PESQUISA CARAMELO IV Cor sob suspeita Na onda do debate mundial sobre os riscos do corante Caramelo IV, pesquisa do Idec verifica que a regulação brasileira sobre o tema é falha e que os fabricantes de refrigerantes e bebidas energéticas não estão dispostos a informar ao consumidor a quantidade da substância tóxica em seus produtos N em quantidade superior a esse limite devem incluir na embalagem um alerta sobre o risco de câncer. Para evitar a propaganda negativa em suas latinhas e garrafas, a Coca-Cola e a Pepsi preferiram deixar de utilizar o Caramelo IV ou usá-lo de forma que gere quantidade muito menor de 4-MI. Mas só nos Estados Unidos. Enquanto essa notícia vinha à tona, o Idec enviava carta a 11 fabricantes de refrigerantes e bebidas energéticas (veja quais são no quadro Como foi feita a pesquisa) questionando a quantidade de 2-MI e 4-MI presente nos produtos e se eles deixariam de utilizar, voluntariamente, “Acreditamos o Caramelo IV. o início de março deste ano, jornais de todo o mundo noticiaram que a Coca-Cola e a Pepsi iam alterar a fórmula de seus que uma postura refrigerantes, os mais conhecidos no planeta. O motivo é a presença de RISCO IGNORADO preventiva deva um corante até então desconheÉ verdade que o potencial carciser adotada, já cido de muitos consumidores: o nogênico dos subprodutos do Caraque é a saúde dos melo IV para os humanos ainda não Caramelo IV, largamente utilizado consumidores que está completamente estabelecido. Se pela indústria alimentícia. O cerco tem se fechado contra o aditivo por um lado estudos confiáveis como está em jogo” desde que estudos científicos apono do Programa de Toxicologia dos Mariana Ferraz, advogada do Idec taram que dois subprodutos gerados EUA apontam o perigo, por outro, responsável pela pesquisa por ele, o 2-metilimidazol (2-MI) e o nenhuma autoridade sanitária ao redor 4-metilimidazol (4-MI), causam cândo mundo considera esse risco. E, em cer em animais e, por consequência, março do ano passado, a agência regulatambém podem ser perigosos para a dora de alimentos da Europa (European saúde humana. O risco já era conheciFood Safety Authority – EFSA) divuldo desde 2007, pelo menos, quando gou uma análise em que reafirma que o Programa Nacional de Toxicologia o uso do corante é seguro. Contudo, do Instituto Nacional de Saúde dos para o Idec, diante das evidências de Estados Unidos fez um estudo sobre um possível risco, o papel dos órgãos o tema. Mas foi só no ano passado reguladores e das empresas é adotar que o Estado da Califórnia estabeo princípio da precaução, segundo o leceu um limite de ingestão diária da qual, quando há ameaça de danos sérios substância 4-MI, fixado em 29 µg (microgramas) por ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica dia, e determinou que os produtos que a contiverem não deve ser utilizada como razão para postergar medi- 24 • Maio 2012 • REVISTA DO IDEC Robin Caiola das para prevenir o dano. “Acreditamos que uma postura preventiva deve ser adotada, já que é a saúde dos consumidores que está em jogo”, ressalta Mariana Ferraz, advogada do Idec responsável pelo levantamento. Os resultados da pesquisa foram bastante insatisfatórios. As regras da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) são falhas: as empresas não são obrigadas a informar no rótulo o nível das substâncias potencialmente cancerígenas e nem os limites seguros de ingestão diária. Apoiando-se nessas brechas legais, a grande maioria das empresas não respondeu qual a quantidade de 4-MI nas bebidas, alegando que o aditivo é seguro porque seu uso é autorizado e ponto final. Apenas a Globalbev (energético Flying Horse) e a NewAge (Guaraná Xamego) foram transparentes e informaram a quantidade de 4-MI presente em seus produtos. Veja as respostas das empresas à página 27. COMO FOI FEITA A PESQUISA Para entender os riscos associados ao corante Caramelo IV, primeiramente agrupamos as conclusões dos principais estudos sobre o assunto. Em seguida, estudamos o que diz a regulamentação brasileira a respeito do uso desse aditivo nos alimentos e questionamos a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) sobre os riscos à saúde humana associados ao corante. Por fim, visitamos supermercados e verificamos que os produtos que mais informam em seus rótulos a presença do Caramelo IV são os refrigerantes e as bebidas energéticas. Assim, nove fabricantes dessas bebidas foram questionados sobre a utilização do Caramelo IV e sobre a possibilidade de bani-lo da fórmula de seus produtos: Ambev (Guaraná Antarctica, Sukita e Fusion Energy Drink); Coca-Cola Brasil (Coca-Cola, Guaraná Kuat, Guaraná Taí e Burn Intense Energy); Fire Up do Brasil (Fire Up); Globalbev (Flying Horse), NewAge (Guaraná Xamego); Döhler/Piracaia (Fullpower Energy Drink); Ragi Refrigerantes (Dolly Cola e Dolly Guaraná); Refriso/Refrigerantes Sorocaba (Guaraná Bacana, Plus Energy); e Schincariol (Itubaína, Schin Guaraná, Míni Schin Guaraná, Míni Schin Uva). As empresas Red Bull do Brasil (energético Red Bull) e Grupo Petrópolis (energético TNT) foram questionadas sobre qual tipo de corante Caramelo utilizam no produto, já que ele não estava especificado no rótulo, em desrespeito às normas da Anvisa. Um teste realizado pelo Centro pela Ciência de Interesse Público (CSPI, na sigla em inglês) – um dos principais atores na luta pela discussão dos riscos do Caramelo IV em alimentos nos Estados Unidos –, divulgado no início de março, constatou que uma latinha de 360 ml de Coca-Cola ou Pepsi (normal e diet) contém, em média, 138 µg da substância. Isso dá quase cinco vezes mais que o limite fixado como seguro pela regulamentação da Califórnia (29 µg). Diante do resultado, o CSPI reforçou o pedido feito pela primeira vez no ano passado à Food and Drug Administration (FDA), órgão regulador de medicamentos e alimentos dos EUA, para que proíba o uso de Caramelo IV nos alimentos fabricados no país. Confira a seguir a entrevista realizada por e-mail com o diretor executivo e cofundador da entidade, Michael Jacobson. Há quase cinco anos o Programa Nacional de Toxicologia do Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos concluiu que há “clara evidência” de que o 2-MI e o 4-MI são cancerígenos em animais. Por que até hoje essas substâncias não foram formalmente incluídas na lista oficial do órgão como potencial risco de câncer aos humanos? Michael Jacobson: Essa lista é atualizada de tempos em tempos. Acredito que na próxima edição as substâncias serão incluídas. Por que a regulamentação do Estado da Califórnia trata apenas do 4-MI? MJ: Porque apenas ele está presente em quantidade significativa nos alimentos. O limite de 29 µg/por dia, definido pela Califórnia, é seguro? Por que o CSPI pediu à FDA para banir o uso do Caramelo IV, em vez de pedir que as companhias adequassem seus produtos a esse limite? MJ: Esse é o limite que atende à exigência da lei da Califórnia, que considera risco não significativo um caso de câncer a cada 100 mil pessoas. A FDA tem, pelo menos no papel, uma diretriz que estabelece não mais que um caso de câncer em 1 milhão de pessoas – dez vezes mais rigoroso. Eu calculo que a quantidade de 4-MI presente em refrigerantes de cola na Califórnia supera a referência [de risco] de um [caso] em 1 milhão. Quais foram os principais resultados dos testes que o CSPI fez com refrigerantes nos EUA? MJ: O teste foi realizado apenas [com produtos comercializados] em continua na página 26 PESQUISA CARAMELO IV continuação Washington, mas vamos testar amostras da Califórnia em breve. A principal constatação é que a quantidade de 4-MI em refrigerantes que usam Caramelo ainda é muito alta. O CSPI vai analisar refrigerantes de outros países? MJ: Sim, mas ainda estamos coletando as latas de Coca-Cola. O Brasil já enviou as suas. O 4-MI está presente em outros alimentos. Por que apenas os refrigerantes (particularmente aqueles à base de cola) estão sendo testados? MJ: Os refrigerantes são um problema especial porque têm volume maior de corante, além de serem muito consumidos. A petição enviada pelo CSPI à FDA diz que o Caramelo IV tem apenas função estética e que poderia ser facilmente substituído por outros corantes. Contudo, as empresas alegam que não é tão simples. O que o senhor acha desse posicionamento? MJ: Certamente, elas poderiam deixar de usar o corante e vender bebidas mais claras. A Coca-Cola e a Pepsi fizeram refrigerantes claros à base de cola há cerca de 10, 15 anos, mas não se esforçaram para torná-los bem sucedidos. Apesar de os riscos do Caramelo IV não estarem completamente estabelecidos, o senhor acredita que as agências de saúde e as empresas deveriam dar mais atenção a essa questão? MJ: Certamente. É escandaloso que a EFSA diga que o Caramelo não é problema e que a FDA não faça nada. O 4-MI poderia ser eliminado facilmente, salvando número significativo de vidas. Regulamentação: problemas e propostas A s normas brasileiras para o uso de Caramelo IV não dão conta de garantir informação adequada ao consumidor e, pior, são omissas em relação ao nível de consumo seguro do composto e de seus subprodutos. Segundo a legislação, os alimentos que contêm Caramelo IV não precisam de frase de advertência, que só é obrigatória para os corantes classificados como artificiais (o Caramelo IV é considerado sintético). Além disso, não há qualquer disposição sobre o limite de 4-MI no produto final ou sobre o nível seguro de consumo diário. A legislação estabelece apenas o valor máximo da substância por quilograma de corante (200 ppm), mas como as empresas também não precisam informar quanto do aditivo é utilizado no alimento, o dado que interessa – quanto há no produto final – permanece obscuro. O Idec questionou a Anvisa sobre esses problemas, mas até o fechamento desta edição, recebemos apenas uma resposta protocolar, que não esclareceu nada. Para o Instituto, diante dos riscos associados ao consumo desse corante, é fundamental que o órgão reveja as regras sobre o tema. Para tanto, elaborou algumas propostas: 1 Que os fabricantes sejam obrigados a informar no rótulo a quantidade de 4-MI presente no produto de forma clara e adequada, isto é, µg/ml (micrograma por mililitro do produto) 26 • Maio 2012 • REVISTA DO IDEC ou µg/g (micrograma por grama do produto). 2 Que o produto apresente frases de advertência como “contém corante não natural” ou “contém corante sintético” quando contiver esse tipo de aditivo. 3 Que seja determinado um “nível de risco não significativo” para o 4-MI, a exemplo do estabelecido na Califórnia. 4 Que os produtos com quantidades superiores ao “nível de risco não significativo” de 4-MI sejam proibidos ou incluam frases de advertência em seus rótulos, informando o risco de câncer. SAIBA MAIS Campanha Toxicola, realizada por diversas organizações de defesa do consumidor da América pelo fim do uso do Caramelo IV em alimentos <www.toxicola.org> O Idec perguntou às empresas: Confira, a seguir, os destaques das respostas. A Fire Up (dona da marca de bebida energética homônima) foi a única que não respondeu. Ambev Bebidas: Guaraná Antarctica, Sukita e Fusion Energy Drink l Afirmou que a quantidade de 4-MI presente no produto só pode ser apurada com precisão através de análise laboratorial, que não poderia ser realizada dentro do prazo para resposta estabelecido pelo Idec. Para o Instituto, porém, todas as empresas deveriam monitorar periodicamente a quantidade de 4-MI em seus produtos, independentemente de solicitação. l Sobre a possibilidade de substituir o Caramelo IV, alegou que a escolha do corante não é aleatória, uma vez que cada um possui propriedades específicas. Coca-Cola do Brasil Globalbev Bebida: Flying Horse l Informou que o nível de 4-MI é 10,02 µg em uma lata de 473 ml. Caramelo IV adicionada ao produto é quase 14 vezes menor que a utilizada em refrigerantes à base de cola. l Explicou que as alternativas ao Carame- lo IV ainda não são fabricadas no Brasil. l Não acredita que haja justificativa para se aplicar o princípio da precaução ao Caramelo IV. Grupo Petrópolis Bebida: TNT Energy Drink l Questionou a obrigatoriedade de especificar no rótulo o tipo de corante Caramelo utilizado, mas se dispôs a inserir a informação nas novas embalagens do produto. NewAge de 4,28 l Enviou ao Idec o estudo da agência l Apontou que, conforme certificado Bebida: Guaraná Xamego l Informou que a quantidade de 4-MI é µg na lata de 473 ml. reguladora europeia (EFSA), que afirma que os corantes Caramelo são seguros. do fornecedor, o Caramelo usado pela empresa não gera 2-MI. l Não informou a quantidade de l Declarou que uma alternativa ao Caramelo IV foi desenvolvida, mas ainda não é fabricada no Brasil. Döhler/Piracaia Pepsico Bebida: Fullpower Energy Drink Bebidas: Pepsi, Pepsi Twist e Pepsi Twist Light l Justificou a falta de estudos sobre o Caramelo IV, dizendo que o aditivo é largamente utilizado pela indústria de bebidas. l Afirmou que só deixaria de usar o co- Ragi Refrigerantes Bebidas: Dolly Guaraná e Dolly Cola l Limitou-se a dizer que atende aos padrões de qualidade exigidos pelo Ministério da Agricultura. Red Bull do Brasil utiliza é “absolutamente seguro” e que nenhuma agência reguladora no mundo reconhece o potencial cancerígeno de seus subprodutos. 4-MI nos produtos brasileiros e nos comercializados no exterior. corra o risco apontado pelo estudo do CSPI teria de consumir, em média, o equivalente a mil latas de refrigerante por dia, mas não esclareceu qual a fonte dessa análise. l Comentou que a quantidade de Bebidas: Coca-Cola, Guaraná Kuat, Guaraná Taí, Burn Intense Energy l Declarou que o corante Caramelo que l Alegou que para que uma pessoa l Declarou que não existe comprova- ção científica de que o 4-MI presente em alimentos e bebidas seja uma ameaça à saúde humana. Bebida: Red Bull Energy Drink l Esclareceu que o corante empregado na bebida é o Caramelo I, e não o IV. l Discordou de que descumpre a legislação ao não especificar o tipo de corante Caramelo utilizado, como apontou o Idec. Refriso/Refrigerantes Sorocaba Bebidas: Guaraná Bacana e Plus Energy l Informou que o corante utilizado pela empresa tem no máximo 194 ppm de 4-MI, mas não especificou quanto há no produto final. l Afirmou que está realizando testes com outros tipos de corante Caramelo. Schincariol Bebidas: Itubaína, Schin Guaraná, Míni Schin Guaraná, Míni Schin Uva l Disse que atende à regulamentação da Anvisa e que seus produtos apresentam quantidades de 4-MI abaixo do limite de 200 ppm de corante, mas não informou a quantidade da substância no produto final. rante se os riscos fossem comprovados. REVISTA DO IDEC • Maio 2012 • 27