Nº 11 | Dom 14 de Julho Falsas memórias C om o passar do tempo, os encontros nas várias edições do Festival parecem ter acontecido numa única edição. Uma senha de café cravada na esplanada da Escola D. António da Costa, uma conversa em portunhol antes do espectáculo começar ou uma série de miradas repartida com portugueses e estrangeiros por igual, a partir da Casa da Cerca, parecem ter tido lugar e ocasião numa entidade mítica transtemporal que seria o Festival de Almada. Não me posso alongar neste espaço sobre as noitadas a dobrar folhetos, os banhos de mar matinais ou os almoços tardios que constituem o festival paralelo, por falta de caracteres, não de carácter. As noites fundem-se umas nas outras, e os dias parecem apenas uma cola viscosa que nos junta aos outros por breves momentos. Com o passar do tempo, os espectáculos, as conversas, os colóquios, os copos, entram nos sonhos a cavalo da noite, e podem até nunca ter acontecido, que nos lembraremos deles para sempre. Jorge Louraço O Joaquim Benite não desdenhava de aprender com os mais novos, não se coibia de ensinar aos mais velhos. António Pescada Alinha amarela S obe ao palco amanhã A linha amarela, o resultado de um projecto de cooperação internacional entre o Teatro de Braunschweig (Alemanha) e o Teatro Z/K/M (Croácia), escrita por duas dramaturgas alemãs (Juli Zeh e Charlotte Roos) e encenada pelo director croata Ivica Buljan. Esta peça distingue-se sobretudo pela forma original como problematiza a contemporaneidade, servindo-se de dois símbolos fundamentais: a vaca Yvonne – a vaca que, no Verão de 2011, fugiu da quinta onde vivia há seis anos e se refugiou nas florestas do sul da Alemanha (e que fez notícia um pouco por todo o mundo, inclusivamente em Portugal, sendo considerada heroína nacional, cuja causa alguns grupos do Facebook apadrinharam) – e a linha amarela, aquela que delimita fronteiras nos aeroportos e noutros equipamentos públicos. A primeira, volvida símbolo de um espírito livre e inconformista; a segunda, representante do sem número de constrangimentos sociais que nos cercam. “A linha amarela toma o pulso da sociedade actual globalizada e descobre corajosamente todas as suas doenças.” Doenças graves, que começam a afectar-nos o juízo. Sem ele, ou com um já muito atordoado, somos incapazes de perceber a limitação da liberdade individual no seio de um sistema global, manipulador e repressivo. Ou a “hipocrisia do humanismo e o conformismo ocidentais, a falta de sentido da designada “arte de protesto”, as consequências da exploração capitalista”. Numa peça cheia de humor e sarcasmo, o que se constrói (ou desconstrói?) é, no fundo, a relação nós-vós e eu-eles. A escritora Juli Zeh comenta a propósito: “A crise económica é o problema mais urgente. Mas, por detrás dele, está o problema de não sabermos como queremos viver juntos na Europa. (…) Aprendemos a comportar-nos como amigos durante as últimas décadas, mas quando surgem os problemas, os velhos preconceitos e antagonismos voltam à tona.” Onde termina a ordem e começa o controlo? Onde acaba a preocupação e tem início a manipulação? Por entre gargalhadas, pensaremos em coisas sérias. A linha amarela Se tirarmos o sol da meia-noite S aara Turunen é uma estrela em ascensão na dramaturgia finlandesa, tendo as suas peças sido traduzidas em inúmeras línguas e estreadas em vários países. História de um coração partido trata da dificuldade de conciliar a dedicação à arte com os ideais de liberdade, felicidade e... identidade. É que o Pai Natal não existe, nem mesmo na Finlândia. As questões de definição História de um coração partido do eu, as adversidades na relação com o outro e as opções de pertença a um grupo e/ou classe social são temas explorados, directa ou indirectamente, neste texto. Uma escrita aparentemente naïf, com referências recorrentes a contos infantis e à cultura pop, compõe o retrato dos jovens artistas e cidadãos da Finlândia, em tudo semelhantes aos demais europeus de vinte e poucos anos. Dia cinzento, homenagem © Luana Santos O ntem foi um dia de tripla homenagem a Joaquim Benite: a apresentação do livro de Maria Helena Serôdio, Joaquim Benite desafiou Próspero... e inscreveu o Mundo no seu teatro; de um documentário sobre a sua encenação testamentária, A última encenação de Joaquim Benite – Não basta dizer “não”, de Catarina Neves; e a entrega do prémio de figura homenageada do Festival deste ano. Recebeu-o a sua “companheira de sempre”, Teresa Gafeira, das mãos da Presidente da Câmara de Almada, Maria Emília de Sousa. Uma homenagem da cidade onde, desde 1978, desenvolveu o corpo da sua actividade teatral e artística – onde “escolheu certo”, nas palavras de Rodrigo Francisco. À apresentação do livro, às 10h30 na Casa da Cerca, pela Rodrigo Francisco, Maria Emília de Sousa e Teresa Gafeira professora Maria João Brilhante, seguiu-se a leitura de depoimentos – memórias, saudades – de artistas e personalidades cujo percurso se cruzou com o de Joaquim Benite, ao longo da sua carreira, longa, de cinquenta anos, como jornalista, encenador, pedagogo e combatente. Às 19h00, na Sala Principal do Teatro que recebeu o seu nome, assistiu-se ao documentário de Catarina Neves, ao último tra- Catarina Neves na apresentação do seu documentário balho do homem “feliz quando estava a trabalhar”, “debilitado fisicamente”, mas de intacta agudeza mental, defrontando-se com o que haveria de ser o seu último desafio profissional. Trabalho cujo rigor e a ciência foram reconhecidos por Luis Miguel Cintra, na sua intervenção no final da apresentação do filme, e que “a população de Almada não esquecerá”, acrescentou Maria Emília de Sousa, em nome da autarquia. “Escolheu-se certo” quando um engano do pessoal da autarquia permitiu que o prémio fosse entregue apenas no final de O principezinho – espectáculo no qual se aprende que é o tempo que perdemos com as coisas que as torna tão importantes para nós. Lembrar-nos-emos que somos “para sempre responsáveis por aquilo que cativámos”, que nos cativou? Carregar na farinheira* O dia de Todos-os-Santos de 1755 foi extraordinário. O mundo de Kant desapareceu soterrado sob os escombros da cidade de Lisboa e depois varrido pela onda e depois queimado pelas chamas que se lhe seguiram. “Opti- mismo?” - pergunta Voltaire. “Como assim?”, se morreram homens, mulheres e crianças, pios como incréus, bons como maus? Que Deus benevolente é este que benevolentemente permite que exista desgraça para permitir que venham ao de cima as melhores qualidades do Homem – a coragem, a piedade, o amor: “o melhor mundo possível”? Questões complicadas, a que a falta de espaço não permite, infelizmente, dar resposta nesta folha informativa. Cândido, o optimista, canta que é “um excelente dia para um auto-de-fé”. Esperemos que sim, e que se passe uma excelente noite de domingo, divertida, no Palco Grande, na companhia da Orquestra Sinfónica Portuguesa e do Coro do Teatro Nacional de São Carlos. * Na gíria teatral, diz-se que os actores “carregam na farinheira” quando exageram. Nós carregamos na farinheira quando a realidade ultrapassa a ficção. AGENDA de amanhã Restaurante da Esplanada Espectáculos Hoje 21H30: Cada sopro Teatro da Politécnica SOPA 22H00: A linha amarela Escola D. António da Costa Palco Grande PRATOS - Entrecosto no forno com batatas - Bacalhau com natas colóquios 19H00: Maestro João Paulo Santos, director musical de Candide Esplanada da Escola D. António da Costa música 21H00: Quarteto de guitarras de Lisboa Esplanada da Escola D. António da Costa Amanhã SOPA PRATOS - Coq au vin - Salada de fusili com atum, camarão, ovos e azeitonas Teatro Filmado 00H00: Hughie e Antes do pequeno-almoço Esplanada da Escola D. António da Costa Escola D. António da Costa Avenida Prof. Egas Moniz ALMADA 2804- 503