O TRABALHO DOCENTE E O DESAFIO DE EDUCAR NAS ESCOLAS
CONTEMPORÂNEAS: REPENSANDO A SALA DE AULA
Ariana Cosme1-Universidade do Porto - Portugal
Grupo de Trabalho – Educação, Complexidade e Transdisciplinaridade
Agência Financiadora: não contou com financiamento to
Resumo
Vivemos num tempo onde se define a profissão docente em função de parâmetros distintos
daqueles que estiveram na afirmação sócio-profissional da profissão, nomeadamente do ponto
de vista dos compromissos éticos que a fundamentam. Tempo este em que nos defrontamos
com dificuldades iniludíveis de construirmos consensos, suficientemente sólidos acerca da
intervenção educativa dos professores e das suas responsabilidades profissionais que terão
que ser compreendidas à luz das dissonâncias e das contradições que se revelam no debate
que, hoje, se trava acerca das finalidades e das funções das escolas como instituições
educativas. Um debate que tem que afectar obrigatoriamente a reflexão sobre a redefinição do
trabalho docente, a qual, pelas mais diversas razões, constitui, nas sociedades em que
vivemos, uma reflexão prioritária. É, enquanto contributo para uma tal reflexão, que este
texto se justifica, um texto que corresponde, em larga medida, ao trabalho de reflexão que
produzi no decurso do meu trabalho de investigadora e formadora no decurso dos últimos
anos Um texto através do qual me proponho abordar especificamente a relação que se
estabelece entre a redefinição do trabalho docente, os sentidos dos processos de influência
educativa que os professores animam nas escolas e a redefinição do trabalho nas salas de aula,
como uma problemática onde a articulação entre Educação e Ética constitui a articulação
matricial que sustenta a referida reflexão.
Palavras-chave: Influência Educativa. Trabalho Docente. Repensar a Sala de Aula.
Ser professor: questões e desafios
A relação entre a redefinição do trabalho docente e a natureza e os sentidos dos
processos de influência educativa que os professores animam coloca-me no domínio de uma
primeira decisão estruturante que obriga os professores a discutir se pretendem participar no
projeto de uma escola subordinada a uma racionalidade de carácter meritocrático ou no
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Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação -Universidade do Porto -Portugal
ISSN 2176-1396
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projeto de uma escola que se define em função de uma racionalidade comprometida com os
valores que caracterizam os contextos tendencialmente democráticos.
Trata-se de uma decisão que decorre das opções ideológicas distintas que se assumem,
quer acerca do que se entende por educar, quer acerca do que se entende quais são as
finalidades políticas, sociais, culturais e educativas da Escola, as quais tendem a determinar,
por sua vez, o modo como se interpreta a função desta instituição enquanto contexto de
socialização incontornável no seio das sociedades em que vivemos. Uma opção que deverá ter
consequências:
a) quanto ao entendimento do que é o papel da comunicação entre si e os seus
alunos;
b) quanto às modalidades de gestão curricular que se adoptam;
c) quanto aos processos de mediação pedagógico-didáctica que se animam e aos
dispositivos que, neste âmbito, se mobilizam;
d) quanto à filosofia de avaliação que se perfilha e ao grau de congruência entre essa
filosofia e os dispositivos de avaliação que se implementam; (
e) quanto à utilização desses dispositivos, à leitura dos resultados que se obtêm e às
consequências pedagógicas dos mesmos.
Assim, é a partir da decisão mais ampla que enunciei, em função do qual se opõe uma
racionalidade educativa meritocrática a uma racionalidade educativa democrática, que
deverão ser compreendidas as opções mais circunscritas que os professores deverão vivenciar
relacionados com os espaços e os momentos de gestão curricular, com os espaços e os
momentos de mediação pedagógica e, finalmente, com os espaços e os momentos do processo
de avaliação.
Ainda que haja que valorizar outros espaços de reflexão a ter em conta quando se
aborda a problemática da redefinição do trabalho docente, tais como aqueles que dizem
respeito ao modo como os professores participam na construção do seu conhecimento
profissional, às relações que estes estabelecem entre si ou às relações que os professores
estabelecem com os outros actores e instâncias de decisão que lhes são exteriores, é a partir do
exercício da influência educativa que os docentes protagonizam que se visa responder à
pergunta que justifica esta comunicação, O que é ser professor, hoje, numa escola e num
tempo de incertezas? Uma questão que será respondida em função da reflexão já anunciada e
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tendo em conta o reconhecimento de três pressupostos que permitem balizar essa mesma
reflexão.
Vivemos num tempo onde se define a profissão docente em função de parâmetros
distintos daqueles que estiveram na afirmação sócio-profissional da profissão. É um tempo
em que nos defrontamos com dificuldades iniludíveis de construirmos consensos acerca da
intervenção educativa dos professores e das suas responsabilidades profissionais e que
precisam de ser compreendidas à luz das dissonâncias e das contradições que se revelam no
debate que, hoje, se trava acerca das finalidades e das funções das escolas como instituições
educativas.
Um debate que tem, obrigatoriamente, que se centrar sobre a redefinição do trabalho
docente, a qual, pelas mais diversas razões, constitui, nas sociedades em que vivemos, uma
reflexão urgente; uma leitura mais atenta dos discursos dos professores, bem como dos
teóricos que se debruçam sobre o campo da educação escolar, mostra-nos que a organização
do tempo e do espaço de trabalho pedagógico é uma das preocupações mais referidas nesses
discursos.
Como cumprir o programa curricular e as metas educativas estabelecidas nos planos
nacional, municipal e local? Como é que posso trabalhar, de forma bem sucedida, com tantos
alunos a meu cargo numa sala de aula? Que condições de trabalho são necessárias para que os
meus alunos possam trabalhar em grupo, pesquisar e desenvolver projetos mais adequados
aos desafios que a aprendizagem exige?
Estes são alguns exemplos de questões que nos mostram como a reflexão sobre a
transformação das práticas pedagógicas não poderá ser dissociada da reflexão sobre
organização do espaço e do tempo de trabalho nas escolas.
Um olhar retrospectivo sobre a afirmação da Escola no mundo contemporâneo, entre
os séculos XVIII e XIX, permite que constatemos que, em larga medida, quer o sucesso de
um tal projecto, quer a sua própria configuração como projecto educacional, passou pelo
modo como tal processo de afirmação enfrentou e resolveu o desafio relacionado com a
organização e a gestão do espaço e do tempo pedagógicos. Pode mesmo considerar-se que a
afirmação da Escola como instituição educativa de massas só foi possível devido ao
desenvolvimento de uma “tecnologia da sala de aula” (BARROSO, 1995, p.10) que permitiu
responder a duas questões primordiais: (i) Como “ensinar tudo a todos como se fossem um
só”? (BARROSO, 1995, p.69). Quais são as modalidades de organização do trabalho
pedagógico mais adequadas para promover a instrução colectiva dos alunos?
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No tempo em que vivemos, sabemos que as perguntas terão que ser de outra natureza,
já que a problemática da organização do espaço e do tempo pedagógicos é abordada em
função de um outro tipo de preocupações educativas. Preocupações educativas que têm a ver
com a necessidade das escolas se constituírem como espaços de aprendizagem e de produção
cultural, condição para que, concomitantemente, se possam assumir como espaços de
socialização e de formação pessoal e social. Neste âmbito, a reflexão sobre a organização dos
espaços e dos tempos de trabalho na sala de aula constitui uma reflexão crucial, na medida em
que não é possível recusar o paradigma pedagógico da instrução sem problematizar o modo
de ensino simultâneo através do qual aquele paradigma se tem vindo a concretizar.
Se os desafios educativos que, actualmente, se colocam a todos os que se relacionam
com os projectos de educação escolar passam, em larga medida, por reconhecer o sujeito que
aprende nas suas singularidades pessoais e culturais, enquanto sujeito que é co-construtor de
saberes no âmbito de um grupo que potencia essa possibilidade, então os espaços e os tempos
dedicados ao trabalho nas escolas terão que ser organizados de forma congruente com tais
intenções pedagógicas.
Em primeiro lugar, esses espaços terão que se pluralizar e o tempo dedicado ao
trabalho escolar terá que ser gerido de forma mais desafiante e mais diversificada.
Em segundo lugar, esses espaços e tempos educativos terão que ser objecto de um tipo
de gestão participada e intencionalmente pensada, por parte de todos aqueles que partilham
uma sala de aula. Assim, um dos desafios que se coloca aos professores é o de entender, como
um objectivo nuclear da sua intervenção docente, o de contribuir para que os seus alunos
aprendam a gerir os espaços e os tempos de trabalho como uma competência que estes
deverão desenvolver.
Em terceiro lugar, e relacionados com os pressupostos definidos anteriormente,
importa reconhecer que a gestão daqueles espaços e tempos se subordina à necessidade da
construção de um ambiente educativo que possa ser definido como uma comunidade de
aprendizagem. Isto é, como um espaço de interacção humana onde, como refere Bruner
(2000), se providenciam os apoios adequados aos principiantes, se gerem as tarefas a propor e
as condições da sua realização e onde cada um que aprende contribui, à medidas das suas
possibilidades, para que os outros possam aprender também.
A homogeneidade dos alunos, entendida como uma virtude da escola tradicional, na
lógica das pedagogias da instrução, passa a ser entendida como uma ilusão insensata. É a
diversidade e a heterogeneidade que se tornam num dos mais importantes desafios
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pedagógicos a enfrentar, quanto mais não seja porque é através do contacto, da partilha e do
confronto com os outros que se ampliam as possibilidades de aprender e de se formar.
A omnipotência do professor que lhe permite ser o único que, no grupo-turma,
conhece os objectivos a atingir e as estratégias para que os mesmos se concretizem, detendo,
igualmente, o poder de avaliar se isso foi conseguido, tem que ser objeto de problematização,
já que aqueles objectivos se transformam em objecto de partilha, de negociação e de
apropriação por parte dos alunos, assim como aquelas estratégias deixam de ser avaliadas em
função apenas do seu grau de aproximação ou de distanciamento face às estratégias de
referência que se impõem como estratégias-padrão, mesmo que o seu sentido e racionalidade
seja estranho aos alunos que as terão que mobilizar.
Isto não significa que se defenda que os professores têm os seus dias contados ou que
a sua ação possa ser menorizada. A sua participação é decisiva como interlocutores
qualificados, isto é como alguém que sabe que não pode fazer pelos alunos aquilo que só aos
alunos compete fazer, ainda que possa contribuir para que estes se transformem em seres mais
inteligentes e humanamente mais capazes. Estes, enquanto interlocutores qualificados, terão
que saber melhor do que ninguém que a possibilidade de quem quer que seja se afirmar como
pessoa depende da qualidade da interacção e da cooperação com os outros.
Neste caso, a organização do espaço nas salas de aula terá que ser pensada de molde a
permitir que cada um possa trabalhar de forma autónoma ou em grupo, desenvolvendo acções
de colaboração com outros e possibilitando quer o apoio tutorial dos professores, a quem dele
necessite, quer o desenvolvimento de sessões de trabalho colectivas.
De igual modo, o tempo de trabalho e os dispositivos ou os procedimentos que dizem
respeito à sua gestão, terá que ser concebido para organizar os momentos em que as
actividades acima enunciadas ocorrem, garantindo-se, igualmente, a participação gradual dos
alunos na gestão dos mesmos, de forma a que, por um lado, se introduzam rotinas que
rentabilizem o trabalho e favoreçam a explicitação de regras comuns e, por outro, que se
permita que esses mesmos alunos possam experimentar e viver, de forma concreta, uma
situação que conduz ao desenvolvimento da sua autonomia e das experiências de cooperação.
O professor como interlocutor qualificado: Contributo para o debate
Seria simplista e ingénuo poder resumir o papel dos professores nas escolas a um
papel que pudesse ser circunscrito, apenas, ao de transmissor de informações e ao de
avaliador da capacidade de reprodução dos alunos. Seria, igualmente, muito fácil e, sobretudo,
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mais cómodo que os alunos fossem seres auto-suficientes do ponto de vista das aprendizagens
a realizar, limitando-se os professores a propor-lhes tarefas que correspondessem às suas
necessidades e interesses.
Os cenários descritos referem-se a dois tipos de narrativas insensatas de conceber o
trabalho docente. Se, no primeiro caso, a importância dos professores se constrói à custa da
menorização dos alunos quer como intérpretes e produtores de significados, quer como seres
capazes de desejar e de decidir, no segundo caso, o trabalho dos professores afirma-se, de
algum modo, como um trabalho que secundariza o contacto com o património cultural comum
para que, deste modo, os alunos se possam revelar. Eis-nos, assim, perante um dos grandes
equívocos educativos das abordagens pedagógicas que enfatizam a auto-educação como
primeir finalidade das escolas, equívoco através do qual se aborda de forma condescendente a
apropriação do património cultural como operação que nos oferece a possibilidade de os
alunos se afirmarem como seres mais inteligentes e socialmente mais capazes.
Proponho pensar o trabalho docente a partir de outros pressupostos e de outros
desafios e exigências profissionais que contribuam para superar as limitações e aos equívocos
destas duas modalidades de configuração do trabalho docente.
Neste sentido, a reflexão a produzir sobre os sentidos e a natureza do trabalho dos
professores terá que ser desenvolvida em torno do tipo de relações que se estabelecem entre
os pólos estruturantes em presença no âmbito de uma acção educativa (professor, aluno e
saber) e não em função da tentativa de identificar qual desses pólos estruturantes é o pólo
mais decisivo para dinamizar aquela mesma acção. Esta deslocação do domínio dos pólos
estruturantes da relação pedagógica para o da valorização da dinâmica e das tensões que
permitem que essa relação aconteça, resulta do facto de se reconhecer que os significados que
atribuímos às coisas, aos factos e aos acontecimentos não se geram a partir do interior da
mente, mas do diálogo que alguém tem oportunidade de estabelecer com o património cultural
que, hoje, temos ao nosso dispor e, por via disso também, com outros seres humanos que
assumem, assim, um papel decisivo como elementos de regulação, de apoio e de interlocução
no âmbito do referido diálogo.
É a partir destes pressupostos que o papel dos professores se configura como o de um
interlocutor qualificado, isto é como o de alguém que tem condições pessoais e culturais para
apoiar de forma activa e intencional o processo de formação pessoal e social dos seus alunos,
não fazendo por eles o que só a eles compete fazer, mas não os deixando entregues a si
próprios sem rumo e sem apoio (COSME, 2009).
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Nesta perspectiva, o professor não é um pastor, mas também não se limita a ser uma
espécie de anjo-da-guarda. Como interlocutor qualificado, o professor passa a ser entendido
como alguém que estimula, negoceia e cria as condições para que os seus alunos adquiram
autonomia intelectual e sócio-moral, tornando-se, assim, capazes de utilizar e de recriar os
instrumentos, as informações e os procedimentos que lhes permitam pensar o mundo que os
rodeia e agir aí de forma informada e eticamente congruente com os valores próprios de uma
sociedade democrática.
Não creio que seja possível continuar a alimentar a crença de que os professores são,
acima de tudo, instrutores. Se foi por via da afirmação do paradigma da instrução que a
profissão se configurou como uma profissão e se afirmou socialmente como tal, importa
compreender que esse paradigma é, hoje, um problema com que os professores se debatem
nos seus quotidianos profissionais.
Nas escolas, deixou de ser possível aceitar, sem problematizar, que esta pudesse
continuar a ser identificada como um contexto onde, mais do que praticar e desenvolver um
conjunto de competências cognitivas, sociais e éticas, se divulgasse, sobretudo, um conjunto
de informações sobre essas práticas (CANÁRIO; ALVES, 2004). Um contexto onde só
fossem aceites tanto as questões daqueles que normalmente já conhecem as respostas, como
as próprias questões para as quais já existem respostas elaboradas, as quais, por sua vez,
tenderiam a ser entendidas como as únicas respostas aceitáveis (CANÁRIO; ALVES, 2004).
Foi, assim, perante um tal universo educativo que aspira a funcionar em torno de um
conjunto de algoritmos pedagógicos e didáticos previamente definidos e validados que, em
reação a este universo, se afirmou uma perspetiva pedagógica alternativa, em função da qual
se afirmou a valorização das aprendizagens dos alunos como o desafio nuclear que as escolas
teriam que enfrentar todos os dias. Ao ato de ensinar, este novo paradigma que designarei por
paradigma da aprendizagem (COSME; TRINDADE,2011) opunha, agora a importância do
ato de aprender.
Ato este que implicava a necessidade de se reconhecer o protagonismo pedagógico dos
alunos que os professores, de acordo com esta perspetiva, deveriam passar a estimular, como
uma das suas competências fundamentais e decisivas. Neste sentido, a profissão docente
passaria a definir-se, sobretudo, como uma atividade de animação e de organização de
ambientes educativos que propiciassem as aprendizagens dos alunos, desvalorizando-se,
assim, o ensino como o eixo identitário dessa atividade e da configuração daquela profissão. É
que, de acordo com esta perspetiva, para além da necessidade de se garantir o protagonismo
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pedagógico dos alunos, os professores deveriam garantir o desenvolvimento de competências
diversas, na medida em que seriam estas que assegurariam, no futuro, que aqueles pudessem
lidar com os desafios e as exigências desse mesmo futuro.
Sendo uma perspetiva interessante, quer por tudo aquilo que anuncia, quer pelo modo
como não ignora as necessidades e as exigências da vida em sociedades que se anunciam
como politicamente democráticas e, igualmente, como sociedades do conhecimento, é,
também, uma perspetiva que não deixa de exprimir algumas vulnerabilidades e limitações que
se afirmam, entre outras coisas, por via da ingenuidade epistemológica que o paradigma da
aprendizagem dá mostras, quando ignora ou, pelo menos, quando ilude as tensões inevitáveis
que se estabelecem entre os indivíduos e o património de saberes já estabelecido e
culturalmente validado. Ingenuidade que, de algum modo, desarma os professores perante os
compromissos que justificam a sua atividade profissional, na medida em que estes, mais do
que assumirem o exercício de um dado tipo de influência educativa como condição do
exercício da profissão, tendem a conceber este exercício em função da organização de
situações e de ambientes que favorecessem as interações a estabelecer com outros, em função
de projetos de intervenção mobilizadores, e, consequentemente, o desenvolvimento de
competências e das aprendizagens que tais situações e ambientes suscitariam.
É perante esta perspetiva, cujo maior equívoco consiste em circunscrever o exercício
de influência educativa à ação de instruir, que se podem compreender algumas das razões que
justificam a configuração da atividade docente como uma atividade de interlocução
qualificada (COSME, 2009).
Assim, recusa-se que os professores possam continuar a ser identificados como
instrutores, mas recusa-se, também, que os professores sejam entendidos, apenas, como
simples animadores ou organizadores de ambientes de aprendizagem. É igualmente limitador
entender que o exercício da influência educativa, exercício central em função do qual se
configura e justifica a profissão docente, seja identificado como um ato de domesticação, o
que significa que, mais do que negar a influência educativa como o nó górdio da atividade
docente, se discuta como é que um tal exercício pode ser condição e oportunidade de
promoção da humanidade dos sujeitos.
Por isso é que um professor não pode fazer pelos alunos aquilo que só aos alunos
compete fazer e, simultaneamente, não pode demitir-se de apoiar esses alunos a fazer o que só
estes podem e devem fazer. Um compromisso que vai obrigar os professores a assumir
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responsabilidades curriculares e, também, a propor projectos, a desafiar os saberes pessoais
dos seus alunos, a confrontá-los com as suas limitações e os seus limites.
A afirmação dos professores como interlocutores qualificados, enquanto resposta que
proponho para se responder às exigências que se lhes colocam numa escola e num tempo de
incertezas, não pode ser entendida como uma resposta pronta e fácil. Exige a assunção, pelos
profissionais de educação, de uma atitude de compromisso ideológicos, culturais e
pedagógicos que estão longe de poder ser entendidos como compromissos universais.
Exige, também, que se afirme que é em torno dos processos de influência educativa
que os professores animam que a reconfiguração da profissão terá que ser abordada, a qual
passa a ser entendida como uma dimensão subordinante das restantes tarefas e desafios que
estes profissionais têm que assumir. Processos esses que, decorrendo do facto desses
professores serem entendidos como interlocutores qualificados, os conduzem a compreender
que a sua função é inestimável para dinamizarem as atividades conducentes a criar as
condições necessárias à aprendizagem dos alunos, passando o seu papel por animar e
estimular processos de comunicação no contexto das salas de aula, garantindo a possibilidade
dos alunos se apropriarem de uma fatia decisiva do património cultural que temos, hoje, ao
nosso dispor.
Neste sentido, do ponto de vista de uma racionalidade pedagógica democrática, a
questão que se coloca não é se o professor deverá valorizar o acto de ensinar ou as actividades
de aprendizagem dos alunos, mas como é que o processo de influência educativa que por si é
dinamizado poderá contribuir para que os alunos possam aprender. Ensinar é, apenas, uma das
modalidades possíveis para dinamizar esse processo, não devendo ser entendida como a única
modalidade de que dispomos para o fazer. Aprender é a finalidade desejada pelos docentes
que, a partir de certo momento, lhes escapa, passando a dizer respeito unicamente aos alunos.
Deste modo, o objecto final do exercício de influência educativa assumido pelos professores
consiste em assegurar as condições que permitam aos estudantes realizar, pelo menos, as
aprendizagens desejadas.
Trata-se de um desafio com o qual se torna difícil lidar, na medida em que o professor
nunca sabe até que ponto é que através do já referido processo de influência educativa se
concretizou o que se esperou concretizar.
Evidencia-se a importãncia da comunicação como determinante para o ato educativo
que depende da qualidade e da pertinência das interações que se estabelecem entre os
professores e os alunos, ou os alunos e os professores entre si, a propósito das relações que se
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estabelecem com o saber, ampliando e complexificando o olhar sobre o mundo.
(TRINDADE; COSME, 2010) As aprendizagens deixam de ser identificadas com o
“desenvolvimento de intercãmbios subjetivos” para serem percepcionadas com o expressão da
“gestão do conhecimento «objetivo»” (BRUNER, 2000, p.90) em função da qual se defende
que as intervenções educativas no seio das escolas devem ajudar os alunos a ampliar esses
processos de relacionamento entre os individuos e os objetos do saber daí que o espaço da
sala de aula deva ser repensado como “uma subcomunidade de discentes recírpocos, com o
professor a orquestrar os processos) (BRUNER,2000, p. 42).
B. Charlot ao propor que cada pessoa é “um sujeito confrontado com a necessidade de
aprender e com a presença, no seu mundo de conhecimentos de diversos tipos” (CHARLOT,
2000, p.33), desafia-nos ao estabelecimento de relacionamentos diversos entre os individuos e
os objetos de saber e entre os individuos e outros individuos, na relação com esses
obejetos,quer no ãmbito da vida que se partilha em comunidade.
Para continuar a discussão...
A prática educadora e a reconfiguração da ação docente passam a ser definidas,
fundamentalmente, pelo reconhecimento da necessidade de ampliar o campo das
possibilidades culturais e cognitivas dos seus alunos, enquanto contributo para o seu
desenvolvimento e a afirmação como pessoas no mundo em que habitamos e desse modo,
possamos afirmar o contributo da escola neste processo mais amplo de formação que crianças,
jovens e adultos vivem nos dias de hoje.
Educar é permitir que o sujeito se reconheça e afirme como um sujeito no seio de uma
comunidade que com ele partilha um património comum.Aprendemos quando partilhamos
utilizamos e recriamos, de forma cooperada, um património cultural (COSME; TRINDADE,
2013).
É tendo tal propósito como referência que, reconhecendo as tensões e os dilemas que
hoje poderão ser entendidos como constitutivos da profissionalidade docente, nos
confrontamos com esse primeiro desafio profissional que resulta da necessidade de se
reconhecerem os saberes e as competências dos alunos e, por outro, pela necessidade de se
definirem quando e como é que se podem estabelecer confrontos e ruturas com esses saberes e
essas competências que forma a que se possam assumir como oportunidades de
desenvolvimento e de aprendizagem desses alunos.
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Mas esse desafio, concomitantemente, deverá conduzir os professores a refletirem
sobre os meandros, as vicissitudes epistemológicas e as particularidades conceptuais da
problemática da gestão do trabalho pedagógico, para que aqueles confrontos e aquelas ruturas
possam ser geridos de forma o mais esclarecida possível, potenciando a existência de um
processo de comunicação fecundo que, a seu modo, contribua para a afirmação de um
processo mais amplo de formação dos alunos nas escolas de hoje.
Um desafio que, como tentei demonstrar neste texto, sendo lido, quantas vezes, como
um desafio técnico e pedagógico, é, sobretudo, um desafio ético. Um desafio que, do ponto de
vista do desenvolvimento de qualquer projeto de redefinição do trabalho docente, confronta
os professores com os sentidos do trabalho que realizam e os valores e as opções axiológicas
que os fundamentam.
REFERÊNCIAS
BARROSO, João. Os Liceus: organização pedagógica e administração (1836-1960). Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian/Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica,
1995.
BRUNER, Jerome. Cultura da educação. Lisboa: Edições 70, 2000.
CANÁRIO, Rui; ALVES, Natália. Escola e Exclusão Social:das promessas às incertezas.
Análise Social, Lisboa, vol. XXXVIII, n.169, p.981-1010, 2004.
CHARLOT, Bernard. Da relação com o saber: elementos para uma teoria. Porto Alegre:
Artmed, 2000.
COSME, Ariana. Ser professor: a acão docente como uma ação de interlocução qualificada. Porto:
LivPsic, 2009.
COSME, Ariana; TRINDADE, Rui. Aprender a aprender na escola: Porquê? Como?
Quando? Pinhais: Editora Melo, 2011.
COSME, Ariana; TRINDADE, Rui. Organização e gestão do trabalho pedagógico: perspetivas,
questões, desafios e respostas. Porto: LivPsic, 2013.
TRINDADE, Rui.; COSME, Ariana. Escola, educação e aprendizagem: desafios e respostas
pedagógicas. Rio de Janeiro: WAK Editora, 2010.
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