que com a implantação do PROEJA novos desafios serão colocados, principalmente na organização da sua oferta para o Ensino Fundamental, uma vez que se tem pouca experiência consolidada, no nosso país, desse porte. Considerações finais: O PROEJA poderá, para não ser uma política isolada, criar elos com os demais programas do Governo Federal desenvolvidos para atender o público juvenil, pois o que temos constatado, no Brasil, é que as políticas direcionadas para o público jovem que estão na escola não têm gerado discussão no espaço escolar e, muitas vezes, nem sequer os gestores, professores e alunos possuem conhecimento sobre essas políticas. Será que assim as políticas públicas conseguirão mudar o contexto social, sem a participação dos principais interessados? Muitas vezes as políticas passam a ser executadas, cumprem seu percurso sem que amplas discussões sejam realizadas no universo escolar. Com o PROEJA poderá ser diferente, pois as políticas que envolvem a Educação de Jovens e Adultos, por sua história e por suas peculiaridades, geralmente encontram disponibilidade dos educadores e da sociedade civil organizada para discutir e executar as políticas educacionais. Assim, é fundamental que as políticas públicas para a EJA contemplem amplas discussões para garantir a continuidade e elevação da escolaridade com profissionalização no intuito de contribuir com a integração sociolaboral dos cidadãos cerceados do direito de concluir a educação básica e de ter acesso a uma formação profissional de qualidade (MEC/PROEJA, 2006). No entanto é preciso que os jovens e adultos não tenham apenas acesso a escolarização, mas recebam também condições de permanência na escola com qualidade, pois a perenidade e a qualidade dessas políticas pressupõe assumir a condição humanizadora da educação que se concretiza ao longo da vida através da educação formal e da educação não-formal, como é o principio basilar da EJA. É preciso garantir que o PROEJA seja uma política qualificadora e não seja mais uma política de caráter compensatório, aligeirado, desqualificador e de descontinuidades como têm sido historicamente as políticas direcionas para a EJA em nosso País. É preciso que o PROEJA se constitua de fato em políticas públicas de longa duração. Mas somente a implantação do PROEJA não garantirá a solução para os problemas 220 proejafinalpmd.pmd 220 18/11/2007, 19:31 educacionais. Seria necessário fazer uma reforma educacional que viesse acompanhada não só políticas de curto prazo, mas de políticas públicas de médio e longo prazo que atendessem os segmentos populacionais que foram e continuam excluídos da escola. Acreditamos que a educação é a grande possibilidade para o jovem, “desde que venha acompanhada de uma melhor qualidade e ao mesmo tempo de um conjunto de mecanismos garantindo que o jovem e os adultos tenham condições de estudar, mesmo que na condição de desempregados” (POCHMANN, 2005, p. 13). Algumas questões nos inquietam: que conhecimentos e práticas deveriam representar a cultura escolar do PROEJA? Como identificar e trabalhar com as diferentes representações culturais dos sujeitos que circulam no espaço-tempo escolar do PROEJA? O que pensam os jovens e adultos que buscam a escola formal representada pela EJA? Referências BRASIL. Ministério da Educação. Documento Base do Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA. 2006/2007. CARVALHO, Regina Maria L. Lopes. Tempo e Psicanálise. In: DE ROSSI, Vera Lúcia Sabongi; ZAMBONI, Ernesta. (org.) Quanto tempo o tempo tem! Campinas: Alínea, 2003 p.13 – 23. CORSARO, William A. Reprodução interpretativa e cultura de pares em crianças Indianas University, Bloomington Tradução: Ana Carvalho. Palestra proferida no curso da FACED - UFRGS nos dias 14 a 16 de maio de 2007 DAYRELL, Juarez. Múltiplos olhares sobre educação e cultura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1996. DUBET, François. Quando o sociólogo quer saber o que é ser professor. In: Revista Brasileira de Educação. Entrevista concedida à Angelina Teixeira Peralva e Marilia Pontes Sposito. Universidade de São Paulo. 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Acesso em 30/07/2007. 222 proejafinalpmd.pmd 222 18/11/2007, 19:31 A INSERÇÃO DE CONTEÚDOS GERONTOLÓGICOS NO CURRÍCULO DO PROEJA 1 Ângela Gomes2 Johannes Doll3 Introdução O envelhecimento é hoje um fenômeno mundial, isso significa um crescimento mais elevado da população idosa em relação aos demais grupos. Estima-se que entre 1970 e 2025 haverá um crescimento de 223% de pessoas com mais de 60 anos. Em 2025, existirá um total de aproximadamente 1,2 bilhões de pessoas idosas. Nessas mesmas projeções até o ano de 2050 haverá dois bilhões, sendo que 80% desta população viverá em países em desenvolvimento (OMS, 2005). A preocupação com o processo de envelhecimento, a velhice, é tão antiga quanto à origem da civilização. Poucos temas têm merecido tanta atenção do ser humano em toda sua história como o envelhecimento e a incapacidade associada a esse processo. Porém, foi o século XX que marcou definitivamente a importância do estudo sobre esta temática, devido ao crescimento da população idosa em todo o mundo e os impactos da mudança demográfica tanto nas sociedades quanto nas vidas particulares. 1 Este artigo foi elaborado a partir da Monografia intitulada “EDUCAÇÃO PARA A SAÚDE E LONGEVIDADE: experiências para o PROEJA”, da mesma autora deste artigo. 2 Graduada em Educação Física, Especialista em Fisiologia do Exercício - UFRGS e Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – UFRGS, Mestre em Educação - UFRGS. E-mail: [email protected]. 3 Pedagogo, Especialista em Gerontologia pela Universidade de Heidelberg – Alemanha. Mestre em Educação pela UFRGS. Doutor em Filosofia pela Universidade de Koblenz – Landau – Alemanha. Professor de graduação e pós-graduação da UFRGS. Orientador do trabalho de Conclusão da Especialização do PROEJA da autora deste artigo. E-mail: [email protected] 223 proejafinalpmd.pmd 223 18/11/2007, 19:31 Com aumento rápido da população idosa o Brasil precisa de soluções imediatas para esse contingente, pois o país não se preparou para essa realidade, tendo hoje uma infra-estrutura precária, no que diz respeito a serviços, programas sociais e de saúde, particularmente para idosos de baixa renda. Esse aumento da população idosa e da longevidade por um lado representa o sucesso de conquistas no campo social e de saúde, sendo um triunfo, por outro lado, o envelhecimento, como um processo, tornou-se um enorme desafio do presente e do futuro, nas áreas psicológicas, sociais, educacionais e culturais, ocasionando distintas e múltiplas questões a serem enfrentadas, sendo os maiores desafios percebidos nas políticas sociais, de saúde e na economia. Frente a esta nova realidade e demandas necessárias que a sociedade vem sofrendo, este artigo buscou discutir/refletir a relevância de inserir conteúdos sobre o processo de envelhecimento no currículo do PROEJA. Salientando que educar para o envelhecimento não é prescrever regras de comportamento e sim gerar oportunidades para que as pessoas descubram formas mais positivas de conviver consigo mesmas, com o ambiente e com os demais, encontrando meios para enfrentar os desafios e os riscos. Também, reconhecendo à heterogeneidade do processo de envelhecimento e da diversidade de experiências dos que o vivem, uma vez que, é no cruzamento da história individual daquele que envelhece, com a história da sua sociedade, que se constroem modos de pensar, sentir e agir, capazes ou não de criar condições para se enfrentar os desafios da velhice. Dessa forma, este artigo busca refletir sobre a importância de haver mais espaço no ambiente escolar para ampliar os conhecimentos gerais sobre o processo de envelhecimento. Nesse sentido, procurei discutir sobre o quanto a Gerontologia pode contribuir para a qualidade de vida dos seres humanos, mediante apoio das escolas, através de seus currículos, oportunizando maiores conhecimentos sobre estas temáticas a seus educandos e a sociedade em geral e reduzindo preconceitos em relação à velhice. A Inserção de Conteúdos Gerontológicos nos Currículos A Gerontologia com o apoio das escolas pode vir a contribuir na construção de oportunidades particulares e institucionais de uma ética 224 proejafinalpmd.pmd 224 18/11/2007, 19:31 para a cidadania. Através de seus currículos, as escolas, podem oportunizar conhecimentos sobre esta temática a seus educandos e a sociedade em geral e reduzindo preconceitos em relação à velhice. Segundo Agostinho Both (2002, p. 1110) inicialmente, a educação gerontológica só se preocupava com a educação permanente, na atualidade esta situação se modificou na medida “em que se avalia o processo educacional como lugar mediador e preventivo da velhice bem-sucedida, numa proposta que perpassa a vida toda do educando”. A educação gerontológica consiste, em olhar a educação pelo prisma da qualidade de vida, da infância à velhice, ou seja, toda a extensão da vida merece um olhar atento na tentativa de buscar adequar as representações e oportunidades sociais às exigências da qualidade de vida em todos os ciclos para que sejam configurados os estilos de vida carregados de disposições e oportunidades de auto-realização, o que, então, compreende implicações de mudanças no processo educacional. Mesmo, com o aumento da expectativa de vida o projeto de educação gerontológica ainda é incipiente, carecemos de uma melhor gestão social mais justa para todas as faixas etárias e um melhor processo educacional. A pedagogia desconsidera as alterações demográficas que vem ocorrendo, pois ainda esta voltada para a construção de uma racionalidade produtiva de ofícios modelados pela brevidade da vida, na qual exclui quem não está nos padrões de um biotipo jovem e de um trabalhador com identidade de produtor e consumidor. Both, diz que: Os alunos, pressionados por conteúdos, experiências e avaliações apropriam-se dessas tendências organizadas e abandonam aquelas direções da solidariedade, da igualdade, da proteção da vida e dos interesses referentes aos direitos fundamentais, tolerando a miséria, o fracasso da maioria, a morte precoce e a incapacidade dos mais velhos (BOTH, 2001, p.87). A educação não tem considerado muito as questões da qualidade de vida, mas apenas produzido objetos aprendidos em disciplinas nas quais a vida dos alunos não está envolvida. Os professores: [...] ensinam para que os alunos tenham sucesso social e produtivo sem se perguntar se os conteúdos disciplinados são interessantes para a vida deles ou o quanto esses produzem realização biopiscossocial. O que se leva em consideração é que o aluno tenha êxito no exercício do trabalho e da cidadania, sem perguntar sobre os efeitos biopsicológicos do trabalho ou sobre o conteúdo da cidadania. Os conteúdos em operação levam em conta a agilidade mental e domínio do aluno sobre os outros e sobre o 225 proejafinalpmd.pmd 225 18/11/2007, 19:31 ambiente, sem perguntar sobre a excelência ética das operações exercidas e aprendidas. Os conteúdos e habilidades de uma racionalidade suscitadora do mundo-da-vida e. particularmente da personalidade, de relações sociais e ambientais expressivas, ficam em segundo plano, como se a vida estivesse a serviço do sucesso econômico e político e não constituísse o fim último de toda ação pedagógica (BOTH, 2002, p.1110-1111). Desta maneira, a escola vem reproduzindo os interesses que povoam o país num determinado período, mas a escola também pode ser um instrumento eficaz, à medida que reavalie suas finalidades educacionais visando um projeto de emancipação dos educandos em relação aos mitos criados pela razão. A Política Nacional do Idoso, expressa na Lei n° 8.842, de 1994, referente aos direitos dos idosos, afirma no item II que “o processo de envelhecimento diz respeito à sociedade em geral, devendo ser objeto de conhecimento e informação para todos”. Nesse sentido, as reflexões, estudos, pesquisas e conhecimentos referentes ao envelhecimento não devem ficar restritos a pessoas que já estão nessa fase da vida e aos intelectuais que a esta área se dedicam, mais sim dizem respeito a todas as pessoas independente de suas idades e interesses (BRASIL, 1994). Como levar a sociedade em geral a refletir sobre este conhecimento, se de acordo com Simone de Beauvoir no seu livro “A velhice”, em 1970, “para a sociedade, a velhice aparece como uma espécie de segredo vergonhoso, do qual é indecente falar” (BEAUVOIR, 1990, p.8). Em geral a sociedade não encara a velhice como uma fase da vida nitidamente marcada, pois o momento em que começa a velhice é mal definido, vária de acordo com lugar e época. Para ela: “Nada deveria ser mais esperado e, no entanto, nada é mais imprevisto do que a velhice”, as pessoas adultas se comportam como se não fossem chegar nessa fase (BEAUVOIR, 1990, p.11). Também, para a mesma autora [...] não é num instante que ficamos velhos: quando jovens ou na força da idade, não pensamos, como Buda, que já somos habitados pela nossa futura velhice [...] Antes que se abata sobre nós, a velhice é uma coisa que só concerne aos outros. Assim, pode-se compreender que a sociedade consiga impedir-nos de ver nos velhos nossos semelhantes [...] Paremos de trapacear; o sentido de nossa vida está em questão no futuro que nos espera; não sabemos quem somos, se ignorarmos quem seremos: aquele velho, aquela velha, reconheçamos-nos neles. Isso é necessário, se quisermos assumir em sua totalidade nossa condição humana. Para começar, não aceitamos mais com indiferença a infelicidade da idade avançada, mas sentiremos que é algo que nos diz respeito. Somos nós os interessados (BEAUVOIR, 1990, p.11- 12). 226 proejafinalpmd.pmd 226 18/11/2007, 19:31 Porém, queremos ressaltar que desde que Simone Beauvoir escreveu o livro “A velhice”, em 1970, a população de idosos aumentou consideravelmente e por isso passaram a ganhar maior visibilidade na sociedade, fazendo com que profissionais e eles próprios, passassem a estudar, a discutir e refletir as questões relativas ao idoso brasileiro, em prol da melhor qualidade de vida. Surgiram assim, instituições, entidades, programas de interesse técnico e científico, universidades para terceira idade, grupos e clubes de convivência, todos estes apresentando um potencial de politização dos idosos através da troca de informações, buscando uma atuação no mundo político, com a real possibilidade de apresentar e debater idéias e propostas, definir, deliberar e agir. Apesar da velhice estar ganhando visibilidade na sociedade atual, ela ainda deve ser reconhecida pela sociedade como um direito de todos os indivíduos. Ela, “ao ser considerada como invenção social, representa uma oportunidade para ser reinventada socialmente, resgatando a cidadania do idoso e assim, permitindo-lhe um viver saudável” (SCORTEGAGNA, 2004, p. 54). Não basta envelhecer, queremos envelhecer com dignidade, com qualidade de vida que é resultante do acesso ao conjunto de direitos sociais, tais como: paz, segurança, saúde, educação, trabalho, justiça, moradia, alimentação, transporte e lazer. Da infância à velhice é fundamental que nos habituemos a refletir o que queremos para nossas vidas, como queremos estar em cada fase, com que qualidade de vida, tanto para nós, como para os outros. Vemos que hoje, a humanidade finalmente está conseguindo viver mais, no entanto, a carência de serviços e instalações adequadas para os idosos está ocasionando um período prolongado de incapacidade e dependência. Nesse sentido, é necessário de ter medidas no campo da promoção da saúde e educação (VERAS, 2002). Uma das formas de se transmitir conhecimento é através da educação formal, dos currículos. Através da Política Nacional do Idoso é exigido no seu art. 10 inc. III: “inserir nos currículos mínimos, nos diversos níveis do ensino formal, conteúdos voltados para o processo de envelhecimento, de forma a eliminar preconceitos e a produzir conhecimentos sobre o assunto” (BRASIL, 1994). Nesse sentido, o PROEJA pode ser um espaço para que a temática do envelhecimento seja discutida, uma vez que esta instituição tem responsabilidade com a formação do sujeito cidadão. A Educação de Jovens e Adultos implica lidar com valores, com formas de respeitar e reconhecer as diferenças. E isto se faz desde o lugar que passam a ocupar nas políticas públicas, como sujeitos de direitos (PAIVA, 2006). 227 proejafinalpmd.pmd 227 18/11/2007, 19:31 Quando pensamos na inserção de conteúdos voltados para o processo de envelhecimento, verificamos que este ainda é um problema, pois apesar dessa temática ser obrigatória, como consta na Lei, vemos que há um distanciamento entre as disposições legais e a realidade, pois são raros os currículos que abordam esse assunto. Para que esta situação se modifique, se fazem necessárias discussões e a divulgação sobre a obrigatoriedade da implementação de conteúdos gerontológicos nos currículos, assim como, a importância destes para a construção de uma sociedade mais consciente e com menos preconceitos em relação à velhice. Outra Lei que destacamos é a LDB (9394/96), que estabelece normas para a elaboração de programas e currículos. Ela “prevê uma educação inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tendo como finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. No entanto, “críticas são feitas por planejadores de educação que denunciam a existência de um currículo voltado para um aluno universal, revestido de uma pretensa neutralidade técnica, encobrindo mecanismos subjacentes de exclusão”. Também, nesta mesma Lei está claro que os currículos, além do núcleo comum, devem ter uma parte diversificada, porém há uma tendência das escolas se limitarem às matérias do núcleo comum, ou seja, matérias ou conteúdos como: qualidade de vida, envelhecimento, prevenção, promoção de saúde, cidadania, na maioria das vezes não são contemplados (PALMA, 2000, p. 45). Ainda refletindo sobre a LDB e a temática do envelhecimento Both nos indica que: Se a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional/96 aponta como objetivos primeiros para as escolas, o trabalho e a cidadania, pode parecer difícil ao cidadão estar preparado para assumir caminhos construtivos de sua existência, ainda que se tenha em mente que ele é capaz de produzir sua vida e de nela imprimir um estilo mediador da longevidade e da qualidade em toda sua extensão. Isso quer dizer que, se as experiências educacionais forem determinadas pela produção [...] possivelmente o aluno estará condicionado a ter pela própria vida pouca consideração, entendendo-a como uma fatalidade e não como um produto das condições sociais e culturais (BOTH, 1997, p. 176). Agostinho Both (2001, p. 81) em seu livro “Gerontologia: educação e longevidade” ao discutir a mudança curricular e longevidade, traz o seguinte questionamento: “a primeira questão a ser considerada é se a conquista da longevidade constitui-se em razão suficiente para se repensar o currículo”. Com o aumento da longevidade aparecem novas responsabili228 proejafinalpmd.pmd 228 18/11/2007, 19:31 dades sociais, culturais e educacionais as quais exigem novas relações de poder, mudanças sobre o entendimento da condição humana diante do processo de envelhecimento das populações e principalmente, construção de oportunidades institucionais. A escola, os currículos, os programas de saúde, a oportunidade de educação permanente não podem permanecer os mesmos uma vez que as pessoas apresentam novas demandas. Dessa forma, com os acontecimentos sociais do processo da industrialização, que ocorreram e que continuam ocorrendo, a sociedade se moveu e se move para a construção sistemática de novas experiências escolares, alterações curriculares que dêem conta do mundo globalizado; por outro lado, com o novo perfil demográfico, a conquista da longevidade, pode vir a constituir-se em fato social suficiente para que se repense o currículo. Both propõe que: [...] ao invés de somente se orientar as experiências em razão das finalidades econômicas ou de interesses da política, sejam criadas finalidades instruídas para a preservação da vida com qualidade, vistas como aprendizagens para obtenção de recursos expressivos, científicos, sociais em todo o ciclo de vida e para a solidariedade refletida na igualdade e na preservação dos direitos fundamentais”(BOTH,1997, p. 178-179). Both (2001) nos fala da importância de nos conscientizar de que a vida não se restringe somente ao trabalho e a todas as formas de manutenção dos serviços construídos em torno das empresas, da família ou dos interesses do Estado. Em nome dos interesses das pessoas, podem ser construídas novas instituições, que abriguem a arte, a criatividade, à afetividade e toda forma de organização de proteção à vida, seja social, cultural ou pessoal. Para tanto, as escolas podem constituir novas aprendizagens; as famílias podem se alargar em sua estrutura e objetivos, proporcionando condições para que a vida tenha mais oportunidades. Salientamos que até o momento, defendemos a inserção de conteúdos gerontológicos nos currículos e acreditamos que este seja muito importante, interessante e até sustentável a partir da Política Nacional do Idoso (Lei n° 8.842), porém, na prática na luta no campo do currículo, conteúdos gerontológicos teriam poucas chances de serem implementados, ficariam somente em um outro discurso bonito, mas dificilmente se concretizariam. Uma solução para a inserção de conteúdos gerontológicos pode vir através da vinculação da gerontologia ao campo da saúde. Acreditamos que as temáticas: “envelhecimento” e “saúde” possam estar contempladas nos currículos, para que a Lei realmente se cumpra e que a escola exerça seu papel transformador. “Se a sociedade, 229 proejafinalpmd.pmd 229 18/11/2007, 19:31 como um todo, tomar consciência do fato de que não somos um país eminentemente de jovens, porque os jovens estão envelhecendo, então será possível discutir currículos escolares”. Cabe a sociedade possibilitar discussões/reflexões, de modo que, cada pessoa possa se permitir uma análise acerca do seu processo de viver e envelhecer, “constituindo-se, assim, não apenas num projeto para os mais velhos, mas sim, num projeto em que cada um é chamado a refletir sobre o sentido da vida na velhice” (BOTH; PORTELLA, 2003, p.37). A Educação de Jovens e Adultos abre possibilidades de superação de modelos curriculares tradicionais, disciplinares e rígidos. Essa deve ser uma construção contínua, num processo permanente que permite a abordagem de conteúdos e práticas de inter e trans disciplinares, a utilização de metodologias dinâmicas promovendo a valorização dos saberes adquiridos em espaços de educação de educação não-formal, além do respeito à diversidade. O currículo do PROEJA busca a integração entre uma formação humana mais geral, uma formação para o Ensino Médio e a formação profissional. Nesse sentido, o programa pretende conseguir uma integração epistemológica, de conteúdos, de metodologias e de práticas educativas. Refere-se a uma integração teoria-prática, valorizando os saberes e trajetórias dos estudantes, compreendendo que estes são decorrentes de vários espaços sociais. O currículo integrado é uma possibilidade de inovar pedagogicamente a concepção de ensino médio, em resposta a heterogeneidade dos educandos para os quais se destina, por meio de uma concepção que considera o mundo do trabalho e que leva em conta a trajetória dos mesmos. Supera-se a perspectiva estreita de formação para o mercado de trabalho, para buscar a formação integral dos educandos, como forma de compreender e se compreende no mundo (BRASIL, 2006). Temos clareza que a implementação de um currículo traz mudanças e neste contexto podem ocorrer resistências, em todos os níveis, em função dos esforços que se tornam necessários (BOTH, 1997; DOLL, 2004). Também, ao abordarmos a necessidade de inclusão de conteúdos sobre o processo de envelhecimento nos currículos formais, queremos apontar para o desafio, que a Gerontologia é um campo amplo e multidisciplinar, que exige reflexões sobre quais conhecimentos gerontológicos priorizar no processo ensino- aprendizagem, rompendo com resistências, estereótipos e preconceitos. Um dos motivos que leva os educandos a apresentarem resistência e falta de interesse nas questões que envolvem o envelhecimento é devido à 230 proejafinalpmd.pmd 230 18/11/2007, 19:31 imagem negativa que se tem da velhice na nossa sociedade. Porém, não devemos nos desencorajar com o objetivo de incluir a temática do envelhecimento nos currículos, pois este tema é relevante, principalmente, neste momento no qual a população de idosos tem crescido rapidamente. Doll (2004) discute que, à medida em que se deseja implementar um novo currículo ou uma alteração curricular, deve se manter um diálogo com todos os participantes envolvidos, pois as pessoas estando integradas neste processo passam a assumir responsabilidades com o novo currículo ou alterações curriculares, que ajudaram a construir. Nesse mesmo sentido, Both (1997) salienta que os professores e os alunos devem estar motivados, atraídos e instrumentalizados para entender o processo de envelhecimento, a ampliação da vida e os meios de produzir os recursos para levar adiante a realização humana em todo o ciclo de vida. Conforme Doll: De fato, um currículo bem elaborado é algo importante, pois permite uma certa previsibilidade, organização, planejamento, confiabilidade, controle, e de certa forma, o currículo garante a estrutura e os fundamentos da formação dos alunos. Mas o currículo não é tudo; a estrutura prescrita pelo currículo precisa ser preenchida pelo trabalho didático dos professores e pelos processos de aprendizagens dos alunos. Na discussão sobre o currículo não podemos esquecer que o objetivo maior é a aprendizagem dos alunos, e, no nosso caso, o conhecimento dos alunos sobre as questões do envelhecimento. Para isso, o currículo pode garantir alguma evolução, mas a realização do que está previsto no currículo, cabe ao trabalho conjunto de ensinoaprendizagem de professores e alunos engajados (DOLL, 2004, p. 127). Sendo a categoria velhice uma invenção social, a sociedade pode reinventá-la, reconhecendo a velhice não como um problema, mas como um direito de todos os indivíduos à vida, independente da sua idade. Para isso, se faz necessário desenvolver ações educativas em todas as fases da vida, que venham a oportunizar os cidadãos a reflexão sobre suas vidas, de forma individual e coletiva, sobre o processo de envelhecimento, diminuindo o preconceito sobre este, contribuindo para uma sociedade mais justa, mais saudável, com mais segurança e participação. A responsabilidade para o envelhecimento não é somente uma coisa individual, mas um processo social e como os homens são seres sociais, cabe também à sociedade responsabilidade frente ao envelhecimento da população. Neste sentido, a inclusão da temática no currículo escolar é exatamente uma das formas possíveis de assumir esta responsabilidade. 231 proejafinalpmd.pmd 231 18/11/2007, 19:31 Conclusão O processo educativo voltado para a humanização e transformação social deve ser permanente e relativo à própria vida, propondo o crescimento pessoal, a reflexão crítica, um novo olhar e uma nova postura frente aos desafios cotidianos desse mundo em transformação. Acredito que a educação visando um processo de envelhecimento saudável pode ser uma contribuição da escola em todas as fases da vida, buscando em cada fase o convívio e a troca. Nesse sentido, o PROEJA pode ser uma alternativa para que se venha a cumprir com a determinação legal da Política Nacional do Idoso, expressa na Lei n°8842 de 1994, que estabelece a obrigatoriedade de inserção nos currículos do ensino formal de conteúdos voltados para o processo de envelhecimento, de forma a reduzir o preconceito e aumentar o conhecimento sobre o assunto. A organização curricular desta modalidade de ensino deve ser compreendida como uma construção contínua, processual e coletiva que envolve todos os sujeitos do processo educativo, propondo uma formação com acesso ao universo de saberes e conhecimentos científicos e tecnológicos produzidos historicamente pela humanidade. A inserção de conteúdos gerontológicos nesse currículo vislumbra a criação de oportunidades para a reflexão e preservação da vida com qualidade, percebida como um processo de aprendizagem para a obtenção de recursos expressivos, científicos, sociais e culturais, dialogando com as concepções forjadas sobre o campo de atuação profissional, o mundo do trabalho e a vida. Dessa forma, queremos finalizar nossa discussão/reflexão chamando a atenção para o fato de que temos atualmente um novo perfil demográfico. E, com o aumento da população de idosos, a conquista da longevidade, se constitui em fato social suficiente para que se repense os currículos escolares. Referências BOTH, Agostinho. Currículo, qualidade de vida e Longevidade. In: Espaço pedagógico. Passo Fundo: Revista, vol. 4, n°1, p. 173-190, 1997. _____.Longevidade e Educação: Fundamentos e Práticas. In: FREITAS, Elizabete Viana de et al. (orgs.). Tratado de Geriatria e Gerontologia. 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UnATI/ UERJ, Rio de Janeiro: Relume/Dumará, 2002. 233 proejafinalpmd.pmd 233 18/11/2007, 19:31 234 proejafinalpmd.pmd 234 18/11/2007, 19:31 FORMAÇÃO DE PROFESSORES: EXPERIÊNCIAS NO PROEJA, EXPERIÊNCIAS DO PROEJA, EXPERIÊNCIAS PPARA ARA O PROEJA 235 proejafinalpmd.pmd 235 18/11/2007, 19:31 SABERES, INSCRIÇÕES E MOVIMENTOS NA TRAJETÓRIA FORMATIVA DE CORPOS-EDUCADORES: MEMORIAIS DE ESPERANÇAS NO ENSINAR E APRENDER COM A EJA Dalva J. Balz Bender1 Naira Lisboa Franzoi2 Direto ao ponto Educadores e educadoras, a partir de memoriais formativos, se re-encontram com trajetórias vividas e no processo da construção de si mesmos proporcionam a autoformação. Pergunto: a reflexão sobre as influências, as relações e os saberes adquiridos, pode atenuar fronteiras no processo de ensino-aprendizagem de jovens e adultos? As contingências da vida, a escolha da profissão, a experiência no exercício da docência e o encontro com biografias de educandos da EJA possibilitam o re-pensar da mediação/intervenção pedagógica atual? Considerando o ensaio expresso neste artigo3, e apoiada nas contribuições inseparáveis 1 Graduada em Educação Física (FASEF, RS); Pós-Graduada, nível Especialização, em Exercício e Qualidade de Vida (UNOPAR, PR); Mestre em Educação (UNISINOS, RS). 2 Professora da Faculdade de Educação da UFRGS, Dra. em Educação, orientadora do Trabalho de Conclusão de Curso da autora do presente artigo. 3 O artigo tem como base o Trabalho de Conclusão do Curso de Especialização em PROEJA/ FACED/UFRGS. A validação do processo de pesquisa valeu-se da colaboração de colegas participantes do Curso de Especialização em PROEJA: Maria do Carmo Canani, Cláudia Klinski, Bernhard Sydow e Elisete Bernardi Garcia, cuja “conversa” estabeleço via Memorial Formativo. Orientada pela Profª. Drª. Naira Lisboa Franzoi (UFRGS), manifesto minha gratidão aos participantes deste trabalho e suas estimulantes contribuições. Sem isso, não teríamos a possibilidade de troca intelectual e emocional entre os pares, como educadores pesquisadores de nossa própria história. Os Memoriais Formativos, como “arestas” de legítima sabedoria, são originários do Trabalho do Módulo I: Matriciamentos e Formação Docente - Disciplina Invenções e Intervenções Pedagógicas, ministrada pelos professores Rafael Arenhaldt e Daniela Brun Menegotto. 236 proejafinalpmd.pmd 236 18/11/2007, 19:31 de Edward P. Thompson (2002), Bernard Charlot (2000), Maurice Tardif e Danielle Raymond (2000), Yves Schwartz (2000, 2003), Edgar Morin (2000), entre outros, a resposta é sim. [...] Foi nesse chão, de tantas contradições, que iniciei meu aprendizado social e político no campo da educação. Foi ali, entre o barulho das máquinas e os cheiros tantos da fábrica, mas, sobretudo, com aquelas mulheres e com aqueles homens, que eu comecei a ter uma melhor compreensão de diferentes realidades e do mundo do trabalho (inclusive, do mundo do meu trabalho), da minha própria condição humana. Acho que ali comecei a compreender um pouco melhor, também, a história de minha mãe, de meu pai, de meu irmão, de tantos outros Josés e de tantas outras Marias, ou seja, a história dos excluídos. (MARIA DO CARMO CANANI, Memorial Formativo, Curso em PROEJA-UFRGS, 2006). Abrir gavetas, juntar bilhetes e cartas, folhear cadernos, manusear álbuns, contemplar as fotografias... Abstrair desses instrumentos obviedades e obscuridades é, antes de qualquer coisa, legitimar a nossa história como um reencontro regado de experiências e conhecimento. Entretanto, talvez este seja um dos grandes desafios da educação nos dias de hoje, especialmente na educação/formação de jovens e adultos, que, de certa forma, permite confirmar o que muitos já disseram: “saberse” na própria trajetória formativa é bisbilhotar o passado e proporcionar a sensibilidade necessária para problematizar e validar a “realidade autêntica” que nos invade corporalmente. Escrever sobre si é, secretamente, ouvir-se. Repensar espaços e tempos, recuperar influências, saberes e “sabores” que, nem sempre aprazíveis, o que significa, também, restaurar fissuras e cicatrizes. A emergência de novas práticas educativas na EJA, especialmente no PROEJA4, supõe o exercício da “reflexividade subjetiva”.5 Morin (2000, p. 38) sugere “pensar-repensar o saber”. Saber e saberes necessários e indispensáveis para o enfrentamento dos paradigmas que envolvem os traçados da educação atual. “O saber existe, primordialmente, para ser refletido, meditado, discutido, criticado por espíritos humanos responsáveis [...]. Hoje, o retorno ao sujeito constitui um problema 4 Programa de Integração da Educação Profissional Técnica de Nível Médio ao Ensino Médio na Modalidade Educação de Jovens e Adultos - PROEJA, regulamentado pelo Decreto no. 5.478, de 24/06/2005. 5 O dizer, fazer e sentir pedagógico na EJA suscita o exercício da “reflexividade subjetiva”, que é, segundo Gómez citado por Libâneo (2005), a “[...] capacidade de voltar sobre si mesmo, sobre as construções sociais, sobre as intenções, representações e estratégias de intervenção. Supõe a possibilidade, ou melhor, a inevitabilidade de utilizar o conhecimento à medida que vai sendo produzido, para enriquecer e modificar não somente a realidade e suas representações, mas também as próprias intenções e o próprio processo de conhecer” (p. 56). 237 proejafinalpmd.pmd 237 18/11/2007, 19:31 fundamental, que está na ordem do dia” (id.). [grifo meu] A educação e a escola, imbricadas com as situações adversas de uma sociedade em contínua mudança; os sujeitos múltiplos e sua necessidade de retorno aos bancos escolares (quer pelos meios formais e instituídos ou pelos não-formais), e a complexidade dos processos formativos, especialmente na modalidade EJA, que, imbricada com as vicissitudes do mundo do trabalho, exige de nós, educadores/pesquisadores, a assunção desse tempo-espaço como um campo profícuo e de amplos desafios. Encharcada por homens e mulheres, jovens e adultos, trabalhadores e desempregados, “sobrantes das metamorfoses do mundo do trabalho”6, traduzem a EJA, por si só, como um lugar “embebido” de marcas e experiências oriundas do mundo da vida. Esse cenário acende novas expectativas, pois, antes de qualquer coisa, “espalha” intersubjetividades com e entre os sujeitos (educadores e educandos) que, distantes ou próximos, estão inseridos em um mesmo mundo, por vezes, o “pequeno grande mundo” da sala de aula, que, entre outras coisas, provoca o repensar das interrelações, principalmente o papel da docência nesse lugar. Diferenciada de outras, dadas as especificidades que a compõem, a EJA é uma modalidade que acolhe estudantes que, na maior parte das vezes, travam uma luta pessoal para retornar à sala de aula. De um lado, pelas dificuldades produzidas pelo próprio sistema escolar, que já os excluiu ou nem possibilitou o acesso em outros tempos. E, do mesmo lado, a exclusão que compreende, entre outros aspectos, a necessidade básica da sobrevivência: o trabalho em si. Porém, e de outro lado, esses estudantes estão envolvidos pelas contingências históricas que abarcam o problemático mundo do trabalho, caracterizando-os, muitas vezes, como: “figuras do excluído”. 7 Nessa direção, o PROEJA “é mais que um projeto educacional. [...] será um poderoso instrumento de resgate da cida6 Os estudos de Machado, Corbellini e Fischer (s/d) apontam as décadas de 70 a 90 como um período de acentuado crescimento das indústrias, especialmente no sul do Brasil, e, portanto, o grande atrativo para que milhares de micros e pequenos agricultores do estado do Rio Grande do Sul migrassem da zona rural para o perímetro urbano, especialmente no Vale do Rio dos Sinos. Esses “sobrantes” eram os agregados excluídos do meio rural, cujas condições de trabalho e sobrevivência foram prejudicadas pelo processo de transformação da base tecnológica da agricultura, que mecanizou as grandes propriedades de terras. “Excluídos” de suas regiões de origem, vieram para as regiões urbanas em busca do emprego e salário fixo. Impedidos de estudar em tempo próprio, são, em grande parte, estes e os filhos destes, os sujeitos que hoje constituem o público das escolas de EJA. Nesse decurso, as profundas modificações contextuais no que se refere às bases tecnológicas e o mercado globalizado provocam ciclos de emprego-desemprego tanto para jovens e/ou adultos. Disponível em < http://www.dhnet.org.br/educar/adunisinos/Antonio.htm>. 7 Renaud Sainsaulieu (2001), em artigo sobre “A identidade no trabalho ontem e hoje”, aponta que esses excluídos compõem os trabalhadores sem carteira assinada, ou sem emprego e sem domicílio fixo, que estariam substituindo os valores fortes do trabalho ( p. 58). 238 proejafinalpmd.pmd 238 18/11/2007, 19:31 dania de toda imensa parcela de brasileiros expulsos do sistema escolar por problemas encontrados dentro e fora da escola” 8. Nesses meandros, pressupõe assumir a “a condição humanizadora da educação”.9 As concepções do PROEJA e os fundamentos político-pedagógicos do currículo sugerem conhecer os sujeitos da EJA, legitimar o que essas pessoas trazem do seu cotidiano vivo e vivenciado para dentro do tempo-espaço escolar. Entre outros aspectos, ensejam ressignificar a identidade “trabalhador”.10 Ana L. O. Pires (2007) afirma que, para legitimar os que as pessoas já sabem, é necessário o reconhecimento e a validação das “aprendizagens experenciais” (p. 10). Essas aprendizagens são re-elaboradas a partir dos saberes não-formais e informais adquiridos nos espaços de interação da pessoa consigo própria, com os outros, com a vida, como conteúdos abertos, tácitos e invisíveis, que não obedecem a uma lógica cumulativa e aditiva, mas de recomposição (id.) Trilhando por esse caminho, torna-se igualmente fundamental estabelecer uma formação adequada aos docentes que irão mediar essa tarefa: ouvir e considerar suas histórias, seu trabalho... Quer dizer, uma formação que permita ao educador ir para além dos elementos epistemológicos e metodológicos: uma formação que reconstrua suas próprias trajetórias, seus saberes, suas esperanças, sem se esquecer de suas “mazelas”. Esse “movimento” de ir e vir suscitará leituras de mundos entrelaçados, tanto de educadores como de educandos, na compreensão de escolhas profissionais, trajetórias de trabalho e não-trabalho11, embasando o processo pedagógico no reconhecimento das experiências de vida dos sujeitos a partir da autoformação e compreensão. Trajetórias de vida a serviço do conhecimento de si e do outro, recuperando sentidos e significados do fazer pedagógico nos tempos atuais. 8 Eliezer Pacheco, DOCUMENTO-BASE PROEJA, 2006, p. 03. “[...] com acesso ao universo de saberes e conhecimentos científicos e tecnológicos produzidos historicamente pela humanidade, integrada a uma formação profissional que permita compreender o mundo, compreender-se no mundo e nele atuar na melhoria das próprias condições de vida e da construção de uma sociedade socialmente justa” (DOCUMENTOBASE PROEJA, 2006, p. 3-10). 10 “Ouvir e considerar suas histórias e seus saberes, bem como suas condições concretas de existência [...].[...] compreender que os sujeitos têm história, participam de lutas sociais, têm nome e rostos, gêneros, raças, etnias e gerações diferenciadas (DOCUMENTO-BASE PROEJA, 2006, p. 40). 11 Nesse caso, abordar as transformações históricas do trabalho, as instabilidades no emprego, a ausência dele em seu aspecto formal (carteira assinada), as fragilidades que compõem esse campo, e redimensionar nosso olhar na direção dos trabalhadores sem emprego para além da obviedade. Naira L. Franzoi (2006), valendo-se de Robert Castel, conta que “a novidade não é apenas a retração do crescimento ou o fim do quase-pleno-emprego, [...] Para Castel, “o trabalho [...] é mais que o trabalho, portanto, o não trabalho é mais que o desemprego” (p. 36). 9 239 proejafinalpmd.pmd 239 18/11/2007, 19:31 Essa abertura torna-se necessária e urgente nos processos educativos do mundo contemporâneo, em que pairam as incertezas de uma educação que ainda cursa sobre um “leito” de velhas veredas. Uma educação que ainda está sob a égide do enquadramento e da determinação dos “saberes maiores”, que desqualificam, hierarquizam e organizam os “saberes menores”, produzindo o disciplinamento dos saberes. Os currículos atuais, mesmo que “abertos”, ainda elegem o “científico e verdadeiro”, e, nesses meandros, o jovem e o adulto ainda são perspectivados como dependentes e pormenorizados em seus saberes anteriores, que ainda não são considerados relevantes. Talvez aí, no itinerário de ambos (educadores e educandos), haja encontros virtuosos capazes de promover a sensibilidade necessária para o encontro dos saberes. É importante destacar aqui que o propósito último deste estudo é compreender educandos da EJA, mas exercitando, antes disso, a docência reflexiva. Não estamos em campos opostos, nosso “reduto” é o mesmo. Este artigo indica o uso de memoriais restaurados através de imagens12 e narrativas13 como um dos principais recursos na formação de educadores e educadoras. Saber ouvir e escrever os outros pressupõe ouvirse, escrever-se e inscrever-se em imagens, palavras e linguagens, constituindo-se em texto. Como um “cadastro” in[corpo]rado, para alguns, a retrospectiva de um mundo vivido ressoa em “movimentos” brandos, porém, para outros, nem tão poucos assim, esse mundo se confirma em trajetórias nem tão afáveis. O que podemos observar nos campos da EJA é que o fruir da vida está “carregado” de adversidades que se constituem como verdadeiras “fendas”, em que basta um “vento leve” que reanime as recordações de 12 O uso da imagem fotográfica como um recurso pedagógico supõe, inicialmente, aguçar as nossas sensibilidades. Contemplar fotografias não se traduz em simples olhadelas, tampouco é apenas “enxergar”, vai além, diz Sebastião Salgado (2003). O olhar contemplativo remete a uma condição provocativa e singular diante da(s) figuras(s). Ao contemplar as imagens como uma intervenção metodológica, utilizamos o objeto fotográfico como parte de uma história, constituindo ele próprio um princípio de memória (id.). Em Maria Ciavatta (2002): “[...] As fotografias são como monumentos que traduzem valores, idéias, tradições e comportamentos que contribuem para a identidade familiar e orientam formas de ser e agir” (p. 34-35). Acrescento aí que as imagens contribuem para a captura da identidade do sereducador[a] e, conseqüentemente, do ser-educando[a] na EJA. 13 Bastos (2003) traz as narrativas e as vivências de um professor contextualizadas historicamente, numa perspectiva de construção do tempo presente: “o prazer em revelar as inúmeras vivências, de contextualizá-las na busca de reflexão crítica, de valorizá-las diante da elaboração do tempo presente, intenta construir o vivido na perspectiva de esclarecer, em parte, o enfrentamento dos desafios epistemológicos do trabalho docente, em que as motivações de vida estão intimamente ligadas. O pessoal e o profissional fazem parte de uma totalidade: o eu” (p. 167). 240 proejafinalpmd.pmd 240 18/11/2007, 19:31 um tempo vivido para que sintam as “dores” de sempre. Talvez aí, no indissociável passado e presente, estejam os saberes, os conhecimentos, as revelações e as “aprendizagens experenciais”, suscetíveis na promoção de novas possibilidades. Para a compreensão dessas “idas e vindas”, as contribuições de Edward P. Thompson14 são expressivas. Para Thompson (2002, p.13), o que diferencia a educação de adultos são as experiências que se tramam no cotidiano do sentir e fazer pedagógico: A experiência modifica, às vezes de maneira sutil e às vezes mais radicalmente, todo processo educacional; influencia os métodos de ensino, a seleção e o aperfeiçoamento dos mestres e o currículo, podendo até mesmo revelar pontos fracos ou omissões nas disciplinas acadêmicas tradicionais e levar à elaboração de novas áreas de estudo (id.). Não se trata, aqui, de abrandar a cultura científica e sistematizada e dar espaço apenas para a experiência viva e vivida. Mas, sim, dar visibilidade e voz no re-conhecimento da história daquele cuja trajetória e identidade pertencem a uma cultura anterior e que está sendo continuamente informada e reafirmada. Ora, essa problemática inclui educadores e educandos no mesmo “barco”, pois quando se trata da formação de adultos, quer seja na escola básica ou no ensino superior, não há como desdenhar a relação recíproca e dialógica entre os protagonistas em cena. Em Thompson: [...] nenhum educador que se preze pensa no material a seu dispor como uma turma de passivos recipientes de educação. [...] nenhum mestre provavelmente sobreviverá a uma aula – e nenhuma turma provavelmente continuará no curso com ele – se ele pensar, erradamente, que a turma desempenha um papel passivo (id., 2002, p. 13). Embrenhar esses campos “metamorfoseados”, tanto na escola como na vida cotidiana, é, antes de qualquer coisa, saber aprender. Em Bernard Charlot (2000), saber/aprender é uma relação/ligação entre o sujeito e o mundo, com ele mesmo e com os outros. Esse “mundo como um conjunto de significados, mas também como espaço de atividades que se inscreve no tempo” (p.77). A relação de saber/aprender nas dimensões que se interpenetram e se supõem uma a outra: o presente, o passado, o futuro. 14 Célia Vendramini (2006) busca contribuições em Thompson para a apreensão dos saberes produzidos do/no trabalho. Comenta que o 241 proejafinalpmd.pmd 241 18/11/2007, 19:31 A apropriação do mundo, a construção de si mesmo, a inscrição em uma rede de relações com os outros – ‘o aprender’ – requerem tempo e jamais acabam. Esse tempo é o da história: a espécie humana, que transmite um patrimônio a cada geração; a do sujeito; a da linhagem que engendrou o sujeito e que ele engendrará. [...] Esse tempo não é homogêneo, é ritmado por ‘momentos’ significativos, por ocasiões, por rupturas; é o tempo da aventura humana, a da espécie, a do indivíduo. Mas, onde começa o saber? Yves Schwartz (2003) traz apontamentos que re-ligam o saber às atividades de trabalho. Para o autor, toda atividade de trabalho é atravessada de história, pois nenhuma situação humana reúne com ela tantas marcas de debates da história das sociedades humanas quanto as situações de trabalho: “[...] toda atividade de trabalho encontra saberes acumulados nos instrumentos, nas técnicas, nos dispositivos coletivos; toda situação de trabalho está saturada de normas de vida, de formas de exploração da natureza e dos homens uns pelos outros” (id., p. 23). O autor continua; [...] Se o trabalho é atravessado pela história, se nós “fazemos história” em toda atividade de trabalho, então, não levar em conta esta verdade nas práticas das esferas educativas e culturais, nos ofícios dos pesquisadores, de formadores, nas nossas práticas de gestores, de organização do trabalho e também nas práticas de cidadãos, é desconhecer o trabalho, é mutilar a atividade dos homens e mulheres que, enquanto “fabricantes” de história, re-questionam os saberes, reproduzindo em permanência novas tarefas para o conhecimento(ib.). Então, o saber, segundo Schwartz, “[...] começa nas profundezas do corpo, com aquilo que existe de mais singular, de mais histórico, de mais impalpável numa situação de trabalho” (id., p.26). Este é o ponto: o corpo é lócus, produtor de saberes, movimento, mas não só. É ele mesmo um saber quando redesenha, em sua superfície viva, as cores, o aroma, as marcas visíveis e sensíveis para si mesmo e na reciprocidade para com os outros. O corpo é saber quando ele próprio, enquanto corpo-sujeito, “sabe usar-se” como parte de uma trama que envolve outros saberes. 15 O corpo é saber em suas múltiplas linguagens e torna-se o grande interlocutor da experiência humana. Ponderando sobre o corpo, Schwartz (2000), na relaautor problematiza a realidade para além dos muros da escola. Capta os movimentos que constituem os sujeitos, considerando os saberes do trabalho, contexto, as condições objetivas do trabalho e da educação, sem abrir mão do sujeito em sua dimensão subjetiva e as experiências constituídas coletivamente pelos sujeitos socais (p. 123). 15 Com base em Eloisa H. Santos (2006), é necessário cautela para as concepções que naturalizam os saberes tácitos. Em muitas situações de trabalho o “uso do corpo” é um dos aspectos que confere habilidade a trabalhadores. 242 proejafinalpmd.pmd 242 18/11/2007, 19:31 ção entre o sujeito e o seu trabalho (entre o dizer e o fazer), comenta que há sempre uma relação problemática: nem tudo se diz, e tanto o dizer como fazer estão resguardados em si naquilo que o corpo sente, portanto, “o dizer não recobre o fazer” (id., p.05). Para Schwartz, no mundo do trabalho, há toda uma tendência de redução e simplificação do trabalho às tarefas em si. Isso quer dizer que somos avaliados pelo que realizamos ou produzimos de uma forma palpável, visível. Essa “diminuição” do fazer nos leva a restringir o outro às instruções e ao que se exige desse outro em termos de produção. Não se vê a complexidade, o que o outro faz/sente para gerir (ou digerir) todos os seus problemas, isto é, não se vê na atividade do trabalho toda a subjetividade humana que a envolve - “as dramáticas do uso de si” ou o uso do “corpo si”, no sentido de que “o corpo nunca está colocado fora de jogo”, como bem diz Schwartz (2003, p.06-15). Para o autor, quando então “as dramáticas do uso de si” são compreendidas, não se pode mais simplesmente dar instruções, não se pode manipular o trabalho e suas relações aí imbricadas como algo meramente mecânico. Adentrando no mundo da escola de jovens e adultos, que, muitas vezes, assemelha-se com ou reproduz a sistemática do mundo do trabalho, em seus tempos, tarefas e exigências, vamos perceber que essa tendência reducionista, prevista pelo autor, aparece novamente. Muitas vezes, no espaço-tempo escolar, excluímos toda a trama que envolve o cotidiano de jovens e adultos, e delimitamos o olhar apenas ao visível da tarefa em si. Porém, se então compreendermos a subjetividade que abarca a condição humana ou “as dramáticas do uso de si”, as relações mudam. Nesse caso, deixaremos emergir o corpo-sujeito e entraremos no mundo singular do trabalhador-estudante, compreendido em toda sua inteireza – em sua corporeidade.Isso é significativo quando de trata da educação de jovens e adultos, pois diz respeito a vidas humanas envoltas pelos saberes adquiridos, especialmente nas atividades do trabalho, e mais: significa redimensionar a tarefa em si e olhar para a invisibilidade do mundo do trabalho e não-trabalho16. Ao transferirmos essa concepção para os trabalhadores-estudantes, então, no chão-da-escola, lá onde se via apenas um mero estudante, vê-se agora um corpo-trabalhador-estudante-histórico-enigmático-esperançoso-humano, fazendo “uso de si”. Nessa concepção, estaremos vendo o outro como alguém com quem vamos apren16 Naira L. Franzoi (2006, p. 36), valendo-se de Robert Castel, conta que “o trabalho [...] é mais que o trabalho, portanto, o não trabalho é mais que o desemprego”. Penso que talvez seja necessário, aqui, considerar o contingente dos sujeitos da EJA, suas trajetórias de trabalho e não trabalho, e redimensionar nosso olhar em relação à essa dimensão, para além da obviedade. 243 proejafinalpmd.pmd 243 18/11/2007, 19:31 der coisas, saber o que fez/faz, como fez/faz e por que fez/faz, quais são seus saberes e como elas têm sido debatidas e legitimadas. Sem esquecer o propósito do PROEJA, que é promulgar a “perspectiva sensível” da formação continuada de professores, é imprescindível considerar essa modalidade pormenorizando os sujeitos na atividade do trabalho, e isso nos entrelaça na mesma arena de significância. Revisitando nossas trajetórias pregressas, veremos que somos o legado de um modelo de escola e de educação que “conforma”, “adapta”, “ajusta”, “modela”, “silencia” e “enclausura” comportamentos e indivíduos. A ruptura necessária e urgente passa necessariamente pela reflexão da educação como fenômeno social, cultural e histórico, estreitamente vinculados ao ser e estar sendo educador e educadora na atividade do trabalho. Então, deixemos o corpo-educador[a] falar... O tempo-espaço da escuta de si: o que contam os “corpos-sujeitos” via memorial formativo? Educadores e educadoras estão sempre dizendo, mas desejam se contar ainda mais, e contam... Para Cláudia Klinski, narrar a sua história é, antes de qualquer coisa, confessar seus sonhos! “É reconstituir a própria existência.” [...] o memorial é ‘uma descrição com muitos pormenores de uma realidade vivida’. O conteúdo de um memorial diz respeito às emoções, crenças, valores, ansiedades, medos, contradições, prazeres, desprazeres do indivíduo. Enfim, é o registro escrito de situações vivenciadas, das relações intra e interpessoais. [...] Além de considerar este memorial autoavaliativo, acredito que ele acaba se tornando um instrumento confessional de meus sonhos (CLAUDIA KLINSKI, Memorial Formativo Curso em PROEJA, dez. 2006). Na autocompreensão, em que reconta as experiências e a escuta silenciosa de si, Cláudia promove os elementos necessários para que possa retomar o exercício da escrita e se dizer contando suas incertezas, seus desafios, fazendo relações com as influências estabelecidas, os diferentes lugares e os sujeitos que auxiliaram em sua trajetória e escolha profissional. Deixa evidente a escolha em ser educadora quando diz 244 proejafinalpmd.pmd 244 18/11/2007, 19:31 que “tinha certeza de que [...] queria trabalhar com pessoas, com educação” (id.). 17 Memoriais são janelas! Quando abertas ou apenas espiadas de forma reflexiva, nos fazem perguntas. Temos, porém, liberdade para respondê-las, ou não. Elisete B. Garcia (2006), por exemplo, expressa, em seu memorial, uma trajetória desejante pelo saber, que constitui, por si mesmo, um saber singular: “não pretendo ficar presa ou limitada a essas lembranças e vivências, porém elas, de alguma maneira, me mostram que não devo esquecê-las [...]”.Entre sinuosidades contextuais e sonhos, narra: Fiz as séries iniciais numa escola rural, a qual tinha somente até a 4ª série, com turmas multisseriadas, sem biblioteca, e os livros didáticos disponíveis eram apenas os fornecidos pelo MEC. A cidade só tinha uma escola com séries finais, que ficava aproximadamente a oito quilômetros da minha casa. Não tínhamos carro, e os únicos meios para nos deslocarmos era a pé ou de bicicleta [...]. No entanto, decidi que de alguma maneira eu queria continuar estudando, e com apenas 11 anos de idade saí de casa para morar com outra família e trabalhar [...]. Fui descobrindo que a luta pela escola pública não se dava apenas com a conquista de uma vaga, mas muita coisa estaria aí em jogo, como, por exemplo, chegar até a escola e como sobreviver dentro e fora dela (ELISETE B. GARCIA, Memorial Formativo, Curso em PROEJA, dez., 2006)18. As relações e a história construída pela narradora não apenas são anteriores à escola como mesclam e circundam esses campos. Há um conjunto de situações, entre elas o trabalho, que a antecedem e que posteriormente se inscrevem aos espaços institucionalizados. O que podemos afirmar é que há uma gama de situações que exercem influência incisiva e determinante em nossas escolhas outrora feitas e que nos constituem nos dias atuais. Somos uma complexa rede de relações. Maria do Carmo Canani19 refere-se ao período da infância como um tempo significativo com relação ao “estar sendo” educadora nos dias de hoje. Há, em seus escritos, um ir e vir contínuo, do passado que ainda é. 17 Atualmente Claudia Klinski atua como orientadora educacional em uma escola técnica estadual. 18 Atualmente, Elisete B. Garcia atua junto à Secretaria Municipal de Educação Esporte e Lazer (SMED) de São Leopoldo como Supervisora das escolas com EJA. 19 Maria do Carmo (a criança da fotografia) faz do seu memorial uma “Carta para Maria Antônia”, sua filha. Traz, subentendido, o desejo de deixar o registro documental para sua legatária. Se isso terá influência sobre o futuro profissional de Maria Antônia, somente o tempo dirá. Entretanto, que já tem uma extensão educativa nesse processo, certamente não duvido. Atualmente, a narradora atua na Secretaria Municipal de Assistência Social em São Leopoldo, na formação de Educadores e Educadoras. 245 proejafinalpmd.pmd 245 18/11/2007, 19:31 Fig. 1 “Carta para Maria Antônia” Da infância pobre, lembro poucas coisas (muitas, talvez, não queira lembrar). Lembro-me, por exemplo, de que, por volta dos oito anos, pedia livros emprestados a um vizinho para poder ler (minha grande paixão, que me levaria, anos mais tarde, a cursar Letras). Lembro-me, também, de que, desde muito pequena, brincava de aulinha num quarto velho de minha casa, elegendo como alunos alguns bonecos de papel que eu construía e colava nas cadeiras, como se fossem gente (MARIA DO CARMO CANANI, Memorial Formativo, curso em PROEJA-UFRGS, 2006) (fig. 1). Quando rememoramos o passado, não há como evitar as “marcas” dos corpos de ontem nos corpos de hoje. As lembranças de Bernhard Sydow em suas trajetórias contextualizadas, em muito se assemelham às histórias de imigrantes deste país. As origens germânicas - o pai, um Pastor Luterano, e a mãe, Professora, “das Deutsch Gespräch” (a fala alemã) - são a base familiar que o constitui. Para Bernhard, os textos que marcam seu corpo e as pequenas transgressões que, segundo ele, apenas se insinuam no memorial, são da moral protestante: Fig. 2 “Tio-avô de Berlim, mãe, irmão, tia, prima, pai, avô e Bernhard” Cursei minha pré-escola no “Deutscher Kindergarten” da Sociedade Germânia. Ficava na Ramiro. Lembro que não sabia falar português. Fiz trabalhos manuais de trançar papéis formando figuras.Cantei “Escravos de Jó” sem entender uma sílaba. Aprendi a escrever o meu nome numa pauta caligráfica. Was ist “escravos?” (BERNHARD SYDOW, Memorial Formativo, Curso em PROEJA-UFRGS, 2006) [Grifos do autor] 246 proejafinalpmd.pmd 246 18/11/2007, 19:31 O corpo-sujeito histórico está empapado das experiências vividas. Bernhard, que atualmente é músico do Projeto Prelúdio da UFRGS, apesar de ter aprendido a tocar harmônio com seu pai, sob regras duras, “sentidas literalmente na pele”, como ele mesmo conta, exalta, em seus escritos e imagens, as experiências positivas trazidas ainda da infância: “[...] resolvi ser músico aos seis anos de idade, quando o lugar em que eu estudava foi visitado por um chantre, o Kantor Mayer, que me deixou fascinado com a maneira de tocar harmônio e com a arte de improvisar”(id.). Para Bernhard, além da experiência musical na infância, a oportunidade de poder trabalhar no Projeto Prelúdio (UFRGS) foi decisiva para a sua opção profissional. Na reconstrução de si mesmo, Bernhard exalta o aprender com o outro, sobretudo, o “aprender trabalhando”, inicialmente com aquele que fora uma de suas fontes motivadoras - o seu “melhor professor” - mas, também, o “aprender com cada aluno”: Não usava livro, não ditava conceitos, não ditava fórmulas, fazia demonstrações, fazia a gente refletir, deduzir, concluir, contextualizar historicamente. Meu melhor professor: Ernest Julius Sporket, 09/01/1928 - 06/03/1999. Era mais do que empirista. Era também sábio, mago e poeta. Foi um dos artesãos do Museu da PUC [...] Resolvi ser professor de música porque desafia reinventar maneiras a pensar de outras maneiras, a arte, o jogo simbólico. Recriar formas, incentivar a autoria. Aprender com cada aluno. Porque dá prazer, alegria, prestígio, pertença, contemporaneidade. Companheirismo... (id..). (BERNHARD SYDOW, Memorial Formativo, Curso em PROEJA-UFRGS, 2006). [grifo meu] Os memoriais inspiram e potencializam os elementos essenciais no ensinar e aprender, pois se traduzem em conhecimento de si, do outro, da escola em situações de aprendizagem. Portanto, o “visível” e ou o “invisível” dos escritos revelam sinais e expressam as múltiplas histórias do contexto familiar, da história de vida, da escolha profissional e da própria escola, que se alastram no cotidiano de educandos e educadores. Apesar das limitações deste texto, percebemos que, através das imagens e narrativas, os sujeitos expressam uma ascendência que tem raiz num espaço-tempo que remete à infância. São saberes (sabores) necessitados de legitimação e que produzem a clara significância dos processos de ensinar e aprender. Em Tardif e Raymond (2000), educadores e educadoras pensam “com a vida”, com o que foram e são, com o que viveram e vivem, com aquilo que acumularam em termos de experiência a partir de suas histórias, não somente intelectual, mas também emocional, afetiva, pessoal e interpessoal. 247 proejafinalpmd.pmd 247 18/11/2007, 19:31 (p. 235). Para mim, essa afirmação é extensiva a educandos e educandas da EJA. Isso quer dizer que estamos enleados em, entre e através das nossas próprias histórias, que nos proporciona, sim, um lastro de certezas a partir das quais compreendemos e interpretamos as novas situações que nos afetam e constroem a continuação. Observa-se que, em muitos casos, a infância penosa, os métodos austeros, os diciplinamentos, os grandes esforços para realizar a tarefa de estudar vão permeando as vidas dos sujeitos, desenvolvendo nelas a capacidade reflexiva e crítica ante as contradições da vida. Elisete B. Garcia narra sua trajetória como se ainda estivesse sentindo as “dramáticas do uso de si” preditas por Schwartz (2000), e talvez, esteja. Toda sua história se mantém como forte indicadora na escolha pelo magistério, no “estar sendo” educadora e, certamente, no fruir pedagógico que hoje realiza: Vivi a maior parte da minha juventude na encruzilhada entre enfrentar a pobreza do mundo, fora da vida religiosa, ou deixar vencer a esperança de poder romper com as grades que impediam de lutar pelos ideais que me alimentavam naquele tempo[...]. Até que decidi enfrentar a competição do mundo do trabalho e, apesar de estar longe da família, não ter uma casa, estar sem emprego e sem dinheiro, eu tinha a esperança que me movia.[...] Fiz Magistério na escola pública e foi a formação recebida que me possibilitou trabalhar em uma instituição que atendia a meninos e meninas que viviam na e da rua. Aprendi que a sociedade podia ser mais excludente daquela que eu vivia e conhecia. Foi quando comecei entender que a mudança passava pela sociedade organizada e não somente pela educação (ELISETE B. GARCIA, Memorial Formativo, Curso em PROEJA-UFRGS, dez., 2006). Retomo aqui a relevância das singularidades que permeiam as trajetórias da formação docente e, sobretudo, a percepção do que trazem para dentro dos espaços e tempos que hoje constroem, na observação de si mesmos e dos múltiplos sujeitos com os quais aprendem e ensinam o tempo todo, isto quer dizer, ensinar e aprender com histórias de outros e outras e, sobretudo, na experiência do encontro da minha história com a história do outro e da outra: As pessoas só se educam pela necessidade, cumplicidade e solidariedade, buscando compreender humanitariamente o mundo para nele poder intervir, o que nos faz descobrir que nesse processo não há educadores e educandos, pois todos somos educandos-mestres-trabalhadores (MARIA DO CARMO CANANI, Memorial Formativo, Curso em PROEJAUFRGS, dez., 2006). 248 proejafinalpmd.pmd 248 18/11/2007, 19:31 Não somente ela, mas Maria do Carmo ratifica a significância deste texto, quando denomina seus protagonistas de “educandos-mestrestrabalhadores”. Isso faz sentido e possui valor ímpar sobre o olhar sensível do qual nos fala o PROEJA, trazendo a esperança fundante que permeia os profícuos campos da escola, que afetam sempre as vidas vidas humanas. Somos história! Somos a história que compartilhamos no passado, os lugares por onde passamos, as pessoas com as quais conversamos, tocamos e que, no inseparável ontem e o hoje, nos tocam sempre. É mais ou menos assim que as experiências vividas encarnam e entrelaçam o presente. Experiências, essas, formadoras de histórias, de sentido, de linguagens e significados que vão edificando, ao longo do tempo, as histórias de todas as gentes. O que conta, no final, é o que fica... E, certamente, TUDO FICA... Creio que haja ainda muitas coisas a dizer, a contar... “Coisas” que estão por dentro de tantas outras. Assim, não concluo, antes, sinalizo o começo de novas perspectivas. Pois, na maioria das vezes, ao término de uma “empreitada”, se cumprimos com parte dos afazeres (perguntas), temos, na contrapartida, ainda uma longa jornada de inquietudes (respostas). Então, se, de acordo com o Documento-base PROEJA, o que se “pretende é a formação humana”, creio que os desafios que hoje embrenham a educação e o trabalho demandam outros olhares para a educação de jovens e adultos. A perspectiva do PROEJA está “ancorada” na sensibilidade dos sujeitos que o compõem: educadores e educandos. Faz alusão à possibilidade de perceber a vida humana como histórica e, portanto, uma relação dialética entre pretérito, presente e futuro. Na tentativa de compreender velhos problemas e no encontro de novas saídas, educadores e educadoras, ao abrirem suas janelas para dentro e para fora, poderão, na rememoração, construir um canal mediador no conhecimento de si, para si mesmos e na inter-relação com o outro e a outra, sobretudo, no olhar alargado para jovens e adultos na atividade do trabalho e não-trabalho. Se na contemplação da trajetória pregressa e no exercício da atividade docente produzimos história, desejo aqui esperançar que a reflexão crítica sobre esse processo poderá fornecer os elementos necessários para novos projetos na educação/formação de jovens e adultos, produzindo novos conhecimentos, novas perspectivas pessoais, profissionais e sociais, e, por que não dizer, novas e boas histórias. À medida que as “quatro paredes” se rompem, há a permissividade de que os sujeitos vivam a experiência subjetiva do encontro em suas raízes e especificidades. Se somarmos as nossas tarefas e as “dramáticas do uso de si”, como diria Schwartz (2003), com as “dramáticas” dos 249 proejafinalpmd.pmd 249 18/11/2007, 19:31 outros, o trabalho na educação terá sabor e cheiro de legitimidade e de sensibilidade, pois estará imbuído de corporeidade e humanidade histórica. O que faz um educador exercer sua docência são suas origens, suas histórias, seus saberes, mas, principalmente, o que faz na difusão desses saberes no exercício do ensinar/aprender, que envolve sempre atividades humanas. Referências BASTOS, Maria Helena Câmara. Memoriais de professoras: reflexões sobre uma proposta. In: MIGNOT, Ana Chrystina Venâncio & CUNHA, Maria Teresa Santos (Orgs). Práticas de memória docente. São Paulo: Cortez, 2003. CIAVATTA Maria. O trabalho como fonte de pesquisa. Memória, história e fotografia. In; FRIGOTTO, Gaudêncio e CIAVATTA, Maria. A experiência do trabalho e a educação básica. Rio de Janeiro. DP&A, 2002. CHARLOT, Bernard. 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Este artigo refere-se ao processo de implantação do PROEJA no Centro Federal de Educação Tecnológica de Bento Gonçalves (CEFETBG), a luz da obra de Paulo Freire, descrevendo uma proposta de formação inicial e continuada dos educadores, embutido nela pressupostos metodológicos e de avaliação. Para isso foram utilizadas entrevistas com cinco dos dez educadores que compunham o grupo de docentes, bem como os registros sistematizados dos momentos de formação. Espaço 1 Professora da rede estadual de Ensino do RS, atualmente diretora do Neejacp (Núcleo estadual de educação de Jovens e Adultos e Cultura Popular) Metamorfose de Bento Gonçalves. Concluinte da turma de Especialização do PROEJA de Bento Gonçalves. 2 Orientadora do Trabalho de Conclusão do Curso de Especialização em Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos de Maria Teresinha Kaefer e Silva o qual originou o presente artigo. Dra em Educação 252 proejafinalpmd.pmd 252 18/11/2007, 19:32 de pesquisa que descrevo e analiso, sendo que fiz parte deste processo como pesquisadora e assessora do grupo de docentes do PROEJA do CEFET-BG, por aproximadamente 11 meses. O PROEJA veio de fato, para ser uma mola propulsora de mudanças no sistema educacional vigente em nosso país, especialmente na formação profissional dos trabalhadores. Certamente é necessário que se reveja à importância da relação professor-aluno na construção de uma prática educativa humanizadora, calcada na possibilidade de mudança das relações de poder. Nesta direção que o PROEJA é um espaço esperançoso de sedução de educandos e educadores. Jaime Zitkoski em seu artigo FREIRE E A EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA (2006, p.1-2) nos diz que: [...] Esperança, não é espera vazia, mas uma paciência impaciente que só tem sentido na luta por um mundo melhor, mais humanizado e possível de vivermos juntos às diferenças, mas com dignidade para todos. A educação é desafiada a trabalhar a esperança na emancipação social, revendo paradigmas que já não têm potencial explicativo da realidade e/ou mostram-se limitados diante da complexidade do nosso mundo atual [...] O PROEJA no CEFET- BG Mesmo vindo esta mudança por decreto, seguramente está pautada nos princípios de universalização à educação, numa concepção humanista de ser humano, trabalho e sociedade, na garantia do resgate do sujeito como ser de direito, em uma rede de Educação que não oferecia Educação de Jovens e Adultos, como é o caso da Rede Federal de Educação Básica. O Documento Base do PROEJA deixa muito claro essa idéia quando diz que: Esta política precisa ser gestada na sociedade e o que se aponta é a necessidade de o Estado como poder político que se exerce em nome de uma nação responsável pela garantia dos direitos fundamentais assumir o comando e a responsabilidade deste processo diante das disputas pela hegemonia, da concentração de poder econômico e político e dos efeitos da globalização (Proeja, 2006, p.30). Um dos momentos de atração entre o programa – PROEJA e os educadores do CEFET-BG, foi a composição em primeira instância de um grupo de estudo de docentes para a construção da proposta pedagógica do curso deste Estabelecimento de Ensino. 253 proejafinalpmd.pmd 253 18/11/2007, 19:32 Foi oferecida ocasião de discussão via SETEC-MEC, entre os diferentes CEFETs, encontros de gestores em outubro de 2005.Aconteceram encontros locais com o grupo de professores, para estudo do documento base, com alto grau de encantamento desses envolvidos.Outro momento foi o da escrita da proposta pedagógica do CEFET - BG, neste processo todo, teve troca de experiências com escolas estaduais, municipais para “ouvir” metodologicamente os caminhos trilhados por cada uma, contribuindo na construção do PROEJA desta instituição.Entre as instituições que participaram da socialização estavam Escola Municipais: Anselmo Luigi Picolli, Princesa Isabel, (representados pela SMED), o Neejacp Metamorfose (Núcleo Estadual de Educação de Jovens e Adultos). Certamente esses foram momentos decisivos para a implantação do PROEJA no CEFET-BG, os educadores puderam visualizar a EJA de diferentes maneiras, com diferentes concepções. Cada uma das instituições que apresentaram, deu ênfase à metodologia, à avaliação, cada qual dentro do seu processo de construção política pedagógica da escola. Houve momentos de muita angústia, muitos questionamentos. Um dos principais pontos foi o diferencial do ensino profissionalizante, as indagações de como seria feita essa integração entre as disciplinas da formação geral e aquelas que se enquadrariam dentro da questão profissionalizante. Para entender esse processo de totalidade dentro de um curso com formação geral e profissional é necessário dar-se conta que pode haver um equilíbrio na nossa mundanidade e isso se pode reportar para a concepção de PROEJA e seu processo de integração: “A formação enquanto reflexão crítica intervém para indicar o sentimento que se quer imprimir ao processo educativo” (Feil, 1997.p.14). Certamente a dicotomia existente entre o conceito de formação integrada vem da falta de articulação do Ensino Médio como conhecimento geral e do profissionalizante como conhecimento restritamente técnico. Marise Ramos em seu artigo “Possibilidades e Desafios na Organização do Currículo Integrado”, 2005 p.106 nos mostra que isso não é privilégio de um ou de outro Estabelecimento de Educação, é histórico “Um projeto de ensino médio integrado ao ensino técnico [...] deve buscar superar o histórico conflito existente em torno do papel da escola, de formar para a cidadania ou para o trabalho produtivo e, assim, o dilema de um currículo voltado para as humanidades ou para a ciência e tecnologia”. A história do Ensino Médio integrado e suas controvérsias têm respingos no PROEJA, visto que a concepção dos educadores é oposta a de que a integração deve favorecer segundo Saviani, (1989), o domínio dos fundamentos científicos das diferentes técnicas que caracterizam o 254 proejafinalpmd.pmd 254 18/11/2007, 19:32 processo de trabalho produtivo moderno ,dando completude um ao outro, não como partes estanques que compõem um mesmo certificado. Seguindo a linha de reflexão de Frigotto (2005) é preciso rever os aspectos que dizem respeito ao trabalho como meramente uma ação mecânica, na qual o planejamento fica para alguns e a realização das tarefas para outros. Precisamos superar essa dicotomia, trazendo para dentro dos currículos escolares a compreensão do trabalho como espaço educativo, redefinindo as relações entre conteúdo e conhecimento. Nesta concepção é necessário ter claro, o trabalho como princípio educativo, buscando espaços para qualificar as relações no mundo do trabalho. Para isso precisamos nos convencer que o educando tem de ser visto na sua totalidade de sujeito, só assim a educação terá seu caráter de totalidade social. Então o que é integrar? Segundo Gramsci, apud FRIGOTTO p.84,2005: (...) Significa que buscamos enfocar o trabalho como princípio educativo, no sentido de superar a dicotomia trabalho manual/ trabalho intelectual, de incorporar a dimensão intelectual ao trabalho produtivo, de formar trabalhadores, capazes de atuar como dirigentes e cidadãos. Era visível a preocupação dos educadores do CEFET - BG em relação ao que ensinar como ensinar e quem eram os sujeitos. Considerando que os educandos do CEFET-BG sempre foram sujeitos que vieram em busca do Ensino Técnico, advindos de escolas regulares, adolescentes para os cursos concomitantes e jovens para o subseqüente. Também cabe ressaltar, que a maioria do corpo docente da instituição é profissional com formação técnica, com uma visão mais conteudista. Aparece claro na fala dos educadores quando da excessiva preocupação com o conteúdo (que seja igual ou o mais próximo possível dos outros cursos), em nome da preparação para o vestibular, da qualidade e da preservação do nome da instituição no rol das melhores escolas (elitização da educação), sempre voltado para o vestibular, ou seja, a supervalorização do saber científico. “Refiro-me aos interesses políticos e ideológicos que estruturam a natureza do discurso e das relações sociais em sala de aula” (Giroux, 1997,p.162). Com isso é importante que se esclareça a centralidade da ênfase curricular do PROEJA a qual não corresponde à mera aquisição de conhecimentos e, tampouco, uma menor “profundidade” ou uma abordagem resumida. O currículo do PROEJA agrega um caráter desafiador, esperançoso e de real importância para aqueles trabalhadores a serem “atingidos” por ele. 255 proejafinalpmd.pmd 255 18/11/2007, 19:32 A ressalva ao modelo tradicional de currículo, vem da preocupação para quem está sendo direcionando o PROEJA, e o cuidado necessário com a evasão desses trabalhadores. A mediação exata entre o que se quer como educador e o que os educandos querem como sujeitos do processo. É possível trabalhar conteúdos científicos, como, por exemplo: elementos da tabela Periódica relacionando-os com a prática do trabalhador da metalúrgica, podendo haver uma integração entre a apropriação histórica social à formação científico-tecnológica do processo. (...) capazes de compreender a realidade social, econômica, política, cultural e do mundo do trabalho, para nela inserir-se e atuar de forma ética e competente, técnica e politicamente, visando à transformação da sociedade em função dos interesses sociais e coletivos especialmente os da classe trabalhadora. (Documento base do PROEJA, 2006, p.33) Buscando o comprometimento dos envolvidos, desenhou-se um trabalho de formação continuada voltada para ação-reflexão-ação, num conjunto de discussões, embasamentos, teorização da prática, garantindo a interlocução entre todos os sujeitos desse processo. O objetivo principal da formação inicial e continuada era a de instrumentalizar os educadores do PROEJA, em relação à importância de um trabalho integrado, interdisciplinar, visualizando o currículo, a metodologia e a avaliação como partes do processo de ensino – aprendizagem. Foi com o intuito de comprometimento com o programa que inicialmente foi oferecido aos educadores uma formação inicial com aproximadamente 40 horas, na qual foi trabalhada especificamente a concepção de EJA na perspectiva humanizadora, respeitando a diversidade sócio cultural, de valores, de gênero, etnia, de idades, assim como o compasso da aprendizagem de cada um e cada uma,considerando as experiências do mundo do trabalho. Não esquecendo as exigências do mercado de trabalho, dos encargos familiares, aliás, lembrando que até então, estas pessoas sobreviveram de algum modo, sustentaram suas famílias antes de adentrar a escola, especificamente a EJA. Por isso a importância de não somente oferecer acesso, mas garantir a permanência desses sujeitos e um ensino de qualidade. Nesta seqüência de temas, trabalhou-se com a idéia básica do que venha ser conhecimento, partindo da construção da leitura e da escrita na articulação dos saberes construídos no exercício da cidadania para a inserção no mundo do trabalho. Segundo Paulo Freire (1996, p. 32) “Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. [...] Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago [...]”. Pesquiso para 256 proejafinalpmd.pmd 256 18/11/2007, 19:32 constatar, constatando intervenho, intervindo educo e me educo.”O Proeja estava posto como um desafio para esses educadores, exigindo que cada um repensasse, pesquisasse e estudasse sua prática docente. “Por outro lado, estes sujeitos tornavam-se ainda mais agentes na construção do processo de ensino-aprendizagem, onde nada pode ser feito sem comprometimento e envolvimento. Um dos pontos interessantes trabalhados na formação inicial foi à questão do currículo: concepção de currículo; o currículo que se têm os ruídos-nós3, Currículo que se quer; (currículo que seja coerente com nossa proposta de Educação). Como o próprio documento do Proeja (2006, p.36) diz: “na busca de priorizar a integração, os maiores esforços concentram-se em buscar caracterizar a forma integrada, que se traduz por um Currículo integrado”. (...) Trabalhar os conteúdos estabelecendo conexões com a realidade do educando, tornando-o mais participativo: (2006 p.47). Uma concepção crítica, reflexiva, dialógica, que seja capaz de problematizar a realidade, numa relação entre teoria e prática, que contemple o conteúdo programático, numa abordagem interdisciplinar.Ressalto com isso a função qualificadora que vem ao encontro de um currículo voltado para a “gentetude” (expressão freiriana) do sujeito. Conforme o Parecer CNE/CEB 11/00: (...) A função qualificadora é também um apelo para as instituições de ensino e pesquisa no sentido da produção adequada de material didático que seja permanente enquanto processo mutável na variabilidade de conteúdos e contemporânea no uso de e no acesso a meios eletrônicos da comunicação. O processo seguiu-se fortalecido com a idéia da formação de conceitos como cidadania, autonomia, transcendência e muitos outros que norteariam os pressupostos metodológicos e de avaliação para o curso todo, sendo construído os Planos de Trabalho de cada disciplina. No Documento base do PROEJA, (p.48,2006), já se desenhava esta linha de ação: A abordagem por meio de esquemas conceituais: Foco em conceitos amplos,conceitos escolhidos que mantêm conexão com várias ciências, cada conceito é desenvolvido em diversos contextos,cada conceito é enriquecido pelas diversas contextualizações. 3 Nós e ruídos: são as tensões provocadas pelo currículo escolar em não atender as necessidades dos educandos e as exigências do mundo do trabalho, de maneira integrada, que possa e fetivamente contribuir no desenvolvimento integral dos sujeitos. 257 proejafinalpmd.pmd 257 18/11/2007, 19:32 Após o embalo da formação inicial, houve uma imensa indagação dos educadores em relação às contradições que eles apontaram como: a beleza das palavras de uma educação diferente e a frieza da realidade do mercado de trabalho, que cobra dos sujeitos resultados positivos (de acordo com a visão mercantilista de sociedade), e que está aí, como à questão do vestibular, a competitividade no trabalho, entre tantos outros argumentos. Sabe-se da importância de trabalhar as contradições existentes num grupo, do conflito para superação dialética, que segundo Feil (1997) venha desencadear numa militância social. Essas contradições aparecem muito fortes no grupo de educadores do CEFET-BG, quando do questionamento da validade da metodologia, baseada nos princípios de uma educação para a construção da autonomia dos sujeitos, parecia que então, não se dava mais conteúdos, que o rigor científico ficaria de lado. “Quanto mais metodicamente e rigoroso me torno na minha busca e na minha docência, tanto mais alegre me sinto e esperançoso também” (Freire, 1996, p.160). Com todos esses acontecimentos, iniciou-se as aulas com o grupo de educadores, fazendo-se necessário então a formação continuada, acontecendo no princípio semanalmente, na sexta-feira à tarde. O grupo era constituído por professores contratados na sua maioria e alguns concursados. Nem sempre contava com a participação e o compromisso de todos os educadores, por motivos diversos. Essa constatação encontra-se na fala de uma educadora entrevistada, quando questionada em relação à participação do grupo nas formações: “Houve uma participação parcial, existe diferença entre gostar da idéia e a de acreditar, se comprometer com o processo”. A formação era um espaço de garantia para socialização das experiências vividas, planejamento coletivo, assim como a sustentação do grupo. Tivemos grandes momentos de embate, discussões e muitas construções. A maior delas, creio que foi a mudança de concepção que pude perceber em alguns educadores do grupo, a qual baseava-se numa [...]dicotomia entre homens-mundo.Homens simplesmente no mundo e não com o mundo e com os outros.Homens espectadores e não recriadores.(Freire,1987,p.62), para uma concepção de “uma educação emancipatória a qual não dicotomiza as dimensões técnica e política”(Mello,2005,p.20), mas traz para dentro da escola, do currículo e do processo a intencionalidade da participação efetiva dos sujeitos envolvidos, trabalhando numa relação dialética entre os sujeitos , a problematização, as possíveis soluções, enfim valorizando o processo como tal. 258 proejafinalpmd.pmd 258 18/11/2007, 19:32 Um dos pontos discutido, pesquisado e construído coletivamente foi à metodologia, tendo como pressuposto básico, a busca de informações da vida, do cotidiano do educando e da comunidade, através dos relatos pesquisas, observações, escutas densas das falas dos educandos, estando os conteúdos das diferentes áreas a serviço da construção do conhecimento. O mestre Paulo Freire já alertava para essa metodologia “[...] O educador que escuta aprende a difícil lição de transformar o seu discurso, às vezes necessário, ao aluno, em uma fala com ele”. (1996, pág. 128) Seguindo essa linha de raciocínio e de ação, que se pautou pela metodologia da Pesquisa Participante, e do Tema Gerador – via Rede Temática. Brandão (1999, p.52) “Não existe um modelo único de “pesquisa participante”, pois se trata, na verdade, de adequar em cada caso o processo às condições particulares de cada situação concreta, (os recursos, as limitações, o contexto sociopolítico, os objetivos perseguidos, etc.).” O trabalho da Pesquisa iniciou-se com a elaboração de questionário e coleta de dados estatísticos quanto à renda, escolaridade e outros, para identificar a demanda do PROEJA. Esses dados serviram para trabalhar uma estreita relação entre a fala, a escuta densa, e a intervenção a ser feita na sala de aula desdobrada nos conceitos e nos conteúdos dados no decorrer da etapa. Neste contexto selecionaram-se falas significativas, sendo estudadas cada uma delas, trazendo para o contexto a visão da comunidade (de todos os educandos do PROEJA) e do educador e os elementos da estrutura que perpassavam as falas. Investigando também seu valor descritivo, analítico e propositivo. Retirando das falas significativas aquela que mais gerou discussão, que fosse capaz de envolver todas as outras, para além do valor semântico “o processo de leitura crítica da visão de mundo, expressa através das falas da comunidade, revela não apenas o valor semântico da linguagem, mas seu significado enquanto signo ideológico” (Mello, 2002 p.45). Falas que expressassem as diferentes visões de mundo, que representassem “situações – limites” as contradições a serem superadas. Acredito que uma metodologia séria sob ponto de vista da participação e construção coletiva, passa por questões ideológicas, por que somos seres essencialmente políticos, estamos a favor de algo ou contra algo, assim é na escolha metodológica. “Como nos programas de educação popular trata-se de superar a limitação da opção metodológica, sustentando que esta encontra sua justificativa na opção ideológica”. Isso é correto desde que não haja desvinculação entre as duas opções. “(Brandão 1999,172)”. 259 proejafinalpmd.pmd 259 18/11/2007, 19:32 A Construção do Tema gerador via rede temática com os educadores do CEFET BG / A Formação continuada dos educadores do CEFET BG Nas formações seguintes continuou-se com a organização do Tema gerador e da rede temática. Paulo Freire (1 970, p.98), no seu livro Pedagogia do Oprimido, diz que “investigar o tema gerador é investigar, repitamos o pensar dos homens referido à realidade, investigar seu atuar sobre a realidade, que é sua práxis”. Foram-se tecendo as ligações entre os elementos da pesquisa, a análise das falas e suas inter-relações, formando assim a rede temática. Foi um período muito especial na construção da mesma (sua estruturação). Houve muitos embates na sua edificação, muitas discussões filosóficas, políticas e estruturais de como organizar uma rede, que refletisse de fato e de direito os sujeitos do PROEJA do CEFET - BG, trabalhando na horizontalidade, numa teia de relações onde tudo que nos rodeia (o saber da experiência feita, os saberes escolares e científicos) está ligado ao currículo vivo. Naquele momento tornaram-se mais visíveis as concepções de mundo, educação e sociedade de cada educador e educadora que constituía o grupo. Antônio Fernando Gouvêa da Silva , 2002 p.22 afirma que: “As redes temáticas atuam como referenciais pedagógicos para o resgate constante do processo de análise realizado pela comunidade escolar. Construídas coletivamente, são utilizadas tanto na organização do programa das diferentes disciplinas, quanto na preparação das atividades de sala de aula (...)”. Neste emaranhado de informações, algumas novas, outras não muito, outras ainda, desafiantes e provocadoras, ia-se pautando a Formação de Professores do PROEJA – BG. Sempre com uma proposta de ação-reflexão-ação, eram trazidos para as discussões os acontecimentos cotidianos de sala de aula, como estava o andamento da turma, o relacionamento, a aprendizagem, a inserção na escola desses sujeitos. Sempre de forma coletiva extraiam-se as ações a serem tomadas. Também com esta leitura foi organizado o detalhamento4, com os 4 Detalhamento é a organização de atividades de forma interdisciplinar, que contempla os conteúdos de todas as disciplinas.O detalhamento é parte da rede temática e deve ser construído no coletivo dos educadores. 260 proejafinalpmd.pmd 260 18/11/2007, 19:32 conteúdos e os conceitos que cada educador iria trabalhar na sua disciplina, com nuances interdisciplinares no que se referia aos conteúdos e atividades ligadas à rede temática e as aplicadas em sala de aula. Os argumentos elencados acima são sustentados na fala do educador pesquisado (S 4) “A observação e constatação de que a modalidade de EJA requer práticas pedagógicas diferenciadas, e que não basta transferir a prática do ensino chamado regular foi construída a partir de longos debates na formação. Isto resultou em uma integração maior entre as disciplinas, tanta da área técnica, quanto da área da formação geral.” Seguindo essa sistemática organizou-se o portifólio que é uma pasta, onde constam todos os trabalhos avaliativos dos educandos de todas as disciplinas, servindo de subsídios para o conselho de classe no qual é feito os avanços e as permanências. Neste portifólio estão os conceitos atingidos expressos em uma ficha feita pelo coletivo dos educadores. Há também uma ficha de auto-avaliação (feita pelos educandos) dos conceitos trabalhados e a sua avaliação em relação ao desempenho de cada um em todas as disciplinas. Uma breve conclusão A formação em serviço é ponto fundamental na solidificação da proposta do PROEJA .È nela que o coletivo planeja,reflete sobre a metodologia escolhida, neste caso da pesquisa participante, tema gerador via rede temática, discute sobre aspectos pontuais de cada sujeito,enfim, constrói e reconstrói diariamente o cotidiano do Proeja numa perspectiva de ação-reflexão –ação. Certamente a fala dos educadores pesquisados não deixa dúvida em relação à importância da formação continuada no PROEJA: “A formação desenvolvida no CEFET—BG fez aflorar sensibilidades que até então não estavam expostas em nosso quadro docente, ou pelo menos, provocou uma atitude que, inclusive refletiu na prática docente do próprio ensino chamado regular” (S 4). “-[...] Foi significativa, embora tenhamos deficiência no trabalho coletivo, já conseguimos fazer uma avaliação da postura docente, o que temos que melhorar. Na própria questão teórica, pontos de vistas diferentes, na relação de proximidade com colegas.” (S 1) “Estimula a maior humanização no processo de ensino e aprendizagem’ (S 2)”. 261 proejafinalpmd.pmd 261 18/11/2007, 19:32 Mais ainda, é indispensável que o PROEJA se torne uma Política Pública de fato, que haja uma relação de intimidade entre os educadores e a boniteza da Educação de Jovens e adultos. Não há receitas prontas de como fazer educação. O que existe como afirma Paulo Freire é a certeza de nosso inacabamento: (1996, pág. 55) “Minha franquia ante os outros e o mundo mesmo é a maneira radical como me experimento enquanto ser cultural, histórico, inacabado e consciente do inacabamento. [...] Onde há vida há inacabamento”. A educação não é algo estático, acompanha a movimentação do mundo. Não se deve esquecer assim de seu caráter questionador e pesquisador o que denota um posicionamento político perante os acontecimentos. Deixo um importante registro do educador pesquisado (Sujeito 4), referindo-se a formação do PROEJA do CEFET-BG: “Enfim, a formação periódica e sistemática resultou na oxigenação do processo pedagógico na equipe que atuou e atua no Proeja CEFET-BG. É claro que temos muitos desafios pela frente, pois a educação é um processo dinâmico e vivo, portanto, os professores têm que acompanhar este rico processo de construção e troca de conhecimentos.” (S 4) Referências BRANDÃO,Carlos Rodrigues(org.). Repensando a Pesquisa Participante.1ª reimpressão da 3ª ed.São Paulo:Brasiliense,1999. . De Angicos a Ausentes -40 anos da Educação Popular- 1ª ed.Porto Alegre: MOVA-RS;CORAG,2001. Fiel,Iselda Sausen. Formação do Profissional Professor. Ijuí:Ed. Unijuí, 1997. FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade e outros escritos. 10ª ed. São Paulo. Paz e Terra. 200 . A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 32ª ed. São Paulo: Cortez, 1996. . Educação e Mudança- 24ª ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. . Pedagogia da Autonomia. 12ªed.São Paulo: Paz e Terra, 1996. . Pedagogia da Esperança. 6ª ed.Rio de Janeiro: Paz e Terra,1992. . Pedagogia do Oprimido. 20ª ed.Rio de Janeiro: Paz e Terra ,1987. . Conscientização - Teoria e prática da libertação-3ª ed., São Paulo:Centauro, 2001. 262 proejafinalpmd.pmd 262 18/11/2007, 19:32 FRIGOTTO, Gaudêncio; CIAVATTA, Maria; RAMOS Marise (orgs.)Ensino Médio Integrado: Concepção e Contradições.São Paulo:Cortez,2005 GADOTTI, Moacir. Educação e Poder- Introdução à Pedagogia do conflito.6ª ed.São Paulo: Cortez,Autores Associados, 1985. ______ Pedagogia da Práxis. São Paulo: Cortez. Instituto Paulo Freire, 1995. GIROUX, Henry A. Os professores como intelectuais-Rumo apedagogia crítica da aprendizagem.Trad. Daniel Bueno. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. GOLLER,Lliliana. Conhecimento, docência e escola. Ijuí. Ed. Unijuí,1996. MELLO, Marco. 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Freire e a Educação contemporânea (texto)-CDROW-Seminário Paulo Freire-Universidade de Passo Fundo-UPF.2006. 263 proejafinalpmd.pmd 263 18/11/2007, 19:32 POSSIBILIDADES E PERSPECTIVAS: construindo saberes e encontrando caminhos para a formação continuada de professores no PROEJA Valéria Catarina Marcos Gomes1 Simone Valdete dos Santos2 Introdução Este artigo é parte integrante da minha monografia intitulada DO CEREJA PARA O PROEJA: Desafios de uma Política de Formação Continuada de Professores3 realizada na especialização Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA), tendo como cenário de pesquisa o Centro Regional de Educação de Jovens e Adultos (CEREJA) Prefeito José Linck, escola integrante da rede municipal de Gravataí. O presente artigo busca refletir sobre estratégias para a política de formação continuada de professores, que tem como desafio atender a demanda da educação profissional integrada à educação básica na modalidade de educação de jovens e adultos. Assim, o objetivo deste estudo é discutir a necessidade de construir uma política de formação continuada, buscando o aprender a ser educador de jovens e adultos, a conhecer esta modalidade de ensino, convivendo com as especificidades da EJA 1 Graduada em Pedagogia com Especialização em Psicopedagogia e em Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos, professora da rede municipal de Gravataí. 2 Professora da Faculdade de Educação da UFRGS, orientadora do Trabalho de Conclusão de Curso da autora deste artigo. Dra. em Educação. 3 A monografia descreve uma série de experiências pedagógicas exitosas ocorridas no CEREJA José Linck, as quais corroboram com outras experiências de EJA. 264 proejafinalpmd.pmd 264 18/11/2007, 19:32 num fazer crítico e reflexivo no cotidiano da ação educativa ressignificando, dessa forma, a própria prática na construção de um campo de sensibilidades que dê sentido ao ser professor do PROEJA. A metodologia que sugiro para esse processo de formação continuada dos educadores do PROEJA opta pela construção do conhecimento instrumentalizado pela pesquisa científica, estruturando-se através de projetos de trabalhos interdisciplinares, por entender que esta dinâmica vem ao encontro do conhecimento articulado às exigências fundamentais da vida, do trabalho e da evolução do ser humano. Para realização da pesquisa foram ouvidas várias professoras do CEREJA, através da técnica de entrevistas, as quais representam idéias e posturas determinantes no conjunto dos professores, a análise destas entrevistas compôs um arcabouço de questões sobre o processo de formação dos professores em EJA explicitados no presente artigo. As propostas curriculares do ensino de adultos apresentam como requisitos básicos: metodologia própria, flexibilidade, integração e funcionalidade em sua organização, criando espaços nos quais estes estudantes possam, efetivamente, exercitar o seu direito de cidadão. Propostas, estas, que atendam aos interesses dos jovens e adultos, resgatando o conhecimento prévio, fazendo-os participantes nos processos de investigação, na resolução de problemas, na construção do conhecimento, de forma a responder às necessidades da vida, do trabalho e da participação social. Neste sentido, o currículo do PROEJA pode ser pensado como uma ampla rede de significações cuja finalidade é resgatar a inteireza do ser e do saber. Para tanto, se faz necessário optar por uma proposta interdisciplinar com vistas à transdisciplinaridade, estabelecendo uma rede de saberes, rompendo com a linearidade e a fragmentação, buscando uma relação de reciprocidade, de diálogo constante entre as várias ciências numa perspectiva consciente e crítica. A partir da minha experiência com trabalho por projetos interdisciplinares4, percebo que as discussões, propostas através destes, resgatam o estudo da realidade, sua amplitude, a natureza multidisciplinar dos problemas, das questões e dos saberes gerados na vida, no trabalho e na prática social. 4 Sou coordenadora pedagógica no CEREJA Prefeito José Linck em Gravataí desde 2005, o CEREJA privilegia abordagem interdisciplinar num currículo organizado por áreas de conhecimento e oficinas culturais, pedagógicas e de geração de trabalho e renda. A metodologia utiliza-se da investigação, contribuindo para a problematização da prática vivida pelo grupo. Através da pesquisa busca-se captar a rede de relações que atravessa a comunidade, os problemas que a desafiam e as percepções que a mesma possui de sua própria situação e possibilidades de mudança. O fazer pedagógico se dá através de projetos de trabalho, desencadeados a partir de temáticas elencadas coletivamente por alunos e professores em assembléia geral. 265 proejafinalpmd.pmd 265 18/11/2007, 19:32 Nesse sentido, justifico a construção de uma proposta de formação continuada para os educadores do PROEJA no desafio que está sendo proposto a este professor ao atuar na educação profissional integrada a educação básica na modalidade EJA. Que por seu diferencial, necessita de uma formação com características pedagógicas e epistemológicas próprias. Estruturada em torno de conhecimentos, de espírito de investigação, de qualificação, de ética, de desafio, de abertura ao novo, ao desconhecido e a transformação. Possibilidades e Perspectivas Por abranger um campo peculiar de conhecimento, o PROEJA aponta o desafio da construção de uma política específica para a formação continuada de professores. Entendo que a formação docente é uma das estratégias fundamentais para se mergulhar no universo das questões que compõem a realidade dos sujeitos envolvidos em programas de educação profissional integrados à educação básica na modalidade de educação de jovens e adultos, de modo a investigar as diferentes formas de ser, de saber, de conhecer e de fazer dos educandos jovens e adultos, tendo em vista compreender lógicas e processos de sua aprendizagem no ambiente escolar. O século XXI vem sendo chamado por muitos pesquisadores como o século do conhecimento e da informação e, por esta razão, é preciso entender que o conhecimento é algo que não tem fim em si mesmo. Assim, podemos dizer que o desafio é aprender a aprender, enquanto um processo permanente a ser desenvolvido ao longo de toda a vida. Este aprender a aprender pode ser mais detalhadamente compreendido quando analisamos o Relatório Internacional sobre a Educação da Unesco que apresenta quatro pilares fundamentais para a aprendizagem: aprender a ser, aprender a conhecer, aprender a fazer e aprender a conviver (DELORS, 2003). Desenvolvimentos próprios do processo de formação continuada docente. O aprender a ser compõe uma exigência na profissão docente, pois é a busca de si mesmo, e tem a ver com um dos pontos trabalhados por Nóvoa (1995) ao se referir ao desenvolvimento pessoal e a busca constante da identidade docente. Quando aprendemos a ser, nos tornamos mais tolerantes e mais humanos. O aprender a conhecer é adquirir os instrumentos do conhecimento que permitam a compreensão e a leitura do mundo, entendido 266 proejafinalpmd.pmd 266 18/11/2007, 19:32 como um processo contínuo. Conhecer é buscar, é pesquisar, é atualizar-se, é investigar. O aprender a fazer e agir sobre o meio, melhorando-o, na medida em que se colocam em prática os conhecimentos construídos. O saber fazer compõe um domínio de um saber articulado com a prática pedagógica que é possível de ocorrer, na medida em que o docente faz aquilo que sabe, que domina e que conhece. O aprender a conviver implica na construção de relações sociais e de trabalho, pois, só se aprende a conviver convivendo. A descoberta do outro, o trabalho cooperativo, a participação em projetos dialogicamente construídos, exige do profissional e dos espaços de formação continuada. Diante deste quadro percebe-se que é indispensável ao professor estar em constante processo de formação, com um projeto articulado que permita o seu desenvolvimento profissional. Esse projeto precisa refletir suas necessidades e expectativas e pode ter como espaço de formação a própria escola. Assim, a formação continuada contribuirá para o desenvolvimento profissional do educador, como uma oportunidade de crescimento pessoal e profissional. E, será pensada, e, executada no lócus do processo ensino-aprendizagem, ressignificando seu fazer pedagógico (KULLOK, 2004). Num projeto pedagógico consistente, claro, aberto e de acordo com a realidade dos estudantes do PROEJA, as questões referentes a educação e ao trabalho precisam ser percebidas como espaço de formação humana e profissional, concebendo o trabalho como uma prática social e um direito para o exercício da cidadania, na construção de novas relações entre os sujeitos e o mundo. Sendo assim, o que proporciona um processo de formação continuada condizente com as necessidades do educador que trabalha com a educação profissional integrada à educação básica na modalidade de educação de jovens e adultos é a concepção que permeia a ação formadora, reconhecendo a história profissional, sócio-cultural, e individual destes educandos como elementos fundamentais na reflexão da prática pedagógica. Conforme Gutierrez (1988) a integração entre educação e trabalho aponta para um processo transformador tanto do próprio estudantetrabalhador, como da estrutura social na qual se desenvolve. Esse traz consigo a transformação da própria escola. Nesse sentido, ressignificar o conhecimento que lhe é pertinente, mediante a especificidade do aluno atendido no PROEJA é uma aprendizagem de especial significado para o educador durante o processo de formação continuada. Esta compreensão está ligada à concepção 267 proejafinalpmd.pmd 267 18/11/2007, 19:32 metodológica que norteia o fazer pedagógico deste docente, a qual poderá ser problematizada na prática do diálogo e na valorização dos saberes individuais e coletivos. Integrando trabalho, ciência, técnica, tecnologia, humanismo e cultura. Assim, o aprender a ser educador do PROEJA encontra na formação continuada um espaço de construção que se constitui, em espaço de ação e reflexão sobre o fazer pedagógico. Pois, como afirma Freire (1996, p.43) “o momento fundamental na formação permanente dos professores é o da reflexão crítica sobre a prática”. O processo de formação continuada é considerado como um espaço de construção e de investigação que tem por objetivo o estudo sobre os saberes dos professores e os seus diferentes processos de construção do conhecimento. Estes estudos se realizam pela reflexão sobre a ação (ZEICHNER, 1993) ou sobre a reflexão na ação (SCHÖN, 2000). Dessa forma, é conveniente planejarmos a formação continuada de professores, com momentos sistemáticos que acompanhem tanto à ação e sistematização dos saberes e fazeres, quanto à reflexão, destes, na ação pedagógica, de forma que gere um ambiente que privilegie o triplo movimento conhecer-na-ação, reflexão-na-ação e reflexão sobre a reflexãona-ação (SCHÖN,2000). Processos que se completam entre si, na formação do educador reflexivo e na construção de um campo de sensibilidades. Ao repensar o processo de formação continuada as referências trazidas por Schön (2000), sobre o triplo movimento citado a cima, são fundamentais. Assim, a compreensão do professor como um profissional reflexivo ganha sentido na medida em que ele é visto como um pesquisador de sua ação. Compreendendo de forma crítica a complexidade, assume o compromisso com o avanço do conhecimento e procura uma imersão consciente no mundo da experiência. Como nos traz Lopes (2004) na formação continuada do educador de jovens e adultos, busca-se compreender a especificidade dessa modalidade de ensino profissional integrado à educação básica. Como possibilidade de aprender ao longo da vida numa perspectiva consciente e crítica, refletindo sobre e na ação, com base em aprendizagens fundamentais, tais como: o aprender a ser, o aprender a conhecer, o aprender a conviver e o aprender a fazer. Nesse caso, o aprender a ser educador de jovens e adultos, o aprender a conhecer e a conviver com as especificidades desta modalidade e o aprender a fazer, crítico e reflexivo, no cotidiano da ação pedagógica tornam-se fundamentais na construção de um campo de sensibilidades ao educador do PROEJA. 268 proejafinalpmd.pmd 268 18/11/2007, 19:32 Na composição de um Campo de Sensibilidades Possibilitar a formação do educador com base na construção de um campo de sensibilidades corresponde a um processo permanente de formação continuada, percebido como espaço de reflexão, construção e sistematização de saberes. Ter clareza e identificar a especificidade da EJA proporcionará a esse educador maiores condições de ação-reflexão-ação e intervenção sócio-histórica e política. A construção de um campo de sensibilidades possibilitará ao educador perceber-se em permanente processo de aprendizagem e construção de saberes, buscando a compreensão de caminhos que valorizem a educação como um bem humano. Este campo é possível de ser vislumbrado por diferentes perspectivas: .da aàsprofundidade e complexidade da sua área de conhecimento relacionademais; .vensa compreensão do processo ensino-aprendizagem dos estudantes joe adultos nas suas diferenças; . o compartilhamento das experiências; .clusão a educação profissional como estratégia para o desenvolvimento e insocial; .mento a pesquisa como um processo educativo enquanto fio condutor e elearticulador dos demais componentes curriculares, visando uma forma de integração da teoria e da prática; .escolar; o cultivo das relações democráticas com os segmentos da comunidade . o compromisso político como trabalhador da educação; . a reflexão constante sobre a prática; .a construção a construção coletiva de um saber crítico transformador, articulado com da proposta da escola. Segundo Arroyo (2002, p.42) nossa auto-imagem se constrói a cada dia, com possibilidades inclusive para nós. Para o autor, sujeitos em formação são “pessoas que tem direito ao conhecimento, e também ao sentimento, à emoção e à amizade, aos valores e ao convívio com seus pares”. Assim a formação continuada pode se dar de forma concomitante ao desenvolvimento pessoal e humano, contribuindo na formação de profissionais mais sensíveis às demandas da Educação de Jovens e Adultos. 269 proejafinalpmd.pmd 269 18/11/2007, 19:32 A natureza do PROEJA vislumbra metodologias participativas e laboratoriais, que permitam vivenciar e atuar de modo teórico-prático, fazendo interagir as concepções da experiência pedagógica de cada professor, que são significadas e ressignificadas no diálogo com o campo conceitual e prático. Propondo a integração entre trabalho, ciência, técnica, tecnologia, humanismo e cultura, contribuindo para o enriquecimento científico, cultural, político e profissional dos sujeitos educadores, sustentando-se nos princípios da interdisciplinaridade, contextualização e flexibilidade. Assim, o processo de formação continuada pode proporcionar espaço para que os professores compreendam e aprendam uns com os outros, contribuindo para a problematização e produção do ato educativo. Nesse sentido, a formação acontece num processo de troca de experiências e práticas, assim, a identidade profissional é construída a partir dos saberes e significados atribuídos à docência, tanto no confronto entre a teoria e a prática como pelo significado que o professor atribui às mesmas, a partir de seus valores, do seu modo de situar-se no mundo, de suas representações, de seus saberes, ou seja, do sentido que dá ao ser professor. Como nos traz Vasconcelos (2003) a busca de sentido é algo que acompanha a pessoa o tempo todo, estando articulada às diferentes formas de relação e/ou intervenção no mundo. Na medida em que desafia o aluno a ter acesso à cultura, refletir, imaginar, criar, atribuir valor, criticar e desenvolver consciência, o professor trabalha com a busca de um sentido digno para a existência e com o sentido que dá a sua profissão de educador, construindo seu próprio campo de sensibilidade como educador do PROEJA. Para tanto é necessário garantir que a formação continuada proponha um espaço de reflexão, estudo, planejamento e discussão políticodemocrática, a partir das necessidades concretas dos docentes. Assim como, o resgate da identidade individual e coletiva, a cultura e a história dos educadores, para que se percebam como sujeitos numa coletividade, oportunizando a reflexão sobre o processo de construção e reconstrução do conhecimento contemplando o ser humano como um todo, num processo dialético entre o sujeito e o mundo. É fundamental reconhecer o saber acumulado pela humanidade através da superação do compartilhamento do conhecimento, vivenciando uma práxis libertadora, ação-reflexão-ação com os diversos segmentos do processo educativo e problematizando o conhecimento como um princípio sócio-histórico, entendido aqui como produto da construção histórica do ser humano, que se constrói e reconstrói a partir de sua interação com o outro. 270 proejafinalpmd.pmd 270 18/11/2007, 19:32 Da mesma forma se faz indispensável a reflexão sobre a concepção de uma sociedade com maior justiça social, por meio de diferentes formas de pensar e atuar sobre a realidade e discutir as transformações do mundo do trabalho e as relações de produção. Bem como, analisar as dimensões e objetivos mais amplos do processo de ensino e aprendizagem, a partir das mudanças nos paradigmas da ciência e do conhecimento, com vistas a colaborar para um efetivo diálogo entre os saberes e abordar a pesquisa como um processo educativo e elemento articulador das áreas de conhecimento, visando integração da teoria e da prática. No PROEJA esta formação está prevista em 120 horas, com uma etapa prévia ao início do projeto de, no mínimo, 40 horas (BRASIL, 2006). Assim, a formação pode acontecer antes e durante o período de execução das aulas, possibilitando a construção coletiva de projetos interdisciplinares de trabalho. Considero fundamental que o estudo e a reflexão sobre a prática aconteça de forma concomitante ao andamento das aulas, pautada pela avaliação dos alunos, pois ao considerar as dificuldades encontradas no exercício da docência, há espaço e tempo para o replanejar e o reorganizar as ações educativas. A educação, assim, acontece na dialética entre teoria e prática, pois a consciência e o saber formam-se e se desenvolvem na interação do ser humano com o conjunto de relações que fazem o mundo. A construção do conhecimento acontece de modo privilegiado, quando é assumida uma prática metodológica capaz de mediar o diálogo e a interação dos educandos entre si e com a realidade, favorecendo a formação do pensamento crítico, a construção da ação e o sentido de exercer a cidadania, comprometendo-se com a própria história. Para que o docente possa construir experiências significativas de aprendizagem, relacionando teoria e prática é preciso que a formação continuada seja orientada por situações equivalentes de ensino e de aprendizagem. Assim, os professores são desafiados a experienciar situações educacionais que os levam a refletir, experimentar e ousar, a partir dos conhecimentos e das certezas que possuem. Para tanto, esses espaços precisam fundar-se na prática reflexiva, na exploração da criatividade e de habilidades de cooperação e trabalho em equipe, promovendo a construção de um campo de sensibilidades que dê sentido ao ser educador do PROEJA. 271 proejafinalpmd.pmd 271 18/11/2007, 19:32 Considerações Finais As aprendizagens, verdadeiramente significativas, são aquelas que envolvem o ser humano por inteiro, oportunizadas por um espaço de relações e inter-relações, num processo permanente a ser desenvolvido ao longo da vida. Acredito que o desenvolvimento desse processo se constrói num ambiente de formação continuada, no qual as relações de convivência possam proporcionar a construção de redes significativas e parcerias de trabalho e de vida. Assim, os sujeitos envolvidos no processo formativo são percebidos nas suas múltiplas dimensões, respeitados nas suas diversidades e, ao mesmo tempo, compreendidos nas suas individualidades. Num projeto de formação continuada que considere a educação profissional comprometida com a formação de um trabalhador com autonomia intelectual, ética, política e humana, capaz de transformar a realidade na perspectiva da construção de um mundo mais justo e igualitário. A educação de jovens e adultos como promessa de educação para todos, a ser desenvolvida ao longo da vida, busca romper com a lógica vigente, no desafio de ressignificar os espaços e tempos educativos para a compreensão crítica da realidade e a construção de uma nova racionalidade que pontue ações voltadas para a intervenção em políticas públicas de elevação da escolaridade e desenvolvimento profissional. Desafio este, que pressupõe a essência da proposta educacional do PROEJA. Diante deste desafio, se faz necessária uma política consistente de formação continuada de professores para o PROEJA, comprometida com a aprendizagem destes sujeitos como atividade que passa necessariamente pelo caminho da compreensão e da significação. Aprender é compreender o significado, é entender o sentido do que está se aprendendo, e, para que o aprender de fato se efetive, é fundamental que o sujeito estabeleça relações com a estrutura de conhecimentos que já dispõe, para projetar novas aprendizagens a partir das interações sociais com seus partícipes. Como Possibilidades e Perspectivas, esta formação continuada nos remete a pessoas, a profissionais em processo, a papéis dessas pessoas/ profissionais, a processos e espaços educativos, a diferentes saberes. Remete-nos, ainda, a sistemas, a políticas, a necessidades, a disponibilidades, a potencialidades, a recursos e a ação-reflexão, no entendimento de que há sempre uma dimensão pedagógica em todo o encontro entre 272 proejafinalpmd.pmd 272 18/11/2007, 19:32 pessoas, dentro do qual um momento de trocas de saberes, de imaginários, de idéias ou valores é realizado. Momentos estes, que possibilitam a construção de um campo de sensibilidades ao educador do PROEJA. Construindo Saberes, no desenvolvimento do processo do aprender e do ensinar é um dos aspectos fundamentais a ser desenvolvido no lócus do trabalho educativo. Assim, é de suma importância que os educadores compreendam que a aprendizagem supõe caminhos que ultrapassam a dimensão intelectual/cognitiva e avançam na formação do ser humano pleno. Encontrando Caminhos, através de práticas pedagógicas construídas por professores reflexivos, críticos e investigadores da própria prática. Profissionais autônomos, que, coletivamente repensem a ação e avaliem o trabalho pedagógico, contribuindo para o desenvolvimento dos educandos jovens e adultos e para um fazer docente articulado a um projeto de sociedade. Ao concluir este artigo apresento uma proposta de formação continuada para os docentes intitulada POSSIBILIDADES E PERSPECTIVAS: construindo saberes e encontrando caminhos para a formação continuada de professores do PROEJA. Percebo que muito há para realizar, mas fico com a certeza de que a possibilidade de refletir, discutir e analisar as práticas de educação de jovens e adultos provoca novos olhares e aponta oportunidades de ressignificar conceitos em busca de estratégias e caminhos para a construção de uma educação de jovens e adultos que vise o desenvolvimento pleno dos sujeitos e a aprendizagem permanente ao longo de toda a vida, na qual as histórias do cotidiano e trajetórias pessoais sejam resgatadas, valorizadas e sistematizadas, tendo por base os significados que cada um constrói a partir das suas vivências. Recorrendo as reflexões de Moacir Gadotti (2005), sobre a especificidade dos educandos jovens e adultos, percebo a importância de levar em conta que a Educação de Jovens e Adultos não é uma questão de solidariedade, e sim uma questão de direito. A inclusão deste adulto no sistema de ensino precisa ser acompanhada de uma nova qualidade, não uma qualidade formal, mas uma qualidade política. Entendida como direito de afirmação de sua identidade, de seu saber e de sua cultura. A educação, nessa perspectiva, é entendida como um instrumento de formação amplo, de luta pelos direitos da cidadania e de emancipação social e dirige-se a formação do ser humano integral, englobando todas as dimensões de sua relação com o mundo. Nesse Sentido, é necessário agir ao mesmo tempo em duas frentes: investir em um ensino básico de qualidade e em políticas públicas para o enfrentamento dos índices de analfabetismo atuais, garantindo, assim, o desenvolvimento do 273 proejafinalpmd.pmd 273 18/11/2007, 19:32 país, das comunidades e das pessoas, lhes permitindo o direito de afirmação de sua identidade, de seu saber, de sua cultura. Esta é a essência do projeto de educação para todos e ao longo de toda a vida. Num paradigma que valorize a vida e as pessoas. Considerando a educação como meio para atingir esse caminho, nos quais os pilares do conhecimento sejam valorizados e transformados em efetivas ações da aprendizagem do ser, do fazer, do conhecer e do conviver. Referências ARROYO, Miguel G. Oficio de Mestre: Imagens e auto-imagens. 5ª ed. Petrópolis: Vozes, 2002. BRASIL. Decreto Nº 5.840, DE 13 DE JULHO DE 2006. Institui, no âmbito federal, o Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA. Documento Base. 2006 DELORS, Jacques. Educação um tesouro a descobrir. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: MEC: UNESCO, 2003. FREIRE, Paulo. PEDAGOGIA DA AUTONOMIA: Saberes Necessários à Prática Educativa. 28ª edição. São Paulo: Paz e Terra, 1996. GADOTTI, Moacir. A Educação de Jovens e Adultos Não é uma Questão de Solidariedade. É uma Questão de Direito. In: Revista Pedagógica Pátio. Porto Alegre: Artmed. p. 40-41, 2005. GOMES, Valéria. DO CEREJA PARA O PROEJA: Desafios de uma Política de Formação Continuada de Professores. [Monografia de Especialização - UFRGS], 2007, Porto Alegre. GUTIERREZ, Francisco. Educação como práxis política. São Paulo: Summus, 1988. KULLOK, Maisa Gomes Brandão. Formação de Professores: Política e Profissionalização. Maceió; Edufal,2004, p.13-23 LOPES, Maria Gorete Rodrigues de Amorim. Formação Continuada: Um espaço de construção de saberes necessários ao educador de jovens e adultos. In: MERCADO,Luis e KULLOK, Maísa. Formação de Professores: Política e Profissionalização. Maceió, Edufal, 2004.p.23-35 NÓVOA, Antônio. A Formação de Professores e Profissão Docente. In: NÓVOA Antônio (org) Os Professores e a sua Formação. Lisboa: Codex, 1995 p.15-35 SCHÖN, Donald. Educando o Profissional Reflexivo: um novo design para o ensino e aprendizagem. Porto Alegre:Artes Médicas, 2000. VASCONCELOS, Celso. Para Onde Vai o Professor? Resgate do Professor como Sujeito de Transformação. São Paulo: Liberdad,2003 ZEICHNER, Kenneth. A Formação Reflexiva do Professor. Lisboa: Educa,1993. 274 proejafinalpmd.pmd 274 18/11/2007, 19:32 TECENDO O CURRÍCULO DO PROEJA 275 proejafinalpmd.pmd 275 18/11/2007, 19:32 A CONSTRUÇÃO E RECONSTRUÇÃO DOS SABERES DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS. Celso Panno1 Rafael Arenhaldt2 Trabalho de Conclusão de Curso apresentado no Programa de PósGraduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, como requisito parcial para a obtenção do título de Especialista em Educação Profissional Média Integrada ao Ensino Médio na Modalidade Educação de Jovens e Adultos. A grande preocupação com o alto índice de analfabetismo no Brasil tem aumentado com o estudo da legislação em Escolas, Sindicatos, associações, indústrias. Esta preocupação está centrada no sentido de superarmos o problema através de políticas diferenciadas que atendam ao elevado número de jovens e adultos que nem se quer completaram uma escolaridade mínima do Ensino Fundamental. A EJA - Educação de Jovens e Adultos mostra, no seu contexto, diferentes facetas que se mostra presente pela sociedade vivenciada e que, em cada momento, busca alternativas para “tentar” minimizar as barreiras impostas pelo mundo escolarizável. Procuro ressaltar que a EJA é destinada aqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no Ensino Fundamental e Ensino Médio, na idade própria, e destacar a necessidade das pessoas em melhorar de vida, valorizando a auto-estima, ampliando seus conhecimentos, questionando sobre suas atitudes e valores básicos relacionados ao trabalho, à cultura e à participação política. 1 Professor do NEEJA – Núcleo Estadual de Educação de Jovens e Adultos Metamorfose de bento Gonçalves, Especialista em Educação PROEJA. 2 Doutorando em Educação pela UFRGS, professor da rede municipal de Porto Alegre e coordenador pedagógico da Escola Técnica Mesquita vinculada ao Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de Porto Alegre, orientador do Trabalho de Conclusão de Curso do autor do presente artigo. 276 proejafinalpmd.pmd 276 18/11/2007, 19:32 O presente artigo tem por objetivo investigar como acontece a ampliação de possibilidades na construção do conhecimento dos sujeitos através das experiências de vida no PROEJA/CEFET - Centro Federal de Educação Tecnológica e no NEEJA - Núcleo Estadual de Educação de Jovens e Adultos Metamorfose, ambos de Bento Gonçalves. Procuro estabelecer, teoricamente e através de depoimentos, a leitura de mundo do educando, assim a construção do conhecimento torna-se democrático, problematizando as relações em que estão envolvidos cotidianamente educador-educando. A pesquisa utiliza estudo de campo, através de questionamentos e entrevistas aplicados aos envolvidos na prática educativa da Educação de Jovens e Adultos. Para tanto, foi elaborado um questionário para os alunos do PROEJA/CEFET-BG e NEEJA-BG, com perguntas semi-estruturadas, bem como também de depoimentos das diretoras, educadores e educandos. Com isso, o tema escolhido, descrito acima, também é o fato de muitos profissionais da área da educação não ampliarem novos conhecimentos na EJA através das experiências de vida, pois nunca devemos desprezar a “bagagem” de vida que o aluno traz para a sala de aula. A educação precisa ser repensada para que possamos construir sujeitos críticos na leitura do mundo, levando-o a formular problemas que não formulava, desenvolvendo soluções enquanto cidadão. O novo conceito de Educação de Jovens e Adultos apresenta desafios às práticas existentes, tais desafios devem ser encarados através de novos enfoques, dentro do contexto da Educação continuada durante a vida. Quanto ao contexto social da EJA, posso destacar, através de relatos dos sujeitos, que o retorno á escola tem resolvido alguns problemas no convívio familiar, pois surgem cada vez mais exigências educacionais. Para educar crianças expostas aos meios de comunicação, num mundo com tão rápidas transformações, os pais precisam constantemente se atualizar, precisam ter condições para apoiar os filhos em seu percurso escolar, cuidar de sua saúde e o seu próprio cotidiano. A Educação de Jovens e Adultos deve refletir a riqueza da diversidade cultural e respeitar o conhecimento e formas de aprendizagem tradicional de cada povo. O direito de ser alfabetizado na língua materna deve ser respeitado e implementado. A educação de adultos enfrenta um grande desafio, que consiste em preservar e documentar o conhecimento oral de grupos étnicos minoritários e promover a aprendizagem e o intercâmbio entre e sobre diferentes culturas. Segundo Paulo Freire (1983), a postura frente às práticas populares é a de que, não basta “querer mudar” a sociedade, é importante “saber mudar”, e mais saber mudar numa direção de igualdade e liber- 277 proejafinalpmd.pmd 277 18/11/2007, 19:32 dade. O processo de libertação não é a obra de uma só pessoa ou grupo, mas de todos. É preciso saber ler a vida, procurar agir e refletir sobre a ação, unir a teoria com a prática, pois somente pensando as ações é que as pessoas se reconhecem nelas, como participantes da história. O que diferencia os alunos das classes dominantes das classes populares é o ponto de partida, jamais o de chegada. O mais importante para a aprendizagem é o ponto de apoio, de onde a criança, o jovem e o adulto partem para construir seu conhecimento. A escola é um agente socializador tão importante quanto a família. Juntamente com o conhecimento, transmite não só valores e atitudes, mas também preconceitos. Como os agentes socializadores têm entre suas missões a de conseguir que as pessoas aprendam e assumam as normas da sociedade em que vivem e a maioria de modelos de sociedade que existem são discriminatórias (discriminam em função do sexo, da etnia, da raça, do poder econômico, da idade, da capacidade física e cognitiva), cresce a importância em refletir em todos os níveis de Educação e nas escolas sobre as diferenças e desigualdades. E esse resgate da sociedade é simplesmente um reconhecimento da diversidade, embasada em características agregadas ou adquiridas. A Educação de Jovens e Adultos, em uma visão voltada à inclusão de camadas populares no sistema educacional contemplando sua diversidade cultural, deve ser diferenciada para que a Educação dessas camadas da população não representa mais uma instância do fracasso escolar, mas sim as diversas visões de mundo do sujeito. Além disso, a EJA é uma oportunidade para que melhorem de vida, valorizem sua auto-estima, ampliem seus conhecimentos, possam questionar sobre suas atitudes e valores básicos relacionados ao trabalho, à cultura e à participação política na possibilidade de resgatar sua cidadania como forma coletiva de buscar espaços. Outro ponto a ser destacado é que a EJA será um resgate da dignidade escolar se o agir durante todas as fases (planejamento, execução, avaliação, etc.) for realizado com seriedade dentro de uma proposta organizada e com objetivos claros em que o aluno seja o foco. Também é importante para o aluno que lhe seja oferecida oportunidade de aprendizagem, construção do conhecimento, que os educadores sejam comprometidos com a proposta educativa da escola e que gostem do que fazem. Destacarei também, dois depoimentos de professores do CEFETBG que contribuíram muito para a elaboração deste estudo: “Trabalhamos em grupo muitas vezes... em uma ocasião montamos uma empresa virtual com trabalhos interdisciplinares.” (Evandro Ficagna,32, Educador) “Tarefas que envolvem o cotidiano dos educandos”. (Arrigo Fontana,43, Educador) 278 proejafinalpmd.pmd 278 18/11/2007, 19:32 Assim sendo, não basta “querer mudar” a sociedade, é importante “saber mudar”, e mais, saber mudar numa direção de igualdade e liberdade. Neste contexto, o educador da EJA e dos Cursos Técnicos em EJA deverá estar comprometido com o grupo no sentido de mobilizar e articular o processo de elaboração e execução dos projetos, princípios e procedimentos da escola quando esta se compromete a desempenhar o papel de gerenciador do conhecimento e instigador do processo de ensino-aprendizagem. Portanto, só é possível pensarmos numa aprendizagem significativa quando pudermos pensar nossos propósitos comuns de educadores. Descreverei abaixo, alguns tópicos de dois depoimentos de excelente valia para o meu trabalho de conclusão, que é das Diretoras do Núcleo Estadual de Jovens e Adultos NEEJACP-BG e do PROEJA/CEFET-BG, onde nos destaca a importância para o aluno não ser objeto de exclusão. O Inédito Viável na Educação de Jovens e Adultos - Legítima Expressão Freiriana: O inédito viável, início de uma responsabilidade para com nossos desejos, sonhos e ações, trazendo uma carga de reflexão para com o nosso papel de ESTAR no mundo construindo nossa história com convicção, paixão, rigorosidade e amorosidade. Ao falarmos na responsabilidade de nosso papel, enquanto educadores e cidadãos que buscam Estar no mundo, carregando conseguem a alegria, o prazer, talvez até a loucura ingênua de acreditar que é necessário vivermos de utopia, na inquietude de nossos sonhos. Partilhamos com pensamentos freirianos, que caminha lado a lado com a boniteza autentica de nossas ações. Estamos construindo esse espaço de forma mais coletiva possível, numa relação de horizontalidade entre educadores e educandos, com certezas e incertezas. Nesta perspectiva construímos e reconstruímos uma metodologia voltada para a trajetória de vida dos sujeitos, baseados no Tema Gerador freiriano, alargando a discussão de conteúdos para conceitos, onde os mesmos são desdobrados em conhecimentos necessários.” Conceitos que respeitam o tempo de cada um, ressaltando a individualidade e valorizando a interação, a construção coletiva, valorizando o saber de cada um, fazendo do conhecimento popular, uma alavanca para o conhecimento científico”. (Maria Terezinha Kaefer e Silva, 39, Diretor). Analisando parte do depoimento descrito acima, podemos dizer que a reflexão e o diálogo são de extrema importância para efeitos de qualidade no trabalho que está sendo desenvolvido, pois teremos uma melhor interação educando - educador para podermos ter uma visão da evolução do processo. Cada experiência de educação, animação e organiza279 proejafinalpmd.pmd 279 18/11/2007, 19:32 ção popular é a única e irrepetível, mas isso não significa que podem ser entendidas e mantidas isoladas cada uma dentro de sua “própria verdade”. Qualquer prática social transformadora tem intenção, apostas, desenvolvimentos e resultados que definitivamente servem de inspiração ou advertência a outras práticas semelhantes. “Pode-se perceber que os alunos encontraram dificuldades ao retornar aos estudos, mas os que foram persistentes puderam se orgulhar do progresso obtido. Dois alunos me chamaram atenção por terem filhos que estudam no CEFET e percebi que eles se orgulhavam por poder mostrar aos filhos suas conquistas e seu aprendizado. Para mim este foi o relato mais importante, pois destaca a melhora na auto estima que ocorre nestes adultos que enfrentam um desafio, que muitas vezes é como uma difícil batalha de guerra, mas lutam para tornarem se mais fortes e preparados para conviver no trabalho e na família.” (Soeni Bellé,42, Diretora) Observam-se pelas falas das Diretoras das escolas, que devemos ver o aluno mais que um simples indivíduo, pois devemos diagnosticar que existe, em cada aluno, um universo rico de saberes. Neste contexto, o professor “afetivo” é aquele que sabe ouvir, que tenta entender o aluno na sua singularidade, pois cada um tem a sua maneira de ver a vida, reflexo de suas experiências e de seu mundo próprio. Freire (1995, p.94) nos diz que a juventude deverá entregar-se à aventura de uma escola rigorosa e alegre, mas que jamais poderá prescindir do ato sério de estudar, que jamais deverá confundir esta alegria com a alegria fácil do não fazer. Nota-se também, nos depoimentos, que apesar das descontinuidades e rupturas escolares, que fazem parte da trajetória escolar destes alunos, que a escola tem um papel importante na vida deles. Ela é a ampliação do espaço, uma visão de futuro diferente e com grandes expectativas, um lugar onde estudam, fazem amigos e trocam experiências. Sabemos que apesar de todas as dificuldades que permeia muitos alunos, na trajetória escolar, principalmente da EJA , eles ainda vêem a escola de uma forma positiva e cabe a nós educadores nos posicionarmos com uma visão positiva sobre a situação deles. Portanto, tenho a absoluta certeza que esses alunos possuem histórias diferentes, mundos diferentes e comportamentos diferentes. Encontramos alunos que pararam de estudar por dificuldades financeiras, alguns porque reprovaram mais de uma vez, outros porque na adolescência desistiram dos estudos, porque achavam que a escola naquele mo- 280 proejafinalpmd.pmd 280 18/11/2007, 19:32 mento não era prioridade para eles. O trabalho, as festas, a rua, as amizades e os amores eram mais importantes naquela fase da vida, e hoje a EJA apresenta-se como alternativa mais rápida para a retomada da caminhada escolar. O Programa criado pelo Governo Federal PROEJA, pensando como política pública, deve atender a um grupo específico, cujas características permutam tanto a ação docente quanto a discente. A educação profissionalizante possui as concepções de EJA quanto a sua implantação, ou seja, o suprimento de mão-de-obra, em contrapartida, como possibilidade de agir e refletir suas experiências de vida e de escola. Nos escritos de Freire (1990), que concebe uma escola muito diferente da que temos hoje, uma escola onde o centro do processo de ensino-aprendizagem não é o professor, mas sim o aluno. Ele enfatiza que o conhecimento prévio do aluno já é história e que essa história faz parte de uma maior, que é aquela em que a escola deveria agir. Quanto à concepção para Educação Profissional, temos claro que ela precisa estar fundamentada numa sólida formação científica, tecnológica e humanista. Essa formação deve ser integral, superando e transcendendo a histórica dualidade entre a formação técnica e a formação geral. Os Cursos Técnicos na dimensão do PROEJA, criados pelo Governo Federal, devem ter perspectivas de articulações entre as necessidades das comunidades, da sociedade, com o desenvolvimento social e econômico, respeitando as dimensões culturais, valorizando a cultura do campo e dos trabalhadores, fomentando a criação e inovação tecnológica e construindo uma cultura de ciência e tecnologia a serviço da humanidade e da qualidade de vida. Como conseqüência destas novas relações com o saber, com o conhecimento e o trabalho, se construiu uma nova relação política para educação pública. Todos são sujeitos, todos têm contribuições, todos têm limites, mas os avanços são consistentes devido ao trabalho coletivo, aberto, divergente e contraditório, mas sempre democrático e respeitoso. A Educação Profissional e a qualificação do/a trabalhador/a visam garantir o direito e a inclusão de todos/as os/as trabalhadores/as no mundo do trabalho, emancipando-os/as e gerando renda. Com isso podemos afirmar que outra Educação Profissional é necessária e possível. Uma Educação que supere o paradigma histórico dualista, adestrador e treinador de mão-de-obra para o capitalismo. A emancipação dos trabalhadores requer o acesso a uma Educação Profissional que os prepare para serem sujeitos de luta e construtores de uma sociedade, de um novo mundo do trabalho que dialoga com um novo projeto de desenvolvimento 281 proejafinalpmd.pmd 281 18/11/2007, 19:32 societário e um compromisso social que forme um trabalhador autônomo ético, político e intelectualmente produtivo. Fazendo um comparativo, através de pesquisas realizadas no Curso Técnico em EJA, CEFET-BG, com o NEEJA Metamorfose, percebo que existe uma relação de igualdade na satisfação dos educandos e dos educadores, pois os depoimentos demonstram que seu foco está voltado às necessidades reais dos trabalhadores, para uma ação educativa com e para criatividade, por isso surge à necessidade de uma estreita relação entre educação e trabalho, tendo como princípio à formação ao longo da vida e a teoria para a prática no seu dia a dia. Destaco abaixo alguns depoimentos de educandos pela satisfação do Curso Técnico em EJA. “O relacionamento com os professores é muito bom, pois os professores além de serem legais são profissionais e sabem tratar os alunos de igual para igual.” “Um dos trabalhos mais significativo que eu destaco foi o de economia, através dele conhecemos como montar e administrar uma empresa.” “As aulas de Relações Humanas me mostrou uma luz em alguns assuntos, depois as de Física e Matemática foram muito importante, porque eu usei no meu trabalho.” “Com as aulas de informática aprendi a trabalhar na loja de confecção que eu trabalho fazendo os carnes de pagamento e no próprio caixa usando o computador.” Com esses depoimentos destacados da pesquisa, notamos que o educandário se insere nas perspectivas de um mundo do trabalho, tendo o mesmo como meio para se redescobrir como gestor de sua própria vida, respeitando as trajetórias de cada um, buscando espaços para qualificar as relações de trabalho, na perspectiva de uma vida com qualidade social. Também se observa na garantia na construção coletiva do conhecimento, remetendo-se a idéia de uma relação que se constrói no cotidiano, transformando-se esses saberes em conhecimento crítico, com um processo de pesquisa constante, teorização da prática e na percepção das inter-relações que permeiam o conhecimento. Destaco como exemplo um dos projetos elaborados em conjunto, no Núcleo Estadual de Educação de Jovens e Adultos Metamorfose de Bento Gonçalves, que nos mostra a integração entre educador e educando. O trabalho tinha como tema, a Educação como Política Pública, e o professor de Matemática propuseram a comparação custo e benefício 282 proejafinalpmd.pmd 282 18/11/2007, 19:32 ao cursar uma faculdade privada ou pública, pois os alunos possuem anseios e levaram em conta: – Cursos preparatórios. – Hospedagem – distância. – Vantagens e desvantagens. – Gráficos que explicitem estas comparações. – Medidas: Kilogramas, percentagens e medidas. O professor é o educador que estará em contato direto com o fim, o propósito da educação: o aluno, até porque a escola só existe porque ele existe. Os educadores em resposta à questão que pede uma relação entre as diferentes realidades no EJA e Técnico em EJA que já trabalharam, revelaram que existe uma exigência maior, é a de que se faz necessário um acompanhamento “quase individual” no sentido de que devem ser observados o limite e as possibilidades de cada indivíduo, salientando a vivência de cada um. Possibilitando uma relação com teoria Freiriana que pensa o sujeito como precursor de suas construções no contexto em que está inserido. Observo que estes alunos procuram um professor acessível ao diálogo e atento às suas dificuldades, muitas vezes produz-se, genericamente, um olhar traduzido em chavões que deprecia o aluno, consolidando desta maneira uma visão negativa sobre a educação de jovens e adultos. O papel do educador nessa modalidade de ensino é extremamente importante, pois estes jovens possuem histórico escolar muitas vezes permeado de problemas, não só no campo cognitivo, mas no campo social, econômico e emocional. Com isso, tornam-se necessários outros olhares, outras percepções, um pensamento mais interacionista e abrangente, pois há necessidade de pensar a sala de aula de uma escola de EJA com uma visão mais global, não com um pensar dual. Ali não está somente o aluno-professor, o que sabe e o que não sabe, o que aprende e o que não aprende, o que fracassa e o que vence, o comportado e o desordeiro. Enquanto estivermos neste universo, esta teia estará sendo construída e reconstruída por nós e por aqueles que fazem parte do nosso mundo. A educação de forma geral percorre um caminho que vai sendo lapidada passo a passo até atingir sua melhor forma que, juntamente com o aperfeiçoamento do ato de ensinar, alcançará o impacto desejado por todos os educadores, principalmente pela educação das classes populares, uma educação viva e uma escola dinâmica. 283 proejafinalpmd.pmd 283 18/11/2007, 19:32 É necessário que haja a participação dos poderes públicos municipal, estadual e federal e de toda a sociedade brasileira para que se possam traçar metas de como minimizar, num prazo menor, o alfabetismo no Brasil e assim poder integrar jovens e adultos a programas diferenciados, com o objetivo contínuo de desenvolver capacidades e as competências necessárias para os mesmos poderem enfrentar as transformações culturais, científicas e tecnológicas que repercutem no seu dia-adia de sobrevivência no mercado de trabalho, proporcionando-lhes atualização de conhecimento para toda a vida. Segundo o parecer CNE/CEB nº.11/2000, a EJA é compreendida como uma “dívida social não reparada para com os que não tiveram acesso a e nem domínio da escrita e leitura como bens sociais na escola ou fora dela” (...) deixando claro que esta modalidade de ensino é parte da Educação Básica, considerando o termo modalidade como “diminutivo de modus e expressa uma pequena medida dentro de uma forma própria de ser. Ela é, assim um perfil próprio, uma feição especial diante de um processo considerado padrão”.(Caderno Pedagógico EJA,nº1) As mudanças pedagógicas não se fazem somente por decretos, leis e normas. Elas são processuais e se constituem no tempo, pela dinâmica da articulação entre a subjetividade (vontade de mudar) e a objetividade (condições objetivas para que as mudanças ocorram). Se optarmos por mudar e por oferecer condições para que as mudanças aconteçam é fundamental que haja uma sintonia entre toda a comunidade, para que juntos possamos compreender o contexto e a seriedade da Inclusão da Educação de Jovens e Adultos como modalidade de Ensino Fundamental e Médio, e obtermos o resgate da dignidade escolar de muitas pessoas que não tiveram oportunidade e acesso à Escola. Após a análise das entrevistas descritas também foi possível concluir que o importante a considerar é que os alunos da EJA são diferentes dos alunos presentes nos anos adequados à faixa etária. São jovens e adultos trabalhadores, maduros, com larga experiência de vida e profissional e com um olhar diferenciado sobre as coisas. A quase totalidade dos alunos que freqüentam são trabalhadores, e as empresas estão exigindo que estudem. Com sacrifício, essas pessoas se dispõem a freqüentar cursos noturnos, na expectativa de melhorar de vida. A maioria tem a esperança de continuar os estudos, terminar o Ensino Fundamenta, ter acesso ao Ensino Médio e ter algum tipo de habilitação profissional. Assim sendo, o desafio da Educação de Jovens e Adultos é o estabelecimento de metodologias criativas, com a finalidade de se garantir 284 proejafinalpmd.pmd 284 18/11/2007, 19:32 aos adultos analfabetos e aos jovens que tiveram passagens fracassadas pelas escolas, o acesso à cultura letrada, possibilitando sua participação ativa no universo político, profissional e cultural. Referências BORGES, Liana., BRANDÃO, Sérgio Vieira. Diálogos com Paulo Freire. Tramandaí-RS: Ísis, 2005. DO VALE, Ana Maria. Educação Popular na Escola Pública. São Paulo: Cortez, 1996. FREIRE, Paulo. Pedagogia dos Sonhos Possíveis. São Paulo: UNESP, 2001. FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade e outros escritos. São Paulo: Paz e Terra, 2006. FREIRE, Paulo. Diálogos com Paulo Freire. Tramandaí – RS: ISIS, 2005. FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação?. São Paulo: Paz e Terra, 2006. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: PAZ E TERRA, 2006. HADDAD, Sérgio. Estado e Educação de Adultos. São Paulo: 1991, Tese de Doutorado da Universidade de São Paulo. PESSOA, Fernando. Poemas Escolhidos. São Paulo: Klick, 1923. Documentos e Legislação: Ação Educativa-MEC, Capítulos Fundamentos e Objetivos Gerais. A LDB e a Educação de Jovens e Adultos. São Paulo, 1997. BRASIL. Lei nº. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Porto Alegre: CORAG, 1997. 30 p. -----Ministério da Educação. Programa de Integração da Educação Profissional Técnica de Nível Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos: MEC, 2006. Parecer CNE/ceb nº11/2000. Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre. Caderno do Mova - Educação de Adultos e Educação Popular: MEC, 2001. Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre. Caderno Pedagógico EJA, nº1. Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre. Caderno Pedagógico EJA, nº2. 285 proejafinalpmd.pmd 285 18/11/2007, 19:32 Questionários e Depoimentos: BALESTRO, Celito. (36 anos, NEEJACP-BG), Questionário, Bento Gonçalves: 12 dez. 2006. Questionário aplicado por Celso Panno por conta da pesquisa do TCC. COELHO, Ednilson Furtado. (30 anos, NEEJACP-BG), Questionário, Bento Gonçalves: 12 dez. 2006. Questionário aplicado por Celso Panno por conta da pesquisa do TCC. COMIOTTO, Guilherme. (23 anos, CEFET-BG), Questionário, Bento Gonçalves: 12 dez. 2006. Questionário aplicado por Celso Panno por conta da pesquisa do TCC. GENARI, Gilberto. (40 anos, CEFET-BG), Questionário, Bento Gonçalves: 12 dez. 2006. Questionário aplicado por Celso Panno por conta da pesquisa do TCC. GODINHO, Jaime. (34 anos, NEEJACP-BG), Questionário, Bento Gonçalves: 12 dez. 2006. Questionário aplicado por Celso Panno por conta da pesquisa do TCC. SANTOS, Clarisse dos. (35 anos, NEEJACP-BG), Questionário, Bento Gonçalves: 12 dez. 2006. Questionário aplicado por Celso Panno por conta da pesquisa do TCC. SANTOS, Kátia R. dos. (39 anos, CEFET-BG), Questionário, Bento Gonçalves: 12 dez. 2006. Questionário aplicado por Celso Panno por conta da pesquisa do TCC. SILVA, Clóvis Pompeu da. (23 anos, NEEJACP-BG), Questionário, Bento Gonçalves: 12 dez. 2006. Questionário aplicado por Celso Panno por conta da pesquisa do TCC. BELLÉ, Soeni. (42 anos, Diretora de Ensino Médio e Técnico do CEFET - Bento Gonçalves), Depoimento, Bento Gonçalves: Mar. 2006. Depoimento captado por Celso Panno por conta da pesquisa do TCC. FICAGNA, Evandro. (32 anos, CEFET-BG), Depoimento, Bento Gonçalves: 12 dez. 2006. Depoimento captado por Celso Panno por conta da pesquisa do TCC. FONTANA, Arrigo. (43 anos, CEFET-BG), Depoimento, Bento Gonçalves: 12 dez.2006. Depoimento captado por Celso Panno por conta da pesquisa do TCC. SILVA, Maria Terezinha Kaefer. (39 anos, Diretora NEEJACP Metamorfose Bento Gonçalves), Depoimento, Bento Gonçalves: Mar. 2006. Depoimento captado por Celso Panno por conta da pesquisa do TCC. 286 proejafinalpmd.pmd 286 18/11/2007, 19:32 ARTES VISUAIS PARA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS Ignez Gomes Borgese1 Paola Zordan2 Muitas dúvidas cercam o cotidiano de um professor: Qual o currículo que proporciona um real interesse, a troca de saberes entre educador e educando e que, ao mesmo tempo, qualifique-os para o mundo, neste caso o mundo do trabalho? Como justificar a presença da arte na educação, nesta perspectiva tão pragmática? Não sei se conseguirei responder a todas as questões, mas pretendo, nestas linhas, aproximar-me delas. Parto da idéia de “caminhos”, palavra que encontra-se no plural porque acredito não existir uma única possibilidade. Cada educador deve estar sempre “a procura de” melhores condições para sua prática, trilhando, assim, diferentes caminhos em busca de uma educação de qualidade. Definindo o que é currículo Buscando a definição de “currículo” na sua etimologia, encontramos sua derivação no verbo currere (correr), que em latim significa “pista de corrida”. Willian Pinar (apud SILVA) a define como: “... É, antes de tudo, um verbo, uma atividade e não uma coisa, um substantivo. Ao enfatizar o verbo, deslocamos a ênfase da”pista de corrida”para o ato de “percorrer a pista”. É como atividade que o currículo deve ser compreendido- uma atividade que não se limita à nossa vida escolar, educacional, mas à nossa vida inteira.”3 1 Professora de Artes Visuais do Colégio de Aplicação, Especialista em Educação PROEJA , turma Porto Alegre. 2 Professora da Faculdade de Educação / UFRGS, Dra. em Educação, orientadora do Trabalho de Conclusão de Curso da autora do presente artigo. 3 SILVA,Tomaz Tadeu da. Documentos de Identidade: Uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 2005 p. 43 287 proejafinalpmd.pmd 287 18/11/2007, 19:32 Para percorrer esta “pista” é imprescindível saber aonde e como se vai chegar. Os objetivos destas ações que instrumentalizarão a prática escolar devem responder a questões “do que” e “para quem” devo ensinar, assim como que cidadão pretendo formar. Para Tomaz Tadeu da Silva não é possível uma definição universal de currículo. A sua definição está diretamente relacionada às diferentes teorias e autores que o analisam. Sendo o currículo um instrumento que reflete ideologias, onde se elege o que tem valor para ser ensinado ele, é, portanto um instrumento político. Estas teorias que definem o currículo, segundo o mesmo autor, estão divididas em: Teorias Tradicionais, Críticas e Pós-críticas. Teorias Tradicionais, que são aquelas que se detêm na elaboração técnica de como fazer o currículo sem questionar as estruturas sociais e culturais dominantes, reproduzindo-as no espaço escolar. Ao contrário, as Teorias Críticas questionam e desconfiam do modelo social vigente, das estruturas escolares e suas formas dominantes de conhecimento. Segundo o autor, para as teorias críticas, mais importante do que fazer o currículo é desenvolver conceitos que nos permitam compreender o que o currículo faz. Por fim, temos as teorias pós-críticas, que ampliam o conhecimento dos processos de dominação de classe, trazidas à tona pelas teorias críticas, para um leque muito mais amplo onde estão situadas as relações de gênero, etnia raça e sexualidade. Currículo é muito mais do que um conjunto de procedimentos, ele é a organização social do conhecimento. È, segundo Tomaz Tadeu: “lugar, espaço, território. O currículo é relação de poder. O currículo é trajetória, viagem, percurso”.4 Então, como pensar um currículo que não seja um mero reprodutor de conteúdos elencados pelos saberes universais hegemônicos? É possível arriscar-se por esses caminhos inseguros e incertos de múltiplas possibilidades? Concepções e Modelos de Ensino Aqui sigo os estudos da profª Maria Cristina Biazus para analisar as teorias desenvolvidas a partir do século XX, as quais influenciaram os modelos de ensino nos currículos de arte. A primeira seria a teoria mimética. Relacionada com a pedagogia proposta por Walter Smith em 1872, essa teoria afirmava “que a arte é uma imitação da natureza e que os alunos deveriam adquirir a faculdade da imitação”.5 A justificativa era 4 Ibid., 2005, p. 150 288 proejafinalpmd.pmd 288 18/11/2007, 19:32 que na escola pública o ensino da arte deveria reforçar a capacitação para o trabalho. Neste modelo, mantêm-se as tradições reproduzindo-se a sociedade vigente. Dentro desta perspectiva, acredita-se que ao imitar a conduta de outros o aluno estará aprendendo. O Formalismo relaciona-se com o currículo proposto por Arthur W. Dow, em 1899, no qual ele acredita que analisando os elementos formais encontrados nas obras de arte: linhas, formas, cores tons e texturas, bem como os princípios organizacionais destes elementos, se possibilitaria a compreensão e “apreensão da beleza da forma”. Nesta proposta o contexto social ficou de fora. Segundo o Modelo Formalista o aluno aprende formando estruturas cognitivas estabelecendo relações, formando conceitos e usando vocabulário específico da Arte. Este modelo, segundo Efland, esteve presente durante a reforma curricular americana da década de 60, “com as visões cognitivas da aprendizagem desenvolvidas por Brunner”6, resultando no que hoje se conhece como Discipline Based Art Education. Este buscou relacionar a estrutura das disciplinas, que compreendem as disciplinas de História da Arte e Estética ou Teoria da Arte, com os estudos piagetianos de construção da aprendizagem e a aquisição de estruturas cognitivas. No Brasil, Ana Mae Barbosa desenvolveu a Proposta Triangular, na qual o formalismo é inserido num contexto mais amplo, que veremos mais adiante. Na teoria Progressista, Efland cita os arte educadores Harold Rugg e Ann Shumaker que, em 1928, propõem o que eles chamam de autoexpressão criativa,na qual a cópia e imitação eram desencorajados em prol da originalidade. O currículo era centrado na criança partindo do pressuposto que o crescimento expressivo capacitava a criança a crescer emocionalmente. Segundo o mesmo autor, apesar da proposta prever abranger as crianças de todas as classes sociais, grande parte das famílias das classes trabalhadoras e imigrantes optou por não colocarem seus filhos nas escolas progressistas. Neste modelo trabalha-se as sensações, que são priorizadas como processos mentais de auto-conhecimento. Por isso, segundo este modelo, a arte é terapêutica. Viktor Lowenfeld e Herbert Read foram os principais defensores destes princípios. Na teoria Pragmática a arte é priorizada pela “eficiência em solucionar problemas práticos e estéticos que afetam a vida do fruidor.”7 Seu slogan era “Arte na vida diária”. Estas idéias foram apresentadas por Melvin Haggerty em 1935, época de guerra e depressão econômica. No 5 BIAZUS, Maria Cristina. - Arte e Educação em revista ano III nº4 dez.1997. p. 88 BIAZUS, Maria Cristina. - Arte e Educação em revista ano III nº4 dez.1997. p.91 7 PENTEADO, Cléa. A Arte e a educação na escola: Os caminhos da apreciação estética de jovens e adultos. Porto Alegre: UFRGS, 2001. Tese (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2001. 6 289 proejafinalpmd.pmd 289 18/11/2007, 19:32 modelo pragmático a arte é vista como modelo de reconstrução social que segundo esta visão é possibilitada pelo encontro com as novas experiências redimensionando as visões de mundo. A arte tem valor instrumental. Esta visão pragmática da arte na educação originou-se nas teorias da inteligência de Dewey, na qual “experiências sucessivas podem fazer com que o aprendiz revise ou reconstrua a sua visão da realidade”.8 Por fim a teoria Culturalista , vigente desde os anos 1980, mostrase sensível às relações de poder que definem as representações sociais e que estabelece relações entre cultura, significação , identidade e poder. Um breve histórico do Ensino das Artes no Brasil Procurando estabelecer uma conexão entre o ensino de Artes no Brasil e as teorias estéticas e curriculares, pode-se dizer que com a 1ª Academia de Belas Artes, inaugurada por D. João VI, inicia-se no Brasil o ensino das Humanidades, que se enquadra na definição das teorias do currículo tradicional. Este currículo reproduziu o gosto da burguesia, o estilo “neoclássico” em oposição ao gosto popular, o estilo “barroco”. No final do século XIX e início do século XX, a educação encontrava-se sob influência de duas correntes: o liberalismo, americano, e o positivismo, europeu. É sob influência deste último que o desenho passa a fazer parte do currículo das classes populares, nas escolas primárias e secundárias, cujo ensino era voltado para o mercado de trabalho. Nos anos 30, sob a influência dos estudos da psicologia e da psicanálise vindos da Europa e Estados Unidos, inicia-se a Escola Nova ou escolanovismo. Esta proposta de ensino é baseada nas idéias do filósofo americano John Dewey onde o ensino é centrado no aluno, no seu potencial criador e onde o professor seria o “facilitador” destas experiências de livre-expressão. A “educação pela arte”, obra do inglês Herbert Read, foi divulgada no Brasil por Augusto Rodrigues, um dos criadores da “Escolinha de Arte do Brasil”. Durante a ditadura Vargas, a Escola Nova perde força, ressurgindo em 1945 até 1958, período de redemocratização do país. Após o golpe militar de 1964, instala-se o modelo tecnocrático, o qual é alicerçado no princípio da otimização, racionalidade, eficiência e 8 BARBOSA, Ana Mae. Analice Dutra Pillar (org.) A Educação do Olhar no ensino das artes.: As Escuelas de Pintura al Aire Libre do México: liberdade, forma e cultura. Porto Alegre: Mediação, 2001 p.99 290 proejafinalpmd.pmd 290 18/11/2007, 19:32 produtividade. É durante a ditadura militar, a partir da Lei de Diretrizes e Bases 5692/71, que a disciplina de Educação Artística torna-se obrigatória no currículo do Ensino Fundamental, então I grau e em alguns currículos do Ensino Médio, II grau naquela ocasião.Como resultado da falta de professores de Educação Artística para atender a demanda criam-se em 1973, as Licenciaturas de curta duração, dois anos, onde o professor era habilitado a lecionar artes plásticas, Música e Teatro. Como conseqüência Cléa Penteado observa que “dessa política, resultaram professores que se transformaram em simples aplicadores de técnicas e atividades, sem uma fundamentação teórica aprofundada em qualquer uma das três áreas de conhecimento”9. Nos anos 80, a prática da disciplina encontrava-se confusa, transformada em técnicas decorativas ou “desenho livre”. Os professores começam então a organizarem-se em associações com o intuito de discutirem os caminhos da arte-educação. É através da FAEB – Federação Nacional de Arte Educação do Brasil, criada em 1987, que se consegue, através de intensa mobilização, vetar a não obrigatoriedade do ensino da arte na nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, sancionada em dezembro de 1996. Na década de 80 é sistematizada a Proposta Triangular de Ana Mae Barbosa, na qual os componentes de ensino e aprendizagem são: criação, leitura de obra e contextualização. Esta proposta envolve o fazer integrado-o com o estudo de obras e artistas junto do contexto cultural em que se insere. É influenciada por três movimentos: 1. as Escuelas Del Aire Libre mexicanas ,(1913 e 1920 a 1933) ,que segundo Ana Mae, foi o “único movimento modernista do ensino da Arte que deliberadamente, programaticamente integrou a idéia de arte como livre expressão e como cultura”10; 2. DBAE- Disciplined Based Art Education- proposta americana que defende a arte como disciplina do conhecimento e integra a Estética, a Crítica e a História da arte com a produção artística. 3. Critical Studies inglêses – a qual possui origem nas teorias críticas marxistas. Em 1996, são divulgados os Parâmetros Curriculares Nacionais, que se propõem, como o título já diz, a serem uma referência, um “ponto de partida” único para um currículo que contivesse as demandas contempo9 Programa de Integração da Educação Profissional Técnica de Nível Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos. Ministério da Educação, Brasília, 2006. p.47,48,49 10 SOARES, Leôncio (org). Estudos em Eja. p.127 291 proejafinalpmd.pmd 291 18/11/2007, 19:32 râneas da educação no Brasil. Uma das críticas aos PCNs reside no fato de que suas diretrizes, ainda que no seu texto mencione a flexibilidade de ação daqueles que o utilizam, não considere a diversidade sócio-cultural do país, criando assim um currículo “globalizadamente” engessado. Para Tomaz Tadeu, atualmente, após termos vivenciado as teorias críticas e pós-críticas, seria inconcebível traçarmos diretrizes a partir de “conceitos técnicos como os de ensino e eficiência ou de categorias psicológicas como as de aprendizagem e desenvolvimento ou ainda de imagens estáticas como as de grade curricular e lista de conteúdos:” Arthur Efland afirma que em um currículo em artes pós moderno, o educador não deve descartar as experiências modernistas ou pré-modernistas, apropriando-se delas em favor do desenvolvimento das competências necessárias aos saberes contemporâneos: “As estéticas mimética, pragmática, expressivas e formalista teriam seu lugar na apreensão crítica da arte porque elas elucidam certos tipos de valores estéticos em certos tipos de arte. A questão agora deve ser ampliada e também questionar em que contextos sociais o formalismo ou o expressionismo funcionam como uma verdadeira teoria. As antigas teorias podem ser recicladas da mesma forma que os artistas de hoje reciclam as imagens da arte antiga ou da cultura popular. Seria o caso de não tomar uma única teoria do passado como teoria verdadeira, mas como explicação provisória com relação à natureza e valor da arte.”11 Nossas possibilidades de escolhas não se limitam a “receitas” que ocasionalmente obtiveram bons resultados e que por isto devam ser reproduzidas aleatoriamente. Um olhar muito mais sensível faz-se necessário nesta mediação entre professor e aluno. Um olhar sem dogmas nem verdades absolutas. Proposições para Educação de Jovens e Adultos As orientações pedagógicas propostas no documento base do PROEJA, prevêem um currículo diferenciado dos modelos tradicionais de ensino12: .tos.São propostos novos espaços e tempos na educação de jovens e adul. A organização curricular é processual, coletiva e prevê abordagens 11 HERNÁNDEZ, Fernando. Cultura Visual, Mudança Educativa e Projeto de Trabalho. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000. p. 106. 12 BARBOSA, Ana Mae (org). Inquietações e Mudanças no Ensino da Arte. 2ª ed. São Paulo: Cortez,2003, p.19 292 proejafinalpmd.pmd 292 18/11/2007, 19:32 metodológicas de integração curricular como: abordagens embasadas na perspectiva de complexos temáticos, por meio de esquemas conceituais, mediada por dilemas reais vividos pela sociedade e por áreas do conhecimento. .dasSãodisciplinas, enfatizadas as abordagens que transitam na diluição dos contornos a valorização dos saberes adquiridos, o acesso à produção de saberes da sociedade; .demandas Diálogo entre as experiências que estão em andamento, diagnóstico das locais e um planejamento construído coletivamente. . Nova cultura escolar sendo necessária uma política de formação docente. Sendo o ensino da arte transdisciplinar em sua essência, permitindo um livre trânsito entre diversas áreas do conhecimento, seu oferecimento como disciplina na educação de jovens e adultos só vem a reforçar o que o documento base propõe: uma educação inclusiva que busque a formação integral do indivíduo. No filme do cineasta João Jardim, “Pro Dia Nascer Feliz”,o qual aborda a temática da educação de jovens do Ensino Médio no Brasil, há uma cena em que aparece o depoimento de uma jovem que, quando ainda estava na escola, fazia parte de um grupo de fanzine, com suas poesias. Terminado o Ensino Médio, ela estava trabalhando em uma indústria, onde sua função era dobrar calças. Quando questionada sobre o que havia mudado e o porque dela não escrever mais, ela diz “não ter mais tempo nem espaço para isto”. O trabalho, assim como as responsabilidades da “vida adulta”, dignifica, mas também sufocam o tempo criativo, reflexivo, direcionando o olhar para o pragmático, aquilo que realmente interessa afinal “tempo é dinheiro”. Acredito que a escola de jovens e adultos deva proporcionar este espaço-tempo. Como disse a professora Malvina Dorneles a “escola é lugar de cuidado, e mesmo sendo uma instituição por muitos considerada ultrapassada, a que menos se modificou com o tempo, ainda continuamos a confiar nossos filhos a ela”.13 Aula da profª Malvina do Amaral Dorneles - A Escola e a ética do cuidado. Curso de especialização: Educação técnica de nível médio na modalidade de educação de jovens e adultos. Faced, janeiro de 2007 O ensino da arte aproxima o indivíduo daquilo que é produzido culturalmente, informações que muitas vezes não tem acesso, estabele13 RICHTER, Ivone Mendes. Interculturalidade e estética do cotidiano no ensino das Artes visuais. Campinas , SP: Mercado de Letras. 2003, p.19 293 proejafinalpmd.pmd 293 18/11/2007, 19:32 cendo conexões do indivíduo com o mundo em que vive e com mundos mais distantes. Ana Mae afirma que, o conhecimento da imagem, recurso utilizado em arte na escola, é de fundamental importância não só para o desenvolvimento da subjetividade, mas também para o desenvolvimento profissional, visto que diversas profissões estão relacionadas diretamente ou indiretamente à Arte.14 Sobre o ensino da arte na Educação de Jovens e adultos, Cléa Penteado afirma: “Quando nos deparamos com jovens e adultos que já viveram diferentes tipos de experiências escolares, sendo a maioria delas cerceadoras, limitadoras e impositivas de padrões culturais e estéticos, o papel da arte na educação desses sujeitos que retornam à escola é ainda mais desafiador. É preciso considerar as experiências, as formas de expressão já vivenciadas pelos sujeitos e aprender com elas...”15 Para lidar com esta multiplicidade de vivências, faz-se necessário como o Documento Base do Proeja apontam, a formação continuada dos professores. Leôncio Soares aponta esta e outras questões como sendo necessárias e urgentes para um curso de Eja de qualidade: “ A necessidade de se estabelecer um perfil mais aprofundado do aluno; a tomada da realidade em que está inserido como ponto de partida das ações pedagógicas; o repensar de currículos, com metodologias e materiais didáticos adequados às suas necessidades, e finalmente a formação de professores condizente com a sua especificidade.”16 A disciplina de artes visuais, reforçada por procedimentos pouco consistentes, ainda é vista por muitos equivocadamente. Uma das críticas que, segundo os autores engajados na Proposta Triangular, contribuem para a visão depreciativa da arte educação como mero passatempo, é a herança do modelo expressionista na qual dá-se prioridade ao fazer sem estabelecer relações entre as diferentes matérias artísticas. Além disso, a idéia de que o artista nasce com um dom e a falta de suporte teórico de alguns professores contribui para o descrédito do ensino da arte. 14 BARBOSA, Ana Mae (org). Inquietações e Mudanças no Ensino da Arte. 2ªed. São Paulo: Cortez,2003.p.20 15 PENTEADO, Cléa. A Arte e a educação na escola: Os caminhos da apreciação estética de jovens e adultos. Porto Alegre: UFRGS, 2001. Tese (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2001. 16 ZORDAN, Paola. Concepções Didáticas e Perspectivas Teóricas para o Ensino das Artes Visuais. Porto Alegre: UFRGS, p.5 294 proejafinalpmd.pmd 294 18/11/2007, 19:32 Perspectivas interculturais Um currículo atual deve levar em conta a visão de mundo de seus educandos, pois partindo de sua realidade é possível entender as outras. Nesta conexão das experiências trazidas pelos alunos e o contexto escolar, formam-se os vínculos com a escola e a ponte para o conhecimento. Fernando Hernández afirma que o “conhecimento se dá a partir da interação do meio em que o sujeito está inserido com o mundo social circundante o que leva, na educação, a estabelecer critérios que permitam avaliar a qualidade desse conhecimento.”17 Inserido nas propostas atuais de ensino, o multiculturalismo, pluriculturalidade ou interculturalidade,os quais pertencem às teorias póscríticas de currículo, se propõem a ir mais além da fabricação de cocar para o dia do índio. Sendo um dos compromissos da Arte-Educação Pósmoderna , segundo Ana Mae, o “trabalho com a diversidade cultural, o conhecimento sobre a cultura local, a cultura de vários grupos que caracterizam a nação e a cultura de outras nações”.18 Ivone Richter afirma que dentre os termos acima citados, “interculturalidade”seria o mais adequado pois, este cria uma interação entre culturas enquanto que no multiculturalismo e pluriculturalismo as culturas são abordadas dentro de seus contornos.19 Poder reconhecer-se na sua própria cultura é um dever da escola. Isto não significa privar os educandos do acesso à cultura dominante, a erudita, mas estabelecer valores igualitários entre as diferentes culturas. Tomaz Tadeu ressalta que o multiculturalismo é um movimento político onde não podem ser esquecidas as relações de poder que estão presentes nesta relação entre culturas. Segundo ele, a crítica ao multiculturalismo está num certo relativismo e que as diferenças devem ser mais do que toleradas ou respeitadas, mas sim colocadas sempre em questão. As questões de conhecimento, cultura e estética não devem ser separada de questões de poder. Criação de um currículo de Artes para o Proeja Nesta perspectiva, onde estão previstos o diálogo entre diferentes culturas, assim como uma prática engajada em seu contexto que dê conta 17 Ibidem, 2007, p.10 PARSONS, Michael. Dos repertórios às ferramentas: ideais como ferramentas para a compreensão das obras de arte. In: FRÒIS, João Pedro. Educação estética e artística: abordagens transdisciplinares. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2000. p.176 18 295 proejafinalpmd.pmd 295 18/11/2007, 19:32 da diversidade das imagens que compõem o universo imagético da atualidade, acredito que a proposta triangular e a pedagogia de projetos sejam os suportes que melhor sustentem um ensino de Artes Visuais para a educação de jovens e adultos. Como já foi mencionada, a proposta triangular foi implementada no Brasil na década de 80, época em que o ensino da arte se encontrava com sérios problemas. Paola Zordan define este contexto como resultado da “formação deficitária dos professores, das práticas tradicionais de cópias de modelo e desenho geométrico misturadas com a técnica pela técnica” e o “livre-fazer” fundado em pressupostos do método espontâneo-reflexivo (que Ana Mae Barbosa investigou ser a obscura herança das teses do professor Nereu Sampaio e suas interpretações das idéias de John Dewey).”20 A proposta triangular se fundamenta em três eixos articuladores do ensino das Artes Visuais: a produção artística, a interpretação ou apreciação estética, a leitura de imagens e sua contextualização histórico-geográfica. A imagem é interpretada na sua totalidade, abrangendo aspectos como crítica social, raça e gênero, onde também são abordadas as diversas produções culturais, permitindo o trânsito entre a cultura hegemônica e a cultura popular. Aliado à idéia de um ensino onde o sujeito aprendiz seja agente da sua aprendizagem e que esta aprendizagem se dê de forma constante na relação entre os conhecimentos já adquiridos e os novos desafios que surgem no percurso do conhecimento, se encontra a proposta de educação de Fernando Hernandéz, através da “pedagogia de projetos” ou “projetos de ação”. Os projetos possuem sua origem, segundo na Escola Nova, com os Centros de Interesse das pedagogias formalistas e com os Temas Geradores propostos por Paulo Freire, que se configuram como método de construção de saberes da pedagogia libertária. Esta estratégia de trabalho se propõe, entre outras questões a “reorganização da gestão do espaço, do tempo, da relação entre docentes e alunos e a redefinição do discurso sobre o saber escolar ,aquilo que regula o que se vai ensinar e como deveremos fazê-lo. Desta forma, segundo Hernández, estaríamos propondo uma maneira mais competente de lidar com a quantidade de informações geradas no contexto atual, aprendendo a selecioná-las , interpretá-las e relacioná-las com outras fontes de conhecimento, possibilitando, assim, uma formação mais ampla do indivíduo. Os projetos nascem do tema, questionamentos, interesses, promovendo a participação ativa do aluno enquanto pesquisador assim como do professor que não detém o conhecimento, favorecendo “correr riscos” nesta caminhada. O educando participa como sujeito ativo na elaboração das etapas 296 proejafinalpmd.pmd 296 18/11/2007, 19:32 do estudo. Não existe um direcionamento estático, mas sim um fio condutor que auxilia na dinâmica do trabalho. Erguem-se múltiplas possibilidades para dar conta dos problemas: visitas, presença de convidados na sala de aula, organização da classe em grupos, individualmente etc... Nos projetos em arte, o uso da imagem é central na sua elaboração, transitando pelo universo de imagens que compõem a cultura visual. Outra característica do trabalho por projetos é a não existência de procedimentos engessados, permitindo que questões muitas vezes imprevistas pelo educador, que possam surgir no decorrer do trabalho, se insiram a este correspondendo muito mais aos reais interesses dos educandos. “ Mesmo que se baseie em métodos, mesmo seguindo eixos previamente determinados, não existe ação-investigativa pronta, dada como conhecimento formado, acabado, que possa ser descrito e reproduzido. Assumir os problemas colocados pelos alunos é deixar-se levar pelo imprevisto, ter que mudar os planos, aceitar as interferências do acaso, de tal maneira que uma pedagogia assim não é passível de ser copiada. Trabalhar com projetos leva professores e alunos a buscar soluções, a procurar por novos conhecimentos e criar ações singulares, de modo que acabam traçando caminhos inusitados”.21 Sem uma rigidez seqüencial, possibilita-se um currículo “aberto”, no qual as situações problema direcionam as estratégias. Esta idéia de movimento, de algo que se ramifica, é sugerida por Efland22 como a imagem de uma rede, que vai tramando-se e na intersecção destes desdobramentos, é que, segundo o autor, se dão os momentos mais criativos. A idéia do trabalho por blocos de conhecimento, onde os professores de áreas afins planejam e trabalham juntos, ainda encontra dificuldades como disponibilidades de horários de professores, pouco tempo para planejamento e a resistência de alguns professores que negam a incerteza de quem se arrisca neste território politicamente problemático. Uma educação que não vê sentido nos fragmentos de informações resultantes dos rígidos contornos das disciplinas compartimentadas. Hoje, vejo que a minha geração, com algumas exceções, foi vítima de uma educação que não alimentou a curiosidade, ingrediente básico para o conhecimento. Fomos refém das “decorebas” e das provas de múltipla escolha. Eu, que não encontrei muito sentido na minha educação escolar, encerro minhas linhas tortas levantando uma bandeira otimista de que o ensino da arte tem, sim, muito a contribuir para uma educação de qualidade também para os jovens e adultos que por, alguma razão, resolveram retornar à escola. 297 proejafinalpmd.pmd 297 18/11/2007, 19:32 Referências BARBOSA, Ana Mae (org). Inquietações e Mudanças no Ensino da Arte. 2ªed. São Paulo: Cortez, 2003. BARBOSA, Ana Mae. Analice Dutra Pillar (org.) A Educação do Olhar no ensino das artes.: As Escuelas de Pintura al Aire Libre do México: liberdade, forma e cultura. Porto Alegre: Mediação, 2001 BIAZUS, Maria Cristina. - Arte e Educação em revista. Ano III, nº4, dez.1997. HERNÁNDEZ, Fernando. 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Documentos de Identidade: Uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. ZORDAN, Paola. Concepções Didáticas e Perspectivas Teóricas para o Ensino das Artes Visuais. Porto Alegre: UFRGS, 2004. 298 proejafinalpmd.pmd 298 18/11/2007, 19:32 ESTUDO DO TEATRO NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS Lisinei Fátima Dieguez Rodrigues Tânia Beatriz Iwasko Marques 1 2 Introdução O trabalho em arte é, por excelência, a tradução do pensamento e das ações de uma época. Enquanto linguagem de expressão, o teatro pode materializar o utópico e o real, ressignificando situações que já não conseguimos ver de maneira diferente. O corpo do ator em cena, associado a elementos sonoros e visuais, é mais do que um ambiente de convívio entre as pessoas. Ao proporcionar espaço para a reapresentação da vida, fomenta o imaginário e as concepções estéticas individuais e coletivas. Percebendo nos processos de criação coletivos a interação entre os sujeitos e a realidade, pode-se afirmar que educação e teatro aproximam-se para construir conhecimento de forma lúdica. Na relação com o outro se constrói a própria identidade e pratica-se uma leitura da realidade baseada numa tomada de consciência. Para desenvolver esse processo de consciência de si e do mundo, ficcional e real, é necessário que se participe de atividades que proponham a passagem da percepção, contato, com o objeto ou uma ação, para uma atuação sobre estes, chegando à representação dos mesmos. Essas podem ser desenvolvidas através da metodologia dos jogos teatrais. Assim sendo, este trabalho propõe-se a justificar o estudo do teatro no contexto da Educação de Jovens e Adultos (EJA). 1 Atriz e Professora de Teatro do Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 2 Professora da Faculdade de Educação da UFRGS, Dra. em Educação, orientadora do Trabalho de Conclusão da autora do presente artigo. 299 proejafinalpmd.pmd 299 18/11/2007, 19:32 A preparação d aluno-ator para a arte teatral 1.1 A importância do fazer teatral pelo jogo O entendimento do teatro na educação como linguagem específica de expressão, construída pelo sujeito a partir de atividades lúdicas envolvendo regras, simbolização e exposição a outros, pode favorecer o caráter reflexivo do pensamento de forma individual e coletiva. Segundo Richard Courtney (1974), compreende-se por atividades lúdicas todas aquelas que envolvem o sujeito de forma voluntária e prazerosa durante sua realização. No Jogo com regras a atividade lúdica é organizada, sistematizada, formalizada a fim de contemplar um objetivo comum. O Jogo Dramático3 combinado ao Jogo com Regras origina o Jogo Teatral4, que passa a integrar um terceiro elemento: a platéia. Representar diante de uma platéia na forma teatral é, portanto, a conseqüência de um elaborado caminho envolvendo tempo, espaço, consciência de si, consciência do outro, simbolização. Em Teatro e Construção do Conhecimento, Gilberto Icle (2002) enfatiza que a consciência do corpo em estado de representação é algo construído pelo sujeito a partir do contato de experiências com a linguagem teatral. A participação em atividades de expressão dramática possibilita a observação, a análise, a experimentação e a construção de uma linguagem artística própria. 1.2 Algumas concepções sobre a consciência no fazer teatral A respeito da natureza da arte, em A Poética, Aristóteles (apud COURTNEY, 1974, p.7) já afirmava que o teatro é a imitação da vida não apenas em seus fatos, mas numa versão dos mesmos. Afirma ainda que a imitação é natural ao ser humano, é um prazer intelectual e uma forma inicial de aprender. Ao apontar os processos de criação na arte teatral, o filósofo grego reafirma a intencionalidade no trabalho do artista, perspectiva interessante se observarmos que historicamente havia uma profunda identificação entre arte e ritual. 3 Atividade lúdica que envolve simbolização, “faz-de-conta”, sem objetivo de apresentação para outrem. 4 O Jogo Dramático com vistas a apresentação diante de uma platéia. Envolve relacionamento dos participantes entre si e com os espectadores. 300 proejafinalpmd.pmd 300 18/11/2007, 19:32 Constantin Stanislavsky, diretor teatral que no conjunto de sua obra escreveu sobre os processos de criação e a preparação para a arte de representar, chamaria a esse fenômeno dualidade do ator, quando se experimenta uma dupla consciência: o tempo presente da exposição diante da platéia e as ações preparadas no passado e reapresentadas então. Afirma que no teatro o ator identifica-se com as motivações, as emoções descritas pelo papel a interpretar e mostra-as no personagem através de ações físicas coerentes, verossímeis. Para Moreno (apud COURTNEY, 1974, p.97), na teoria denominada psicodrama, o teatro é uma extensão da vida. Em seu caráter terapêutico e catártico, proporciona efeito somático (através do relaxamento corporal), autoral (na recriação de um conflito), vivência de uma situação-limite e participação da platéia na experimentação dos eventos. Vale ressaltar que esse autor utiliza-se deliberadamente da linguagem teatral como forma de acesso aos conteúdos do inconsciente, não se colocando como proposta estética de encenação. Para Piaget, (apud FUCHS, 2005, p.42), é no binômio ação e pensamento que se encontra a essência de todo processo cognitivo. As estruturas de pensamento se constituem com e a partir das ações do sujeito, mesmo que muitas vezes o sujeito não compreenda na sua totalidade os mecanismos do seu agir. Processo presente no jogo simbólico que integra o fazer teatral. 1.3 Ressignificação do eu e do mundo: teatro e pensamento Pensando-se que a característica peculiar do teatro é a existência de um conflito, entendido aqui como sinônimo de ação dramática, vale revisar o que a psicanálise tem a nos dizer. Em Jogo Teatro e Pensamento, Richard Courtney (1974, p.109) escreve sobre a visão de Freud a cerca da criatividade: Freud considerava o conflito a base tanto da neurose como da criatividade. Apesar de ambos serem originados em uma realidade insatisfatória, buscando a imaginação, o artista pode encontrar o caminho de volta para a realidade. Durante o processo de criação, o ator experimenta as emoções, reconhece e representa os conflitos do personagem. Na tradição do teatro ocidental, o espetáculo propõe um acontecimento catártico para a platéia, que se alivia por identificar-se com o personagem em seus conflitos e nas estratégias para superálos, sem necessitar passar pelas suas peripécias. 301 proejafinalpmd.pmd 301 18/11/2007, 19:32 Todo e qualquer gênero de representação teatral traz o conflito em sua base, seja nas formas dramática, lírica ou épica. Os conflitos diretos entre os personagens, os conflitos existenciais ou sociais, os questionamentos humanos atemporais e universais compõem esse arcabouço das situações dramáticas. Luria e Vygotski (apud COURTNEY, 1974, p.276) apontam que a criatividade desenvolve-se na percepção complexa, na memorização inteligente, na atenção voluntária e no pensamento lógico, descritas como “as mais altas funções mentais” proporcionadas pelo contato interativo com seu meio social. Percepção, descrição e ação construída de forma consciente, sendo rotinas nos jogos teatrais, estimulam o pensamento imaginativo e potencializam a criação na linguagem artística, que atua por metáforas, simbolismos e só existe enquanto teatro com a interação ator/platéia. Para Paulo Freire (1996, p.19), artistas estabelecem conexões lógicas, plausíveis, nos seus processos de delineamento do objeto artístico. O rigor científico/técnico se dá no processo de reflexão que leva à criação, não na avaliação a cerca do produto artístico final. 1.4 Fazer Teatral: um ato de consciência O inconsciente revelado através dos processos de escolha dos elementos cênicos, que é uma atividade de plena consciência, é mais um aspecto a ser considerado pelo educador. Independente da faixa etária, as intencionalidades dos alunos-atores no fazer teatral revelam seus conteúdos sócio-afetivos e de cognição. Suas concepções éticas (o que é bom ou ruim) e estéticas (o que é belo ou é feio) aparecem na forma como se articulam no jogo ou nos momentos em que é necessário improvisar suas ações. É preciso repensar ainda algumas idéias arraigadas nas práticas escolares que apontam a atividade teatral como elemento recreativo, socializante ou didático desprovido de um conteúdo, apartado do conhecimento. O conteúdo do teatro é a própria vida e a sua relação simbólica e metafórica com a mesma. O fazer teatral é fonte de aquisição de conhecimentos internos e externos, é atividade prazerosa, de integração social e de aprendizagem por envolver o sujeito nesse processo de forma integral. Na representação teatral não há espaço para o fingimento. A consciência nas intenções do ator é fundamental para que o fenômeno da representação aconteça. A consciência da condição de espectador da arte teatral é igualmente fundamental, pois a platéia opera na cumplicidade com o ator. 302 proejafinalpmd.pmd 302 18/11/2007, 19:32 Os documentos oficiais e o ensino de teatro no Brasil A multidisciplinaridade, a transversalização do conhecimento e o caráter transnacional na articulação dos saberes, bem como a formação integral dos sujeitos se coloca na agenda dos educadores contemporâneos. Vemos nos documentos oficiais da educação básica brasileira a distinção da área de teatro como especialidade. Pode-se observar sua necessidade no currículo a fim de atender aos propósitos de compreender e ressignificar conhecimentos na ciência, nas letras e nas artes. O artigo 26, páragrafo 2, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996, Lei 9394/965 determina a obrigatoriedade do ensino de arte como forma de promoção do desenvolvimento cultural dos alunos. A mesma lei aponta para a necessidade de planejar e desenvolver “o currículo de forma orgânica, superando a estruturação por disciplinas estanques e revigorando a integração e a articulação dos conhecimentos, num processo permanente de interdisciplinaridade e transdisciplinaridade” (p.31). No documento base do Programa de Integração da Educação Profissional Técnica de Nível Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA) observa-se a ênfase na importância da valorização dos saberes de seus alunos e de suas manifestações culturais. O texto do documento aponta para a idéia de que cada aprendente traz em si todo um rico universo para as trocas com seus pares, para a interação de seus saberes com os saberes próprios da educação escolar, acumulados pela tradição acadêmica ao longo dos tempos. Poder justificar, contrapor e justapor esses saberes nas mais diferentes formas de expressão contribui para o autoconhecimento e para a construção de uma visão de mundo mais enriquecida em diversidade cultural. Ao analisar as propostas inseridas no documento base do PROEJA, é possível verificar que currículo e método acolhem a todo o instante a atividade artística. A perspectiva de trabalho transdisciplinar, da organização do horário por blocos e a necessidade de acolhimento das diferentes culturas de seus aprendentes colocam a atividade teatral como referência interessante. Por envolver o indivíduo de forma total - corpo em movimento, pensamento imaginativo, tradução de idéias e emoções em formas con5 In:Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio no Brasil, p.31. 303 proejafinalpmd.pmd 303 18/11/2007, 19:32 cretas, simbolizadas pelo corpo ou pelos objetos que o cercam - o teatro torna-se importante recurso pedagógico sem deixar de lado sua função artística. Diferentemente do trabalho do ator profissional, o aluno-ator fará uso do teatro no contexto de suas aprendizagens de conceitos, sem deixar, entretanto, de fruir de produtos culturais e experimentar-se nas diferentes linguagens de expressão artística. Na interação entre linguagem e pensamento, a pedagogia da interdisciplinaridade oferece às artes a oportunidade de constituir pensamento simbólico, metafórico e criativo. As aprendizagens em teatro apresentam-se, ainda, como importantes exercícios de análise, síntese e solução de problemas. Entretanto, no Parecer do CNE/CEB 11/200 – Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação de Jovens e Adultos – elaborado pelo relator Carlos Roberto Jamil Cury, a educação em arte ainda aparece com a recomendação de caráter facultativo ao aluno. Os componentes curriculares ligados à Educação Artística e Educação Física são espaços oportunos, conquanto associados ao caráter multidisciplinar dos componentes curriculares, para se trabalhar a desinibição, a baixa autoestima, a consciência corporal e o cultivo da socialidade. Desenvolvidos como práticas sócio-culturais ligadas às dimensões estética e ética do aluno, estes componentes curriculares são constituintes da proposta pedagógica de oferta obrigatória e freqüência facultativa. Contudo a oferta destes componentes não será obrigatória para os alunos no caso dos exames supletivos avulsos descolados de unidades educacionais que ofereçam cursos presenciais e com avaliação em processo. (p.63/64). Ao ler o documento na íntegra, cabe questionar o motivo da educação em arte ser considerado facultativo ao aluno de EJA visto que no próprio parecer se fala nas funções reparadora, eqüalizadora e qualificadora dessa modalidade de ensino (p.10). O caráter de adequação aos tempos e espaços dos currículos não pode ignorar o acesso a um projeto pedagógico que contemple a ampliação dos direitos de cidadania, de inserção no trabalho em todas as suas áreas de atuação e melhoria da qualidade de vida material, cultural e intelectual. Questionamento ainda respaldado no Parecer CNB 15/98 e Resolução CEB 02/98 onde se lê que a EJA-Ensino Médio deverá atender aos saberes das Áreas Curriculares de Linguagens e Códigos, Ciências da Natureza e Matemática, Ciências Humanas e suas respectivas tecnologias igualando-se dessa forma às orientações curriculares para o ensino médio no Brasil. 304 proejafinalpmd.pmd 304 18/11/2007, 19:32 O ensino do teatro no contexto da EJA/UFRGS Podemos aproximar as concepções do teatro clássico, que encara a arte como a imitação da vida, com a vertente do psicodrama que, em consonância com a utilização do teatro em atividades didáticas, comemorativas ou religiosas e ritualísticas, dão conta da arte da representação como uma extensão da vida. Ler a realidade e apresentá-la na forma teatral com propósitos de auto-conhecimento e/ou de transformação de si, do outro ou da sociedade pode proporcionar a elaboração dos nexos plausíveis, referidos por Paulo Freire, também para os alunos-artistas. Trabalhar na lógica do encontro de culturas e no olhar sensível para o lugar de onde vem esse jovem e adulto pode ser um caminho interessante a se percorrer nas aulas de teatro. O teatro possibilita a interação dos sujeitos com os outros sujeitos de forma plena. A educação para a estética tira o aluno da posição de um mero consumidor de cultura para aproximá-lo de um protagonismo que liberta da padronização, desenvolve pensamento crítico, humaniza. É nesse contexto que o educador pode colocar-se como um “tradutor de culturas” 6, através de uma postura problematizadora que aproxima os saberes trazidos pelos aprendentes e o conhecimento científico/artístico acumulado. Falar em educação estética significa falar em construção da subjetividade. A matriz estética polariza o saber cotidiano com o acadêmico, colocando-se inclusive como desafio ao educador que, via de regra, não habita os mesmos espaços sociais que seus alunos. As temáticas de consciência e de estética abordadas como reafirmação do conceito aristotélico de arte como imitação, como espelho da vida e a consciência como uma co-criação do futuro de cada sujeito. Vista como forma e maneira de organizar qualquer prática social e pessoal, ampliam-se esses conceitos ao afirmar que estética é pura carga ideológica, é hegemonia de visão de mundo7. Dessa forma, podemos ver que mais do que ensino de teatro é adequado falar em educação pelo teatro. Considerando-se que os tempos destinados aos cursos de educação de jovens e adultos se colocam de forma condensada, é possível afirmar que a prática do teatro, en6 A expressão “tradutor de culturas”, referindo-se a uma função do educador, é uma anotação de aula da apresentação de “Escola e Emancipação: currículo, tempo e espaço”, tese de doutorado de Alexandre Virgínio. UFRGS, 2006. 7 Apontamentos das aulas da disciplina “Ética do Cuidado na Escola”, no curso de Especialização em Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos, promovido pelo Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da UFRGS, com a Dra. Malvina Dornelles do Amaral. 305 proejafinalpmd.pmd 305 18/11/2007, 19:32 quanto linguagem respeitando suas diferentes etapas processuais na construção de um objeto artístico, promove aproximação de muitas áreas do conhecimento, sendo transdisciplinar em sua essência. Educar em arte é poder mostrar que cada detalhe de um produto artístico é constituído com um objetivo. Não há acaso, há a sensibilidade para a leitura de formas, sons e movimentos que a realidade oferece. Articula-se, compara-se, contrapõe-se e justificam-se esses estímulos sonoros, visuais, cinestésicos que a realidade apresenta, reordenandoos. Simbolizar artisticamente é decodificar numa linguagem que se utiliza da forma, do som, do movimento para apresentar e/ou reapresentar o mundo e a realidade. Visto que se apontam como significativas as aprendizagens que envolvem os sujeitos como um todo, abordar identidade, cultura e trabalho de forma consciente e conscientizadora através de uma linguagem artística como o teatro, parece interessante no contexto da EJA. Considerações finais O artista está sempre dialogando com a realidade ao ressignificá-la em diferentes formas de expressão, seja ela sonora, visual ou dramática. Propõe novas situações ficcionais, novas realidades e reassume, ainda que provisoriamente, a conexão arte-rito-mito. Esse movimento de diálogo com a realidade através de suas representações pode enriquecer de forma substancial as propostas curriculares na educação de jovens e adultos. Educar em arte numa perspectiva reflexiva, libertadora, contribui para esse enriquecimento por resgatar não somente a propalada autoestima e sociabilidade, como experimentar o comprovado aumento nas habilidades de observação, concentração e percepção de si, do outro e do espaço em que habita. Aos re-incluídos na escola, na EJA, o teatro como forma de construção do conhecimento pode, através de associação transdisciplinar com as outras linguagens e tecnologias entrelaçar saberes que transcende a utilização da linguagem dramática como recurso didático. Encontrar-se na perspectiva de protagonista para a construção de uma identidade artística individual e coletiva favorece não somente a aquisição prazerosa de conceitos, como contribui para o exercício contínuo da consciência no processo de aprender em contraposição ao acúmulo de informações. Pensando no culto ao individualismo como uma prática cultural que fragiliza e desumaniza, pode-se pensar em tomar o caminho inverso ao 306 proejafinalpmd.pmd 306 18/11/2007, 19:32 educar pelo teatro. Ao tornar o ensino em arte uma área de conhecimento tão reconhecida quanto as demais, é possível resgatar cidadania numa perspectiva de valorização das diferentes identidades culturais. O espaço de encontro para a realização dessa atividade efêmera e eminentemente coletiva que é o teatro pode configurar-se em momento de interação dos aprendentes que, ao debater suas questões frente ao trabalho e a cidadania, criam movimento de conscientização a cerca dessas questões. Em relação aos gestores da educação profissional, por que não seguir o exemplo de Escolas Federais como as de Alagoas (no curso de formação de Atores), CEFET-Piauí (curso Técnico de Música e de Artes Plásticas) e CEFET-Pará (curso Técnico de Música) que vislumbram no ofício artístico possibilidades de trabalho e renda aos seus alunos? Referências COURTNEY, Richard. Jogo, Teatro e Pensamento. São Paulo: Perspectiva, 1974. FUCHS, Ana Carolina Müller. Improvisação Teatral e Descentração. Porto Alegre: UFRGS, 2005. Dissertação de Mestrado – Programa de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2005. ICLE, Gilberto. Teatro e Construção de Conhecimento. Porto Alegre: Mercado Aberto, 2002. ____________. O Ator como Xamã. São Paulo: Perspectiva, 2006. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Documento base do Programa de Integração da Educação Profissional Técnica de Nível Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos. 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Citação do aluno Isaías ao comentar apreciação do espetáculo Santo Guerreiro e da própria atividade teatral. 307 proejafinalpmd.pmd 307 18/11/2007, 19:32 UMA NOVA PROPOSTA DE ENSINO NA ESCOLA PÚBLICA Analice Maria ANTONIOLLI1 Juçara BENVENUTI2 Apresentamos um trabalho que vem sendo realizado no Colégio Estadual Pe. Colbachini de Nova Bassano. Trata-se de uma proposta diferenciada de ensino da Língua Portuguesa na Educação de Jovens e Adultos (EJA) que iniciou em 2002. Esta proposta trabalha a educação, na perspectiva de totalidade nas várias dimensões do conhecimento, em relação ao sujeito, ao objeto e ao contexto, pois o conhecimento está vinculado à realidade, a situações concretas. Esta modalidade de ensino prioriza a pesquisa da realidade a partir das falas dos educandos e o planejamento coletivo envolve as três grandes áreas do conhecimento: sociolingüística, sócio-histórica e sociocientífica. Um novo modelo se constrói, quando há um processo coletivo, quando há uma escolha convicta de acreditar que o conhecimento que de fato conta para a transformação social nasce da ação comprometida de todos. Como a Língua Portuguesa foi o caminho de colonização do Brasil, que seja, também, o caminho para reverter esta realidade de colonização sempre presente, que pelo ensino do idioma hoje se possa aprender a ler o “texto no contexto”, como diz Freire (2001.p.11), “[...] linguagem e realidade se prendem dinamicamente, a compreensão de texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre o texto e o contexto”. 1 Especialista em Educação Profissional Técnica de Jovens e Adultos e professora da rede estadual de Nova Bassano na área de Língua Portuguesa. 2 Mestre em Teoria da Literatura, Coordenadora do projeto de Educação de Jovens e Adultos do Colégio de Aplicação da UFRGS e professora de Língua Portuguesa e Literatura, orientadora do Trabalho de Conclusão de Curso da autora do presente artigo. 308 proejafinalpmd.pmd 308 18/11/2007, 19:32 Para tanto apresentamos uma pequena retrospectiva analítica da história da Educação no Brasil, desde sua colonização até a época atual, destacando o trabalho de Freire, que embasou a construção das políticas públicas que desencadearam a possibilidade das escolas criarem seus programas de ensino e pensarem as necessidades do seu público alvo. A “Educação de Jovens e Adultos” inicia-se ainda no período colonial quando os Jesuítas transmitiam seus princípios religiosos e ensinavam seus ofícios aos indígenas e aos escravos. Em 1750, com a expulsão dos Jesuítas, foram instituídas as aulas régias para profissionalização e qualificação de docentes. Já, com a vinda da Família Real, foram criados Cursos Superiores na Bahia, Rio de Janeiro, Pernambuco e Minas Gerais: Escola de Serralheiros, Oficiais de Lima e Espingardeiros, os quais identificam a intencionalidade de sua criação. A Constituição de 1824 garantiu a instrução primária e gratuita para todos os cidadãos, porém essa premissa não passou de intenção constitucional. Não há interesses econômicos e políticos que possam se projetar sobre a educação dos que não fossem da elite. A Constituição de 1891, na Primeira República, apontou a descentralização do ensino público, direcionando a responsabilidade para as Províncias e os Municípios. Essa mesma Constituição excluiu os analfabetos da participação pelo voto. Um marco importante na história da educação, principalmente na educação de adultos, é a revolução de 1930, que emerge com a industrialização e a aglomeração nas cidades, fato que destacou a necessidade da qualificação da mão-de-obra. A partir dessa realidade, começou-se a visualizar a educação das classes trabalhadoras, desencadeando um processo de reorganização estrutural do Governo e a criação, em novembro de 1930, do Ministério da Educação e Saúde. Na Constituição da República Nova de 1934, foram incluídas a obrigatoriedade e a gratuidade do ensino primário, estendido aos adultos. Em 1947, foi criado pelo mesmo Ministério, o Serviço de Educação de Adultos que, até fins da década de 50, desenvolveu o atendimento a partir da infra-estrutura de Estados e Municípios. Enquanto isso, alguém que nascera no dia 19 de setembro de 1921, atuava como professor de Português. Seu nome era Paulo Reglus Neves Freire, conhecido mundialmente como Paulo Freire. Esse pernambucano falava de educação social, do conhecimento do aluno de si mesmo e dos problemas que o afligiam. Ele não via a educação simplesmente como meio para dominar os padrões acadêmicos de escolarização ou para profissionalizar-se. Falava da necessidade de se estimular o povo a participar de seu processo de emersão na vida pública, engajando-se no todo social. 309 proejafinalpmd.pmd 309 18/11/2007, 19:32 Nessa época, começaram a surgir campanhas que, mesmo não durando muito tempo, foram tentativas de erradicar o analfabetismo. Em 1958, Juscelino Kubitscheck se afirma enquanto força no poder e se mostra preocupado com os problemas e misérias sociais. Uma delas é a educacional. Mesmo dentro de uma concepção populista, este momento foi propício para o segmento da sociedade civil mais progressista, como os operários intelectuais, estudantes, professores, campesinato, clero católico que se organizaram ainda mais. Paulo Freire fazia parte deste grupo, e, assim, foi um dos representantes do pensar daquele tempo. Começaram a surgir movimentos de educação que reinventavam ações junto aos grupos populares como práticas de organização, mobilização e conscientização na luta por melhores condições de vida. Entre eles, surge o MCP (Movimento de Cultura Popular do Recife) do qual o professor Paulo Freire fez parte, juntamente com outros professores e artistas. Em Angicos, um lugar pequenino no sertão pernambucano, começou um jeito diferente de ensinar a ler-e-escrever: denominado de o “Método Paulo Freire”. As pessoas adultas aprendiam a ler e a escrever mais depressa e bem melhor, porque elas não aprendiam só a ler e a escrever as palavras, mas aprendiam a pensar e a refletir. Em 1964, foi criado o Programa Nacional de Alfabetização do MEC e iniciou-se um período de mais de vinte anos de ditadura militar. Era o início da estagnação do processo educacional, sob a alegação oficial de que os movimentos anteriores eram de cunho “ideológico”. Em um país que vivia em plena ditadura, o Método Paulo Freire começou a ser considerado um “perigo”, porque [...] a EDUCAÇÃO ajuda a mudar as PESSOAS. E ela muda as PESSOAS ensinando elas, a saber, ler melhor, a saber, pensar melhor, a saber julgar melhor o que está acontecendo, a saber agir melhor, juntas, uma ao lado das outras. E, assim, PESSOAS que sabem ler palavras lendo o MUNDO, haveriam de saber mudar o MUNDO. Saberiam como fazer um MUNDO melhor para a vida de PESSOAS mais felizes (BRANDÃO, 2001, p. 42). Após o exílio de Paulo Freire, foi proibido qualquer tipo de trabalho com a Educação Popular e alfabetização com o método Paulo Freire. Em 1967, o Governo Federal criou o Movimento Brasileiro de Alfabetização – MOBRAL – e o ensino supletivo, com o objetivo de oferecer alfabetização a amplas parcelas dos adultos analfabetos, mediante um intenso controle federal e centralizado. Assim também em 1971, sur- 310 proejafinalpmd.pmd 310 18/11/2007, 19:32 giu a Lei 5692, forjada nos gabinetes da ditadura, que regulamentava o ensino supletivo. Essa estrutura, adequada à nova composição política, estabelecia controle conservador e centralizador. No final de 1985, o MOBRAL foi extinto nacionalmente e substituído pela Fundação Educar, que teve seu estatuto aprovado pelo Decreto 92374 de 6/02/86. Constitui-se na reprodução do ensino que instrumentalizava o saber para a força de trabalho. Em 1979, Paulo Freire pôde voltar ao Brasil. Ele já era um educador conhecido no mundo inteiro. Sem perder tempo, voltou ao seu trabalho de professor e aos “movimentos de educação popular”. Em 1988, a Constituição Federal previu a modalidade de Educação de Jovens e Adultos. Em 15 de março de 1990, a Fundação Educar foi extinta por Medida Provisória. Em substituição à Fundação Educar, o Governo Collor criou o Programa Nacional de Alfabetização e Cidadania, o qual não chegou a ser implantado. Em 1996, foi promulgada a lei, vigente até hoje no país, que estabeleceu as Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN nº 9394. O artigo 37 em seu caput prevê: “A educação de jovens e adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria”. Neste cenário as escolas puderam construir seus planos políticopedagógicos e seus regimentos adaptados à nova lei. No Rio Grande do Sul, em abril de 1999, foi desencadeado um amplo movimento, denominado Constituinte Escolar que se caracterizou como um instrumento de construção da democracia participativa do Governo do Estado na área de educação. Este projeto notabilizou-se como um espaço concreto do governo democrático e popular para que educadores, educandos, pais, funcionários, movimentos sociais e instituições de ensino ocupassem seu lugar nas definições dos rumos da educação. A partir desse movimento político-pedagógico das práticas concretas, da teorização dessas práticas, com encontros locais, regionais e assembléia estadual, foram construídos os Princípios e Diretrizes para a Educação na Escola Pública Estadual. O Colégio Estadual Pe. Colbachini de Nova Bassano participou do processo da Constituinte Escolar desde o primeiro momento, construindo seu projeto político-pedagógico e o regimento escolar a partir dos princípios e diretrizes da Nova Escola Pública. Nesta caminhada de construção e a partir dos Princípios e Diretrizes para a Educação na Escola Pública Estadual emergiu a Filosofia da Escola: “Constituir um processo permanente de vida que leve à constru- 311 proejafinalpmd.pmd 311 18/11/2007, 19:32 ção de sujeitos históricos, críticos, protagonistas de uma sociedade plural, solidária, ética e cidadã”. Ao mesmo tempo em que os sonhos e utopias se identificaram mais com o modelo histórico-social, priorizando o homem como sujeito histórico, a prática se tornou reveladora de ações que viabilizaram um projeto não-excludente. Isso demandou a reformulação das diretrizes que determinavam os trabalhos da escola e a criação de outras que pudessem apontar novos caminhos, metodologias e práxis pedagógicas. Para tanto, fez-se necessário que a escola norteasse sua prática na construção de um currículo contextualizado, que contribuísse para o desenvolvimento social da Comunidade de Nova Bassano, buscando também a inclusão dos cidadãos trabalhadores que não tinham tido acesso ou continuidade dos estudos na idade própria. Iniciou-se em 2002 a Educação de Jovens e Adultos (EJA) no Ensino Fundamental e Médio no Colégio Estadual Pe. Colbachini com o objetivo de: Desencadear um processo de construção, reconstrução e ressignificação dos saberes reveladores de sujeitos históricos, críticos, conscientes de seus direitos e deveres, com tempo e espaços pedagógicos diferenciados, priorizando as diversidades sócio-culturais, a interdisciplinaridade e metodologias reveladoras de histórias e vivências formadoras de cidadãos éticos. (Proposta político-pedagógica, 2006, p.21). O Ensino Fundamental e Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos foi organizado por Totalidades de conhecimento. A concepção de totalidade considera que, assim como há constante interrelação dos fenômenos da natureza, o conhecimento se relaciona ativamente nos seus diferentes aspectos, constituindo-se em um processo de totalização, que determina a predominância do todo sobre as partes. Esta visão de Totalidade remete a estruturar o ensino de forma global, em níveis crescentes e articulados entre si, não de modo estanque. Desta forma, trabalham-se os conhecimentos com conotação interdisciplinar, nas três grandes áreas do conhecimento: sociolingüística, sócio-histórica e sociocientífica. Nesta perspectiva, o ensino da Língua Portuguesa está sendo trabalhado dentro da área Sociolingüística, juntamente com Literatura, Arte, Educação Física e Língua Espanhola numa relação de interdisciplinaridade com as áreas Sócio-histórica (História, Geografia, Ensino Religioso e no Ensino Médio a inclusão de Filosofia e de Sociologia) e Sociocientífica (Matemática e Ciências, sendo que no Ensino Médio ocorre a divisão 312 proejafinalpmd.pmd 312 18/11/2007, 19:32 das ciências em Química, Física e Biologia). Defende-se a menor divisão das disciplinas, encaminhando a uma ação, na qual as Áreas do Conhecimento produzem-se interdisciplinarmente. Os trabalhos do cotidiano de sala de aula são planejados a partir das falas dos educandos, ou seja, a partir de dimensões significativas, portanto a interdisciplinaridade constitui-se como um caminho para a transformação, utilizando uma nova pedagogia, capaz de restituir vida nos processos de ensino-aprendizagem. Estes trabalhos devem desvelar as contradições existentes na realidade, remetendo a uma análise crítica que possibilitará a interação de suas partes e o rompimento com o senso comum. Aprender a ler textos nos contextos envolve compreender que vivemos em mundos de experiência da vida cotidiana onde, além daquela gramática que ordena e classifica os elementos de uma língua escrita-efalada, existem outras gramáticas. Surge, então, uma pergunta que todo educador de Língua Portuguesa se faz, sobretudo hoje, pois os educadores, mesmo não sabendo bem para onde ir, sabem que precisam revisar a prática pedagógica do ensino da língua: [...] Pois uma pergunta fundadora, quando se mergulha no chão sem fundo dos mistérios do aprender-a-pensar aprendendo a ler e a escrever, seria esta: “o que é que se deve aprender para saber ler e a escrever em um mundo social, quando se aprende a ler e a escrever as palavras da língua deste “mundo”, ou seja, da cultura deste mundo social?” (BRANDÃO, 2002, p.428). O conhecimento vai sendo construído significativamente por estes educandos que vêem no ensino da Língua Portuguesa a possibilidade de melhorarem como cidadãos conscientes e críticos da sociedade, vivendo num mundo de relações. Paulo Freire reconhecia a importância da memória, embora afirmasse que a simples memorização, desvinculada do esforço de compreender, não era sinal de conhecimento. As pessoas são sujeitos no processo de construção de seu saber, estimuladas por outros, mas de acordo com o que já sabem, porque o conhecimento é social. É agindo que os seres humanos se confrontam com a necessidade de aprender e constroem o conhecimento que nasce da ação e volta para a ação de transformar. Percebemos o sentido da construção de relações humanas ou de conhecimento, através do resgate da experiência da vida cotidiana das 313 proejafinalpmd.pmd 313 18/11/2007, 19:32 mulheres e dos homens da EJA, com suas alegrias, com suas verdades e com suas angústias. Os educandos da EJA nos revelam com clareza e profundidade a superação de metodologias fragmentadas e de um processo de aprendizagem individual. Percebe-se o crescimento e aprendizagem de todos, pois passam a se sentir cidadãos na loja, na fábrica, podendo falar e permitindo-se escrever suas próprias histórias. Cabe, então, ao educador a tarefa de inverter este processo, não falando, não dissertando, mas provocando, problematizando a realidade para que o educando desenvolva com prazer e com criticidade a expressão. Ao abordar os saberes necessários à prática educativa, Freire diz que: Saber que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção. Quando entro em uma sala de aula devo estar sendo um ser aberto a indagações, à curiosidade, às perguntas dos alunos, a suas inibições: um ser crítico e inquiridor, inquieto em face da tarefa que tenho – a de ensinar e não a de transferir conhecimento. (FREIRE 1997, p.52). No entanto, não basta os educadores falarem de construção do conhecimento, devem estar envolvidos nesta construção e envolver os educandos numa relação democrática: mostrar a Ivo que o mundo desigual pode ser lido pela ótica do opressor ou pela ótica do oprimido e não estimulando o clima democrático por meios e caminhos autoritários e preconceituosos, como o exemplo do uso das conjunções “mas”: [...] Tão fingido quanto quem diz combater o racismo mas, perguntado se conhece Madalena, diz: “Conheço-a . É negra mas é competente e decente.” Jamais ouvi ninguém dizer que conhece Célia, que é loura, de olhos azuis, mas é competente e decente (FREIRE, 1997, p.53). Os educadores de expressão precisam estar conscientes de que a Língua Portuguesa é um sistema codificado e legislado gramaticalmente segundo uma norma culta, resultante de acordos entre autoridades “competentes” de Portugal e de ex-colônias. Mas sabemos que esses países colonizados possuem muito pouco poder de decisão a respeito de algumas normas rígidas de “língua culta”. Assim, aprender o português é buscar saberes do colonizador, saberes de um modelo anterior consagrado de falar e escrever pela mesma gramática, distribuída de norte a sul do país. Sabemos, porém, que, como qualquer outra língua, a nossa é um sistema vivo, é uma construção cultural de todos os dias e entre todas as 314 proejafinalpmd.pmd 314 18/11/2007, 19:32 gentes, alunos de Nova Bassano ou do Pará, ou de qualquer recanto deste país. Somos todos participantes de um mesmo universo cultural de fala e escrita, construímos a cada dia a realidade presente de uma forma de que falamos e escrevemos o que somos. O povo é soberano na criação da cultura na língua nacional, e são os legisladores, os gramáticos que precisam rever as normas, pois há muitos “falares” de norte a sul deste país que modificaram a própria língua dita “culta”. Assim, através do ensino de Língua Portuguesa, o educador tem que ter presente que cada um de nós é criador de nossos mundos, somos autores conscientes de todas as nossas gramáticas, de nossas lendas, de nossas poesias. Referências BRANDÃO, Carlos Rodrigues. História do menino que lia o mundo. 2. ed., Veranópolis: ITERRA, 2001. ____ . A educação popular na escola cidadã. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002. BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. São Paulo: Saraiva, 1997. FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. 41. ed., São Paulo: Cortez, 2001. ____ . Pedagogia da autonomia. 6.ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997. PROEJA Documento Base. Brasília: Gráfica do Ministério da Educação, 2006. Proposta político-pedagógica do Colégio Estadual Pe. Colbachini. Nova Bassano, 2006. 315 proejafinalpmd.pmd 315 18/11/2007, 19:32 Concepções e Princípios Para Uma Proposta Curricular para o ensino de Química no EJA/PROEJA Raquel Lettres1 Edson Luiz Lindner2 Introdução A integração entre o Ensino Médio e a Educação Profissional para o público da Educação de Jovens e Adultos – EJA é uma novidade na estrutura educacional brasileira. Com o Programa de Integração da Educação Profissional Técnica de Nível Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA, busca-se resgatar, ao sistema escolar brasileiro, jovens e adultos que não tiveram oportunidade de estudar na idade apropriada ou que por algum motivo, abandonaram a escola antes de terminar a Educação Básica. O PROEJA vai possibilitar o acesso à educação e a formação profissional na perspectiva de uma formação integral. Após retorno do adulto para a escola, é preciso garantir que ele não a abandone. Muitas vezes chegam cansados, depois de um dia de trabalho, com pouco tempo para se dedicar aos estudos, mas cheios de histórias e vivências, ou seja, com um conhecimento prévio bem diferente (maior) do que as crianças. As altas taxas de evasão (menos de 30% concluem os cursos) têm origem no uso de material didático inadequado para a faixa etária, nos conteúdos sem significado, nas metodologias infantilizadas aplicadas por professores despreparados e em horários de aula que não respeitam a rotina de quem estuda e trabalha. Problemas 1 Professora de Química do Colégio de Aplicação / UFRGS, Especialista em Educação / PROEJA turma Porto Alegre. 2 Prof. MSc. do Colégio de Aplicação da UFRGS - Orientador do Trabalho de Conclusão da autora que resultou no presente artigo. 316 proejafinalpmd.pmd 316 18/11/2007, 19:32 como esses podem ser resolvidos quando o professor conhece as especificidades desse público e usa a realidade do aluno como eixo condutor das aprendizagens. Após a alfabetização, garantir a continuidade dos estudos é outro desafio. Este artigo irá refletir sobre as propostas curriculares para o ensino de Química na realidade do EJA/PROEJA. Valorizando uma proposta curricular inclusiva e democrática, em que o sujeito possa exercer sua cidadania de forma consciente, interdisciplinar onde o currículo está dentro da contextualização da realidade do sujeito, sujeito este singular, que traz consigo uma trajetória histórica que deverá ser respeitada na troca de saberes entre educador e educando. EJA/ PROEJA A Educação de Jovens e Adultos – EJA no Brasil é marcada pela descontinuidade de projetos e por políticas públicas insuficientes para dar conta da demanda potencial e do cumprimento do direito, nos termos estabelecidos pela Constituição Federal de 1988. Essas políticas são, muitas vezes, resultantes de iniciativas individuais ou de grupos isolados, especialmente no âmbito da alfabetização, que se somam às iniciativas do Estado. A Organização Não Governamental Ação Educativa, uma das parceiras do Ministério da Educação para a realização de projetos, co-editou e distribuiu uma Proposta Curricular para a Educação de Jovens e Adultos. É um exemplo de iniciativa do Estado no sentido de enriquecer os Projetos Pedagógicos das instituições e estabelecimentos que desenvolvem esta modalidade da Educação Básica, na etapa do Ensino Fundamental. No entanto, as políticas de EJA não acompanham o avanço das políticas públicas educacionais que vêm alargando a oferta de matrículas para o Ensino Fundamental, universalizando o acesso a essa etapa de ensino. O Censo Escolar 2003 apontou o crescimento de 12,2% nas matrículas de jovens e adultos na rede oficial, mais de 4,2 milhões de pessoas que voltaram a estudar, sem contar outras 730 mil atendidas por movimentos populares, empresas, sindicatos ou organizações não governamentais. “Se a educação é um direito de todos, independentemente da idade, como diz a nossa Constituição, temos de dar à EJA a mesma atenção oferecida a todos os segmentos do ensino básico”, afirma Cláudia Veloso, coordenadora-geral de EJA do Ministério da Educação (Revista Nova Escola, 2003). O PROEJA surge ao mesmo tempo em que puderam ser removidos os obstáculos legais que impediam a expansão da Rede Federal de 317 proejafinalpmd.pmd 317 18/11/2007, 19:32 Educação Profissional e Tecnológica (Lei 9649/98). Após um período de estagnação, por conta de uma opção pela gradual privatização da educação profissional, o que causou enormes prejuízos ao processo de desenvolvimento nacional, percebeu-se a importância de uma rede profundamente vinculada às matrizes produtivas locais e regionais, capaz de articular a educação profissional à formação propedêutica na perspectiva de uma formação para a cidadania. Os educandos Os sujeitos educandos por pertencer a uma população com faixa etária adiantada em relação ao nível de ensino demandado acabam constituindo um grupo populacional que tem sido reconhecido como integrante da chamada “distorção série-idade”. De acordo com o Documento Base do PROEJA (2006) a LDBEN de 1996, ao reduzir a idade mínima exigida para a realização dos exames de conclusão do Ensino Fundamental para 15 anos e do Ensino Médio para 18 anos (na legislação anterior era 18 anos para o 1ºgrau e 21 anos para o 2ºgrau), criou na prática alguns problemas para as escolas de EJA e para gestores e professores. Em muitos casos, jovens com tal defasagem idade-série abandonam os cursos regulares tão logo atingem a idade dos exames, substituindo a possibilidade de vivenciar processualmente um curso pela oportunidade de concorrer a um certificado mais rapidamente. Embora a legislação não defina a idade mínima para acesso em cursos de Ensino Fundamental ou de Ensino Médio na modalidade de EJA, há que se exercer papel pedagógico para orientar jovens que venham em busca de substituição de estudos regulares, decorrendo daí, uma vez mais, exclusões para aqueles sempre e historicamente excluídos do direito educacional. Pensar em sujeitos com idade superior ou igual a 18 anos, com trajetória escolar descontínua, que já tenham concluído o Ensino Fundamental é tomar uma referência, certamente, bem próxima da realidade de vida dos sujeitos da EJA. Esses sujeitos são portadores de saberes produzidos no cotidiano e na prática laboral. Formam grupos heterogêneos quanto à faixa etária, conhecimentos e ocupação (trabalhadores, desempregados, atuando na informalidade). Em geral, fazem parte de populações em situação de risco social e/ou são arrimos de família, possuindo pouco tempo para o estudo fora de sala de aula. De acordo com Vygotsky (2001), uma adequada aprendizagem es- 318 proejafinalpmd.pmd 318 18/11/2007, 19:32 colar promove um tipo de desenvolvimento capaz de permitir uma maior capacidade de abstração, como a que se necessita para produzir um pensamento coerente e fundamentado em argumentos sobre determinado contexto ou sobre determinada situação em um contexto mais amplo. Essa capacidade é básica, porém não é inata nem de desenvolvimento espontâneo, isto é, precisa ser constituída na relação pedagógica. A participação efetiva dos alunos na produção de conhecimentos pressupõe o estímulo cotidiano para os muitos possíveis aprendizados, na perspectiva de constante superação, desenvolvendo sua consciência do valor da escolarização e da qualificação profissional. Pensando essa política na esfera do Ensino Médio, é preciso ainda romper, de uma vez por todas, com a visão exclusivamente propedêutica dessa etapa de ensino. Principalmente, com a concepção de ser essa etapa apenas um curso preparatório para os exames vestibulares. Essa concepção é ainda predominante nas instituições de ensino médio. Em suma, há necessidade da ruptura paradigmática dos modelos vigentes no Ensino Médio, fortemente centrados nos conteúdos específicos e nas disciplinas. (Brasil, 2006) Propostas Tradicionais Na década de 80 os alunos eram considerados “pequenos cientistas”; nessa época o ensino era organizado através de uma seqüência de etapas: observação neutra, elaboração de hipóteses, testagem em busca de regularidades e comunicação das “verdades” absolutas. De acordo com Becker (2003) a escola, em geral, e a Universidade, em particular, sofrem de uma inércia histórica no que se refere à transmissão e à produção do conhecimento. A disposição profunda parece ser sempre a de copiar, de reproduzir. Na verdade, nós praticamos e professamos uma pedagogia e uma didática de reprodução, ou da repetição, quando ensinamos. Quando pesquisamos, encontramos dificuldades para superar esse quadro e orientar nossas atividades na direção de um construtivismo científico. Muitas práticas pedagógicas atualmente utilizadas constituem-se em exigências às quais parte dos educandos não tem condições de responder satisfatoriamente, observamos em nosso meio, escolas com padrões pobres de estimulação, métodos rígidos e indiscriminados, chocantes anotações reprovativas de professores diante das dificuldades de alunos. A escola tradicional se caracteriza por ser baseada em “programas” em que os saberes, organizados numa determinada ordem, são estabelecidos por 319 proejafinalpmd.pmd 319 18/11/2007, 19:32 autoridades burocráticas superiores. Os professores são aqueles que sabem o programa e o ensinam. Os alunos são aqueles que não sabem e aprendem. Os professores são ativos, os alunos são passivos. A grande preocupação burocrática e funcional dos professores é “dar o programa”.(Alves, 2005, p.119) Segundo Chassot (1995) o Ensino (Médio) apresenta, entre outras, algumas características: asséptico, abstrato, dogmático, a-histórico e avalia de uma maneira ferreteadora. Características estas muito presentes nos diferentes níveis do Ensino da Química. Há um outro sério complicador nos nossos currículos para o ensino de Química. Ensina-se Química, no Ensino Médio, para prepararmos para o vestibular; ou ainda pior, ciências, no Ensino Fundamental, para preparar os estudantes para o Ensino Médio. Transformação da prática curricular Um dos primeiros passos para transformar a prática curricular corrente, predominantemente disciplinar e fragmentada, em algo que possa contribuir para uma visão mais ampla do conhecimento, que possibilite uma melhor compreensão do mundo físico e para a construção da cidadania é a adequação dos objetivos e dos conteúdos marcados pelo currículo em cada etapa à realidade educativa da escola. Para tal, é preciso previamente entrar em acordo sobre qual é essa realidade educativa. Freire (1996) coloca ao professor e, mais amplamente, à escola, o dever de, não só respeitar os saberes com que os educandos chegam a ela, sobretudo os das classes populares, mas também os saberes socialmente construídos na prática comunitária. Realidade esta que deve levar em conta as diferenças individuais em capacidades e suscetibilidade de auto-expressão, expectativas sociais, culturais e subculturais, as circunstâncias particulares da vida de cada indivíduo e uma série de outros fatores, o que determinará suas necessidades educativas mais imediatas. De acordo com Piaget (2005) todos os educandos (das mais variadas idades, e de nível intelectual médio ou superior à média) apresentam a mesma capacidade de iniciativa e compreensão. Cabe ao educador criar situações e armar dispositivos iniciais capazes de suscitar problemas úteis, e para organizar em seguida, contra-exemplos que levem à reflexão. O que se deseja é que o professor deixe de ser apenas um conferencista e que estimule a pesquisa e o esforço, ao invés de se contentar com a transmissão de soluções já prontas. 320 proejafinalpmd.pmd 320 18/11/2007, 19:32 A grande importância da área de Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias no desenvolvimento intelectual está na qualidade e na quantidade de conceitos, aos quais se busca dar significado nos quatro componentes curriculares: Física, Química, Biologia e Matemática. Cada componente curricular tem sua razão de ser, seu objeto de estudo, seu sistema de conceitos e seus procedimentos metodológicos, associados a atitudes e valores, mas, no conjunto, as áreas correspondem às produções humanas na busca da compreensão da natureza e de sua transformação, do próprio ser humano e de suas ações, mediante a produção de instrumentos culturais de ação alargada na natureza e nas interações sociais (artefatos tecnológicos, tecnologia em geral). Assim como a especificidade de cada uma das disciplinas da área deve ser preservada, também, o diálogo interdisciplinar, transdisciplinar e intercomplementar, devendo ser assegurado no espaço e no tempo escolar por meio da nova organização curricular. (Brasil, 2006) Entretanto os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio advertem que a interdisciplinaridade deve ir além da mera justaposição de disciplinas e, ao mesmo tempo evitar a diluição delas em generalidades. De fato será principalmente na possibilidade de relacionar disciplinas em atividades ou projetos de estudo, pesquisas e ação, que a interdisciplinaridade poderá ser uma prática pedagógica e didática adequada aos objetivos do Ensino Médio. Essa integração entre as disciplinas para compreender, prever e transformar a realidade aproxima-se do que Piaget (2005) chama de estruturas subjacentes. É destacado pelo autor um aspecto importante, a compreensão dessas estruturas subjacentes não dispensa o conhecimento especializado, ao contrário, somente o domínio de uma dada área permite superar o conhecimento meramente descritivo para captar suas conexões com outras áreas do saber na busca de explicações. Concepções e Princípios para uma Nova Proposta Curricular A escolha de outro caminho depende, em primeiro lugar, do Projeto Político Pedagógico elaborado pela escola, considerando a realidade regional e a de seus alunos. O que o ensino da Química deve buscar é assegurar no Ensino Médio que a competência investigativa resgate o espírito questionador, o desejo de conhecer o mundo em que se habita. O currículo deve buscar a integração dos conhecimentos, especial321 proejafinalpmd.pmd 321 18/11/2007, 19:32 mente pelo trabalho interdisciplinar. A interdisciplinaridade só é possível em um ambiente de colaboração entre os professores, o que exige conhecimento, confiança e entrosamento da equipe e, ainda, em tempo disponível para que isso aconteça. Nessa perspectiva, a interdisciplinaridade implica uma mudança de atitude que se expressa quando indivíduo analisa um objeto a partir do conhecimento das diferentes disciplinas, sem perder de vista métodos, objetivos e autonomia próprios de cada uma delas. Os conteúdos escolhidos devem ser relevantes para os alunos jovens e adultos do ponto de vista social, cultural e científico, auxiliando-os a compreender e superar interpretações ingênuas sobre as relações entre a natureza, o ser humano e as tecnologias existentes em seu cotidiano. Para selecionar conteúdos relevantes, social, cultural e cientificamente, o professor de EJA/PROEJA precisa conhecer seus alunos: seu trabalho, suas relações familiares, que tipo de contatos mantêm com a ciência e a tecnologia, quais as suas concepções sobre os fenômenos naturais etc. Questionários respondidos pelos estudantes, debates e apresentações de seminários, que permitam maior contato com o grupo de alunos, favorecem um conhecimento inicial, que deve se aprofundar com as problematizações no decorrer do trabalho. As informações iniciais e a constante observação das características dos alunos tornarão mais fácil para o professor da Educação de Jovens e Adultos definir os conteúdos relevantes para o grupo específico com o qual está trabalhando. Os conteúdos devem favorecer uma visão do mundo como um todo formado por diversos elementos (o ser humano e sua cultura, os outros seres vivos, os componentes do meio físico, as tecnologias), em permanente interação. O aluno adulto deve ser capaz de perceber que o mundo está em constante transformação (tem caráter dinâmico) e que o ser humano é um dos agentes dessa transformação, principalmente pelo uso da tecnologia. Por isso, a abordagem estanque dos conteúdos de cada uma das Ciências Naturais (Biologia, Física, Química etc.), sem estabelecer conexões entre eles, deve ser evitada. Os conteúdos devem ser, não apenas fatos e conceitos, mas também procedimentos, atitudes e valores a serem promovidos de forma compatível com as possibilidades e necessidades de aprendizagem dos alunos e, principalmente, compatíveis com a melhoria da sua qualidade de vida. Ao escolher conteúdos, deve-se ter sempre em mente que a Educação de Jovens e Adultos deve possibilitar ao indivíduo a retomada de seus potenciais, o desenvolvimento de habilidades e a confirmação de competências adquiridas na vida. Portanto, será necessário assegurar que a seleção dos conteúdos e metodologias propicie ao aluno “aprender a aprender”, “aprender a ser”, “aprender a conhecer” e “aprender a conviver” (Brasil,2006). 322 proejafinalpmd.pmd 322 18/11/2007, 19:32 Exemplificando uma proposta Conforme os aspectos apresentados, pode-se exemplificar uma proposta curricular inclusiva, democrática e interdisciplinar onde o currículo está dentro da contextualização da realidade do sujeito, ou seja, a construção curricular que está em desenvolvimento nas primeiras turmas de EJA/PROEJA do Colégio de Aplicação e da Escola Técnica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. A construção da proposta curricular iniciou com base em uma pesquisa realizada para conhecer a realidade do aluno que está retornando a sala de aula, tendo em vista que, a idade mínima exigida para ingressar na turma é de 18 anos (critério estabelecido na Proposta Pedagógica de acordo com interpretações do Documento Base - PROEJA do Ministério da Educação, 2006). Essa pesquisa procurou avaliar o perfil dos alunos com questões que envolviam formação anterior, hábitos de leitura, acesso às novas tecnologias de informação e comunicação, situação profissional, motivo da retomada dos estudos, entre outras. Responderam a essa pesquisa 45 alunos (total de 60 alunos matriculados), sendo que: 21 alunos estão matriculados na modalidade EJA e 24 alunos matriculados na modalidade PROEJA. Entre os alunos do PROEJA 18 alunos cursaram o Ensino Fundamental regularmente e na EJA 10 alunos, totalizando 62% dos educandos, 22% concluíram o Ensino Fundamental na modalidade EJA, 16% concluíram através de Supletivos (não foi especificado qual a forma), nenhum concluiu no Ensino à distância. Considerando a rede de ensino de conclusão do Ensino Fundamental, a pesquisa registrou entre os alunos que 62% concluiu na Rede Pública e 38% na Rede Privada. Os alunos do PROEJA concluíram o ensino Fundamental a mais tempo, 8 alunos concluíram esta etapa entre 6 e 10 anos e 8 alunos entre 2 e 5 anos atrás. Porém, os alunos da EJA estão a mais tempo afastados da escola, 7 alunos não freqüentavam a escola a mais de 10 anos. Quanto ao acesso as novas tecnologias, computadores e navegação no World Wide Web – www - (navegação na internet) apenas 23% dos alunos não tem o hábito de navegar e 56% não tem computador em casa. Após a análise do perfil dos alunos outra atividade semelhante, entretanto mais específica para a área do conhecimento de Ciências da Natureza foi realizada para investigação de conhecimentos prévios, necessidades e interesses por parte desses alunos. O grupo respondeu a duas perguntas específicas: 323 proejafinalpmd.pmd 323 18/11/2007, 19:32 • Qual o objeto de estudo da Química? • Que palavras estão relacionadas ao estudo da Química? Uma Proposta Curricular para o ensino de Química no EJA/ PROEJA consistiria em estabelecer uma relação entre os conteúdos tradicionais e os assuntos de interesse de grande parte dos alunos, demonstrados através do instrumento de pesquisa (adequado a cada realidade escolar). Ciências da natureza A abordagem dos quatro componentes curriculares da área do conhecimento, Ciências da Natureza: Física, Química, Biologia e Matemática, de uma forma interessante, pode acontecer através de Temas de Trabalho, visando à integração entre os mesmos, conforme Figura 1. Figura 1 – Integração entre os componentes curriculares da área Ciências da Natureza. Como conteúdos selecionados para compor a proposta pode-se exemplificar: · Química e Matemática Densidade; solubilidade, Ponto de Fusão e Ponto de Ebulição (P.F. e P.E.) – Plano Cartesiano (interpretação de gráficos)... · Química e Física Matéria, corpo, objeto e energia; Mudanças de estado físico; Fenômenos físicos e químicos; Sistemas Aberto, Fechado e Isolado... · Química e Biologia Classificação periódica dos elementos – Alimentação, Ciclos biológicos, nutrição, elementos traços... Assim cada turma deverá ter sua proposta curricular de acordo 324 proejafinalpmd.pmd 324 18/11/2007, 19:32 com o perfil (especificidades e interesses) dos educandos que compõe o grupo. Pode-se integrar não só os componentes desta área do conhecimento, mas também haver promover a integração com outras áreas do conhecimento. Esta proposta difere bastante da prática de significativa parcela dos professores de ciências, seja no ensino de crianças e adolescentes, seja na educação de jovens e adultos. Até a conclusão do presente artigo, o primeiro semestre ainda não havia terminado, para a retomada e análise crítica da proposta curricular. Considerações Finais O ensino no Brasil vem se mostrando, de modo geral, insatisfatório em resultados. Rápido esquecimento do que se estudou, dos problemas com a indisciplina, com alunos desinteressados e cuja motivação é exclusivamente a promoção são alguns dos sintomas de um ensino cujas falhas vêm sendo diagnosticadas com índices cada vez maiores. É preciso mudar. É preciso que a aprendizagem escolar envolva conteúdos relevantes à vida em sociedade. Os professores que já começaram ou querem começar a transformar sua prática tanto suas aulas, em particular, quanto sua atuação profissional, em sentido amplo não devem inibir-se na experimentação de novos conteúdos, novas técnicas e recursos. Tal processo conferirá a escola dinamicidade e flexibilidade, não permitindo que nem ela nem o currículo tornem-se desestimulantes. Espera-se, portanto, a possibilidade de testar tal proposta, integralmente, que poderá ser realizada por outros educadores. É importante ressaltar que este artigo não tem o objetivo de encerrar as discussões sobre práticas curriculares para o ensino de Química na Educação de Jovens e Adultos, mas pretende apresentar orientações e pontos para debate e discussão desse tema entre os educadores e administradores da escola brasileira. Referências ALVES, Rubem. “Educação dos Sentidos e mais...” Rio de Janeiro:Versus, 2005. BECKER,Fernando. “A Origem do Conhecimento e Aprendizagem Escolar.” Porto Alegre: ARTMED, 2003. 325 proejafinalpmd.pmd 325 18/11/2007, 19:32 BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. _. Ministério da Educação (MEC), Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (Setec). Programa de Integração da Educação Profissional Técnica de Nível Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA, Documento Base. Brasília: MEC/Setec, 2006. _. Ministério da Educação (MEC), Secretaria de Educação Básica. Ensino Médio Integrado à Educação Profissional: Integrar para quê? Brasília: MEC, 2006. CHASSOT, AtticoPara que(m) é útil nosso ensino de Química. Canoas: Editora da ULBRA, 1995. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à Prática Educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. PIAGET, Jean. Para onde vai a educação? Rio de Janeiro: José Olympio, 2005. VYGOTSKY, Lev S. A construção do pensamento e da linguagem. 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Tendo como desafio político, inserir milhões de desescolarizados do país e, como desafio pedagógico, construir os currículos dos cursos de maneira integrada, valorizando os conhecimentos e as experiências de vida dos(as) estudantes. Busca-se com a produção deste texto, trazer subsídios para uma reflexão sobre o ensino da Física nessa modalidade de ensino. Não pretendemos oferecer prescrições nem tampouco esgotar os desafios e as possibilidades envolvidas na temática em pauta. O propósito é outro: estimular professores(as) a refletirem sobre suas práticas de modo que busquem outras possibilidade metodológicas. 1 Licenciado em Física pela Universidade Federal de Pelotas Profa de Matemática do PROEJA e EMA do CEFET/RS, Mestre em educação AmbientalFURG- Rio Grande, orientadora do Trabalho de Conclusão de Curso do autor do presente artigo. 2 327 proejafinalpmd.pmd 327 18/11/2007, 19:32 O PROEJA: como possibilidade Em 2005, o decreto n° 5.478 de 24 de junho revelou a decisão do governo de atender à demanda de jovens e adultos, excluídos do ensino regular, ofertando a educação profissional de nível médio articulada ao ensino médio. É instituído o Programa de Integração da Educação Profissional Técnica de Nível Médio ao Ensino Médio na Modalidade educação de Jovens e Adultos (PROEJA) tendo como base a Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica uma vez que, mesmo anteriormente ao decreto, algumas instituições federais já desenvolviam algumas experiências com a EJA. O Programa visa à universalização da educação básica aliada à formação para o mundo do trabalho. Pensar na sua consolidação enquanto política pública nos remete a condição humanizadora da educação que não se restringe a tempos ou idades próprias, mas se faz ao longo da vida. [...] Não nascemos humanos, nos fazemos. Aprendemos a ser. Todos passamos por longos processos de aprendizagem humana. Se preferirmos, toda criança nasce humana, mais isso não basta: temos que aprender a sêlo. (ARROYO, 2000, p. 53) Diante das limitações do Estado brasileiro no que se refere à garantia do direito de todos(as) à educação pública, gratuita e de qualidade, é fundamental que esta política seja levada aos jovens e adultos que foram excluídos do sistema educacional ou que a ele não tiveram acesso anteriormente. Segundo o Documento Base do PROEJA (p.27), o Programa prevê “o enriquecimento cultural, social, histórico dos alunos(as) e a oferta de uma nova maneira de ler o mundo, em uma perspectiva freireana, estando no mundo e o compreendendo de forma diferente da anterior do processo formativo”, ressalta ainda que, os sujeitos desse processo terão todas possibilidades de alcançarem seus objetivos porém, sem a garantia de melhoria material de suas vidas. Como podemos observar, o Programa é mais uma tentativa de resgate e inserção de milhões de jovens e adultos que compõe o quadro de desescolarizados no País. Obviamente qualquer iniciativa nesse sentido é um desafio, porém pensamos que o PROEJA é um desafio muito além de político, é um desafio essencialmente pedagógico. O que temos então é uma integração epistemológica de conteúdos e práticas educativas, integração entre o saber e o saber-fazer, pois, o termo integrar tem 328 proejafinalpmd.pmd 328 18/11/2007, 19:32 ...seu sentido de completude, de compreensão das partes no seu todo ou da unidade no diverso, de tratar a educação como uma totalidade social, isto é, nas múltiplas mediações históricas que concretizam os processos educativos [...]. Significa que buscamos enfocar o trabalho como principio educativo, no sentido de superar a dicotomia trabalho manual/trabalho intelectual, de incorporar a dimensão intelectual ao trabalho produtivo, de formar trabalhadores capazes de atuar como dirigentes e cidadãos. (CIAVATTA, in BRASIL, 2005, p.31). Portanto, devemos pensar o novo modelo integrado de ensino com a consciência de que na sociedade atual não há mais lugar para uma educação positivista, pois para dar conta das mudanças no mundo do trabalho, emerge cada vez mais a necessidade de desenvolver nos(as) alunos(as) a capacidade de aprender e de apreender o conhecimento. Mais importante do que desenvolver habilidades sobre um processo de produção, uma seção na linha de montagem, uma máquina ou uma operação é a capacidade de ler um manual, de se comunicar com os parceiros de trabalho, de ter iniciativa, de criar processos produtivos inéditos e reconstruir o conhecimento já dado. Portanto, o que mais se demanda de um profissional do futuro é a capacidade de “aprender a aprender fazer”. Contudo na construção do currículo dos cursos desse Programa, um passo a mais deve ser dado: o aproveitamento das experiências dos(as) estudantes, sendo assim, o conhecimento que eles(as) trazem de seu dia-a-dia deve ser considerado na construção do currículo. Portanto, para que tenhamos sua consolidação enquanto política pública, nós, trabalhadores(as) em educação, temos o desafio de construir um curso verdadeiramente integrado que privilegie os saberes da formação humana e, ao mesmo tempo, a formação técnica e que valorize os saberes que os(as) estudantes trarão de suas mais diversas experiências. A escola, o conhecimento e a EJA: forças que convergem Nas duas últimas décadas, a sociedade tem se deparado com grandes avanços da ciência e tecnologia. Com o mundo da informação cada vez mais rápida e da busca de uma economia crescente, surgiu a globalização competitiva, onde a acumulação de capital provocou mudanças nas concepções de valores sociais e éticos. E é a partir dessas mudanças que devemos pensar como a escola trata a construção do conhecimento. 329 proejafinalpmd.pmd 329 18/11/2007, 19:32 É função da escola como instituição educativa, educar para a vida, para cidadania e, assim sendo, saber que educar não é “transferir conhecimento”, mas possibilitar condições para que os(as) educandos(as) construam múltiplos saberes e valores éticos. Os conceitos trabalhados pelo professor(a)-educador(a) serão reelaborados pelo aluno(a) para se constituir um novo conhecimento. Acreditamos que o conhecimento é produzido quando o sujeito, a partir de sua história, atuar sobre o que percebe. Demo (2002), nos diz que o conhecimento na perspectiva libertadora deve estar articulado a uma compreensão crítica da realidade. Logo, o conhecimento consiste numa representação mental de relações coletivas. No contexto da modalidade da Educação de Jovens e Adultos, tendo em vista a riqueza de experiências vivenciadas pelos(as) estudantes, tanto no seu cotidiano, como no mundo do trabalho, não devem ser desprezadas uma vez que podem contribuir no desenvolvimento das atividades de sala de aula, sendo ponto de partida para a construção de novos saberes já sistematizados e aceitos cientificamente. Com isso, acreditamos que a ação metodológica deve partir da contextualização de problemas, de forma que os conhecimentos estejam carregados de significados e de praticidade e que correspondam às necessidades cotidianas dos cidadãos(ãs) que conseguiram voltar à escola em busca de melhor qualidade de vida. Segundo Gauer (2001), não podemos ignorar a realidade do(a) educando(a). No entanto, pode-se partir do estágio atual de desenvolvimento da cultura regional, ou seja, das experiências e concepções preliminares, sem negá-las, favorecendo, assim a reelaboração do seu arcabouço conceitual, relacionando-as com o conhecimento historicamente produzido. Não precisamos criar tópicos novos, mas sim repensá-los, reinventálos no cotidiano da sala de aula, entendendo que aprender é um processo complexo, onde o(a) estudante deve ser o sujeito ativo na construção do conhecimento, a partir da sua ação sobre a realidade. Num mundo de incertezas, não tem mais sentido tratarmos o conhecimento como algo constituído de verdades estáticas, mas sim de um processo dinâmico, que acompanha a vida e não se constitui em mera cópia do exterior. Emerge das diferentes interações na sociedade. Além disso, Gauer (2001), resgatando o pensamento de Giroux (1997), nos aponta para a necessidade de conscientização crítica dos(as) professores(as) a respeito dos conteúdos a serem abordados, desenvolvendo uma resistência à tendência a-histórica e fragmentaria. Sinaliza 330 proejafinalpmd.pmd 330 18/11/2007, 19:32 também para a necessidade da conscientização e reformulação conceitual, propondo a formação de um novo arcabouço teórico conceitual do conhecimento que possa auxiliar o(a) professor(a) no sentido de formular uma nova visão de mundo. O que queremos é buscar meios que apontem no sentido de uma educação científica voltada à formação integral e humana do indivíduo, rompendo as barreiras necessárias para que possamos almejar um outro mundo possível. Acreditamos não ser possível um processo de ensino-aprendizagem sem que as partes se encontrem, não se conheçam e não se percebam em formação mútua. Assim pensamos ser imprescindível, como ponto de partida, considerar o mundo dos(as) alunos(as), seus objetivos e necessidades para desenvolver um processo pedagógico para uma modalidade de ensino tão específica como a EJA. A sala de aula conectada à Física da vida Os Parâmetros Curriculares Nacionais para o ensino médio (PCNEMs), Área das Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias, destacam a importância de trabalhar os conceitos da Física através de conexões com a cultura e a vida dos(as) estudantes, passando a ser um instrumento tecnológico que crie possibilidades de formação de cidadania. Segundo o documento, espera-se que o ensino de Física na escola média permita ao indivíduo a interpretação dos fatos, fenômenos e processos naturais, situando e dimensionando a interação do ser humano com a natureza. (p. 22) Porém, nos dias de hoje, os conteúdos de Física desenvolvidos em grande parte das escolas, provocam nos(as) estudantes, ao invés de interesse, um grande temor. Aqui apresentaremos algumas percepções desse fenômeno, bem como algumas possibilidades de contribuir para um novo ensino de Física. Acreditamos que a fragmentação em tópicos dos conteúdos de Física é uma das causas desse problema. Além disso, a maneira como se trabalha a Física, carregada de fórmulas e equações, prioriza a resolução sistemática e repetitiva de exercícios em detrimento a compreensão e leitura conceitual de seus resultados impedindo, assim, sua visão dinâmica e interativa. Com isso, acaba privilegiando, a teoria e a abstração em vez do desenvolvimento gradual da abstração a partir da prática e de exemplos concretos e significativos, pois, 331 proejafinalpmd.pmd 331 18/11/2007, 19:32 O ensino de física tem-se realizado com freqüência mediante a apresentação de conceitos, leis e fórmulas, de forma desarticulada, distanciados do mundo vivido pelos alunos e alunas e professores e professoras e não só, mas também por isso, vazios de significado. BRASIL (1999, p. 48) Conforme Gauer (2001), quando cita a fala do Dr. Silvio Ancizar Sánches Gamboa, “os saberes oferecidos nas apostilas e livros didáticos são limitados e empobrecidos pelos formalismos e reducionismos de um receituário que inibe a criatividade e o olhar crítico sobe o cotidiano”. Para Arroyo (2000), este pensamento reflete a imagem da escola fechada, segmentada, a escola que se preocupa em ensinar somente os conteúdos formais, a escola que segundo ele ensina, mas se esquece de educar. Essa mesma idéia encontramos em Gauer (2001), Está em jogo a falácia de uma educação que propõe a formação do cidadão do futuro, mas devido as condições materiais, sociais, culturais e políticas, a prática encontra-se limitada a uma transmissão de saberes inoperantes e inibidores da formação de um espírito científico produtora de conhecimentos competentes à transformação da realidade. (p.07) Muitas vezes, reféns de livros didáticos ultrapassados e fora do contexto histórico-cultural regional, muitos professores(as) de Física desenvolvem seus conteúdos da mesma forma que desenvolviam a décadas atrás, desconsiderando assim, as mudanças na sociedade contemporânea, bem como as mudanças na maneira de pensar dos(as) estudantes e “menosprezando” o desejo dos(as) alunos(as) em querer entender também o seu mundo. Estamos no início do século XXI, mas em termos de ensino, longe do início do século XX. Para citar um exemplo desse contra-senso, em 1905, Einstein propunha o Princípio de Relatividade Geral, tópico raramente desenvolvido no ensino médio nos dias de hoje. Assim, o que temos é a constatação da Física em uma disciplina chata, desmotivante e difícil, afinal como pode ser gostoso algo que não faz sentido ou que é distante de sua realidade? Em contrapartida, emergem novas possibilidades para mudar esse quadro, tanto em nível internacional, com o planejamento pela International Commission on Physics Education de uma série de conferências internacionais com essa finalidade, como em nível nacional, a partir de trabalhos científicos nessa área e de grupos de pesquisa que têm como objetivo trazer a Física contemporânea para o ensino médio. No Brasil, um ícone desses esforços é o Grupo de Reelaboração 332 proejafinalpmd.pmd 332 18/11/2007, 19:32 do Ensino de Física (GREF)3. Para o cientista e educador Luis Carlos Menezes, o GREF pressupõe a participação ativa de professores(as) e alunos(as) no processo de ensino-aprendizagem, evitando a apatia em relação à ciência, comum nos métodos tradicionais de ensino. Iniciativas como essas talvez possibilitem a construção de um novo ensino de Física, mais prazeroso, contextualizado e significante aos educandos(as). A Física na EJA/PROEJA: o contexto como fio condutor Tendo em vista a vivência dos(as) estudantes com as diversas experiências que trazem consigo, ao desejar um ensino que faça sentido aos mesmos(as), ressaltamos a necessidade de trabalhar com os conteúdos de forma contextualizada, permitindo desencadear uma prática pedagógica que leve o(a) aluno(a) a pensar, a analisar os dados da realidade e a fazer relações para resolver questões oriundas de seu cotidiano. Machado (2000) nos diz que, ...contextuar é uma estratégia fundamental para a construção de significações. [...] a contextuação enriquece os canais de comunicação entre a bagagem cultural, quase sempre essencialmente tácita, e as formas explícitas ou explicitáveis de manifestação do conhecimento. (p. 20) Nessa perspectiva, acreditamos que os conteúdos de Física a serem trabalhados nos cursos de EJA e de PROEJA não devam estar pré-determinados e/ou elencados anteriormente, mas sim pensados, repensados e atualizados para cada realidade num determinado contexto histórico. Contudo, queremos salientar a necessidade de uma metodologia diferenciada para essa modalidade que potencialize a experiência de vida trazida pelos(as) estudantes uma vez que a Física está presente no diaa-dia de todos(as) e, portanto não pode ser ensinada como um dogma inquestionável. Sendo assim, um ensino de Física que não ensine a pensar, a refletir, a criticar, que substitua a busca de explicações convincen3 Grupo de professores da rede estadual de ensino de São Paulo coordenado por docentes do Instituto de Física da USP. O objetivo do grupo é elaborar uma proposta de ensino de Física para o ensino médio que esteja vinculada à experiência cotidiana dos alunos, procurando apresentar a eles a Física como um instrumento de melhor compreensão e atuação na realidade. 333 proejafinalpmd.pmd 333 18/11/2007, 19:32 tes pela fé na palavra do mestre, não possibilita a construção do conhecimento. “É antes de tudo um ensino de obediência cega, incorporado numa cultura repressiva” (MEDEIROS, 2000). Desta forma, partindo das vivências trazidas pelos(as) educandos(as) poderemos ir sistematizando os conceitos trabalhados. Esse pensamento é reforçado por Vieira (2004), quando nos diz, O professor não pode se esquecer de que, para haver um ensino efetivo, não se pode ignorar a bagagem cultural do aluno e todo o conjunto de noções espontâneas que ele carrega ao se deparar com o ensino formal na escola. Deve-se cuidar da “Física espontânea” dos alunos, para não se correr o risco de uma ficar superposta à outra. Ao procedermos dessa forma, os(as) alunos(as) sentem-se mais criadores e não meros repetidores da idéia do(a) professor(a). Freire (1996) já dizia que ensinar exige respeito aos saberes do(a) educando(a). As proposições de Vygotsky a respeito desse processo de formação de conceitos possibilitam verificar a relação existente entre o pensamento e a linguagem, pelos quais ocorre a internalização do conhecimento, e as relações estabelecidas entre os conhecimentos cotidianos e os científicos. Para ele, A formação de conceitos é o resultado de uma atividade complexa [...] o processo não pode ser reduzido à associação, à atenção, à formação de imagens, à interferência ou as tendências determinantes. Todas são indispensáveis, porém insuficientes sem o uso do signo, ou palavra, como o meio pelo qual conduzimos as nossas operações mentais, controlamos o seu curso e as canalizamos em direção à solução do problema que enfrentamos. (VYGOTSKY, 1999, p. 72). Pode-se, assim, utilizando-se dos conhecimentos do(a) adulto(a), estabelecer situações onde a experimentação em Física mostre que a ciência está presente em seu dia-a-dia. Nesse processo, durante a formalização dos conceitos, salienta-se que o conhecimento empírico e o saber científico, embora pareçam antagônicos, não o são; apenas pertencem a diferentes níveis de desenvolvimento da pessoa. Para Vygotsky (1999), esses dois conceitos se relacionam e se conectam constantemente. Cabe assim, ao(a) professor(a), ter a sensibilidade de provocar e promover, a partir das experiências que os(as) alunos(as) trazem, novos conhecimentos e outras formas de ver o mundo, a partir dos conhecimentos sistematizados pela Ciência. 334 proejafinalpmd.pmd 334 18/11/2007, 19:32 Tecendo caminhos O presente artigo teve como eixo norteador o ensino de Física nas classes de EJA/PROEJA. Com este trabalho, pudemos perceber que a EJA necessita ser tratada de forma diferente do ensino regular, pois atende uma parcela da população que busca, na educação, uma forma de suprir suas deficiências. Logo, é fundamental que políticas públicas sejam consolidadas, como é o caso do PROEJA, para isso, o governo necessita investir não só em recursos materiais, mas, também, na formação de professores(as). Os(as) alunos(as) dessa modalidade são, em grande parte, trabalhadores e trabalhadoras que não dispõem de muito tempo, com isso, é muito fácil para esse público abandonar os estudos, caso a escola não ofereça condições apropriadas. Assim, aproveitar o tempo na sala de aula passa a ser fundamental, buscando metodologias que atendam as necessidades desse público. Os educadores devem ser incentivados a investir em estudos e pesquisas, para que possam enfrentar os desafios dessa modalidade de ensino, assegurando a permanência desses estudantes e evitando a evasão, tão comum nas classes de EJA ou PROEJA. Para oportunizar um trabalho em sala de aula, especificamente, acreditamos na importância da contextualização dos conteúdos, pois através da problematização e construção de conhecimentos, numa prática contestadora e crítica, buscaremos um ensino de Física significativo e centrado nas necessidades dos(as) educandos(as), privilegiando seus conhecimentos e experiências de vida. Por fim, acreditamos no comprometimento dos trabalhadores(as) em educação que buscam práticas pedagógicas que atendam aos interesses desses(as) alunos(as) para que possam realizar a travessia necessária para um mundo mais humano e mais bonito, como nos dizia Freire, com um novo traçado, com uma nova paisagem. Referências ARROYO, Miguel G. Oficio de Mestre: imagens e auto imagens. Petrópolis, RJ, 2000. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino médio: ciências da natureza, matemática e suas tecnologias, 1999. 335 proejafinalpmd.pmd 335 18/11/2007, 19:32 BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica. Programa de Integração da educação Profissional Técnica de Nível Médio ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – Documento Base, 2005. BRASIL. Decreto n° 5854, de 13 de julho de 2006. Institui, no âmbito federal, o Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação básica na Modalidade de educação de Jovens e Adultos – PROEJA, e dá outras providências. Brasília, DF: 13 de julho de 2006. DEMO, Pedro. Política Social do conhecimento: sobre futuros do combate à pobreza. SP: Vozes, 2002. FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia. Rio de Janeiro:Paz e Terra,1996. 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São Paulo: Martins Fontes, 1999. 336 proejafinalpmd.pmd 336 18/11/2007, 19:32 Pensando a Informática Educativa no PROEJA Nelza Jaqueline Siqueira Franco1 Tania Beatriz Iwaszko Marques 2 Introdução Este ensaio pretende apresentar reflexões sobre a utilização da Informática Educativa no Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA – levando em consideração a possibilidade de articulação da minha experiência como professora de Informática Educativa no Ensino Fundamental com os saberes adquiridos durante o curso de Especialização PROEJA realizado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Como utilizar a Informática Educativa no PROEJA? Como uma disciplina à parte ou como ferramenta para auxiliar no processo de ensino-aprendizagem dos alunos nos diferentes cursos/ênfases que o programa apresenta? O objetivo deste trabalho é contribuir para que se leve em conta a Informática Educativa como auxiliar na aprendizagem dos alunos do PROEJA, bem como constituir uma proposta curricular de ensino e de aprendizagem, utilizando os diversos recursos computacionais e das redes de computadores na educação tais como editores de texto, planilhas, 1 Licenciada em Computação e Professora de Séries Iniciais da Escola Municipal Afonso Guerreiro Lima (Porto Alegre/RS), Especialista em Educação Profissional Média Integrada ao Ensino Médio na Modalidade Educação de Jovens e Adultos turma Porto Alegre. 2 Professora da Faculdade de Educação / UFRGS, Dra. Em Educação, orientadora do Trabalho de Conclusão de Curso da autora que resultou no presente artigo. 337 proejafinalpmd.pmd 337 18/11/2007, 19:32 editores de página de internet, editores de apresentação, ferramentas de comunicação entre outros, com os alunos que cursarão o PROEJA. Este artigo justifica-se pela ausência de trabalhos de Informática Educativa no campo da EJA e foi pensado a partir das discussões provocadas no Curso de Especialização Proeja. Ele apóia-se em reflexões, percepções, compreensões de minha prática enquanto educadora, decorrente de experiências nesta área desde 1999. Naquele ano, atuei na condição de estagiária de informática educativa nos ambientes informatizados da Escola Municipal de Ensino Fundamental Lauro Rodrigues e da Escola Municipal de Ensino Fundamental Afonso Guerreiro Lima, ambas de Porto Alegre. Essa experiência despertou meu interesse em aprofundar os conhecimentos na área da Educação e da Informática. Sou Licenciada em Computação, pelo Centro Universitário Feevale, além de professora com habilitação nas séries iniciais do ensino fundamental. Dos sete anos de efetivo exercício do magistério, quatro anos e meio foram com atuação nos laboratórios de informática das escolas, atendendo todas as turmas da escola ou daquele turno (em escolas maiores), planejando e executando as atividades, além do suporte pedagógico e informático ao professor titular da turma. Dois anos e meio de minha prática profissional docente foram dentro da sala de aula, como professora titular/referência de turma da Rede Municipal de Ensino Fundamental de Porto Alegre, onde atuei/atuo com segunda e terceira séries e terceiro e primeiro ano do I Ciclo, além da Totalidade 1 (alfabetização na EJA). Breve histórico da informática educativa no Brasil A introdução da informática na educação no Brasil teve início há mais de trinta anos. As primeiras iniciativas se deram nos anos 70: em 1971 pela primeira vez se discutiu o uso de computadores no ensino de Física na USP/São Carlos. Em 1973, algumas experiências começaram a ser desenvolvidas, usando computadores de grande porte como recurso auxiliar do professor para ensino e avaliação em Química (Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ) e desenvolvimento de software educativo na Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Nesta mesma década iniciaram-se as experiências do Laboratório de Estudos Cognitivos do Instituto de Psicologia - LEC, da UFRGS, apoiadas nas teorias de Piaget e Papert, com público-alvo de crianças com dificuldades de aprendizagem de leitura, escrita e cálculo. Nos anos 80 destaca-se na história da informática educativa brasileira o projeto EDUCOM e o PRONINFE. O primeiro constituiu-se numa 338 proejafinalpmd.pmd 338 18/11/2007, 19:32 iniciativa conjunta do MEC, Conselho Nacional de Pesquisas - CNPq, Financiadora de Estudos e Projetos - FINEP e Secretaria Especial de Informática da Presidência da República - SEI/PR, voltada para a criação de núcleos interdisciplinares de pesquisa e formação. Foi o marco principal do processo de geração de base científica e formulação da política nacional de informática educativa. O segundo, Programa Nacional de Informática na Educação - PRONINFE, com duração de 1985 a 1995 tinha como objetivo “desenvolver a informática educativa no Brasil, através de atividades e projetos articulados e convergentes, apoiados em fundamentação pedagógica, sólida e atualizada, de modo a assegurar a unidade política, técnica e científica imprescindível ao êxito dos esforços e investimentos envolvidos”3. A partir de 1997 contamos com o PROINFO – Programa Nacional de Informática na Educação – criado para promover o uso da Telemática como ferramenta de enriquecimento pedagógico no ensino público fundamental e médio. O Programa é desenvolvido pela Secretaria (Nacional) de Educação à Distância - SEED, por meio do Departamento de Infra-Estrutura Tecnológica - DITEC, em parceria com as Secretarias Estaduais e algumas Municipais de Educação. Neste ano de 2007, destaca-se o Projeto UCA (Um Computador por Aluno), promovido pelo Governo Federal que visa à distribuição a cada estudante da Rede Pública do Ensino Básico Brasileiro um laptop voltado à educação. O programa tem a intenção de inovar os sistemas de ensino para melhorar a qualidade da educação no país contribuindo para preparar desde pequenos os alunos para serem agentes criativos. Acredita-se que o laptop seja uma ferramenta fundamental, já que auxilia o aprendiz na criação e compartilhamento do conhecimento, através da interação na rede tecnológica. A constante troca de experiências e informações entre os próprios alunos e entre as crianças e suas comunidades poderá aproximar Escola e Comunidade, motivando os alunos a produzir conhecimento. O ponto alto é o fato dos alunos levarem os equipamentos para casa, nos moldes do Programa Nacional do Livro Didático excetuando-se o aspecto da devolução do mesmo ao final do ano. UCA é a tradução do projeto do Instituto de Tecnologia de Massachussets (MIT), nos Estados Unidos, “One Laptop per Child” (OLPC) e os equipamentos utilizados no projeto (laptops XO) não têm fim comercial. Eles foram feitos especialmente para fins educacionais, têm um custo de cem dólares cada, utilizam software livre, possuem um 3 História da Informática Educativa no Brasil – extraído do site do MEC/SEED/PROINFO, autor não indicado. 339 proejafinalpmd.pmd 339 18/11/2007, 19:32 visual atrativo para o público infantil, além de seus teclados serem revestidos com borracha e o material de fabricação ser resistente a eventuais quedas. Possui canetas especiais com as quais será possível desenhar na tela e suas antenas de acesso a internet possibilitarão que no local onde o laptop esteja funcione como um transmissor/receptor de internet, proporcionando que as comunidades pobres estejam interconectadas e tornem-se comunidades virtuais. No Rio Grande do Sul, o Laboratório de Estudos Cognitivos (LEC) da Universidade Federal foi convidado a participar, coordenando a experiência do projeto-piloto de construção de modelos pedagógicos que utilizem os Laptos XO e a Escola Estadual de Ensino Fundamental Luciana de Abreu de Porto Alegre foi selecionada para a primeira experiência. Todos os/as alunos/as e professores/as receberão os equipamentos para levarem consigo, além do acompanhamento dos bolsistas do LEC. Como vimos, a relação entre nossa educação e os recursos da informática não é nova (embora ainda muitas escolas não contem com eles). Mas, de que forma as Novas Tecnologias de Informação e Comunicação (NTIC’s) são utilizadas atualmente? Quais as possibilidades da utilização da informática na educação? E o que é preciso para que essa utilização seja efetiva, que contribua para a construção do conhecimento do/a aluno/a, mais especificamente do/a aluno/a do PROEJA e não que as mesmas estejam presentes por puro modismo? A tecnologia informática no ambiente escolar Segundo o professor Luciano Meira, da UFPE, em entrevista ao jornal Diário de Pernambuco no ano de 2003, a maioria das escolas brasileiras decidiu montar laboratórios de informática ao contrário das norte-americanas, por exemplo, que colocaram os computadores nas salas de aula. Essa foi uma opção encontrada em função dos custos já que a nossa realidade é investir pouco em educação, diferente dos Estados Unidos. Portanto, seria muito caro equipar cada sala de aula com computadores. A forma de utilização da tecnologia no ambiente escolar vem ocorrendo de forma e concepções variadas, desde a simples digitação de uma redação manuscrita, ao uso de softwares prontos, como também através de projetos educacionais com um enfoque interdisciplinar. Ferreira ressalta que “na informática educacional deve existir uma dinâmica de complementação entre o laboratório de informática e a sala de aula. Atividades desenvolvidas em sala de aula podem ser complementadas 340 proejafinalpmd.pmd 340 18/11/2007, 19:32 no laboratório e vice-versa”. Lopes (s.d) comenta que o principal objetivo está na utilização do computador como instrumento de apoio às matérias e aos conteúdos lecionados, além da função de preparar os alunos para uma sociedade informatizada. Meira afirma: “Ao optar pelos laboratórios, o micro não tem uma participação efetiva na aula, como o giz. Ele passa a fazer parte de atividades extracurriculares”. O ideal é o computador inserido na proposta educacional, onde professores/as orientam e juntamente com alunos/as criam atividades a partir dos recursos que ele nos fornece. A aprendizagem utilizando os recursos tecnológicos, seguindo os critérios de Jonassen (1996, apud Lopes, s.d), pode ser realizada das seguintes formas: Aprender a partir da tecnologia (learning from), a tecnologia apresenta o conhecimento e o papel do aluno é receber esse conhecimento, como se ele fosse apresentado pelo próprio professor; Aprender acerca da tecnologia (learning about), a própria tecnologia é objeto de aprendizagem; Aprender através da tecnologia (learning by), o aluno aprende ensinando o computador (programando o computador através de linguagens como BASIC ou o LOGO); Aprender com a tecnologia (learning with), o aluno aprende usando as tecnologias como ferramentas que o apóiam no processo de reflexão e de construção do conhecimento (ferramentas cognitivas). Nesse caso a questão determinante não é a tecnologia em si mesma, mas a forma de encarar essa mesma tecnologia, usando-a, sobretudo, como estratégia cognitiva de aprendizagem. O professor deve ter definido como utilizará as tecnologias em sua aula. Conforme Almeida (2000, p.137) a utilização do computador dentro de uma abordagem construcionista necessita que o professor integre a informática e a educação na prática pedagógica, estando preparado para ensinar os recursos computacionais, que tenha conhecimento dos fundamentos educacionais subjacentes aos diferentes usos do computador, reconheça os fatores afetivos, sociais e cognitivos implícitos nos processos de aprendizagem e identifique o nível de desenvolvimento do aluno, para poder interferir adequadamente no processo de aprendizagem. É certo que grande parte das escolas brasileiras não conta com os recursos de informática disponíveis para o uso pedagógico e se observa que, das escolas que estão equipadas, muitas não utilizam efetivamente essas tecnologias na sua prática cotidianamente para a promoção da aprendizagem e construção de conhecimentos. Isso decorre por alguns fatores dentre os quais: falta de profissionais capacitados para coordenar o ambiente informatizado; uso da tecnologia como transposição do que ocorre na sala de aula tradicional para o uso dos meios eletrônicos. E há ainda aque- 341 proejafinalpmd.pmd 341 18/11/2007, 19:32 las onde o espaço informatizado é uma hora a mais de recreio para os alunos “jogarem joguinhos” (e o professor descansar e tomar o seu cafezinho), sendo os joguinhos totalmente descontextualizados com o que os alunos estão aprendendo. “É pra eles brincarem um pouquinho...” (fala de uma professora a qual uma vez deparei-me numa escola em que trabalhava). O computador é um recurso caro, utilizá-lo da forma exposta acima é menosprezar o que se pode fazer com ele na educação. É importante ressaltar que simplesmente equipar a escola com os recursos de informática além de conectá-la a rede mundial de computadores não significa melhora no processo educativo. É claro que a informática de início vai ser um elemento motivador, mas se não tivermos definidos os objetivos que queremos e a forma de utilizá-la, logo tudo vai se esvaziar e os alunos se cansarão. Na educação profissional, a utilização das Novas Tecnologias não deve ser diferente, haja vista como nos lembra Lévy (2000, p.153) que “pela primeira vez na história da humanidade, a maioria das competências adquiridas por uma pessoa no início de seu percurso profissional estarão obsoletas no fim de sua carreira.”. Ele ainda lembra da nova natureza do trabalho, onde a troca de conhecimentos não pára de crescer, trabalhar quer dizer, cada vez mais, aprender, transmitir saberes e produzir conhecimentos. Daí que como vamos dar conta de toda a gama de conhecimentos produzidos, ou melhor, precisamos dar conta de tudo ou importa acessar o que se faz necessário e interessante? O velho esquema segundo o qual aprende-se uma profissão na juventude para exercê-la durante o restante da vida encontra-se ultrapassado. Os indivíduos são levados a mudar de profissão várias vezes em suas carreiras, e a própria noção de profissão torna-se cada vez mais problemática. Seria melhor raciocinar em termos de competências variadas das quais cada um possui uma coleção particular. As pessoas têm o encargo de manter e enriquecer sua coleção de competências durante suas vidas. Essa abordagem coloca em questão a divisão clássica entre período de aprendizagem e período de trabalho (já que se aprende o tempo todo), assim como a profissão como modo principal de identificação econômica e social das pessoas. (LÉVY, 2000 p.173) A comunicação através das redes de computadores, denominado ciberespaço, suporta tecnologias intelectuais que amplificam, exteriorizam e modificam numerosas funções cognitivas humanas: memória (através de banco de dados, hiperdocumentos, arquivos digitais de todos os tipos), imaginação (simulações), percepção (sensores digitais, telepresença, realidade virtual), raciocínios (inteligência artificial, modelização de fenôme- 342 proejafinalpmd.pmd 342 18/11/2007, 19:32 nos completos). O/a aluno/a da EJA deve, assim como os demais estudantes, apropriar-se destas tecnologias e saber locomover-se no ciberespaço a fim de que desfrute dos saberes gerais e específicos da sua área. Organizar-se em comunidades virtuais de aprendizagem, comunidades estas que estão presentes no ciberespaço, onde as categorias de tempo e espaço estão redimensionadas. Funcionam como uma enciclopédia viva, onde é possível aprender colaborativamente, trabalhar cooperativamente, eliminando a barreira da distância e do tempo. Segundo Ferreira e Bianchetti (2005), Rheingold foi pioneiro em organizar comunidades virtuais, a primeira comunidade dele denominava-se WELL em 1985 e nela integrantes mantinham relações intelectuais, sociais e afetivas. As particularidades técnicas do ciberespaço permitem que os membros de um grupo humano (que podem ser tantos quantos se quiser) se coordenem, cooperem, alimentem e consultem uma memória comum, e isto quase em tempo real, apesar da distribuição geográfica e da diferença de horários. O que nos conduz diretamente à virtualização das organizações que, com a ajuda de ferramentas da cibercultura4, tornam-se cada vez menos dependentes de lugares determinados, de horários de trabalho fixos e de planejamentos em longo prazo. Da mesma forma, ao continuar no ciberespaço, as transações econômicas e financeiras acentuam ainda mais o caráter virtual que possuem desde a invenção da moeda e dos bancos (LÉVY, 2000, p.49). As comunidades virtuais de aprendizagem caracterizam-se pelo conhecimento ser coletivamente construído através delas, os saberes são adquiridos através da construção social, alunos/as pedindo ajuda a alguém e não somente aos professores, evidenciando a descaracterização do professor como única fonte de saber. A este cabe assumir o papel de companheiro, liderança, com a capacidade de mobilizar a comunidade de aprendizes em torno de sua própria aprendizagem, fomentar o debate, manter o clima para ajuda mútua, incentivar cada um a se tornar responsável pela motivação do grupo e claro orientar e direcionar quando necessário. Num novo contexto, que é dinâmico, nós, aprendizes, somos colocados como agentes de um processo, porque não basta entrar na comunidade e assistir. Se, num clássico contexto educacional, trabalhávamos somente como espectadores de uma temática, nas comunidades virtuais de aprendizagem temos que participar, senão não seremos membros dela. Se não interagirmos é como se não existíssemos. 4 Lemos (2002) movimento sócio-cultural que surge da relação entre a sociedade, a cultura e tecnologias digitais 343 proejafinalpmd.pmd 343 18/11/2007, 19:32 Um Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) nos proporciona formas de organização dos saberes acumulados e os construídos através das Comunidades Virtuais de Aprendizagem (CVAs) de uma forma mais interativa devido aos recursos de armazenamento e rápido acesso oriundo dos sistemas de computação. Sobre a interatividade, Lévy afirma que esta pressupõe participação ativa do beneficiário de uma informação. O canal de comunicação funciona nos dois sentidos. Como modelos de mídia interativa, destacam-se o telefone, o videogame, o computador... (2000, p. 79-80). Proliferam atualmente exemplos de AVAs no ciberespaço, destaco rapidamente os elementos principais que compõem o mesmo, ressaltando que sempre podem ser acrescentadas melhorias para dar conta do que circula na infovia. Bate-papo, Lista de discussão, Fóruns, Correio Eletrônico, espaço destinado ao envio/disponibilização de materiais pelos membros, Blogs, Fotologs e Videoblogs, Sites de Relacionamento, Comunicadores instantâneos e outros. Conclusão Sem dúvida, a informática deve estar presente nos cursos do PROEJA, pois os alunos deste programa não devem ficar à margem das inovações tecnológicas nessa área porque a sociedade como um todo está mergulhada no mundo digital e suas interconexões. Uma vez que o programa visa a incluir o jovem e o adulto socialmente e ainda no mundo do trabalho, deixar a informática de fora dos cursos ofertados é negar um dos princípios no qual o programa está fundamentado. Porém, na oferta de cursos de profissionalizantes integrados ao Ensino Médio no âmbito do PROEJA, assim como na Educação Básica como um todo, a Informática Educativa não deve ser uma disciplina a parte, estanque, isolada, descontextualizada e, sim, que sirva de suporte, ferramenta, recurso para aprendizagem nas diversas ênfases/habilidades que estão sendo ofertadas. Como o próprio nome do programa ressalta, há integração entre o Ensino Médio e o Profissional, dentro de uma perspectiva transdiciplinar, pode-se fazer uso dos recursos computacionais e de comunicação, pois estes se prestam muito bem a este papel. As possibilidades de pesquisa, publicação e trocas através da rede mundial de computadores, poder se agrupar e formar comunidades virtuais de aprendizagem, a utilização de ambientes virtuais de aprendizagem são elementos com os quais os alunos do curso terão familiaridade durante o curso e que poderão utilizá-los no decorrer de suas vidas. 344 proejafinalpmd.pmd 344 18/11/2007, 19:32 Mais uma vez vale ressaltar que o mundo do trabalho está cada vez mais digital, que os saberes produzidos crescem exponencialmente e que o ciberespaço está acessível tanto para acessar quanto para disponibilizar esses saberes. As trocas favorecem a promoção da aprendizagem, já o Proeja tem como objetivo, entre outros, a auto-aprendizagem, oportunizar a jovens e adultos a articulação de suas experiências com os saberes escolares, a qualificação e habilitação de profissionais para acompanhar a evolução do conhecimento tecnológico. Portanto fazer uso dos diversos softwares como editores de texto, planilhas de cálculo, editores de apresentação e de páginas de internet, gerenciadores de banco de dados, simuladores, jogos aplicados à Educação e também o manuseio de equipamentos digitais, tais como câmeras, celulares, dispositivos de armazenamento, impressoras, scanners entre outros são necessários durante todo o curso contextualizados com as competências que os alunos devem adquirir. Referências ALMEIDA, Maria Elizabeth. PROINFO: Informática e Formação de Professores. Brasília: Secretaria de Educação a Distância – Ministério da Educação, 2000 BRASIL. Decreto Nº 5.840, de 13 de julho de 2006. Institui no âmbito federal o Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos - PROEJA Computadores nas escolas, mas longe das salas de aula. Disponível em: http:/ /webinsider.uol.com.br/index.php/2003/02/26/computadores-nas-escolas-maslonge-das-salas/ - acesso em 05/04/2007 Projeto UCA – Um computador por Aluno. Disponível em: http:// www.lec.ufrgs.br/index.php/Projeto_UCA_-_Um_Computador_por_Aluno acesso em 03/04/2007 LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: editora34, 2000 LOPES, José Junio. A Introdução da Informática no ambiente escolar. Disponível em: http://www.clubedoprofessor.com.br/artigos/artigojunio.htm - acesso em 03/04/2007 345 proejafinalpmd.pmd 345 18/11/2007, 19:32 CONECTANDO SABERES NO PROEJA:Possibilidades de Aprendizagem em Ambientes Digitais Kely Goze Ferreira1* Rosália Procasko Lacerda2** Introdução O avanço das tecnologias digitais exige uma reformulação das práticas pedagógicas e, neste contexto, a escola deve assumir novas posturas frente à “sociedade de informação”, pois o conhecimento hoje é dinâmico e torna-se necessário que os professores busquem novas percepções frente à realidade, possibilitando ao aluno trabalhador ser o construtor do seu conhecimento a partir das descobertas que os ambientes informatizados em rede podem propiciar. A necessidade de uma proposta inovadora e emancipatória para a educação de jovens e adultos também se origina da nova estrutura social dominante de nossa realidade, ou seja, a chamada sociedade em rede, a economia informacional global e a cultura da virtualidade real, na qual o novo trabalhador deverá saber interagir com a máquina desenvolvendo assim novas habilidades exigidas pela atual sociedade. A inserção neste novo ambiente possibilitará ao aluno trabalhador desenvolver, na escola, as habilidades exigidas pelo século XXI, bem como, convida o professor a repensar a aprendizagem, explicitando a necessidade de mudança em seus espaços, tempos e modos de trabalhos. 1 Professora substituta de Língua Espanhola do Colégio de Aplicação UFRGS e do PROEJA/ UFRGS, Especialista em Educação PROEJA. 2 Professora do Colégio de Aplicação UFRGS, orientadora do Trabalho de Conclusão de Curso da autora que resultou no presente artigo. 346 proejafinalpmd.pmd 346 18/11/2007, 19:32 Dentro dessa perspectiva, este trabalho vem refletir sobre o papel da inclusão social como fator de inclusão digital, através da viabilização de uma proposta inovadora em sala de aula a qual contemple toda a diversidade de experiências do aluno trabalhador, as necessidades e características exigidas pelo século XXI bem como as possibilidades de interação que a internet oferece na busca da construção do conhecimento dentro da proposta do PROEJA. A idéia é que, com a exploração dos ambientes que a internet disponibiliza na rede, os alunos conectados possam atuar no mundo compartilhando suas idéias com outras culturas, rompendo com o tempo e o espaço e relacionando as novas formas de aprendizado nas quais a interação, o acesso ilimitado às informações podem transformar-se em conhecimento. PROEJA: uma proposta O aluno trabalhador está inserido em um processo educativo do qual fazem parte a família, o trabalho, o bairro e a escola, ou seja, o aluno traz consigo uma forte experiência, principalmente no que diz respeito ao trabalho, já que muito cedo deixa o seu lar em busca de um emprego para garantir o sustento. De acordo com o Documento Base do PROEJA (2006, p.40), “a educação deve compreender que todos têm história, participam de lutas sociais, têm nome e rostos, gêneros, raças, etnias e gerações diferenciadas”. O que significa que a educação precisa levar em conta as pessoas e os conhecimentos que estas possuem. È importante respeitar a sua história na troca de saberes e construir juntamente com a comunidade um novo espaço educativo aberto a inovações, um novo Ensino Médio, comprometido com o coletivo capaz de formar trabalhadores conscientes com a forma de “compreender e se compreender no mundo”. Pensando em uma sala de aula que conte com a ativa participação dos alunos, o PROEJA vem romper com o Ensino Médio centrado nos conteúdos específicos e nas disciplinas, ou seja, não se pode tratar da formação como algo exclusivamente do mundo do trabalho ou do mundo da educação. Portanto, pode-se falar aqui em qualificação social e profissional desse aluno trabalhador que experimentará, dentro da sala de aula, atividades baseadas em metodologias inovadoras, emancipatórias e de inclusão, sendo o trabalho seu princípio educativo e tendo como principal objetivo a atuação cidadã consciente e a inserção no mercado de trabalho. A proposta do PROEJA de dialogar com a realidade, de conceber o homem como ser histórico-social, de respeitar as habilidades adquiridas 347 proejafinalpmd.pmd 347 18/11/2007, 19:32 por meios informais, de utilizar a experiência na construção do conhecimento, de participação, de colaboração, de criatividade, de construção dinâmica interdisciplinar, transdisciplinar e intercultural permite variadas formas de organização curricular. E para construir uma proposta de trabalho que possibilite a inclusão e a inovação faz-se necessário conhecer e refletir sobre a nova estrutura social dominante de nossa realidade, a qual nos é apresentada da seguinte maneira, segundo Ruiz (2002): · a chamada sociedade em rede; · a economia informacional global; · a cultura da virtualidade real. Segundo Silva (2006), as características e contradições da sociedade atual vão gradativamente influenciando nosso dia a dia, afetando a forma de pensar, a maneira como nos comunicamos, trabalhamos, nos relacionamos com os demais, aprendemos e ensinamos. Aos poucos, vamos alterando nossos hábitos e nossas atividades já que, para aprender nessa sociedade, é necessário compreender como funciona esse espaço dinâmico que está em constante expansão e apropriar-se dos seus meios de interação para emancipação. Para que as tecnologias não se tornem um fator de exclusão social, é necessário que a escola promova a aproximação entre o aluno trabalhador e este novo espaço de aprendizagem. Segundo Baggio (2000): (...) o novo trabalhador deve ter a capacidade de aprendizagem e de adaptação a mudanças, deve saber trabalhar em equipe, de preferência em equipes multidisciplinares e ter domínio das linguagens das máquinas. Nessa nova era da informação, em que, a cada segundo tudo se modifica, faz-se necessária a interação entre o aluno trabalhador e a máquina. Tal aproximação irá configurar uma forma de inclusão social que possibilitará oportunidades diversificadas de adaptação às novas linguagens da comunicação, socialização e descoberta de novas habilidades e interesses que não são desenvolvidos na escola tradicional. Assim, a escola vem buscando uma nova forma de “repensar” a aprendizagem e explicita a necessidade de mudança em seus espaços, tempos e modos de trabalhos, pois formar para as novas tecnologias, segundo Perrenoud (2000, p.128): (...) formar o julgamento, o senso crítico, o pensamento hipotético e dedutivo, as faculdades de observação e de pesquisa, a imaginação, a capacidade de memorizar e classificar, a leitura e a análise de textos e 348 proejafinalpmd.pmd 348 18/11/2007, 19:32 imagens, a representação de redes, de procedimentos e de estratégias de comunicação. Dessa forma, é frente a esse contexto que inserimos novamente o aluno trabalhador nesta nova proposta de sala de aula. Segundo o Programa de Formação Continuada Mídias na Educação (2006): “É preciso ressignificar as idéias de Paulo Freire”, na medida em que, com a tecnologia digital criam-se condições para que os alunos reescrevam sua história dentro desse novo espaço, conectados de tal maneira que possam compreender criticamente a realidade e o desenvolvimento humano, social, cultural e educacional e, dessa maneira, construam uma sociedade mais justa e igualitária. 2.1. A internet e a construção do conhecimento Segundo Ramal (2002), hoje falamos na configuração de um novo trabalhador que deve estar pronto para obter informações e assimilá-las sempre que for necessário. Dentro desse novo cenário, o conceito de trabalho vem se modificando e é papel do trabalhador estudar, aprender, enriquecer seu potencial profissional, podendo dessa maneira gerar inovações e desenvolver novas competências. Muitos de nossos alunos não têm acesso ou desconhecem o ambiente digital e este cada vez mais se faz necessário, pois é um dos requisitos indispensáveis para a habilitação profissional num mercado de trabalho competitivo. O aprender dentro das tecnologias passa a configurar uma nova forma de os indivíduos utilizarem e ampliarem suas possibilidades de expressão, constituindo novas interfaces para captarem e interagirem com o mundo. Na proposta de educação para adultos, não podemos deixar de pensar na inclusão digital e inclusão social, pois as duas caminham juntas promovendo a educação. Estar inserido no meio virtual é uma condição para estar incluído nesta nova sociedade. Não basta apenas estar conectado, é preciso saber selecionar as informações e dar significado a elas de forma que estas possam contribuir no processo de construção do conhecimento. Para Pierre Lévy (apud RAMAL, 2002), a informática traz consigo um novo modo de pensar o mundo, de conceber relações com o conhecimento, de aprender coisas e, com isso, surgem novos imaginários, novas formas de nos relacionarmos com o conhecimento e novos estilos de regulação social. E o computador nos ajuda a ver e compreender o mundo. 349 proejafinalpmd.pmd 349 18/11/2007, 19:32 Partindo da idéia de que o conhecimento é uma produção social e que o acesso a ele implica a mediação, pode-se concluir, então, que, para aprender algo novo, é necessária a participação, a interação e a colaboração do outro. Com isso, o trabalho cooperativo vem ao encontro das necessidades dos alunos na busca da construção do conhecimento. Este novo ambiente colaborativo que nos é apresentado com o uso do computador em rede pede-nos novas formas de organização e trabalho, de maneira que permita a participação de inúmeras pessoas nesse processo. Assim, a construção do conhecimento dentro do espaço digital pode ser apresentada da seguinte maneira: Figura 1: A aprendizagem dentro do ambiente digital Teremos aqui não um único autor ou leitor e sim muitos autores e leitores num processo de colaboração. Podemos dizer, então, que esta nova possibilidade que a internet nos abre, ou seja, os ambientes nela encontrados são espaços compartilhados de convivência que dão suporte à construção, à inserção e à troca de informações pelos participantes visando a construção do conhecimento. Dentro dessa sala interativa, todos têm possibilidade de falar, de levantar hipóteses, de refletir, de negociar e chegar a conclusões que ajudem o sujeito a se perceber como parte de um processo dinâmico de construção. É a partir dessa interação e posterior internalização que teremos a construção do conhecimento. Nessa nova organização espaço-temporal a partir do trabalho com a tecnologia digital, o professor encontrará: 350 proejafinalpmd.pmd 350 18/11/2007, 19:32 · compartilhamento de idéias a partir do trabalho em equipe; · aprendizagem centrada no aluno; · interação entre sujeito e objeto; · construção do conhecimento e desenvolvimento de habilidades cognitivas; e · conhecimento como produto das operações que o aprendiz realiza com as informações (coordenações, inferências, argumentos, demonstrações etc) e da interatividade com outros parceiros. Nesse novo contexto, o professor entra como orientador, ou seja, aquele que estimula, incentiva e abre caminhos para que seus alunos de forma interativa busquem a construção de novos saberes. 2.2. As possibilidades de interação virtual para a construção de uma proposta Para inserir o aluno nesse ciberespaço3, faz-se necessário que os professores conheçam alguns ambientes disponibilizados na rede para, assim, construírem uma proposta inovadora. Apresentarei tais ambientes a seguir. 2.2.1. Correio Eletrônico O correio eletrônico ou e-mail como é conhecido, pode promover uma interação entre pessoas de todo o mundo. Dentro da sala de aula, o correio eletrônico possibilita ao professor e aos alunos quebrar as barreiras da comunicação permitindo a troca de idéias e informações culturais, independentemente das fronteiras espaciais e temporais. Por permitir a expressão, a discussão e a contraposição de idéias entre os sujeitos, é um recurso que promove a aprendizagem e possibilita a construção do conhecimento. É muito importante a aproximação do aluno trabalhador com o uso do correio eletrônico, pois ele é quase uma exigência nas empresas do mundo moderno. 2.2.2. Bate-Papo As salas de bate-papo são ambientes não presenciais de conversação. Existem salas de bate-papo com grande variedade de assuntos, 351 proejafinalpmd.pmd 351 18/11/2007, 19:32 essas salas possibilitam “conversas escritas” entre pessoas localizadas em diferentes partes do mundo voltadas para assuntos que as aproximam, como lazer, música, ciência, negócios e muitos outros. Os chats também são utilizados como ferramenta educacional. A professora pode, por exemplo, promover um bate-papo entre uma especialista em educação, ou ainda um escritor e seus alunos por meio dessa ferramenta. Depois, eles podem fazer dissertações (trabalhar com diferentes gêneros, como por exemplo: argumentação, com a qual os alunos argumentariam a favor ou contra os pontos de vista, posicionando-se) sobre os assuntos discutidos na conversa para serem inseridas num blog ou numa página (a página do colégio e o blog dos alunos). 2.2.3. Lista de Discussão Dentro desse ambiente, o professor ou os alunos podem criar uma lista e debater diferentes assuntos, todos podem acessar a qualquer momento, postar comentários e ler os comentários, pois ela é uma ferramenta de comunicação assíncrona, ou seja, para o recebimento e envio de mensagens não é necessário que os participantes estejam conectados ao mesmo tempo como num chat. Minha experiência dentro da lista de discussão com alunos é muito proveitosa, criamos uma lista para debater sobre as principais notícias da semana e para conversar sobre assuntos do cotidiano deles. É bastante produtivo, pois dentro desse processo os alunos desenvolvem de maneira significativa a escrita e o poder de argumentação tanto que a proposta seguinte é escrever textos a partir das idéias que surgem na discussão. 2.2.4. Blogs A possibilidade da criação coletiva e a aproximação de alunos e professores são as principais contribuições que os blogs podem trazer para o processo de ensino e aprendizagem. Além disso, são disponibilizados a qualquer leitor na rede. O trabalho utilizando esta ferramenta privilegia a interatividade, a autoria, a autonomia bem como o registro de idéias, fatos e situações diversas. Através da interação com pessoas de outros espaços geográficos, o conhecimento poderá ser construído e reconstruído, trocando idéias sobre diferentes realidades. Juntos todos estão passando pelo processo chamado alfabetização digital. Exis- 352 proejafinalpmd.pmd 352 18/11/2007, 19:32 tem muitas possibilidades de trabalho dentro do blog, várias escolas já adotaram esta ferramenta de trabalho em sala de aula. O blog propicia aos alunos o registro simples e rápido, possibilidade de interação entre os sujeitos, a promoção da troca de idéias e resolução de desafios de forma colaborativa. O blog Ponto de Vista4 desenvolvido no Colégio de Aplicação, busca oportunizar aos alunos o contato com outras culturas por meio de discussões e trabalhos presenciais aproximando os alunos de outras realidades pelo meio virtual. Dentro dessa perspectiva, venho desenvolvendo com os alunos do PROEJA da UFRGS um projeto intitulado “A Minha Vida é um Filme”5, no qual os alunos disponibilizarão na web por meio de blogs textos que serão construídos de forma colaborativa. Esses textos são autobiografias que serão compartilhadas com alunos do PROEJA de outras escolas com o objetivo de refletir sobre a história de vida desses alunos. Assim, o estudo com o uso do blog não se restringe aos minutos de sala de aula. O professor instiga os alunos a estudar mais, a buscar no blog desafios e exercícios abrindo as atividades da escola para pessoas de outros colégios, cidades e até países, ampliando, dessa maneira, a visão de mundo. As produções do aluno ou do professor podem ser vistas, comentadas e conhecidas por qualquer internauta do mundo, isso é um incentivo para alunos e professores se dedicarem a montar blogs. 2.2.5. Wiki e Home Page A Wiki é uma ferramenta disponibilizada ao professor que permite a interação, a postagem de comentários a partir de senha compartilhada e a visualização do histórico de trabalho, ou seja, o professor poderá acompanhar, nesse ambiente, todo o processo de construção do aluno, todas as contribuições feitas por eles, pois a cada postagem tudo ficará registrado. A Home Page, dentro de um projeto de sala de aula, possibilita a argumentação do ponto vista a partir das hipóteses que dão origem a uma pesquisa ou projeto de aprendizagem, por exemplo, descrição de 4 Ponto de Vista é um blog construído por alunos do Projeto Amora, desenvolvido no Colégio de Aplicação da UFRGS, sob a coordenação da professora Rosália Procasko Lacerda. 5 O projeto “A Minha Vida é um Filme” é realizado através da apresentação de filmes hispânicos que mostram diferentes realidades culturais e sociais, buscando o diálogo com a história de vida do aluno trabalhador do PROEJA/UFRGS. Trabalho coordenado pela professora Kely Goze Ferreira. 353 proejafinalpmd.pmd 353 18/11/2007, 19:32 ações ou de fatos, estabelecimento de relações entre estes, testagem de hipóteses e contraposição de informações que o autor obteve por si próprio ou por meio de interações. Além disso, é evidente a autoria do aluno observada no texto escrito, a qual se materializa através das escolhas feitas pelo autor, revelando sua identidade literária. Dentro desta perspectiva venho desenvolvendo juntamente com alunos do PROEJA/ UFRGS uma Home Page dentro do projeto “A Minha Vida é um Filme” já citado anteriormente, na página os alunos compartilham o que está sendo produzido em aula. Dentro do site do projeto Amora6 existem inúmeras páginas desenvolvidas por grupos de alunos sobre diversos temas escolhidos por eles. 2.2.6. Plataforma ou Ambiente Digital A plataforma ou ambiente digital é uma sala de aula virtual: os alunos a acessam por meio de uma senha de segurança e interagem por meio de diversas ferramentas disponibilizadas. Estes ambientes vêm sendo bastante utilizados, pois valorizam o conhecimento compartilhado, a autoridade compartilhada, a aprendizagem mediada, a valorização da diversidade e das diferenças e a construção de significações e ressignificações no processo de aprendizagem. Existem muitos projetos sendo desenvolvidos dentro de plataformas digitais. Estou desenvolvendo juntamente com uma colega para trabalhar com a Língua Estrangeira (LE) um projeto chamado “Trabajando con Historietas”7. Dentro deste trabalho buscamos desenvolver a aquisição da LE por meio da interação, do contato com novas realidades e com outras culturas no ambiente virtual. O projeto consiste na construção de histórias em quadrinhos utilizando a escrita colaborativa na internet. Considerações finais A proposta de sala de aula desenvolvida dentro de ambientes digitas para os alunos trabalhadores do PROEJA vem romper com algumas barreiras, de forma que este aluno interaja com o mundo e conheça novas culturas, novas realidades nas quais possam, por meio deste inter6 7 Website do Projeto Amora: http://www.amora.cap.ufrgs.br. Trabajando com Historietas disponível em http://br.geocities.com/gizele.oliveira. 354 proejafinalpmd.pmd 354 18/11/2007, 19:32 câmbio, participar de maneira colaborativa buscando desenvolver, dentro desse espaço, habilidades para a emancipação dentro de uma perspectiva enriquecedora, reflexiva, libertadora, de respeito à diversidade e às diferentes experiências vividas pelo grupo, resgatando a auto-estima e incluindo-se dentro do novo contexto escolar. Para tanto, é preciso partir de uma concepção de aprendizagem que atenda à individualidade do aluno, concebendo-o como sujeito aprendente responsável por sua própria aprendizagem, mas integrado no coletivo, quer real ou virtual. Dessa maneira, faz-se necessária uma reorganização do tempo, do espaço e da configuração escolar de forma a flexibilizá-los em favor dos interesses e necessidades dos alunos trabalhadores. Tal flexibilização demanda um redimensionamento tanto no que tange ao espaço físico e aos recursos quanto no que diz respeito à formação continuada do professor. Sabemos que a utilização pedagógica da Internet é um desafio já que é preciso estar conectado a redes, o que demanda instrumentalização, preparação e atualização dos professores para enfrentar os novos desafios. Esse processo exige um maior entendimento de como ocorre a aprendizagem nesses contextos de interação virtual e, também, de qual é o papel do professor diante de situações que necessitem sua intervenção. É preciso, portanto, considerar a importância da construção de uma proposta pedagógica coerente que permita a alunos e professores a leitura e o diálogo dentro da internet utilizando projetos interdisciplinares ousados, criativos e desafiadores. Referências BAGGIO, Rodrigo. A sociedade da informação e a infoexclusão. Maio/ago de 2000. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ci/v29n2/a03v29n2.pdf> Acesso em 20 de jan. 2007. LÉVY, P. As tecnologias da inteligência – o futuro do pensamento na era da informática. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1993. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Documento base do Programa de Integração da Educação Profissional Técnica de Nível Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos. Brasília: Ministério da Educação, 2006. MORAN, José Manuel. As possibilidades das redes de aprendizagem. Disponível em: <http://www.eca.usp.br/prof/moran/textost.htm> Acesso em 03 de mar. 2007 355 proejafinalpmd.pmd 355 18/11/2007, 19:32 PERRENOUD, Philippe. 10 Novas Competências para Ensinar. Porto Alegre. Editora Artmed. 2000. RAMAL, Andréa. Educação na Cibercultura. Porto Alegre. Ed. Artmed. 2003 RUIZ, Osvaldo. Manuel Castells e a “Era da Informação”. 2002. Disponível em: <http://www.comciencia.br/reportagens/internet/net16.htm#1>Acesso em 12 de mar. 2007. SEED/MEC (Org.). Programa de Formação Continuada Mídias na Educação: Módulo Introdutório de Integração de Mídias na Educação. 2006. Disponível em:<http://teleduc332.cinted.ufrgs.br/pagina_inicial/mostra_curso. php?&cod_curso=458&tipo_curso=I&extremos=> Acesso em 2 de nov. 2006. VYGOTSKY, L.S. A Formação Social da Mente. trad. José Cipolla Nt. - São Paulo: Martins Fontes, 1994. 356 proejafinalpmd.pmd 356 18/11/2007, 19:32 CANÇÕES, SINFONIAS E INVENÇÕES INTEGRADAS À EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DE JOVENS E ADULTOS: ÂNIMO, CORPO E PENSAMENTO Bernhard Sydow1 Rafael Arenhaldt2 Introdução A Música é um recurso imprescindível na educação de jovens e adultos profissionais? É verdade que o delicado processo da educação pode quebrar se o jovem ou o adulto sentir autoridade demais no professor? Que a única possibilidade de educá-lo é seduzi-lo pela beleza da coisa que estamos estudando? É verdade que a Música nos faz sentir a beleza das coisas? Como o presidente Lula declarou em 15 de março de 2007, […] milhões de jovens estão no pior dos mundos, porque estão, de um lado, fora da escola... certamente, estão fora da escola porque a escola não foi motivadora para eles continuarem. As pessoas, hoje, só fazem e só vão quando gostam, ou seja, se a escola não for uma coisa que desperte neles uma coisa prazerosa, eles não vão (Lula, 2007). Existem barreiras entre os campos da Música e da Tecnologia, da Engenharia, da Física, da Matemática, das Letras, da História. A intenção deste trabalho é romper estas barreiras. É lembrar enfaticamente 1 Bernhard é professor de flauta-doce no Projeto Prelúdio e de Música nas turmas de EJA e PROEJA na Escola Técnica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Email: [email protected]. 2 Doutorando em Educação pela UFRGS, professor da rede municipal de Porto Alegre e coordenador pedagógico da Escola Técnica Mesquita vinculada ao Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de Porto Alegre, orientador do Trabalho de Conclusão de Curso do autor do presente artigo. 357 proejafinalpmd.pmd 357 18/11/2007, 19:32 que a Música faz parte do cotidiano e da identidade de jovens adultos. Cabe então perguntar: o que nos impede, jovens adultos estudantes, de cantar, dançar e ouvir música quando estamos na aula? Dança e música não são as melhores maneiras de cuidar de corpo e alma, cuidar de lembranças e esquecimentos? Morin (1999) afirma que é preciso estarmos conscientes “que a esfera das coisas do espírito nos dá o impulso para delírios, massacres, crueldades, adorações, êxtases e sublimidades” (p. 29). A alma ocidental do século XX alimenta-se das fontes vivas da arte africana, dos filósofos e místicos do Islã, dos textos sagrados da Índia, do pensamento do Tao do budismo (MORIN, 1999, p. 104). Não foram estas algumas das fontes em que beberam, em que se inspiraram nossos grandes artistas e músicos da Contracultura, do Tropicalismo, da Música de protesto e da Música Popular Brasileira a partir dos anos 70? A alma ocidental do século XX aspira à paz interior e à relação harmoniosa com o corpo distanciando-se do mundo do ativismo, do produtivismo, da eficácia, do divertimento (MORIN, 1999, p. 104). Já em 1960 Morin refletia sobre a alma quando preconizava que uma colonização, não mais horizontal, mas vertical, penetraria na alma humana. A alma é a nova colônia. “A segunda industrialização passa a ser a industrialização do espírito; a segunda colonização passa a dizer respeito à alma.” (MORIN, 1962, p 13). A técnica agora penetra também no domínio interior do homem. Nunca os murmúrios deste mundo – antigamente suspiros de fantasmas, cochichos de fadas, anões e duendes, palavras de gênios e de deuses, hoje em dia músicas, palavras, filmes – haviam sido fabricados industrialmente e vendidos comercialmente (MORIN, 1962, p. 13). Mais adiante avança associando a alma à cultura, […] corpo complexo de normas, símbolos, mitos e imagens que penetram o indivíduo em sua intimidade, estruturam os instintos, orientam as emoções segundo trocas mentais de projeção e de identificação polarizadas nos símbolos, mitos e imagens da cultura como nas personalidades míticas ou reais que encarnam os valores (os ancestrais, os heróis, os deuses). Uma cultura fornece pontos de apoio imaginários à vida prática, pontos de apoio práticos à vida imaginária; ela alimenta o ser semireal, semi-imaginário, que cada um secreta no interior de si (sua alma), o ser semi-real, semi-imaginário que cada um secreta no exterior de si e no qual se envolve (sua personalidade) (MORIN, 1962, p. 15). 358 proejafinalpmd.pmd 358 18/11/2007, 19:32 Ora, a purificação do pensamento pela eliminação de todas as escórias, impurezas e impertinências revelou-se um expurgo que levou junto tripas e intestinos: o sonho de encontrar fundamentos absolutos desabou com a descoberta, em meio à aventura, da ausência de tais fundamentos. (MORIN, 1986, p.21). Afinal, quantas vezes a Poesia e a Música foram expurgadas da sala de aula? Não é necessário abandonar nem música, nem razão para nos lançar à compreensão poética das coisas, e procurar captar a poesia que brota do prosaico (ARENHALDT, 2005, p.139), ou estudar a tecnologia que há na música. INTERROGAÇÃO [aprendizagem, (desejo, razão, poder), música] Música é sinal de estar bem. Alguns antropólogos afirmam que antigamente só podia fazer música quem não estivesse fugindo de alguma fera predadora. Só pode fazer música alguém que esteja tão bem preparado que possa fazer música apesar do predador. Antropologicamente a música sempre foi um sinal de estar bem, de estar preparado, de poder chamar à atenção apesar das ameaças. O aluno que deseja aprender escolhe seu mestre. Falando em termos psicológicos, o inconsciente tem dificuldades em colocar em posição de mestre alguém que se apresenta em situação de desconforto. Porém, ao contrário, colocamos inconscientemente em posição de mestre aqueles que nos parecem estar bem. E nenhum sistema de ensino funciona se o professor não for objeto de consideração e eventualmente de idealização (CALLIGARIS, 2005). Por isso a política e o marketing usam tanto a música. Porque quem faz música está bem preparado e talvez tenha algo que possamos aprender. Nem o pensamento mais forte, nem o procedimento mais claro têm o poder que tem o sentimento. Como o musgo minúsculo vai penetrando, penetrando, desfazendo a infinita dureza da pedra, assim o amor vai se enredando, se enredando, sussurrando seu doce canto ao animal feroz, tornando criança ao homem desesperado, livrando-o de seus rancores, parando o eterno fugitivo, libertando o prisioneiro: Volver a los diecisiete, como lavrou Violeta PARRA (1964), para abrir janelas de par em par, para ver com outros olhos outra paisagem. Esta volta para os dezessete poderia ser uma viagem da educação de jovens e adultos atra- 359 proejafinalpmd.pmd 359 18/11/2007, 19:32 vessando a Arte, embarcando na Música, entrelaçando saberes e sentimentos humanos históricos e científicos. O trabalho sobre o ser humano incorpora no seu íntimo o mistério e a complexidade humana, afirma Edgar Morin. Cita as frases de Blaise Pascal que, no século XVII, tinha uma visão do ser humano muito mais rica do que muitos antropólogos atuais. Que quimera é, pois, o homem? Qual novidade, qual monstro, qual caos, qual objeto de contradições, qual prodígio? Juiz de todas as coisas, verme imbecil, depositário do verdadeiro, cloaca de incerteza e de erro, glória e reverso do universo que é o homem na natureza? Um nada diante do infinito, um todo diante do nada, um meio entre nada e tudo. O homem é ele mesmo o mais prodigioso objeto da natureza, pois ele não pode conceber o que é o corpo e menos ainda o que é espírito e menos do que qualquer outra coisa, como um corpo pode estar unido a um espírito. Eis aí o cúmulo de suas dificuldades, e no entanto, é seu próprio ser: a maneira com que o espírito está unido ao corpo não pode se compreendida pelo homem e, no entanto, isso é o próprio homem. (Blaise Pascal apud MORIN, 2000, p.7) O colorido e a transparência dos escritos de Bacon (1620) esclareceram-nos sobre nossos ídola tribus, specus, fori e theatri (preconceitos, idiossincrasias, modismos semânticos, crendices), e ensinaram-nos em seu Novum organum que não é apenas através do pensamento, mas através da observação e da experimentação que chegaremos a uma conclusão de valor científico. Mas é o Discours de la méthode pour bien conduire sa raison, et chercher la verité dans les sciences de René Descartes (1637, p.25) que desmonta o organon (visão integral, teleológica do mundo e do ser humano) aristotélico, decompondo em suas peças até mesmo o corpo e a alma humanos. No dia 9 de março de 2007, em sua turnê mundial com o show The dark side of the Moon, o músico inglês Roger Waters, ex-integrante da banda de rock Pink Floyd, comparou a visita do presidente americano George Bush à América Latina à de outras autoridades a seu rancho no Texas. Enquanto cantava “Sheep”, soltou um balão com o desenho de um 360 proejafinalpmd.pmd 360 18/11/2007, 19:32 porco com a frase “O chefe Bush visita o rancho da Colômbia”. Foi aplaudido por um público de 20.000 pessoas. No dia 23 de março esteve no Sambódromo do Rio de Janeiro, e dia 24 no Morumbi, em São Paulo. Impeach Bush. Bring the boys back home. Até onde é honesta a intenção de criticar o imperialismo americano e quanto deste barulho é marketing, manifestação política para angariar simpatias, posar como líder feito cidadão Kane no filme de Orson Welles (1915 – 1985)? INTERRUPÇÃO O assunto da gozação entre alunos ou de professores contra alunos, também chamado bullying, é tema de filmes como Tiros em Columbine, de Michael Moore (também autor de Fahrenheit 9/11 e Elephant), Jeremy Spoken in class today da banda Pearl Jam. A música The Wall representa um professor reprimindo fisicamente um aluno que escreve poemas em vez de prestar atenção na aula. We don’t need no education, hey, teacher, let the kids alone é o refrão que simboliza a falta de respeito e compreensão do professor em relação ao trabalho criativo do aluno. Em 24 de abril de 1996 dezenove sem-terra foram mortos e outros 51 feridos, a título de desobstruir uma rodovia do Pará. Por que negas um espaço aos que querem ter um lar, pergunta Pedro Munhoz (1996, CD Cantigas de Andar só) na música procissão dos retirantes. INTEGRAÇÃO [aprendizagem, (protesto, conscientização, motivação), música] Para dar conta do pensamento complexo e interdisciplinar aplicado à educação criei uma nova ferramenta articuladora de idéias e atores que chamo de “polinômio recursivo”. Polinômio porque se trata de um processo que envolve diferentes “variáveis” x, y, z, n que agem entre si, umas sobre as outras. O Estudante Jovem ou Adulto é influenciado, mas também age sobre a Música, constituindo o binômio recursivo (Estudante, Música). A Educação age sobre o Estudante Jovem ou Adulto, mas também é influenciada pelo Estudante, constituindo o binômio recursivo (Estudante, Educação). A Educação age sobre a Música, mas também pode ser modificada pela Música, esse é o nosso objetivo constituindo o binômio recursivo (Educação, Música). Se observarmos que o binômio 361 proejafinalpmd.pmd 361 18/11/2007, 19:32 (Educação, Música) age sobre o Estudante Jovem ou Adulto, mas também sofre modificações por ação deste, teremos o trinômio recursivo (Estudante, Educação, Música). O Estudante pode ser visto pelos ângulos (Ânimo, Corpo, Pensamento); a Educação pode ser vista pelos ângulos (Psicologia, Didática, Cultura); a Música pode ser vista pelos ângulos (História, Letra, Melodia). São novos polinômios recursivos onde cada elemento age e é acionado pelo seu par: para fazer uma letra de música é preciso haver uma história, para fazer uma melodia também é preciso haver uma história. Mas a letra da música pode modificar a história: a melodia do mundo passará a ser outra. A mesma dinâmica aplica-se aos outros dois trinômios, (Psicologia, Didática, Cultura) e (Ânimo, Corpo, Pensamento) e teremos assim um poderoso super-polinômio recursivo. A vantagem de pensar em termos de polinômios recursivos é de possibilitar combinações inusitadas e, talvez, infinitas, se considerarmos que são infinitas as perspectivas em que podemos ver as coisas. A outra vantagem é a de nos darmos conta de que o objeto de uma ação é também ator: ele age sobre a coisa que o influencia. A Música pode colocar o universo dos saberes e conhecimentos científicos e tecnológicos numa perspectiva histórica. Pode contribuir para o jovem e o adulto compreenderem-se como sujeitos do e no mundo. É possível, sim, colocar a Música a serviço de uma formação na vida e para a vida e evitar que apenas atenda às demandas do mercado. A Música tem o poder de tornar os sujeitos mais criativos, sociáveis, competentes. A participação em uma atividade musical coletiva favorece comprovadamente a sociabilidade, a estabilidade emocional, a capacidade de concentração e de raciocínio, o desenvolvimento da percepção, a capacidade de trabalhar em grupo. A música tem efeitos profiláticos num mundo agressivo e violento. A Música favorece a capacidade de perceber e tomar decisões nos desafios do cotidiano. Um dos maiores resultados sociopolíticos da aprendizagem e prática musical é a vantagem obtida por sujeitos inicialmente desfavorecidos em seu desenvolvimento social e cognitivo. A prática musical incrementa sensivelmente a paciência, a resistência, a constância, a flexibilidade e a capacidade de desenvolver pensamentos divergentes (BASTIAN, 2001, p.2). Podemos colocar o estudante jovem e ou adulto como construtor do conhecimento articulando teoria e prática através de temas que reintegrem conteúdos curriculares a partir de sínteses significativas, de estudos focados em temas unificadores situados historicamente e, por que não, motivados musicalmente através da letra de uma música. Ouvindo 362 proejafinalpmd.pmd 362 18/11/2007, 19:32 uma sinfonia ou ópera ou drama musical, deixamos de reduzir o conhecimento à mera informação, se lhe acrescentarmos a amplitude e complexidade que tem na realidade estética e sócio-econômica. É quase impossível imaginar o Movimento das Diretas Já (1984) sem as músicas Coração de estudante de Milton Nascimento e Wagner Tiso (1983), Vai passar ou A gente vai levando, de Chico Buarque (1975, 1984). A História da República do Brasil e da Música Popular Brasileira estão inseparavelmente entrelaçadas. Era um garoto que, como eu, gostava dos Beatles e Rolling Stones, mas foi abruptamente recrutado para a Guerra do Vietnã. A letra narra o drama de um garoto que embora fosse pacifista (gostava dos Beatles e Rolling Stones) e girava o mundo cantando a liberdade, foi separado da sua guitarra para lutar no Vietnã “tocar” a única nota que a metralhadora produz: ta-ta-ta-ta. Não era belo mas, mesmo assim, mille donne, muitas garotas gostavam dele quando cantava Help e Yesterday. O fato de não se achar belo é típico de todo jovem a procura de uma nova identidade. Morreu na batalha e em lugar do coração agora carrega duas ou três medalhas no peito, Nel petto un cuore più non ha, ma due medaglie o tre. Através desta canção é possível integrar várias disciplinas como: o estudo da língua italiana, por sua letra original; o estudo da identidade jovem dos anos 60 e 70; a problemática da cidadania, do serviço militar, do patriotismo; do direito à autodeterminação dos povos; da história do Oriente, da guerra do Vietnã; do respeito à política externa dos países amigos; da contracultura e suas propostas pacifistas no movimento Hippie e de Woodstock. Beethoven inspirado pelos ideais da Revolução Francesa dedicou a III Sinfonia a Napoleão: “Sinfonia grande, intitolata Bonaparte” Após receber a notícia de que Napoleão havia invadido a Inglaterra e se autocoroado no dia 18 de Maio de 1804, Beethoven enfurecido apagou o nome da folha de rosto, colocando-lhe novo título: Sinfonia Heróica. IMPLICAÇÃO A construção do currículo integrado implica em nova cultura escolar e na produção de material educativo que seja de referência (MEC, 2006, pp. 49-50). Não se faz música sem saber contar, somar, subtrair, multiplicar, dividir. A Matemática está sempre presente, mesmo que de forma intuitiva. Fazer música envolve conceitos da Física: tempo, intensidade, po- 363 proejafinalpmd.pmd 363 18/11/2007, 19:32 tência, onda sonora, superposição de ondas, Série de Fourier. Tanto o músico consciente quanto o historiador conseqüente têm conhecimento do papel desempenhado pelos atores da Música Popular Brasileira (MPB) na História recente: a denúncia e o registro das violentas agressões aos direitos humanos. Anistia e a Abertura foram sintetizadas pela voz de Elis Regina (O bêbado e a equilibrista) e de Milton Nascimento (Coração de Estudante) Concordamos com o sociólogo e professor Alexandre Virgínio: “a diversidade cultural, porquanto estética, deve ser colocada à disposição dos professores.” Que estes tenham “como única fonte dos códigos de referência cognitiva, moral e afetiva os meios de comunicação de massa é inaceitável” (VIRGÍNIO, 2006, p. 318): a televisão rádio e jornal estão nas mãos de poucos e, pelo visto, têm interesses particulares a defender. INOVAÇÃO Qual é a música mais importante na tua vida? Formulei esta pergunta para conhecer letras e melodias que animam corpos e mentes dos meus alunos. Entre as respostas mais citadas estava Faroeste caboclo de Renato Russo, que narra a trajetória do destemido João de Santo Cristo. Lectio prima3: não tinha medo o tal João de Santo Cristo. Lá estava eu cara a cara com meus jovens alunos adultos, cheios de expectativa. Lectio secunda: na escola, até o professor com ele aprendeu. Quem vai aprender com quem? Quando criança só pensava em ser bandido Ainda mais quando com tiro de soldado o pai morreu Era o terror da cercania onde morava E na escola até o professor com ele aprendeu Qual papel teriam minhas idéias no espaço de ensinagem de uma educação não bancária, onde a cultura resulta das relações sociais? Lectio tertia: do violão ao monocórdio. Optei por uma educa- 364 proejafinalpmd.pmd 364 18/11/2007, 19:32 ção musical de alta qualidade com conteúdo histórico-científico. Parti do cotidiano, da técnica de afinar um violão: intervalos, oitavas, quintas e quartas justas estabelecidas à razão simples de ½, 2/3 e ¾ entre o comprimento das cordas. Razões matemáticas cuja definição é creditada a Pitágoras. O mesmo Pitágoras do triângulo reto onde a soma dos quadrados das medidas dos catetos opostos é igual ao quadrado da medida da hipotenusa. E assim me veio a inspiração “Pro churrasco da Ivanusa” Tanto Pitágoras quanto Kepler acreditavam na harmonia da Natureza. Kepler chegou a compor uma melodia para cada planeta. Pouca L gente sabe, mas o som como movimento oscilatório, o pêndulo, T = 2π g , Leonardo da Vinci, Galileu, Foucault, o chronomètre de Loullié, o metrônomo de Mälzel, Beethoven, a VIII Sinfonia, Napoleão, timbre, altura, intensidade, duração, andamento, pulso, relógio atômico, semelhança do violão com a tábua de logaritmos, a série de Fibonacci e o ritmo dos poemas de rituais hindus, tudo está vinculado. Lectio quarta: aula de Música? Allegro ma non troppo4, trouxeram violão e cavaquinho, levei meu teclado, cantamos Pingos de amor, É mágica, Faroeste caboclo e Frère Jacques, por que não? Depois da análise métrica das letras inventamos letras e músicas novas usando como tema gerador o trabalho e a vida. Classificamos baixos, barítonos, tenores, contraltos, mezzo-sopranos e sopranos para formar um grupo vocal. Quem não quer saber a que naipe pertence? 4 alegre, mas não demais: sem oba-oba. 365 proejafinalpmd.pmd 365 18/11/2007, 19:32 Conclusão A Música oferece um universo inesgotável de motivações para animar a educação profissional de jovens e adultos. Permite a integração das áreas de conhecimento, multiculturalismo, memória, gênero, etnia e éticas através do trabalho interdiscipilinar. Referências ARENHALDT (2005), Rafael. Das docências narradas e cruzadas, das sur-presas e trajetórias reveladas: Os fluxos de vida, os processos de identificação e as éticas na escola de educação profissional. Dissertação de Mestrado. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul / Programa de Pós-Graduação em Educação, 2005. Orientadora: Drª. Malvina do Amaral Dorneles. BASTIAN, Hans Günther. Kinder optimal fördern - mit Musik. Intelligenz, Sozialverhalten und gute Schulleistungen durch Musikerziehung. Mainz: Schott, 2001. CALLIGARIS, Contardo. Sete soluções para o ensino público. Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/folha/treinamento/educacao/ te2406200508.shtml> Acesso em 27 mar 2007 MORIN (2000), Edgar. Dos demônios. Atelier ao vivo do pensamento de Edgar Morin. Segundo dia. São Paulo: SESC 2000. Disponível em <http:// edgarmorin.sescsp.org.br/arquivo/download/arquivos/atelier_p2.pdf> Acesso em 12 dez. 2006. MORIN (1999), Edgar. A cabeça bem feita: repensar a reforma, reforma o pensamento. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2000. MORIN (1999), Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: UNESCO, 2000. Disponível em <unesdoc.unesco.org/ images/0012/001243/124364por.pdf > Acesso em 11 dez. 2006. MORIN (1962), Edgar. Cultura de massas no século XX: neurose. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002. PARRA, Violeta (1964). Volver a los 17. Disponível em: <http:// www.violetaparra.scd.cl> Acesso em 9 jan. 2007. VIRGÍNIO (2006), Alexandre Silva. Escola e emancipação: O currículo como espaço tempo emancipador. Tese de Doutorado. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul / Programa de Pós-Graduação em Sociologia, 2006. Orientadora: Drª. Clarissa Eckert Baeta Neves. 366 proejafinalpmd.pmd 366 18/11/2007, 19:32 IGUALDADE E DIFERENÇA: DIÁLO GOS PPARA ARA O PROEJA DIÁLOGOS 367 proejafinalpmd.pmd 367 18/11/2007, 19:32 O CUMPRIMENTO DA LEI 10639 / 2003 NO PROEJA: ANÁLISE DO MATERIAL DIDÁTICO “A COR DA CULTURA” Letícia Batistella Silveira Guterres1 Simone Valdete dos Santos2 Introdução Neste trabalho pretendemos analisar a ocorrência da Lei 10.639 / 2003 e suas implicações no processo educativo, especialmente no que diz respeito à sua implementação enquanto possibilidade de tratar da diversidade étnico-cultural na escola. Embora verificássemos a recorrência, em cursos de pós-graduação, do desenvolvimento de dissertações e teses referentes ao tema da escravidão, percebemos, por outro lado, as brechas ao longo do caminho. A princípio, ficava evidente o grande volume de escritos publicados sobre tal temática, porém, restritos à análise da região sudeste brasileira. Algo inteligível, pois tais estudos em sua área de interesse estavam associados à economia agro-exportadora, palco da utilização maciça do trabalho cativo. Inserido em lógica semelhante, no que diz respeito à região sul-rio-grandense, a área mais presenteada com pesquisas neste sentido era então (e ainda hoje) àquela voltada para uma economia de exportação, neste caso, a charqueada gaúcha. Os estudos, entretanto, voltavam-se fundamentalmente às questões que abordavam a economia e a mão-de-obra nela envolvida. 1 Graduada em História Licenciatura Plena pela Universidade Franciscana – UNIFRA (2001), Mestrado em Historia das sociedades Ibéricas e Americanas pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2005). Atualmente é professora de História do Centro Federal de Educação Tecnológica de São Vicente do Sul. 2 Graduada em História Licenciatura Plena pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (1994), Mestrado em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1998) e Doutorado em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2003). Atualmente é professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, orientadora do Trabalho de Conclusão de Curso da autora que resultou na redação do presente artigo. 368 proejafinalpmd.pmd 368 18/11/2007, 19:32 A produção científica, que compreendia fundamentalmente a cultura afro-brasileira, esteve por muito tempo exclusivamente ligada à tentativa de explicar a escravidão no Brasil, partindo de um viés eminentemente economicista e, portanto, ignorando os aspectos humanos que transcendem os econômicos presentes em tal processo. Nesse sentido, as características sócio-econômicas bem como de natureza política estavam acima das aspirações, atos, valores, ou seja, dos próprios sujeitos sociais que as constituíam. Assim, revelava-se a construção da imagem de escravo “coisa” na historiografia a respeito3, relegando a eles o quadro de coadjuvantes, pois frutos do processo de expropriação que os relegava a meros expectadores e reféns da escravidão e de seu resultado. Porém, inevitavelmente, tal concepção historiográfica, atingiu sobremaneira o ensino e sua forma ao tratar de temáticas envolvendo o negro no Brasil. Ou seja, a produção historiográfica a respeito do tema do negro acabou sempre estando vinculada à construção da imagem de uma vítima do processo de escravidão, sem condições de resistir à ela e tão pouco recriar estratégias de convivência social diante dela. Com isso, a imagem de escravo constituiu-se na figura do negro, que por sua vez esteve atrelado, a sua importância, essencialmente enquanto mãode-obra para o funcionamento da economia dele “dependente”. Os reflexos disto são plenamente verificáveis na sociedade brasileira atual; reflexos estes associados às práticas racistas e discriminatórias de que a imagem do negro (associada à de escravo, portanto ser inferior) acaba reproduzindo. Não que a escravidão tenha criado o racismo, mas acabou o tendo como pressuposto. Recentemente, a partir de novas produções historiográficas, frutos do interesse pela abordagem de novos objetos e problematizações históricas passou-se a abordar temáticas até então não atentadas pelo meio acadêmico. Especificamente, em se tratando da temática em torno do negro e escravidão no Brasil, destaca-se a obra de um historiador norte-americano, Robert W. Slenes4. Nela o autor demonstra as possibilidades e 3 Ver: MAESTRI, Mario J. O escravo no Rio Grande do Sul. Porto Alegre; Caxias do Sul: EDUCS, 1984. Também do mesmo autor: MAESTRI, Mario J. A charqueada e a gênese do escravismo gaúcho. Porto Alegre; Caxias do Sul: EDUCS; EST, 1984. 4 SLENES, Robert W. Na Senzala uma Flor. Esperanças e recordações na formação da família escrava – Brasil, Sudeste, Século XIX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. Ver também: SLENES, Robert W. Senhores e ubalternos no oeste paulista. In: ALENCASTRO, Luis Felipe de (org.). História da Vida Privada no Brasil. V. 2. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. Do mesmo autor: SLENES, Robert W. Lares negros, olhares brancos: história da família escrava no século XIX. In: Revista brasileira de História. ANPUH, 1988. 369 proejafinalpmd.pmd 369 18/11/2007, 19:32 significados da formação de famílias escravas na região sudeste brasileira em meados do século XIX. Seu trabalho é importante não só enquanto desmistificador da pseudo inexistência – pregada por diversos estudiosos – da possibilidade da formação de tais laços familiares, como também e, em seu aspecto mais rico, em resgate à cultura africana, viabiliza o vislumbre dos significados destas famílias para aqueles sujeitos, ou seja, demonstrou sua importância para formar as esperanças e recordações das pessoas, isto é, para a formação de memórias, projetos, visões de mundo e identidades5. Seu estudo ajudou a reavaliar a suposta licenciosidade sexual de cativos, visão que unia parte de intelectuais como Gilberto Freyre e Florestan Fernandes6. Sem dúvida, embora de forma lenta e gradual, os novos caminhos de investigação sobre o negro no Brasil, que o concebem enquanto agente histórico e não “coisa”, vem ajudando a alterar as concepções sobre este tema bem como problematizando a forma de estudá-lo e ensiná-lo. Neste mesmo sentido e diante destas novas abordagens e reformulações de concepções é que está inserida a Lei 10.639 / 2003, que prevê a obrigatoriedade do ensino sobre História e cultura afrobrasileira, tanto em estabelecimentos de Ensino Fundamental quanto nos de Ensino Médio, nas redes de ensino públicas ou privadas. Inclui o estudo da História da África e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil. Determina ainda que os conteúdos sejam ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística e de Literatura e História brasileiras. Prevê ainda, a inclusão no calendário do dia 20 de novembro como “Dia Nacional da Consciência Negra”. Este trabalho pretende analisar material didático publicado a partir da Lei, observando e analisando em que medida suas prerrogativas são tratadas e propostas para serem abordadas em sala de aula. Tal material denomina-se “A cor da Cultura” e será aqui trazido enquanto possibilidade de se trabalhar as questões étnicas na escola e no PROEJA. 5 SLENES, 1999, op.cit; p. 13 FREYRE, Gilberto. Casa-Grande e senzala. 48 ed. São Paulo: Global, 2003 e FERNANDES, Florestan. A introdução do negro na sociedade de classes. 2 v. São Paulo: Dominus/Edusp, 1965. 6 370 proejafinalpmd.pmd 370 18/11/2007, 19:32 Modos de Ver O material, em seu primeiro livro, coloca o leitor a par de textos que vão desde uma perspectiva de análise sobre a África e suas diversidades e, até mesmo, a sua conjugação com percentuais atuais, que trazem a situação do negro no Brasil. Este primeiro livro chama-se “Modos de ver”, e, como seu próprio nome diz, permite a abertura para o olhar sobre estas culturas7. Eliane dos Santos Cavalleiro, em artigo incluso neste mesmo livro a que estamos a referenciar, apresenta as várias formas de como o racismo é perpetuado na escola: desde o material didático utilizado pelos professores até a utilização de apelidos pejorativos carregados de uma carga semântica também pejorativa. As práticas racistas vigentes em nossa sociedade estão pautadas em um pressuposto ou preconceito da suposição do que Sérgio Costa chama de “hierarquia qualitativa entre os seres humanos, os quais são selecionados em diferentes grupos imaginários, a partir de marcas corporais arbitrariamente selecionadas” (COSTA, 2006, p.11)8. Portanto, parece-nos imprescindível que pensar na inclusão do ensino da África e dos africanos é antes fazê-lo nas formas que ela historicamente vem sendo ocultada. Só assim, permitindo o conhecimento sobre estas questões, teremos condições de transcender o estado de ignorância, que inevitavelmente nos aproxima às reações discriminatórias e racistas, típicas da condição de quem ignora. Embora não existindo “receitas prontas” no que diz respeito às práticas metodológicas de ensinar, assim mesmo, há possibilidades. E será exatamente no âmbito destas possibilidades que apresentaremos uma discussão, a seguir, pautada na segunda obra deste material, “Modos de Sentir”, onde realizamos algumas discussões conceituais imprescindíveis para então se pensar em práticas metodológicas. Modos de sentir O segundo livro, que é parte deste material chama-se “Modos de sentir” e problematiza a utilização de alguns conceitos, ainda hoje em7 Tendo em vista a diversidade étnico-cultural em que é formado o continente africano, procuramos quando em referência ao mesmo nos utilizar do termo “culturas” e não cultura. Até porque compreendemos que não há entre os grupos uma nítida fronteira cultural, pelo contrário, um continuum cultural. 8 COSTA, Sérgio. Dois Atlânticos: teoria social, ani-racismo, cosmopolitismo. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006. 371 proejafinalpmd.pmd 371 18/11/2007, 19:32 pregados erroneamente. Quer dizer, traça alguns cuidados metodológicos que temos de ter ao tratar a temática que envolve o negro e a escravidão. Um dos conceitos tratados na obra, que ainda erroneamente vem sendo utilizado no senso comum diz respeito ao conceito de raça. O conceito de raça esteve historicamente ligado às explicações em torno da forma de identificação de categorias humanas socialmente definidas, ou seja, esteve atrelado às características fenotípicas diferentes existentes entre os povos (brancos, negros, amarelos). Pesquisas recentes realizadas pelo italiano Luigi Luca Cavalli-Sforza9 com 2.000 tribos e comunidades indígenas de várias regiões do mundo comprovam que as raças são formidavelmente idênticas, em termos de conteúdo genético. “A cor dos olhos e da pele, as proporções corporais e os tipos de cabelo são vernizes passados sobre uma estrutura biológica idêntica”, definiu Cavalli-Sforza. “Os estudos genômicos vêm destruindo completamente a noção de raça”, ecoa Sérgio Danilo Pena. “Do ponto de vista genômico, elas não existem.” Porém, isto não significa que não possamos incorporar uma nova forma da utilização deste conceito. Até porque sabemos que conceitos são construídos e reconstruídos historicamente e que, portanto, são transformados pelos grupos sociais que dele fazem uso.Além do apontamento de alguns cuidados de caráter conceitual que devemos ter, a obra também propõe algumas propostas metodológicas, ou seja, o como se utilizar deste material. As propostas giram em torno da necessidade de um projeto interdisciplinar, ou seja, que perpasse todas as disciplinas. O material contempla um rico manancial de dez programas, contendo livros animados, expondo os alunos a situações e personagens das culturas africanas e do mundo afro-brasileiro. Embora indicado especialmente para o Ensino fundamental, pode ser adequado às diferentes realidades que permeiam os alunos do PROEJA. Modos de Interagir O terceiro livro, denominado “Modos de Interagir”, propõe a interação de algumas referências afro-brasileiras e seus valores articulando-os ao conhecimento da África, ou melhor, das possibilidades de melhor conhecê-la. As referências trazidas como proposta de discussão, contemplam amplos aspectos do acesso ao conhecimento. Ou seja, a proposta de 9 CAVALLI-SFORZA, Francesco & Luigi Luca.Quem somos? História da diversidade humana. Unesp, 1998. 372 proejafinalpmd.pmd 372 18/11/2007, 19:32 tratar da Memória, da Ancestralidade, Religiosidade, Musicalidade, corporeidade são algumas dessas possibilidades, que talvez permitam aproximarmo-nos, inclusive, de possíveis novas organizações curriculares. Organizações curriculares estas “(...) que possam religar os saberes que os antigos currículos fechavam em áreas incomunicáveis. Este é o grande desafio deste novo século: religar os saberes dentro de uma nova estrutura globalizante”10. A “religação dos saberes”11 só ocorrerá se atrelada à reformulação curricular, sem perder de vista a complexidade humana. Ultrapassar os limites da dicotomia em que está fundado o pensamento humano é antes conseguir alterar nossa mentalidade, algo que além de extremamente difícil leva muito tempo. Assim, podemos repensar não só a prática para a implementação da Lei a que estamos a nos referir neste trabalho, mas, e inserido nesta mesma perspectiva, é que também podemos refletir acerca do próprio entendimento que temos quando tratamos do tema ligado à negritude. Ou seja, parece que a questão da diferença que permeará o trato com tal temática deve ir além da visão dicotômica que nos aprisiona e limita nosso olhar. Tratar deste tema, a exemplo do papel do negro e de sua imagem, é partir para o princípio inicial da inclusão. Esta inclusão não deve partir de fora para dentro, mas de dentro para fora. Não basta tratarmos com os alunos sobre estes temas, tentando convencê-los de algo que nem mesmo nós estamos cientes e convencidos. Até porque a primeira inclusão a ser realizada é de âmbito mental, que muito bem pode ser oferecida pela discussão de literatura adequada à reflexões desta ceara. Além da inclusão da literatura como algo permanente em nossas vidas, também, para repensar nossa prática, torna-se necessário uma reformulação mental, que nos viabilizará a um novo debate e entendimento sobre as questões que dizem respeito ao negro e ao racismo. Homi K. Bhabha pode nos auxiliar para a busca por um novo caminho para o repensar as questões que envolvem a diferença. Em sua obra, “Local da Cultura”12, propõe o refletir a diferença enquanto negociação13 e não enquanto negação, de forma comparativa, onde a discriminação está implícita. 10 MORIN, Edgar. Religando Fronteiras. Passo Fundo: UPF, 2004, p.52. MORIN, Edgar. A Religação dos Saberes. Rio de Janeiro: Bertrand, 2001. 12 BHABHA, Homi K. O Local Da Cultura. Belo Horizonte: UFMG. 1998. 13 A negociação refere-se à estrutura da iteração, “na tentativa de articular elementos antagônicos e oposicionais sem a racionalidade redentora da superação dialética ou da transcendência” (BHABHA, 1998, p.52). 11 373 proejafinalpmd.pmd 373 18/11/2007, 19:32 Esta temporalidade – negociação – tem algumas vantagens: o reconhecimento da ligação sujeito e objeto da crítica, que afasta a possibilidade da ocorrência de uma oposição simplista, essencialista, ou, nas palavras de Bhabha “entre a falsa concepção ideológica e a verdade revolucionária” (BHABHA, 1998, p.52). A outra vantagem da utilização desta temporalidade é assim apresentada por Bhabha: “Se temos consciência desta emergência (e não origem) heterogênea da crítica radical, então a função da teoria no interior do processo político se torna dupla” (BHABHA, 1998, p.52). Nesse sentido, os referentes ou prioridades – a luta de classes, o anti-racismo, a perspectiva negra – não refletem um objeto político homogêneo, não existem com um sentido naturalista. Só tem sentido quando construídos nos discursos do marxismo, feminismo, etc. Seus objetos, portanto, estão em constante tensão histórica ou em referência cruzada com outros objetivos. Habitualmente, nos trabalhos que costumam tratar sobre os aspectos da negritude, o que se têm é a ênfase na necessidade de resgate da história de seus ascendentes negros para que, a partir daí possa ser percebido pela sociedade “a verdadeira contribuição desses povos”14 (citação retirada de “Aspectos da Negritude”, p.10). Resgate este que tenderá a ter em seu discurso a impregnação de uma crítica vitimizante. Quanto a esta “linguagem da crítica” a que tais obras costumam fazer uso Bhabha afirma (1998, p. 51): A linguagem da crítica é eficiente não porque mantém eternamente separados os termos do senhor e do escravo, do mercantilista e do marxista, mas na medida em que ultrapassa as bases de oposição dadas e abre um espaço de tradução: um lugar de hibridismo, para se falar de forma figurada, onde a construção de um objeto político que é novo, nem um nem outro, aliena de modo adequado nossas expectativas políticas, necessariamente mudando as próprias formas de nosso reconhecimento do momento da política. A linguagem assumida por estes estudos acabam postulando uma política de tolerância, implicando um reconhecimento da diferença, porém, sem acolhida. Aqui parece estar implícita a idéia da discriminação, ou seja, a partir das “ilhas” da diferença. Renée Green – artista afro-americana - aponta para a necessidade de se compreender a diferença cultural como produção de identidades minoritárias que em si já se acham divididas; no ato de se articular em um corpo coletivo. Pensa que o multiculturalismo não reflete a com14 TRIUMPHO, Vera (org.). Rio Grande do Sul: aspectos da negritude. Porto Alegre: Martins Livreiro, 1991. 374 proejafinalpmd.pmd 374 18/11/2007, 19:32 plexidade da situação de sua vivência no dia a dia, mas acabaria por “essencializar a negrura” ((BHABHA, 1998, p.21)). Assim, as diferenças sociais poderiam ser vistas enquanto signos da emergência da comunidade concebida como projeto, sendo este ao mesmo tempo uma visão e uma construção (BHABHA, 1998). Na análise de Green percebemos o deslocamento da lógica binária através da qual identidades de diferenciação freqüentemente são construídas, qual seja, negro/branco, oprimido/opressor, etc. Nesse sentido, fazemos referência novamente à posição assumida por Homi Bhabha, da necessidade de se pensar os deslocamentos operados nas identificações tradicionais de “sujeitos históricos” compreendendo a dinâmica da negociação em detrimento à negação. Portanto, rompendo com o modelo burguês/proletário; oprimido/opressor; negro/branco. E, assim, construindo um processo reflexivo que foge da análise dual e pretende ser com isto, menos simplista. Longe da tentativa de dar um fechamento ou receita ideal para as problemáticas que envolvem a implantação da Lei 10.639 / 2003 no Ensino fundamental e Médio, mas de contribuir no repensar das práticas educativas que envolvem, especialmente o curso do PROEJA. A proposta deste curso, de unificar a formação básica com a profissionalizante ecoa no sentido de uma reflexão sobre a tentativa de barrar a idéia por muito tempo perdurada, de que o trabalho intelectual e o “braçal” devem estar desagregados, até porque estão também embutidos na dicotomia ou em uma idéia de hierarquia de escalas de valores distintos e, portanto, de ideais discriminatórios. O Curso do PROEJA, iniciado em São Vicente do Sul no início deste ano de 2007, mostra o quanto devemos ainda trabalhar em torno da necessária promoção de uma inclusão social. Sem cair em riscos argumentativos, e mesmo não tendo realizado o levantamento para verificar o quanto é ou não significativo o número de negros em São Vicente e em seus arredores, percebe-se que a inexistência de negros no curso pode ser um identificador das questões relacionadas à exclusão social. Isso, no entanto, não exime o curso de tratar dos assuntos referentes ao negro, à África, etc. Muito antes pelo contrário, na realidade, esclarecer à comunidade a existência da Lei, suas necessidades, a partir das questões históricas já mencionadas neste trabalho, bem como debatêlas torna-se algo imprescindível e de caráter urgente. Estes assuntos devem ser tratados no âmbito da reconstrução curricular, não só por haver sido identificado a inexistência de tal temática nas demais disciplinas que contemplam o Currículo (exceto na disciplina de História e brevemente mencionada na disciplina de Geografia), o que passa a revelar 375 proejafinalpmd.pmd 375 18/11/2007, 19:32 a idéia errônea de responsabilização de determinadas disciplinas para o trato com estes aspectos. Talvez, o fato do humano se caracterizar enquanto “existente-emfalta”, algo ignorado pela pedagogia tradicional, nos deixe inseguros no sentido de lidarmos com a situação de incompletude, ou de lidar com o que Morin denominou de “inacabamento ontogenético”, ou seja, a dificuldade que temos de aceitar e lidar com a incompletude. Esta mesma pedagogia tradicional acabou por vincular ao Homem apenas a idéia da racionalidade, esquecendo o animal. “O ser humano não é (não ainda ou nunca) um ser racional, e a razão não basta para dar conta da totalidade dos fatos e dos atos de nossa vida” (Moles, 1991, p.31 in Morin, 2004, p.34)”. Nesse sentido, é que devemos caminhar em direção a uma pedagogia que integre o homem racional ao homem louco. Isto, melhor dito nas palavras de André Baggio15: Para uma pedagogia da inclusão antropológica, faz-se necessário que a prática educativa integre o homem racional (sapiens) ao homem louco (demens), o homem produtor, o homem técnico, o homem construtor, o homem ansioso, o homem gozador, o homem estático, o homem cantante e dançante, o homem instável, o homem subjetivo, o homem imaginário, (...), o homem racional num rosto de faces múltiplas. Considerações finais A análise da Lei 10.639/2003 junto ao material didático “A cor da cultura” nos permitiu vislumbrar possibilidades de se trabalhar com a diversidade no PROEJA. Evidentemente que o material por si só, não traz as soluções para a implementação da Lei, mas que permite um caminho para o embasamento do profissional, bem como o alerta para a necessidade de se levar a discussão para além do âmbito escolar, mas da comunidade como um todo. Esta necessidade está no seio da própria essência da Lei, ou seja, tornar viável o ensino da história dos africanos e da África, sua cultura e heranças construídas (no Brasil) no âmbito de todo o currículo escolar. Isto é, sem dúvida, tarefa nada simples, pois exige, além da boa vontade dos profissionais envolvidos, também o estudo e discussão em torno da temática. Não se trata de apenas estudar para ensinar a história dos africanos e da África, da africanidade em 15 Pensador citado na obra de MORIN, Edgar. Religando Fronteiras. Passo Fundo: UPF: 2004, p. 34-35. 376 proejafinalpmd.pmd 376 18/11/2007, 19:32 nós, de nossa constituição étnica, mas também dos significados desta diversidade, das possibilidades que ela nos traz. A Lei 10.639/2003 assim compreendida pode nos tornar mais sensíveis para “ver, sentir e interagir”. Que assim seja. Referências A cor da cultura – saberes e fazeres – Modos de ver. Copyright Fundação Roberto Marinho. Rio de Janeiro, 2006. A cor da cultura – saberes e fazeres – Modos de Sentir. Copyrigh Fundação Roberto Marinho. Rio de Janeiro, 2006. A cor da cultura – saberes e fazeres – Modos de Interagir. Copyright Fundação Roberto Marinho. Rio de Janeiro, 2006. ASSUMPÇÃO, Euzébio & MAESTRI, Mário (coords.). Nós, os afro-gauchos. Por-to Alegre: Edi-to-ra da URFGS, 1996. BHABHA, Homi K. O Local Da Cultura. Belo Horizonte: UFMG. 1998. CAVALLI-SFORZA, Francesco & Luigi Luca. Quem somos? História da diversidade humana. Unesp, 1998. COSTA, Sérgio. Dois Atlânticos: teoria social, ani-racismo, cosmopolitismo. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006. FERNANDES, Florestan. A introdução do negro na sociedade de classes. 2 v. São Paulo: Dominus/Edusp, 1965. FREYRE, Gilberto. Casa-Grande e senzala. 48 ed. São Paulo: Global, 2003 MAESTRI, Mario J. O escravo no Rio Grande do Sul. Porto Alegre; Caxias do Sul: EDUCS, 1984. . A charqueada e a gênese do escravismo gaúcho. Porto Alegre; Caxias do Sul: EDUCS; EST, 1984. MORIN, Edgar. A religação dos saberes. Rio de Janeiro: Bertrand, 2001. MORIN, Edgar. Religando Fronteiras. Passo Fundo: UPF: 2004. SLENES, Robert W. Na Senzala uma flor: esperanças e recordações na formação da família escrava. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. . Senhores e subalternos no oeste paulista. In: ALENCASTRO, Luis Felipe de (org.). História da Vida Privada no Brasil. V. 2. São Paulo: Companhia das Letras, 1997 . Lares negros, olhares brancos: história da família escrava no século XIX. In: Revista brasileira de História. ANPUH, 1988. TRIUMPHO, Vera (org.). Rio Grande do Sul: aspectos da negritude. Porto Alegre: Martins Livreiro, 1991. 377 proejafinalpmd.pmd 377 18/11/2007, 19:32 Um olhar para as relações étnico/ raciais no espaço pedagógico da EJA do PROEJA. Maritza Ferreira Freitas Flores1 Georgina Helena Lima Nunes2 “Uma chama não perde nada ao acender outra chama” ( Provérbio Africano) A origem do estudo: experiências docentes, “dançantes” e a EJA As reflexões presentes neste artigo, emergem das minhas experiências como docente no Colégio Municipal Pelotense (CMP), escola pertencente à rede municipal de ensino, com níveis de ensino desde a Pré-Escola até o Ensino Médio, Curso Normal e Educação de Jovens e Adultos (EJA). A instituição possui 263 professores, 3500 alunos e 93 funcionários, constituindo-se, portanto, a maior escola pública da América Latina. No presente momento, trabalho em turmas do Curso Normal e coordeno o Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros, ainda em fase de construção; este projeto é pioneiro no nível de educação básica porque suas ações perpassarão a formação continuada de professores, o ensino, a pesquisa e um amplo espectro de atividades que vão ao encontro da 1 Professora Especialista em PROEJA do Colégio Municipal Pelotense, Coordenadora do Núcleo de estudos Afro Brasieliros do Colégio Municipal Pelotense (NEAB-CMP), Coordenadora da Organização Não Governamental Odara / Centro de Ação Social, Cultural e Educacional. 2 Professora Adjunta da Universidade Federal do Pampa/ UFPel. Dra. em Educação pela UFRGS. 378 proejafinalpmd.pmd 378 18/11/2007, 19:32 reflexão e ação pedagógica que tenha como perspectiva a educação das relações étnico-raciais3, o conhecimento e reconhecimento da cultura, história e processos de formação identitária da população negra da diáspora4 africana. Outros aspectos da minha trajetória profissional no CMP, dizem respeito a dois momentos primordiais da minha docência e que orientam a discussão construída neste texto que articula a EJA, a educação profissionalizante e as questões étnico-raciais. Os momentos referemse ao tempo que atuei como Coordenadora do Grupo de Dança e professora no “Projeto de Complementação”. Como coordenadora do Grupo de Dança, eu entendia que a performance corporal e estética, não estava cindida de uma acurada apreensão dos significados históricos, políticos e sociais que o movimento humano comporta; o trabalho com a dança, ao longo do tempo, expandiu-se para além do espaço interno da escola tornando-se protagonista de um evento chamado “Mostra de Dança Escolar”. Este evento reuniu educandários públicos e privados que, na forma de arte, “mostravam” metodologias de trabalho relativas à diversidade presente na escola, na região e no país que, em essência, a cada passo, ritmo e encenação que constituía o espetáculo, estavam, acima de tudo, coreografadas a experiência sócio-cultural de cada um dos envolvidos. Através do Grupo de Dança do CMP, fazia-se a ruptura com a hegemonia cultural branca da escola, buscava-se, principalmente, na dança inspirada em raízes africana, a problematização a respeito dos processos de escravização-libertação-resistência que unem a população negra brasileira ao continente africano. Tal prática se constituía uma provocação para melhor compreender as posições sociais ocupadas por este grupamento étnico-racial em termos de educação, moradia, saúde, mer3 A utilização do termo “étnico-racial” justifica-se por uma opção política emergente dasconstruções teóricas de alguns intelectuais e , também, do campo de luta travada pelo Movimento Social Negro; o termo “raça” não é utilizado na sua concepção biológica, ou seja, é consenso que raças humanas não existem. Este termo _ étnico-racial _ possui validade enquanto “significado político construído a partir da análise do tipo de racismo que existe no contexto brasileiro e considerando as dimensões histórica e cultural que este nos remete. Por isso, muitas vezes, alguns intelectuais ao se referirem ao segmento negro utilizam o termo étnico-racial, demonstrando que estão considerando uma multiplicidade de dimensões e questões que envolvem a história, a cultura e a vida dos negros no Brasil “ (GOMES, 2005, p.47). 4 Segundo Lopes (2004, p.237) a palavra “diáspora” possui origem grega cujo significado é “dispersão”; “[...] o termo ‘Diáspora’ serve também para designar, por extensão de sentido, os descendentes de africanos nas Américas e na Europa e o rico patrimônio cultural que construíram”. 379 proejafinalpmd.pmd 379 18/11/2007, 19:32 cado de trabalho5 em um país que se orgulha da pseuda democracia racial que carrega como emblema. Os desafios em entender a presença e, paradoxalmente, a ausência negra em diferentes contextos, mais especificamente falando, o escolar, aflora, com mais intensidade, quando da minha participação no Projeto de Complementação do Colégio Municipal Pelotense. Este projeto refere-se à modalidade da EJA que recebeu esta denominação por parte da equipe que coordenava a Secretaria Municipal da Educação (SME) do município de Pelotas, durante o Governo da Frente Popular, compreendido entre o período de 2001 até 2004. O Projeto funciona à noite e recebe um grupo de alunos formado por jovens trabalhadores que deixaram de estudar já há algum tempo e por aqueles que se encontram fora do mercado de trabalho e buscam na escolarização a possibilidade de inserir-se no mercado de trabalho ou ascensão para profissões de maior prestígio6 que ocupam. A modalidade de EJA no Colégio Municipal Pelotense, através de uma percepção visual (pela não negação do olhar!!!), acolhe um número significativo de alunos negros. Esta realidade não é exclusiva do Colégio Municipal Pelotense, sabe-se que, em todo o país, a população negra ocupa o dobro7 das vagas ocupadas pela população não-negra nas turmas da EJA. Neste momento, não será abordado as inúmeras razões pelas quais os negros e negras são expulsos, precocemente, dos bancos escolares. 5 Os números relativos à educação são reveladores da situação da população negra: “ o tempo médio de educação de um jovem branco com 25 anos é de 8,4 anos, enquanto o negro na mesma idade passou apenas 6,1 anos na escola. Para cada negro que não sabe ler nem escrever há dois negros nessa condição. Entre os brasileiros com mais de 25 anos que têm curso superior completo há um negro para cada cinco brancos. Estudos recentes do professor Ricardo Henriques, do Ipea [...] traz um dado desmascarador da retórica evolucionista quanto à negritude: desde 1929, a diferença entre a escolaridade média dos adultos brancos e negros é de 2,3 anos. E revela também que os negros eram, ao tempo de sua pesquisa, menos de 2% da massa de alunos das universidades brasileiras” (JOSÉ, p.65, 2004). Mais dados referente à educação, saúde, taxas de desemprego, mercado de trabalho, IDH (Indice de Desenvolvimento Humano) e outros, encontra-se no Relatório de Desenvolvimento Humano: racismo, pobreza e violência, PNUD, 2005. 6 Fonte: Censo Escolar 2005 inova ao revelar perfil racial dos estudantes brasileiros. Disponível em: www.açãoeducativa.org.br. Acessado em : 27/02/2007.Segundo dados do censo escolar de 2005, o total de matrículas observando o quesito cor/raça da população negra se constitui da seguinte forma: parda (1.993.114) e preta (532.750) (Fonte: Instituto Nacional de estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira/ INEP. Disponível: www.inep.gov.br e Acessado em: 27/02/2007). 7 O “prestígio” das profissões segundo Queiroz (2002, p.46) está relacionado refere-se ao valor conferido às profissões não é estabelecido “ apenas por critérios objetivos, dados pela sua demanda no mercado de trabalho, mas, em elevada medida, por uma representação construída socialmente, isto é, aquilo que a tradição consolidou”. 380 proejafinalpmd.pmd 380 18/11/2007, 19:32 No entanto, sabe-se que, independente das formas como o binômio discriminação/exclusão opera, o racismo8 está, em tese, presente neste processo. O racismo, na maioria das vezes, é invisibilizado por práticas (anti) educativas (MUNANGA, 2005; CAVALLEIRO, 2001) que, ao negá-lo, lhe confere, simultaneamente, sobrevida. Na concepção de Cavalleiro (2005,p.26), o silêncio escolar sobre o racismo cotidiano não só impede o florescimento do potencial intelectual de milhares de mentes brilhantes nas escolas brasileiras, tanto de alunos negros quanto de brancos, como também nos embrutece ao longo de nossas vidas, impedindo-nos de sermos seres realmente livres “para ser o que for e ser tudo”- livres dos preconceitos, dos estereótipos, dos estigmas, entre outros males . Por isso, a perspectiva desta escrita vai ao encontro do questionamento acerca de que modo a educação em todos os níveis e, principalmente, em EJA, pode se constituir uma pedagogia anti-racista9? Questiono-me também, se a diferença étnico-racial é elemento pedagógico para se pensar o processo de aquisição de novos conhecimentos que vislumbram uma formação humana que questiona e, dentro de alguns limites, pode transformar um mercado de trabalho e um mercado de afetos impregnados de preconceitos em relação à população negra? No processo de aquisição de conhecimentos técnico-científicos, os alunos da EJA são considerados sujeitos que através das suas experiências educativas, formais ou não, adquiriram aprendizados _ aprendizados de sobrevivência _ que podem se “constituir pontos de partida para novas aprendizagens quando retornam à educação formal” (FRIGOTTO, CIAVATTA e RAMOS, 2005, p. 1098)? A nova modalidade de ensino voltada para os alunos da EJA, o PROEJA, pode trilhar novos caminhos a fim de que não trabalhe na lógica da ‘descontextualização da tecnologia’ ao tratá-la como força autônoma desvinculada das ações humanas que a produziram e dela se apropriaram 8 Racismo, segundo Taguieff (1997, p.67), se “distribui por três dimensões distintas: as atitudes (opiniões, crenças, preconceitos, estereótipos, disposições ou predisposições), os comportamentos (conduta, actos, práticas, instituições, ou mobilizações) e as construções ideológicas (teorias, doutrinas ligadas a nomes de autores, visões de mundo, mitos modernos)” . Segundo o autor, “ nem o estudo do racismo nem a luta contra as suas formas atuais poderão basear-se simplesmente numa definição do tipo: ‘ O racismo é a doutrina que assenta na afirmação de uma hierarquia entre as raças humanas” (p.07). 9 Munanga (2005, p.17), afirma que “ a educação é capaz de oferecer tanto aos jovens como aos adultos a possibilidade de questionar e desconstruir os mitos de superioridade e inferioridade entre grupos humanos que foram introjetados neles pela cultura racista na qual foram socializados”. 381 proejafinalpmd.pmd 381 18/11/2007, 19:32 em contextos históricos” (LIMA FILHO apud CIAVATTA, 2006, p.217)? E, por fim, de que forma a lei nº. 10639, sancionada em 9 de janeiro de 2003, que obriga a inclusão da História e Cultura Africana e Afro-Brasileira na Educação Básica, se faz presente no cotidiano da EJA, como redirecionamento possível em relação a uma visão de educação e de mundo em que a ciência, cultura, trabalho e tecnologias são dissociadas, favorecendo, de sobremaneira, o modelo societário cuja produtividade nem sempre é produtividade de “mais” vida, “mais” alegria, “mais” prosperidade mas sim a produção , tão somente, de “mais-valia”10? A questão étnico-racial e o ensino profissionalizante: um olhar histórico e contemporâneo em relação à população negra. Ao ingressar no “Curso de Especialização em Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio na Modalidade de Ensino de Educação de Jovens e Adultos do Centro de Educação Tecnológica” , exacerba-se a minha capacidade reflexiva em torno da relação etnia/raça e EJA, quando passo a ter maiores informações a respeito do PROEJA, Programa de Integração da Educação Profissional Integrada ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos. Os Artigos 2º e 3º do Decreto nº. 5154/2004, se constituíram os preceitos legais para que o Ministério da Educação e Cultura (MEC) lançasse o PROEJA: [...] artigo 2º do Decreto 5154/2004, a saber: a organização, por áreas profissionais, em função da estrutura socioocupacional e tecnológicas; e a articulação de esforços das áreas da educação, do trabalho e emprego, e da ciência e da tecnologia. Pelo mesmo motivo, o artigo 3º desse decreto indica a possibilidade de oferta dos cursos e programas de formação inicial e continuada de trabalhadores segundo itinerários formativos, compreendidos como o conjunto de etapas que compõem a organização da educação profissional em uma determinada área, possibilitando o aproveitamento contínuo e articulado dos estudos. O parágrafo segundo do mes10 Em Bottomore (2001, p.227), encontra-se a seguinte definição de mais-valia : “ A extração de mais valia é a forma específica que assume a EXPLORAÇÃO sobre o capitalismo, a ifferencia specifica do modo de produção capitalista, em que o excedente toma a forma de LUCRO e a exploração resulta do fato da classe trabalhadora produzir um produto líquido que pode ser vendido por mais do que ela recebe como salário”. 382 proejafinalpmd.pmd 382 18/11/2007, 19:32 mo artigo indica a necessidade de esses cursos se articularem com a modalidade de educação de jovens e adultos (FRIGOTTO et. al. , 2005, p.1096). Este programa, o PROEJA, obriga as instituições da rede federal de educação técnica e tecnológica a destinar, a partir de 2006, o correspondente a 10% das vagas oferecidas no ano de 2005 para o ensino médio integrado à educação profissional ofertado a jovens acima de 18 anos e adultos que tenham apenas cursado o ensino fundamental (FRIGOTTO et. al., 2005, p.1097). Estudiosos da educação profissional no Brasil (MANFREDI, 2002; FRIGOTTO, CIAVATTA e RAMOS, 2005; CIAVATTA, 2006), levantam vários questionamentos de cunho político-ideológico acerca dos princípios que orientaram e, ainda, orientam a educação profissionalizante no Brasil. Os autores remetem-se às origens históricas do ensino profissionalizante e trazem como contraponto ao ponto de vista capitalista, outras concepções de trabalho, educação e cidadania: O que significa educar o cidadão emancipado e não apenas o cidadão produtivo? Ser produtivo, buscar a produtividade do trabalho e a qualidade dos produtos é, em si mesma, uma coisa boa, uma busca de humanidade em todas as épocas e ainda hoje, até no mais simples artesanato. Mas como redirecionar a formação do cidadão produtivo subsumido pelos critérios mercantis da produção capitalista? Como superar a dualidade estrutural da sociedade brasileira que sempre destinou o ensino médio propedêutico o que se destinam ao ensino superior, à formação da intelectualidade; e o ensino profissional aos “desfavorecidos da fortuna”, aos filhos dos trabalhadores, herdeiros das funções subalternas e das atividades manuais” (CIAVATTA, 2006, p.922). Ao voltar-me para a realidade na qual estou inserida _EJA_ e ao analisar as possibilidades de um curso de EJA com caráter profissionalizante como o PROEJA para os “desfavorecidos da fortuna”11, encontro em Queiroz (2004), ao refletir o “Trabalho, educação e ações afirmativas para o negro no Brasil”, a seguinte alusão em relação à população negra12 e aos seus vínculos com o ensino técnico profissionalizante: 11 Conforme Piovesan (2005, p.40), os “desfavorecidos da fortuna” têm cor porque, no Brasil, “os afro-descendentes são 64% dos pobres e 69% dos indigentes (dados do IPEA), em que no índice de desenvolvimento humano geral (IDH, 2000), o país figura em 74º lugar, mas que, sob o recorte étnico-racial, o IDH relativo à população afro-descendente indica a 108ª posição (enquanto o IDH relativo à população branca indica a 43ª posição)”. 12 Opta-se pela nomenclatura “negra”, seguindo o encaminhamento político do Movimento Social Negro e de alguns intelectuais que escrevem sobre a questão racial (GUIMARÃES, 2003; NASCIMENTO, 2003) que englobam a designação conferida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que “tecnicamente” fragmenta a população brasileira em pretos e pardos. 383 proejafinalpmd.pmd 383 18/11/2007, 19:32 [...] Os negros são, em todas as universidades, aqueles que apresentam as mais elevadas proporções de estudantes oriundos de cursos técnicos, evidenciando que, para significativa parcela deles, a prioridade com relação ao curso médio não era a continuidade dos estudos em níveis mais elevados, mas o ingresso no mercado de trabalho. Desse modo ao contrário do que ocorre com o segmento branco, na história escolar do estudante negro a universidade não se apresenta de imediato, como um projeto prioritário (p.52). Quando se tem a compreensão a respeito da história da educação do negro no Brasil (ROMÃO et. al., 2005), recupera-se os mecanismos através dos quais a população afrodescendente foi impedida de freqüentar a educação formal, bem como, as estratégias de escolarização forjadas pelos negros no âmbito de uma sociedade escravocrata ou de uma sociedade de abolição inconclusa . Segundo Silva e Araújo (2005), o ensino profissionalizante paulista surge em 1909 a partir do Decreto nº. 7556 do Presidente Nilo Peçanha. O objetivo deste projeto educacional seria o de instruir os filhos dos trabalhadores para a formação de um mercado interno com mão de obra qualificada. Nos anos da década de 1920, o ensino expande-se pelo interior do Estado e na década de 1930 “o ensino técnico é reformulado e equiparado ao curso secundário, aproximando-se das necessidades do mercado de cada região [...]” (SILVA e ARAUJO, 2005, p.73). A partir das escolas profissionalizantes paulistas, se escolarizou uma pequena parcela da população negra, independente da [...] conspiração de circunstâncias sociais que mantinham os negros fora da escola. Pretos e pardos que obtiveram sucesso nessa direção formaram uma nova classe social independente e intelectualizada. A mobilização desta classe configurou-se como um mecanismo de auto-proteção e resistência, servindo de base para a (re) organização das primeiras reivindicações sociais negras no pós-abolição e o surgimento dos movimentos negros (Idem, 2005, p.73). A insurgência na década de 1930, da Frente Negra Brasileira e do Teatro Experimental do Negro (TEN), na década de 1950, se constituiu um marco histórico para os movimentos sociais subseqüentes a estas organizações. Juntamente com a denuncia ao racismo, tais movimentos executaram práticas de educação popular para os negros que se constituíram projetos pedagógicos revolucionários cujo cerne era a construção e reconstrução identitária da comunidade negra . 384 proejafinalpmd.pmd 384 18/11/2007, 19:32 Na contemporaneidade, as lutas negras adentram a “grade” curricular da educação básica brasileira, através da lei nº. 10639/03. A lei 10639/03 e outros marcos legais no espaço da EJA : a necessária ruptura e emergência de novas construções de conhecimento e processos identitários A Lei de Diretrizes e Bases (LDB) nº. 9394/96, no seu Art. 4º, Inciso VI, assegura a “oferta de educação escolar para jovens e adultos, com características e modalidades adequadas às suas necessidades e disponibilidades, garantindo-se aos que forem trabalhadores as condições de acesso e permanência na escola”. Na medida em que a LDB assevera a importância em capturar as características dos alunos e assinala que as modalidades de ensino devem ser adequadas às necessidades dos mesmos a fim de que sejam garantidas as condições de acesso e permanência dos trabalhadores na educação formal, ela traz, em essência, uma perspectiva política em que a realidade social dos educandos é diretriz para a planificação e execução da tarefa pedagógica. A atenção ao retorno de jovens e adultos para o universo escolar, então, não tem como vir desacompanhada de um olhar sobre a sua história de vida econômica, social, cultural e, especificamente tratando, racial. Frente a isso, a lei nº. 10639/03, que altera o Artigo nº. 26 da LDB e torna obrigatório o ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana na educação básica, tem como objetivo o direito à igualdade de condições de vida e de cidadania, assim como, a garantia ao direito “ às histórias e culturas que compõem a nação brasileira, além de acesso às diferentes fontes da cultura nacional a todos os brasileiros” (Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura AfroBrasileira e Africana, 2004). A partir desta determinação legal, os educadores necessitam vislumbrar possibilidades de práticas que consolidem o ideário de uma educação anti-racista que, em síntese, proporciona a elevação da autoestima do aluno negro, favorece o respeito às diferenças religiosas, culturais e estéticas em uma escola que, obstante seu currículo monocultural, acolhe, cotidianamente, sujeitos sociais pertencentes a 385 proejafinalpmd.pmd 385 18/11/2007, 19:32 múltiplas culturas. Uma educação anti-racista, também gesta relações mais solidárias em um espaço que o respeito à singularidade do outro deveria ser a norma. Caberia recuperar a EJA como um lugar em que as relações entre quem ensina aprendendo e quem aprende ensinando, podem transcender a histórica cisão pertencente a uma sociedade do trabalho e, para muitos, do não trabalho, em que a divisão racial e social do trabalho, pressupõe agonisticamente, que para alguns é “dado” a potencialidade do pensar e para outros a suposta competência de, tão somente, executar. Corroborando com o pensamento acima, Ciavatta (2006, p.923) entende que a educação técnica de nível médio13 deve remeter seus educandos a seus fundamentos científicos tecnológicos e histórico-sociais, à compreensão das partes no todo a que pertencem, de tratar a educação como uma totalidade social, isto é, suas múltiplas mediações históricas e não apenas técnicas, tecnológicas ou produtivas. Ao construir, então, uma reflexão que articule mundo do trabalho e educação, situada em uma sociedade capitalista, urge a necessidade em transpor o sentido de uma luta que se resuma às questões voltadas à classe social de pertencimento; mesmo nas classes menos favorecidas economicamente, atrelada à luta pela materialidade das condições materiais de existência, estão presentes outras tantas lutas de cunho emancipatório corporificadas na “ rebeldia dos negros contra o racismo dos brancos, a luta dos trabalhadores imigrantes contra o nacionalismo xenófobo, dos homossexuais contra a discriminação sexual, entre as tantas clivagens que oprimem o ser social hoje” (ANTUNES, 2003, p.203). A inclusão do estudo das relações étnico-raciais na perspectiva de uma educação anti-racista nas turmas de EJA, pode conduzir o educador a um repensar crítico de suas práticas, resultando em novos olhares em relação aos elementos de um currículo eurocêntrico que, aliado ao 13 Manfredi (2002, p.209), traz dois exemplos de como no seio da sociedade civil, grupos sociais movidos por ideários político-ideológicos, têm sido protagonistas de iniciativas no campo da Educação Profissional que se constituem como iniciativas contra-hegemônicas aos grupos dominantes. A autora exemplifica tal reflexão a partir da experiência da formação profissional no projeto educativo do Movimento sem Terra e no Projeto Axé cujo nome remete-se à palavra axé do candomblé baiano que significa “ princípio vital, que permite que todas as coisas existam. A escolha desse nome além de ser uma homenagem à religiosidade baiana e à cultura afro-brasileira significa a afirmação de que a criança é o axé mais precioso da nação” (p.227). 386 proejafinalpmd.pmd 386 18/11/2007, 19:32 mito da democracia racial14, negligencia a existência do racismo e da discriminação no cotidiano escolar. Práticas racistas, com certeza, tendem a produzir mais práticas racistas e este ciclo reprodutivo de condutas e pensamentos pode, se não eliminado, ser questionado e fragilizado em um lugar que por não ser neutro _ o campo das educação-se constitui parte de uma engrenagem viva em que constantemente seres humanos estão em processo de refazimento das suas idéias e concepções em relação a si próprio e ao outro. É na perspectiva do jogo das identidades, da possibilidade de se construir como homens e mulheres, que a educação também intervém. A identidade compreendida enquanto um processo cambiante em que a mesma, ao não ser fixa, está sempre em mutação, transforma-se em conformidade com as experiências vividas e com a representação social do que se pode/deve ser ou não ser (HALL, 1999; MALOUF, 2003). A lei nº. 10639/03 tende a fortalecer as pertenças identitárias dos grupamentos étnicos, trazendo-lhes outras versões do que significou e significa o continente africano na sua relação com o povo brasileiro de todas as etnias/raças; os conhecimentos de matriz africana permanecem nos modos de filosofar, nas manufaturas, nas artes, na matemática, enfim, em vários campos de saber que estão subsumidos em densas relações de poder. O currículo enquanto artefato cultural, forjado no seio de disputas pelo poder, atua no governo (mando!) da subjetividade das pessoas ditando “ qual o conhecimento é legitimo e qual é ilegítimo, quais formas de conhecer são válidas e quais não o são, o que é certo e o que é errado, o que é moral e imoral, o que é bom e o que é mau, o que é belo e o que é feio, quais vozes são autorizadas e quais não o são (SILVA, 1995, p.166). Considerações, momentaneamente, finais! À guisa de encerramento deste diálogo inconcluído como decorrência de sua complexidade, acredita-se que o espaço da EJA e do PROEJA, sejam espaços em que a questão étnico-racial, por questões 14 “O mito da democracia racial pode ser compreendido, então, como uma corrente ideológica que pretende negar a desigualdade racial entre brancos e negros no Brasil como fruto do racismo, afirmando que existe entre estes dois grupos uma situação de igualdade de oportunidade e de tratamento. Esse mito pretende, de um lado, negar a discriminação racial contra os negros no Brasil, e, de um lado, perpetuar estereótipos, preconceitos e discriminações construídos sobre esse grupo racial” ( GOMES, 2005, p.57). 387 proejafinalpmd.pmd 387 18/11/2007, 19:32 históricas e contemporâneas, deva estar sempre presente. A modalidade de ensino para jovens e adultos se caracteriza pela especificidade de ensino em que, por algum motivo, as pessoas se viram impedidas de estudar no tempo regular. Para a população negra, os impeditivos acentuam-se na medida em que, enquanto sociedade cuja perspectiva de “progresso” se efetivaria com o extermínio da negritude presente no corpo e alma brasileira, os resquícios de tal pensamento excludente persiste reforçado por uma educação cuja perspectiva didática, metodológica e curricular tem o ocidente enquanto parâmetro. Acredita-se que os movimentos sociais há muito tempo têm tencionado o saber e fazer técnico-pedagógico e que o progresso anuncia-se quando se alia o conhecimento técnico ao conhecimento que gera “trabalho” de transformação da natureza, do homem e das suas próprias consciências. Torna-se difícil pensar em uma modalidade de ensino em que homens e mulheres sentem nos bancos escolares, sem que sejam contempladas as suas experiências de saber e de exclusão de outras formas de saberes; o manejo com as tecnologias e com as inovações requeridas pelo mundo do trabalho e da produção, só serão satisfatórias quando desafiarem o conhecimento humano a transformá-las em outros tipos de conhecimentos, seja na forma de máquina, seja na forma de serviços ou, então, de novas “gentes” que recuperem, cotidianamente, a boniteza de conviver com diferentes maneiras de ser. Para finalizar: “É aprendi que se depende sempre, de tanta muita diferente gente, toda a pessoa sempre é as marcas das lições diárias de tantas outras pessoas”! (Gonzaguinha). Referências ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: Ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. 6.ed. São Paulo: Ed. Boitempo, 2003. BOTTOMORE, Tom. Dicionário do pensamento marxista.Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001. CAVALLEIRO, Eliane. Educação anti-racista: compromisso indispensável para um mundo melhor In: CAVALLEIRO, Eliane. Racismo e anti-racismo na educação: repensando nossa escola. São Paulo. Ed Selo Negro, 2001. CIAVATTA, Maria . Os Centros Federais de Educação Tecnológica e o Ensino Superior: Duas lógicas em confronto. Educação e Sociedade, Campinas, Vol.27, n.96, Especial, p.911-934, Out.2006. 388 proejafinalpmd.pmd 388 18/11/2007, 19:32 FRIGOTTO, Gaudêncio; CIAVATTA, Maria; RAMOS, Marise. A política de educação profissional no governo Lula: Um percurso histórico controvertido. 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Vive-se um tempo em que as tecnologias modificam as relações em todos os sentidos da vida. As ações humanas determinam grandes avanços em algumas áreas, como as da ciência, da informática, das comunicações e paradoxalmente, o planeta sofre em nome do desenvolvimento e da civilização. Neste contexto, surgem idéias de vida e de igualdade fundamentadas no enfrentamento da discriminação. Entre estes projetos, encontra-se o movimento por uma sociedade de diferentes, uma sociedade inclusiva que leve em consideração as diferenças na igualdade dos seres humanos. Muitos setores da sociedade buscam, baseados nos princípios dos direitos humanos, uma melhor qualidade de vida envolvendo educação, saúde, moradia, lazer, trabalho, dignidade. A educação também passa por um momento de mudanças. A luta dos familiares, educadores e pessoas com deficiência, enfrenta o desafio da construção do conceito de inclusão educacional. Em Salamanca, na Espanha, em 1994, na Conferência Mundial de Educação Especial, foram construídos os pilares da educação inclusiva. As vozes dos parti1 Professora Coordenadora da EJA e Área Profissionalizante da APAE – Passo Fundo. Professora da Faculdade de Educação da UFRGS, Dra. em Educação, orientadora do Trabalho de Conclusão de Curso da autora do presente artigo. 2 391 proejafinalpmd.pmd 391 18/11/2007, 19:32 cipantes, representando 88 governos e 25 organizações internacionais, falaram e disseram o que as pessoas com deficiência já haviam pronunciado nas discussões, intervenções e realidades vividas diariamente pelo mundo: Acreditamos e proclamamos que: • toda criança tem direito fundamental à educação, e a ela deve ser dada a oportunidade de atingir e manter o nível adequado de aprendizagem; • toda criança possui características, interesses, habilidades e necessidades de aprendizagem que são únicas; • sistemas educacionais deveriam ser designados e programas educacionais deveriam ser implementados no sentido de se levar em conta a vasta diversidade de tais características e necessidades; • aqueles com necessidades educacionais especiais devem ter acesso à escola regular, que deveria acomodá-los dentro de uma Pedagogia centrada na criança, capaz de satisfazer a tais necessidades; • escolas regulares que possuam tal orientação inclusiva constituem os meios mais eficazes de combater atitudes discriminatórias, criando-se comunidades acolhedoras, construindo uma sociedade inclusiva e alcançando educação para todos; além disso, tais escolas provêem uma educação efetiva à maioria das crianças e aprimoram a eficiência e, em última instância, o custo da eficácia de todo o sistema educacional “(Salamanca, 1994, p. 1) . Este novo paradigma vem movendo ações de transformação nos países signatários. No Brasil, o Ministério da Educação prepara a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva: “Nesta perspectiva, o Ministério da Educação/Secretaria de Educação Especial apresenta o documento Política Nacional de Educação Especial Inclusiva, que considera a evolução dos marcos filosóficos, políticos, legais e da pedagogia, definindo novas diretrizes para os sistemas de ensino. Essas diretrizes devem se traduzir em políticas educacionais que produzam o deslocamento de ações e incidam nos diferentes níveis de ensino, acompanhando os avanços do conhecimento e das lutas sociais, constituindo políticas públicas promotoras do amplo acesso à escolarização.” (MEC,2007,p.3) Quando se fala em sociedade inclusiva, para além da educação, se pensa em outros aspectos da vida cotidiana. Dentre estes aspectos, talvez o de maior importância seja, a inclusão no mundo do trabalho. A legislação trabalhista brasileira também vem sofrendo modificações e no que diz respeito à inclusão de pessoas com deficiência, vem determinan392 proejafinalpmd.pmd 392 18/11/2007, 19:32 do a não discriminação e o atendimento igualitário em relação às vagas e especificidades de cada pessoa. A necessidade de formação qualificada para o trabalho e o direito da pessoa com deficiência estão explícitos na LDB e, a partir dela, na sua regulamentação através do Parecer 17/2001 do Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Básica e Diretrizes Nacionais para Educação Especial, quando determinam que a educação profissional é um direito do aluno com necessidades educacionais especiais e visa à sua integração produtiva e cidadã na vida em sociedade. Deve efetivar-se nos cursos oferecidos pelas redes regulares de ensino públicas ou pela rede regular de ensino privada, por meio de adequações e apoios em relação aos programas de educação profissional e preparação para o trabalho, de forma que seja viabilizado o acesso das pessoas com necessidades educacionais especiais aos cursos de nível básico, técnico e tecnológico, bem como a transição para o mercado de trabalho. (BRASIl, 2001, p. 28) A questão fundamental é que as idéias geradas nas grandes convenções e assembléias e, também, a legislação por si só, não levam a ações concretas. São, na verdade, o primeiro passo, porém, devem se traduzir em mudanças reais no dia-a-dia das pessoas, gerarem o novo e a inclusão social de modo que o respeito à diversidade impulsione “ações de cidadania voltadas ao reconhecimento de sujeitos de direitos, simplesmente por serem todos, seres humanos. Suas especificidades não devem ser elemento para a construção de desigualdades, discriminações ou exclusões, mas sim, devem ser norteadoras de políticas afirmativas de respeito à diversidade, voltadas para a construção de contextos sociais inclusivos”, como nos diz o Documento do MEC: Educação Inclusiva – A fundamentação Filosófica. (BRASIL, 2006, p. 4). Neste sentido, a necessidade de se ouvirem as falas que dizem, na história das pessoas com deficiência, na história dos movimentos que atendem a pessoas com deficiência, nas vozes de seus familiares e educadores, na escrita dos documentos oficiais, nas lutas diárias das pessoas que dizem, pelas suas ações, que é possível um mundo sem exclusões e discriminações. Este trabalho, portanto, tem por objetivo, ouvir as falas, determinando expectativas dos educandos da Escola Especial O Sorriso de Amanhã da APAE – Passo Fundo, em relação ao mundo do trabalho e às possibilidades da organização do currículo integrado EJA-Educação Profissional. 393 proejafinalpmd.pmd 393 18/11/2007, 19:32 Falas que dizem, na história A Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais - APAE é um movimento iniciado no Rio de Janeiro, em 11 de dezembro de 1954. Um grupo de pais, amigos, médicos e professores de pessoas com deficiência, organizaram a primeira Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais, a primeira APAE do Brasil, ocorrendo, em março de 1955, a primeira reunião do Conselho Deliberativo. A APAE de Passo Fundo surgiu da necessidade de criar uma escola para pessoas co deficiência. Este objetivo movimentou a campanha de fundação, onde um grupo de senhoras, em junho de 1967, criou a entidade. A partir do Estatuto a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais - APAE de Passo Fundo, estava já em funcionamento. Em 1984, a Escola Especial O Sorriso de Amanhã foi reconhecida enquanto tal, com o objetivo do desenvolvimento da Educação Infantil, Ensino Fundamental e Educação de Jovens e Adultos, tendo hoje, seu Regimento aprovado pelo Conselho Municipal de Educação e pelo Conselho Estadual de Educação. Atualmente, a APAE de Passo Fundo tem caráter cultural, assistencial, educacional, de saúde, de estudo e pesquisa, com capacidade de atendimento para 400 pessoas com deficiência mental e/ ou múltipla, de zero ano à idade adulta. Conta, portanto, com a Escola Especial O Sorriso de Amanhã, o Centro de Triagem, Diagnóstico e Pesquisa Regional (CTDR), e o Centro de Aprendizagem Rural (CAR). Os educandos da Educação de Jovens e Adultos são 165 habitantes dos municípios de Passo Fundo, Coxilha, Pontão e Mato Castelhano. São oferecidas atividades na área do lazer (passeios, visitas educativas, música, filmes, teatro), na área da profissionalização (artesanato, pintura em tela, bijuterias, culinária, informática, saúde alternativa) e na área do conhecimento formal (escolarização - distribuída nas áreas do conhecimento e etapas da Educação de Jovens e Adultos), além dos projetos de apoio que são, hoje, o coral e a dança. Vinte educandos participam do projeto do trabalho, como jovens aprendizes, na lavanderia, padaria, recepção, cozinha, limpeza, digitação e na escola, além do CAR: Equoterapia, agricultura e serviços gerais. Falas que dizem, na construção do novo Historicamente, constituiu-se o paradigma da segregação para pessoas com deficiência ou com altas habilidades. Somente a partir do ano 394 proejafinalpmd.pmd 394 18/11/2007, 19:32 de 1981, denominado pela ONU como o Ano Internacional das Pessoas Deficientes, começaram as discussões sobre as questões da pessoa com deficiência. Embalados por esse debate, especialmente fomentado por pessoas com deficiência, seus familiares e educadores, na busca de uma efetiva aplicação de seus direitos enquanto cidadãos, os organismos internacionais começaram a propor processos de mudanças. Na área educacional, em especial, aconteceu em 1990, em Jomtien, na Tailândia, a Conferência Mundial de Educação para Todos. Já em 1994, Salamanca, na Espanha, foi o local da Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais, com o objetivo de discutir como atender às pessoas com necessidades educacionais especiais. Os países signatários declararam que todas as crianças têm interesses, características, capacidades e necessidades de aprendizagem que lhe são próprios e que devem, por isso, serem atendidas em suas diferenças. Depois da Convenção da Guatemala, em 2001, o Estado brasileiro, através do decreto 3.956, propôs a eliminação de todas as formas de discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência. No mesmo ano, houve a regulamentação da Educação Especial, no Brasil, com a publicação, pelo Conselho Nacional de Educação, do parecer 17/2001, que conceitua a inclusão, dizendo que a construção de uma sociedade inclusiva é um processo de fundamental importância para o desenvolvimento e a manutenção de um Estado democrático. Entende-se por inclusão, a garantia, a todos, do acesso contínuo ao espaço comum da vida em sociedade, sociedade essa que deve estar orientada por relações de acolhimento à diversidade humana, de aceitação das diferenças individuais, de esforço coletivo na equiparação de oportunidades de desenvolvimento com qualidade, em todas as dimensões da vida. (BRASIL, 2001, p. 7) Os sistemas de educação, nos municípios, agregando-se a esta política, passaram a implementar um processo de discussão em torno da inclusão social da pessoa com deficiência, desde a sala de aula, formação de professores, atendimentos especializados, escolas especializadas, prevenção, saúde, habitação, acessibilidade e trabalho, para a efetivação dos direitos de todas estas pessoas. Em relação ao mundo do trabalho e ao exercício profissional de pessoas com deficiência, este novo modo de pensar aparece na realidade sob dois aspectos. Um que diz respeito à própria possibilidade da pessoa com deficiência e outro em relação à legislação e à concorrência em igualdade de condições com todos os demais trabalhadores. 395 proejafinalpmd.pmd 395 18/11/2007, 19:32 Na Proposta APAE Educadora, que fundamenta toda a ação pedagógica do Movimento Apaeano, a formação para o trabalho é colocada como condição para o pleno desenvolvimento, a autonomia e o exercício da cidadania. Como explicita a proposta, a LDB 9394/96 enfatiza a necessidade de vinculação da escolarização ao mundo do trabalho e, além disso, afirma que “a educação profissional é uma modalidade educativa aberta a qualquer pessoa, considerando os níveis mais elevados de escolarização ou a condição de não-escolarização”. A APAE toma a legislação e esclarece que, para as pessoas com deficiência mental, essa prerrogativa legal merece consideração. (FENAPAEs, 2001, p. 45). Materializou-se, portanto, no Movimento Apaeano, a partir da Proposta APAE Educadora, a prática voltada para a execução da legislação e com vistas às expectativas dos educandos e de suas famílias. Falas que realmente dizem. Esxpectativas dos educados em relação ao mundo do trabalho A Proposta da APAE – Educadora e a própria legislação já apresentam os fundamentos para uma educação voltada para a realidade, porém, o mais importante objetivo é encontrar o modo de construir uma proposta de escola em que, os educandos e suas expectativas, sejam envolvidos no processo. A presente pesquisa foi realizada na Escola. O questionário foi respondido por escrito por educandos da Educação de Jovens e Adultos, hoje organizada como Escolarização - Etapa II A, que possuem entre 16 e 26 anos, por educandos que já foram incluídos e que retornaram à Escola por opção das família,. por uma educanda que freqüenta o Ensino Regular e optou pela Escola Especial para apoio pedagógico e Atividades Variadas, participando da Etapa da Iniciação para o Trabalho. Algumas categorias de análise podem ser construídas a partir das respostas dadas, na perspectiva de um currículo integrado – EJA e Área Profissionalizante. A partir daí, pode-se considerar: a) a importância do trabalho e da educação na vida de todo ser humano; b) o lugar do trabalho para a realização pessoal e melhoria das condições de vida; c) a possibilidade que cada um possui de fazer escolhas e de estas serem decisivas para a realização profissional; d) a expectativa em relação à possível ocupação profissional; e) o conhecimento das reais possibilidades de cada um; f) a formação escolar como fundamento para o bom desempenho profissional, no que diz respeito à leitura, à escrita e às 396 proejafinalpmd.pmd 396 18/11/2007, 19:32 habilidades e competências nas diversas profissões; g) as possibilidades de aprendizagem de cada um; h) a escola como centro formador para a capacitação profissional; i) a escola como vínculo com o mundo do trabalho, no que diz respeito à organização das possibilidades de emprego, segurança na formação; j) a compreensão das necessidades de formação para inserção no mundo de trabalho; l) a compreensão do mundo do trabalho como algo mais amplo que a própria atividade profissional, entendendo as dificuldades de sua organização; m) a compreensão das relações de trabalho; n) o identificar-se como pessoa com deficiência; a luta pelos direitos e consciência dos deveres; o) a compreensão da cidadania na prática profissional. A escola e a constituição da autonomia O que significa ser autônomo? A autonomia está colocada para os indivíduos na relação de dependência ou não de outras pessoas e do meio ambiente onde se vive. Isto significa, para a pessoa com deficiência, o grau de independência com que executa as ações do dia-a-dia, na família, escola, ambiente social e nas relações de trabalho. É a capacidade que a pessoa possui de fazer escolhas, de se constituir enquanto ser humano de direitos, mas também de deveres. Autonomia é uma capacidade que se constrói na medida das relações sociais e de situações de aprendizagem em que são colocadas as pessoas, além das próprias condições de cada ser. A escola se situa neste lugar: o das aprendizagens, para além das condições pessoais de cada um, identificar as possibilidades de, no convívio social, sentir-se capacitado e realizado também profissionalmente. Os educandos identificam o papel social da escola: ensinar a leitura e a escrita como suportes para o exercício profissional, dar condições para o desenvolvimento das capacidades laborativas. Identificam, também, a função da escola em preparar, habilitar, formar para o trabalho, para o exercício de uma profissão. Sabem de suas limitações, mas identificam possibilidades e se identificam com as profissões que reconhecem no seu dia-a-dia. Falam e dizem da necessidade do conhecimento para adquirirem autonomia e capacidade para trabalhar. Identificam os problemas e as dificuldades do mundo do trabalho em dar condições de empregabilidade a todas as pessoas com deficiência ou não. Os educandos apontam para a necessidade da qualificação profissional, pois desejam entrar no mercado para competir profissionalmente. Buscam seus direitos. Na prática, não desejam ser protegidos. Entendem 397 proejafinalpmd.pmd 397 18/11/2007, 19:32 o trabalho como condição para a realização humana. Ainda não se sentem preparados, mas acreditam na proposta da escola, no que diz respeito a sua preparação para o mundo do trabalho. Sentem-se cidadãos e, como tais, capazes de, autonomamente, buscar formação e trabalhar. Gostariam de ter sua renda, sentirem-se úteis socialmente para ajudar as suas famílias, não sendo “um peso” para os pais e responsáveis. “Produzir” na sociedade, para a sociedade. Buscam ter na instituição um programa de inserção no mundo do trabalho, pois entendem o seu papel de construir, coletivamente, a formação e a possibilidade do emprego. Para que isso aconteça, “defendemos, hoje, uma capacitação profissional irrestrita” mais abrangente, mais inclusiva, integral, voltada à diversidade humana. “Isso significa dizer que os cursos existentes e os cursos futuros deverão adaptar-se ao perfil do novo alunado, esse alunado que reflete a diversidade humana. Essa abordagem segue o paradigma da inclusão social. Ou seja, é a sociedade que deve adequar-se às necessidades e habilidades das pessoas e não o inverso (grifos do autor)” (SASSAKI, 2006, p. 102). Perspectivas para a integração da EJA e da Área Profissionalizante Ensino Fundamental – APAE – Passo Fundo Existem, portanto, as bases legais e uma proposta – em andamento – do Movimento Apaeano, além das falas que explicitam as expectativas dos educandos quanto à formação profissional na Escola Especial O Sorriso de Amanhã da APAE de Passo Fundo. É necessário entender, no entanto, o que seja uma proposta de integração da Educação de Jovens e Adultos – Ensino Fundamental e Profissionalização. Esta Proposta – PROEJA pretende: a formação humana, no seu sentido lato, com acesso ao universo de saberes e conhecimentos científicos e tecnológicos produzidos, historicamente, pela humanidade, integrada a uma formação profissional que permita compreender o mundo, compreender-se no mundo e nele atuar na busca de melhoria das próprias condições de vida e da construção de uma sociedade socialmente justa. A perspectiva precisa ser, portanto, de formação na vida e para a vida, e não apenas para qualificação do mercado ou para ele. Por esse entendimento, não se pode subsumir a cidadania à inclusão no ‘mercado de trabalho’, mas assumir a formação do cidadão que produz, pelo trabalho, a si e o mundo. (MEC, 2006, p.10). 398 proejafinalpmd.pmd 398 18/11/2007, 19:32 Os educandos e suas famílias têm muito a dizer com relação às suas possibilidades de aprendizagem. A comunidade tem papel importante na definição dos objetivos educacionais e na recepção dos alunos inseridos no mundo do trabalho. A partir das falas dos educandos, podem-se apontar princípios para uma organização curricular voltada para o mundo do trabalho, na Escola: respeito à diversidade, construção da autonomia – respeito às escolhas individuais, realidade como ponto de partida, trabalho como princípio educativo, e a formação para os profissionais que atuam na EJA e na área profissionalizante a partir da construção de um currículo integrado e interdisciplinar. Neste aspecto, é fundamental o planejamento coletivo das atividades e da pesquisa da realidade, entendendo a aprendizagem como processo, e a avaliação como definição de rumos a serem tomados para que os objetivos sejam alcançados, evitando, assim, a fragmentação da proposta curricular. Para que a inclusão se efetive, realmente, a partir da escola e do trabalho, além da compreensão restrita, é preciso vivê-la como a idéia de uma sociedade inclusiva que “se fundamenta numa filosofia que reconhece e valoriza a diversidade, como característica inerente à constituição de qualquer sociedade” (BRASIL, 2006, p.5). Conclusão Revendo os princípios que norteiam a Proposta do PROEJA é necessário salientar que é importante entender o programa, num sentido amplo, como uma política pública e também assumi-lo como proposta de escola – possibilidade de escolarização e de formação para a vida e para o trabalho, ter o currículo fundamentado no trabalho, entendendo que as pessoas “homens e mulheres, produzem sua condição humana pelo trabalho, ação transformadora no mundo, de si, para si e para outrem” (MEC,2006, p.35) e ter a pesquisa como fundamento da formação de educadores e educandos, todos os envolvidos no processo ensino-aprendizagem, na escola. Portanto, a partir destes pressupostos, é possível a implementação da proposta do PROEJA na Escola Especial O Sorriso de Amanhã da APAE – Passo Fundo, considerando, como condição, as falas que dizem, indicando sobretudo, que as falas das pessoas que construíram, com suas vidas, pensamentos e opções a realidade, são importantes e têm significado. 399 proejafinalpmd.pmd 399 18/11/2007, 19:32 Referências BRASIL. Educação Inclusiva: A Fundamentação Filosófica. Documento MEC. Brasília – DF: 2006. _______. Parecer 17/2001 – CNE/CEB – Diretrizes Nacionais para Educação Especial na Educação Básica. _______. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Versão preliminar. Mimeo. MEC. Brasília – DF:2007. _______. Programa de Integração da Educação Profissional Técnica de Nível Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA – Documento Base. MEC. Brasília – DF: 2006 CONFERÊNCIA MUNDIAL DE EDUCAÇÃO ESPECIAL. Declaração de Salamanca – sobre princípios, políticas e práticas na área das necessidades educativas especiais. Salamanca, Espanha: 1994. CONVENÇÃO DA ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Convenção Interamericana para a eliminação de todas as formas de discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência. Guatemala: 1999. FENAPAEs. APAE Educadora: A escola que buscamos – proposta orientadora das ações educacionais. Brasília – DF: 2001. __________. Manual Pais e Dirigentes – uma parceria eficiente. (Atualizado) Brasília - DF: 2006. SASSAKI, Romeu Kazumi. Educação Profissional: desenvolvendo habilidades e competências. In: Ensaios Pedagógicos – III Seminário Nacional de formação de gestores e educadores. MEC. Brasília – DF: 2006. 400 proejafinalpmd.pmd 400 18/11/2007, 19:32 Prospecção – Pró-positiva Metáforas de um Tecnoimaginário na produção das subjetividades na Pesquisa em EJA e EAD na construção de um AVA para a Diversidade Ronaldo Jorge Rodrigues de Oliveira1 Malvina do Amaral Dorneles2 “A substância dualista de Cristo - O Desejo ardente, tão humano, tão super-humano, do homem de atingir Deus – tem sido sempre um mistério e indecifrável para mim – Minha principal aflição e a causa de todas as minhas alegrias e sofrimentos desde minha juventude tem sido a batalha infindável e impiedosa entre a carne e o espírito... e minha alma, a arena onde esses dois exércitos se encontraram e se digladiaram”3 Instante metafórico “Modernidade é uma aventura, um avanço para os espaços sociais e culturais muitíssimo desconhecidos, uma progressão em um tempo de rupturas, de tensões e de mutações” (BALANDIER, 1997) Há uma reflexão que gostaria que permeasse esse instante textual inicial, como pensar a pesquisa na atualidade? Diante de um processo de 1 Graduado em Ciências Sociais – UFRGS/IFCH-DS e aluno de Mestrado do PPG-EDU/ UFRGS. Militante do Movimento Negro – Unificado e Conselheiro do CODENE-RS – Conselho de Participação Desenvolvimento da omunidade Negra pela ONG_CADECUNE, Especialista em Educação PROEJA turma de Porto Alegre. 2 Diretora da Faculdade de Educação / UFRGS, Dra. em Educação, orientadora do Trabalho de Conclusão de Curso que resultou no presente artigo. 3 Nikos Kazantzakis, (Ultima tentação de Cristo – The last temptation of Chist, 136 min. Drama legendado, 18 anos, cor. 1988, Universal city – studios, Direção de martin Scorsese. 401 proejafinalpmd.pmd 401 18/11/2007, 19:32 globalização4 alucinante, diariamente no universo da sala de aula convivemos com sujeitos complexos e que exigem um olhar cuidadoso diante de suas especificidades, isto é, a sua diversidade étnica, cultural, religiosa e de gênero que se manifestam e muitas vezes não as reconhecemos. Não há como negar as profundas modificações que aconteceram na Educação de Jovens e Adultos - EJA a partir da LDB 9394/96, entretanto é importante salientar que essas mudanças estruturais e de concepção que envolvem uma discussão entre supletivo e EJA são decorrência de um processo de transformação do mundo real, independente de qual realidade nos referimos, pois o mundo da vida determina o mundo dos objetos jurídicos, legais e institucionais, do mesmo modo que do ponto de vista lingüístico, o documento escrito é efeito de linguagem já instaurada, instituída. A exemplo de tais modificações o público que convivemos em uma sala de aula de EJA se constitui cada vez mais de Jovens, segundo (Brunel, 2006, p.9) “Os diversos espaços da educação de Jovens e Adultos (EJA) têm recebido nos últimos anos um número cada vez maior de jovens e adolescentes.” Isto é, seres com expectativas, crenças, modos de vida muito diferentes dos quais atendíamos na ultima década do século passado. Compreende-se que os procedimentos que nós utilizávamos em meados dos anos noventa, enquanto procedimentos5 didáticos e de investigação, hoje em dia, para uma maior eficiência, devam ser readequados. Gostaria de acrescentar uma segunda reflexão: Quem é o público6 da EJA? Como pensar este sujeito e dar conta de suas especificidades conforme nos exigem os dispositivos legais? Para Balandier “É preciso aprender a ser explorador deste tempo, para não lhe ficar totalmente submisso e consentir em uma impotência que substituiria o poder pelo acaso”, de modo que ao se pensar a educação a partir de uma proposta transformadora, prescinde do reconhecimento do sujeito enquanto foco da ação. Movimento da idéia que encontra na metáfora 4 Para Octavio Ianni “a GLOBALIZAÇÃO está presente na realidade e no pensamento, desafiando grande número de pessoas em todo o mundo. A despeito das vivências e opiniões de uns e outros, a maioria reconhece que esse problema está presente na forma pela qual se desenha o novo mapa do mundo, na realidade e no imaginário” (Prefácio). 5 Para Maffesoli (2004) a mudança de comportamento e dos habitus juvenis são muito significativas, diz ele “A imprensa oficial é cada vez menos lida pelas gerações jovens, que preferem a horizontalidade da Internet, com seus foros de discussões e outras buscas de encontros, sejam sexuais, filosóficos ou religiosos.” 6 Esta questão remete-nos a reflexões a respeito da educação continuada, ou para a vida toda. Nesta condição, penso que a EAD se constitui em uma situação de EJA, até mesmo o curso de formação de tutores que acontece na UFRGS através do PEAD. 402 proejafinalpmd.pmd 402 18/11/2007, 19:32 do Contorno Antropológico, subsídios a pensar de modo reflexivo a possibilidade de pensar o sujeito enquanto uma categoria complexa, desde sua diversidade, entender singularidades e ambigüidades, pois somos atravessados por uma cultura que é anterior a nossa existência biológica, que nos exigem entender o cotidiano, o mundo do dia a dia, da vida. Compreendê-lo a partir da noção de Modernidade que “É movimento mais a incerteza” onde “o imaginário é usado tanto por uma quanto por outra” (Balandier, 1997:266). A pesquisa complexa percebe na metáfora um campo fecundo, para Morin (2004), metáfora é “carregar além de” e nessa perspectiva diz esse autor que “o processo analógico realiza-se como ondas percorrendo os diversos campos da mente, transportando de um domínio para outro imagens, noções, modelos”. A metáfora liga, é o cimento, o “com”, que constitui o laço e possibilita os saltos de uma idéia a outras. A noção de “matrix7” por exemplo, enquanto idéia da rede ilustra esta visualidade, onde cada nó articula uma complexidade de conexões. O ensaio metafórico oferece-nos uma riqueza de possibilidades no campo das Ciências e suas alternativas contribuem a especulações e abordagens reflexivas de modo bastante significativo ao partir-se do olhar da complexidade, para o entendimento dos diferentes modos de inscrição e subjetivação dos sujeitos8, pois o cultural se dá a partir da relação com o outro, desde um estar - juntos socializante, penso na constituição de um “circulo-de-confiança”, onde há a necessidade de que nos enxerguemos através dos outros, dos vários que nos constitui e dos muitos que convivemos cotidianamente, uma ação antropológica que ocorre através dos movimentos de identificações do sujeito que olha e questiona se identifica e se relaciona, e que também estranha o fenômeno, que mesmo sendo comum lhe é exterior. Sob essas perspectivas lançarei um olhar prospectivo, sobre a EJA e a EAD para a construção de um Ambiente Virtual de Aprendizagem – AVA a partir da concepção do Contorno Antropológico, tendo em vista os múltiplos movimentos de construção da identidade, como tipificação se utilizando do Tutor on-line. 7 O filme The Matrix, Andy e Larry Wachowski, Waner Home Vídeo – Brasil, color, 136 min. 1999, visualiza uma sociedade totalmente controlada por máquinas, a todo instante os sujeitos comuns podem ser invadidos pelos agentes que se transportam de um corpo a outro em perseguição a resistência a esse domínio em rede. 8 A idéia de complexidade leva a procurar entender as várias corporeidades do sujeito, o físico, o sensível, o criativo, o espiritual, o afetivo, etc. Assim, o imaginário fala muito, pois atravessa vários campos de sentidos. 403 proejafinalpmd.pmd 403 18/11/2007, 19:32 Viscosidade do Estar-Juntos Socializante Como definir o real9, que está aí, tão próximo ao qual sua familiaridade obstrui o estranhamento tão necessário ao fazer antropológico? Sua emergência põe em dúvida as certezas e convicções, não há como definir as saliências, tudo é ambíguo, relativo, momentâneo, assim são os instantes de vivências de uma aprendizagem descolonizante 10. Ritualisticamente há um ato de convulsão coletiva, a explosão de sentimentos e emoções, um sentido de identificação, que de acordo com Maffesoli (2003) constitui um “Perder-se na tribo afetual, a natureza matriz, um êxtase social, a dissolução do sujeito, uma explosão multiforme da couraça identitária, onde há a crescente importância dos sentidos e do sensível”. N’um segundo momento ritual a celebração, a epifinização do corpo e dos sentidos em fim a viscosidade social, o laço social que nos molda enquanto ser conjunto societal “gliscomorfo”; Maffesoli refere-se a “distinção do eu e do tu, que se subsome em um nós onipresente”, assim o estar-junto pode ser entendido a partir de uma “união mística, o desejo de entrar em contato, de “tocar” o outro”, um sentimento de “Empatia que faz viver em osmose com o outro”, onde o antropológico se manifesta pelo “selvagizar a vida”, sendo definido o “Selvagismo” como “sinônimo de vitalidade; a fecunda primitividade da criança eterna, o mito do puer aeternus11, diz esse autor, inaugura o destino individual coletivo. Essa questão faz perceber na identidade co9 Daí a máxima maffesoliana: “Só podemos entender bem uma época sentindo seus odores, os humores sociais e instintivos são mais eloqüentes a seu respeito do que muitos tratados eruditos (2004). 10 Pensar em um processo de descolonização dos espaços da escola, seu imaginário e as ações cotidianas que percebem como valor tudo que é imposto de fora, isto é Europa e Estados Unidos. 11 Aquela que é chamada popularmente de síndrome de ‘Peter Pan’, Puer Aeternus (‘menino eterno’) é o clássico estudo de von Franz sobre a juventude dentro de nós, sempre resistente ao trabalho e às relações, e incapaz de abandonar os sonhos e as fantasias da adolescência. Von Franz mostra-nos como essa inocência infantil pode impedir nossa auto-realização e nos condenar às decepções adoslescentes e à vida provisória. Analisando o conhecido O pequeno príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry, e o menos conhecido O reino sem espaço, de Bruno Goetz, a autora explora o potencial negativo do puer e sua relação com o complexo materno, o donjuanismo e a homossexualidade. Acima de tudo, ela ajuda tanto os homens como as mulheres a reconhecer esse aspecto da personalidade e a direcionar produtivamente a sua energia.Marie-Louise von Franz foi uma das mais próximas colaboradoras de Jung, dedicando-se depois da morte dele à continuação de sua obra e pesquisa. É atualmente a maior especialista em análise psicológica dos contos de fada e, nesta coleção já foram publicados seus livros: A individuação nos contos de fada, A sombra e o mal nos contos de fada e A interpretação dos contos de fada. (A Luta do Adulto Contra o Paraíso da Infância, MarieLouise von Franz, http://www.rubedo.psc.br/Revista/paulus/textos/puerete.htm) 404 proejafinalpmd.pmd 404 18/11/2007, 19:32 letiva aspectos dos signos que moldam as identificações dos seguimentos que tomamos como new tribos pós-modernas. Para esta visualidade, utilizei-me da metáfora do cibernantropo12 e sua aproximação com o mito imaginário do exu-elegbará13, que representa a identidade coletiva afro-brasileira, a partir da idéia de um Brasil “multimiscigenado” cujos vários contornos, uma mescla de desenvolvimento e desigualdade social, permitem-nos problematizar essa diversidade do outro na pesquisa, o quão preponderante são os efeitos da tecnocultura na vida e no cotidiano de nossa sociedade. A idéia de New Age14, enquanto Index que indica uma tendência orienta que para compreensão do outro é necessária “Ser com o outro” (2003). Perceber nesse contato com, os laços que se amolda aos contornos, “Um cimento constituído pelas emoções compartilhadas, pelas secreções animais e outros humores, que recordam que os humanos são feitos também de húmus”, afirma Maffesoli que “Orgia, é colocar em comum as paixões, (...) celebração dos mistérios. “O reconhecimento e a aceitação do outro em mim mesmo” (Maffesoli, 2003). Contorno teórico Balandier traz a noção de contorno antropológico como metáfora para falar de uma modernidade que é movimento mais incerteza, que se manifesta através de um vazio, um tempo de vacância, dado por um tempo de incertezas teórico-metodológicas, crises interpretativas e explicativas, transições aceleradas, imprevisibilidades, ruídos, diversidades, rupturas, ineditismo, desconhecimento. Como olhar o novo quando tudo “se apresenta sob o aspecto do movimento, da decomposição e da recomposição aleatória, do desaparecimento e da irrupção contínua do novo” (Balandier, 1997: 10), diante dos contornos que ficam imprecisos frente à lógica comum, à familiaridade das aparências, à realidade conhecida? Daí a metáfora do contorno antropológico, como recurso metodológico, que significa tomar distanciamento, colocar-se fora da 12 Conforme trago a reflexão em Possibilidades de uma Poética Afro-ritualistica em Educação (ver bibliografia). 13 Exu ou Bará é o deus Afro-brasileiro (Orixá) que reina nas encruzilhadas, senhor do destino individual e coletivo, habita a eletricidade, o ar, liga o mundo dos homens aos deuses, por isso o mensageiro, as comunicações, por seu impulso colérico e sua natureza sexual (fálica) muitas vezes é confundido com o diabo cristão. Sua cor é o vermelho e preto, seu símbolo é o tridente, possui dois chifres que representam o conhecimento, sua saudação é “Alupô”. 14 Nova Era. 405 proejafinalpmd.pmd 405 18/11/2007, 19:32 confusão para interrogar, buscar os possíveis, traçar outros itinerários contextualizar por aproximação o que se sabe o que se consensualiza, empreender uma exploração do conhecido buscando inventar uma cartografia15 resultante desse reconhecimento, a identificação de novas configurações e de sua interpretação. É um avanço para o desconhecido. A ação do contorno antropológico é dada por um duplo olhar, “uma ação cognitiva que permite uma compreensão tanto pelo interior (o antropólogo se identifica para conhecer) quanto pelo exterior (o antropólogo vê em função de uma experiência estranha)” (Balandier, 1977: 18). Dessa forma, o contorno é uma metáfora e como tal só entendido na sua substantividade, o que significa que não se aplica a uma ação de contornar, sim o antropologizar realizar um contorno é usar o recurso antropológico, de modo que a ação é o estudo antropológico, o antropologizar, pois a metáfora do contorno só existe enquanto tal, como substantivo. Os vários tempos de controle na EAD: O Tutor On-line - Contornos16 de uma identidade A perspectiva de entender as subjetividiades de uma identidade online, enquanto procedimento de análise em uma pesquisa, direcionou o meu interesse pelo uso das tecnologias na educação, a partir da constituição das oficinas de Descolonização do Corpo e da Expressão e Construção da Cidadania criadas e ministradas por mim no PEFJAT-UFRGS, passei a questionar sobre a necessidade de construir-se alternativas de aprendizagem diferentes das reproduzidas, muitas vezes, de modo naturalizado através do uso, quase mecânico do giz, saliva, olho, orelha, trazer o corpo, os sujeitos e suas vidas, isto é, complexidades para a sala de aula. Constituir-se uma experiência que mesclasse musicaliade, dança, poética, ritualística, gravador, videocassete, televisor, CD´s, câmeras fotográficas, hoje em dia o Computador e toda sua parafernália que cha15 Aleph_ava procura constituir tal configuração cartográfica, a carta A Roda da Fortuna (2007, 15) enuncia a trilha. Esta mandala é o mapa de bordo que delineia o percurso investigativo, como pode ser visto pelo cruzamento das descrições e ação temporal dos acontecimentos investigativos. 16 Para o entendimento do contorno propõe um deslocamento do centro, sair da confusão, procurar compreender as margens, as beiras, ouvir as bordas, assim em um ir e vir do olhar, através dos contrastes e semelhanças, procurar perceber a centralidade do que se fala, uma espécie de sinergia entre entropia e neguentropia, centro-periferia. Como experimento procurou-se aproximar as noções de complexidade, contorno e viscosidade, três áreas do conhecimento “separadas”. 406 proejafinalpmd.pmd 406 18/11/2007, 19:32 mamos de Novas Tecnologias de Informação e Comunicação, entender as possibilidades da pesquisa, limites e alternativas. A EAD, experiência de Informática na Educação, conforme os vários processo que acontecem na UFRGS a partir da experiência de Pedagogia AD permite pensar os vários usos das NTIC’s (Novas Tecnologias de Informação e Comunicação) e concomitantemente como se da à constituição da aprendizagem, a partir da auto-aprendizagem, conforme o movimento de identificação e apropriação de uma identidade, neste caso o Tutor on-line, enquanto uma identidade em construção. O tutor constitui-se em um híbrido na condição de ator no processo de construção da EAD enquanto modalidade de Ensino na UFRGS, nem professor, nem monitor nem aluno, o que é e quem é o tutor na UFRGS? Como reconhecê-lo e defini-lo perante as outras identidades, isso é, sujeitos co’partícipes da educação nesta Universidade, os alunos, os técnicos e os professores, qual a condição deste novo sujeito, se é permanente, momentâneo como entende-lo além da função que desempenha? Quanto de trabalho alienado está incorporado para a consolidação dessa possibilidade de aprendizagem e os níveis de poder que estabelecem essa relação e atravessam os sujeitos até o momento produziram reflexões a respeito dessa condição tutor. Neste processo inicial, minhas observações foram construídas através de um procedimento de observação participante, situações que aconteceram ao longo dos dois semestres enquanto tutor desta Universidade (2006-2007), alternando monitoramento e orientação a professores da rede pública vinculados ao PEAD na condição de alunos e do meu próprio processo de aprendizagem, enquanto aluno do curso de formação de tutores. Assim, me permitindo visualizar e pensar a constituição de uma identidade. Três categorias me chamaram bastante a atenção nesse processo, principalmente pela novidade que é o uso das TIC’s na EAD, a questão do trabalho alienado e a noção de mais-valia, os processos de auto-controle em oposição ao disciplinamento e a simultaneidade dos eventos. Essas categorias que até o momento permearam meu olhar auxiliam-nos a uma compreensão mais profunda sobre as interfaces do poder, as relações entre professor-aluno-tutor, tutor-tutor e na condição de sujeito em ação o significado do cuidado ético com os objetos de controle, tais reflexões serão trabalhadas de modo mais elaborado em outro instante textual. 407 proejafinalpmd.pmd 407 18/11/2007, 19:32 A intersecção da EJA e a EAD, facetas de uma complexidade EAD – Educação a Distância é uma modalidade de educação que pressupõe o rompimento das barreiras de tempo e espaço uma vez que é possível realizar as atividades de um curso sem a necessidade do deslocamento até a escola/universidade, ou seja, sendo a atividade assíncrona17, em qualquer tempo, isto é, sem o horário fixo determinado de um curso presencial. Utilizando-se das Novas Tecnologias de Informação e Comunicação, tem-se a possibilidade de interação aluno/professor, aluno/ colega, o que não se tinha no início da EAD onde os recursos utilizados eram correspondência postal, via rádio ou TV. A EAD através da Internet permite que os cursos tenham atividades sincrônicas e assincrônicas. A primeira exige que os participantes estejam conectados num mesmo local virtual, como exemplos sala de bate-papo, videoconferência e outros, em um mesmo horário. Já a segunda utiliza-se do mesmo local virtual, mas no tempo que o participante tiver possibilidade, como exemplos, fóruns de discussão, mural, o próprio correio eletrônico, entre outros. AVA- Ambiente Virtual de Aprendizagem: local virtual onde acontecem as interações que contribuirão para que os participantes construam seus conhecimentos. Fisicamente pode-se afirmar que é uma área na internet que contém recursos para gerenciamento de cursos e auxílio aos participantes (professor/aluno/tutor) no decorrer daqueles. Um AVA pode contar com as seguintes ferramentas: espaço para identificação (onde informa-se nome de usuário e senha); e-mail; fórum; mural; dowload/upload, bate-papo, comunicador instantâneo; estatísticas de acesso, videoconferência. A EJA, na forma como a LDB 9394/96 propõe, é uma modalidade de Ensino da Educação Básica. Porém, em meu entendimento, a EJA pressupõe os múltiplos espaços de formação humana onde encontram-se jovens e adultos. Atuar com as TIC’s em EJA pressupõe reconhecimento das especificidades que constituem as duas modalidades de ensino em questão. É preciso compreender que os processos de aprendizagem/ensino propostos pelas TIC’s envolvem a concepção de diferentes 17 Assim transparece a idéia de que tendo um plug, qualquer tempo é tempo de EAD, assim somos invadidos pela tecnologia que vai aos poucos determinando nossas ações cotidianas, a simultaneidade e velocidade das informações altera no ritmo diário, há muitas narrativas de tutores a UFRGS que se pré-ocupam com a distancia de um acesso a outros dos e-mail ou dos ambientes de controle. 408 proejafinalpmd.pmd 408 18/11/2007, 19:32 temporalidades, assim como a EJA propõe: são diferentes tempos de aprendizagem entre os sujeitos, o que, confortavelmente pode ser “comportado” nas TIC’s, tempo necessário de permanência para acomodação das Aprendizagens, assim como são diferentes os tempos de organização dos sujeitos, o que também é comportado pelas TIC’s, onde horário de acesso (onoff), as constantes de plug/não plug são mediadas pela necessidade de cada sujeito no seu processo de aprendizagem e assimilação do conhecimento disponível. São diferentes os tempos de disponibilidade ao acesso e permanência no ambiente, o que exige uma pressuposta autonomia do sujeito (no caso de ele possuir o recurso “em casa”). A possibilidade de retorno ao ambiente em qualquer tempo leva a uma noção de memória em permanente constituição, já que o ambiente se constitui por um currículo em movimento, essa questão do acesso de tudo a qualquer tempo e de qualquer lugar, onde todos acessam o tudo simultaneamente dá a noção de reconhecimento, democratização dos movimentos identitários dos sujeitos, salientando os diferentes níveis de poder que operam no processo. Constituição Metafórica de um AVA Para visualidade da noção de diverso e sua complexidade, que permeia o imaginário dessa pesquisa no campo antropológico em inserção na educação, apresento o ambiente metafórico [email protected], que encontra-se em estado bem incipiente. Este ambiente vem sendo arquitetado ao longo dos últimos dois anos enquanto a metáfora de um ambiente virtual de aprendizagem voltado à pesquisa da diversidade na EJA e a EAD. O Cibernantropo emerge enquanto figura metafórica que constitui a noção de um outro que não seja eu, conforme foi trabalhado em Possibilides de uma Poética Afro-Ritualistica em Educação19, se utilizando do ambiente de vivências de Descolonização do Corpo da Expressão e Cidadania20, que a fim de entender o acontecimento da aprendizagem desde um estar-juntos, permitiu-se pensar a pesquisa, através do imaginário de uma sala de aula. A perspectiva de compreender uma cultura ciber 18 aleph_ava · [email protected] aleph_ava · Aleph Ambiente Virtual de Aprendizagem - [email protected] 19 Referência na bibliografia. 20 Oficina pedagógica por mim coordenada e que tem como objetivos principais a pesquisa das subjetividades, o estudo do corpo e do imaginário no espaço de uma sala de aula e os vários recursos tecnocientíficos. Assim através do Centro Alternativo de Cultura Negra - CAdeCUNE procurei aliar aprendizagens a constituição desse instrumento de investigação. 409 proejafinalpmd.pmd 409 18/11/2007, 19:32 passa pelo entendimento dos vários níveis de controle e autocontrole aos quais estamos sujeitos e que a noção antropológica de cultura nos permite à visualidade através do conceito de “imprinting” de Edgar Morin, pois, segundo esse autor é através das experiências culturais que somos marcados de modo sem retorno. Essas questões ofereceram-me um desafio: dar conta da infinidade de objetos de investigação, um conjunto muito significativo de registros que compõe o inventário dessa pesquisa. A partir da sistematização de questionários e registros de depoimentos a respeito dos sentimentos e percepções das experiências de vivências descolonizantes, fui cada vez mais me aproximando das Novas Tecnologias de Informação e Comunicação N’TIC’s, a fim de solucionar um dos problemas que inquietou-me de modo significativo: o excesso de material colhido. Assim, Aleph está sendo pensado a partir de quatro funções, a primeira é a de constituir-se enquanto banco de registros e dados das vivências, a segunda, possibilitar a apropriação de conceitos mínimos a respeito de uma cultura de domínio cultural coletivo, neste caso a afro-brasileita, conforme pode ser evidenciado na arquitetura do ambiente, a terceira refere-se a conceitos de ordem científica, igualmente verificável através do desenho desse ambiente e por fim, um instrumento de produção de registros, relatórios, informações, etc, Nesta perspectiva, assim comporta o ambiente: · Cibernantropo: Roteiro Metafórico. · Glossário: Conceitos. · Apêndices: Vários suportes disponibilizados de modo a uma visualidade mais intensa do ambiente (links). · Estrutura: Construída através do uso do editor de texto, PPT, Blog, Pbwiki, e-mail, etc. Conforme me referi anteriormente, este ambiente está sendo construído. Abaixo apresento as etapas da construção metafórica do AVA para estudos da diversidade étnico-cultural: Primeira etapa – Esboço da idéia, produzida ao longo do mestrado em educação, no período entre 2004 e 2007. Segunda etapa – Produção de um roteiro ensaístico, que ocorreu no mesmo período referido anteriormente. Terceira etapa – Apresentação da proposta, que acontece através da dissertação, conforme bibliografia anexa e o presente artigo. Quarta etapa – Arquitetura do ambiente será finalizada em estudos futuros, o esboço do mesmo pode ser visualizado através do endereço [email protected]. 410 proejafinalpmd.pmd 410 18/11/2007, 19:32 Quinta etapa – Uso; etapa futura. Sexta etapa – Avaliação; etapa futura. Este momento O artista é alguém que tem coragem de dizer sim: Dizer sim, apesar de tudo, à vida! Maffesoli, 2003. Há uma pergunta que adormece e está latente no interior desse instante, qual o sentido e o significado do ser tutor; na importância e no sentimento que se expressa nesse instante final que é do acabamento de uma trajetória, diz-se do colocar-se na balança, medir, finalizar? Mas há sempre o seu contraditório, na duplicidade do olhar, não há conclusões definitivas no acontecimento científico, pois as coisas da vida e do universo estão sempre em movimento; a vida é movimento e assim vem-me essa metáfora do Contorno que fala dessa modernidade às portas de seu sentido Pós. Se a vida é movimento, como negar seu sentido Dialético, compreender que tudo se transforma nessa força transformadora que diz que tudo que é sólido se desmancha no ar. Assim emerge a vitalidade de todas as coisas que são dos sentidos e sentimentos, a vitalidade do humano que está no laço que compõe uma identidade. Talvez essa seja a maior aprendizagem que tive ao longo dessa experiência, perceber o quanto há de humus, isto é, orgânico e vísceras em um estudo de aprendizagem, o antropologizar que nos suscita a ação do Contorno do Antropológico, o sentido da metáfora que fala de uma complexidade humana, talvez aprendizagem mais significativa: entender a grande transformação humana que acontece através do uso da máquina, pela tecnologia. Ensinamento que emerge enquanto uma das muitas contribuições da EAD para a EJA e as Ciências da Educação, em seu estado de maturação, ser humano a partir da máquina21, essa é a nossa condição homociber? 21 O filme TRANSFORMERS propõe a visualidade de tal metáfora, narra uma guerra de seres máquinas de outro universo, que se trava no aqui e agora, no planeta Terra. A sensibilidade e ética das máquinas, que propõe-nos uma segunda chance, tal como em Inteligência Artificial, também de Steven Spielberg, propõe um pensar nossa condição humana. A experiência em EAD, principalmente no uso dos Fóruns, fizeram-me refletir sobre a necessidade do entendimento de que do outro lado daqueles cabos e terminais existe um outro humano. Já dizia Marx que no mercado há relações humanas por trás das mercadorias, uma noção de coisa humana, que não deixa de ser humana. (*) TRANSFORMERS [conhecida como GENERATION 1, ou apenas G1] Produção de Steven Spielberg do filme live action dos TRANSFORMERS. Com Michael Bay [responsável pelas bombas (!) Armageddon e Pearl Harbor] como diretor. 411 proejafinalpmd.pmd 411 18/11/2007, 19:32 Referências BALANDIER, Georges. O Contorno: Poder e modernidade. Rio de Janeiro: Bertrande Brasil, 1997 BRUNEL, Carmem. EJA: uma população cada dia mais jovem. In: Mundo Jovem: um jornal de idéias, ano XLIV, nº 372. PUCRS. Porto Alegre. 2006. FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. IANNI, Octavio, Teorias da Globalização. Rio de Janeiro, 1996. LÉVY, Pierre. Cibercultura. 2001. Editora 34, coleção trans. MAFFESOLI, Michel. A Parte do Diabo. Rio de Janeiro - São Paulo: Record, 2004. ______. O tempo das tribos: O declínio do individualismo nas sociedades de massa. 3ª ed. [s.l./s.d.]. Florense Universitária. ______. O instante eterno: O retorno do trágico nas sociedades pós-modernas. São Paulo: Zouk, 2003. MORIN, Edgar. O método 5 - a humanidade da humanidade: a identidade humana. Editora Sulina, 2005. OLIVEIRA, Ronaldo Jorge Rodrigues. Possibilidades de uma poética AfroRitualistica em educação. Porto Alegre: UFRGS, 2007. Dissertação (Mestrado em Educação). Programa de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2007. SANT´ANNA, Sita Mara Lopes (org). Aprendendo com Jovens e Adultos. 1ª ed. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 2001. ______. O Ensino de Língua Materna para Jovens e Adultos Trabalhadores: a busca de novos sentidos. Porto Alegre: UFRGS, 2000. Dissertação (Mestrado em Educação). Programa de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2000. 412 proejafinalpmd.pmd 412 18/11/2007, 19:32 As identidades e as diferenças na escolarização de jovens e adultos: reflexões sobre os desafios do PROEJA Dirnei Bonow1 Mauro Augusto Burkert Del Pino2 O debate sobre a diversidade e a escolarização de jovens e adultos A questão da diferença e da construção de identidades é um aspecto cada vez mais presente nas discussões pedagógicas3. Conforme o Documento Base do PROEJA, especialmente na escolarização de jovens e adultos, devem ser consideradas: (...) as condições geracionais, de gênero, de relações étnico-raciais como fundantes da formação humana e dos modos como se produzem as identidades sociais4. Nesse sentido, outras categorias para além da de ‘trabalhadores’, devem ser consideradas pelo fato de serem elas constituintes das identidades e não se separarem, nem se dissociarem dos modos de ser e estar no mundo de jovens e adultos. (MEC, 200, p.29) Assim, o debate sobre a diferença nas relações sociais – para além das diferenças de classe social –, e a emergência dos denominados 1 Professor do CEFET/RS – Pelotas ([email protected]) Professor da Faculdade de Educação da UFPel, Dr. Em Educação, orientador do Trabalho de Conclusão de curso do autor do presente artigo. 3 “O debate acadêmico sobre as diferenças socioculturais no campo educacional vem avolumando-se e complexificando-se recentemente também no Brasil”. (FLEURI, 2006, p.501) 4 Grifo do autor. 2 413 proejafinalpmd.pmd 413 18/11/2007, 19:32 novos movimentos sociais afirmando identidades sem visibilidade no debate político tradicional, configuram novos entendimentos sobre as relações de poder e sobre as possibilidades de eqüidade social. (WOODWARD, 2000). Neste processo de mudança, os campos acadêmico e social travam um intercâmbio profícuo, de forma que às vezes as fronteiras entre eles sejam desestruturadas, o que sem dúvida demonstra a emergência do tema e a sua importância para o esclarecimento dos diferentes aspectos da dinâmica social no mundo contemporâneo. “O que caracteriza a cena social e cultural contemporânea é precisamente o apagamento das fronteiras entre instituições e esferas anteriormente consideradas como distintas e separadas”. (SILVA, 1999, p.141). Sem a intenção de discutir a polêmica sobre a mudança de paradigmas ou as supostas evidências de um novo modelo de organização social que substituiria a modernidade, o objetivo deste artigo é apontar alguns caminhos para a reflexão sobre as conseqüências desse debate para a área educacional e, mais especificamente, para a interpretação do fenômeno da escolarização e para o planejamento do trabalho docente no âmbito da educação de jovens e adultos, especialmente do PROEJA. Tratar do premente tema da diversidade na escola e conseqüentemente das suas repercussões sociais, é algo que exige da escola mais que uma abordagem racional restrita ao conhecimento, pois o tema diz respeito a representações que subentendem determinadas relações de poder, que no cotidiano se manifestam em diferenciações, rotulações, privilégios e discriminações. Portanto, mais que uma questão de saber é uma questão de disputa política em prol de grupos tradicionalmente oprimidos e de valores que subsidiem a igualdade e a solidariedade, no reconhecimento das diferenças. Exige-se assim, dos trabalhadores da educação, além de uma consciência das formas de opressão, um processo de crítica e autocrítica sobre as representações sociais e sobre o seu papel como educador no cotidiano da escola. As finalidades da escola quanto ao tema, são opções políticas como qualquer outra finalidade educativa, contudo, neste caso, escolhas possivelmente mais polêmicas. Abordar a questão da diversidade é mais que uma questão acadêmica e formativa, pois é também uma questão de compromisso, de ação contra o preconceito e a discriminação. “Pela sua própria heterogeneidade, a diversidade cultural exige de nós um posicionamento crítico e político e um olhar mais ampliado que consiga ampliar os múltiplos recortes dentro de uma realidade culturalmente diversa”. (GOMES, 1999, p.02). É por isto, que o envolvimento dos professores tem que ter como base uma aproximação entre o campo do saber e o campo das lutas 414 proejafinalpmd.pmd 414 18/11/2007, 19:32 sociais, com os quais os professores muitas vezes mantêm contato superficial, sem que se estabeleçam outras formas de diálogo com os setores populares e seus movimentos sociais. Tanto do ponto de vista da pesquisa como do ponto de vista da pedagogia, a integração entre o campo acadêmico e o campo social, possibilita a aproximação entre investigação e realidade, entre observador e objeto de estudo, entre professor e aluno, contribuindo para aproximar estes diferentes olhares e oportunizando maior consciência e diálogo sobre um contexto permeado por diferenciações, que também são percebidas de maneiras diversas e até mesmo antagônicas. Segundo Simone Valdete dos Santos (2006, p.56): Reconhecendo na escola um campo privilegiado de saberes em disputa, estando de um lado, o saber historicamente construído, intitulado como saber científico, e de outro o saber popular, que serve ao provimento cotidiano da vida. O projeto político-pedagógico da escola precisa considerar estes diferentes saberes constituídos na e pela experiência de vida de jovens e adultos,(...) Assim, numa área de intervenção social como é a educação, a interpretação teórica deve ser acompanhada de um indispensável posicionamento perante a complexidade do tecido social, posicionamento que longe de ser dogmático e obscurantista deve estar calcado num eterno confronto entre o que se tem e o que se pretende. A ação educacional tem que ser orientada por uma finalidade, que não é só a crítica, mas que parte dela para propor determinadas formas de superação dos entraves a uma vida mais satisfatória; esta é a faceta política da educação, sem a qual ela não tem sentido. Portanto, a consideração das diferenças aponta para um entendimento crítico das diferentes formas de desigualdade estabelecidas nas relações sociais e, mais que isto, para um posicionamento político-pedagógico perante esta realidade. Esta postura ao mesmo tempo analista e interventora é uma necessidade do trabalho docente, no entanto, os profissionais e os discursos pedagógicos acabam, geralmente, por não dedicar a devida atenção, pois reduzem a atividade docente aos seus aspectos técnicos, administrativos e psicológicos, que só têm sentido se orientados por uma intencionalidade baseada num posicionamento e numa proposta em relação ao diagnóstico da realidade. (AFONSO, 2003) Todavia, não se pode restringir a atividade pedagógica ao debate político. Tanto na pesquisa como na sala de aula, no tratamento dos temas como, por exemplo, a desigualdade, subentende-se um 415 proejafinalpmd.pmd 415 18/11/2007, 19:32 posicionamento e uma atitude, contudo, esta é diferente da atitude exigida na disputa política. Na escola, e mais ainda na pesquisa, o exercício da dúvida, da apresentação e do debate racional dos diferentes pontos de vista e das suas fundamentações é uma exigência de rigor intelectual. O professor, portanto, quando aborda determinado assunto, precisa estimular a análise crítica das diferentes formulações teóricas e as suas conseqüências na análise e na intervenção social. Por outro lado, o jogo político, especialmente a disputa por cargos governamentais no âmbito da democracia burguesa, exige posicionamentos menos flexíveis, propostas e ações bem definidas, para as quais o exercício da dúvida pode significar um erro tático. Não que a racionalidade e a postura crítica devam ser dispensadas, mas ambas têm um papel mais limitado na busca pelo poder. Na escola, entretanto, há que haver um híbrido entre estas posturas, entre a investigação da realidade orientada pelos saberes científicos e a posição política assumida perante um contexto de diversificação e complexidade de valores. Tem que haver uma postura mais crítica que a da prática puramente política e uma postura menos distanciada que a da prática acadêmica, fundamentalmente porque a ação educativa é, além de informativa, formativa. Mas não é tarefa fácil conciliar tal atitude perante o conhecimento e a sociedade no âmbito da escola. Além de discutir a questão política que permeia o trabalho docente, geralmente desconsiderado, a escola, principalmente a pública, deve ser um espaço de respeito à diversidade, inclusive acadêmica e política, o que significa dizer que os diferentes entendimentos sobre pedagogia e sociedade devem ser considerados legítimos, desde que não ofendam os direitos humanos. Quando se discute a questão da diferença e a sua abordagem no conhecimento escolar, é necessário usar o trabalho pedagógico para esclarecer as formas sociais de estabelecimento da desigualdade, analisar os seus fundamentos e criticar as suas conseqüências. As diferentes áreas do conhecimento científico na sua transposição para conhecimento escolar nos oferecem bases racionais para se criticar o senso comum que fundamenta as desigualdades nas relações sociais; mas isto não é suficiente. O conhecimento por si só não garante uma postura responsável e ativa perante o preconceito e a discriminação, pois isto depende, sobretudo, de uma postura ética. É isto que deve orientar as definições sobre a questão da diferença na escola e fora dela, a investigação e análise do que é certo e errado no mundo contemporâneo e as diferentes fundamentações para esta ques- 416 proejafinalpmd.pmd 416 18/11/2007, 19:32 tão. Um debate democrático que auxilie na identificação e no enfrentamento, por meio do conhecimento e por meio da regulação das relações escolares, das estigmatizações e dos conflitos que permeiam as relações sociais dentro e fora dos muros da escola e que, a partir do reconhecimento da diferença como um elemento importante para a definição das identidades e para a compreensão da distribuição desigual de poder, estimule a construção políticas que questionem o imaginário dominante. Tomar a cultura como sendo um campo de contestação e conflito, permeado por relações de poder e, portanto, um campo em que se constroem diferenças e desigualdades e o currículo como sendo um dos espaços em que a produção cultural se faz, implica em questionar os saberes e práticas que produzimos, selecionamos e implementamos de forma a reconhecer o sexismo, o racismo e a discriminação que eles não só veiculam, mas constroem e ajudam a manter. Implica em procurar compreender quem tem a autoridade para dizer o que, de quem, em que circunstâncias. Implica, sobretudo, numa reflexão acerca de nosso próprio envolvimento em processos em que diferenças são nomeadas e transformadas em desigualdades sociais e políticas. (MEYER, 2000, p. 378). Contudo, tanto na condução das convivências na escola como no âmbito da sala de aula, a abordagem acadêmica e a resolução de conflitos que são provocados por diferenças de gênero, etnia, geração e religião, são tarefas extremamente delicadas porque mexem com a questão das identidades. Neste processo de construção de uma visão de si mesmo, a partir dos grupos e da sociedade na qual se está inserido, é fundamental o entendimento da importância, e das conseqüências, do contínuo estabelecimento de semelhanças e diferenças em relação aos outros, como uma das formas de se justificar e se afirmar a própria identidade por contraste. A construção da própria identidade, de indivíduos ou de grupos, em oposição à identidade dos outros, conforma padrões de normalidade, a cobrança por papéis sociais que correspondam a esta expectativa e a definição de estigmas, estereótipos ou rótulos5 sobre determinados grupos sociais. Estes são temas que precisam ser problematizados na escola, oportunizando reflexões tanto sobre as identidades dos professores como dos alunos, como também sobre a reprodução de discriminações no ambiente escolar e sobre a necessidade de tratamento crítico destas por parte dos professores, 5 Sobre esses conceitos ver Allan Johnson (1997). 417 proejafinalpmd.pmd 417 18/11/2007, 19:32 como forma de se pensar no desenvolvimento de intervenções pedagógicas que contemplem o debate sobre a diversidade e os valores necessários para se estabelecer relações sociais mais igualitárias, dentro e fora da escola. Sobre o entendimento do processo de construção da identidade, ressalta-se a visão de Stuart Hall: Essa concepção aceita que as identidades não são nunca unificadas; que elas são, na modernidade tardia, cada vez mais fragmentadas e fraturadas; que elas não são, nunca, singulares, mas multiplamente construídas ao longo de discursos, práticas e posições que podem se cruzar ou ser antagônicos. As identidades estão sujeitas a uma historicização radical, estando constantemente em processo de mudança e transformação. (2000, p.108). Desde os primeiros anos de vida, o ser humano está inserido num processo contínuo e inesgotável de adaptação social, que tem características especiais e únicas, ou seja, individuais, mas que é edificado na convivência social e, portanto, estabelecido sobre padrões de comportamento e representação que não se escolhe, mas que foram estabelecidos a priori e que são uma das formas, entre tantas outras, de criação de um conjunto de significados que dão sentido à vida. Neste percurso, repete-se uma série de hábitos e idéias que foram incutidos por diferentes formas de aprendizagem, conscientes e inconscientes, formais e informais, nos diversos grupos e agregados sociais pelos quais se passa. E, embora haja um padrão dominante ou hegemônico do ponto de vista cultural, nesta trajetória confrontam-se visões, princípios, expectativas, diversas e até mesmo antagônicas, que influem e desafiam identidades em constante desequilíbrio, principalmente no espaço urbano contemporâneo. Mais do que uma identidade, os sujeitos têm identidades, e tanto quanto se é objeto de um arcabouço material e simbólico, se é sujeito de uma história única e pessoal. O indivíduo repete e reproduz, mas o faz com variada autonomia e consciência das forças que o constituíram, a partir das quais pode constantemente se reconstituir, tendo sempre o(s) outro(s) como referência, positiva e negativa, e o ambiente como base. (GIDDENS, 2005). Sem apegar-se à eterna discussão sobre as determinações naturais e sociais, cabe ressaltar que na construção permanente da identidade, a experiência da diferenciação garante ao sujeito um lugar no mundo, um rosto na multidão, um jeito de ser e de ver que é inseparável dos grupos nos quais se insere e da visão que tem dos outros. Da mesma forma, a visão dos outros, mesmo que depreciativa, pode ser utilizada como forma de afirmação da identidade. A luta por um espaço e uma 418 proejafinalpmd.pmd 418 18/11/2007, 19:32 imagem é o fundamento da construção de identidades e de diferenças e a consciência deste mecanismo de integração, é primordial para se pensar sobre as atitudes e as escolhas políticas dos agentes. O entendimento destas questões entre o professorado ainda carece de um mínimo de atenção e, se o discurso na e sobre a escola já incorporou certos termos referentes ao debate sobre preconceito e discriminação, o cotidiano revela que a reprodução de representações desmerecedoras sobre determinados grupos não é problematizada. Será que é percebida? No âmbito da escola, nos diferentes rituais que caracterizam tal ambiente, podem ser identificadas manifestações de professores que incutem determinadas características a pessoas ou grupos e que não são outra coisa senão resultado de estereótipos – imagem falsa sobre grupos ou indivíduos –, que são a base do preconceito. O tratamento crítico de tal conceito pode auxiliar no esclarecimento das atitudes dos professores e as suas respectivas conseqüências no relacionamento, na aprendizagem e na avaliação, como também permitir uma reflexão sobre o imaginário dos professores, principalmente num curso caracterizado pela diversidade dos alunos como é o caso do PROEJA. Além disto, a questão da diversidade é importante para a formação integral dos alunos, pois é um tema em que a relação entre conhecimento e cidadania é bem concreta. Assim, a questão sobre como os professores percebem determinados comportamentos não padronizados, pode nos dar sugestões de como a questão da diversidade é compreendida e tratada na escola. Pesquisas sobre as atitudes dos professores em sala de aula já demonstraram como atua o preconceito, mediante expectativas socialmente construídas que os professores podem confirmar de acordo com o que projetam para os alunos conforme sua classe, cor, gênero, etc. 6 A questão da diversidade não só não é discutida como, muitas vezes, os professores não avaliam as conseqüências de atitudes às vezes impensadas, porque automatizadas por representações generalizadas a determinados grupos sociais. As contribuições das teorias sobre desvio nos indicam como tal mecanismo é importante7. A percepção que os alunos têm de si mesmos, da escola e dos professores também é importante para se analisar o tema da identidade e da diferença e reforça a necessidade desta discussão não só entre os 6 Ver, por exemplo, Meyer (2000, p.377). “Normas e, daí, desvio, são socialmente importantes porque ajudam a definir e regular as fronteiras dos sistemas sociais”. (JOHNSON, 1997, P.70). 7 419 proejafinalpmd.pmd 419 18/11/2007, 19:32 professores, mas também como conteúdo de ensino. Ao se trabalhar com o conceito de estereótipo com os alunos, especialmente da E.J.A., surgem uma série de questões que indicam a apropriação pelos alunos de um conceito abstrato que ajuda a entender o comportamento e as relações sociais. Alguns alunos, a partir da compreensão do papel da diferença na construção da identidade, relatam como afirmam a sua própria identidade ao caracterizar negativamente grupos diferentes, a partir de idéias pré-concebidas. Percebem os estigmas que aprenderam e que reproduzem, ao manifestá-los como verdades absolutas, mas que quando analisadas criticamente revelam o seu conteúdo arbitrário e discriminador, ou seja, de representações pré-concebidas que não resistem a uma apreciação rigorosa. Pode não significar uma mudança nas representações e menos ainda nas atitudes, afinal se lida com conceitos arraigados e não se tem garantia de que o trabalho escolar resulte em mudança de comportamento, mas, sem dúvida, esta é uma discussão que deve ser priorizada nas escolas e nos cursos de PROEJA. O compromisso com as premissas de uma educação integral para jovens e adultos A partir de uma fundamentada análise das causas e das conseqüências dos problemas educacionais brasileiros, o Documento Base do PROEJA situa com propriedade intelectual e clara opção política, a necessidade de se construir uma alternativa sólida de formação escolar que integre conhecimento e trabalho, constituindo-se assim numa possibilidade qualificada de inclusão social para jovens e adultos que foram apartados do ensino regular. Ao reconhecer a responsabilidade do Estado e da sociedade na busca de soluções para este complexo problema que afeta as trajetórias sociais de milhares de brasileiros e compromete o desenvolvimento social do país, o referido documento procura estabelecer os princípios que devem sustentar a política proposta e indicar as características pedagógicas de um projeto de escolarização de qualidade, baseado numa formação sociolaboral para jovens e adultos. Apesar de ser uma proposta bem contextualizada e bem alinhavada tanto do ponto de vista teórico como político, a sua execução pode ser afetada por tantos fatores previsíveis e imprevisíveis que a iniciativa pode 420 proejafinalpmd.pmd 420 18/11/2007, 19:32 se perder no limbo das inúmeras intervenções governamentais que não lograram sucesso na história educacional brasileira. Supondo, que se some a esta proposta bem elaborada, decididas ações governamentais que, independentemente das nuanças conjunturais da política partidária, consolidem a política como uma proposta estratégica de enfrentamento da dívida social, ainda é preciso lidar com as idiossincrasias das instituições e dos agentes, cujo envolvimento autônomo e crítico com os princípios do PROEJA é imprescindível para a efetivação de um projeto pedagógico qualificado de educação integral. Assim, considerando que na elaboração da política foi restrita a participação das comunidades escolares e acadêmicas, é necessário o desenvolvimento de mecanismos que estimulem a participação efetiva destas no debate e na condução dos cursos, condição indispensável para a consolidação de um compromisso crítico e responsável. Tal questão é primordial para que haja uma soma de esforços que garantam a eficácia do investimento, tornando-o uma possibilidade concreta de inclusão social, o que, no entanto, não depende só de formação escolar ou de uma única política pública, mas de uma mudança no modelo de produção e distribuição da renda; o que não diminui a importância de um programa como o PROEJA. Para que a seta se aproxime do alvo, o conhecimento e a identificação com os objetivos e pressupostos do programa são basilares na sua implantação e ampliação, de tal forma que esclarecimento sobre as suas intenções deve orientar a formulação, a execução e a avaliação dos projetos pedagógicos, superando as possíveis distorções sobre as finalidades da educação de jovens e adultos que podem limitar a implantação de tais projetos na rede federal de ensino, já que podem ser vistos como uma alternativa não qualificada ou não eficiente de educação profissional. A construção da proposta curricular deve, além de considerar as especificidades da modalidade, orientar-se por uma integração que procure superar a separação entre a formação propedêutica e a formação profissional, para a qual são necessários professores identificados com a proposta e dispostos a construí-la coletivamente. Pode parecer uma obviedade afirmar a necessidade do trabalho coletivo já que este é necessário em qualquer atividade pedagógica de escolarização, no entanto, frente às dificuldades características do trabalho docente que estão presentes na cultura escolar – entre as quais o individualismo dos professores8 – e a complexidade da integração pretendida no PROEJA, prescin8 “A postura individualista dos docentes tem servido de obstáculo ao acesso e à partilha de novas idéias e, conseqüentemente, a encontrar melhores soluções para os problemas do ensino”. (MORGADO, 2004, p.127) 421 proejafinalpmd.pmd 421 18/11/2007, 19:32 dir deste planejamento conjunto pode, além de desviar o foco do programa, acentuar as dificuldades de adaptação e de rendimento dos alunos e, conseqüentemente, a repetência e a evasão. Portanto, a intenção deste trabalho de identificar e analisar os princípios pedagógicos do PROEJA é uma imposição para o desenvolvimento das propostas político-pedagógicas que serão criadas. Um debate que não deve se restringir apenas a uma discussão prévia na criação dos cursos, mas que deve ser uma reflexão constante orientada por uma análise crítica destes pressupostos, como forma de avaliar se as finalidades do programa estão sendo atingidas. Entre estes princípios, a questão das características e da diversidade dos alunos de PROEJA, deve ser considerada neste programa, tanto no âmbito da adequação das instituições, para atender de forma eficiente às peculiaridades deste público, como no âmbito acadêmico, no tratamento da diferença como um tema de estudo e de interpretação das relações sociais e, ainda, no âmbito das políticas de enfrentamento do preconceito e da discriminação, inclusive dentro da escola, ampliando as noções de cidadania e de democracia. Este princípio é importante também para se valorizar a experiência multifacetada de jovens e adultos que, como sujeitos sociais, devem ser incentivados a desenvolver uma atitude ativa, de protagonistas da sua aprendizagem. Investigar, discutir e programar políticas que limitem atitudes preconceituosas e discriminatórias é uma tarefa exigente e necessária que requer o questionamento sobre as nossas representações e atitudes, de forma que as diferentes identidades sejam problematizadas no reconhecimento da diferença e no entendimento da responsabilidade, ética e política, que está implicada nos valores que estimulamos na educação escolar. Referências AFONSO, Almerindo Janela. Avaliar a escola e a gestão escolar: elementos para uma reflexão crítica. In: ESTEBAN, Maria Teresa (org.) Escola, Currículo e Avaliação. São Paulo: Cortez, 2003. (Série Cultura, Memória e Currículo, v.5). FLEURI, Reinaldo Matias. Políticas da diferença: para além dos estereótipos na prática educacional. In: Educação e Sociedade. Campinas: vol.7, n.95, p.495520, maio/ago.2006. Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br> GIDDENS, Anthony. Sociologia. 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