PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Simone Bueno O Currículo de Matemática Moldado e Praticado por uma Professora que atua na Educação de Jovens e Adultos MESTRADO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA SÃO PAULO 2013 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Simone Bueno O Currículo de Matemática Moldado e Praticado por uma Professora que atua na Educação de Jovens e Adultos Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, sob a orientação da Professora Doutora Célia Maria Carolino Pires. SÃO PAULO 2013 Banca Examinadora _____________________________________ _____________________________________ _____________________________________ Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta Dissertação por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos. Assinatura ______________________________ Local e Data _______________ Não sei... se a vida é curta ou longa demais pra nós, mas sei que nada do que vivemos tem sentido, se não tocamos o coração das pessoas. Muitas vezes basta ser: colo que acolhe, braço que envolve, palavra que conforta, silêncio que respeita, alegria que contagia, lágrima que corre, olhar que acaricia, desejo que sacia, amor que promove. E isso não é coisa de outro mundo, é o que dá sentido à vida. É o que faz com que ela não seja nem curta, nem longa demais, mas que seja intensa, verdadeira, pura... enquanto durar.. Cora Coralina À minha mãe, Clarice, que sempre foi um exemplo de ser humano, com seu esforço Luta e dedicação, e que Apesar de não conhecer o código escrito, conseguiu me ensinar lições Realmente valiosas que levarei para toda a vida e que serviram como um Impulso para que eu continuasse e nunca desistisse... lições estas que levarei no meu Coração assim como todo o carinho e amor por você, portanto neste momento Eu quero que você, minha mãezinha querida, sinta-se também titulada. AGRADECIMENTOS Tudo começou com um sonho que aos poucos foi se tornando realidade. Para torná-lo real, contei com o auxílio de várias pessoas que me ajudaram nesses dois anos, agradeço a todos aqueles que contribuíram para a realização desse trabalho. A Deus, luz espiritual, por tudo o que faz a cada dia em minha vida e por amparar e iluminar meu caminho À minha família, em especial meu filho Rafael, razão maior de meu viver, que me acompanha em todos os momentos, torcendo e comemorando cada vitória e a meu irmão Alexandre, pelos diálogos e por “olhar” nossa mãe nesses momentos de ausência Ao meu amor da alma, Milton César, a quem sempre pude contar nessa trajetória, por sua paciência, apoio, carinho, amor e por entender os momentos de ausência, sempre dizendo: estamos juntos! À Profª. Drª Célia Maria Carolino Pires, minha orientadora, que durante todo o tempo acompanhou-me com competência, compromisso e carinho contribuindo definitivamente para a concretização deste sonho. Aos professores examinadores desta pesquisa Profª. Drª. Laurizete Ferragut Passos e Profª. Drª. Denise Franco Capello Ribeiro pela leitura criteriosa e importantes observações no Exame de Qualificação. Aos colegas do Mestrado, em especial, Douglas Tinti, Ana Paula Perovano, Mariza Lima, Tatiane Souza, Regina Lúcia, pela amizade sincera, pelo convívio e incentivo nestes dois anos Aos colegas do Grupo de Pesquisa e Desenvolvimento Curricular e Formação de Professores de Matemática, em especial, ao querido Gilberto Januário, Adriano Vargas Freitas e Kátia Lima, pelas reflexões e discussões em grupo Aos professores do Mestrado, em especial Drª. Laurizete Ferragut Passos, Dr. Amando Traldi Júnior, Drª. Sandra Magina, Dr. Antônio Carlos Brolezzi, Drª. Sílvia Dias Alcântara Machado e Drª. Ana Lúcia Manrique, pelo diálogo e contribuição que contribuíram para meu crescimento acadêmico. À CAPES, pela concessão da bolsa de estudos que tornou possível a realização do curso. Aos professores e alunos da escola investigada, por contribuírem para que esta dissertação fosse possível. Aos amigos que durante os momentos mais conturbados foram colocados em segundo plano, mas compreenderam e tiveram carinho nesse momento Muito obrigada! A Autora RESUMO BUENO, S. O Currículo de Matemática moldado e praticado por uma professora que atua na Educação de Jovens e Adultos. 2012. 160f. Dissertação (Mestrado em Educação Matemática) – Programa de Estudos Pós Graduados em Educação Matemática. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo. Nosso estudo tem por objetivo investigar o Currículo de Matemática moldado e praticado por uma professora de Matemática que atua na Educação de Jovens e Adultos e seus conhecimentos profissionais, sob a perspectiva do currículo enculturador. O trabalho é de natureza qualitativa, caracteriza-se como estudo de caso. Baseia-se em trabalhos acerca do Currículo de Matemática, da perspectiva cultural da Matemática e do currículo enculturador, tendo como referencial teórico Alan Bishop, estudos de Célia Pires, no que diz respeito à organização curricular e Ole Skovsmose, no que se refere a critérios de escolha dos contextos dentro de um ambiente de aprendizagem matemática. Nosso foco estava relacionado com a postura da professora, ao selecionar e desenvolver os conteúdos propostos. Notamos que as opções metodológicas contempladas nas atividades propostas, em alguns momentos faziam referência à Matemática pura, e em outros momentos encontramos situações que oportunizavam o paradigma da investigação, pois os alunos assumiram o processo de exploração. Mediante as observações das aulas da professora e com base na categoria de análise que elegemos a partir dos nossos referenciais teóricos, concluímos que, no decorrer da atividade proposta pela professora podemos encontrar situações que favorecem a enculturação matemática. Concluímos também que a professora ao estimular a articulação entre os diversos temas favorece a articulação em rede. Palavras-chave: Currículo de Matemática, Educação de Jovens e Adultos, Enculturação Matemática. ABSTRACT BUENO, S. O Currículo de Matemática moldado e praticado por uma professora que atua na Educação de Jovens e Adultos. 2012. 160f. Dissertation (Masters in Mathematics Education) – Program of Studies Pos-Graduates in Mathematics Education. Pontifical Catholic University of São Paulo. São Paulo. Our study has the purpose to investigate the Mathematics Curriculum framed and practiced by a math teacher, who works in the Youth and Adults’ Education and theirs professionals knowledge, from the perspective of the enculturation curriculum. The study is the qualitative in nature, characterized as a case’s studies. Based on works on the Mathematics Curriculum in the perspective cultural of Mathematics of the enculturation curriculum, having as theoretical referential Alan Bishop, studies of Celia Pires, with regard to curriculum organization and Ole Skovsmose, that is referred to the criteria choice of contexts within a mathematics learning environment. Our goal was related to the teacher’s attitude, to select and develop the proposed contents. We noticed that the methodologies options contemplated in the proposed activities, sometimes referred to the pure mathematics, and the other times we find situations that optimized the paradigm of research, so the students assumed the exploration process. Through the observations of teachers’ classes and based on the category of analysis, that elected to the ours theory references, we concluded that, in the current activity proposed by the teacher we can find situations that provides the enculturation mathematics. We also conclude that when the teacher stimulated the articulation between several subjects provides the networking articulation. Keywords: Mathematics Curriculum, Youth and Adult Education, Curriculum enculturador. SUMÁRIO APRESENTAÇÃO .................................................................................................... 12 Inserção do trabalho no Grupo de Pesquisa ........................................................ 12 Trajetória profissional e motivações para o desenvolvimento do trabalho ........... 14 Relevância do tema pesquisado ........................................................................... 17 Problematização e Objetivos ................................................................................ 22 Detalhamento dos procedimentos metodológicos ................................................ 25 Estrutura do trabalho ............................................................................................ 31 CAPÍTULO 1 ............................................................................................................. 32 A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: MARCOS DE SUA TRAJETÓRIA ..................... 32 1.1 Aspectos históricos da Educação de Jovens e Adultos e o panorama atual . 33 1.2 Iniciativas da educação popular e os primeiros profissionais da educação ... 34 1.3 A consolidação da educação de adultos na década de 30 ............................ 38 1.4 A Campanha de Educação de Adultos ........................................................... 40 1.5 Novos paradigmas com o educador Paulo Freire ........................................... 43 1.6 A Educação de Adultos após a Constituição de 1988 .................................... 47 CAPÍTULO 2 ............................................................................................................. 58 ESPECIFICIDADES DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS ....................................... 58 2.1 A especificidade da Educação de Jovens e Adultos no tocante à formação docente .......................................................................................... 59 2.2 A especificidade da Educação de Jovens e Adultos no tocante ao ensino da Matemática .................................................................................... 62 2.3 Organização do Currículo ............................................................................... 68 2.4 Critérios para a escolha do contexto matemático ........................................... 72 CAPÍTULO 3 ............................................................................................................. 78 PERSPECTIVA DO CURRÍCULO DE MATEMÁTICA ...................................................... 78 3.1 A Matemática em uma perspectiva cultural .................................................... 79 3.2 O Currículo em uma perspectiva enculturadora ............................................. 81 CAPÍTULO 4 ............................................................................................................. 96 A PESQUISA DE CAMPO REALIZADA: CENÁRIO, ATORES E COLETA DE INFORMAÇÕES ........................................................................................................ 96 4.1 O Cenário da pesquisa ................................................................................... 97 4.2 O perfil dos alunos .......................................................................................... 100 4.3 O perfil da professora ..................................................................................... 102 4.4 Coleta dos dados pela pesquisadora ............................................................. 103 4.5 Roteiro de observação e categorias de análise .............................................. 104 CAPÍTULO 5 ............................................................................................................. 110 DENTRO DA SALA DE AULA .................................................................................... 110 5.1 Descrição da atividade proposta pela professora ........................................... 111 5.2 Descrição do desenvolvimento da atividade ................................................... 112 5.3 Reflexões sobre as observações das atividades e seu desenvolvimento ...... 133 CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................... 144 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 150 ANEXOS .................................................................................................................... 158 A- Roteiro da entrevista com a professora ........................................................... 158 B- Roteiro da entrevista com os alunos ................................................................ 160 12 APRESENTAÇÃO Gostaria muito de mostrar, neste discurso, que caminhos segui; e de nele representar a minha vida, como num quadro, para que cada qual a possa julgar; e para que, retirando do comum rumor as opiniões sobre ele formuladas, isso seja um novo meio de me instruir, que acrescentarei àqueles de que costumo servir-me. (RENÉ DESCARTES) Para que o leitor possa compreender os meus propósitos e os caminhos trilhados até a realização deste trabalho, farei, inicialmente, uma breve descrição evidenciando a minha trajetória profissional e as motivações para o desenvolvimento da pesquisa. Considero pertinente esta apresentação, por entender que os caminhos trilhados contribuíram para a escolha pela temática de investigação. Inserção do trabalho no Grupo de Pesquisa Nosso trabalho insere-se no grupo de pesquisa “Desenvolvimento Curricular e Formação de Professores de Matemática”, o qual iniciou seus trabalhos em 2000, com a finalidade de desenvolver pesquisas sobre o processo de organização, desenvolvimento e implementação de currículos e sua relação com o processo de formação e de atuação de professores, focalizando currículos de Matemática da Educação Básica e da Educação Superior, objetivando 13 contribuir para a construção de conhecimentos numa área que ainda é pouco explorada na Educação Matemática (PIRES et al., 2011). Em relação ao currículo de Matemática, sua organização e seu desenvolvimento constituem o cerne dos projetos de pesquisa do Grupo, dentre eles o projeto de pesquisa denominado “O currículo de Matemática na Educação de Jovens e Adultos: dos intervenientes à prática em sala de aula”. Esse Projeto tem por objetivo investigar o currículo de Matemática relacionado à Educação de Jovens e Adultos (EJA), considerando os diferentes intervenientes curriculares destacados por Sacristán (2000), como: documentos oficiais, material didático, avaliação, planejamento escolar, e a prática do professor ao mediar/promover situações de aprendizagem. As discussões no interior do Projeto são direcionadas por questões tais como: Quais são as recomendações dos documentos oficiais, nas esferas Federal, Estadual e Municipal, para o ensino da Matemática? Qual é a Matemática que está sendo ensinada para estudantes dos ensinos Fundamental II e Médio? Há diferenças e semelhanças entre o currículo recomendado pelas Secretarias Federal, Estadual e Municipal, nessa modalidade? Em caso afirmativo, quais são? Os materiais didáticos desenvolvidos para esse alunado estão de acordo com as recomendações oficiais? De que modo se dá a prática do professor ao mediar/promover situações de aprendizagem matemática?1 Nessa perspectiva, o olhar investigativo presente nesta pesquisa estará direcionado à prática do professor de Matemática da Educação de Jovens e Adultos, ao mediar/promover situações de aprendizagem. A partir deste ponto será utilizada a sigla EJA com referência à Educação de Jovens e Adultos. No tópico a seguir situaremos nossa trajetória profissional e as motivações para o desenvolvimento da pesquisa, assim como a relevância, os objetivos, a metodologia adotada e faremos um panorama do modo pelo qual a pesquisa está estruturada. _____________ 1 Em busca de ampliar o debate e responder essas questões, compõem o Projeto outras três pesquisas: (i) Adriano Vargas Freitas: O estado da arte da Educação de Jovens e Adultos (Doutorado); (ii) Kátia Cristina Lima Santana: Currículo de Matemática da Educação de Jovens e Adultos: uma análise baseada em livros didáticos (Mestrado); e (iii) Gilberto Januario: Currículo de Matemática da Educação de Jovens e Adultos: análise de prescrições na perspectiva cultural da Matemática (Mestrado). 14 Trajetória profissional e motivações para o desenvolvimento do trabalho Minha trajetória profissional em Educação começou ao ingressar como professora numa escola pública de São Paulo, em 1992, ministrando aulas de Matemática para o Ensino Fundamental e Ensino Médio, na modalidade Ensino Regular2. Meu primeiro contato com a Educação de Jovens e Adultos (EJA) aconteceu paralelamente ao início de minha carreira no magistério. Ao ingressar na carreira docente, comecei a incentivar minha mãe para que voltasse a estudar e concluísse os estudos, realizando um antigo sonho seu que era o de saber ler e escrever corretamente, tendo em vista que o pouco conhecimento escolar construído com relação à leitura e à escrita, foi devido a dois anos em que permanecera no Mobral3, mas que por dificuldades de conciliação com seu emprego, optou por interromper. No meu entender, esse momento foi muito mais que a realização de um sonho, representou a legitimação de um direito seu, que lhe havia sido negado desde criança. Lembro-me de que, em alguns finais de semana, um grupo de senhoras, colegas de classe de minha mãe, se reunia em casa para estudar, e coube a mim a tarefa de auxiliar, esclarecendo algumas dúvidas. Percebi que a trajetória escolar de minha mãe juntava-se à trajetória de muitas pessoas que, assim como ela, tiveram negado o seu direito de acesso à educação. No caso de minha mãe, ela foi impossibilitada de iniciar seus estudos, pois seu pai considerava “desperdício de tempo mulher estudar” e, portanto, todas as manhãs, seguia juntamente com seu pai e sua irmã para trabalhar na roça. A partir dessa experiência, percebi o quanto os adultos se sentiam excluídos da sociedade, o quanto o estudo era importante para poder viver numa sociedade cerceada por materiais escritos, onde o saber letrado é altamente valorizado e o quanto o sistema educacional em nosso país é caracterizado por históricas desigualdades. _____________ 2 Nesta Dissertação, por falta de termo apropriado, será utilizado a denominação Ensino Regular, para fazer referência ao ensino de crianças e adolescentes, embora tenha consciência de que a EJA também se constitui uma modalidade regular de ensino, conforme estabelece a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996). 3 O Mobral (Movimento Brasileiro de Alfabetização), foi criado pela Lei nº. 5.379, de 15 de dezembro de 1967, propondo a alfabetização funcional, e, principalmente, a educação continuada de adolescentes e adultos. 15 Muitas vezes durante os encontros, gostava de perguntar sobre suas trajetórias de vida, saber quais foram as motivações que fizeram com que retomassem o estudo, objetivando me aproximar e conhecer um pouco mais sobre as características daquele grupo, para nortear melhor o meu trabalho com ele. Acompanhei esse grupo de estudo até concluírem o Ensino Fundamental I, e acredito ter sido nesse momento que o interesse pela educação de pessoas jovens e adultas ficou latente em mim. Porém, algumas questões relacionadas à necessidade de um currículo de Matemática próprio e a ausência de materiais para essa modalidade de ensino me inquietavam, motivando-me, anos mais tarde, a lecionar também para essa modalidade na rede pública de ensino. Os diálogos com esse grupo e, posteriormente, as observações em sala de aula possibilitaram-me identificar os sentimentos e a visão daqueles alunos em relação à Matemática. São alunos que reconhecem essa disciplina como fundamental para sua formação, que percebem a presença dos seus conceitos nas diversas atividades desenvolvidas em seu cotidiano, seja no trabalho, no lazer ou nas relações sociais e sentem que, em cada uma dessas esferas, emerge a necessidade de raciocínios matemáticos postos por circunstâncias determinadas. Penso ser relevante destacar que, em minha prática pedagógica, não diferente da de outros colegas de profissão, tenho identificado as dificuldades e defasagens que os alunos apresentam frente aos conteúdos matemáticos propostos pelo currículo tanto no Ensino Regular como na EJA. Embora encontre esse perfil de aluno em ambas as modalidades de ensino, as turmas de EJA têm chamado minha atenção. São alunos que não tiveram oportunidades educacionais em idade própria, ou que a tiveram de forma insuficiente e que retornam à escola para que pudessem sentir-se incluídos e respeitados na sociedade. Muitas vezes, emergiam algumas reflexões referentes à constituição de minha postura docente frente ao tratamento dado ao currículo de Matemática, praticado nas turmas de EJA, pois, considerando as particularidades dos alunos, que trazem para a sala de aula suas trajetórias e experiências de vida, qual seria o currículo de 16 Matemática adequado para trabalhar com essa modalidade de ensino? A preocupação devia-se ao fato de que o currículo do ensino regular não contempla as particularidades dos alunos dessa modalidade de ensino, pois são concebidos para crianças e adolescentes que não interromperam os seus estudos e que apresentam objetivos de vida diferentes dos jovens e adultos. Em relação aos jovens e adultos, é fundamental levar em consideração os conceitos decorrentes de suas vivências e suas experiências sociais; muitos, inclusive, já adentraram o mundo do trabalho, e apresentam noções matemáticas aprendidas de maneira informal ou intuitiva, antes mesmo de ter contato com as representações simbólicas convencionais. Essas constatações, identificadas durante meu percurso como docente, influenciaram de forma significativa na escolha do tema dessa pesquisa, pois muitos outros questionamentos foram despertados e foram também essas inquietações que me levaram a buscar um curso de especialização em Educação Matemática, aproximando-me do Grupo de Pesquisa “Desenvolvimento Curricular e Formação de Professores de Matemática”, do Programa de Estudos PósGraduados em Educação Matemática da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). O contato com o Grupo possibilitou a oportunidade de entender, por meio de pesquisa, o processo de organização e desenvolvimento curricular de Matemática para a EJA. Desse modo, minhas inquietações coadunam-se com o propósito do Projeto “O currículo de Matemática na Educação de Jovens e Adultos: dos intervenientes à prática em sala de aula”. Pires et al. (2011) esclarecem que o conjunto de pesquisas realizadas no Grupo aponta os documentos oficiais que norteiam e orientam o currículo para a Educação Básica, especialmente as Diretrizes Curriculares Nacionais e os Parâmetros Curriculares Nacionais, enquanto principais agentes de fomento à discussão sobre o currículo. Aparecem, nesse cenário, as discussões referentes à EJA, o que instigou a elaboração desse Projeto, o qual visa 17 investigar o currículo de Matemática relacionado à EJA, a partir de um estudo dos diferentes intervenientes curriculares: documentos oficiais, material didático, avaliação, planejamento escolar, uso das tecnologias e formação do professor. (PIRES et al., 2011, p. 90). O material didático, dentre os intervenientes destacados, corresponde a qualquer tipo de apoio de que o professor dispõe para mediar/promover processos de aprendizagem, por exemplo: apostilas, livro didático, paradidático, computador, calculadora, jogos, entre outros. Nesse cenário de investigação, o modo como o professor utiliza esses materiais, seleciona e desenvolve as atividades para promover a aprendizagem tem instigado meus questionamentos. Considero ser relevante destacar ter optado por uma apresentação com ênfase na primeira pessoa do singular devido à necessidade de comunicar uma experiência muito particular, a qual deu origem ao trabalho. A partir desse momento adotarei, na maior parte da dissertação, a primeira pessoa do plural, por melhor expressar a cooperação mútua entre orientanda e orientadora, produzindo um efeito de vínculo entre nossas ideias, que acaba por convergir para uma escrita coletiva. Desse modo, considerando minhas inquietações e as questões de pesquisa inseridas do Projeto nosso olhar investigativo está direcionado para a prática pedagógica do professor de Matemática que atua na Educação de Jovens e Adultos. Nessa perspectiva, nosso estudo caracteriza-se pelo currículo de Matemática em ação na Educação de Jovens e Adultos. Relevância do tema pesquisado Estudos no campo do currículo, como os de Pires (2004, 2008), Bishop (1999), Pacheco (1996), Sacristán (2000), Doll Jr. (2002), Roldão (1999), Kilpatrick (1994), revelam que diferentes pesquisadores têm se debruçado sobre esse tema, apontando uma vasta literatura sobre as origens e definições do termo 18 ao longo do tempo, o que possibilita ampliar e diversificar cada vez mais estudos nesse campo. No entender de Pires (2008), os estudos sobre currículos de Matemática “revelam que o processo de organização e desenvolvimento curricular evidencia uma busca contínua de formas mais interessantes de trabalhar a Matemática em sala de aula” (p. 14). Em relação ao Brasil, Fiorentini e Lorenzato (2006) expõem que estudos evidenciam um aumento no número de pesquisas em Educação Matemática, que têm o currículo de Matemática como a temática de discussão. Os autores fazem referência, também, ao texto do educador e pesquisador Jeremy Kilpatrick4 (1994), no qual currículo é identificado como uma das sete tendências de estudo em Educação Matemática na década de 905. Passada uma década, Pires (2004) expõe a necessidade de se ampliarem as pesquisas sobre currículo de Matemática para os diferentes níveis de ensino. Bishop (1999) destaca que o projeto curricular matemático surge, enquanto novo fenômeno na Educação Matemática, nas décadas de 50 e 60. Embora, atualmente, seja conhecido por educadores, antes desses projetos, o programa matemático era o principal referencial curricular, sendo constituído de listas de temas a serem desenvolvidos de modo cronológico e lógico. No entender de Sacristán, (2000), o currículo é uma práxis antes que um objeto estático emanado de um modelo coerente de pensar a educação ou as aprendizagens necessárias das crianças e dos jovens, que tampouco se esgota na parte explicita do projeto de socialização cultural nas escolas. É uma prática, expressão, da função socializadora e cultural que determinada instituição tem, que reagrupa em torno dele uma série de subsistemas ou práticas diversas, entre as quais se encontra a prática pedagógica desenvolvida em instituições escolares que comumente chamamos de ensino. O currículo é uma prática na qual se _____________ 4 KILPATRICK, J. Investigacion em Educación matemática: su historia y alguns temas de actualidad. In: KILPATRICK, J.; RICO, L.; GÓMEZ, P. (Eds.). Educación Matemática. México: Grupo Editorial Iberoamérica & uma empresa docente, 1994. p. 1-18. 5 As sete tendências de pesquisas descritas por Kilpatrick são (1) Processo ensino-aprendizagem da Matemática; (2) Mudanças curriculares; (3) Utilização de Tecnologia de Informação e Comunicação (TIC) no ensino e na aprendizagem de Matemática; (4) Prática docente, crenças, concepções e saberes práticos; (5) Conhecimentos e formação/desenvolvimento profissional do professor; (6) Praticas de avaliação; (7) Contexto sociocultural e político do ensino-aprendizagem da matemática. 19 estabelece diálogo, por assim dizer, entre agentes sociais, elementos técnicos, alunos que reagem frente a ele, professores que o modelam. (SACRISTAN, 2000, p. 15-16), Do ponto de vista de Pacheco (1996), o currículo é entendido como “o conjunto das experiências vividas pelos alunos dentro do contexto escolar, ora como um propósito bastante flexível que permanece aberto e dependente das condições da sua aplicação” (p. 17). Embora seja citado entre os professores, poucos demonstram ter clareza conceitual de currículo, concebendo-o por uma lista de conteúdos a serem trabalhados em um determinado período letivo. Disso implica que o desenvolvimento curricular torna-se uma tarefa complexa. A prática a que se refere o currículo, no entanto, é uma realidade prévia muito bem estabelecida através de comportamentos didáticos, políticos, administrativos, econômicos, etc., atrás dos quais se encobrem muitos pressupostos, teorias parciais, esquemas de nacionalidade, crenças, valores, etc., que condicionam a teorização sobre o currículo. (SACRISTÁN, 2000, p. 13) No entanto, outros fatores podem intervir no processo de elaboração e organização do currículo, dentre os quais o material didático, a formação do professor e as avaliações institucionais. Mesmo sendo fundamental ao docente o entendimento conceitual de currículo, Roldão (1999) expõe que o currículo, na linguagem do senso comum, vem associado a programas e a disciplinas. Essa questão provoca a reflexão sobre a prática pedagógica do profissional frente à seleção de material didático, e a postura metodológica ao trabalhar os conteúdos abordados nos currículo prescrito, apresentado e moldado. A esse respeito, no entender de Pires (2004), “embora o conceito de currículo seja muito mais amplo do que a simples discussão em torno de conteúdos escolares, um dos grandes desafios da tarefa docente consiste exatamente em selecioná-los e organizá-los” (p. 30). 20 Em relação à organização e ao desenvolvimento do currículo, Doll Jr. (2002) propõe que este possua experiências ricas e que promovam uma formação crítica, reflexiva e transformadora. Nesse sentido, o autor aponta quatro termos que devem apresentar um currículo e que servem de critérios de escolha dos conteúdos: riqueza, recursão, relações e rigor6. Em relação à responsabilidade do professor frente à dinâmica curricular, considerando as especificidades do público jovem e adulto, encontramos na Proposta Curricular para a Educação de Jovens e Adultos, a afirmação de que É preciso que o professor esteja atento para não encarar essas especificidades como algo negativo, mas entendê-las e respeitá-las, a fim de que os alunos possam realmente se sentir participantes e membros da comunidade escolar. (BRASIL, 2002a, p. 88) Desse modo, tanto a questão dos conteúdos como a questão da autonomia do professor colocam-no como o planejador do currículo, sendo que, no entender de Sacristán (2000), é fundamental que o professor se questione sobre critérios de escolha para organizar e desenvolver os conteúdos propostos. A organização e o desenvolvimento curricular devem ser diferenciados a cada nível e modalidade de ensino, assumindo funções por meio de seu desenvolvimento e atentando-se para a sua função social. Portanto, a organização e o desenvolvimento curricular de Matemática, por exemplo, devem ser concebidos de formas diferenciadas, ao focar a Educação Básica (educação infantil, ensino fundamental e médio); os níveis (regular e educação de jovens e adultos); e o ensino superior (bacharelado, licenciatura, tecnólogo e afins). O modo diferenciado de conceber o currículo pressupõe que se organizem e desenvolvam conteúdos que atendam às particularidades e às perspectivas dos diferenciados públicos, até porque, quando nos reportamos à EJA, é necessário que se considerem suas particularidades. Portanto, a aquisição de novos conhecimentos precisa considerar os conhecimentos prévios dos alunos, partindo _____________ 6 Ao investigar sobre critérios de escolha dos conteúdos matemáticos para o Ensino Médio, Silva (2009) ampliou os termos destacados por Doll Jr. (1997) e complementou com outros quatros critérios: reflexão, realidade, responsabilidade e ressignificação. 21 dos conceitos decorrentes de suas vivências, suas interações sociais e sua experiência pessoal. A Proposta Curricular de Matemática para a EJA propicia reflexão sobre o currículo para essa modalidade de ensino, ao considerar que o acesso à escolaridade deve proporcionar aos alunos jovens e adultos, inseridos em uma sociedade letrada, a possibilidade de analisar, criticar e enfrentar questões que fazem parte de seu contexto. Mas isso não basta. É preciso também contribuir para sua formação intelectual, estimulando seu pensamento, seu raciocínio, para que possam transferir aprendizagens de uma situação a outra, abstraindo propriedades, fazendo generalizações, usando conhecimentos em novos contextos. (BRASIL, 2002a, p. 89) Ao levar em consideração a especificidade desse público, no que tange à contribuição para a valorização da pluralidade sociocultural, é necessário criar condições para que os alunos transformem o ambiente em que vivem, participem mais ativamente no mundo do trabalho, das relações sociais, da política e da cultura. Nessa perspectiva, a Proposta Curricular propõe que um currículo que atenda a essa modalidade de ensino, o qual, no seu entender, deve ser “flexível, diversificado e participativo, definido a partir das necessidades e dos interesses dos alunos, levando-se em consideração sua realidade sociocultural, científica e tecnológica e reconhecendo o seu saber”. (BRASIL, 2002a, p. 120). Do mesmo modo, em reconhecimento às especificidades do grupo de alunos da EJA, em 2010 foi criado o Programa Nacional do Livro Didático para a modalidade Educação de Jovens e Adultos (PNLD-EJA), o qual avaliou e aprovou duas coleções de livros didáticos para serem implementados em 2011. O PNLDEJA incorporou o Programa Nacional do Livro Didático para a Alfabetização de Jovens e Adultos (PNLA) e ampliou o atendimento, incluindo o primeiro e o segundo segmentos de EJA, que correspondem aos anos iniciais e finais do ensino fundamental. Portanto, quando nos referimos à organização e ao desenvolvimento curricular, o papel do professor frente ao currículo é determinante no processo de ensino-aprendizagem e, em especial, quando nos reportamos à EJA, que possui especificidades diferentes do ensino regular, pois é o docente quem fará a 22 transposição do currículo apresentado em currículo praticado pelos alunos. No caso EJA, especialmente, é necessário que o professor considere suas particularidades. Nessa perspectiva de dinâmica curricular, Bishop (1988, 1999) contribui, ao propor que o currículo promova a enculturação matemática7. Também compartilhamos das ideias desse autor sobre o modelo enculturador do currículo, ação essa que possibilita aos alunos construírem a aprendizagem matemática de modo reflexivo e significativo. Problematização e Objetivos Ao delinear o cenário em que se insere a EJA, muitos fatores contribuíram para uma mudança de paradigma no campo da concepção assistencialista, para uma abordagem que considera a educação como um direito de todos a ser vivenciado ao longo da vida e nos mais diversificados ambientes sociais. Diante desse cenário, Traldi Jr. et al. (2011) evidenciam que, nos últimos anos, as pesquisas desenvolvidas em Educação Matemática têm contribuído para ampliar as discussões e as reflexões em relação ao ensino de Matemática para a EJA. A promulgação da Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional (LDB) – Lei nº 9394/96 e da Resolução CNE/CEB Nº 1, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos (BRASIL, 2000) tem impulsionado esses estudos. Santana et al. (2011) realizaram um levantamento das temáticas investigadas em relação a essa modalidade de ensino em seis programas de pósgraduação, três periódicos da área, anais das últimas cinco Reuniões da Associação Nacional de Pesquisa em Educação (ANPEd), anais do III Simpósio Internacional de Pesquisas em Educação Matemática e anais do X Encontro Nacional de Educação Matemática. Os dados coletados revelam que, em boa parte, os estudos realizados, tendo enquanto temática a EJA, evidenciam os conhecimentos pré-escolares apresentados pelos alunos; as políticas públicas; o _____________ 7 A Enculturação Matemática será abordada no Capítulo 3. 23 currículo de Matemática; a prática docente; a formação inicial e/ou continuada de professores de Matemática; experiências de ensino-aprendizagem; práticas de numeramento e histórico das trajetórias curriculares. Dentre o conjunto dessas pesquisam que versam sobre o currículo de Matemática, não há discussão que contribua para a organização e o desenvolvimento dos conteúdos; não apresentam critérios para a seleção de material didático e não apresentam dados que promovam a reflexão do professor ao mediar/promover processos de aprendizagem com o livro didático. O aluno da EJA muitas vezes vivencia experiências de exclusão, principalmente no que diz respeito ao acesso a bens culturais e materiais produzidos pela sociedade. Por meio da escolarização, esse aluno busca construir estratégias que lhe permitam reverter esse processo. Desse modo, em relação às características desse público, a Proposta Curricular para a Educação de Jovens e Adultos considera que os alunos jovens e adultos fazem parte de uma demanda peculiar, com características específicas, pois muitas vezes estão inseridos no mundo do trabalho e suas experiências pessoais, bem como sua participação social, não são iguais às de uma criança. É preciso que o professor esteja atento para não encarar essas especificidades como algo negativo, mas entendêlas e respeitá-las, a fim de que os alunos possam realmente se sentir participantes e membros da comunidade escolar. (BRASIL, 2002a, p. 88) Nesse contexto é necessário que o educador da EJA problematize a realidade em que se encontram inseridos esses alunos, compreendendo melhor o aluno em sua realidade diária e levando-o a refletir sobre os conhecimentos adquiridos em sala de aula, buscando seu crescimento pessoal e profissional. Mais importante do que preocupar-se em reduzir os índices de analfabetismo, é assegurar aos alunos da EJA equidade de direitos e qualidade na educação, como previsto nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos, considerando que ela tem como funções: reparar, qualificar e equalizar o ensino. Nessa perspectiva, é necessário que a escola assuma uma função reparadora de uma realidade injusta, que não deu oportunidade nem direito de escolarização a tantas pessoas. Ela deve também contemplar o aspecto equalizador, possibilitando novas inserções no mundo do 24 trabalho, na vida social, nos espaços de estética e na abertura de canais de participação. Mas há ainda outra função a ser desempenhada: a qualificadora, com apelo à formação permanente, voltada para a solidariedade, a igualdade e a diversidade. (BRASIL, 2002a, p. 87) Independente da margem de independência que é conferida ao professor frente ao currículo, no entender de Canavarro e Ponte (2005) ele é o protagonista. Portanto, cabe ao professor, a tarefa de avaliar o currículo oficial, criticar o currículo apresentado, elaborar o currículo planejado, efetivar o currículo praticado e utilizar, da melhor forma, o currículo avaliado. Nessa perspectiva, pautamo-nos na seguinte questão diretriz: DE QUE MODO O CURRÍCULO DE MATEMÁTICA É PRATICADO PELO PROFESSOR EM UMA TURMA DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS? Ao delimitar nosso problema de pesquisa nos propomos a investigar as seguintes questões: • Quais elementos enculturadores estão presentes no currículo praticado por esse professor? • Ao selecionar e organizar os conteúdos, de que modo estimula o desenvolvimento dos conceitos matemáticos? • Nas interações em sala de aula, quais opções metodológicas são contempladas? A partir dos dados coletados e da análise realizada, esperamos que os resultados obtidos possam ser traduzidos em propostas que orientem e fomentem a reflexão do professor frente ao currículo de Matemática para a EJA, e desse modo, possam contribuir para um processo reflexivo na formação inicial, continuada ou em curso de professos que ensinam/mediam processos de aprendizagem matemática para jovens e adultos. Em busca de responder nossa questão de pesquisa e discorrer sobre o currículo de Matemática para a EJA na perspectiva cultural, utilizaremos os conceitos e ideias de Alan Bishop acerca da Matemática como fenômeno cultural e o processo de enculturação matemática, as ideias de Célia Pires referentes à 25 organização curricular, e no que se refere aos critérios para escolha de contextos matemáticos, os estudos de Ole Skovsmose. Detalhamento dos procedimentos metodológicos Entendemos que pesquisar é dedicar-se na investigação à procura de respostas às indagações propostas, encontrando informações que possam contrapor-se às inquietações a respeito de algum tema; é a busca de respaldo para pensamentos e afirmações. Nesse sentido, o fruto da investigação é a produção de um corpo de conhecimento que transcende o “entendimento imediato na explicação ou na compreensão da realidade que observamos”. (GATTI, 2002, p. 9). De acordo com Gatti (2002, p. 09), “num sentido mais estrito, visando à criação de um corpo de conhecimentos sobre um certo assunto, o ato de pesquisar deve apresentar certas características específicas”, evidenciando a importância de critérios de escolhas dos procedimentos que subsidiarão a análise e a interpretação das informações coletadas no processo da pesquisa, uma vez que os resultados vão ao encontro não só de quem pesquisa, mas de um grupo que compartilha as mesmas inquietações, além de outros pesquisadores que poderão tomar esses resultados enquanto ponto de partida para novas investigações. A pesquisa pressupõe um processo de aprendizagem não apenas para quem a realiza, mas também para a sociedade na qual ela se desenvolve, configurando como um importante instrumento para a compreensão da realidade, oportunizando um melhor entendimento das situações que nos rodeiam e que, muitas vezes, não entendemos, auxiliando-nos, portanto, na compreensão dessa realidade, ao que Gatti (2002, p. 33) assevera “a pesquisa nos serve acima de tudo para dar uma base de entendimento sobre uma realidade e a partir disso transformá-la”. Para que a pergunta-diretriz, que me conduzirá nesse estudo possa ser respondida, a investigação se dará por meio de pesquisa de abordagem 26 qualitativa, do tipo estudo de caso. Bogdan e Biklen (1994) descrevem esse tipo de pesquisa enquanto uma “[...] metodologia de investigação que enfatiza a descrição, a indução, a teoria fundamentada e o estudo das percepções pessoais” (p. 11) em que “as questões a investigar não se estabelecem mediante a operacionalização de variáveis, sendo, outrossim, formuladas com o objetivo de investigar os fenômenos em toda sua complexidade e em contexto natural” (p. 16). Esses autores descrevem cinco características que contemplam uma pesquisa qualitativa: na investigação qualitativa a fonte direta de dados é o ambiente natural, constituindo o investigador o instrumento principal; A investigação qualitativa é descritiva (ou seja, os resultados colhidos são em forma de palavras ou imagens e não de números); Os investigadores qualitativos interessam-se mais pelo processo do que simplesmente pelos resultados ou produtos; Os investigadores qualitativos tendem a analisar os seus dados de forma indutiva; O significado é de importância vital na abordagem qualitativa. (BOGDAN e BIKLEN, 1994, p. 47) Além disso, a abordagem qualitativa “busca investigar e interpretar o caso como um todo orgânico, uma unidade em ação com dinâmica própria, mas que guarda forte relação com seu entorno ou contexto sociocultural” (FIORENTINI e LORENZATO, 2006, p. 110). No caminho traçado neste trabalho procuramos contemplar as cinco características, ou parte delas, identificadas por Bogdan e Biklen (1994), em uma pesquisa qualitativa: • a fonte direta de dados é o ambiente natural, constituindo o investigador o instrumento principal; • os dados recolhidos são em sua essência descritivos, em forma de palavra ou imagens; • os investigadores qualitativos interessam-se mais pelos processos do que pelos resultados ou produtos; • os investigadores qualitativos tendem a analisar os dados de forma indutiva; • o significado é de importância vital para o ponto de vista dos participantes. 27 No entender de Trivinõs (1987) uma das características da pesquisa de natureza qualitativa é que ela realça os valores, as crenças, atitudes e opiniões que ajudam o pesquisador a compreender os fenômenos pesquisados. Consideramos importante a modalidade estudo de caso, pois, em nosso estudo, a escolha por essa modalidade se deve a algumas características desta pesquisa. Primeiramente, por ser uma pesquisa de campo; segundo, por estar com o olhar voltado para a observação da aula de uma professora em uma determinada turma da EJA; terceiro, por ser um caminho que possibilita um estudo mais aprofundado. No entender de Lüdke e André (1986) a pesquisa do tipo estudo de caso pode ser caracterizada pelo estudo de uma situação bem delimitada, podendo focalizar a realidade de forma complexa e contextualizada, de modo a trazer aspectos que visam à descoberta de novos sentidos, ou seja, o pesquisador deve estar atento a novas situações que possam surgir no decorrer da pesquisa, sendo nesse sentido essencial ter o conhecimento como algo inacabado e em contínua construção. Na perspectiva de responder as questões de pesquisa, os dados foram coletados a partir de trabalho de campo, tendo como espaço de investigação as aulas de uma professora que atua no 9º ano do Ensino Fundamental II, da Educação de Jovens e Adultos, cujas aulas ocorrem no turno noturno, em uma escola da Rede Estadual de Ensino de São Paulo, localizada na região do ABC8. No entender de Fiorentini e Lorenzato (2006) o trabalho de campo constitui-se uma opção importante ao considerar que “fornece elementos que nos permitem compreendê-la e, então transformá-la” (p. 101). Em nosso estudo, o trabalho de campo possibilita um mergulho no universo da sala de aula de uma turma de EJA, procurando absorver as informações dos pormenores relativos à prática pedagógica do professor, frente ao currículo em ação. Nosso olhar nesse campo de investigação será orientado pelas nossas questões e pelo que pretendemos investigar, no caso, a prática do professor ao mediar/promover situações de aprendizagem matemática. _____________ 8 Região metropolitana da grande São Paulo: Santo André, São Bernardo e São Caetano. 28 Para alcançar os objetivos propostos no trabalho, procuramos utilizar diversas formas de coletas de dados, pois enriquecem a análise e revelam de forma mais ampla o fenômeno pesquisado. Neste sentido, utilizamos como instrumentos de coleta de dados, entrevistas, questionários, observações e diário de bordo. Utilizamos, como um dos instrumentos de coleta de dados, a entrevista com a professora, por ser, dentre as técnicas de interrogação, a que apresenta maior flexibilidade. No entender de Bogdan e Biklen (1994) a entrevista “consiste numa conversa intencional, geralmente entre duas pessoas, embora por vezes possa envolver mais pessoas, dirigida por uma das pessoas, com o objetivo de obter informações sobre a outra” (p. 134). No nosso caso, utilizamos a entrevista como estratégia para coletar os dados, os quais utilizamos, em conjunto com a observação. Também corroboramos as ideias desses autores ao afirmarem que “a entrevista é utilizada para recolher dados descritivos na linguagem do próprio sujeito, permitindo ao investigador desenvolver intuitivamente uma ideia sobre a maneira como os sujeitos interpretam aspectos do mundo” (BOGDAN e BIKLEN, 1994, p. 134). Optamos, também, pela realização de entrevistas semiestruturadas, por serem as que melhor atendem nossos propósitos, a qual segundo Fiorentini e Lorenzato (2006) “pretendendo aprofundar-se sobre um fenômeno ou questão específica, organiza um roteiro de pontos a serem contemplados durante a entrevista, podendo, de acordo com o desenvolvimento da entrevista, alterar a ordem deles e, até mesmo, formular questões não previstas inicialmente” (p. 121). No intuito de uma fonte complementar de informações, utilizamos questionários com perguntas mistas, combinando parte com perguntas fechadas e parte com perguntas abertas. Portanto, através desse instrumento podemos coletar um número mais ou menos elevado de respostas, o que possibilita obter informações acerca do que a professora sabe, de suas crenças e expectativas, e as situações vivenciadas. Desse modo, combinamos perguntas fechadas e abertas. As questões fechadas apresentam um conjunto de perguntas com alternativas de respostas para que o respondente possa escolher a que melhor 29 representa a sua situação; com perguntas abertas, quando nos interessamos em colher dados mais minuciosos, disponibilizamos um espaço em branco para escrever a resposta sem qualquer restrição. Esse instrumento de coleta de informações seguiu um roteiro previamente elaborado, sendo utilizado para coletar informações relativas aos alunos, estrutura escolar e perfil da professora. Por meio das observações, pudemos acompanhar de perto e compreender melhor as perspectivas não exteriorizáveis, que poderiam ocorrer por meio de uma conversa, ou mesmo de um relatório. A observação possibilitou perceber os fatos diretamente e sem intermediações. Desse modo, no entender de Ludke e André (1986, p. 26), a observação propicia “um contato pessoal e estreito do pesquisador com o fenômeno pesquisado”. Após a coleta de dados por meio da observação, procedemos a uma análise e à interpretação do material coletado, o que conferiu a sistematização e o controle necessários para a análise dos dados. Durante o trabalho de campo utilizamos o diário de bordo, pois, segundo Fiorentini e Lorenzato (2006) este se configura “como um dos instrumentos mais ricos de coleta de informações”, pois é onde pesquisador registra as “observações de fenômenos, faz descrições de pessoas e cenários, descreve episódios ou retrata diálogos” (p. 118). Bogdan e Biklen (1994) evidenciam que, no diário de bordo, o investigador registra as notas retiradas das suas observações no campo; essas notas, portanto, configuram-se como sendo “o relato escrito daquilo que o investigador ouve, vê, experiência e pensa no decurso da recolha e refletindo sobre os dados de um estudo qualitativo” (p. 150). Segundo Fiorentini e Lorenzato (2006), os diários podem conter uma dupla perspectiva: uma descritiva e outra interpretativa. No nosso caso, optamos por contemplar as duas perspectivas, e, assim, utilizamos o diário de bordo para registrar as informações diárias e todos os acontecimentos importantes relacionados com a pesquisa. Numa perspectiva descritiva com nosso olhar voltado aos gestos, atitudes, procedimentos didáticos, ambiente, dinâmica da prática do professor e descrição dos diálogos, ocorridos em sala de aula. E, numa perspectiva interpretativa, olhando para a sala de aula e a escola como espaços 30 socioculturais, onde se relacionam professor e aluno, com seus sentimentos, sonhos e experiências. Esta focalização do olhar é de extrema importância, visto que, frente às inúmeras possibilidades e aos acontecimentos que surgem em uma sala de aula, não poderíamos perder o nosso foco e nos afastar de nosso propósito, o que dificultaria a análise posterior dos dados. A utilização desses diferentes instrumentos constitui uma forma importante de obtenção de dados de diferentes tipos, os quais proporcionam a possibilidade de cruzamento de informação, e posterior análise dos dados coletados. Para a etapa de análise das informações obtidas no trabalho de campo utilizamos a categorização dos dados coletados em nossa pesquisa de campo. No entender de Fiorentini e Lorenzato (2006, p. 134) a categorização pressupõe “um processo de classificação ou de organização de informações em categorias, isto é, em classes ou conjuntos que contenham elementos ou características comuns”. Esses conjuntos devem estar relacionados a uma ideia ou a um conceito central capaz de abranger todas as categorias. Em busca de responder nossa questão e discorrer sobre o currículo de Matemática para a Educação de Jovens e adultos na perspectiva cultural, e com base nos teóricos utilizados, elegemos seis categorias sendo que para cada uma delas elaboramos descritores referentes à sua presença ou à sua ausência nos dados a serem analisados. Essas categorias estão explicitadas no capítulo 4, tópico 4.5 e referem-se a: 1. Princípios do enfoque cultural do currículo de Matemática 2. Componentes do currículo de enculturação 3. Critérios de seleção de conteúdos 4. Critérios de organização de conteúdos 5. Escolha de contextos 6. Opções metodológicas Salientamos que o texto foi construído em forma de narrativa. Optamos por essa forma de escrever devido à maior facilidade com esse gênero textual e, além 31 disso, por esse estilo de escrita possibilitar ao leitor maior aproximação com o contexto não só da sala de aula da EJA, mas também do próprio universo da educação de pessoas jovens e adultas. Estrutura do Trabalho A dissertação está organizada em cinco capítulos. No primeiro capítulo, apresentamos alguns aspectos da trajetória da Educação de Jovens e adultos no Brasil, com a finalidade de situar as novas discussões sobre essa modalidade no momento atual. O segundo capítulo refere-se a especificidades da Educação de Jovens e Adultos, no tocante à formação docente e no tocante ao ensino da Matemática. Nesse capítulo, são apresentadas as ideias que compõem nosso quadro teórico com estudos de Célia Pires (2000) referentes à organização do currículo e Ole Skovsmose (2010), quanto aos critérios para a escolha de contextos Matemáticos. No terceiro capítulo, abordamos a concepção do Currículo na perspectiva cultural, nos fundamentando nas ideias de Bishop (1999), e completando nosso quadro teórico. No quarto capítulo, iremos caracterizar, para o leitor, a escola em que a pesquisa foi realizada, descrever o cenário onde os dados foram coletados, os atores participantes e a coleta de informações. No último tópico, apresentamos as categorias de análise. O quinto capítulo é um mergulho no universo da sala de aula. Nesse capítulo, fazemos a descrição da atividade proposta pela professora, seu desenvolvimento e as reflexões sobre as observações que anotamos. As considerações finais sintetizam nossas conclusões e indicam os próximos passos a percorrer. 32 CAPÍTULO 1 A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: MARCOS DE SUA TRAJETÓRIA A alfabetização, concebida como o conhecimento básico, necessário a todos, num mundo em transformação em sentido amplo, é um direito humano fundamental. Em toda sociedade, a alfabetização é uma habilidade primordial em si mesma e um dos pilares para o desenvolvimento de outras habilidades. (...). A alfabetização tem também o papel de promover a participação em atividades sociais, econômicas, políticas e culturais, além de ser requisito básico para a educação continuada durante a vida. (Declaração de Hamburgo sobre a Educação de Adultos, 1997). Neste capítulo, vamos apresentar alguns aspectos da trajetória da Educação de Jovens e Adultos no Brasil, com a finalidade de situar as discussões de hoje sobre essa modalidade no momento atual. Ao realizar essa retrospectiva, como professora de EJA, e agora pesquisando o tema, percebi a importância de conhecê-la e a urgente necessidade de os professores que atuam nessa modalidade se apropriarem dessa história, assim como das histórias de vida de seus alunos. 33 1.1 Aspectos históricos da Educação de Jovens e Adultos e discussões atuais Ao traçar o panorama da educação de jovens e adultos ao longo das décadas, embora possamos encontrar indícios de atividades educativas no Brasil, desde a época da colonização, o que podemos observar é que as iniciativas governamentais no sentido de oferecer educação a jovens e adultos são recentes. Neste cenário, nos deparamos, também, com a falta de professores para ministrar aulas para esses alunos. Assim, se num primeiro momento a educação esteve nas mãos dos religiosos, sendo estes os principais promotores e organizadores do sistema educacional da época, o que percebemos é que nas décadas posteriores, a educação desses alunos jovens e adultos esteve nas mãos de leigos, muitas vezes sendo ministrada em caráter de voluntariado, sendo que os primeiros profissionais da educação surgiram somente a partir da década de 20. A pretensão deste capítulo não é reconstruir a trajetória da educação de jovens e adultos no Brasil, mas fazer uma síntese dos marcos importantes que contribuíram para a fundamentação dessa modalidade de ensino, entendendo que o papel docente, nesse sentido, é de fundamental importância no processo de reingresso desses alunos no sistema educativo. Ao percorrer a história da EJA, percebemos que ela apresenta variações ao longo do tempo. As várias campanhas e os movimentos sociais não conseguiram resolver o problema do analfabetismo no Brasil, assim como suprir a falta de professores, que persiste ao longo das décadas. Quanto à formação de docentes para a Educação de Jovens e Adultos, esta é praticamente inexistente, ou seja, na prática, qualquer professor pode atuar nessa modalidade, independente de ter sido formado para trabalhar com esse público jovem e adulto. Talvez esse fato pudesse explicar o motivo pelo qual, no decorrer da história da EJA, essa tenha sido vista como uma modalidade de educação que não requer formação específica de seus professores. O histórico de cada época provocou mudanças nos tipos de programas ofertados a esses alunos jovens e adultos, refletindo as condições sociais, econômicas e políticas da sociedade. 34 A forma como o movimento da sociedade se reflete na educação pode ser observada mais claramente sempre que se inicia um período de transformações e o sistema educacional existente (ou em formação) já não atende às novas necessidades criadas, necessitando ou de ampliação urgente ou de movimentos paralelos que preencham as lacunas deixadas pela organização do ensino vigente. (PAIVA, 2003 p. 29) 1.2 Iniciativas da educação popular e os primeiros profissionais da educação Segundo Paiva (2003), a ação educativa no Brasil iniciou-se com a vinda dos jesuítas, em 1549, os quais desempenhavam o papel de principais promotores e organizadores do sistema educacional da época. Diante da impossibilidade de instrução a todas as crianças, eram escolhidos os filhos dos caciques, mas o ensino era limitado à alfabetização e à catequização. Em relação ao público adulto, o ensino raramente compreendia a leitura e a escrita, reduzindo-se à transmissão do idioma que servia como um instrumento de cristianização e aculturação. Juntamente com os franciscanos, que também se preocupavam com a conversão dos indígenas, o ensino abrangia um caráter muito mais religioso do que educacional, cuja missão era difundir os padrões da civilização ocidental cristã; assim, podemos observar que, nesse período, o ensino estava centralizado nas mãos dos religiosos. Tal autonomia na colônia, fez com que a coroa combatesse a ampliação desse controle, provocando a regressão do sistema educativo implantado. Com a expulsão dos jesuítas do Brasil foi determinado que a educação na colônia passasse a ser transmitida por leigos, nas chamadas Aulas Régias, mas a falta de recursos financeiros e de professores que assumissem essas classes, culminou numa desorganização do ensino, que só voltaria a se restabelecer no Império. 35 A vinda da Família Real portuguesa trouxe mudanças ao sistema educacional brasileiro, no que diz respeito ao atendimento dos interesses educacionais da aristocracia, estabelecendo cursos superiores de cunho utilitário como Medicina, Agricultura, Economia Política, Botânica, além de Academias Militares, Academias de Ensino Artístico, o Museu Real, a Biblioteca Pública a Imprensa Régia, entre outras iniciativas (PAIVA, 2003). No entanto, no que diz respeito à educação elementar, pouco foi realizado nesse período, pois a elite brasileira adotou como prática um ensino de caráter individual, com aulas oferecidas em suas casas, mas, em contrapartida, a educação popular não era vista como uma necessidade social ou econômica. Um novo panorama surgiu com a promulgação da primeira Constituição brasileira, em 1824. Nesse período, o País encontrava-se influenciado pelos ideais liberais que permeavam a Europa (BEISEGEL, 1974). O texto da Constituição estabelece a todos os cidadãos a instrução primária e gratuita (art. 179). No entanto, só era considerado cidadão os livres e libertos, ou seja, desse modo, a maior parte da população continuaria excluída. Segundo o parecer CEB 11/2000 Num país pouco povoado, agrícola, esparso e escravocrata, a educação escolar não era prioridade política e nem objeto de uma expansão sistemática. Se isto valia para a educação escolar das crianças, quanto mais para adolescentes, jovens e adultos. A educação escolar era apanágio de destinatários saídos das elites que poderiam ocupar funções na burocracia imperial ou no exercício de funções ligadas à política e ao trabalho intelectual. Para escravos, indígenas e caboclos (...) além do duro trabalho, bastaria a doutrina aprendida na oralidade e a obediência na violência física ou simbólica. O acesso à leitura e à escrita eram tidos como desnecessários e inúteis para tais segmentos sociais. (p. 13) No Segundo Império, encontramos um crescente interesse não só pela educação popular, mas também aparecem preocupações e iniciativas dirigidas à educação de adultos, dentre as quais podemos citar a reforma de ensino proposta por Leôncio de Carvalho que, a partir do Decreto nº 7.247, de 19/4/1879, reformou a instrução pública primária e secundária no Município da Corte, e o ensino superior em todo o Império. Esse Decreto autorizava o Governo Central a criar ou auxiliar, nas províncias, cursos para o ensino primário de adultos analfabetos, 36 permitindo, inclusive, que os escravos, até então excluídos desse processo, pudessem frequentar as escolas. Preconizava a criação de Escolas Normais e, para evitar o improviso de professores, previa a nomeação dos docentes, além de conferências e reuniões desses profissionais para discutirem acerca dos assuntos educacionais, além de enfatizar a necessidade da criação de cursos noturnos. Nessa época entrou em discussão a Lei Saraiva9 e a educação de adultos ligou-se à reforma eleitoral. Com relação à obrigatoriedade do ensino, estabelecido pelo Regulamento de 1854, Paiva (2003) salienta que essa obrigatoriedade encontrou dificuldade em ser estabelecida, não apenas pela falta de escolas, mas pela falta de professores e em decorrência, também, das condições de vida dos alunos. No que se refere à formação dos professores primários, foram criadas ao longo do Império várias escolas que se preocupavam com a formação desses profissionais, mas a falta de atrativos para a carreira do magistério, as precárias condições de funcionamento das escolas, e a falta de estabilidade na profissão acarretaram no seu fechamento. Mesmo sem efetividade, essa reforma expressa a importância da instrução popular como meio de preservar a estrutura social e econômica do país; foi um reconhecimento de que a educação para a população adulta analfabeta não mais poderia basear-se simplesmente na oralidade, evidenciando, também, a preocupação de se evitar o improviso de professores que atendessem esses alunos adultos. Ao findar o Império, havíamos chegado em 1890, com uma população estimada em 14 milhões, sendo que 82% dela, com idade superior a cinco anos, era analfabeta. No entender de Haddad e Di Pierro (2000), este fato é consequência, além da política escravocrata que vigorava no país, do Ato Adicional de 1834, que delegava ao Governo Imperial a responsabilidade sobre a educação. _____________ 9 A lei Saraiva foi instituída através do Decreto nº 3.029, de 9 de janeiro de 1881, teve como redator final Rui Barbosa. O referido Decreto instituiu, pela primeira vez, o "Título de Eleitor", proibindo o voto de analfabetos, além de ter adotar eleições diretas para todos os cargos eletivos do Império. (disponível em www.tse.jus.br, acessado em 12 de maio de 2012) 37 Com a Proclamação da República, a Constituição de 1891 retirou de seu texto a referência à gratuidade da instrução elementar (existente na Constituição Imperial), ao mesmo tempo em que condicionou o exercício do voto à alfabetização, ou seja, excluiu os adultos analfabetos da participação nas eleições e isso, num momento em que a maioria da população era iletrada. Mais uma vez, o que presenciamos foi a exclusão de grande parte da população. Esse condicionamento tinha o propósito de mobilizar os analfabetos a buscarem, eles próprios, por cursos de primeiras letras, mas desconsiderava a opressão e as formas patrimonialistas de acesso a bens econômicos e sociais. Esse período, apesar de evidenciar um descompromisso por parte da União, foi marcado por grandes reformas educacionais10 que, de certo modo, se preocupavam com a situação precária em que se encontrava o Ensino Básico. No entanto, pouco efeito produziu, pois não havia uma situação orçamentária que garantisse a efetivação dessas propostas. O censo realizado em 1920, trinta anos após o estabelecimento da República no país, apontou que 72% da população, acima de cinco anos, permanecia analfabeta. (Haddad e Di Pierro, 2000). A partir da década de 20, apareceram os primeiros “profissionais da educação”, cuja preocupação com problemas relativos à qualidade do ensino e à remodelação dos sistemas estaduais impulsionou algumas reformas educativas¹ da época que cobravam do Estado a responsabilidade definitiva pela educação, visando ampliar o número de escolas e melhoria da qualidade de ensino ofertada, inclusive estabelecer condições favoráveis à implementação de políticas públicas para a educação de jovens e adultos. Com relação aos primeiros profissionais da educação, Paiva (2003) salienta que esses _____________ 10 Essas reformas são propostas em vários Estados do país, em razão da ação dos educadores que se organizam na Associação Brasileira de Educação – ABE. Fala-se de uma nova ciência que se diz preocupada com a técnica e a teoria. 38 frequentemente não possuem formação específica; são autodidatas dispostos a estudar o assunto e dar opiniões que deixam de lado o aspecto político da questão.Voltam-se para o funcionamento dos sistemas escolares, sua eficiência e seu rendimento. Oferecem soluções para a administração das escolas, para a formação dos professores, para a elaboração dos currículos e métodos, para a organização dos cursos. (PAIVA, 2003, p. 113) Em comparação com outros países do mundo, o Brasil mantinha índices precários de escolarização, uma preocupação cada vez mais crescente, visto que a sociedade brasileira passava por grandes transformações, inerentes ao processo de industrialização e concentração da população em centros urbanos, o que fez surgir um operário urbano, em função da necessidade de mão de obra qualificada. 1.3 A consolidação da educação de adultos na década de 30 A década de trinta é palco de lutas em favor da democratização do ensino e, embora esse período apresente em termos educacionais fases bem diferenciadas, em virtude do regime político adotado no país em face da ditadura do regime de Vargas, nele emerge a ideia de uma política educacional voltada à consolidação de um sistema público de educação elementar no país11. Com a promulgação da Constituição de 1934, foi reconhecida pela primeira vez em caráter nacional, a educação como direito de todos, devendo ser ministrada pela família e pelos poderes públicos (art.149), sendo proposto um Plano Nacional de Educação (PNE), de responsabilidade da União, que deveria traçar diretrizes educacionais para todo o Estado, determinando de maneira clara as competências e responsabilidades dos Estados e Municípios. Entre suas normas deveria incluir o ensino primário integral, gratuito e de presença obrigatória, sendo extensivo aos adultos (art.150). _____________ 11 A primeira manifestação que anuncia o desvinculamento da educação de adultos da educação elementar comum foi a partir da IV Conferência Nacional de Educação, realizada em dezembro de 1931, que se reuniu para tratar das Diretrizes da Educação Popular. 39 Em 1938, foi criado o Instituto Nacional De Estudos Pedagógicos (INEP)12, cuja principal função era pesquisa para orientar a formulação de políticas públicas, atuando na formação e aperfeiçoamento do funcionalismo público da União. Por meio de suas pesquisas sobre a realidade nacional e em virtude da preocupação quantitativa e em relação à educação do país, realizou-se a I Conferência Nacional de Educação, e em 1942, através do Decreto-lei nº 4. 958, de 14 de novembro de 1942, foi instituído o Fundo Nacional do Ensino Primário (FNEP) que, através de seus recursos, advindos de renda proveniente de tributos federais, visava à ampliação da educação primária. Com a regulamentação do Fundo em 1945, ficou estabelecido que 25% dos recursos do auxílio federal deveriam ser aplicados na educação primária de adolescentes e adultos analfabetos, respeitando os termos do plano geral do Ensino Supletivo, aprovado pelo Ministério da Educação e Saúde. O Estado brasileiro, a partir de 1940, aumentou suas atribuições e responsabilidades em relação à educação de adolescentes e adultos. Após uma atuação fragmentada, localizada e ineficaz durante todo o período colonial, Império e Primeira República, ganhou corpo uma política nacional, com verbas vinculadas e atuação estratégica em todo o território nacional. (HADDAD E DI PIERRO, 2000, p. 111). No entender de Paiva (2003), em termos quantitativos, com a destinação de 70% dos recursos do FNEP aliados aos esforços estaduais e programas de ajuda externa destinados à educação, a construção de prédios escolares da rede elementar de ensino pôde expandir-se, aumentando o número de matrículas primárias. Segundo a autora, em 1969, o país possuía 134.909 prédios construídos, e em 10 anos, de 1945-1955, a matrícula cresceu cerca de 70%, de 3.295.391 em 1945 para 5.617.649 em 1955. Em termos qualitativos, a expansão da rede exigia um número maior de professores, mas esses cargos passaram a ser negociados por políticos locais e, em decorrência desse “jogo de interesse”, professores leigos passaram a ocupar esses cargos e eram fatalmente substituídos, sempre que o Governo mudava. _____________ 12 O INEP é criado através do Decreto nº 580 de julho de 1938 com o objetivo de promover estudos e centralizar informações referentes à educação nacional. (disponível em www.inep.org.br) 40 Com o fim da ditadura da era Vargas, em 1945, os princípios democráticos no país ganharam forças. Com a criação da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), houve um apelo por parte dessa organização para que se eduquem os adultos analfabetos, o que impulsionou a criação da Campanha de Educação de Adultos (CEA), em 1947 concebida por Lourenço Filho. 1.4 A Campanha de Educação de Adultos A Campanha de Educação de Adultos pretendia estender a educação primária à totalidade dos jovens e adultos iletrados, abrindo uma discussão sobre o analfabetismo, e correspondia aos anseios qualitativos dos educadores; esse momento, portanto, pode ser visto como uma tentativa de conciliação entre quantidade e qualidade. Surgiu a possibilidade de reflexão e debate em torno do analfabetismo no Brasil e, se antes o analfabeto era visto apenas como um indivíduo incapaz, essa visão preconceituosa foi fortemente criticada e seus saberes e capacidades passaram a ser reconhecidos. O planejamento inicial da Campanha implicava uma articulação que envolvia a União, os Estados e os Municípios. Caberia ao Ministério da Educação e Saúde, o planejamento geral, a orientação técnica, auxílio financeiro e o fornecimento de textos de leitura. A Campanha preocupou-se com oferecimento de um material didático, com a finalidade de garantir um mínimo de padronização. Contava com um currículo especial de ensino visual, cartilhas, jornais, folhetos e textos de leitura diversas, elaborados no Setor de Orientação Pedagógica do Serviço de Educação de Adultos (SEA) e distribuídos em todos os cursos do país. Entre as inúmeras publicações que foram editadas pelo Ministério da Educação, merece destaque o Primeiro Guia de Leitura, que era uma espécie de cartilha oficial da Campanha, e apresentava os primeiros passos da alfabetização, sendo inspirada no sistema de Laubach, 41 A confiança na capacidade de aprendizagem dos adultos e a difusão de um método de ensino de leitura para adultos conhecido como Laubach inspiraram a iniciativa do Ministério da Educação de produzirem pela primeira vez, por ocasião da Campanha, material didático específico para o ensino da leitura e da escrita para os adultos. (BRASIL, 2001, p. 21). Podemos verificar, por meio dos dados da tabela abaixo, que o número de jovens e adultos, atendidos pela rede de escolas de ensino nesse período, era bem expressivo, o que confirma a realização dos objetivos quantitativos alcançados na Campanha. Tabela 1. Número de Cursos mantidos antes da Campanha Ano Nº de Cursos mantidos com auxílio Federal Total Antes da Campanha 1943 1.809 1944 1.777 1945 1.810 1946 2.077 Fonte: BEISEGEL, 1974 Tabela 2. Número de Cursos mantidos depois da Campanha Nº de cursos mantidos com auxílio Federal Total 1947 10.416 11.945 1948 14.110 15.527 1949 15.204 16.300 1950 16.500 17.600 Ano Depois da Campanha Fonte: BEISEGEL, 1974 Embora tivesse alcançado bons resultados, a Campanha de Educação de Adultos perdeu forças a partir de 1954, em virtude das críticas que se relacionavam tanto à carência administrativa como à financeira, além da baixa remuneração dos professores, com o atraso no pagamento. Dessa forma, nem mesmos os leigos se interessavam pela Campanha, o caráter do voluntariado 42 deixou de existir, a qualidade do ensino tornou-se precária e com a baixa frequência e aproveitamento dos alunos, a campanha entrou em declínio. Portanto, se de um lado o aspecto quantitativo foi significante, o aspecto qualitativo ainda estava longe de atingir sua meta. Numa tentativa em encontrar soluções mais adequadas aos problemas educacionais de jovens e adultos, tendo em vista a falência da CEAA, foi realizado o II Congresso Nacional de Educação de Adultos (CNEA), no Rio de Janeiro, entre 09 e 16 de julho de 1958, patrocinado por entidades públicas e privadas, contando com o apoio do Ministério da Educação e Cultura. Com o objetivo de indicar diretrizes para que o Governo atuasse na educação de adultos, o Congresso promoveu a participação dos educadores e acenando como estímulo o incentivo de novas ideias e métodos educativos para adultos, para que esses pudessem participar, efetivamente, da vida política do país. No entender de Paiva (2003) O Congresso é, pois, um acontecimento que nos oferece a oportunidade de observar o início da transformação do pensamento pedagógico brasileiro, com o abandono do otimismo pedagógico e a reintrodução da reflexão sobre o social na elaboração das ideias pedagógicas. Além disso, ele serviu também como estímulo ao desenvolvimento de novas ideias e novos métodos educativos para adultos. Nele é possível constatar que o realismo em educação, ou seja, a consideração dos aspectos internos do processo educativo ao lado de sua vinculação com a vida em sociedade tende, então, a impor-se sobre as demais posições. As preocupações quantitativas não se acompanham mais do preconceito contra o analfabeto e, ao lado delas, persiste a preocupação com a qualidade do ensino e com a revisão dos métodos. Paiva (2003, p. 239, grifo nosso) No mesmo ano, outra campanha foi lançada: a Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo (CNEA), que pretendia ser um programa experimental de educação popular em geral. Tinha como objetivo a erradicação do analfabetismo e destinava-se à educação popular de crianças e adultos, visando, também, contribuir para o desenvolvimento econômico-social. Para o início dessa Campanha foi escolhida a cidade mineira de Leopoldina, terra natal do então Ministro da Educação Clóvis Salgado. Quanto à formação dos professores, juntamente com o INEP e a CNER, a CNEA abriu curso para o 43 treinamento de professores, que compreendia todo o currículo do curso primário, com a intenção de oferecer aos professores o domínio e o controle dessas matérias elementares. A experiência desse projeto teve um saldo positivo em termos nacionais e, em algumas regiões, as recomendações do projeto influenciaram as decisões em termos educacionais. A partir de 1961, a CNEA começa a passar por dificuldades financeiras culminando na sua extinção13. Segundo Haddad e Di Pierro (2000) Nestes anos as características próprias da educação de adultos passaram a ser reconhecidas, conduzindo à exigência de um tratamento específico nos planos pedagógico e didático. [...] A educação de adultos passou a ser reconhecida também como um poderoso instrumento de ação política. Finalmente, foi-lhe atribuída uma forte missão de resgate e valorização do saber popular, tornando a educação o motor de um movimento amplo de valorização da cultura popular. (HADDAD; DI PIERRO, 2000, p. 113). 1.5 Novos paradigmas com o educador Paulo Freire Um novo paradigma pedagógico começou a surgir no início da década de 60, com as ideias do educador pernambucano Paulo Freire14, que pôs em prática um autêntico trabalho de educação que identifica a alfabetização com um processo de conscientização humana. No entender de Paiva (2003) o pensamento de Paulo Freire “parece ter sido o que maior influência exerceu sobre os profissionais da Educação em geral, consolidando a reintrodução da reflexão sobre o social nos meios pedagógicos esboçada desde o início da década” (p. 279). Desse modo, a educação de adultos passou a ser percebida, não apenas _____________ 13 Nesse período encontramos vários programas e campanhas no campo da educação de adultos, dentre os quais podemos citar: A Campanha Nacional de Educação Rural, em 1952 e A Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo, em 1958, sendo as duas, proposta pelo Ministério da Educação e Cultura, o Movimento De Educação de Base, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, em 1961, que tinha como patrocinador o Governo Federal; o Movimento de Cultura Popular do Recife, em 1961; os Centros Populares de Cultura, órgãos culturais da UNE; a Campanha de Pé no Chão também se Aprende a Ler, da Secretaria Municipal de Natal; o Movimento de Cultura Popular do Recife. 14 A descrição dos métodos empregados por Paulo Freire, juntamente com uma síntese dos seus fundamentos, pode ser encontrada no livro “O que é o método Paulo Freire”, de Carlos Rodrigues Brandão (2ª Ed., Coleção Primeiros Passos, São Paulo, Brasiliense, 1981). 44 como uma problemática educacional, mas como um problema de ordem social e política, propondo uma ação educativa pautada na cultura do sujeito e baseada no diálogo. Segundo Paiva (2003), o método proposto por esse educador propiciava que o analfabeto passasse a se perceber como sujeito e não como objeto, portador de cultura e conhecimento. No entanto, esse método rejeitava as cartilhas, sendo necessária uma adequada preparação dos coordenadores, pois eram confeccionados os materiais didáticos e utilizados cartazes e slides, e, a partir da realidade dos educandos e de seu universo vocabular, o alfabetizador em contato com o grupo de alunos, listava as palavras do vocabulário mais usadas pelos indivíduos, devendo essas ser selecionadas pela riqueza fonêmica, nascendo palavras geradoras, que serviriam como ponto de partida para decomposição das famílias fonêmicas que correspondiam àqueles vocábulos. O pensamento pedagógico de Paulo Freire direcionou diversas experiências de educação de adultos e, em 1964, com a organização de um Programa Nacional de Alfabetização de Adultos, foi convidado pelo Ministro da Educação, Paulo de Tarso Santos, a repensar a alfabetização de adultos, num âmbito nacional. Esse período foi marcado por uma diretriz totalmente oposta àquela vivida pelos movimentos de educação e cultura popular, mas a conscientização proposta por Freire passou a ser vista como ameaça à ordem instalada. Assim, em decorrência do golpe militar em 1964, esse e outros programas de educação popular foram reprimidos, extinguindo-se, inclusive, o debate educacional. O analfabetismo ainda se caracterizava como um grave problema para o país. Paiva (2003) assevera que o Censo escolar realizado em 1964 indicava que “44,2% dos professores do ensino elementar não possuíam qualificação para a docência” (p. 160); portanto, o problema referente à questão dos professores leigos, que se arrastava desde a década de 20, ainda persistia, sendo objeto de preocupação a falta de qualidade do ensino e a baixa qualificação do professor. 45 Diante dessa problemática, o Governo assumiu o controle da alfabetização de adultos e criou o Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL)15, através da lei 5.379, de 15 de dezembro de 1967. Caberia ao MOBRAL promover a educação dos adultos analfabetos, cooperando com Comissões espalhadas pelos municípios brasileiros, que se encarregavam de providenciar as salas de aula e os professores. O Mobral expandiu-se em todo território nacional, configurando-se como um dos programas mais representativos do Governo Militar. Foi criado o Programa de Educação Integrada (PEI), equivalente às quatro primeiras séries do ensino fundamental, sendo concedida ao MOBRAL a expedição de certificados, mediante o referendo das Secretarias Municipais ou Estaduais de Educação; mais tarde, tais referendos passaram a ser desnecessários, quando o PEI passou a firmar convênios com instituições particulares. Quanto à produção dos materiais didáticos, esses foram entregues a empresas privadas que reuniram equipes pedagógicas e produziram um material de caráter nacional, desconsiderando a diversidade de perfis das regiões brasileiras. Baseado na decomposição de palavras geradoras, não refletiam o modo de vida da população, tendo em vista que cada região do país possuía suas características peculiares, ficando evidente a concepção da imposição proposta pelo programa, focando apenas seus interesses. O alfabetizador recebia o Manual do Professor que, assim como o currículo, deveria ser seguidos à risca. No entender de Paiva quanto à organização do Mobral, este foi Organizado a partir de uma logística militar, de maneira a chegar a quase todos os municípios do país, ele deveria atestar às classes populares o interesse do governo pela educação do povo, devendo contribuir não apenas para o fortalecimento eleitoral do partido governista, mas também para neutralizar eventual apoio da população aos movimentos de contestação do regime, armados ou não. (Paiva, 2002, pg. 337). _____________ 15 Dois bons estudos sobre o Mobral merecem destaque: são os livros de Celso Rui Beisegel, Estado e Educação Popular (São Paulo, Pioneira, 1974) e os estudos de Paiva (1981e1982) publicado em quatro etapas pela revista Síntese. 46 Com o processo de abertura política do país ganham impulsos as experiências paralelas de alfabetização que eram desenvolvidas de um modo mais crítico. Desacreditado nos meios políticos e educacionais, a imagem do Mobral estava atrelada à ideologia e às práticas dos governos militares, sendo o programa alvo de várias críticas, tanto as que dirimiam os critérios empregados na verificação de aprendizagem, como questionamentos relacionados à real redução dos índices de analfabetismo: pouco tempo destinado à alfabetização, falta de supervisão dos cursos oferecidos, altos custos financeiros e despreparo dos educadores. Com relação ao corpo docente do Mobral, Paiva (2003) assevera que a precária aprendizagem resultava, entre outros fatores, da “precária qualidade do ensino oferecido” (p. 367). Segundo Paiva (2003), o corpo docente compõe-se de elementos com escassa preparação escolar: na região Nordeste 23,4% dos alfabetizadores consultados haviam concluído a 3ª série, e 26,6% dos quais haviam concluído a 4ª série. Em relação à região Sudeste 22,9% havia terminado a 4ª série e outros 26,6% iniciaram outras séries, sendo que não foram entrevistados professores com menos de quatro anos de estudo. Na região Nordeste, em relação ao treinamento, 1,8% dos entrevistados afirmou não ter recebido treinamento algum, e 30% afirmaram nunca ter recebido qualquer espécie de supervisão. Na região Sudeste, 40% dos professores afirmaram ter recebido treinamento, e 30% afirmaram não ter recebido supervisão. Podemos perceber o descrédito por parte desse programa, nas palavras do professor Flexa Ribeiro, ex-diretor geral de Educação da UNESCO16 O Mobral seria quando muito, um ‘vendedor de ilusões’. Ilusão para o adulto que ignora a precariedade do adestramento que recebe e principalmente’ vendedor de ilusões’ para anestesiar a consciência da classe letrada do país... Ninguém ignora que o diplomado do Mobral permanece irmão gêmeo do Analfabeto. (FLEXA RIBEIRO, depoimento na CPI do Mobral. Diário do Congresso Nacional, Seção II, 16/3/1976, p.344, apud Paiva, 2003, p. 335) _____________ 16 A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) foi criada em 16 de novembro de 1945, com o objetivo de garantir a paz por meio da cooperação intelectual entre as nações, acompanhando o desenvolvimento mundial e auxiliando os Estados-Membros na busca de soluções para os problemas que desafiam nossas sociedades, atuando nas áreas da Educação, Ciências Naturais, Ciências Humanas e Sociais, Cultura e Comunicação e Informação. (disponível em http://www.onu.org.br/onu-no-brasil/unesco/, acesso em 10 jul. 2012) 47 No início do governo Sarney, através do Decreto 91.980, de 25 de novembro de 1985, o Mobral foi extinto e em seu lugar instituiu-se a Fundação Nacional para Educação de Jovens e Adultos (EDUCAR). Segundo Haddad e Di Pierro (2000) se, em muitos aspectos, a Fundação Educar configurou-se como extensão do Mobral, mantendo os funcionários, as estruturas burocráticas, e práticas político-pedagógicas, podemos levar em conta algumas mudanças significativas, dentre as quais merece destaque a sua subordinação à estrutura do Ministério de Educação e Cultura transformando em órgão de fomento e apoio técnico, ao invés de instituição de execução direta. Houve uma descentralização das suas atividades, e a Fundação passou a apoiar iniciativas de Educação Básica de jovens e adultos. 1.6 A Educação de Adultos após a Constituição de 1988 Durante o processo de redemocratização política do país, merece destaque a Constituição Federal de 1988, que veio ratificar o reconhecimento de alguns direitos sociais. Esses, no entender de Haddad e Di Pierro, Nenhum feito no terreno institucional foi mais importante para a educação de jovens e adultos nesse período que a conquista do direito universal ao ensino fundamental público e gratuito, independentemente de idade, consagrado no Artigo 208 da Constituição de 1988 (p. 120). Além dessa garantia constitucional, as disposições contidas na Carta Magna determinavam que 50% dos recursos fossem aplicados na universalização do Ensino Fundamental e na erradicação do analfabetismo. Contudo, o direito garantido pela Constituição, em seu artigo 208, que o define como direito subjetivo, acabou não se confirmando e, progressivamente, a União abandonou as atividades dedicadas à educação dos jovens e adultos. Apesar de o MEC apresentar-se com um discurso favorável à Fundação, em 1990, com o início do governo de Fernando Collor de Mello – primeiro presidente eleito por voto direto após o regime militar – a fundação foi extinta, e as entidades civis e instituições conveniadas passaram a arcar sozinhas com as 48 atividades educativas, até então mantidas por convênios com a Fundação. Essa medida pode ser entendida como uma maneira de contenção de gastos por parte da União, que transferiu aos municípios a responsabilidade pública pelos programas de alfabetização de jovens e adultos. A falta de incentivo político e financeiro por parte do Governo Federal levou os programas a uma situação de estagnação ou de declínio. A participação dos municípios em relação à matrícula do ensino básico de jovens e adultos concentrava-se nas séries iniciais do ensino fundamental, ao passo que as matrículas referentes às séries do segundo segmento do Ensino Fundamental e do Ensino Médio concentraram-se nos Estados. Em substituição à atuação da Fundação Educar, o Governo criou o Programa Nacional de Alfabetização e Cidadania (PNAC) que, salvo algumas ações isoladas, promoveu mais alarde do que ações concretas. Sem apoio financeiro e político, ficou na fronteira das intenções e caiu no esquecimento. Nesse período, a Organização das Nações Unidas (ONU) declarou 1990 como o Ano Internacional da Alfabetização, convocando para essa data a Conferência Mundial de Educação para Todos, que propunha uma abordagem global do problema educacional no mundo. Realizada em Jomtien, na Tailândia, contou com a participação da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), e o Banco Mundial. Muitas das orientações dessa conferência dinamizaram reformas educativas que se haviam iniciado na década anterior, evidenciando que a educação ganhava destaque entre as demais políticas sociais. O Brasil configurava-se como um dos nove países que mais contribuíam para o elevado índice de analfabetismo do mundo; para poder ter acesso ao crédito internacional, vinculado aos compromissos assumidos na Conferência Mundial, instituiu, em 1994, o Plano Decenal, que previa oportunidade de acesso a 3,7 milhões de analfabetos e 4,6 milhões de jovens e adultos pouco escolarizados (Haddad e Di Pierro, 2000). 49 O país atravessava um processo de redemocratização política. Com o impeachment do Presidente Fernando Collor de Mello, assumiu o vice-presidente Itamar Franco. O Plano Decenal foi fixado ao final do Governo de Itamar Franco e, em 1994, com a eleição do Presidente Fernando Henrique Cardoso, o novo Presidente abandonou o Plano Decenal e priorizou a implementação de uma reforma político-institucional da educação pública, simultaneamente à promulgação da LDB. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB nº 9394/96 traz, pela primeira vez, a expressão Educação de Jovens e Adultos, em substituição ao termo Ensino Supletivo; reafirma o direito ao Ensino Básico aos que não tiveram acesso ou oportunidade de estudos no Ensino Fundamental e Médio na idade própria, cabendo ao poder público o dever de oferecê-lo gratuitamente. Estabelece, ainda, através do Conselho Nacional de Educação (CNE) a redução da idade mínima de 18 anos para 15 anos no Ensino Fundamental e de 21 para 18 no Ensino Médio. Esse rebaixamento da idade mínima sinaliza a identificação cada vez maior entre o ensino supletivo e os mecanismos de aceleração do ensino regular. Procura-se, certamente, evitar o atraso na obtenção da continuidade aos estudos, medida cada vez mais aplicada nos estados e municípios. Com relação à formação de docentes para atuar na educação básica, segundo a LDB, esta se dará em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação. Segundo essa lei, até o fim da chamada Década da Educação (em 2006), todos os professores terão que ser habilitados em nível superior ou formados por treinamento em serviço. Com a reforma educacional iniciada a partir de 1995, foi aprovada a Emenda Constitucional 14/96 que suprimiu a obrigatoriedade do Ensino Fundamental aos jovens e adultos, mantendo apenas a garantia de sua oferta gratuita. Essa formulação desobriga o Poder da oferta universal de ensino fundamental gratuito para esse grupo etário. 50 Com a criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério (FUNDEF)17, passou a vigorar uma nova sistemática de redistribuição dos recursos destinados ao Ensino Fundamental. O Governo impediu que as matrículas realizadas no Ensino Fundamental de jovens e adultos fossem contabilizadas para efeito de cálculos dos fundos, acabando, com essa medida, por desestimular a ampliação de vagas para essa modalidade de ensino. Ao estabelecer o padrão de distribuição dos recursos públicos ao Ensino Fundamental, com relação à importância destinada à EJA, estas “quando consideradas, foram abordadas com políticas marginais, de caráter emergencial e transitório, subsidiárias a programas de alívio da pobreza.” (DI PIERRO, 2005, p. 1123). Com relação ao atendimento a essa modalidade de ensino, ela passa a depender “da capacidade financeira de cada Unidade da Federação, da vontade política dos respectivos governantes, da demanda e pressão social da população local em defesa desse direito.” (DI PIERRO, 2005, p. 1124). Para suprir a carência de políticas públicas de educação de jovens e adultos o Governo Federal buscou nas parcerias entre diferentes instâncias governamentais, organizações de sociedade civil e instituições de ensino e pesquisa, uma saída estratégica e paliativa para o problema, lançando, na segunda metade dos anos 90, outros programas federais de jovens e adultos. Embora o panorama que encontramos referentes à EJA, durante os anos 90, aponte para um momento desestimulador, no qual o Governo Federal se desobriga dos encargos para o atendimento a essa modalidade de ensino, merecem destaque alguns programas governamentais18, assim como alguns fóruns que se preocupavam em discutir os problemas relativos à formação inicial e continuada de educadores. Com relação à formação desses educadores, Di Pierro (2000) assevera que _____________ 17 O FUNDEF foi criado pela Emenda Constitucional nº 14, de 12.09.1996, e regulamentado pela Lei nº 9.424, de 24 de dezembro de 1996, e pelo Decreto nº 2.264, de 27 de junho de 1997. (disponível em http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Legis.pdf, acessado em 12 jun.2012) 18 Os programas lançados neste período são: Programa Alfabetização Solidária (PAS), o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA) e o Plano Nacional de Formação do Trabalhador (PLANFOR) 51 A capacitação dos educadores se impõe também pela multiplicidade de agentes sociais envolvidos nos programas de alfabetização e educação de jovens e adultos, muitos dos quais são voluntários ou recrutados nos movimentos populares, sem habilitação profissional formal. As dificuldades de instituição e consolidação de espaços de formação decorrem de múltiplos fatores, como a persistência da visão equivocada que concebe a educação de jovens e adultos como território provisório sempre aberto à improvisação; a precariedade do mercado de trabalho, que não proporciona a construção de carreiras profissionais; e o escasso envolvimento das instituições de ensino superior com um campo educativo de pouco prestígio e baixo grau de formalização. (p. 1132) Um importante movimento e que representa um marco importante para a EJA, foi a Conferência Internacional de Educação de Adultos (CONFINTEA), realizada em 1997, em Hamburgo, cujo objetivo era o de caracterizar a população jovem e adulta da EJA, destacando compromisso e perspectiva de ação para os anos posteriores. Desse período, também encontramos a elaboração de duas publicações de fundamental importância para essa modalidade e ensino – uma delas a "Proposta Curricular para a Educação de Jovens e Adultos", para o 1° segmento do ensino fundamental, e o "Manual de Orientação para a Implantação do Programa de Educação de Jovens e Adultos do Ensino Fundamental". Essas publicações configuram-se como importantes instrumentos de apoio a alunos e professores da EJA, sendo produzidas em parcerias com organizações da sociedade civil, e em conjunto com as Secretarias Municipais e Estaduais de Educação além de Universidades. Nos anos posteriores, outras publicações seriam lançadas, o que demarca a preocupação com essa modalidade de ensino19. Sob a coordenação do Conselheiro Carlos Roberto Jamil Cury, foi aprovado o Parecer nº 11/2000 – CEB/CNE, que trata das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos. No Parecer, a EJA é caracterizada por apresentar funções distintas, quais sejam, equalizadora, _____________ 19 Nesse período, destacam-se o Programa Recomeço: Supletivo de Qualidade, que tinha como meta ampliar a oferta de vagas no Ensino Fundamental de jovens e adultos e o Programa Parâmetros em Ação, que visa ao apoio e incentivo do desenvolvimento profissional de professores e especialistas em educação, como material didático a Coleção Viver e Aprender, constituída de livros para os alunos e guias para os professores, a Proposta Curricular – 2º Segmento com o objetivo de subsidiar o processo de reorientação curricular nas escolas, e o Exame Nacional de Certificação de Competências de Jovens e Adultos (ENCEEJA). 52 reparadora e qualificadora. Esse parecer também enfatiza a necessidade de uma formação adequada e continuada para os profissionais que atuam nessa modalidade de ensino, considerando a especificidade desse público. A formação dos docentes de qualquer nível ou modalidade deve considerar como meta o disposto no art. 22 da LDB. Ela estipula que a educação básica tem por finalidade desenvolver educando, assegurar-lhe formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecerlhe meios para progredir no trabalho estudos posteriores (...) Com maior razão, pode-se dizer que o preparo de um docente voltado para a EJA deve incluir, além das exigências formativas para todo e qualquer professor, aquelas relativas à complexidade diferencial desta modalidade de ensino. Assim esse profissional do magistério deve estar preparado para interagir empaticamente com esta parcela de estudantes e de estabelecer o exercício do diálogo. Jamais um professor aligeirado o motivado apenas pela boa vontade ou por um voluntariado idealista e sim um docente que se nutra do geral e também das especificidades que a habilitação como formação sistemática requer. (BRASIL, 2000, p. 56) Desse modo, a exigência de uma formação específica para a EJA, no que se refere à formação docente qualificada, segundo esse Parecer, constitui um “meio importante para se evitar o trágico fenômeno da recidiva e da evasão” (BRASIL, 2000, p. 56). Com a posse do presidente Luís Inácio Lula da Silva, em 2003, emergem novas perspectivas no plano das políticas nacionais para a EJA, merecendo destaque a progressiva inclusão da modalidade ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – FUNDEB20. No cenário nacional, com base em um amplo diagnóstico da educação nacional, foi proposto pelo Ministério da Educação, o Plano Nacional de Educação (PNE). Para o decênio 2011-2020, o Plano, composto por doze artigos e vinte metas, tem como foco a valorização do magistério e melhoria na qualidade de Educação. _____________ 20 O Fundeb atende toda a Educação Básica, substituto do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), que vigorou de 1997 a 2006. O Fundeb está em vigor desde janeiro de 2007, e se estenderá até 2020.(disponível em http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12407, acessado em 25 set. 2012) 53 No que concerne à EJA, três metas são dedicadas a essa modalidade: − Meta 8: Elevar a escolaridade média da população de 18 a 24 anos de modo a alcançar mínimo de 12 anos de estudo para as populações do campo, da região de menor escolaridade no País e dos 25% mais pobres, bem como igualar a escolaridade média entre negros e não negros, com vistas à redução da desigualdade educacional − Meta 9: Elevar a taxa de alfabetização da população com 15 anos ou mais para 93,5% até 2015 e erradicar, até 2020, o analfabetismo absoluto e reduzir em 50% a taxa de analfabetismo funcional. − Meta 10: Oferecer, no mínimo, 25% das matrículas de educação de jovens e adultos na forma integrada à educação profissional nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio. Com relação à formação docente, encontramos quatro metas que traduzem a importância de sua valorização: − Meta 15: Garantir, em regime de colaboração entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, que todos os professores da educação básica possuam formação específica de nível superior, obtida em curso de licenciatura na área de conhecimento em que atuam. − Meta 16: Formar 50% dos professores da educação básica em nível de pós-graduação lato e stricto sensu, garantir a todos a formação continuada em sua área de atuação. − Meta 17: Valorizar o magistério público da educação básica a fim de aproximar o rendimento médio do profissional do magistério com mais de onze anos de escolaridade do rendimento médio dos demais profissionais com escolaridade equivalente. − Meta 18: Assegurar, no prazo de dois anos, a existência de planos de carreira para os profissionais do magistério em todos os sistemas de ensino. Considerando as metas propostas, abaixo apresentamos o panorama atual com os dados do último recenseamento realizado pelo Instituto Brasileiro 54 Geografia e Estatística – IBGE, referente ao número total da população e o percentual de pessoas alfabetizadas. Tabela 3. Total da População segundo Regiões da Federação Brasileira/2010. Unidade Geográfica Total da população Brasil 190.755.799 Norte 15.864.454 Nordeste 53.081.950 Sudeste 80.364.410 Sul 27.386.891 Centro-Oeste 14.058.094 Fonte: IBGE, Censo Demográfico de 2010. Tabela 4. Percentual de pessoas alfabetizadas entre a população de 15 anos ou mais, segundo Regiões da Federação Brasileira/2010. Pessoas alfabetizadas entre a população de 15 anos ou mais (em %) Unidade Geográfica 15 a 19 20 a 29 30 a 39 40 a 49 50 a 59 60 anos Total por anos anos anos anos anos ou mais Região Brasil 10,54 21,06 17,56 14,21 10,07 9,60 83,04 Norte 12,99 23,60 17,86 11,85 7,16 5,68 79,14 Nordeste 12,58 23,25 17,12 12,42 7,80 7,37 80,54 Sudeste 9,28 19,89 17,74 15,08 11,42 11,24 84,65 Sul 9,69 19,25 16,90 15,58 11,68 11,41 84,51 10,50 21,74 19,03 14,58 9,29 7,61 82,75 Centro-Oeste Fonte: IBGE, Censo Demográfico de 2010. Considerando a meta em elevar a taxa de alfabetização da população com 15 anos ou mais para 93,5% até 2015, podemos perceber, ao analisar os dados da tabela 2, que este desafio é maior na região Norte e Nordeste do Brasil, onde o número de pessoas alfabetizadas é menor, sendo também esse número maior entre a população de mais de 60 anos. Vejamos como se encontra o panorama do analfabetismo funcional21 na tabela a seguir _____________ 21 Segundo a UNESCO, um indivíduo funcionalmente analfabeto é aquele que não pode participar de todas as atividades nas quais a alfabetização é requerida, sendo incapaz de usar a leitura e a escrita em atividades cotidianas, impossibilitando seu desenvolvimento pessoal e profissional e o da comunidade. 55 Tabela 5. Taxa de analfabetismo funcional 2001/2009 Região 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 Norte 26,3 24,7 23,8 29,1 27,1 25,6 25 24,2 23,1 Nordeste 42,8 40,8 39 37,6 36,3 34,4 33,5 31,6 30,8 Sudeste 20,4 19,6 18,7 18,1 17,5 16,5 15,9 15,8 15,2 Sul 21,2 19,7 18,8 18,6 18 16,5 16,7 16,2 15,5 25,9 23,8 22,9 22 21,4 20 20,3 19,2 18,5 CentroOeste Fonte: IBGE, Censo Demográfico de 2010. Com relação ao analfabetismo funcional, esse índice vem diminuindo com o passar dos anos, como mostra a tabela, e o objetivo é a sua redução em 50%. No cenário mundial, neste mesmo, ano foi instituída a pedido da Assembleia Geral das Nações Unidas, a Década da Educação (2003-2012), sob o slogan “alfabetização como liberdade”, coordenada pela UNESCO, que passou a coordenar a Década e suas atividades internacionais. Segundo a UNESCO, a década é instituída em virtude de três fatores: Elevado número de pessoas analfabetas. No cenário mundial, existem 776 milhões de analfabetos, ou seja, um em cada cinco adultos não sabem ler ou escrever. Destaca-se, também, a diferença entre géneros, pois desse total dois terços são do sexo feminino. A alfabetização, embora reconhecida como direito na Declaração Universal dos Direitos Humanos, continua sendo negada a uma grande parte da população. Em virtude de possibilitar a ampliação das discussões no cenário mundial. Ao percorrermos a história da EJA percebemos que esta esteve estreitamente ligada às transformações sociais, políticas e econômicas, agora, não apenas o aspecto quantitativo precisa ser resolvido, mas faz-se necessário enfrentar, também, o aspecto qualitativo. Se por um lado existe um percentual expressivo da população ainda não alfabetizada e que, portanto, não teve seus 56 direitos, tanto humano como constitucional respeitados, de outro lado encontramos o problema da qualidade da educação ofertada a essas pessoas. Ao longo das décadas, os programas, seminários e fóruns educacionais, discutiram questões referentes à adequação do currículo, do material didático, da formação inicial e continuada de professores, sem, efetivamente, resolver o problema. Portanto, ao mesmo tempo em que observamos uma preocupação com essa modalidade de ensino, no que tange à especificidade desses alunos jovens e adultos, atrelado a esse fato, encontramos também a preocupação com uma mão de obra qualificada que atenda a esses alunos. Nessa perspectiva, Arroyo (2006) considera que O foco para se definir uma política para a educação de jovens e adultos e para a formação do educador da EJA deveria ser um projeto de formação que colocasse a ênfase para que os profissionais conhecessem bem quem são esses jovens e adultos, como se constroem como jovem e adulto e qual a historia da construção desses jovens e adultos populares. (ARROYO, 2006, p. 25) Desse modo, consideramos que, ao longo da trajetória da EJA, embora possamos encontrar avanços em diversos aspectos no caminho percorrido, a princípio poucos são os olhares lançados para o fazer dos educadores e, somente a partir dos últimos anos, encontramos uma ênfase relacionada com a formação docente. Ao se pensar em uma política pública para o público jovem e adulto, é necessário, além de conhecer o perfil desses alunos que compõem a EJA, pensar na formação dos professores e de seus formadores, que passam a ser compreendidos como agentes de mudança, que dispõem de autonomia frente à prática pedagógica, e não pode ficar, conforme apontam os estudos ministrados, em caráter de voluntariado, ou a cargo de qualquer pessoa. Desse modo consideramos que a escolarização de Jovens e Adultos deve ser tratada não apenas numa perspectiva quantitativa, mas também qualitativamente. No próximo capítulo, iremos discorrer sobre as especificidades da EJA no tocante à formação docente, apoiando-nos em algumas ideias de Maria da Conceição R. Fonseca (2007), Maurice Tardif (2006), Marta Kohl de Oliveira 57 (1999) e da Proposta Curricular para a Educação de Jovens e Adultos. No tocante às especificidades em relação ao ensino de Matemática, com relação aos objetivos gerais do ensino dessa disciplina para a EJA, evidenciamos as considerações da Proposta Curricular para a Educação de Jovens e Adultos, segundo segmento. Em relação à organização curricular, utilizamos estudos de Célia Pires (2000) e Nilson Machado (1995) e, quanto aos critérios para a escolha de contextos Matemáticos, apoiamo-nos nos estudos sobre cenários de investigação e ambientes de aprendizagem do professor e pesquisador dinamarquês Ole Skovsmose (2010). 58 CAPÍTULO 2 ESPECIFICIDADES DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS Quando nos colocamos perante a pergunta: “Por que ensinar Matemática?”, uma série de considerações, muitas vezes de caráter filosófico, se apresenta e discussões de valores tendem a dominar o questionamento, gerando muitas vezes acirradas discussões. Do mesmo modo e diretamente ligada à primeira pergunta, podemos colocar o questionamento: “Como ensinar matemática”?” É claro, a resposta à primeira pergunta vai condicionar a segunda, que nada mais é do que a formulação de estratégias para se atingir os objetivos concordados. (D’Ambrósio, 1996, p. 63) Neste capítulo, após compreender a trajetória da EJA no Brasil e seus imensos desafios, procuraremos nos aproximar da reflexão de um ponto crucial nessa modalidade de ensino, que é a formação de professores que deveriam levar em conta as especificidades da EJA. Evidentemente, os debates que cercam a importância da formação do professor da EJA, por várias vezes coincidem com aqueles vividos por professores de Matemática. Entretanto, especificidades relacionadas a esta disciplina. devemos considerar algumas 59 Focalizaremos, ainda nesse capítulo, as especificidades dos currículos para a EJA, no caso dos currículos de Matemática. 2.1 A especificidade da Educação de Jovens e Adultos no tocante à Formação Docente A escolarização dos jovens e adultos que tiveram negado o acesso ou sua permanência no sistema formal de ensino, em idade própria, constitui um desafio não apenas para o Governo, mas para a sociedade como um todo. Se por um lado encontramos questões de ordem quantitativa, referentes a um percentual expressivo da população ainda não alfabetizada, de outro lado temos as questões de ordem qualitativa. Quanto à qualidade na educação ofertada a esse público de jovens e adultos, questiona-se a adequação do currículo, do material didático, da metodologia, os modos de avaliação e, sobretudo, da formação inicial e continuada de professores, Considerando que esses alunos têm um perfil diferente dos alunos atendidos na modalidade de ensino regular, pois são indivíduos com história de vida marcada pela exclusão, Oliveira (1999) salienta que Embora nos falte uma boa psicologia do adulto e a construção de tal psicologia esteja, necessariamente, fortemente atrelada a fatores culturais, podemos arrolar algumas características dessa etapa da vida que distinguiriam, de maneira geral, o adulto da criança e do adolescente. O adulto está inserido no mundo do trabalho e das relações interpessoais de um modo diferente daquele da criança e do adolescente. Traz consigo uma história mais longa (e provavelmente mais complexa) de experiências, conhecimentos acumulados e reflexões sobre o mundo externo, sobre si mesmo e sobre as outras pessoas. Com relação à inserção em situações de aprendizagem, essas peculiaridades da etapa de vida em que se encontra o adulto fazem com que ele traga consigo diferentes habilidades e dificuldades (em comparação com a criança) e, provavelmente, maior capacidade de reflexão sobre o conhecimento e sobre seus próprios processos de aprendizagem. (p. 60-61) Ao considerar a especificidade desse público, é preciso que o professor esteja atento para não encarar essas especificidades como algo negativo, mas 60 entendê-las e respeitá-las, estimulando e valorizando seus saberes, possibilitando que esses alunos façam conexão entre os conhecimentos e saberes já aprendidos. No processo de aprendizagem, Tardif (2006) considera que os alunos devem tornar-se “os atores de sua própria aprendizagem, pois ninguém pode aprender em lugar deles. Transformar os alunos em atores, isto é, em parceiros da interação pedagógica, parece-nos ser a tarefa em torno da qual se articulam e ganham sentido todos os saberes do professor.” (p. 221). Nessa perspectiva, é fundamental o acolhimento desses jovens e adultos em um trabalho de resgate de sua autoestima e da conscientização de sua identidade por meio da valorização de suas origens. Nesse contexto, a Proposta Curricular para Educação de Jovens e Adultos, considera que Contribuir para o processo de acolhimento dos alunos da EJA não é tarefa simples, pois envolve lidar com emoções, motivações, valores e atitudes, responsabilidades e compromissos. O acolhimento ao aluno envolve tanto a valorização dos conhecimentos e da forma de expressão de cada um como seu processo de socialização, levando em conta, nas situações de ensino e aprendizagem, dúvidas e inquietações, realidades socioculturais, jornada de trabalho e condições emocionais decorrentes da exclusão escolar. Para regressar à escola, jovens e adultos têm de romper barreiras preconceituosas, geralmente transpostas em função de um grande desejo de aprender. Assim, essa disposição para a aprendizagem precisa ser alimentada por uma prática pedagógica que garanta condições para que prevaleça uma atitude positiva diante dos estudos. Nesse contexto, um aspecto importante refere-se à proposição de um ensino comprometido com a aprendizagem, que considere a situação real dos alunos, dando sentido e plenitude humana à sua existência, respondendo a problemas de seu dia a dia e também para sua atuação mais ampla. (BRASIL, 2002a, p. 88) Portanto, o atendimento a esse público tão heterogêneo e diversificado culturalmente, pressupõe que o educador dessa modalidade tenha consciência de sua importância no desenvolvimento desses educandos. Tardif (2006) considera que o professor possui uma posição fundamental, pois é ele quem “constrói seu espaço pedagógico de trabalho de acordo com limitações complexas que só ele pode assumir e resolver de maneira cotidiana apoiada necessariamente em uma visão de mundo, de homem e de sociedade.” (p. 149). Nesse sentido, o autor (2006) considera que os professores são atores 61 competentes, sujeitos do conhecimento, e que a sua subjetividade precisa estar no centro das investigações. Para compreender a natureza do ensino, é absolutamente necessário levar em conta a subjetividade dos atores em atividade, isto é, a subjetividade dos próprios professores. Ora um professor de profissão não é somente alguém que aplica conhecimentos produzidos por outros, não é somente um agente determinado por mecanismos sociais: é um ator no sentido forte do termo, isto é, um sujeito que assume sua prática a partir do significado que ele mesmo lhe dá, um sujeito que possui conhecimento e um saber-fazer proveniente de sua própria atividade e a partir dos quais ele a estrutura e a orienta. (TARDIF, 2006, p. 230). Considerando o papel do professor, Fonseca (2007) observa três valores que julga fundamentais para a participação do professor na Educação Matemática de jovens e adultos: honestidade, compromisso e entusiasmo. Tais valores, no entanto, remetem a três dimensões da formação desse educador: sua intimidade com a Matemática, sua sensibilidade para as especificidades da vida adulta e sua consciência política. Sobre a intimidade com a Matemática, a autora considera a relação do educador com o conhecimento matemático. Enfatiza que, embora o professor considere o conhecimento matemático informal, ainda há uma carência referente a aspectos como o acolhimento, negociação, “quando a situação demanda que criem, estimulem e/ou organizem espaços de (re)significação desse conhecimento” (FONSECA, 2007, p. 56); considera, portanto, que é a “intimidade com o conhecimento matemático que o proverá de recursos para que tais proposição, negociação e desempenho sejam um reflexo da perspectiva ética e política pela qual ele se assume como educador matemático de jovens e adultos”(FONSECA, 2007, p. 57). Desse modo, é fundamental que o professor conheça os conteúdos e os procedimentos matemáticos, estabelecendo mesmo uma relação de intimidade, o que contribui para que ele acompanhe a trajetória de construção de conhecimento dos seus alunos. Quanto aos programas e propostas de formação docente, Fonseca (2007), considera a importância no desenvolvimento de habilidades da leitura. No entender dessa autora, 62 A contribuição do conhecimento da Matemática dar-se á não apenas pelo acesso a um vocabulário específico, cada vez mais frequente nas diversas instancias da vida social, mas também pelo provimento de modos de tratamento, organização e registro da informação, que orientam e sugerem critérios para o julgamento e o enfrentamento de questões diversas da vida moderna, em seus apelos funcionais, e da vida humana, em suas indagações arquetípicas. (FONSECA, 2007, p. 59-60) Em relação à sensibilidade para as especificidades da vida adulta, Fonseca (2007) considera importante que o professor conheça o seu aluno, não apenas como indivíduo, mas também como grupo social. Em relação à seleção e critérios que possibilitem o diagnóstico desses alunos, assinala ser necessário efetuar registros de informação, consultá-los, socializar com os demais professores e refletir sobre os dados encontrados. Em relação ao papel ético e político da ação educativa, Fonseca (2007) considera que o educador deve entender a EJA como sendo um direito do cidadão, uma necessidade da sociedade e uma possibilidade de realização da pessoa como sujeito de conhecimento. Desse modo, a autora considera que todos que estão inseridos na sociedade devem lutar, não apenas pelo acesso à escolarização, mas por uma educação de qualidade, sendo que É também do campo da ética e da cidadania a preocupação com a própria formação profissional e a consciência de sua repercussão na prática pedagógica, como atitude de respeito para com os alunos que têm direito a uma Educação de boa qualidade, para com o projeto pedagógico que requer ações conscientes e eficazes, e para consigo mesmo, inserindo-se num processo amplo de formação humana que envolve todos os atores dos processos de ensino-aprendizagem no âmbito escolar. (FONSECA, 2007, p. 64) 2.2 A especificidade da Educação de Jovens e Adultos no tocante ao Ensino da Matemática Segundo a Proposta Curricular para a Educação de Jovens e Adultos, A matemática compõe-se de um conjunto de conceitos e procedimentos que englobam métodos de investigação e raciocínio, formas de representação e comunicação – ou seja, abrange tanto os modos próprios 63 de indagar sobre o mundo, organizá-lo, compreendê-lo e nele atuar, quanto o conhecimento gerado nesses processos de interação entre o homem e os contextos naturais, sociais e culturais. Ela é uma ciência viva, quer no cotidiano dos cidadãos quer nos centros de pesquisas, nos quais se elaboram novos conhecimentos que têm sido instrumentos úteis para solucionar problemas científicos e tecnológicos em diferentes áreas do conhecimento. (BRASIL, 2002b, p. 12) No entanto, a Matemática, muitas vezes, provoca sensações contraditórias. Se, por um lado é uma área de conhecimento importante, que possibilita a resolução de problemas da vida cotidiana, interagindo com os processos sociais e culturais, de outro lado podemos encontrar uma certa insatisfação perante os resultados negativos obtidos em relação à sua aprendizagem, sendo-lhe atribuída, não poucas vezes, a responsabilidade pelo fracasso escolar de jovens e adultos. Desse modo, o baixo desempenho em Matemática, acaba por elevar os índices de retenção, separando os alunos que terão condições de avançar ou não na Educação Básica; portanto, ao considerarmos este processo como sendo de exclusão, corroboramos com o PCN quando afirma que “o insucesso na aprendizagem matemática tem tido papel destacado e determina a frequente atitude de distanciamento, temor e rejeição em relação a essa disciplina, que parece aos alunos inacessível e sem sentido”. (BRASIL, 2002b, p. 13) No que concerne aos alunos da EJA, é necessário que sejam considerados os aspectos de seu mundo e respeitando suas vivências, o que pode servir como fator enriquecedor dentro de uma abordagem escolar, pois, ao expor os conhecimentos informais que esses alunos têm sobre um determinado assunto, e que geralmente faz parte de seu cotidiano, poderá formular questionamentos e confrontar com as possibilidades encontradas. Portanto, as conexões que este aluno faz, podem constituir um importante ponto de partida para a aprendizagem Matemática. Em relação aos objetivos gerais do ensino de Matemática para a EJA, evidenciamos que a Proposta Curricular para a Educação de Jovens e Adultos apresenta os mesmos objetivos gerais do Ensino Fundamental e afirma que “definir com precisão os objetivos do ensino de Matemática é condição necessária 64 para realizar a seleção e a organização de conteúdos e das estratégias didáticas mais adequadas”. (BRASIL, 2002b, p. 17) De fato, os objetivos do Ensino Fundamental são os mesmos objetivos propostos para a EJA, pois se trata dos objetivos gerais do ensino da Matemática. No entanto, à medida que apresenta os objetivos gerais, a proposta faz menção às necessidades específicas da EJA. Vejamos agora os objetivos e as especificidades relacionadas à EJA • Identificar os conhecimentos matemáticos como meios para compreender e transformar o mundo à sua volta e perceber o caráter de jogo intelectual, característico da Matemática, como aspecto que estimula o interesse, a curiosidade, o espírito de investigação e o desenvolvimento da capacidade para resolver problemas. Em relação aos alunos da EJA, a Proposta Curricular para a Educação de Jovens e Adultos, afirma ser necessário que eles percebam a praticidade da Matemática, e que essa disciplina possibilita a resolução de seus problemas do cotidiano, momento em que passam a exercer plenamente sua cidadania. • Fazer observações sistemáticas de aspectos quantitativos e qualitativos da realidade, estabelecendo inter-relações entre eles, utilizando o conhecimento matemático (aritmético, geométrico, métrico, algébrico, estatístico, combinatório, probabilístico). No que concerne à EJA, a proposta orienta que deve haver uma articulação entre as atividades e as experiências matemáticas que serão desenvolvidas pelos alunos de seu curso. • Selecionar, organizar e produzir informações relevantes, para interpretálas e avaliá-las criticamente. Em especial, no trabalho com alunos da EJA, a seleção e a organização de informações se configura um importante trabalho. Com a gama de informações presente no mundo, é necessário o indivíduo saber posicionar-se e tomar 65 decisões, e a Matemática oferece ferramentas para isso, sendo importante que o professor, ao planejar seu trabalho, priorize esses aspectos. • Resolver situações-problema, sabendo validar estratégias e resultados, desenvolvendo formas de raciocínio e processos, como intuição, indução, dedução, analogia e estimativa, utilizando conceitos e procedimentos matemáticos, bem como instrumentos tecnológicos disponíveis. Muitas vezes, a Matemática é ensinada de um modo mecânico, por meio de fórmulas, ou regras prontas, o que é entendido como um empobrecimento em termos de oportunizar que os alunos utilizem o raciocínio para chegar à determinada solução de um problemas proposto; em relação aos alunos da EJA, a proposta sinaliza ser necessário que eles não ocupem uma posição passiva, de mero reprodutor de conhecimento. Portanto, é imprescindível que o ensino de Matemática estimule o aluno da EJA, mas em momento algum se deve confundir facilitação com infantilização, visto tratar-se de um alunado que possui experiências próprias de seu mundo vida. • Comunicar-se matematicamente, ou seja, descrever, representar e apresentar resultados com precisão e argumentar sobre suas conjecturas, fazendo uso da linguagem oral e estabelecendo relações entre ela e diferentes representações matemáticas. É fundamental que o aluno da EJA seja estimulado a escrever, buscando relações entre esta linguagem e as representações matemáticas, justificando suas hipóteses e conclusões. • Estabelecer conexões entre temas matemáticos de diferentes campos, e entre esses temas e conhecimentos de outras áreas curriculares. Em relação às conexões entre os temas matemáticos e o conhecimento de outras áreas curriculares, este possibilita uma conexão com a realidade do aluno, e possibilita a otimização do tempo, que é muito reduzido na EJA. 66 • Sentir-se seguro da própria capacidade de construir conhecimentos matemáticos, desenvolvendo a autoestima e a perseverança na busca de soluções. É fundamental que o ensino de Matemática estimule o aluno de EJA a pôr em ação sua capacidade de resolver problemas, de raciocinar, como faz em seu dia a dia • Interagir com seus pares de forma cooperativa, trabalhando coletivamente na busca de soluções para problemas propostos, identificando aspectos consensuais ou não na discussão de um assunto, respeitando o modo de pensar dos colegas e aprendendo com eles. Na busca de soluções dos problemas, os alunos podem interagir com seus pares; ao mesmo tempo em que aprendem, podem também ensinar, portanto, a Matemática fornece um importante instrumento ao estabelecer inter-relações quantitativas e qualitativas da realidade na qual este aluno está inserido. Em relação ao uso da linguagem oral, salienta ser importante que os alunos sejam estimulados a escrever, relacionando a linguagem com as representações matemáticas, relatando conclusões e justificando suas hipóteses. Quanto à seleção e organização de informações relevantes, se considerarmos a imensa gama de informações presentes no mundo de hoje, é interessante que o indivíduo saiba se posicionar, relacionando o que lhe é relevante e posicionando-se, nos diversos campos da vida. Nesse sentido, a Matemática dispõe de diversas ferramentas que devem ser priorizadas no trabalho planejado pelo professor. Nesse processo o professor atua como mediador e orientador dessas orientações, pois muitas vezes cabe a ele a tarefa selecionar e organizar os conteúdos aos alunos. Desse modo, considerando a heterogeneidade dos alunos da EJA, frente à seleção dos conteúdos, Fonseca (2007) considera que A heterogeneidade das experiências dos alunos e sua riqueza em termos qualitativos e valorizados nos obrigam a questionar os mitos dessa natureza, buscado compreendê-los em sua dimensão cultural e política para podermos enfrentar, ainda que sem a pretensão de chegarmos a um 67 consenso, mas com a relativa autonomia, a questão da seleção, dentre os conteúdos e procedimentos propostos para o ensino da matemática escolar, daquilo que seria essencial, interessante, significativo para o processo de construção do conhecimento matemático de nossos alunos e a questão de como tal seleção se atrelaria (ou não) à contextualização de seu ensino para essas pessoas jovens e adultas, em particular, como uma contribuição para expandir e diversificar suas práticas de leitura. (p. 67) No entanto, embora a seleção dos conteúdos seja importante no processo de construção do conhecimento matemático, a Proposta Curricular para a Educação de Jovens e Adultos assevera que, muitas vezes, alguns conteúdos são ministrados em caráter de abreviação, ou também, excluídos, com o argumento de que “não fazem parte da realidade dos alunos, ou não têm uma aplicação prática imediata” (BRASIL, 2002b, p. 23) e, com relação à organização dos conteúdos, encontramos a afirmação de que De modo geral, os professores organizam os conteúdos de Matemática para os alunos jovens e adultos de forma hierarquizada, reproduzindo uma ideia segundo a qual cada conteúdo é um elo de uma corrente, um pré-requisito para o que vai sucedê-lo. Sabe-se, por um lado, que alguns conhecimentos precedem outros, e que a maneira de organizar os conteúdos indica um certo percurso; mas sabe-se também que eles não se subordinam uns aos outros com amarras tão fortes como as que comumente se supõe. Nessa perspectiva, a opção em geral não é orientada pela identificação dos conteúdos que seriam [essenciais], voltando-se para aqueles que constituem os chamados [pré-requisitos] para o desenvolvimento de outros. Com isso, ficam esquecidos muitos temas que poderiam ser mais importantes para os jovens e adultos, tendo em vista suas necessidades e curiosidades, assim como seus percursos escolares e vivenciais. (BRASIL, 2002b, p. 25) Nessa perspectiva, propõe-se que o currículo vença a concepção da linearidade, ao que, particularmente, em relação ao ensino da Matemática, Fonseca (2007) assevera que a discussão das concepções de Matemática pode nos auxiliar na compreensão de alguns mitos fortemente estabelecidos na Matemática Escolar, como o da linearidade com que se deve apresentar o conteúdo matemático aos alunos, ou o da necessidade de vencer completamente uma etapa para passar à subsequente, ou o da estabilidade e da obrigatoriedade do cumprimento do programa, ou o da clareza inequívoca com a qual se pode definir o que é errado, em Matemática. (FONSECA, 2007, p. 18) 68 2.3 Organização do Currículo A organização dos conteúdos com base em uma concepção linear é apoiada na ideia da necessidade de pré-requisitos, na qual um “conteúdo serve de base para o que vem em seguida, embora nem sempre se faça uma relação entre eles, dando ao aluno a impressão de que cada um deles nada tem a ver com os anteriores” (BRASIL, 2002a, p. 126). Figura 1: Organização Linear (BRASIL, 2002a, p. 126) Pires (2000) expõe que a organização dos currículos de Matemática possui a presença marcante da linearidade e da acumulação, sendo esta representada “ora pela sucessão de conteúdos que devem ser dados numa certa ordem, ora pela definição de pré-requisitos” (p. 66). Desse modo, acredita-se que o conhecimento é passível de acumulação, sendo necessário que as informações sejam dominadas antes de se ter acesso a outros conceitos. Desse modo, a autora corrobora as ideias de Machado, quando esse autor afirma que De fato, internamente e no planejamento curricular, a forma de organização linear é amplamente predominante na organização do trabalho escolar, comprometendo-se muitas vezes desnecessariamente com uma fixação relativamente arbitrária de pré-requisitos e com uma seriação excessivamente rígida, que responde em grande parte pelos números inaceitáveis associados à repetência e à evasão escolares. De um modo geral, a organização linear perpassa o conjunto das disciplinas escolares, embora seja especialmente aguda associação no caso da Matemática. Aqui, talvez em consequência de uma direta entre linearidade e formalismo, entendido como a organização dos conteúdos curriculares sob a forma explícita ou disfarçada de teorias formais, parece certo e indiscutível que existe uma ordem necessária para a apresentação dos assuntos, sendo a ruptura da cadeia fatal para a aprendizagem. (MACHADO, 1995, p. 188). 69 Portanto, a linearidade acerca da apresentação dos conteúdos requer um encadeamento lógico e sequencial, e que, obrigatoriamente, requer pré-requisitos por parte do educando, para o estudo de outros conteúdos na sequência curricular. Pires (2000) expõe que [...] nos currículos atuais, a ruptura da cadeia ainda parece ser algo fatal para a aprendizagem. Marcos temáticos são fixados e devem ser percorridos sequencialmente; é um caminho cujo percurso é composto de passos, cuja lei de sucessão é ir do mais simples para o mais complexo (ás vezes entendida como ir do mais concreto para o mais abstrato). Ao desenvolverem seu trabalho em sala de aula, tanto os elaboradores de currículo de Matemática quanto os professores se empenham em organizá-lo segundo uma “estrutura” lógica, linear: cada assunto (capitulo ou unidade) supõe conhecidos assuntos precedentes. Isso lhes parece absolutamente natural em se tratando de uma disciplina científica e essa suposta linearidade da aprendizagem acaba por descartar qualquer possibilidade de um trabalho autônomo por parte do aluno (p. 67). Portanto, podemos inferir que, intrínseca à linearidade, está a ideia de acumulação, em que é sempre necessário um pré-requisito para passar para a etapa posterior. Em contraposição ao modelo linear, encontramos à ideia de uma nova organização curricular para o ensino de Matemática, que superando o mito da linearidade e acumulação propõe a organização em rede. Na organização dos conteúdos em rede, o desenho curricular é composto por uma pluralidade de pontos interligados por ramificações e caminhos, como podemos observar na figura abaixo. Figura2: Organização em Rede (BRASIL, 2002a, p. 126). 70 Nessa perspectiva, Pires (2000) considera que No campo cognitivo, a ideia de rede comparece cada vez que se pretende demonstrar que a compreensão do tema é construída por meio de múltiplas relações, que podem ser estabelecidas entre ele e outros temas, estejam ou não as fontes de relação no âmbito de uma dada disciplina. Nesse contexto, o conhecimento é apresentado como uma rede cujos pontos vão se construindo em varias direções, em vários sentidos, cuja formação se altera e se reestrutura praticamente a cada vez que um “ponto” é incorporado a ela; é um sistema, enfim, que passa por momentos de caos e de alguma estabilidade. (PIRES, 2000, p. 117, grifo nosso) A organização do currículo em rede propicia que a aprendizagem seja significativa ao aluno, pois, ao fazer conexões, amplia seu universo cognitivo, mediando o seu contato com a realidade de forma crítica e dinâmica. Em relação à educação de jovens e adultos, “uma organização de conteúdos em rede, além de propiciar uma abordagem desse tipo, permite também a otimização do tempo disponível e o tratamento, de forma equilibrada, dos diferentes campos matemáticos. (BRASIL, 2002b, p. 25) A Proposta Curricular para a Educação de Jovens e Adultos considera que A ideia subjacente é de que a aprendizagem de Matemática está ligada à compreensão, isto é, à atribuição e à apreensão de significado. E apreender o significado de um objeto ou acontecimento pressupõe identificar suas relações com outros objetos e acontecimentos. Isto significa que o tratamento dos conteúdos em compartimentos estanques, numa rígida sucessão linear, deve dar lugar a uma abordagem em que as conexões sejam favorecidas e destacadas. (BRASIL, 2002b, p. 25, grifo nosso) Considerando o caminho que o aluno percorre na construção de seu saber, Pires (2000) com base na caracterização de Douady, faz uma comparação entre o saber matemático e o saber a ser ensinado em Matemática. 71 Quadro 1. Saber matemático e saber a ser ensinado em Matemática O saber matemático O saber a ser ensinado em Matemática O saber matemático é despersonalizado, descontextualizado (em termos das publicações), ordenado pelos problemas encontrados (ao nível do conhecimento dos pesquisadores), sincretizado (os saberes são ligados uns aos outros, sempre ao nível do saber dos pesquisadores. O saber a ser ensinado em matemática é ordenado numa progressão de tempo; essa progressão é legal (definida pelos programas – há um tempo legal de aprendizagem) e lógica (o curso de Matemática se esforça por progredir segundo uma estrutura lógica, linear); por certo, a linearidade da aprendizagem torna o trabalho autônomo impossível. No saber matemático, a progressão é comandada pelo encadeamento dos problemas sucessivamente resolvidos, ou seja, os problemas são o motor da evolução. O saber matemático é não linear. No saber a ser ensinado em Matemática, ao contrário, há uma progressão no tempo a partir de uma contradição velho / novo; um capítulo elimina o outro e, no limite, o curso evacua completamente os problemas e progride linearmente em direção ao conhecimento. Na fabricação do texto do saber a ser ensinado, o trabalho de transposição didática conduz a uma desintrincação do saber matemático: o objeto do saber é extraído de um campo de problemas a que estava ligado, como também das técnicas às quais estava associado. Nos textos escolares, os objetos de ensino são introduzidos explicitamente por uma definição, seguida de uma lista de suas propriedades, que são objeto de demonstração a partir de um certo nível de escolaridade e, depois, vem o estudo sistemático de situações de emprego pelo aluno (aplicações). Assim, o que constituía o “entorno do objeto” é substituído por aquilo que vem antes (capítulo precedente) e pelo que vem depois (capítulo seguinte). Fonte: (Pires, 2000, p. 164). Com base nessas caracterizações, enquanto o saber matemático é não linear, o saber a ser ensinado em Matemática é caracterizado pela linearidade, e assim vem sendo praticado por vários anos. Desse modo, Pires assevera que “a questão que se coloca é se esse processo deve ocorrer, necessariamente, dessa maneira. Ao que tudo indica, a resposta é negativa e os fracassos acumulados estão aí para apoiar essa convicção” (p. 164). 72 Desse modo, ao entendermos que o currículo incorpora as transformações sociais, políticas, científicas e culturais, a ideia do currículo em rede possibilita a articulação das disciplinas no currículo, evidenciando que a concepção de conhecimentos em uma rede de significados é imprescindível para o bom andamento do processo. 2.4 Critérios para a escolha do contexto Matemático Em estudos sobre cenários de investigação e ambientes de aprendizagem, Skovsmose (2010) faz referência aos estudos de Tony Cotton22. Em suas observações de salas de aula, Cotton (1998) identificou que a aula de Matemática é dividida em duas partes: na primeira parte, o professor expõe suas ideias e técnicas referentes à disciplina; refere-se, portanto, à exposição do conteúdo. Na segunda parte, os alunos trabalham com os exercícios propostos. Cotton (1998), também explicita que algumas aulas são expositivas, e em outras os alunos passam grande parte da aula, envolvidos com a resolução dos exercícios. O autor também salienta que, como condição tradicional, configura-se o livro didático. Nesse contexto, Skovsmose (2010) considera que a Educação Matemática se enquadra no paradigma do exercício, que possui a premissa central de que existe uma, e somente uma, resposta correta para questões, desafios e problemas. No entanto, contrapondo-se a esse paradigma, o autor propõe uma abordagem de investigação que se relaciona com a educação matemática crítica, no desenvolvimento da materacia. Esse modo de pensar relaciona-se com a literacia do educador Paulo Freire. Para Skovsmose (2010) “a materacia não se refere apenas às habilidades matemáticas, mas também à competência de interpretar e agir numa situação social e política estruturada pela matemática” (p. 16). Nesse contexto, o autor considera que a educação matemática crítica deve ter uma dimensão democrática “implicando que as microssociedades de salas de aulas de matemática devem também mostrar aspectos de democracia” (SKOVSMOSE, 2010, p. 16). _____________ 22 COTTON, T. Towards a mathematics education for social justice. Tese (Doutorado), Nottingham University. Nottingham, 1998. 73 O autor considera que as práticas de sala de aula, baseadas em um cenário para investigação, são aquelas em que o professor convida os alunos a fazerem investigações, explorar, formular questões e tirar conclusões. Quando o convite é aceito pelos alunos, estes se engajam no processo de exploração, passam a ser os responsáveis pelo processo e, desse modo, instaura-se um cenário para investigação. Portanto, o professor desempenha um papel fundamental nesse processo, considerando que uma mesma situação pode ser desenvolvida tanto por meio do paradigma do exercício como pela da investigação, cabendo a ele mediar essa situação de aprendizagem. No entanto, o autor ressalta que um mesmo cenário de investigação pode não dar suporte para um outro grupo de alunos, mas esta situação só pode ser respondida através da prática das interações de sala de aula que envolve professores e alunos. Nesse cenário de investigação, Skovsmose (2010) considera que existe distinção nas práticas de sala de aula, baseado em investigação e exercício, e considera que “a distinção entre elas tem a ver com as referências que visam levar os estudantes a produzir significados para atividades e conceitos matemáticos” (SKOVSMOSE, 2010, p. 22). Desse modo, o autor considera que existem diferentes tipos de referência Primeiro, questões e atividades matemáticas podem se referir à matemática e somente a ela. Segundo, é possível se referir a uma semirrealidade – não se trata de uma realidade que de fato observamos, mas de uma realidade construída, por exemplo, por um autor de um livro didático de matemática. Finalmente, alunos e professores podem trabalhar tarefas com referências a situações da vida real. (SKOVSMOSE, 2010, p. 22) Para esse autor ao combinar a distinção entre os dois paradigmas de práticas de sala de aula (exercícios e cenários para investigação), com os três tipos de referência (referências à matemática pura; referência à semirrealidade e referência à realidade), é possível obter uma matriz com seis tipos diferentes de ambientes de aprendizagem. 74 Quadro 2. Ambientes de aprendizagem Exercícios Cenário para Investigação (1) (2) (3) (4) (5) (6) Referências à Matemática pura Referências à semirrealidade Referências à realidade Fonte: (Skovsmose, 2010, p. 23). Os ambientes (1), (3) e (5) referem-se ao paradigma do exercício com referência à Matemática pura, à semirrealidade e à realidade, respectivamente. Os ambientes (2), (4) e (6) encontram-se no cenário para investigação. Vamos agora tratar das especificidades de cada um deles. O ambiente do tipo (1) é caracterizado por exercícios com referência à Matemática pura. Nas atividades propostas predominam exercícios com utilização de fórmulas, cujos enunciados são do tipo, calcule, resolva, efetue. São exemplos desse ambiente: 1. (12 . 16) + (8 . 15) = 2. (16a + 12b) - (15a + 11b) + 6b = O ambiente do tipo (2) estabelece um cenário de investigação em torno da Matemática pura. Esse ambiente envolve números e figuras geométricas, o que possibilita que o aluno investigue, argumente, explore. Um exemplo de uma situação nesse ambiente seria: “A partir da figura proposta determine e enumere quantos triângulos e quantos retângulos podemos encontrar”. Figura 3. Triângulos e retângulos 75 O ambiente de aprendizagem (3), envolve exercícios no contexto da semirrealidade. A situação proposta situa-se em torno de uma realidade artificial, portanto uma semi-irrealidade. Um exemplo de uma situação nesse ambiente é a seguinte: Em uma loja 120 carrinhos são vendidos a R$ 5,00 cada um e em outra loja são vendidos 100 carrinhos a R$ 4,00. Em qual loja o preço do carrinho é mais barato? Para resolver essa atividade não é necessário fazer uma pesquisa referente ao preço do carrinho em diferentes lojas, pois se trata de uma situação artificial, na qual os dados podem ser inventados dentro de uma semirrealidade. No entanto, o autor pondera que trabalhar com exercícios nesse ambiente pressupõe uma convenção entre professor e aluno, entendendo que se trata de uma situação artificial, portanto, A semi-irrealidade é totalmente descrita pelo texto do exercício; nenhuma outra informação é importante para a resolução do exercício; mais informações são totalmente irrelevantes; o único propósito de apresentar o exercício é resolvê-lo. Uma semirrealidade é um mundo sem impressões dos sentidos [...] de modo que somente as quantidades mensuradas são relevantes. (SKOVSMOSE, 2010, p. 25) O ambiente de aprendizagem (4) convida os alunos a investigarem, permite explorações e justificativas que podem gerar outras questões e estratégias de solução. Reproduzimos aqui, uma situação que Skovsmose (2010) utiliza para representar esse tipo de ambiente de aprendizagem. Considerando uma “corrida de grandes cavalos”, a pista de corrida é desenhada na lousa, e dois dados são jogados. De acordo com o valor da soma que sai no dado, marca-se uma cruz. Figura 4. O terreno da corrida de cavalos X 2 X X 3 4 5 X X X X X X X X 6 7 8 9 10 X 11 12 Fonte: (SKOVSMOSE, 2010, p. 26). 76 Ao observar a figura, percebemos que a soma 6 é a que aparece mais vezes, em relação às demais, portanto o cavalo 6 é o vencedor, seguido pelos cavalos 7 e 10. O autor sugere uma ampliação dessa atividade, à medida que pode se propor que os alunos se dividam em “duas agências de apostadores organizados na sala de aula, com um outro grupo de alunos controlando cada agência. Um outro grupo de alunos seria o dos jogadores que fazem suas apostas. Nesse contexto, a atividade se desenvolve dentro de uma semiirrealidade, e embora seja uma situação que possivelmente não faça parte do cotidiano do aluno, este reconhece a sua existência. O ambiente de aprendizagem (5) faz referencia à realidade, mas com práticas voltadas ao paradigma do exercício. Desse modo os exercícios são baseados na vida real, mas as questões que dele decorrem não são investigativas. Nesse ambiente, podem ser elaboradas atividades que partam de dados da vida real, podem ser utilizadas informações contidas em jornais, folhetos, revistas, sites, utilização de gráficos. Desse modo, nesse ambiente, o professor pode propor para que o aluno colete preços reais de um folheto de um supermercado e, de posse das informações dos preços contidos nesse folheto, calcular o custo unitário de alguns itens. Por exemplo, qual é o preço de um pote de 1 quilo de geleia de morango se o preço de 350 gramas é R$ 6,50? O ambiente do tipo (6) faz referência à realidade com foco na investigação. Nesse ambiente, as atividades de investigação podem utilizar recursos tecnológicos, como calculadoras, softwares, computador, e materiais manipulativos. Os problemas são relacionados com o cotidiano dos alunos e podem ser propostos como projetos. Nesse ambiente de aprendizagem, o professor pode propor para que os alunos meçam alguns objetos da sala de aula, como a porta, as carteiras, e calculem sua área, seu perímetro. Nessa investigação, o conceito de área torna-se mais real, pois ao medir esses objetos, os conceitos não se restringem apenas aos cálculos envolvidos, mas a objetos reais. Skovsmose (2010) considera que, tradicionalmente, as aulas de Matemática acontecem no paradigma do exercício, e qualquer cenário de investigação requer desafios para o professor e, desse modo, 77 A solução não é voltar para a zona de conforto do paradigma do exercício, mas ser hábil para atuar no novo ambiente. A tarefa é tornar possível que alunos e professor sejam capazes de intervir em cooperação dentro da zona de rico, fazendo dessa uma atividade produtiva e não uma experiência ameaçadora, o que muitas vezes pressupõe assumir riscos. (SKOVSMOSE, 2010, p. 37) As ideias de Pires (2000) relativas à organização do currículo e os critérios para a seleção de conteúdos de Skovsmose (2010), fundamentam nosso trabalho e serviram de base na elaboração das categorias de análise. 78 CAPÍTULO 3 PERSPECTIVA DO CURRÍCULO DE MATEMÁTICA O tema “Educação de pessoas jovens e adultas” não nos remete a uma questão de especificidade etária, mas, primordialmente, a uma questão de especificidade cultural. Isto é, apesar do corte por idade (jovens e adultos são basicamente “não crianças”), esse território da educação não diz respeito a reflexões e ações educativas dirigidas a qualquer jovem ou adulto, mas delimita um determinado grupo de pessoas relativamente homogêneo no interior da diversidade de grupos culturais da sociedade contemporânea. (OLIVEIRA, 1999:1) Após apresentarmos alguns aspectos da trajetória da Educação de Jovens e Adultos no Brasil e seus imensos desafios no campo das políticas sociais, discorremos sobre a especificidade no tocante à formação docente e ao ensino de Matemática, levando em conta as especificidades da Educação de Jovens e Adultos. Neste capítulo, iremos focalizar o currículo de Matemática sob uma perspectiva cultural, pois entendemos que, ao nos referir ao tema Educação de Jovens e Adultos, não devemos nos ater somente às questões específicas, relativas à faixa etária, mas ir muito além disso, por se tratar de uma questão de especificidade cultural. 79 3.1 A Matemática em uma perspectiva cultural Howson, Keitel e Kilpatrick (1981)23 realizaram uma análise dos processos e dos conteúdos do desenvolvimento curricular matemático, na década de setenta, as quais, no entender de Bishop (1999) têm sido muito úteis na busca de uma representação apropriada do currículo para a enculturação matemática. Nas análises, esses autores identificaram cinco maneiras diferentes de abordar o currículo que estava representado por diversos projetos curriculares: o enfoque conteudista, o enfoque das matemáticas modernas, o enfoque estruturalista, o enfoque formativo e o enfoque do ensino integrado. O enfoque conteudista está baseado nas teorias de Gagne, que considera a aprendizagem como uma mudança de estado interior e que se manifesta através da mudança de comportamento; procurava melhorar a aprendizagem através da “análise de tarefas” de uma determinada área de conteúdos, visando a uma aprendizagem sequencial. O enfoque das Matemáticas Modernas caracteriza a Matemática reorganizada para destacar considerações estruturais apresentando uma linguagem uniforme. O princípio de Bourbaki – a dedução de conteúdos a partir de axiomas – ocupa um lugar em destaque no ensino dessa disciplina. O enfoque estruturalista tem como agente teórico Bruner e Dienes, segundo as quais, nos processos de promoção da aprendizagem torna-se apropriada a estrutura das ciências. Para Bishop, a estrutura interna da Matemática não deveria determinar, por si só, a natureza do currículo. O enfoque formativo está baseado nas teorias de Piaget, apresentando dois pressupostos: o primeiro, o de que a educação escolar visa dotar o aluno de um conjunto básico de capacidades cognitivas, atitudes afetivas e motivação, e o segundo, o de que estes fatores podem ser descritos em função de traços da personalidade do aluno. Esse enfoque tem por objetivo a iniciação dos processos de aprendizagem, sem, no entanto determiná-los. _____________ 23 HOWSON, A. G.; KEITEL, C y KILPRATICK, J. Curriculum Development in Mathematics. Cambridge: University Press, 1981. 80 O enfoque do ensino integrado desenvolveu-se sobre a mesma base cognitivo-teórica do enfoque formativo, mas considerando, além dos métodos empregados, também os conteúdos. Enfatiza uma flexibilidade nas unidades de currículo, de modo que os próprios alunos possam controlar o processo de resolução de problemas e, consequentemente, a evolução do processo da aprendizagem, Além de um programa, o currículo deve incluir objetivos, conteúdos, métodos e procedimentos de evolução. Bishop (1999) considera uma sexta abordagem em relação aos cinco enfoques caracterizados por Howson, Keitel e Kilpatrick – o enfoque cultural do currículo de Matemática. No entender desse autor, o comportamento de um grupo determina sua cultura, e esse grupo, ao interagir com diferentes grupos, troca e compartilha experiências e conhecimentos. Esse contato entre diferentes culturas contribui para promover o crescimento cultural; portanto, o currículo, numa perspectiva cultural, enfatiza a necessidade de se explicitarem os valores da Matemática nos currículos, buscando relacionar as pessoas e sua cultura matemática. Nessa abordagem cultural, para tornar possível o estudo da iniciação cultural, Bishop (1988, 1999) expõe ser importante distinguir os diferentes subgrupos existentes, em função de sua relação com a cultura Matemática e, para isso, utiliza-se de três níveis de cultura distinguidos por Davis (1973)24: o nível técnico, o nível informal e o nível formal. O nível técnico da Matemática inclui todo o conjunto de símbolos e argumentações utilizadas por matemáticos em suas investigações. Nesse nível “se genera la multitud de técnicas y conceptos Matemáticos especializados que, se supone, representam un avance Del conocimiento”25 (BISHOP, 1999, p. 116). O nível informal da Matemática inclui o emprego das simbolizações e conceitualizações da Matemática de um modo implícito e impreciso. Bishop _____________ 24 DAVIES, I. Knowledge, Education and Power. In: BROWN, R. (Org.). Knowledge, Education and Cultural Change. Londres: Tavistock: 1973, p. 317-338. 25 gera uma multiplicidade de conceitos matemáticos especializados e técnicas que, supostamente, representam um avanço no conhecimento(tradução nossa) 81 (1999) expõe que a participação nesse nível acontece, em sua maior parte, de um modo inconsciente, por ejemplo, em una “conversación ordinária” em el nível informal, se usarán expressiones como “siempre”, “nunca”, “igual que”, pero normalmente no tendrán lós significados precisos que tienen em lãs Matemáticas, y lãs técnicas aritméticas rápidas que emplean, por ejemplo, lós vendedores ambulantes, se deriván del simbolismo o la tecnologia actual, pero no tendrán ningún poder de generalización más allá del contexto específico26. (p. 115) O nível formal da Matemática emprega, em contraposição ao nível informal, o uso das simbolizações e conceitualizações de um modo intencional, consciente e explícito. Nesse nível, os valores são aceitos e respaldados, portanto Bishop entende ser o nível formal o mais importante. Em relação à Educação Matemática de pessoas jovens e adultas, consideramos que a aquisição do conhecimento matemático não se inicia apenas quando ingressam no processo formal de ensino, mas decorre de experiências vivenciadas ao longo de sua trajetória de vida. Desse modo, os valores e as normas culturais existentes dentro dos diferentes grupos entram em contato, sendo necessário que o currículo de Matemática considere, além do contato entre eles, o conflito oriundo da cultura formal e informal da Matemática. Nessa perspectiva da Matemática como fenômeno cultural, Bishop (1999) propõe a “Enculturação Matemática”. 3.2 O Currículo em uma perspectiva enculturadora Os valores e as normas culturais são representados pelos que vivem e nascem dentro de uma determinada cultura, podendo ser “representados por personas, ya sea como individuos o como productos personales (escritos, _____________ 26 Por exemplo, em uma "conversação ordinária" em nível informal, será usado expressões como "sempre" nunca”, “igual que”, mas geralmente não possuem os significados precisos que têm as Matemáticas, e as técnicas aritméticas rápidas que utilizam, por exemplo, os vendedores ambulantes, são derivados do simbolismo da tecnologia atual, mas não têm nenhum poder de generalização além do contexto específico.(tradução nossa) 82 artefactos, instituciones, etc.)”27 (Bishop, 1999, p. 118), sendo transmitida para outras gerações. Na escola, a aprendizagem cultural é um processo unidirecional que vai do professor para o aluno; mais do que isso, a enculturação matemática pressupõe a iniciação dos alunos nas conceituações, simbolizações e nos valores da cultura matemática. Sendo um processo interpessoal, a enculturação é importante, não apenas para centrar a atenção nos valores, mas também para distanciarmos de uma imagem da educação apenas como mera transmissão. Desse modo, o aluno constrói as ideias, cria, produz, tendo o entorno social o papel de permitir essa construção de ideias. Considerando que a educação formal é assumida pelas escolas, o autor defende que a Enculturação Matemática formal deve levar em conta os conflitos do processo de cultura informal e transmitir o nível técnico da cultura matemática. Bishop (1999) considera três aspectos da relação de enculturação: a natureza assimétrica da relação de enculturação, o aspecto intencional e o caráter ideacional. A natureza assimétrica da relação de enculturação refere-se ao caráter dinâmico entre os participantes do processo de enculturação e o papel que cada um desempenha; desse modo o professor tem a tarefa de criar um tipo concreto de entorno social e o aluno em interação com esse entorno social, tem a tarefa de construir ideias e modificá-las. O aspecto intencional está relacionado tanto com a natureza das atividades matemáticas como com as atitudes e valores. Neste processo “La imagen de las Matemáticas se transmitirá a los alumnos por médio de las actividades em las que participen”28 (BISHOP, 1999, p. 172). O caráter ideacional refere-se às ideias matemáticas, centrando a atenção no fato de compartilhar e comunicar essas ideias e requer que se examine a oposição entre os significados individuais e os compartilhados; sendo um _____________ 27 Representada por pessoas, seja como indivíduos ou como itens pessoais (cartas, artefatos, instituições, etc). (tradução nossa) 28 A imagem da Matemática se transmitirá aos alunos por meio de atividades das quais participem. (tradução nossa) 83 processo pessoal, é o contraste entre a nova ideia e as ideias já existentes na estrutura do indivíduo, mais do que isso, é uma maneira particular de conhecer. Em texto posterior, Bishop (2002) considera que, no encontro entre a cultura formal e a cultura informal, podem surgir conflitos culturais gerados no ambiente escolar, provocando, assim, o processo de aculturação matemática. Para Wolcott29 (apud Bishop, 2002), a aculturação seria o processo de modificação de uma cultura através de contatos contínuos com outra cultura. Nesse processo, o grupo cultural que se sobressai é tido como dominante e incorpora os elementos de sua cultura no grupo que adentrou. Com relação às características de um currículo de Matemática que promova os processos de enculturação Matemática, Bishop (1988, 1999) defende a necessidade de tais currículos terem um enfoque cultural, os quais se caracterizam por cinco princípios desse enfoque: representatividade, formalismo, acessibilidade, poder explicativo, concepção ampla e elementar, e três componentes: simbólico, social e cultural, os quais passaremos discutir. O princípio da representatividade pressupõe a reapresentação da cultura Matemática considerando não somente a tecnologia simbólica particular desenvolvida nas atividades universais (contar, localizar, medir, desenhar, jogar, explicar), mas, incluindo, também, os valores específicos próprios da cultura matemática: ideologia do racionalismo, ideologia do objetismo, controle dos sentidos, sentimento progresso, sociologia da abertura e sociologia do mistério. A ideologia do racionalismo caracteriza-se pela ênfase na argumentação, análise lógica, processos de abstração, teorizações e explicações. Em sala de aula podemos perceber a presença desse valor quando, por exemplo, o professor desenvolve nos alunos habilidades de argumentação e raciocínio lógico, incentivando discussões por parte dos alunos na busca das explicações. _____________ 29 WOLCOTT, H. F. The teacher as an enemy. In: SPINDLER, G. D. (Ed.) Education and cultural process: towards an anthropology of education. New York: Holt, Rinehart and Winston, 1974, p. 136-150. 84 A ideologia do objetismo30 é caracterizada por apresentar uma visão de mundo dominada por imagens de objetos materiais. Neste princípio, as ideias se originam a partir da interação com o meio e os objetos materiais, o que proporciona as bases intuitivas e imaginativas para as ideias, proporcionando aos alunos a capacidade de abstrair. Enquanto o Racionalismo se ocupa da lógica do raciocínio, encontramos no objetismo as bases intuitivas na busca do raciocínio, através da abstração. Em sala de aula, esse valor é demonstrado quando o professor propõe atividades que desenvolvam nos alunos habilidades práticas, uso de ideias, coleta de dados experimentais. O controle dos sentidos é o valor referente ao poder do conhecimento matemático, domínio de regras e critérios estabelecidos, promovendo a busca pelo conhecimento e desenvolvendo habilidades para fazer predições. Bishop (1999) expõe que estudos relacionados ao comportamento dos planetas, por exemplo, comprovam que esses movimentos não são aleatórios nem tampouco imprevisíveis, portanto provocam o sentimento de segurança. Em sala de aula, esse valor é demonstrado, quando o professor solicita que os alunos façam uma ordenação de números ou figuras, cuja ordenação só é possível por meio do controle que o aluno tem sobre esses números, a partir de estruturas matemáticas. O sentimento progresso enfatiza o valor relacionado ao sentimento de crescimento, desenvolvimento e progresso. Um aspecto importante desse valor é que, a partir dele, se pode conhecer o desconhecido. Em sala de aula, percebemos a presença desse valor nas situações em que o aluno tem que utilizar definições, demonstrações, investigações, quando, através de uma situação-problema, esse aluno percebe novas propriedades e constrói um novo saber. _____________ 30 Bishop utiliza o termo objectism, referindo-se a objetos, na publicação em inglês. Para o idioma espanhol o tradutor utilizou o termo objetismo. Optamos utilizar o termo na versão espanhola, pois não há tradução do referido termo no idioma português. 85 Quanto aos valores relacionados à abertura e ao mistério, tais valores se complementam e fazem relações entre as pessoas e às instituições sociais. Na perspectiva da abertura, o conhecimento matemático é acessível e pertence a todos, ao que Bishop (1999) assevera que estes “no dependem de um partido político, no varían de um país a outro, son universales y son conocimiento puro”31 (p. 103), portanto o conhecimento matemático configura-se como sendo universal. As situações de aprendizagem, que podem propiciar aos alunos desenvolverem esse valor, são aquelas em que são propostas que eles façam demonstrações, formalizando as ideias matemáticas. Na perspectiva do mistério, o autor explicita que, embora a cultura matemática apresente os valores da abertura e da acessibilidade, sendo a Matemática a disciplina que mais se ensina em todo o mundo, muitas pessoas ainda se sentem envergonhadas por não compreendê-la. A esse fato, agrega-se também a ideia de se considerar que a Matemática é exclusiva a poucas pessoas. O mistério acerca das ideias matemáticas deve-se ao fato de que a matemática se ocupa de abstrações; portanto, em sala de aula é interessante que o professor propicie a construção do conhecimento, despertando no aluno o interesse pela busca do desconhecido e possibilitando a explicação e a socialização das descobertas, o que pode ser um elemento motivador para a construção de novas aprendizagens. Quanto ao princípio do formalismo, Bishop (1999), afirma que este deve objetivar o nível formal da cultura Matemática, conectando-se com o nível informal e introduzindo o nível técnico. Desse modo, o professor pode fazer uma conexão das ideias matemáticas com aquelas presentes em situações do cotidiano do aluno, enfatizando o autor que _____________ 31 Não dependem de um partido político, não variam de um país a outro, são universais e são conhecimento puro. (tradução nossa) 86 Mediante esta estructura cultural es fácil hacer referencia a las ideas Matemáticas de otras culturas. Parte de la dificultad experimenta em la actualidad por vários educadores que tratan de representar las Matemáticas como uma matéria multicultural es que, em geral, carecen de uma buena estructura para reconocer similitudes entre ideas matemáticas. Para hacer que um currículo sea multicultural, primero hay que culturizarlo32. (BISHOP, 1999, p. 128) O princípio da acessibilidade ressalta que o conteúdo curricular deve ter ser acessível a todos os alunos, na direção de “baixo para cima”, criando oportunidades para que possam estabelecer relações com elementos de sua cultura, de acordo com seus interesses. Partindo, portanto, de uma situação simples o professor pode possibilitar que os alunos criem conexões para entender situações mais complexas, respeitando as capacidades intelectuais de cada aluno. Desse modo, na perspectiva de um currículo enculturador por desgracia, la educación puede ser um proceso que fracase em la práctica com determinados alumnos, pero no tiene ninguna lógica planificar um currículo de enculturación que este diseñado para que los alumnos fracasen. La enculturación debe ser para todos: La educación Matemática deberia ser para todos. [...] Aquí el imperativo moral, que también se encuentra em El enfoque formativo, es encontrar maneras de llegar a todos lós ninos33. (BISHOP, 1999, p. 128) O princípio do poder explicativo enfatiza o aspecto explicativo da Matemática, que deve estar em conformidade com os significados importantes, os quais devem surgir a partir do currículo, pois isso possibilita o entendimento das situações do cotidiano, podendo o aluno dar significado aos conceitos matemáticos aprendidos. Mas, para que esse poder se transmita, é necessário que seja acessível a todos os alunos, de modo que o autor assevera: _____________ 32 Mediante esta estrutura cultural é fácil fazer referência às ideias Matemáticas de outras culturas. Parte da dificuldade experimentada na atualidade por vários educadores que tratam de representar a Matemática como uma matéria multicultural é que, em geral, necessitam de uma boa estrutura para reconhecer similitudes entre ideias matemáticas. Para fazer com que um currículo seja multicultural, primeiro tem-se que culturalizá-lo. (tradução nossa) 33 Infelizmente, a educação pode ser um processo falhe na prática com determinados alunos, mas não tem nenhuma lógica planificar um currículo de enculturação que está desenhado para que os alunos fracassem. A enculturação Matemática deve ser para todos: A educação Matemática deveria ser para todos.(tradução nossa). 87 No se trata de un currículo técnico [...] aunque es evidente que el poder de explicar sólo se transmitirá por medio de la actividad de explicar que, necesariamente, conllevará en cierta medida hacer varias actividades Matemáticas. El problema es que, en la actualidad, los objetivos de la mayoría de los currículos Matemáticos se centran por completo em hacer y casi nada en explicar”34. (BISHOP, 1999, p. 129) O quinto e último princípio proposto refere-se à concepção ampla e elementar, e propõe que, ao invés de ser limitado e tecnicamente exigente, o currículo de enculturação deve ser amplo, visando oferecer vários contextos para a manifestação do poder explicativo, e básico, entendendo que este possui um certo tempo. Desse modo, “la limitación de um tiempo finito para la enseñanza significa que si amplitud de la explicación y del contexto es um objetivo importante, entonces el contenido Matemático debe ser relativamente elemental”(Bishop, 1999, p. 130)35. Em sala de aula, o professor, ao abordar diferentes contextos, pode proporcionar situações de aprendizagem que favoreçam o poder de explicação. Desse modo, el pode de explicación, que se deriva de la capacidad de lãs Matemáticas para se conectar entre sí grupos de fenómenos aparentemente dispares, se debe manifestar por completo[...] Pero si el objetivo es la enculturación y si la explicación es el poder de la tecnología simbólica de la cultura, entonces uma tecnologia com uma complejidade desmedida no podrá explicar, no podrá convencer y, em última isntancia, no podrá enculturar. Además, me atrevo a afirmar que incluso lós futuros Matemáticos (y, de hecho puede que precisamente lós futuros Matemáticos) necesitan uma sólida base enculturadora em esta matéria36. (BISHOP, 1999, p. 130). Desse modo, no entender desse autor, os cinco princípios que caracterizam o currículo de enculturação Matemática _____________ 34 Não se trata de um currículo técnico [...] embora seja evidente que o poder de explicar só pode ser transmitido por meio de atividade de explicar o que, necessariamente, implica fazer varias atividades matemáticas. O problema é que, na atualidade, os objetivos da maioria dos currículos de Matemática centram por completo em fazer e quase nada em explicar. 35 A limitação de um tempo finito para o ensino significa que se a amplitude da explicação e do contexto é um objetivo importante, então o conteúdo matemático deve ser relativamente elementar. (tradução nossa). 36 O poder de explicação que deriva da capacidade da Matemática para se conectar entre grupos aparentemente diferentes, e deve-se manifestar por completo [...] Mas se o objetivo é a enculturação e se a explicação é o poder da tecnologia simbólica da cultura, então uma tecnologia com uma complexidade desmedida não poderá explicar, não poderá convencer e, em última instância, não poderá enculturar. Além disso, atrevo-me a afirmar que, inclusive os futuros Matemáticos (e, de fato, pode ser que precisamente os futuros Matemáticos), necessitam uma sólida base enculturadora nesta matéria. (tradução nossa) 88 • Debería representar la cultura Matemática, tanto desde la perspectiva de sus valores como de sua tecnologia simbólica. • Debería objetivar el nível formal de esta cultura. • Debería ser accesible para todos loss niños. • Debería enfatizar lass Matemáticas como explicación. • Debería ser relativamente amplio y elemental em vez de limitado y exigente em su concepción.37 (BISHOP, 1999, p. 130) Além de apresentar esses princípios gerais, o autor descreve os três componentes desse enfoque curricular: o componente simbólico, o componente social e o componente cultural. O componente simbólico é baseado nas conceitualizações explicativas significativas da Matemática. Esse componente organiza-se em torno de seis atividades universais – contar, localizar, medir, desenhar, jogar e explicar – e se ocupa da tecnologia simbólica que deriva dessas atividades. Essas atividades possuem grande valor para o desenvolvimento das ideias matemáticas, estimulando diversos processos cognitivos, cada uma com seu grau de importância, podendo-se trabalhar com essas atividades, tanto de uma maneira individualizada, como interagindo entre si. A estruturação desse componente garante uma cobertura ampla e elementar das ideias matemáticas importantes e possibilita fazer uma analogia com as ideias matemáticas de outras culturas. O autor pondera que, devido à importância simbólica que representam esses conceitos não devem ser tratados como temas, mas como conceitos organizadores do currículo, os quais devem ser abordados em atividades com contextos ricos, relacionados com o entorno dos alunos, possibilitando explorar seu significado, sua lógica, e fazer conexões com as ideias matemáticas, o que possibilita exemplificar e validar o poder explicativo. Contar é a primeira atividade universal para Bishop (1999). Essa é a atividade em Matemática mais investigada na literatura cultural, pois desenvolve a linguagem, as imagens e os sistemas numéricos. A necessidade de contar e _____________ 37 Deveria representar a cultura matemática, tanto na perspectiva de seus valores como de sua tecnologia simbólica. Deveria objetivar o nível formal desta cultura. Deveria ser acessível a todos os alunos. Deveria enfatizar a Matemática como explicação. Deveria ser relativamente ampla e elementar ao invés de limitado e exigente em sua concepção. (tradução nossa) 89 associar objetos com números, e registrar informações sobre quantidades, fez com que fossem criados diversos métodos de representar as quantidades em diversas sociedades; podemos, portanto, dizer que a atividade de contar está relacionada com as necessidades vinculadas ao entorno do indivíduo, podendo ir desde datas de aniversários, a situações mais estruturadas, como a resolução de problemas de combinatória, ou o uso da calculadora. que pode oferecer possibilidades para descobrir relações numéricas. Menninger (1969)38 em seu livro Numer words and Number Symbols apoia o pensamento de Bishop (1999) nesse campo e faz uma análise da universalidade de contar e da importância da ideias de números. Esta atividade possibilita quantificar, comparar e ordenar fenômenos discretos, englobando os aspectos: Cuantificadores (cada, algunos, muchos, ninguno). Adjetivos numéricos. Contar con los dedos y con el cuerpo. Correspondencia. Números. Valor posicional. Cero. Base 10. Operaciones con números. Combinatoria. Precision. Aproximacion Errores. Fracciones. Decimales. Positivos, Negativos. Infinitamente grande, pequeño. Límite. Pautas numéricas. Potencias. Relaciones numéricas. Diagramas de flechas. Representaciones algebraicas. Sucesos. Probabilidades. Representaciones de frecuencias39. (BISHOP, 1999, p. 132) Localizar é a segunda atividade universal em Matemática, proposta por Bishop. Esta atividade enfatiza a geometria espacial, relacionando o homem com seu entorno numa perspectiva espacial. Descreve a relação entre lugares e objetos, envolvendo noções de direção, ordem, e a simbolização desses ambientes através de modelos e diagramas. Segundo Bishop (1999), um importante trabalho relacionado a essa atividade e que examina com detalhe a maneira de conceitualizar o espaço de uma cultura determinada e que serve de base para seus estudos, é aquele _____________ 38 39 MENNINGER, K., Number Words and Number Symbols - A Cultural History of Numbers, MIT Press, Cambridge, Mass, 1969. Quantificadores (cada, alguns, muitos, nenhum). Adjetivos numéricos. Contar com os dedos e com o corpo. Correspondência. Números. Valor posicional. Zero. Base 10. Operações com números. Combinatória. Precisão. Aproximação. Erros. Frações. Decimais. Positivos, Negativos. Infinitamente grande, pequeno / Limite. Pautas numérica. Potências. Relações numéricas. Diagramas de flechas. Representações algébricas. Sucessos. Probabilidades. Representações de frequências. (tradução nossa). 90 proposto por Pinxten (1983)40, o qual relaciona as noções espaciais em contextos culturais diferentes. Atividades que podem ser produtivas são as de explorar e traçar mapas e, quando a localização já é conhecida, pode-se trabalhar com situações relacionadas ao entorno do aluno, cabendo, também, propor atividades relacionadas ao estudo das coordenadas cartesianas, situações de viagens e navegação. A localização engloba os aspectos de: Preposicines Descripciones do recorridos. Localización em el entorno. N.S.E.O. Orientación en la brújula. Arriba/abajo. Izquierda/derecha/ Delante/detrás. Viajes (distância). Línhas retas y curvas. El ángulo como giro. Rotaciones. Sistemas de localización: Coordenadas polares Coordenadas 2D-3D. Mapas. Latitude/ longitud. Lugar geométrico. Mecanismos articulados. Círculo. Elipse. Vetor. Espiral.41 (BISHOP, 1999, p. 133) Medir é a terceira atividade universal. Encontramos nessa atividade conceitos relacionados a comparar, ordenar e quantificar. Os conceitos de medição envolvem algumas das habilidades mentais, usadas para contar, mas desenvolvem, também, habilidades para comparar. Atividades que podem ser proveitosas são as que fazem comparações utilizando partes do corpo para medir. Pode-se, por exemplo, calcular as dimensões dos objetos da sala de aula, explorar os conceitos de área e volume, a medição do tempo, encontrar áreas de figuras irregulares, como a comparação de continentes, por exemplo. A utilização de algumas ferramentas de medição podem ser interessantes, despertando a curiosidade dos alunos, como a balança, o pêndulo a bússola e relógios. As ideias matemáticas derivadas dessa atividade são: _____________ 40 Pinxten, R., van Dooren, I. y Harvey, F., The Antropology of Space, University of Pensylvania Press,1983. 41 Preposições. Descrições de percursos. Localização do entorno. N.S.E.O. Orientação com a bússola. Em cima/Em baixo. Esquerda/Direita. De frente/De trás. Viagem (distância). Linhas retas e curvas. O ângulo como giro. Rotações. Sistemas de localização: Coordenadas polares. Coordenadas 2D-3D. Mapas. Longitude/ latitude. Lugar geométrico. Mecanismos articulados. Círculos. Elipse. Vetor. Espiral. 91 Cuantificadores comparativos (más rápido, más degaldo). Ordenación. Cualidades. Desarrolo de unidades (pesado - el más pesado - peso). Precision de las unidades. Estimación. Longitud. Área. Volumen. Tiempo. Temperatura. Peso. Unidades convencionales. Unidades normalizadas. Sistema de unidades (métrico). Dinero. Unidades Compuestas.42. (BISHOP, 1999, p. 134) Desenhar é a quarta atividade universal relacionada à Matemática. Em nosso cotidiano, estamos cercados de formas geométricas; desenhar, portanto, é a atividade que mais estabelece conexões perceptivas relacionadas com a interação matemática e seu entorno. Atividades interessantes são as que envolvem proporção, semelhança, congruência e transformações, fazendo correspondência e comparação. A partir da observação das formas geométricas, tanto as que estão no ambiente, como as que podem ser construídas, podem-se estudar suas propriedades e verificar sua interação. Assim, a atividade desenhar possibilita fazer relações entre a forma imaginada e a relação espacial percebida, o que possibilita o processo de abstração. Essa atividade envolve os aspectos: Desenho. Abstração. Figura. Forma. Estética. Comparação de objetos a partir da comparação de formas. Grande, pequeno. Semelhança. Congruência. Propriedades das formas. Formas, figuras e sólidos geométricos comuns. Redes. Superfícies. Mosaicos. Simetria. Proporção. Razão. Modelos de escala. Ampliações. Rigidez das formas.43 (BISHOP, 1999, p. 135) O jogo é a quinta atividade universal. Para esse autor, jogar é um tipo de atividade social diferente de qualquer outro tipo de interação social, pois desenvolve habilidades particulares do pensamento estratégico, fazendo suposições e planejamento, modelando a sociedade, não apenas com fins experimentais, mas, também, com fins educativos, e nesse contexto os _____________ 42 Quantificadores comparativos (mais rápido, mais devagar). Ordenação. Qualidades. Unidades de desenvolvimento (pesado, mais pesado). Precisão das unidades. Estimativa. Comprimento. Área. Volume. Tempo. Temperatura. Peso. Unidades convencionais. Unidades normalizadas. Sistemas de unidades (métrico). Dinheiro. Unidades Compostas. (tradução nossa) 43 Desenho. Abstração. Figura. Forma. Estética. Comparação de objetos a partir da comparação de formas. Grande, pequeno. Semelhança. Congruência. Propriedades das formas. Formas, figuras e sólidos geométricos comuns. Redes. Superfícies. Mosaicos. Simetria. Proporção. Razão. Modelos de escala. Ampliações. Rigidez das formas.(tradução nossa) 92 participantes se tornam jogadores. Essa estrutura implica ter regras lógicas, uma vez que envolve um, dois ou mais jogadores. Outro aspecto importante relacionado a essa atividade, diz respeito à imitação, ou seja, em muitos jogos percebemos uma representação da realidade, o que representa um modo diferente de abstrair certas estruturas dessa realidade. Os conceitos relacionados a essa atividade são: Juegos. Diversión. Acertijos. Paradojas. Modelización. Realidad imaginada. Actividade regida por reglas. Razonamiento hipotético. Procedimientos. Planes. Estrategias. Juegos de cooperación. Juegos de competición. Juegos em solitario. Azar, predección.44 (BISHOP, 1999, p. 135) Explicar é a sexta e última atividade apresentada por esse autor. Esta atividade se preocupa em responder a pergunta: “Por quê?”, buscando uma teoria explicativa para esclarecer a existência de fenômenos para compreender o mundo. Atividades interessantes que podem ser desenvolvidas, são as que aplicam ideais de justificar e criticar e as que envolvem o raciocínio lógico, pois são atividades que contribuem para o desenvolvimento da ideia de demonstração. Os resultados das atividades podem ser apresentados por cartazes, relatando os procedimentos e as soluções encontradas. As ideias matemáticas derivadas dessa atividade são: Similitudes. Classificaciones. Convenciones. Classificación jerárquica de objetos. Explicaciones de relatos. Conectores lógicos. Explicaciones lingüísticas: Argumentos lógicos Demostraciones. Explicaciones simbólicas: Ecuación / Desigualdad / Algoritmo / Función. Explicaciones figurativas: Gráficas / Diagramas / Tablas / Matrices. Modelación matemática. Criterios: validez interna / generalización externa.45 (BISHOP, 1999, p. 136) _____________ 44 Jogos. Diversão. Charadas. Paradoxos. Modelação. Realidade imaginada. Atividade regida por regras. Raciocínio hipotético. Procedimentos. Planos. Estratégias. Jogos de cooperação. Jogos de competição. Jogos solitários. Azar, predição. (tradução nossa). 45 Similaridades. Classificações. Conversões. Classificação hierárquica de objetos. Explicações de relatos. Conexões lógicas. Explicações linguísticas: Argumentos lógicos Demonstrações. Explicações simbólicas: Equação / Desigualdade / Algoritmo / Função. Explicações figurativas: Gráficas / Diagramas / Tabelas / Matrizes. Modelagem matemática. Critérios: validez interna / generalização externa. (tradução nossa) 93 Desse modo, Bishop (1999) considera que os conceitos relacionados a essas atividades não podem ser desenvolvidos como uma lista de temas a serem contemplados, mas mediante atividades apropriadas e adaptadas, de acordo com nível dos alunos, com contextos acessíveis, que respeitem a capacidade intelectual dos estudantes, dotados de variedade de contextos e situações. O componente social pressupõe o emprego da reflexão sobre o emprego da Matemática nas sociedades do passado, sobre seu emprego na sociedade atual e sobre seu emprego na sociedade do futuro. Desse modo, esse componente social representa a dimensão histórica completa do desenvolvimento da Matemática e tem como princípio básico a exemplificação, o que possibilita promover uma interface entre a Matemática e a sociedade. Para Bishop (1999), a maneira mais adequada para fazer com que os alunos participem dessas situações é por meio de projetos, que define como sendo “un trabajo de una investigación personal emprendida por el alumno, empleando materiales de referencia y redactada en forma de informe”46 (p. 144). O autor ressalta três aspectos dos projetos, os quais, no seu entender, têm uma relação especial com o componente social. Como primeiro aspecto, os projetos permitem uma participação pessoal profunda, o que possibilita que a aprendizagem ocorra de modo individualizado. Um segundo aspecto é que os projetos possibilitam o emprego de vários materiais (livros, filmes, revistas, sites, entre outros), instigando os alunos a mobilizarem seus saberes, o que possibilita que os valores e as ideias matemáticas se conectem a outros aspectos do currículo escolar. O terceiro aspecto está relacionado à reflexão por parte do aluno, pois, desse modo, através da investigação e da documentação de uma determinada situação social, com o auxílio do professor, poderá fazer conexões entre as ideias matemáticas e as situações concretas, iniciando um processo de análise crítica de valores e ideias. O componente cultural que completa o currículo de enculturação Matemática é baseado em investigações. Esse componente enfatiza a experimentação e a reflexão sobre o que é a Matemática e considera que, apenas _____________ 46 Um trabalho de investigação pessoal realizada pelo aluno, utilizando materiais de referência e escrito em forma de relatório. (tradução nossa) 94 participando de atividades de investigação matemática, é possível apreciar completamente os valores de abertura e mistério das ideias matemáticas. Desse modo, os alunos não se limitam a praticar uma simples técnica, mas atuam num nível intelectual muito mais elevado e gran parte del êxito del trabajo de investigación depende del enseñante, em primer lugar adaptando da situación a um nível adecuado para el niño y em segundo lugar trabajando com el niño para desarrollar la investigación com provecho. Además, el outro aspecto importante de lãs investigaciones es que no tienen um punto final determinado. Siempre nos podemos inventar outra derección que emprender, u outra suposición desde la que partir, u outra cuestón que abordar. Esto significa que lãs investigaciones, al igual que lós proyectos, se puedem adaptar pra satisfazer objetivos individuales y personales.Algunos alumnos puedem profundizar más que otros em su trabajo de investigación y, em consecuencia, además de ofrecer uma introducción a [que és ser um Matemático], para algunos alumnos este componente puede indicar uma futura especialización de sua carrera. De hecho, tal vez quieram llegar a ser matemáticos47. (BISHOP, 1999, p. 150) Nessa perspectiva, os estudos de Alan Bishop que fazem referência à Matemática em uma perspectiva cultural, ou seja, presente em diferentes culturas, a partir das seis atividades consideradas como universais, propõem que, para que as situações de aprendizagens possam ser enculturadoras, se faz necessário que o currículo possibilite o uso de diferentes estratégias no processo de ensino e aprendizagem e, em sala de aula, o professor atue como mediador desse processo, possibilitando ao aluno construir a aprendizagem com um amplo significado. No próximo capítulo faremos um delineamento do cenário da pesquisa, apresentaremos os atores envolvidos nesse processo, no caso o perfil dos alunos e da professora pesquisada. _____________ 47 Grande parte do êxito do trabalho de investigação depende do professor, em primeiro lugar adaptando a situação em um nível adequado para o aluno, em segundo lugar trabalhando com o aluno para desenvolver uma investigação. Além disso, um aspecto importante das investigações é que não possuem um ponto final determinado. Sempre podemos inventar outra direção a seguir, ou outra suposição ou outra questão a abordar. Isto significa que as investigações, igualmente como os projetos, podem se adaptar para satisfazer objetivos individuais e pessoais. Alguns alunos podem aprofundar mais que outros em seu trabalho de investigação, em consequência, além de oferecer uma introdução [o que é ser um Matemático]. Para alguns alunos este componente pode indicar uma futura especialização de sua carreira. Na verdade, talvez queiram vir a ser matemáticos. (tradução nossa) 95 96 CAPÍTULO 4 A PESQUISA DE CAMPO REALIZADA: CENÁRIO, ATORES E COLETA DE INFORMAÇÕES Uma escola sem pessoas seria um edifício sem vida. Quem a torna viva são as pessoas: os alunos, os professores, os funcionários e os pais, que não estando lá permanentemente, com ela interagem. As pessoas são o sentido de sua existência. Para elas existem os espaços, com elas se vive o tempo. As pessoas socializam-se no contexto que elas próprias criam e recriam. São o recurso sem o qual todos os outros recursos seriam desperdício. Têm o poder da palavra através da qual se exprimem, confrontam os seus pontos de vista, aprofundam os seus pensamentos, revelam os seus sentimentos, verbalizam iniciativas, assumem responsabilidades e organizam-se. As relações das pessoas entre si e de si próprias com o seu trabalho e com sua escola são a pedra de toque para a vivência de um clima de escola que busca de uma educação melhor a cada dia. (ALARCÃO, 2001, p. 20) Neste capítulo, vamos caracterizar, para o leitor, a escola em que realizamos a pesquisa, descrever o cenário onde os dados foram coletados, o perfil da professora investigada e o dos alunos. No último tópico, apresentamos as categorias de análise. 97 A importância atribuída a este momento baseia-se na crença de que para entender como se desenvolve o currículo praticado em uma sala de aula da EJA, devemos observar e estudá-la em sua realidade. No interior da sala de aula, os valores pessoais interagem, pois cada aluno possui visões próprias de seu mundo, sua vida e, diante dessa heterogeneidade, cabe ao professor criar possibilidades para a construção do conhecimento, respeitando os saberes dos alunos, descobrindo o melhor modo para, a partir do conhecimento do aluno, transmitir-lhes o conhecimento escolar. 4.1 O cenário da pesquisa A pesquisa realizou-se em uma escola localizada em uma região central da cidade, a uma quadra de uma avenida comercial importante, sendo de fácil acesso através de ônibus ou trem, principalmente no caso dos alunos da EJA, que trabalham ou moram em outras regiões, para estudarem tranquilamente, uma vez que há transporte de fácil acesso para retornar para casa. A área residencial no entorno da escola é constituída por casas e prédios e a área comercial possui estabelecimentos de pequeno porte, como academias, padarias, supermercados, restaurantes e vários barzinhos. O mesmo quarteirão abriga uma Biblioteca Pública e um teatro. A escola é muito bem estruturada, funcionando em três períodos: manhã, tarde e noite. Atende na modalidade Regular o Ensino Fundamental II (6º ao 9º ano) no período manhã e tarde, e o Ensino Médio (1º ao 3º ano), nos períodos manhã e noite, oferecendo no período noturno a modalidade EJA. São dois prédios distintos, um deles com a parte administrativa no térreo e, no primeiro andar as salas de aulas, que são amplas, ventiladas e bem organizadas, contando também com sala de professores, biblioteca e laboratório de informática. Possui, também, no espaço externo uma quadra poliesportiva, refeitório e cantina em área coberta. No pátio, estão dispostos dois confortáveis jogos de sofás, os quais sempre que estive na escola visualizei alguns alunos sentados confortavelmente. Num primeiro momento, não dei muita atenção aos 98 tais sofás no pátio, mas em certa ocasião, enquanto aguardava a professora para a observação da aula, pude conversar com alguns alunos que lá estavam, esperando pelo início de suas respectivas aulas, e uma senhora me relatou que vinha do trabalho direto para a escola, de trem, e muitas vezes não via a hora de chegar à escola para poder sentar ali e descansar um pouco a “cabeça e o corpo” antes de começar a aula. Considerando que cada Instituição tem uma identidade própria, fruto de sua história particular, permeada por valores, expectativas e tradições, um olhar atento para a escola, considerando seu entorno e o espaço físico, exprime seu processo de construção social e nos diz muito a respeito de sua atuação e do significado para os sujeitos nela envolvidos. O primeiro contato foi por telefone, pois procurávamos uma escola que atendesse alunos da EJA no Ensino Fundamental II ou no Ensino Médio. Em virtude de essa escola contemplar a modalidade requerida, optamos por realizar a pesquisa nessa Instituição e, também, por ser uma escola de fácil acesso, próxima à residência de uma das pesquisadoras. Mas, para a realização do nosso trabalho, não bastaria apenas a nossa escolha por essa Instituição, seria necessário também a autorização da Direção e a aceitação do professor em nos permitir assistir às suas aulas, portanto o próximo passo foi marcar um horário para ir até a escola. Ao chegar, quem nos atendeu foi o Coordenador da EJA e após um breve panorama da pesquisa que pretendíamos desenvolver, ele se mostrou interessado e, de imediato, nos indicou duas professoras com as quais poderíamos conversar, visto que lecionavam tanto no Ensino Fundamental II como no Ensino Médio da EJA, as quais iremos chamar de Ana e Bianca48. Para um primeiro contato com as professoras, agendamos de acordo com a disponibilidade delas, um encontro para apresentar nossa pesquisa, seus objetivos, a importância das informações que seriam coletadas, e saber se elas teriam o interesse em participar e autorizar a coleta de dados em suas aulas. _____________ 48 Em conformidade com a conduta em pesquisas dessa natureza, tivemos o cuidado de preservar o sigilo das informações e dos sujeitos envolvidos na pesquisa. Portanto, os nomes Ana e Bianca são nomes fictícios. 99 No dia agendado, ao chegarmos à escola, o Coordenador da EJA nos informou que somente a professora Bianca estava presente, a professora Ana por motivos particulares não se encontrava nesse dia, e só estaria disponível na próxima semana. O Coordenador sugeriu que conversássemos com a professora Bianca, e caso esta aceitasse participar da pesquisa, ele acreditava que seria mais viável realizar as observações nas salas dessa professora, considerando que os alunos de sua turma eram mais velhos e mais comprometidos com os estudos. Conversamos com a professora Bianca, contamos-lhe o modo como seria realizado nosso trabalho explicitando a importância e seus objetivos, mas embora tenha mostrado interesse, confessou não se sentir muito à vontade com o fato de ter suas aulas observadas. Explicamos a ela que, em conformidade com a conduta em pesquisas dessa natureza, poderia ficar tranquila, pois teríamos o cuidado em garantir-lhe o anonimato. Então, mais confiante com relação a esse fato, aceitou participar, e acreditava que realizar o trabalho de pesquisa em suas turmas seria mais interessante, devido aos alunos dessa turma serem mais velhos, tranquilos e comprometidos com os estudos, acreditava que seria desgastante a observação na sala de aula da turma em que a professora Ana lecionava, confiando-nos ser uma sala muito difícil em termos de comprometimento e indisciplina dos alunos. Poderíamos, nesse momento, ter ajustado os dias e horários das aulas e iniciado nossas observações. Afinal, realizar as observações em uma sala em que os alunos são comprometidos com a aprendizagem, nos colocava de certo modo em uma situação cômoda. Mas, ao mesmo tempo, o fato de os alunos da professora Ana serem vistos como alunos indisciplinados e “difíceis de trabalhar” aguçava nossa curiosidade, parecia-nos desafiador, e nos instigava saber: De quais recursos ela dispõe para exercer seu trabalho? De que modo utiliza esses recursos? E, mais ainda, sendo essa sala menos participativa, de que modo mobiliza os saberes desses alunos? Essas inquietações nos levaram a aguardar mais uma semana. Ao conversarmos com a professora Ana, esta se mostrou acessível e interessada em participar da pesquisa, foi simpática e se dispôs a responder a todas as nossas 100 perguntas, pedindo que, quando a dissertação estivesse pronta, tivesse acesso a ela, como forma de conhecer uma análise de suas práticas e aperfeiçoar-se. Também permitiu que conversássemos com os alunos e que acompanhássemos suas aulas. Para uma melhor observação, concordamos que estaríamos assistindo às aulas, a partir do início de um determinado conteúdo. Com relação aos alunos dessa turma, relatou-nos que eles eram “difíceis”, em termos de disciplina e com dificuldades em assimilar o conteúdo, e que, em algumas atividades, se sentia “temerosa” em trabalhar com eles. Agradecemos a atenção da professora Bianca, e por apresentar ao nosso entender, um desafio maior ao trabalho, optamos em realizar a pesquisa com a professora Ana. 4.2 O perfil dos alunos Ao analisar o perfil dos alunos, observamos que 16 alunos têm até 30 anos (88,8%), e os outros 2 alunos têm idade entre 31 a 40 anos (11,1%), o que demonstra que a maior parte deles é composta por jovens. Uma primeira consideração é a de que este tipo de jovem possui percursos diferentes que o de outros jovens de sua mesma faixa etária, dos quais muitos já ingressaram no nível superior ou cursos de especialização. Sua história assemelha-se à do adulto, que volta à escola para concluir os estudos, em busca de uma formação, mas suas condições tanto biológicas como psicológicas diferem destes. Fonseca (2007, p. 22) assevera que “mesmo que estruturas socioeconômicas e culturais imponham uma entrada cada vez mais precoce em algumas dimensões da vida adulta, os modos como os velhos, os adultos, os jovens, os adolescentes ou as crianças se inserem nessas dimensões são sensivelmente diferentes”. Com relação ao sexo, 10 declaram ser do sexo masculino, sendo 8 do sexo feminino, o que nos faz pressupor que, em relação a esta turma, a Educação de Jovens e Adultos apresenta-se como um espaço sem distinção de gênero. Com relação ao estado civil, 2 afirmaram ser casados, e somente 2 afirmaram ter filhos. 101 Com relação à atuação profissional, dentre as diversas áreas em que atuam, pudemos encontrar entre auxiliar fiscal, manicure, tecelão, frentista, banhista de pet- shop e vendedores. Merece destaque o fato de 10 alunos trabalharem com carteira assinada, o que representa um pouco mais que a metade da sala de aula, e somente 4 trabalham de maneira informal. O mundo do trabalho muitas vezes configura-se como um dos motivos de o jovem parar de estudar, mas esse é o mesmo motivo que o impulsiona a retornar aos estudos. Desse total, todos os alunos afirmaram ter parado de estudar em algum momento de suas vidas. Dentre as razões que os levaram a parar de estudar, encontramos diversos motivos, dentre os quais: as questões familiares – 3 alunos; escola distante da residência – 2 alunos; por reprovação – 2 alunos; para trabalhar – 11 alunos. Com relação aos motivos que impulsionaram a volta aos estudos encontramos: entrar no mercado de trabalho – 8 alunos; para conquistar um emprego melhor – 3 alunos; porque querem continuar estudando – 1 aluno; para melhorar a qualidade de vida – 4 alunos; para buscar mais conhecimentos – 2 alunos. Quando questionados sobre suas pretensões após concluírem o Ensino Fundamental, 17 alunos pretendem prosseguir os estudos, sendo que desses, 9 alunos pensam em prosseguir no Ensino Médio, 5 alunos pretendem cursar o Técnico e 4 alunos pretendem prosseguir até o Nível Superior. Todos reconhecem a importância da escola em suas vidas. Com relação à disciplina de Matemática, todos a consideram importante para sua vida fora da escola, e quando questionados sobre o que mais sentem dificuldade na aprendizagem matemática, apontam a resolução de problemas, dificuldades no cálculo e que também depende do modo como o professor explica. Assim, observamos que os alunos da EJA “percebem-se pressionados pelas demandas do mercado de trabalho e pelos critérios de uma sociedade onde o saber letrado é altamente valorizado”, e cumpre ao educador da EJA “considerar esse tripé – necessidade, desejo e direito – ao acolher nossas alunas e nossos alunos e tomá-los como sujeitos de conhecimento e aprendizagem, para pautar nossas ações educativas, em particular, na Educação Matemática que vamos desenvolver”, como bem o diz Fonseca (2007, p. 49). 102 4.3 O perfil da professora Ana é graduada em Física e pós-graduada em Educação Matemática, atua no magistério há vinte anos, sendo que desses, doze anos são dedicados à Educação de Jovens e Adultos. Na escola pesquisada, trabalha há dois anos, ministrando aulas para o 4º termo do Ensino Fundamental II e para o 3º termo do Ensino Médio. O que a motivou escolher essa modalidade de ensino para lecionar, relaciona-se a uma escolha pessoal e à afinidade encontrada com os alunos. Relata que os alunos da EJA se diferenciam pela maturidade, heterogeneidade, aspirações, e pelo tempo de passagem pela escola, que é menor do que no Ensino Regular. Percebemos, na fala de Ana, um vínculo de cunho afetivo ao se referir aos alunos da EJA. Segundo Tardif (2006, p. 130) “boa parte do trabalho docente é de cunho afetivo, emocional. Baseia-se em emoções, em afetos, na capacidade não somente de pensar nos alunos, mas igualmente de perceber e de sentir suas emoções, seus temores, suas alegrias, seus próprios bloqueios afetivos”. Com relação ao modo como seleciona o material para trabalhar nos relata haver muito material disponível para o professor “sabiamente” adequar a essa modalidade de ensino e, em suas aulas, utiliza o livro didático, apenas para algumas atividades, problemas ou exercícios, pois entende que o livro didático é um apoio para o professor e um complemento às aulas para os alunos, tendo o professor como condutor do processo. Ao preparar suas aulas, utiliza seus conhecimentos sobre projetos e alguns materiais disponíveis, como o livro didático, paradidáticos, textos. Nas aulas, utiliza como recurso o computador, a calculadora, materiais de geometria e instrumentos de medida, livros diversos. Relata-nos que não trabalha com o uso de fórmulas, visto que considera que a teoria sai da prática. Quanto à utilização de livro didático, aprovado pelo PNLD-EJA, iniciou os conteúdos de Estatística no livro, baseado em leitura e interpretação de gráficos, mas em virtude de muitos erros encontrados nos textos, em decisão conjunta com os alunos optaram por não utilizá-lo. Como aspectos positivos encontrados no 103 livro, aponta a sequência das atividades, os conteúdos e as atividades, que têm relação com os projetos que Ana desenvolve ao longo do ano, e como aspecto negativo aponta a espessura (todas as disciplinas concentram-se num mesmo volume). E, embora a metodologia e a abordagem adotadas pelos autores desse material contemplem as particularidades dos alunos da EJA, ainda assim, se faz necessária a adequação para cada turma. 4.4 Coleta dos dados pela pesquisadora Na coleta dos dados, utilizamos como recursos o diário de bordo, máquina fotográfica, gravador e filmadora. As filmagens foram de extrema importância, pois, somente através dela, pudemos rever os protocolos referentes à fala dos atores envolvidos, no caso a professora e os alunos, o que dificilmente conseguiríamos apenas com fotos, gravações ou nossas anotações. Desse modo, as filmagens nos revelam o movimento, os gestos, as falas, a dinâmica da sala de aula propriamente dita. Na sala de aula, nos posicionamos na primeira carteira no canto da sala, em uma fileira não ocupada pelos alunos, ali permanecendo durante as explicações da professora, evitando assim “atrapalhar” ou distrair a atenção dos alunos. Somente após a explicação da professora, e no momento em que ela circulava pela sala de aula, nos levantávamos e a acompanhávamos, registrando as dúvidas dos alunos. Desse modo procuramos intervir o menos possível na sua aula. O questionário referente ao perfil da professora foi coletado antes de assistirmos à sua aula, no entanto optamos por coletar os dados referentes ao perfil dos alunos, somente após o final da atividade, pois temíamos que, caso os dados fossem coletados antes, poderia haver maior intimidade com os alunos e que esse fato influenciasse, depois, na coleta dos dados durante o desenvolvimento das aulas. Pode ser que talvez um aluno resolvesse conversar conosco durante as aulas, tirar dúvidas, ou qualquer outra informação. Desse modo, após o desenvolvimento da atividade, procedemos à coleta dos dados dos alunos e, como não havia mais o “temor” em comprometer os dados durante as 104 aulas, pudemos conversar com eles mais tranquilamente, saber seus anseios, e perspectivas para o futuro. 4.5 Roteiro de observação e categorias de análise Antes da e durante a coleta de dados em sala de aula nossa preocupação era a de como organizar a nossa observação. Apoiados nas referências teóricas e em reflexões com colegas do grupo de pesquisa, do mesmo período em que assistia às aulas, fomos organizando um roteiro de observação, destacando algumas categorias. 1. Objetivos de aprendizagem 2. Adequação do plano de atividades aos objetivos propostos 3. Gestão da sala de aula. Escolhas metodológicas, 4. Interação com os estudantes. Intervenções da professora. 5. Avaliação contínua das aprendizagens Além desse conjunto de itens de observação, para analisar as atividades propostas pela professora, faremos uso de um conjunto de descritores elaborados pelo grupo de pesquisa e usado também nas dissertações de Januário (2012) e Lima (2012). Nos quadros a seguir, apresentamos os descritores elaborados a partir dos trabalhos de autores como Bishop, Pires e Skovsmose. 105 Quadro 3. Descritores de Princípios do enfoque cultural do currículo de Matemática Presença Ausência Representatividade As atividades visam não apenas ao acesso à linguagem matemática, mas às explicações e teorizações, às ideias intuitivas, à seguridade para explicar determinados fenômenos, o progresso, e aos porquês dos saberes. Formalismo As atividades incutem os conceitos matemáticos, procurando articulá-los com saberes informais e saberes técnicos. As atividades privilegiam apenas um dos níveis ou apresentam os três, sem articulá-los. Situações de aprendizagem que partam do contexto do aluno, ou de seu grupo social, para o contexto da Matemática, de modo a respeitar a capacidade intelectual do discente. Situações que partam do contexto matemático para o contexto do aluno – ou que só contemplem o contexto matemático –, e que esteja acima da capacidade intelectual daquele que aprende. Acessibilidade Poder explicativo Atividades que apresentem explicações dos conceitos e ideias matemáticas e incutam argumentos, para que os alunos possam compreender e explicar situações vivenciadas em seu meio social. Concepção ampla e elementar Atividades que estabelecem conexões das ideias matemáticas entre diferentes contextos Ênfase na linguagem matemática, enfatizando um corpo de conhecimentos prontos e fechados; ausência de sentido e compreensão das ideias matemáticas. Atividades que aplicam conceitos e ideias matemáticas apenas por meio de regras e técnicas. Atividades apresentam aplicação de ideias matemáticas apenas em um contexto 106 Quadro 4. Descritores de Componentes do currículo de enculturação Presença Ausência Componente simbólico Apresentam os conceitos matemáticos interligados entre si, contemplando as seis atividades universais. Os conceitos são abordados como temas estanques. Componente social Possibilita ao aluno utilizar as ideias matemáticas para compreender os fatos sociais presentes em seu mundo vida, posicionando-os de modo crítico. Situações matemáticas desarticuladas de acontecimentos sociais. Componente cultural As atividades solicitam ao aluno atitudes investigativas, possibilitando a compreensão dos porquês dos saberes matemático. Atividades que não solicitam o desvendar das ideias matemáticas. Quadro 5. Descritores de Critérios de seleção de conteúdos Presença Ausência Pelo uso no cotidiano Os conteúdos mais enfatizados são aqueles que mostram a aplicabilidade da Matemática no cotidiano das pessoas. Nas atividades apresentadas, não são frequentes as situaçõesproblemas relacionadas ao cotidiano das pessoas. Pela necessidade de aprender mais Matemática Os conteúdos mais enfatizados são aqueles que preparam o aluno para construir ideias matemáticas cada vez mais complexas. Nas atividades apresentadas não há preocupação de sistematizar, generalizar ideias matemáticas. Pela tradição Os conteúdos são aqueles guiados pela tradição pedagógica. A ênfase é colocada em temas algébricos sem atenção a temas referentes à geometria, à estatística entre outros. 107 Quadro 6. Descritores de Organização dos conteúdos Presença Ausência Linear Os conteúdos de cada assunto são apresentados numa sequência linear, baseada na constituição de pré-requisitos, segundo a lógica do mais simples para o mais complexo, mas sem destaque às interconexões. Tratamento de conteúdos de modo estanque, sem a preocupação com prérequisitos ou com a progressão do mais simples para o mais complexo. Em rede Na organização dos conteúdos, estimula-se a articulação entre os temas, permite-se maior flexibilidade quanto ao nível de abordagem e o percurso curricular é ditado pela atribuição de significados. Conteúdos de modo geral são trabalhados uma única vez, sem articulação com o que se aprendeu antes, mas supondo a existência de prérequisitos. Quadro 7. Descritores de escolha de contextos Paradigma do Exercício Paradigma da Investigação Referências à matemática pura Dominam atividades em que predominam procedimentos algorítmicos, uso de regras e fórmulas, entre outros. Dominam atividades em que predominam questões abertas, cuja solução depende da criação de estratégias de resolução pelos alunos. Referências à semi-realidade Dominam atividades como, por exemplo, compras, vendas, cálculo de áreas a serem pintadas, mas são situações artificiais. Os exercícios estão localizados numa semi-realidade do aluno. Atividades que enfatizam situações artificiais, porém propiciam o uso de diferentes estratégias de resolução. Referência à realidade Atividades baseadas em situações vivenciadas pelos alunos, tendo como finalidade o emprego de algoritmo e procedimentos práticos. Situações de aprendizagem que enfatizam experiências vivenciadas pelos alunos, objetivando a investigação na perspectiva de projetos. 108 Quadro 8. Descritores de opções metodológicas Presença Ausência O uso de diferentes estratégias para uma mesma atividade Indica que os alunos têm acesso a diversas formas de solucionar a questão e são estimulados a utilizar procedimentos próprios. O professor não proporciona ao grupo a chance de usar diversos raciocínios para resolver uma questão. A presença de comentários dos alunos com linguagem e conhecimento próprio Sinal de que o professor incentiva e valoriza a reflexão e a autonomia. Os alunos podem estar sendo levados a anotar apenas a fala do professor ou as anotações que ele faz no quadro. O professor como mediador da aprendizagem O professor estabelece uma conversa com o estudante ao comentar a estratégia utilizada, ou pedindo que acrescente, justifique ou retome algum ponto. O professor deixa de fazer observações dirigidas às necessidades de cada aluno, usando o diálogo só nas situações de grupo. Progressão de desafios Se existe uma progressão nos desafios propostos, permitindo que o aluno use o que aprendeu anteriormente para resolver problemas mais complexos. Os conteúdos são trabalhados de forma fragmentada e não há variação no grau de dificuldade nas situações propostas. Neste capítulo caracterizamos para o leitor a escola em que realizamos a pesquisa, descrevemos o cenário onde os dados foram coletados, o perfil da professora investigada, dos alunos. No capítulo seguinte iremos descrever o cenário em que a pesquisa foi realizada, no caso a sala de aula. Inicialmente faremos uma descrição da atividade, e a seguir faremos a descrição do desenvolvimento da atividade. 109 110 CAPÍTULO 5 DENTRO DA SALA DE AULA Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses quefazeres se encontram um no corpo do outro. Enquanto ensino continuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade. (Freire, 1996, p. 32) Neste capítulo, iremos descrever o cenário em que a pesquisa foi realizada. Inicialmente, faremos uma descrição da atividade, apresentando ao leitor quais materiais foram utilizados pela professora, o modo como os dados foram coletados, organizados e analisados. A seguir faremos a descrição do desenvolvimento da atividade. Para diferenciar a fala do professor em relação à fala dos alunos optamos por destacar todas as falas dos alunos em itálico. 111 5.1 Descrição da atividade proposta pela professora Material utilizado: Objetos de base circular Instrumentos de medida Calculadora Folha quadriculada Etapa 1 – Coleta dos dados Escolha de alguns objetos de base circular, a seguir cálculo da medida do diâmetro e da circunferência utilizando barbante, régua ou fita métrica. Etapa 2 – Análise dos Dados Os dados coletados foram organizados em uma tabela, contendo o nome do objeto, o valor encontrado do diâmetro e o valor da circunferência. Após uma discussão não conclusiva sobre a relação possível entre diâmetro e o perímetro da circunferência, os alunos efetuaram o cálculo da razão de proporcionalidade entre o valor obtido no diâmetro e no perímetro da circunferência. Esses valores foram organizados em outra coluna da mesma tabela. A obtenção de valores muito próximos chama a atenção sobre a sua igualdade envolvendo a discussão sobre os erros na medida. Etapa 3 - Análise dos resultados Construção do gráfico no plano cartesiano e discussão sobre os valores encontrados na atividade, cujo objetivo é transpor para um contexto prático o comprimento da circunferência, do diâmetro, e após descobrir a presença do número π. A princípio, Ana não soube nos dizer onde os alunos encontrariam mais dificuldades; primeiramente ela iria verificar o conhecimento deles sobre círculo. A princípio, pensou em pedir para os alunos pesquisarem em casa, mas como eles 112 geralmente não o fazem, optou por ela mesma trazer os materiais, e verificar, à medida que a aula transcorresse, quais conhecimentos eles já traziam consigo e, a partir disso, interpretar a relação do perímetro da circunferência em relação ao diâmetro, até os alunos verificarem o modo como se chega ao número π. A avaliação aconteceu diariamente com a participação do aluno, e através de questões no caderno, no final da atividade. Ana trabalha essa atividade também na Disciplina de Apoio Curricular de Matemática (DAC)49, visando “revisar” alguns conceitos de Geometria, realizando medidas com o uso de instrumentos, e também cálculos de áreas e volumes. Nas aulas, não trabalha com fórmulas, pois, no seu entender a teoria advém da prática. 5.2 Descrição do desenvolvimento da atividade Geralmente, as aulas começavam às 19h15min. Os alunos aglomeravamse do lado de fora da escola até o portão ser aberto às 19h, podendo adentrar o espaço escolar a qualquer momento, a partir desse horário, ou dele se retirar. Conversando com a professora, ela nos informou que havia 35 alunos matriculados, mas que nem todos compareciam diariamente. No início do ano letivo, a frequência era maior, mas conforme o ano foi transcorrendo os alunos foram faltando e muitos deixaram de comparecer de vez. Um fato que nos chamou a atenção durante a observação das aulas, foi a rotatividade de entrada e saída dos alunos da sala. Mesmo após a entrada em sala de aula da maioria dos alunos, os demais alunos que ainda estavam fora poderiam estar entrando na sala de aula a qualquer momento. Do mesmo modo, aqueles que lá dentro estavam também poderiam se ausentar a qualquer momento, independente do sinal. De certo modo, esse fato acabava por prejudicar o andamento da aula, pois sempre que um aluno entrava ou saía, _____________ 49 DAC é uma disciplina do currículo do 3º ano do Ensino Médio, Regular ou EJA, do Estado de São Paulo, que tem por objetivo discutir temas interdisciplinares facilitando a integração das diversas disciplinas dentre as quais a Matemática. 113 embora a professora não interrompesse sua aula, essa movimentação desviava a atenção dos demais que estavam participando da aula. Outro fato que também nos chamou a atenção foi a rotatividade em relação à presença dos alunos. Nos dias em que realizamos as observações, constatamos que somente alguns alunos eram sempre os mesmos, geralmente 8 alunos, os demais estavam presente em dias alternados. Esse fato dificultava o andamento da matéria, pois sempre que um aluno entrava na sala de aula, tinha que se inteirar com outro colega já presente, para saber em qual parte estava a atividade. Nesse sentido, Tardif (2002, p. 133) assinala que “um dos principais problemas do ofício de professor é trabalhar com um objeto que, de uma maneira ou de outra, foge sempre ao controle do trabalhador”. Apesar desse interveniente a professora procurava manter uma relação de cordialidade com os alunos. No início das aulas, enquanto aguardava a entrada dos alunos, sempre aproveitava para conversar com os que já estavam presentes. Em nosso primeiro dia de observação, estavam presentes no início da aula 6 alunos. Pudemos perceber tanto nesse dia, assim como nos demais que transcorreram que, sempre no início das aulas, Ana gostava de conversar com os alunos, e retomar a atividade que eles estavam realizando, enquanto os demais iam chegando e a sala ficava com um número maior de alunos. Relata-nos essa ocorrência como rotineira, pois, dificilmente a sala estava completa na primeira aula, os alunos iam entrando aos poucos e, portanto ela sempre retomava rapidamente a última aula. Observação – a partir da descrição da didática das aulas e dos procedimentos propriamente ditos, da professora Ana, e apenas nesse contexto, usaremos o tempo presente, para manter mais nítida a vivacidade do processo. Inicia-se a aula às 19h15. Ana explica que, a partir daquela aula, eles estariam desenvolvendo uma atividade relacionada ao número π. Coloca sobre a mesa uma caixa de papelão com alguns objetos “redondos”. Observamos que os alunos ficam aguçados olhando os objetos e curiosos para saber o que estariam fazendo com aquele material. A professora coloca uma mesa no centro da sala e começa a dispor alguns objetos sobre ela, tais como: disco de vinil, CD, tubinho 114 do rolo de papel higiênico, frasco de remédio, tampa de objetos diversos, cano de PVC. Figura 5. Objetos dispostos na mesa Foto autorizada pela Professora. À medida que dispunha os objetos sobre a mesa, aproveita para questionar os alunos: − Vocês conhecem esse objeto? E esse? Os alunos observam os objetos mostrados pela professora e, ao se familiarizarem com eles, começavam a falar os nomes de cada um. Após colocar os objetos sobre a mesa, Ana explica que aquelas eram algumas sugestões que trouxera, mas que os alunos, provavelmente, teriam outros com eles, na bolsa ou na mochila, e então os questiona: − Ao observar esses objetos o que vocês percebem? Que tipo de forma tem esses objetos? − São redondos. [respondem os alunos] − Aqui na sala de aula, olhando ao nosso redor, onde podemos encontrar objetos com essas formas? − Lixo, tampa do lixo, bagulho da cortina (referindo-se ao varão da cortina). Observamos que, mesmo o aluno referindo-se ao varão da cortina como “bagulho da cortina”, Ana respeita o seu modo de se expressar. 115 Alguns alunos também mostram alguns objetos pessoais como batom, anel, espelho. − O que caracteriza as formas desses objetos? − São redondos. − Mas eles são diferentes? − Sim, são. − O que eles têm de diferenças? − Uns são maiores e outros menores. [alguns alunos respondem] − Então, vocês estão dizendo que eles têm o mesmo formato, mas são de tamanhos diferentes. Se compararmos a altura deles, eles são diferentes? A professora pega o tubo de PVC e questiona: Como chama esse tamanho? − Comprimento. [alguns alunos] − Como posso fazer para medir esse tamanho? Como faço para medir o comprimento? Alguns alunos gesticulam [mostrando que poderia ser medido colocando o objeto na horizontal e outros afirmavam que na vertical]. − Posso medir com a régua? Os alunos afirmam que sim. Pega o rolinho de papel higiênico e questiona novamente. − Posso medir com a fita métrica? Mais uma vez, os alunos afirmam que sim. Vira o rolinho e questiona. E esse comprimento, o redondo, como eu posso medir? 116 Enquanto os demais observam o objeto, um aluno questiona: − O diâmetro? − Isso, o diâmetro. Como faço para medir o diâmetro desses objetos? Os alunos olham para o objeto, mas não respondem. − O que é o diâmetro? Continuam a olhar o objeto, mas ainda não respondem. Então, a professora segue com seus questionamentos. − Temos alguns instrumentos para medir o diâmetro aqui, como a régua e a fita métrica. Mas como fazemos para medir o diâmetro? Vocês concordam ou não, que esses objetos têm diâmetros diferentes? Os alunos concordam. Mais uma vez a professora questiona. Mas, o que significa diâmetro? − O espaço interno. [responde um aluno, enquanto os demais observam atentamente]. Ana se dirige ao aluno que respondeu, pegou o rolo de papel e pediu para que ele mostrasse como é que faz para medir o diâmetro. O aluno olha o rolo de papel, mas não consegue responder. Então Ana pega o objeto, vai até a lousa e desenha a forma redonda do rolo de papel e questionou: − Quero que vocês olhem essa figura e me digam onde é o diâmetro. Os alunos olham, mas não respondem. Novamente, Ana pega alguns objetos da caixa, e questiona os alunos. Olhando só a forma redonda, como vocês desenham o diâmetro? − O círculo? [pergunta um aluno] − Vocês falaram algumas palavras interessantes: redondo, comprimento, diâmetro, e agora círculo. [escreve na lousa essas palavras]. Mas ainda não responderam, o que é o diâmetro? − A largura? [pergunta outro aluno]. − A largura do quê? Mostre pra mim como você mede essa largura. 117 Ana se dirige até a caixa sobre a mesa, pega a régua e o CD, e os entrega para o aluno mostrar como medir a largura. O aluno mede com a régua, mostrando como acreditava que fosse medir a largura. A professora observa o modo como o aluno mediu a largura, pega, então o CD e a régua e mostra para os demais alunos da sala o modo medido pelo aluno, e continua com os questionamentos: − Então o diâmetro é a medida que se obtém com a régua de um ponto ao outro. Mas como saber se esse é mesmo o diâmetro? E não esse? Ana desenha uma circunferência na lousa, começa a ligar vários pontos dentro da circunferência ao mesmo tempo em que questiona os alunos: Figura 6. Circunferência traçada na lousa Foto autorizada pela Professora. − Se o diâmetro é a distância entre dois pontos da circunferência, como saber se o diâmetro é a distancia entre A e B, e não entre A e C ou as demais distâncias que coloquei? − Porque divide o meio certo [responde baixinho um aluno]. − Você quer dizer que é porque ele passa bem no meio, no centro da circunferência. Então diâmetro é a distancia entre dois pontos da circunferência quando passa pelo meio, no ponto central, ou seja, exatamente na metade. 118 Um aluno se levanta, dirige-se até a lousa e mostra que o diâmetro é a reta que Ana traçou no centro da circunferência, ligando os pontos a e b, afirmando que o diâmetro é a reta que passa bem no centro e continua: − Dividindo assim a circunferência se quiser dá para medir os ângulos também. − Isso mesmo, podemos falar de ângulos aqui, relacionando ângulos com a circunferência. Quando damos a volta completa percorrendo todos os pontos da circunferência temos 360º e quando percorremos a metade temos 180º. Então somando a metade com a outra metade temos 360º. Mas, vamos, agora, nos concentrar nas medidas que iremos utilizar, no caso o comprimento da circunferência. Vocês sabem qual a diferença entre circunferência e círculo? Os alunos olham, mas não respondem. − A circunferência é todo esse comprimento (mostrando aos alunos todo o contorno) e círculo seria toda a área interna desse limite. Agora vocês vão escolher um objeto aqui na caixa e medir o diâmetro. Todos já sabem medir o diâmetro? Os alunos afirmam que sim. − Vamos medir a circunferência também. Como podemos medir essa circunferência? Dá para medir com a régua? − Não, só com o barbante. [afirma um aluno] − O diâmetro vocês podem medir com a régua. A circunferência vocês podem medir com a fita métrica ou utilizar o barbante e depois transferir os dados para a régua. Ana pede para cada aluno pegar um objeto na caixa, desenhar no caderno o objeto escolhido, medir o diâmetro e a circunferência, e depois trocarem o objeto com os colegas de sala, até todos usarem os objetos escolhidos por cada um, desenhado e medido no caderno. Depois que todos tivessem concluído as medições, os dados seriam colocados na lousa. 119 Todos se dirigem à caixa e escolhem um objeto. Nesse momento, observamos um clima de total interação na sala, tanto no que diz respeito aos alunos entre si como entre a professora e os alunos. A professora Ana se movimenta na sala durante todo o tempo em que os alunos realizam a medição, auxiliando-os em suas dificuldades. Após os alunos realizarem as medidas e anotarem os dados no caderno, Ana propõe que os dados sejam dispostos em uma tabela. Desenha uma tabela na lousa e mostra o modo como deveriam dispor seus dados. Na tabela, deveriam constar o valor do diâmetro, representado pela letra D, o valor da circunferência, representado pela letra C, e a razão entre o diâmetro e a circunferência, representado por C/D, e utilizar como unidade padrão de medida o centímetro. Tabela 6. Modo como os alunos deveriam dispor os dados no caderno D(cm) C(cm) C / D (cm) Ana pede para que os alunos digam os valores encontrados, para que ela possa colocá-los na lousa para a visualização de todos. − Qual a maior medida de circunferência que vocês encontraram? − 139 cm, responde um aluno, enquanto os demais afirmam ter encontrado 39 cm. Ana se volta para o aluno que encontrou 139 cm e questionou: − É isso mesmo? Não pode ser esse valor, se em 100 centímetros temos 1 metro, então não pode ser esse valor, porque esse valor é o CD (o maior objeto que eles mediram) e não temos um CD medindo 1,40 cm. − Vamos medir a circunferência do lixo? Pede ajuda ao aluno e medem a circunferência do lixo encontrando como resultado 133 cm. Nesse momento, notamos a presença do princípio do Poder explicativo, pois Ana explica que o valor encontrado (no CD) não condizia com uma medida possível, portanto o aluno passou a compreender o modo correto de medir, não apenas por meio de regras técnicas, mas vivenciando essa situação, podendo perceber na prática onde cometera o erro ao fazer marcar aquele resultado. 120 A professora Ana se volta para a sala e continua perguntando as medidas encontradas pelos alunos, mas agora pede que eles digam os valores na ordem crescente, indo do menor para o maior valor encontrado. − Quem tem o menor valor do diâmetro? O menor objeto foi o botom, qual o valor do diâmetro? − 2,5 cm. − E a circunferência? − 8,5 cm. Ana continuava perguntando os valores para os alunos até preencherem toda a tabela. Com a tabela pronta, a professora pede para que todos a copiem no caderno, pois ela serviria de base para a construção do gráfico. Também pede para que os alunos calculem a razão entre a circunferência e o diâmetro, explicando que, para esse cálculo, os alunos poderiam utilizar a calculadora. Para isso, demonstra na lousa o modo como eles estariam calculando essa razão, tomando os valores do cesto do lixo com circunferência medindo 133 cm e diâmetro 41,5 cm. Anota o valor encontrado na tabela e pede aos alunos que, à medida que fossem encontrando os valores, completassem a tabela no caderno. Tabela 7. Valores coletados pelos alunos D (cm) C (cm) C/D 2,5 8,5 3,40 3,5 12 3,42 4,0 12 3,00 4,5 13 2,88 5,5 18 3,27 6,5 20 3,07 9,0 32 3,55 11,8 39,2 3,32 3,8 12,2 3,21 6,0 17 2.83 41,5 133 3,21 121 Agora eu quero que vocês olhem para esses números aqui [referindo-se ao valor encontrado da razão C/D]. Eles são parecidos ou não? − São diferentes. − Mas eles são muito diferentes? Alguns alunos respondem que “não”, outros que “mais ou menos”. − Qual o menor número? [referindo-se ao menor número da tabela] − 2,83 cm. − E o maior? − 3,55 cm. − De 2,83 cm até 3,55 cm quanto dá, mais ou menos, a média? − 10 cm? [responde um aluno] − Não brinca comigo. − Qual a metade? − Aproximada? − Isso. A média entre o menor e o maior é, aproximadamente, 3,2 cm. Nesse momento, Ana mostra aos alunos como calcular a média dos valores encontrados da circunferência; encontrando 3,2 cm como resultado, chama a atenção dos alunos com relação a valores muito próximos, quando se calcula a razão entre diâmetro e a circunferência. Ana é interrompida pelo sinal, que anuncia o término da aula, e avisa aos alunos que na próxima aula eles estariam construindo o gráfico. No início da nova aula, Ana retomou o assunto, afirmando que a tabela já estava completa e que, então, iriam construir o gráfico. − Com a tabela concluída, vamos agora colocar esses valores no gráfico. Na verdade o que é um gráfico no plano cartesiano? 122 Os alunos não respondem. − Esses gráficos que estamos fazendo no caderno, que características eles têm? Nós fizemos vários gráficos, como o gráfico de pizza, barra, coluna, e também o gráfico de linha, onde a gente colocava dois eixos. O gráfico cartesiano é caracterizado pelo seguinte: são dois eixos orientados que se cruzam, ou seja, é uma reta orientada dos valores menores para os valores maiores e eles se cruzam no centro do plano cartesiano que é a chamada origem, onde os valores abaixo do zero são os valores negativos e os valores acima do zero são os valores positivos. No eixo horizontal, os valores antes do zero são os negativos e após o zero são os valores positivos, e têm um nome esses eixos, o eixo horizontal é chamado de abscissa e também conhecido como eixo x, onde no nosso caso iremos colocar os valores do diâmetro. O eixo vertical é chamamos de eixo das ordenadas, também conhecido como eixo y, onde iremos colocar os valores da circunferência; portanto, colocaremos os valores do diâmetro na abscissa e os valores da circunferência na ordenada. Vocês se lembram dos pares ordenados? Então, por exemplo, se eu tenho um valor para x = 1 e a ele vai corresponder um valor y = 4. Associando esses valores, no caso (1,4), esse par de números que um corresponde ao outro é chamado de coordenada. Sabe aquela historia da batalha naval que você localiza um ponto que vai ser atingido. No nosso caso, o mar seria o plano, e nesse sistema de eixos você vai localizar os alvos. − Os submarinos, destroyers, navios. − Isso mesmo, nesse caso se o submarino da batalha naval estiver localizado aqui no nosso plano cartesiano, como é que você vai especificar a localização deles? Você vai dizer o valor da coordenada dele, no caso 1 e 4. − Outra coisa, se pensarmos no plano como um todo, os dois eixos que se cruzam na origem dividem o espaço em quantas partes? − Quatro. 123 − Cada uma dessas partes é chamada de quadrante. Aqui temos o 1º quadrante. Onde vocês acham que está o 2º quadrante? Onde vocês colocariam o 2º quadrante? Os alunos olham e cada um aponta onde colocaria o 2º quadrante. Ana explica que a ordem dos quadrantes obedece ao sentido horário. − Pensem no ponteiro do relógio, ele gira no sentido horário (gesticula com as mãos para os alunos, mostrando como é o sentido horário). Como seria o sentido anti-horário? − O contrário. (Alguns alunos gesticulam com as mãos). − Então, o sentido para dar nome ao quadrante é o sentido anti-horário, ou seja, contrário ao giro dos ponteiros do relógio. No nosso gráfico vamos trabalhar com o quadrante que tem os valores de x e de y positivos, porque o diâmetro e o comprimento da circunferência são medidas positivas. Ao fazer uma analogia do plano cartesiano com regras do jogo da batalha naval, explicar o sentido anti-horário, utilizando como exemplo os ponteiros do relógio, Ana possibilitou que o aluno utilizasse os conceitos matemáticos para compreender e fazer analogias situações presentes no seu mundo vida, características essas que podemos encontrar no Componente social. Ana começa a traçar os eixos na lousa e pergunta: Qual o nome, no caso desse exemplo que estamos fazendo, da variável x? − Não sei, fala aí. [responde um aluno, enquanto os demais observam]. − Já falei é a abscissa, mas no caso da nossa medida é o diâmetro ou a circunferência? − Diâmetro. [respondem os alunos] − Vamos colocar o diâmetro em que unidade? − Ah! não sei, depende... [responde o mesmo aluno]. − Você não estava na aula de segunda feira... − Não tava meu. [afirma o aluno] 124 − Então, nós medimos com a régua e com a fita métrica, e qual a unidade de medida que utilizamos? Em milímetro? Em centímetro? Em metro? − Em centímetros, [respondem os alunos]. − Vamos concentrar nossa atenção no 1º quadrante do plano cartesiano, e construir a escala numérica para colocar esses valores. Para isso temos que saber o limite, que vai do menor diâmetro até o maior. Qual o menor diâmetro que vocês têm na tabela? − 2,5 cm. [respondem os alunos] − Isso mesmo, 2,5 cm, acho que foi o valor do botom. Então, o menor valor é 2,5 cm, e o maior foi a tampa de lixo, mas como o valor da tampa está muito distante do nosso conjunto de valores, não vamos colocá-la. A professora pega uma folha quadriculada e pede para que os alunos façam o mesmo, para que verifiquem o modo como irão colocar os dados na folha. No caso, na vertical serão colocados os dados do comprimento da circunferência e na horizontal os valores do diâmetro. − Sendo a maior medida 12 cm, se colocarmos de um em um quadradinho, quantos quadradinhos teremos que usar? − 12 quadradinhos. [respondem os alunos] − Contem e vejam se dá para colocar. − Dá para colocar metade. [responde um aluno] − erá que dá para pôr, então, de dois em dois quadradinhos cada cm para ocupar todo o espaço do papel? − Dá sim, professora. De dois em dois quadradinhos dá. [responde um aluno] − Então vamos fazer a cada dois quadradinhos, que, na verdade, é um centímetro, então nós vamos representar 1 cm mesmo, olha que interessante, se vocês pegarem a régua, cada quadradinho tem 0,5 cm. Então a cada dois quadradinhos vocês tê1cm. E aí vocês vão localizar os valores de diâmetro na reta numérica. Vamos colocar até 12 cm porque o maior valor é 11,8. Vamos lá, que nosso tempo é rápido. Qual o maior valor da circunferência? Acho que 40 cm ou 39 cm, né? 125 − 39 cm professora [responde um aluno] − Então vamos fazer de 5 cm em 5 cm cada dois quadradinhos, que acho que dá. Essa é uma sugestão, mas se quiserem podem fazer de outro jeito também. Um aluno fala que não tem régua para fazer. A professora explica que ele recebeu o papel quadriculado, e embora menos preciso, dá para ele fazer; dirigese até o aluno e mostra como ele pode fazer. Conforme anda pela sala, os alunos vão perguntando se o modo que eles estão fazendo está certo, pois cada qual adota uma escala. Ana vai olhando cada um, até o final da aula. Poderíamos conjecturar que seria mais simples e rápido se Ana já dissesse aos alunos qual a medida exata poderiam “todos” utilizar, mais eis que aí se encontra o desafio, o mistério, para os alunos. O modo como Ana propôs possibilitou que fossem juntos construindo a ideia, no caso, qual a melhor escala poderiam utilizar. Percebemos também que essa descoberta foi de uma maneira direcionada, convencionando-se, desse modo, que para o eixo das ordenadas seria colocado o valor circunferência, utilizando dois quadradinhos para representar cada centímetro, e no eixo das abscissas, o valor do diâmetro, utilizando 5 cm a cada dois quadradinhos. Como o tempo não foi suficiente para fazer a construção do gráfico, teve que retomar o trabalho no início da aula seguinte. A aula começa com a professora traçando o eixo x e y na lousa, ao que um aluno pergunta: − É para copiar isso aí professora? − Sim. − No caderno? − No caderno, ou melhor, fazer no papel quadriculado. Outro aluno pergunta: É pra copiar isso que você ta escrevendo aí agora? − Do que você ta falando? − Do gráfico. − É para fazer, não é para copiar, é diferente... é para você ir acompanhando e fazendo no seu papel quadriculado. − Qual? (referindo-se a qual papel quadriculado) 126 A professora pede para que uma aluna dê o papel quadriculado ao aluno. − Mas tem que fazer na folha? − Tem que fazer, não é copiar, porque quando é só copiado você nem entende o que está fazendo, você vai ter que ter a tabela do lado, porque eu não tenho a tabela aqui e não vou copiá-la de novo, senta com alguém que tem a tabela, que eu vou fazer os primeiros e vocês continuam os seguintes. Uma aluna interfere, dizendo que esses alunos estavam presentes no dia, mas como ficaram conversando não anotaram os dados da tabela no caderno. A professora tenta prosseguir, mas um dos alunos levanta para mostrar o caderno e para a professora ver se ele tem a tabela. Mais uma vez, a professora tenta prosseguir, mas nessa aula os alunos se mostram falantes e dispersos. − Psiu... vocês falam muito junto comigo, assim ninguém entende nada, nem eu entendo. Mas, ainda assim, os alunos continuam a conversar na aula, sendo que os que não estão com a tabela sentam com alguns colegas para pegar os dados. Diante do tumulto a professora tenta explicar como irão fazer o gráfico, mas não consegue prosseguir. − Gente, posso falar? Vamos retomar, já falei desde o primeiro dia de aula para vocês, os meus alunos eu não quero que sejam papagaios, que fiquem só repetindo, nós somos seres pensantes, temos que pensar e entender o que está sendo falando, não só copiando, copiando, copiando, então eu gosto que os meus alunos participem da aula, então vamos juntos. Vamos colocar a escala do diâmetro em centímetros. Olhando na tabela, olhem para a tabela, olhem para a ta- be-la, [fala pausadamente, e em tom mais alto] vamos fazer a leitura da tabela [reforça a fala para que os alunos se concentrem]. − Com relação ao diâmetro, qual o menor diâmetro que vocês mediram? − 2.5 cm [respondem os alunos] − E qual foi o maior, tirando o valor do lixo? − 11,8 cm [respondem os alunos] 127 − Então vamos fazer uma escala de 0 a 15 cm [referindo-se ao eixo das abscissas, onde coloca o valor do diâmetro], vamos pôr um pouco a mais para ficar esteticamente melhor. No quadriculado anotem como se fosse uma régua e anotem só a divisão maior, de 5 cm em 5 cm e cada quadradinho valendo 1 cm. No valor do diâmetro vamos colocar cada quadradinho valendo 1 cm. Ana coloca os valores na lousa. Percebemos que nenhum aluno, dos que estavam presentes na última aula, lembrou a professora de que já haviam convencionado que seria de 2 cm em 2 cm. Ana vai caminhando pela sala para ver o modo que os alunos estão fazendo. Durante seu percurso pela sala vai de mesa em mesa, observando se os alunos estão conseguindo fazer. Alguns alunos utilizam a escala proposta por Ana, outros preferem utilizar outras. − Quero que vocês acompanhem, para depois vocês fazerem um exercício. Agora vamos construir a escala da circunferência. Vai caminhando na sala e pergunta para uma aluna. Onde esta sua tabela? − Minha tabela está aqui na minha mente. [em tom de brincadeira] A professora seriamente vai retornando para a frente da sala e a aluna então diz. − Olha aqui minha tabela, professora. − Não [diante da brincadeira a professora prefere não mais olhar a tabela] − Olha aqui [insiste], olha aqui a minha tabela professora. A professora retorna e a aluna mostra a tabela no caderno. − Agora localize na sua tabela a menor circunferência e a maior circunferência medidas aqui na sala. − 2,5 cm. [responde a aluna] − Isso é diâmetro ou circunferência? − Eu não marquei professora. − O que é o diâmetro gente? [perguntando a todos da sala] Um aluno responde: A circunferência menor é 8,5. 128 A professora retoma, explicando que circunferência é a medida da volta toda que eles mediram, e diâmetro é a medida da distância entre os pontos. E continua: Qual o maior valor da circunferência? − 133 cm [responde um aluno] − Não, esse valor nós excluímos, que é o valor da boca do lixo, qual o outro valor? − 39,2 cm. [responde o mesmo aluno] Alguns alunos ainda estão com dificuldade para colocar os valores na abscissa, então a professora novamente caminha entre eles, indo de mesa em mesa, atendendo todos os alunos que estavam com dificuldade em colocar os valores no gráfico. À medida que atende os alunos em sua mesa, alguns alunos mostram o modo como estão fazendo. Alguns utilizam a escala adotada por Ana, outros adotam outras escalas. A professora retorna à lousa e continua. − Qual o valor que vocês falaram? − 39,2 [respondem os alunos] − Então vamos fazer 0,40cm. − 0,40 professora? Será que cabe? [pergunta um aluno] A professora vai ate a mesa do aluno para verificar se cabe no quadriculado O sinal toca... e uma aluna diz: − Tchau professora − São duas aulas... − Duas hoje??? [em tom alto e irônico...] − Nós não estamos no fundamental da tarde estamos numa sala de EJA. − Que EJA? − Educação de jovens e adultos. − Que adultos professora? (mais uma vez em tom de ironia). 129 A professora continua na mesa do aluno, e após verificar no quadriculado, diz: − Então aqui nós vamos fazer diferente. Cada quadradinho aqui vai valer dois, de modo que se quando a gente andar cinco quadradinhos vamos ter o número 10, vamos fazer uma escala reduzida, porque nós temos que ir até 40. Um aluno chama a professora e fala que fez de 10 em 10. − Parabéns, você não estava fazendo nada... [em tom de admiração], olha ele estava conversando e fez tudo!! Se vocês fizerem como ele fez, vai ficar lá no limite [da folha quadriculada], pode ser que até falte um [quadradinho], mas não tem problema, se faltar espaço é só colar a folha no caderno e completar. Eu não vou fazer assim porque a lousa não vai dar, então eu vou fazer menor. Entram mais dois alunos, a professora distribui a folha quadriculada e pede que coloquem os dados no gráfico. Caminha até a mesa de alguns alunos que estão com dificuldades e os auxilia. Chama a atenção de uma aluna que não está fazendo a tarefa e pede que depois ela faça o gráfico, pois essa atividade irá valer nota. Os alunos começam a falar demais, a professora percebe que eles começaram a perder o foco da atividade, então se dirige à frente da sala e solicita que eles olhem para a tabela e procurem no gráfico traçado na lousa onde se encontra o valor 2,5 cm do diâmetro. Os alunos olham para a lousa e Ana continua. − É aqui né, na metade entre 0 e 5. Agora vou procurar qual o valor da circunferência correspondente, quando o diâmetro é 2,5 cm, quanto mede a circunferência? − 8,5 cm [respondem os alunos] − Então, esse é o ponto que representa o par ordenado 2,5 e 8,5. Ana coloca os valores no gráfico. − E o segundo ponto, qual é? O maior depois de 2,5 cm? − 3,5 [respondem os alunos] 130 − Isso 3,5 cm, agora vocês vão fazendo, se tiverem dúvida me chamem porque eu vou fazer o meu, o processo é esse, eu não quero que vocês copiem, quero que olhem na tabela, procurem o próximo valor do diâmetro e vejam a que valor corresponde à circunferência. − Qual é o primeiro professora? [Pergunta um aluno]. Nesse momento, percebendo que alguns alunos ao fundo não sabiam sequer qual era o primeiro número da tabela, pede para que tirem o fone do ouvido [estavam ouvindo música] e guardem o equipamento eletrônico, desse modo poderiam prestar mais atenção, e assim ela não precisaria falar tão alto. Como alguns alunos não têm a tabela, assim como alguns alunos que entraram ao longo da aula, mesmo que a princípio Ana tenha afirmado que não colocaria os dados da tabela na lousa, nesse momento decide colocá-los, para que os alunos que não têm os valores possam traçar o gráfico. No entanto, ao perguntar aos alunos quais os valores da tabela, percebemos que os valores que estes informam diferem dos valores anotados na primeira tabela. Tabela 8. Valores da circunferência e do diâmetro D(cm) C(cm) 0 0 2,5 8,5 3,5 12 4,0 12 4,5 13 5,5 18 6,5 20 9,0 32,0 11,8 39,2 − Tô perdido aqui, professora [fala um aluno]. − Você tem a tabela? [como o aluno não tem a tabela, Ana vai até o aluno, pede para ele olhar os valores da lousa e explica como colocar os pontos no gráfico]. Dirige-se à lousa e continua colocando as coordenadas dos pontos no gráfico. 131 − Pronto, esses são os pontos experimentais dos valores... [não consegue concluir, pois uma aluna interrompe] − Esse aí é qual professora? Esse último aí [referindo-se à coordenada dos pontos]. − Qual você acha que é? Localize na tabela o par ordenado que corresponde a esse ponto aqui. − Qual que é? − Eu que pergunto. − 11? − Qual o valor de diâmetro correspondente a esse ponto aqui? − 12 − Isso mesmo, faça assim com todos. A professora se dirige à classe novamente, perguntando se alguém ainda tem dúvida. Conforme anda pela sala, pega o gráfico de uma aluna que terminou e mostra aos demais alunos da sala como fica o gráfico pronto. Uma outra aluna mostra que utilizou uma escala menor. − Isso mesmo, que belezura! [elogia a professora] Continua auxiliando os demais até o término da aula, indo mesa por mesa, conforme os alunos a chamam. Figura 8. Valores colocados na lousa pela professora Foto autorizada pela Professora. 132 − Vamos agora traçar um reta, não vai passar por todos os pontos, mas vai passar mais ou menos, mas passando pela origem que é o zero. Ana traça a reta passando pela origem [o zero], pede para os alunos fazerem o mesmo com o seu gráfico, e após colar a folha quadriculada no caderno. Coloca algumas questões na lousa, e pede para os alunos copiarem e respondam no caderno. E Ana conclui: É tão bom... ver que conseguiram...primeiro o tumulto e agora essa paz! Os minutos seguintes da aula, a professora utiliza para ir de mesa em mesa verificar como os alunos estão construindo o gráfico. Avisa aos alunos que, como avaliação, irá olhar e “carimbar” o gráfico no caderno, reforça que vale nota a construção do gráfico. Também passa algumas questões para eles responderem no caderno e trazerem na próxima aula. • Determine o valor da circunferência para o diâmetro 8 cm. • Encontre o diâmetro de um objeto cujo valor da circunferência seja 30 cm. • Ache a relação matemática entre C e D. • Calcule o valor médio da razão C/D. Na aula seguinte a professora Ana fez um fechamento da atividade, explicando aos alunos que a razão entre o perímetro de uma circunferência e o seu diâmetro produz o número Pi, que é representado pela letra grega π, e na maioria dos cálculos é comum aproximar o valor de π para 3,14. Portanto, se uma circunferência tem perímetro P e o diâmetro D, o número Pi será a razão entre eles. Salientou, também, que em atividades de medição deve-se sempre considerar o erro na medição do objeto. A seguir, começa a olhar e carimbar os cadernos dos alunos, verificando o modo como eles construíram o gráfico no caderno e como responderam as questões propostas. 133 4.3 Reflexões sobre as observações das atividades e seu desenvolvimento Em busca de responder nossa questão de pesquisa e discorrer sobre as observações do currículo de Matemática praticado em uma turma da Educação de Jovens e Adultos, nesse momento iremos proceder à análise das aulas da professora e das tarefas propostas, considerando nossas reflexões a partir das seis categorias que elegemos numa perspectiva cultural e com base nos teóricos utilizados. Com relação ao princípio do enfoque cultural do currículo de Matemática, iremos identificar a presença ou a ausência dos descritores: representatividade, formalismo, acessibilidade, poder explicativo e concepção ampla e elementar. No diálogo estabelecido entre a professora e os alunos, detectamos a presença do valor denominado progresso, pois, a todo o momento, a professora estimulava o desenvolvimento do pensamento matemático dos alunos por meio de seus questionamentos, ouvindo suas intervenções atentamente e acreditando no desempenho dos alunos. Também encontramos a presença do sentimento controle, quando Ana pediu para que colocassem os valores do diâmetro e da circunferência na tabela em ordem crescente; de abertura, quando a professora estimulou os alunos a explicarem, demonstrarem, entendendo a lógica empregada, por exemplo, quando pediu para o aluno medir o diâmetro e localizar através da medição onde ficava o diâmetro, a maior distância entre dois pontos; nas ideias, mistério, quando a professora enfatiza as ideias abstratas da Matemática, portanto ela propicia a construção do conhecimento ao estimular os alunos a atribuírem significados às ideias abstratas. Podemos constatar que toda manifestação da professora em relação à fala dos alunos é acompanhada de um reforço verbal ou de gestos de confirmação ou negação. Desse modo, no decorrer da atividade, encontramos a presença do enfoque cultural do currículo de Matemática relacionado à representatividade, pois a professora enfatiza não apenas a linguagem matemática, mas proporciona aos alunos percorrerem os caminhos das ideias intuitivas, das teorizações para explicar determinados fenômenos, possibilitando que compreendam as ideias matemáticas envolvidas. Sendo assim, o conhecimento não é apresentado como pronto ou fechado, mas ao contrário, a professora vai construindo esse 134 conhecimento aos poucos, primeiro a partir da observação, depois através de seus questionamentos. O princípio da representatividade pressupõe a reapresentação da cultura Matemática considerando não apenas a tecnologia simbólica particular desenvolvida nas atividades universais (contar, localizar, medir, desenhar, jogar, explicar); inclui, também, os valores específicos próprios da cultura matemática: ideologia do racionalismo, ideologia do objetismo, controle dos sentidos, sentimento de progresso, sociologia da abertura e sociologia do mistério. Um momento da aula que oportunizou esse princípio foi quando a professora solicitou aos alunos medissem o diâmetro e a circunferência dos objetos. Nesse momento, para realizar a medição do objeto cada aluno adotou uma estratégia própria; assim, enquanto uns mediram utilizando a régua, outros utilizaram a fita métrica, e outros mediram com o barbante, para depois passarem a medida desse comprimento na régua. Desse modo, com o uso de estratégias próprias, puderam medir os objetos, comprovar os valores encontrados e socializar, num segundo momento, esses valores. No desenvolvimento da atividade, a professora Ana estabeleceu uma relação de interação com os alunos, circulando o tempo todo na sala, conversando com eles, e através de seus questionamentos procurando articular o saber informal com saberes técnicos. Por exemplo, no momento em que perguntou quais formas os alunos observam nos objetos, a partir da resposta “redondo”, ela constrói junto com os alunos alguns conceitos referentes às teorias, aos elementos da circunferência, e à diferença entre círculo e circunferência. Desse modo, nos processos desenvolvidos pelos alunos, ao procurar articular o saber informal com saberes técnicos, explora os significados, os conceitos, e incute nesse momento o princípio do enfoque cultural formalismo. Um momento da aula em que pudemos encontrar esse princípio foi quando a professora desenhou na lousa uma circunferência e ligou vários pontos dentro dessa circunferência, perguntando aos alunos quais dos pontos representariam o diâmetro. Quando o aluno se referiu ao diâmetro como sendo aquele que “divide o meio certo”, Ana respeitou a linguagem utilizada pelo aluno, e complementou sua observação afirmando: “Você quer dizer que é porque ele passa bem no meio, no 135 centro da circunferência. Então diâmetro é a distancia entre dois pontos da circunferência quando passa pelo meio, no ponto central, ou seja, exatamente na metade”. O princípio da acessibilidade também foi contemplado na atividade desenvolvida, pois as situações de aprendizagem partiam do contexto dos alunos, de suas experiências, seus conhecimentos, para o contexto da Matemática. Notamos a presença desse princípio na aula, pois, primeiro, Ana perguntava ao aluno o nome que ele daria a determinado conceito ou objeto, para depois construir a teoria. Um fato interessante, é que a professora já tinha como objetivo que os alunos medissem o diâmetro da circunferência, no entanto, em momento algum ela pediu de modo direto para que os alunos o fizessem. Podemos observar que, através dos questionamentos da professora é que o elemento “diâmetro” foi mencionado por um aluno e o modo como mediriam o diâmetro também foi indicado por eles. Apresentando as explicações dos conceitos e aplicando os conceitos e ideias de modo prático, incute também o princípio do poder explicativo. Desse modo, em diferentes momentos no decorrer da aula os alunos com o uso de estratégias próprias, após medirem os objetos, e comprovarem os valores encontrados, puderam articular suas ideias e socializar os valores encontrados. Na construção do gráfico, a professora sugeriu uma escala que eles poderiam adotar, mas deixou livre para que cada um optasse por sua estratégia. Ao estabelecer conexões das ideias matemáticas dentro do próprio contexto matemático durante a atividade, oportunizou o princípio da concepção ampla e elementar. Em relação aos indicadores dos componentes do currículo de enculturação – Simbólico, Social e Cultural – encontramos a presença do componente simbólico quando, ao interligar os conceitos matemáticos, contemplou, em diferentes momentos da aula, as seis atividades universais: explicar, contar, localizar, medir, desenhar e jogar. A atividade desenhar é contemplada quando, ao observar as formas geométricas, tanto as que estão no ambiente – como a tampa do cesto do lixo, 136 grade do ventilador – como as que a professora trouxe – CD, botom, tubo de PVC – e as que os alunos trouxeram – batom, espelho – os alunos as desenharam no caderno. Desse modo, o aspecto desenhar pode ser encontrado quando, partindo da observação das formas geométricas dos objetos, os alunos desenharam sua forma no caderno para, depois, medir o diâmetro, o que favoreceu, além de estudar suas propriedades, verificar sua interação e a oportunidade contempla também a abstração. Entendemos que, desse modo a professora, partia de situações relacionadas ao entorno do aluno, o que possibilitou uma maior interação e acessibilidade dos alunos com o saber matemático. Identificamos a atividade medir quando, após desenhar no caderno, os alunos procederam à medição dos mesmos objetos, utilizando como instrumentos de medida – régua, fita métrica, barbante – o que favoreceu ao aluno explorar os objetos e os conceitos de diâmetro e circunferência e cada aluno, ao fazer sua escolha relacionada à qual instrumento estaria utilizando para fazer a medição pôde socializar a sua escolha. Nesse contexto, entendemos que, ao explicar o modo como estavam medindo o diâmetro e a circunferência, puderam utilizar argumentos fundamentados nos saberes matemáticos para explicar os procedimentos que utilizaram para chegar no valor encontrado. Esse momento da atividade também possibilitou que o aluno pudesse explicar matematicamente o modo como pensaram e chegaram até as resoluções apresentadas; identificamos, portanto, nesse momento a atividade universal medir. Ao longo da atividade, em vários momentos encontramos a atividade contar. Após desenhar e medir os objetos, o aluno registrava e quantificava as informações encontradas. Portanto, foi necessário observar, analisar como medir, anotar os resultados, comparar com os valores encontrados com os colegas de sala, transpor os dados para o caderno, colocar esses dados em ordem crescente na tabela e depois proceder à construção do gráfico. Ao propor que os alunos colocassem os dados em uma tabela, e depois construíssem um gráfico com esses valores, a professora proporcionou a utilização da atividade universal localizar. Em relação à atividade jogar embora não utilizada pelos alunos, a professora faz menção em relação a essa atividade universal, ao comparar o jogo 137 batalha naval, com o plano cartesiano, em que o mar seria o plano, e para afundar os submarinos a localização seria dada pelo sistema de eixos. Em nossas observações notamos a presença das atividades universais em outros momentos da atividade proposta pela professora, algumas vezes estas aparecem sozinhas e em outros momentos interagindo uma com a outra. Bishop (1999) enfatiza que esses conceitos devem ser tratados como eixos organizadores do currículo, os quais devem ser abordados em atividades com contextos ricos relacionados com o mundo-vida dos alunos, deve explorar seu significado, sua lógica, e fazer conexões com as ideias Matemáticas, o que possibilita exemplificar e validar o poder explicativo. Desse modo, a professora, ao propor essa atividade propicia que os alunos mobilizem saberes e percorram o caminho da descoberta, façam pesquisas, deduções e verificações apresentando processos de verificação que contemplam os aspectos do currículo enculturador. Podemos identificar em nossas observações a presença do componente do currículo de enculturação relacionada ao componente social. Ao apresentar para os alunos objetos que estão presentes em seu cotidiano, como tampa do cesto de lixo, varão da cortina da sala de aula, tampa de garrafa, CDs, entre outros, entendemos que a professora proporciona a articulação das situações matemática com fatos sociais presentes no mundo e, ao promover nos alunos atitudes investigativas, possibilita que eles compreendam e construam as ideias matemáticas. A professora poderia ter apresentado os dados já escritos em uma tabela e solicitar apenas que os alunos calculassem a razão entre eles, mas ao manipular os objetos e fazer a medição, a professora Ana possibilitou aos alunos que interagissem com os materiais, observando, manipulando, medindo, o que possibilita uma aprendizagem significativa. Em certo momento da aula, Ana perguntou aos alunos qual a maior medida de circunferência encontrada por eles, na medição de um CD, ao que um aluno respondeu ter sido 139 cm. A professora explicou, então, que aquele valor seria impossível, pois 100 centímetros fazem 1 metro, e não existe nenhum CD de “1 metro e 40 centímetros”. 138 Para deixar bem clara a sua explicação, pega a fita métrica e com a ajuda do aluno, medem a circunferência do lixo, mostrando ao aluno a diferença entre a circunferência do lixo e a do CD. Este é um momento em que encontramos características do poder explicativo, pois, ao medir a circunferência do lixo, o aluno passa a compreender o modo correto de medir, utilizando a fita métrica, não apenas por meio de regras técnicas, mas vivenciando a situação, e, portando, conseguindo perceber, na prática, onde havia cometido seu erro ao dizer que o CD media 139 cm, ao invés de 39 cm. Teve, também, como comparação o tamanho do lixo, com 133 cm, com o do pequeno CD, o que o fez concluir ser impossível aquela medida. A presença do componente do currículo de enculturação relacionada ao componente cultural é encontrada no decorrer da atividade em diferentes momentos, ao considerarmos que, em relação aos alunos jovens e adultos a aquisição do conhecimento matemático não se inicia apenas quando este ingressa no processo formal de ensino, mas decorre de experiências vivenciadas ao longo de sua trajetória de vida, portanto, ao socializar suas ideias, a sala de aula passa a ser um local em que outros valores e as normas culturais entram em contato. Com relação aos descritores de critérios de seleção de conteúdos, observamos que os conteúdos mais enfatizados são os que mostram a aplicabilidade da Matemática relacionando ao cotidiano do aluno. Em diversos momentos durante a aula, a professora exemplificava com situações conhecidas pelos alunos. Na construção dos eixos das ordenadas e abscissas, ao mostrar a localização dos quadrantes e que este são colocados em sentido anti-horário, pediu para que os alunos fizessem uma analogia com os ponteiros do relógio, que giram no sentido horário, e que no caso dos quadrantes esses são colocados em sentido oposto ao giro dos ponteiros do relógio. Nesse momento pudemos observar que muitos alunos olharam para seus relógios, e outros que não os portavam olharam para os relógios dos colegas de sala. No diálogo estabelecido entre a professora e os alunos, Ana atuava como mediadora da aprendizagem; em alguns momentos, no decorrer da aula, ao questionar os alunos, ajudava a dar significado aos conhecimentos matemáticos. 139 No tocante aos alunos jovens e adultos é importante considerar esses conhecimentos, pois sua aprendizagem matemática ocorre durante toda sua vida e, portanto, antes mesmo de retornarem à escola. A necessidade de aprender mais Matemática prepara-os para que construam ideias matemáticas cada vez mais complexas e, aos poucos, elas vão sendo construídas junto com os alunos. Com relação à organização dos conteúdos, para atender a esse descritor utilizamos as ideias de Pires (2000), referentes à organização linear e à ideia de rede. Na entrevista com a professora Ana, ela nos relata que o objetivo da atividade é transpor para um contexto prático o comprimento da circunferência, do diâmetro, e após isso, descobrir a presença do número π. Para tanto, a professora poderia organizar em uma tabela os valores do diâmetro e da circunferência e solicitar aos alunos para que calculassem a razão entre eles. No entanto, o modo como conduziu a atividade possibilitou que os alunos compreendessem outros conceitos matemáticos, valorizando a cultura matemática e, nesse contexto, pôde estimular a articulação entre os diversos temas tratados atribuindo significado, ao que, no entender de Pires (2000), a apropriação da Matemática, pelo aluno, não pode limitar-se ao conhecimento formal de definições, de resultados, de técnicas e de demonstrações: é indispensável que os conhecimentos tenham significado para ele a partir de questões que lhe são colocadas e que saiba mobilizálas para resolver problemas” (PIRES, 2000, p. 36) Nesse contexto, a forma como foi conduzida a atividade possibilitou que os alunos trabalhassem e retomassem alguns conceitos como gráficos, médias, cálculo de diâmetro, elementos da circunferência, razão, unidades de medida, plano cartesiano, eixo das ordenadas, coordenadas, quadrante, escala de medida, ângulos, números naturais, números decimais. Esse modo de trabalhar permite perspectivas interessantes para o ensino na abordagem curricular em rede, e proporciona maior flexibilidade com relação ao nível de abordagem, respeitando o nível do aluno e possibilitando uma ampla investigação e exploração dos diversos conteúdos do currículo de Matemática. Desse modo, o 140 percurso curricular é ditado por uma aprendizagem significativa, sem a necessidade de se prender na atual fragmentação do currículo. Podemos observar na figura, os diversos conteúdos contemplados e articulados no decorrer da atividade Figura 9. Conteúdos contemplados na atividade Fonte: Elaboração nossa. Nesse percurso curricular, não há como prever qual caminho será o mais curto, o mais fácil ou o mais interessante, pois à medida que os conteúdos são apresentados, é por meio da interação com os alunos que o professor identifica em quais momentos os eles apresentam maiores dificuldades. No entender de Pires (2008), Escolhidos alguns temas (nós), não importa quais, os primeiros fios começam a ser puxados, dando início a percursos ditados pelas significações numa ampliação de eixos temáticos. Com isso, há condições de se fazer com que o estudo de qualquer conteúdo seja significativo para o aluno e não justificado apenas pela sua qualidade de pré-requisito para o estudo de outro conteúdo. (p. 54) 141 Com relação aos critérios para a escolha do contexto Matemático, na análise desse descritor utilizamos a matriz com os seis tipos diferentes de ambientes de aprendizagem propostas por Skovsmose (2010), que combina a distinção entre os dois paradigmas de práticas de sala de aula (exercícios e cenários para investigação), com os três tipos de referência (referências à matemática pura; referência à semirrealidade e referência à realidade), é possível obter uma matriz com seis tipos diferentes de ambientes de aprendizagem. Quadro 2. Ambientes de aprendizagem Exercícios Cenário para Investigação Referências à matemática pura (1) (2) Referências à semirrealidade (3) (4) Referências à realidade (5) (6) Fonte: (SKOVSMOSE, 2010, p. 23) Considerando os ambientes (1), (3) e (5) que se referem ao paradigma do exercício com referência à Matemática pura, à semirrealidade e à realidade, respectivamente, e os ambientes (2), (4) e (6) que se encontram no cenário para investigação, iremos analisar em que momento esses ambientes se fazem presentes na atividade proposta pela professora Ana. Encontramos o paradigma do exercício referente à Matemática pura, ambiente (1), no momento em que a professora pediu para que os alunos fizessem a tabulação dos dados na tabela, em ordem crescente. Nesse momento, predomina o uso de procedimentos e a utilização de regras, podendo fazer uso da calculadora para verificar o valor da razão entre a circunferência e o diâmetro. Ainda com relação à referência à Matemática pura também encontramos situações que oportunizam o paradigma da investigação, ambiente (2), por exemplo, quando o aluno utiliza de estratégias próprias para medir, calcular e organizar sua escala na folha quadriculada. Em relação à referência à semirrealidade, no tocante ao paradigma do exercício, ambiente (3), e ao paradigma da investigação, ambiente (4), retoma-se Skovsmose (2010) que indica que nesses ambientes predominam atividades que 142 enfatizam situações artificiais e, portanto, localizados numa semirrealidade. Na situação analisada os dados contidos nos exercícios foram coletados pelos alunos, portando não são artificiais, e estão situados na realidade, ou seja, no entorno do aluno. O ambiente do tipo (5) e (6) fazem referência à realidade. Nesse ambiente, as atividades são baseadas em situações vivenciadas pelos alunos, e têm como finalidade o emprego de algoritmos e procedimentos práticos, considerando que na atividade proposta os dados foram coletados pelos alunos. Entendemos que a atividade apresentada pela professora Ana contempla esse ambiente de aprendizagem, pois a todo o momento ela instiga, orienta, e medeia a aprendizagem, proporcionando ao aluno assumir a posição de sujeito ativo na construção do conhecimento, utilizando diferentes estratégias de resolução. Desse modo, a atividade proposta contempla tanto a perspectiva do paradigma do exercício, ambiente (5), como a perspectiva do paradigma da investigação, ambiente (6). Com relação à metodologia adotada pela professora, utiliza diferentes estratégias no desenvolvimento da atividade, propiciando ao aluno encontrar o melhor caminho, através de estratégias próprias, pois podendo fazer uso do barbante, fita métrica ou régua, eles podem decidir qual o melhor método, sendo estimulados a utilizar estratégias próprias, para conseguir a medição necessária. Com relação à presença de comentários dos alunos com linguagem e conhecimento próprio, a professora procurava respeitar a linguagem e o conhecimento do aluno. Ao pedir para que eles observassem ao seu redor na sala de aula, observaram formas redondas, um aluno se referiu ao varão da cortina, como sendo o “bagulho da cortina”, mas em nenhum momento, tanto nessa passagem como em outras, a professora desapontou o aluno se exigindo o nome “exato” ou ao que comumente é utilizado; ao contrário, respeitou sua linguagem, mas orientou discretamente quanto ao nome utilizado, como observamos quando ela retorna ao aluno: “isso... o varão da cortina”. 143 A professora atuou como mediadora da aprendizagem, pautada no diálogo com os alunos; em alguns momentos ao questioná-los e conforme a resposta dada, pedia para que justificassem sua escolha, caso, por exemplo, de quando deu a régua e o CD para o aluno medir e mostrar qual modo ele mediria o diâmetro. Com relação à progressão dos desafios, a Professora Ana permitiu que o aluno utilizasse os dados para resolver problemas mais complexos, no nosso caso, a partir das medidas os alunos puderam construir o gráfico, calcular a média. Ana perguntou aos alunos quais formas tinham os objetos que ela expôs na mesa, ao que os alunos responderam que eram redondos, a partir do que, aos poucos, ela foi construindo a teoria de círculo, circunferência, respeitando, portanto a capacidade intelectual do aluno. Desse modo, a professora ao propor essas atividades propiciou a oportunidade de os alunos mobilizarem saberes e percorrerem o caminho da descoberta, estimulando-os a que façam pesquisas, deduções e verificações; procura transmitir ao aluno conhecimentos próprios da cultura formal da Matemática, possibilitando a interação da linguagem informal, aquela próxima do cotidiano do aluno para uma linguagem matemática formal. 144 CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS Na dialogicidade, na problematização, educadoreducando e educando educador vão ambos desenvolvendo uma postura crítica da qual resulta a percepção de que este conjunto de saber se encontra em interação. Saber que reflete o mundo e os homens, no mundo e com ele, explicando o mundo, mas sobretudo, tendo de justificar-se na sua transformação. (FREIRE, 1983, p. 36) Ao concluir esta pesquisa, gostaria de destacar, inicialmente, a importância do curso de Mestrado Acadêmico em Educação Matemática no meu desenvolvimento profissional, pois possibilitou ampliar meus conhecimentos sobre a Educação de Jovens e Adultos. Nessa trajetória, foram de grande relevância as disciplinas que cursei durante o mestrado, a participação no grupo de pesquisa, as leituras realizadas, as reflexões e as intervenções pontuais de minha orientadora. O contato com o grupo de pesquisa possibilitou-me entender, por meio de pesquisa, o processo de organização e desenvolvimento curricular de Matemática para a Educação de Jovens e Adultos e a discussão dos dados desse estudo levou-me a questionar, inclusive, minha prática, compartilhando minhas angústias com os professores da escola em que leciono. No trabalho, apresentamos alguns aspectos da trajetória da Educação de Jovens e Adultos no Brasil, com a finalidade de situar as discussões atuais sobre essa modalidade e entender o grau de importância que sempre foi dado à EJA e, 145 embora possamos encontrar avanços em diversos aspectos no caminho percorrido, a princípio poucos são os olhares lançados para o fazer dos educadores. Desse modo, partimos do pressuposto de que, ao se pensar em uma política pública para o público jovem e adulto, é necessário conhecer além do perfil desses alunos que compõem a EJA e pensar na formação do professor, quando nos referimos à organização e ao desenvolvimento curricular. Nesse caso, o papel do professor frente ao currículo é determinante no processo de ensino-aprendizagem e, em especial, quando nos reportamos à Educação de Jovens e Adultos, que possui especificidades diferentes do ensino regular, pois é o docente quem fará a transposição do currículo apresentado para o currículo praticado pelos alunos. Nessa perspectiva, com o desenvolvimento da pesquisa, procuramos responder a seguinte questão diretriz: – De que modo o currículo de Matemática é praticado pelo professor, em uma turma da Educação de Jovens e Adultos? Ao delimitar nosso problema de pesquisa também procuramos responder outras questões que se desdobraram a partir dessa: • Quais elementos enculturadores estão presentes no currículo praticado por esse professor? • Ao selecionar e organizar os conteúdos, de que modo procura estimular o desenvolvimento dos conceitos matemáticos? • Nas interações em sala de aula, quais são as opções metodológicas contempladas? Apoiados pelos estudos de Alan Bishop (1988, 1999, 2002), que faz referência à Matemática em uma perspectiva cultural, presente em diferentes culturas, a partir das seis atividades consideradas como universais, além dos estudos de Célia Pires (2000) referentes à organização curricular com reflexões a respeito do currículo linear e currículo em rede e, ainda, das contribuições de Oleo Skovsmose (2010) referentes aos critérios para a escolha de contextos matemáticos, procuramos respostas para nossas questões. Para tanto, optamos por uma pesquisa qualitativa, realizando um estudo de caso, no qual os dados 146 foram coletados a partir de trabalho de campo, tendo como espaço de investigação as aulas de uma professora do 9º ano do Ensino Fundamental II, da Educação de Jovens e Adultos. Durante a entrevista percebemos na fala de Ana, um vínculo de cunho afetivo ao se referir aos alunos da EJA, fato esse que pudemos comprovar ao adentrar o espaço da sala de aula. Percebemos em nossas observações um clima de interação, bem-estar e segurança dos alunos em função da prática da professora. Quanto ao modo que seleciona e organiza o material para trabalhar, na entrevista Ana nos relata haver muito material disponível para o professor adequar a essa modalidade de ensino e, em suas aulas, utiliza o livro didático, apenas para algumas atividades, problemas ou exercícios, pois entende que o livro didático é um apoio para o professor e um complemento às aulas para os alunos, tendo o professor como condutor do processo. Nas observações em sala de aula, em nenhum momento Ana utilizou o livro, confirmando o que ela afirma na entrevista, que somente “em algumas atividades” ela faz uso do mesmo. Mas mesmo não utilizando o livro durante a atividade desenvolvida, ela sempre levava dois livros didáticos e deixava-os sobre a mesa. Com relação aos recursos disponíveis, Ana nos relata que utiliza o computador, a calculadora, materiais de geometria e instrumentos de medida, livros diversos. Em nossas observações percebemos que Ana fez uso de quase todos os instrumentos mencionados. Com relação ao uso do computador, geralmente ela o utiliza para fazer um fechamento da atividade, mas como esse recurso não estava disponível no momento ela não pode utilizá-lo. Considerando que na sala de aula, o professor coloca em prática as ações que planejou por meio de nossas observações, com relação aos elementos enculturadores presentes no currículo praticado, percebemos a presença de princípios do enfoque cultural (representatividade, formalismo, acessibilidade, poder explicativo concepção ampla e elementar) e dos componentes (simbólico, social, cultural) que caracterizam um currículo de enculturação. Apesar de identificarmos a presença desses elementos, gostaríamos de salientar que sua presença se dá em momentos pontuais no decorrer da atividade; em alguns 147 momentos, dependendo da abordagem conferida pela professora, aparecem juntos interagindo um com o outro e, em outros momentos, isoladamente. Entendemos que a presença desses elementos é propícia ao ensino da Matemática, pois em relação à Educação Matemática de pessoas jovens e adultas, a aquisição do conhecimento matemático não se inicia apenas quando ingressam no processo formal de ensino, mas decorre de experiências vivenciadas ao longo de sua trajetória de vida. Desse modo, é necessário que o professor, ao fazer a transposição do currículo apresentado, possibilite uma aproximação do saber formal, assumido pela escola, com os saberes que os alunos trazem de suas vivências, e explore processos de abstração, argumentação e teorizações, incentivando discussões por parte dos alunos na busca das explicações. Com relação à seleção e organização dos conteúdos, entendemos que a professora, ao propor uma atividade com contexto acessível, apropriada e adaptada de acordo com nível dos alunos, respeita a capacidade intelectual dos alunos. A variedade de contextos e situações oportunizadas durante a atividade estimula o desenvolvimento dos conceitos matemáticos pelos educandos. Entendemos, também, que o modo como a atividade foi conduzida contempla uma abordagem curricular em rede, pois possibilitou que os alunos partissem de uma situação simples, a princípio a observação dos objetos de forma dita “redonda”, para outras mais complexas. Desse modo, por meio da generalização das ideias, os alunos calcularam o valor do diâmetro, da circunferência, a razão entre eles e procederam à construção de tabelas e gráficos. A retomada constante de exemplos possibilitou que os alunos mobilizassem seus saberes fazendo conexões com situações já conhecidas por eles, o que favorece entender a aplicabilidade da matemática e, ao dar ênfase a diferentes conhecimentos matemáticos no decorrer da aula, evidenciar a relação entre eles. Também possibilitou perspectivas interessantes para o ensino na abordagem curricular em rede, proporcionando maior flexibilidade com relação ao nível de abordagem, contemplando uma maior investigação e exploração dos diversos conteúdos do currículo de Matemática, ao relacionar números, álgebra e geometria. 148 Nas interações em sala de aula, pudemos perceber que as opções metodológicas contempladas na atividade em alguns momentos faziam referência à Matemática pura, tanto no paradigma do exercício, como no cenário para investigação, visto que em alguns momentos da atividade predominaram o uso de procedimentos e a utilização de regras e em outros momentos encontramos situações que oportunizavam o paradigma da investigação, pois os alunos assumiram o processo de exploração e, desse modo, o cenário de investigação tornou-se um novo ambiente de aprendizagem. Em nossas observações percebemos que, no decorrer da atividade, a professora trabalhou no ambiente de aprendizagem relacionado à realidade, pois os dados utilizados não foram valores artificiais, sugeridos por Ana, a professora, o que contemplaria o ambiente situado numa semirrealidade. Desse modo, os dados coletados pelos alunos por meio de suas observações e com a utilização de estratégias próprias contemplaram o ambiente de aprendizagem relacionado à realidade. Para contemplar o ambiente de aprendizagem numa semirrealidade, a professora poderia consolidar o que os alunos trabalharam por meio de exercícios relacionados a situações hipotéticas, pois trabalhar somente no ambiente da realidade pode desenvolver no aluno a sensação de que Matemática é apenas utilitária naquela situação; acreditamos, portanto, que enfatizar situações artificiais também pode proporcionar perspectivas interessantes de trabalho. Desse modo, corroboramos o pensamento de Skovsmose (2010), ao sustentar que “a educação matemática deve se mover entre os diferentes ambientes tal como apresentado na matriz” (p. 32). No tocante à metodologia adotada pela professora, percebemos que atuava como mediadora da aprendizagem e oportunizava aos alunos que utilizassem diferentes estratégias no desenvolvimento da atividade, o que consideramos como positivo, pois permite maior flexibilidade ao propiciar ao aluno a oportunidade de encontrar o melhor caminho através de estratégias próprias, não ficando condicionado apenas ao que a professora coloca na lousa. Com relação à presença de comentários dos alunos com linguagem e conhecimento próprio, no decorrer da aula percebemos que a professora 149 procurava respeitar-lhes a linguagem e o conhecimento que traziam. Com relação à progressão dos desafios, percebemos que, na atividade proposta, a professora procurou, a partir de uma situação mais simples conduzir os alunos a resolverem situações mais complexas, propiciando que mobilizassem seus saberes e percorressem o caminho da descoberta, fazendo pesquisas, deduções e verificações. Consideramos que no percurso curricular não há como prever qual caminho será o mais curto, o mais fácil ou o mais interessante, pois à medida que os conteúdos são apresentados, é por meio da interação com os alunos que o professor identifica em quais momentos eles apresentam maiores dificuldades. Acreditamos que essa interação é de suma importância para que ocorra o sucesso no processo ensino aprendizagem e, no tocante aos alunos jovens e adultos, consideramos que o currículo de Matemática para a EJA deve levar em consideração as características e necessidades dos alunos que compõem essa modalidade de ensino, possibilitando uma prática educativa coerente com a realidade cultural de seus educandos, sendo imprescindível que estes sejam incentivados para que não deixem que os problemas rotineiros os afastem da escola. Acreditamos que os estudos teóricos e as pesquisas são fundamentais para que o professor por intermédio desse suporte possa situar-se de uma maneira crítica frente aos contextos históricos, sociais e culturais em que está inserido, sendo importante que conheça as metodologias atuais e as que tiveram êxito para melhor poder atender seus alunos, pois, somente assim, poderá intervir na realidade com que trabalha e transformá-la. Desse modo, espera-se que os resultados possam contribuir para um processo reflexivo na formação inicial, continuada ou em curso de professores que ensinam/mediam processos de aprendizagem matemática para jovens e adultos. 150 REFERÊNCIAS ALARCÃO, Isabel. Escola reflexiva e nova racionalidade. Porto Alegre: Artmed, 2001. Arroyo, Miguel González. In. Formar Educadores e Educadoras de Jovens e Adultos. In. Soares, Leôncio (org.) Formação de Educadores da Educação de Jovens e Adultos. Belo Horizonte: Autêntica, SECAD MEC, / UNESCO, T 2006. BEISIEGEL, Celso de Rui, (1974). Estado e educação popular. São Paulo: Pioneira BISHOP, A. J. Aspectos sociales e culturales de la Educación Matemática. Enseñanza de las Ciencias. Institut de Ciències de l'Educación de la Universitat Autònoma de Barcelona. v. 6, n. 2, 1988, p. 121-125. BISHOP, A. J. Enculturación matemática: la educación matemática desde una perspectiva cultural. Traducción de Genis Sánchez Barberán. Barcelona: Paidós, 1999. BISHOP, A. 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Parte I - Formação Profissional Nome Tipo de instituição que se formou Pública Particular Tempo de Magistério Tipo de Graduação e Ano em que se formou Outras Tempo que atua nesta escola Tipo de instituição que trabalha (EJA) Municipal Estadual Particular Tempo que atua na EJA Quais séries leciona na EJA? 159 Parte II - Quanto à utilização do livro didático na sala de aula O livro didático é seu principal instrumento de apoio? Além do livro didático utiliza outros recursos nas aulas Utilizo somente o livro Retropojetor Quadro Negro Computador Data Show Outros. Quais? Calculadora Qual a freqüência em média de uso do livro didático na semana? 1x 2x 3x 4x 5x O que o motivou a escolher essa modalidade de ensino para lecionar? Quais diferenças você percebe com relação a EJA e outras modalidades de ensino (no caso ensino regular) ? Acredita que essa modalidade necessita de um material específico para ser trabalhado? O que é um livro didático para você? Quais características favoráveis deve conter um LD Que papel você se atribui ao usar o livro didático? Que papel você atribui ao livro didático? Como avalia sua relação com o livro, qual função ele desempenha na sua prática pedagógica? Quais são as caraterísticas favoráveis do livro utilizado pela coleção aprovada pelo PNLD EJA. Faça suas apreciações acerca do livro Quais são as críticas ou sugestões de melhoria acerca desse matérial? Quando prepara as suas aulas, que material utiliza? 160 B- Roteiro da entrevista com os alunos Sexo Idade Trabalha atualmente ? Masc Fem Não Estado Civil Casado Viúvo Solteiro Divorciado Sim. Qual função? Tem filhos? Em caso afirmativo quantos? Outros Não Sim. Quantos?_________ Qual motivo te levou a interromper os estudos? Questões familiares Para trabalhar Escola distante da residência Problemas de saúde Ausência de escola ou vagas Não gostava de estudar Problemas financeiros Achava o curso muito difícil Por que fui reprovado(a) Outro(s) Motivos: _____________________________________________________ Quais são motivos que te impulsionaram a voltar a estudar Entrar no mercado de trabalho Buscar mais conhecimentos Conquistar um emprego melhor Melhorar a qualidade de vida Exigência da família Acompanhar estudos dos filhos na escola Para continuar estudando Outros motivos. Quais?_____________________________________________ Após concluir o ensino Fundamental pretende continuar estudando? Não Sim. O que pretende cursar? Concluir Ensino Médio Ingressar na Faculdade Ingressar Ensino Técnico/ Profissionalizante Outros. Quais. Como você vê a importância da escola para a sua vida? Em relação a sua aprendizagem o que sente mais dificuldade? Com relação a disciplina de matemática, acredita que ela seja importantes para a sua vida, fora da escola?