O Brasil, inteligência, e o custo do vazamento das informações governamentais
N€o • de hoje que sabemos sobre certos epis‚dios envolvendo espionagem, vazamento de
informaƒ„es e crime organizado dentro do setor p…blico brasileiro. Com a tecnologia da informaƒ€o,
as formas de coleta indevida e difus€o das informaƒ„es facilitaram os crimes digitais, associado ao
fato da ignor†ncia de muitos servidores p…blicos na proteƒ€o das informaƒ„es, a despeito das
estruturaƒ„es e t‡tulos na ˆrea de seguranƒa da informaƒ€o.
Longe dos pomposos e n€o t€o eficientes ‚rg€os de seguranƒa e intelig‰ncia do Governo Federal e
dos Estados ricos da Federaƒ€o, encontramos Estados, Prefeituras e org€os manipulando
informaƒ„es sens‡veis, diga-se, mat•ria prima para fraudes e golpes, sem qualquer proteƒ€o. S€o
dados de concursos, de seguranƒa, arrecadaƒ€o, licitaƒ„es, contratos, conv‰nios, planilhas, im‚veis a
serem leiloados e outras informaƒ„es aptas a serem exploradas para a fraude ou exploraƒ€o il‡cita. O
resultado • previs‡vel.
N€o bastasse, sites institucionais hospedados em estruturas precˆrias ou servidores absolutamente
mal configurados ou blindados em face da atuaƒ€o do crime eletrŠnico. Como resultado, a recente
indisponibilizaƒ€o do site da Presid‰ncia da Rep…blica [1], por meio de um ataque de negaƒ€o de
serviƒo (DDOS), atribu‡do a um grupo denominado “Fatal Crew Error”.
No Brasil, o gabinete de seguranƒa institucional apresenta relatos de falhas, como no caso das
c†meras do Palˆcio do Planalto, que n€o registraram as placas dos ve‡culos que estiveram por lˆ no
in‡cio de 2009 [2]. Na previd‰ncia, a fraude chega a 1,6 bilh„es de reais, e conta com uso indevido
de informaƒ„es do sistema de ‚bito de segurados, o SISOB, bem como outras t•cnicas de uso
indevido de dados, o que faz do pa‡s um dos que mais possuem “mortos-vivos” do mundo em
termos previdenciˆrios.[3] Estamos tamb•m entre os campe„es de “empresas-fantasma”, aptas a
abocanhar licitaƒ„es do norte a sul do pa‡s.
A pr‚pria Pol‡cia Federal tem sua conduta questionada, no que cerne ao vazamento de informaƒ„es
de inqu•ritos e outros procedimentos, para a imprensa, televis„es e outros privilegiados, o que
gerou a indignaƒ€o do ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, tamb•m em
2009 [4], e que tamb•m motivou o pacot€o da seguranƒa p…blica que pretende suspender e at•
demitir o agente que se manifestar sobre investigaƒ€o que participe ou tenha conhecimento.
No centro de S€o Paulo, • poss‡vel comprar senhas para o maior banco de dados da seguranƒa
p…blica do Brasil, o InfoSeg [5], a custo irris‚rio de 2 mil reais, como jˆ noticiado na m‡dia
brasileira.
Outros entes p…blicos de n‡vel federal, estadual e municipal jˆ experimentaram a fraude resultado
da associaƒ€o entre maus servidores e particulares bandidos. A epidemia n€o • s‚ p…blica, jˆ que
estima-se que no Brasil boa parte dos neg‚cios fechados no mercado financeiro tenham como
suporte o vazamento de informaƒ„es[6].
O que o vazamento de informaƒ„es causa? Dano e desfalque ao erˆrio. Tomemos o exemplo do
vazamento de informaƒ„es que prejudicou uma operaƒ€o policial no Rio de Janeiro, em 2007, nas
favelas do Complexo S€o Carlos, no Estˆcio, onde a Pol‡cia pretendia prender 100 pessoas. Um
homem foi preso.[7]
Outro exemplo, o vazamento das provas do ENEM em 2009[8]. 500 mil reais era o que o
funcionˆrio da grˆfica contratada pelo Minist•rio da Educaƒ€o queria para fornecer as informaƒ„es
ao Jornal “O Estado de S€o Paulo”. Resultado? O sabido cancelamento da prova, ato que custou
nada menos que 30 milh„es ao Governo. De observar, a reincid‰ncia veio em 2010, com mais um
vazamento de dados das provas do ENEM.
Mais um exemplo, a venda dos caƒas ao Governo Brasileiro, fato amplamente noticiado em 2009,
onde a despeito do termo de confidencialidade estabelecido pela Forƒa A•rea Brasileira (FAB), ficou
claro o vazamento de informaƒ„es sobre o preƒo ofertado pela francesa Dassault [9].
1
No Brasil, a Lei 9883/99 institui o Sistema Brasileiro de Intelig‰ncia, no †mbito federal, e cria a
ABIN. Este sistema • responsˆvel pela coleta e cust‚dia de informaƒ„es para servir ao Presidente da
Rep…blica em suas decis„es. Todos os entes p…blicos que manipulam informaƒ„es de interesse
nacional comp„em o SBI e est€o sujeitos ao controle da ABIN. Ora, se existe permissivo legal para o
monitoramento e auditoria, porque tantos esc†ndalos?
N€o bastasse, sabemos que fora do executivo federal, ‚rg€os p…blicos municipais e estaduais ainda
n€o atentaram para o risco da negligencia, imprud‰ncia ou imper‡cia na manipulaƒ€o de
informaƒ„es confidenciais. O C‚digo Penal brasileiro prev‰ em seu artigo 325 o crime de violaƒ€o de
sigilo funcional tamb•m para quem permite ou facilita o acesso de terceiros a sistemas de
informaƒ„es da administraƒ€o p…blica, estabelecendo ainda uma pena de reclus€o que pode chegar
de 2 a 6 anos e multa. Ou seja, ser negligente com sistemas informˆticos, na administraƒ€o p…blica,
• crime!
Jˆ se o funcionˆrio p…blico • quem insere ou altera os dados nos sistemas da administraƒ€o, pode
responder pelo peculato informˆtico, dependendo das circunst†ncias, serˆ enquadrado nos arts.
313-A e 313-B do C‚digo Penal, com pena que pode chegar a 12 anos de reclus€o.
Mas s‚ puniƒ€o adianta? Efetivamente que n€o, eis que como verificamos, o peculato informˆtico foi
criado em 2000 e nem por isto desestimulou o vazamento de informaƒ„es p…blicas e pelo contrˆrio,
hoje s€o os particulares que praticam o crime de exploraƒ€o de prest‡gio, ao se valerem das relaƒ„es
com funcionˆrios p…blicos mal•ficos, na obtenƒ€o de vantagens.
A resposta • a efetiva gest€o de seguranƒa da informaƒ€o, com a implementaƒ€o de um sistema
eficaz e que considere pessoas acima de ferramentas e softwares e leve em consideraƒ€o que
influ‰ncias internas s€o as principais responsˆveis pelo vazamento de dados na ˆrea p…blica e
tamb•m privada. Uma pesquisa mais refinada no Google e descobrimos quantos servidores utilizam
e-mails do governo para usos privados. Mais, sabemos de casos em que o servidor foi desligado e
anos depois ainda detinha privil•gios de acesso • rede VPN governamental, agenciando tais
informaƒ„es • seu crit•rio. Documentos privados circulam na internet com timbres oficiais, e que
podem ser utilizados por estelionatˆrios para confecƒ€o de falsos documentos e aplicaƒ€o de golpes.
Dados n€o s€o validados quanto ingressam nas bases da administraƒ€o, acordos de
confidencialidade n€o s€o cumpridos, funcionˆrios n€o s€o conscientizados dos riscos, n€o existem
per‡metros f‡sicos de proteƒ€o de ativos, funƒ„es n€o s€o segregadas e o pior, em alguns ‚rg€os os
gestores p…blicos sequer sabem quais os ativos informacionais s€o importantes para a empresa
p…blica, e o quanto devem se esforƒar para proteg‰-los.
Estas, s€o apenas algumas posturas inerentes • aus‰ncia de um sistema de gest€o que preze pelos
fundamentos da seguranƒa: integridade, disponibilidade e confidencialidade de dados, e
principalmente, que seja testado e avaliado periodicamente, por meio de testes de intrus€o,
engenharia social e outras t•cnicas homologadas e vˆlidas em seguranƒa da informaƒ€o.
Se voc‰ questionar a um gestor de seguranƒa de um ‚rg€o p…blico se ele tem uma ferramenta
firewall licitada funcionando em sua ˆrea o mesmo afirmarˆ que sim. Agora experimente questionar
se ele tem uma pol‡tica de gest€o de continuidade do neg‚cio, ou se adota gest€o da seguranƒa no
desenvolvimento e suporte de seus sistemas, ou ainda se desenvolveu uma c•lula de forense digital
vinculada a seu time de resposta a incidentes…
As proteƒ„es contra vazamentos devem ser objeto de avaliaƒ€o peri‚dica e a intelig‰ncia •
fundamental neste ponto. N€o acabaremos com o vazamento de informaƒ„es p…blicas licitando
firewalls, software de seguranƒa e detectores de intrus€o, mas aliando a rigorosa legislaƒ€o
brasileira jˆ existente, com t•cnicas de monitoramento e screening dos funcionˆrios p…blicos que
lidam com informaƒ„es cr‡ticas. A intelig‰ncia n€o deve estar s‚ no †mbito federal, e
principalmente, deve sair do papel e ser aplicada. Aquele que manipula informaƒ„es p…blicas
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sens‡veis deve estar ciente de que dada a responsabilidade que det•m, pode ser auditado, sem que
possa evocar a proteƒ€o conferida a um cidad€o comum, no que tange • privacidade.
Tomemos o exemplo de Portugal onde o Serviƒo de Informaƒ„es da Rep…blica (SIS) e o Serviƒo de
Informaƒ„es Estrat•gias, em 2009, assinaram protocolos para a inserƒ€o de espi„es nos serviƒos
p…blicos. Mas qual a finalidade desta medida? Simples, combater a criminalidade organizada dentro
do Governo, esta, que se vale de informaƒ„es confidenciais e privilegiadas para movimentar um
mercado negro de milh„es de euros.
Aqui n€o • diferente.
No Brasil, algumas iniciativas ainda engatinham, mas servem de exemplo para todos os ‚rg€os
p…blicos da Federaƒ€o, como o projeto de Lei que disp„e sobre o regime disciplinar do
Departamento da Pol‡cia Federal e da Pol‡cia Civil do Distrito Federal[10], que institui a chamada
“sindic†ncia patrimonial”, destinada a averiguar e identificar servidores que ostentam patrimŠnio
imensamente maior do que o compat‡vel com a funƒ€o. S€o medidas que podem auxiliar a reduƒ€o
dos crimes envolvendo vazamento de informaƒ„es eis que quem tem acesso a informaƒ„es sigilosas
governamentais, com certeza n€o as cede gratuitamente.
Enfim, demonstramos que o vazamento de informaƒ„es na administraƒ€o p…blica em todas as suas
esferas • realidade, motivada e impulsionada pelo vantajoso e lucrativo trˆfico de informaƒ„es e
principalmente pela aus‰ncia de monitoramento dos ativos de tecnologia da informaƒ€o e seus
respectivos suportes. Igualmente, conclu‡mos que n€o existe uma soluƒ€o pac‡fica e incontroversa
para amenizaƒ€o desta patologia, por•m sabemos que esta soluƒ€o passa longe da compra e mais
compra de softwares e dispositivos de seguranƒa, e que um caminho pode ser a aplicaƒ€o da lei, em
cotejo com a fiscalizaƒ€o e testes de intrus€o para avaliar condutas dolosas e culposas, per‡cia digital
para identificar a autoria de incidentes, al•m do monitoramento de ex-agentes e a chamada
sindic†ncia patrimonial.
Resta pac‡fico que serviƒos de intelig‰ncia em sua g‰nese s€o concebidos no escopo de apoiar a
tomada de decis„es governamentais, e mais que isso, de proteger ativos das ameaƒas, sobretudo
digitais, antecipando problemas e identificando causadores. Por•m, mais claro ainda, fica
demonstrado que sem governanƒa, anˆlise de risco, conformidade e monitoramento constante, tais
serviƒos podem se voltar contra o Estado e seus cidad€os, servindo, por aƒ€o ou omiss€o, interesses
escusos e criminosos, de sabida alta lucratividade.
NOTAS:
[1] http://www.24horasnews.com.br/index.php?mat=354842
[2] http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u613407.shtml
[3] http://montesclaros.com/noticias.asp?codigo=47003
[4] http://www.paranaonline.com.br/editoria/politica/news/399422/?noticia=MENDES+COBRA+GOVERNO+POR+VA
ZAMENTO+SELETIVO+DE+DADOS
[5] http://www.youtube.com/watch?v=HA6Jpni03bE
[6] http://aeinvestimentos.limao.com.br/financas/fin38558.shtm
[7]http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/2008/07/22/policiais_civis_fazem_mega_operacao_no
_rio_de_janeiro_1460079.html
[8] http://g1.globo.com/vestibular-e-educacao/noticia/2010/08/vazamento-de-dados-deestudantes-do-enem-sera-apurado-diz-inep.html
[9] http://www.jusbrasil.com.br/politica/4112808/dassault-critica-concorrencia-por-vazamentode-informacoes-e-nega-preco-40-maior
[10] http://www.google.com.br/url?sa=t&source=web&cd=1&ved=0CBcQFjAA&url=http%3A%2F
%2Fwww.sinpoldf.com.br%2Fsitenew%2Favisos%2Fimg%2Fpl195207.pdf&rct=j&q=disp%C3%B5e%20sobre%20o%20regime%20disciplinar%20do%20Departamento
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José Antonio Milagre é Advogado e Perito especializado em Segurança da Informação. E-mail:
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