Cidadãos sem direitos: o caso dos moradores de rua Podemos dar início a esse tema lembrando que cidadania e democracia são princípios cujo propósito é consolidar a dignidade humana. Como afirmou o geógrafo Milton Santos, “o simples nascer investe o indivíduo de uma soma inalienável de direitos, apenas pelo fato de ingressar na sociedade humana. Viver torna-se um ser no mundo, é assumir, com os demais, uma herança moral, que faz de cada qual um portador de prerrogativas sociais” (1998). Mas, ao nos depararmos com a realidade dos moradores de rua, percebemos que em nada esse objetivo está sendo cumprido, apesar dos direitos sociais garantidos pela Constituição brasileira. Os moradores de rua são uma realidade que nos remete constantemente aos problemas da miséria, do abandono e da exclusão social. A vida na rua pode ser consequência de vários fatores, como desemprego, falta de qualificação profissional e dependência química. Mas essa triste realidade se relaciona também à falta de políticas públicas eficientes para garantir condições mínimas de sobrevivência a esses “cidadãos”. Faltam programas eficazes de apoio à família e ao usuário de droga, um eficiente sistema de saúde, entre outros, o que acaba gerando indivíduos com estigmas de vagabundo e fracassado, negando sua dignidade e apagando sua história de vida. Então, viver na rua passa a ser uma opção viável, pois ali não há regras ou deveres. Segundo o Censo da cidade de São Paulo, realizado em 2010, pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas da Universidade de São Paulo, a maior parte dos moradores de rua da capital são homens, não brancos (negros, indígenas, pardos e amarelos), adultos em idade produtiva, pessoas que sabem ler e escrever, apesar de não terem completado o ensino fundamental. Isso mostra que, pelo menos em algum momento, esses indivíduos tiveram alguma inserção social, mas atualmente se encontram às margens da sociedade, sem condições de atuarem como verdadeiros cidadãos. Mas como garantir a cidadania a essa parcela da população cuja metade nem sequer possui um documento de identificação pessoal? Os princípios democráticos indicam que todos são iguais, independentemente da classe social, mas esses indivíduos em nada têm sido tratados como iguais com relação ao resto da sociedade. A igualdade entre eles se encontra no plano da condição de carência e exclusão em que vivem. A falta de atenção do Estado e da sociedade civil é tão evidente que, com o passar do tempo, essas pessoas já não se sentem mais como parte de uma sociedade democrática. Nas ruas, muitas vezes, são privados até mesmo do direito de ir e vir. Vivendo a realidade de abandono, esses indivíduos muitas vezes se tornam invisíveis, ou melhor, a presença dos moradores de rua já se tornou parte da paisagem urbana, principalmente nas grandes cidades. Para alterar esse triste quadro social, são necessárias efetivas políticas públicas, ações governamentais nos âmbitos municipal, estadual e federal, no sentido não apenas de oferecer moradia, mas de ajudar esses indivíduos e se tornarem novamente cidadãos com condições para conseguirem seu próprio sustento. Referência: SANTOS, Milton. O espaço do cidadão. São Paulo: Nobel, 1998.