1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE INSTITUTO DE ESTUDOS EM SAÚDE COLETIVA PAMELLA DA SILVA SAMPAIO IMPLEMENTAÇÃO DA NOVA REGULAMENTAÇÃO PARA PRESCRIÇÃO E DISPENSAÇÃO DE ANTIMICROBIANOS: POSSIBILIDADES E DESAFIOS RIO DE JANEIRO 2014 2 IMPLEMENTAÇÃO DA NOVA REGULAMENTAÇÃO PARA PRESCRIÇÃO E DISPENSAÇÃO DE ANTIMICROBIANOS: POSSIBILIDADES E DESAFIOS Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Saúde coletiva. Orientadoras: Leyla Gomes Sancho (IESC/UFRJ), em orientação conjunta com Regina Ferro do Lago (ENSP/Fiocruz) RIO DE JANEIRO 2014 3 4 PAMELLA DA SILVA SAMPAIO IMPLEMENTAÇÃO DA NOVA REGULAMENTAÇÃO PARA PRESCRIÇÃO E DISPENSAÇÃO DE ANTIMICROBIANOS: POSSIBILIDADES E DESAFIOS Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Saúde coletiva. Aprovada em: BANCA EXAMINADORA ______________________________________________________________________ PROFª DR. REGINA FERRO DO LAGO ______________________________________________________________________ PROFª DR. MARIA DE LOURDES T. CAVALCANTI ______________________________________________________________________ PROFª DR. GUACIRA CORREA DE MATOS RIO DE JANEIRO 2014 5 AGRADECIMENTOS Seria necessária outra dissertação para conseguir agradecer a todos que de alguma forma me ajudaram a concluir este trabalho, porém começo demonstrando minha gratidão constante à Deus por sempre guiar meu caminho e me permitir ter forças para persistir. Agradeço a meus pais e irmãos por acreditarem em mim mas do que eu mesma acredito e por demonstrarem constantemente isso. À minhas orientadoras, Regina e Leyla, pela paciência e apoio e aos membros da banca de avaliação pelas contribuições dadas para este trabalho. Aos amigos que sempre sabem ceder seu ombro e que de alguma forma contribuíram para a conclusão do trabalho: Daniele, Vanessa, Renata, Alessandra, André e muitos outros que provavelmente nem imaginam que me ajudaram. Por último em particular, gostaria de agradecer a confiança e a amizade do Coronel Carlos Alberto Ramos, sua bondade em permitir que eu adaptasse minha rotina de trabalho com as obrigações acadêmicas foram essências para que este trabalho pudesse ser concluído. Muito obrigada por tudo. 6 RESUMO SAMPAIO, Pamella da Silva. Implementação da nova regulamentação para prescrição e dispensação de antibióticos: possibilidades e desafios. Rio de Janeiro, 2014. Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva) Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014 Estudo em farmácias comunitárias e drogarias no município do Rio de Janeiro para examinar o processo de implantação da nova regulamentação para controle da venda e dispensação de antimicrobianos, tendo como fundamento o modelo de múltiplos fluxos de Kingdon para a formação da agenda de políticas públicas. A partir do modelo de Kingdon, são traçados os mecanismos dentro dos fluxos que motivaram a inserção do tema dos antimicrobianos na agenda de políticas públicas do governo brasileiro, culminando com a publicação da RDC nº20/2011, que altera a prescrição e a dispensação de medicamentos antimicrobianos. Através de entrevistas semiestruturadas com farmacêuticos e utilizando a metodologia de análise de conteúdo, é possível identificar as principais questões suscitadas por esses profissionais em relação a implantação e operacionalização desta regulamentação. Verifica-se a existência de sobreposição de regulamentações, uma vez que preexistem outras normas e leis que regulamentam a prescrição de medicamentos e sua respectiva dispensação, cabendo aos órgãos responsáveis a correta fiscalização dos estabelecimentos farmacêuticos visando ao cumprimento das normas e aumento na segurança e uso racional de medicamentos. Palavras-chave: Antimicrobianos, Modelo dos Múltiplos Fluxos de Kingdon, Uso Racional de Medicamentos. 7 ABSTRACT SAMPAIO, Pamella da Silva. Implementation of new regulations for prescribing and dispensing of antibiotics: challenges and possibilities. Rio de Janeiro, 2014. Dissertation (Masters in Public Health) Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014 Study in community pharmacies in the city of Rio de Janeiro to examine the process of implementing new regulations to control the prescribing and dispensing of antimicrobials, based on Kingdon’s model of multiple streams for formation of the public policy agenda. From Kingdon’s model are plotted mechanisms within the flows that motivated the inclusion of theme of antimicrobials in the Brazilian government’s public policy agenda, culminating in the publication of RDC nº 20/2011 amending the prescription and dispensing of antimicrobial drugs. Through semi-structured interviews with pharmacists and using the methodology of content analysis, it is possible to identify the main issues raised by these professionals regarding the implementation and operation of this regulation. We acknowledge the existence of overlapping regulations, since other rules and laws governing prescription medications and their respective dispensation pre-exist, leaving to responsible sectors the proper inspection of pharmaceutical establishments aimed at enforcing standards, and increasing safety and rational drug use. Keywords: Antimicrobial, Kingdon’s Model of Multiple Streams, Rational Use of Medicines. 8 LISTA DE FIGURAS Fig. I – Ciclo das Políticas Públicas..................................................................21 Fig. II – Modelo dos Múltiplos Fluxos.............................................................24 Fig. III – Sequência auto reforçante..................................................................27 Fig. IV – Linha do tempo KPC.........................................................................62 9 LISTA DE QUADROS Quad. I – Estágios do Ciclo das Políticas..............................................................20 Quad. II – Mecanismos de Desenvolvimento de Resistência Microbiana............33 Quad. III – Regulamentações Pré Política Nacional de Medicamentos................45 Quad. IV – Regulamentações Pós Política Nacional de Medicamentos...............48 Quad. V – Divisão das Regiões fiscalizadas pelo CRF........................................53 Quad. VI – Roteiro de Análise de Conteúdo.......................................................56 10 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS OMS – Organização Mundial de Saúde PNM – Política Nacional de Saúde SUS - Sistema Único de Saúde ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária RDC – Resolução da Diretoria Colegiada KPC - Klebsiellapneumoniae carbapenemase RENAME – Relação Nacional de Medicamentos Essenciais CEME – Central de Medicamentos URM – Uso Racional de Medicamentos DIMED – Divisão Nacional de Medicamentos SNGPC – Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados CRF – RJ – Conselho Regional de Farmácia do Estado do Rio de Janeiro 11 SUMÁRIO 1-INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 14 2 - OBJETIVOS ............................................................................................................. 19 2.1 - OBJETIVO GERAL .......................................................................................... 19 2.2 - OBJETIVOS ESPECÍFICOS ............................................................................. 19 3–O MODELO DE MÚLTIPLOS FLUXOS DE KINGDON ....................................... 20 4- CONSTRUÇÃO DO OBJETO DO ESTUDO – ANTIMICROBIANOS, PORQUE CONTROLAR SEU USO? ............................................................................................ 30 4.1 - ANTIMICROBIANOS ...................................................................................... 30 4.1.1 – CONCEITO .................................................................................................... 30 4.1.2 – BREVE HISTÓRICO DE UTILIZAÇÃO DE ANTIMICROBIANOS ........ 32 4.2– INFECÇÕES BACTERIANAS, O DESENVOLVIMENTO DA RESISTÊNCIA. .......................................................................................................... 32 4.2.1 – RESISTÊNCIA BACTERIANA COMO PROBLEMA DE SAÚDE PÚBLICA ................................................................................................................... 34 4.3 – USO ADEQUADO DE MEDICAMENTOS .................................................... 36 4.3.1 – O QUE É USO RACIONAL DE MEDICAMENTOS .................................. 36 4.3.2 – CAUSAS DO USO INADEQUADO DE MEDICAMENTOS ..................... 37 4.3.3 – USO INADEQUADO DE ANTIMICROBIANOS ....................................... 38 4.3.4 – O CONTROLE DA UTILIZAÇÃO DE ANTIMICROBIANOS .................. 39 5 – LEGISLAÇÕES PERTINENTES AO CONTROLE DE MEDICAMENTOS ....... 43 5.1 - POLÍTICAS DE MEDICAMENTOS – ANTECEDENTES ............................. 43 5.2 - POLÍTICA NACIONAL DE MEDICAMENTOS E LEGISLAÇÕES POSTERIORES .......................................................................................................... 47 6 - ASPECTOS METODOLÓGICOS ........................................................................... 51 6.1 – METODOLOGIA .............................................................................................. 51 12 6.2 – PROCEDIMENTOS:......................................................................................... 58 7 – DETERMINAÇÃO DA AGENDA POLÍTICA – PORQUE CONTROLAR A UTILIZAÇÃO DE ANTIMICROBIANOS AGORA? – RELAÇÕES DO MODELO DE MÚLTIPLOS FLUXOS E A FORMULAÇÃO DA RDC Nº20/2011 .................... 60 7.1 – INTRODUÇÃO DO CONTROLE DE ANTIMICROBIANOS – ANÁLISE DOS TRÊS FLUXOS DE KINGDON ....................................................................... 61 8 – A LEGISLAÇÃO DE CONTROLE DE ANTIMICROBIANOS NO BRASIL – COMO É FEITA? ........................................................................................................... 66 8.1 – A CONSTRUÇÃO DA RDC Nº 20 /2011 ........................................................ 66 8.1.1 – REGULAMENTAÇÃO E ASPECTOS IMPORTANTES ............................ 66 8.1.2 – PORTARIA Nº 344 DE 1998 E SISTEMA NACIONAL DE GERENCIAMENTO DE PRODUTOS CONTROLADOS (SNGPC) ...................... 68 8.1.3 – RDC Nº 20 DE 2011 – ASPECTOS PRESENTES NA REGULAMENTAÇÃO E MEDIDAS DE CONTROLE .......................................... 71 9 - A IMPLANTAÇÃO DA POLÍTICA DE CONTROLE DE ANTIMICROBIANOS SUA REPERCUSSÃO ................................................................................................... 73 10 – PERSPECTIVAS FUTURAS: O QUE PODEMOS ESPERAR ........................... 83 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................... 86 GLOSSÁRIO .................................................................................................................. 94 ANEXOS ........................................................................................................................ 95 13 14 1-INTRODUÇÃO Assim como diversos produtos de consumo disponíveis no mercado, os medicamentos são alvo de várias estratégias de marketing para alavancar suas vendas e aumentar o lucro das indústrias farmacêuticas. Contudo, este produto em particular traz uma questão importante quando se percebe que a utilização de medicamentos está associada a questões éticas e sociais junto a populações fragilizadas e em risco (BARROS, 1986, p.111). Medicamentos, no geral, são produtos com características mercadológicas diferenciadas, devido à sua importância vital para a saúde da população, como afirmam Oliveira, Labra e Bermudez (2006, p. 2379): “O medicamento não é um produto qualquer: ele pode aliviar a dor e salvar vidas.” Sob este ponto de vista, temos a questão particular de que a utilização indiscriminada de antimicrobianos traz uma grande preocupação, uma vez que seu uso inadequado pode gerar, entre diversos problemas, a resistência microbiana. Segundo Fiol et al (2010, p. 68), bactérias e outros microrganismos resistentes podem gerar, como consequência, novas consultas em saúde, maior necessidade de exames diagnósticos, aumento de prescrições e possível aumento de internações hospitalares, ou seja, piora do estado de saúde e aumento dos gastos. Além da automedicação, a má utilização de antimicrobianos pode estar relacionada com outros fatores como prescrições inadequadas e baixa adesão ao tratamento (DAMEH, GREEN; NORRIS 2010, p. 343). Desta forma, a formulação de políticas públicas de saúde que enfrentem tai problemas colaboram para o uso racional de medicamentos. A Organização Mundial da Saúde (OMS) caracteriza a utilização inadequada de antimicrobianos pela população como uma preocupação dos formuladores de políticas públicas: Os antibióticos são medicamentos importantes, mas eles são excessivamente utilizados em automedicação para o tratamento de doenças graves, tais como a diarréia simples, tosses e constipações. Quando os antibióticos são usados, muitas vezes em doses subótimas, as bactérias tornam-se resistentes a eles. Esta é uma grande 15 preocupação para os responsáveis pelas políticas de saúde pública. (OMS, 2004, p.3. Tradução da autora)1 Entre as políticas públicas de saúde brasileiras que objetivam minimizar o uso inadequado de medicamentos, podemos destacar a Política Nacional de Medicamentos (PNM), sancionada pela Portaria nº 3916 de 1998, que tem por objetivo “garantir a necessária segurança, eficácia e qualidade destes produtos, a promoção do uso racional e o acesso da população àqueles considerados essenciais”. (BRASIL, 1998a p.5) Esta não é a primeira medida governamental brasileira que objetiva regulamentar a utilização racional de medicamentos, mas é uma das mais expressivas desde a implantação do Sistema Único de Saúde (SUS), sendo o arcabouço para o desenvolvimento das demais políticas públicas relacionadas a estes produtos. Outra questão importante levantada pela PNM se relaciona diretamente com o papel que o profissional farmacêutico vem a desempenhar junto à população para a promoção do uso racional de medicamentos. Esta preocupação está explícita nos conceitos de dispensação de medicamentos e na questão do acompanhamento farmacoterapêutico, que são reforçados pela Política Nacional de Assistência Farmacêutica (BRASIL, 2004 p.2). A PNM afirma que, “nesse ato (dispensação), o farmacêutico informa e orienta o paciente sobre o uso adequado do medicamento" (BRASIL, 1998a p.34), já o Acompanhamento Farmacoterapêutico constitui "um processo no qual o farmacêutico se responsabiliza pelas necessidades do usuário relacionadas ao medicamento, por meio da detecção, prevenção e resolução de Problemas Relacionados aos Medicamentos (PRM), de forma sistemática, contínua e documentada, com o objetivo de alcançar resultados definidos, buscando a melhoria da qualidade de vida do usuário" (FRANÇA-FILHO et al, 2008, p. 106) 1 “Antibiotics are important drugs, but they are over-prescribed and overused in selfmedication for the treatment of minor disorders such as simple diarrhoea, coughs and colds. When antibiotics are used too often in sub-optimal dosages, bacteria become resistant to them. This is a serious concern to public health policy-makers.” 16 A preocupação com o uso racional de medicamentos, sua inter-relação com o papel desempenhado pelo farmacêutico na dispensação correta dos medicamentos e seu contato direto com a população também são evidentes quando analisamos a Portaria nº344/1998, que abrange o regulamento técnico sobre substâncias e medicamentos sujeitos a controle especial. Alguns medicamentos incluídos nesta Portaria são classificados como entorpecentes, ou seja, “substâncias que podem determinar dependência física ou psíquica” (BRASILb, 1998, p.4). Desta forma implantou-se um controle especifico para estas substâncias de possível uso abusivo em uma tentativa de racionalizar tanto a prescrição quanto a dispensação destes medicamentos. (CAMARGO et al, 2005). Esta portaria constitui um precedente importante na política brasileira de medicamentos ao regulamentar um grupo específico de medicamentos, o que também ocorreu posteriormente, com a regulamentação dos antimicrobianos, objeto deste trabalho. Uma vez que os medicamentos incluídos na Portaria nº 344/98 possuem estreita ligação com problemas de segurança pública, como o tráfico de substâncias ilícitas e dependência física e psíquica dos usuários, parece haver maior fiscalização por parte dos agentes públicos quanto aos medicamentos incluídos nas listagens de controle. Devido a esta questão de segurança, a Portaria nº344/1998 é a legislação referente ao controle de prescrição e dispensação de medicamentos mais conhecida e a que possui mais ações de fiscalização para que os profissionais de saúde respeitem suas normas de execução. Ao longo dos anos, a Portaria nº344/1998 sofreu diversas atualizações, com inclusões, exclusões e modificações nas listas em que os medicamentos são classificados, mas não houve alterações substantivas em suas normas básicas. No que tange aos antimicrobianos, seguindo as tendências mundiais para controle de utilização destes produtos (CAMARGO et al, 2005), em outubro de 2010 a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) publicou a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 44 (BRASIL, 2010) que dispõe sobre o controle destes medicamentos em moldes semelhantes aos daqueles constantes na Portaria nº 344/1998. Posteriormente, para atender às demandas da sociedade e dos órgãos oficiais, como conselhos federais de medicina e farmácia, a RDC 44/2010 foi revogada pela RDC nº 20/2011(BRASIL, 2011). 17 Esta RDC surgiu como uma complementação das políticas de saúde vigentes, com o objetivo de aumentar o controle da utilização de antimicrobianos por pacientes que não estejam internados. Desta forma aparece como uma estratégia do governo para reforçar o uso racional de medicamentos. Contudo, diversas críticas vêm sendo feitas ao longo de seu período de implantação e sua operacionalização inicial passou por adaptações e modificações, com o intuito de garantir o sucesso desta regulamentação. De acordo com as teorias das políticas públicas e o modelo dos múltiplos fluxos de Kingdon (1995) foi necessário que uma janela de oportunidade se abrisse para que o tema controle de antimicrobianos se tornasse uma questão relevante dentro da agenda política do governo e fosse formulada uma nova regulamentação para abranger o tema. Neste caso em particular, o evento decisivo parece ter sido o surgimento no Brasil de bactérias que produzem a enzima Klebsiella pneumoniae carbapenemase (KPC), conhecidas pela sua multirresistência a antibióticos e causadoras de diversas mortes no mundo todo. Quando foram verificados os primeiros surtos destas bactérias no Brasil, em 2009, o governo buscou medidas que contribuíssem para o controle da utilização de antibióticos no país, assim como de ações que poderiam aumentar o uso racional de antibióticos fora das unidades hospitalares, uma das prioridades da OMS, com foco em mudanças no controle da prescrição e dispensação destes medicamentos. Para tal, o modelo seguido foi o já vigente para controle da dispensação de medicamentos entorpecentes e psicotrópicos, a portaria nº 344 de 1998, que estabelece a necessidade de retenção de receita de diversos medicamentos incluídos em suas listas de controle. Desta forma, em 2010 foi publicada a RDC nº 44, primeira a modificar as formas de controle de antimicrobianos, contudo esta regulamentação sofreu muitas críticas de diversos setores da sociedade e finalmente foi substituída em 2011 pela RDC nº 20, objeto deste trabalho. Esta regulamentação, que está até hoje em vigor, busca regular o acesso aos medicamentos antimicrobianos, visto que esta classe de medicamentos possui características especiais em relação à sua utilização e à segurança do paciente. 18 Bactérias, os principais alvos destes medicamentos, possuem a capacidade de desenvolverem resistência após um certo período de utilização de antimicrobianos, o que se tornou um problema de saúde pública mundial e um dos principais focos de atenção da Organização Mundial de Saúde (OMS, 2012). Apesar de ser uma medida importante para diminuir a utilização inadequada de medicamentos antimicrobianos pela população, a implantação desta nova regulamentação recebeu críticas de diversos setores chaves durante seu momento inicial de implantação. Por exemplo, em relação a medidas em paralelo que deveriam ser realizadas para garantir que a população passasse a ter mais acesso a consultas médicas, com o objetivo de ser corretamente diagnosticado com uma infecção e então ter acesso aos antimicrobianos, de acordo com sua indicação clinica correta (GUEDES, 2013). Também não ocorreram ações por parte de governo para educar a população ou informar a respeito das novas mudanças na prescrição e na dispensação destes medicamentos. Estas situações problemáticas afetaram os profissionais prescritores e os dispensadores, aqueles que estão diretamente em contato com a população. Para tentar verificar as principais questões que poderiam prejudicar a implantação da RDC nº 20 de 2011 e as maiores dificuldades durante sua operacionalização, este trabalho se propôs a entrevistar farmacêuticos envolvidos diretamente e indiretamente com a dispensação destes medicamentos. Por meio da análise de conteúdo das entrevistas foi possível verificar as principais críticas, dificuldades e demais questões referentes a essa regulamentação. 19 2 - OBJETIVOS 2.1 - OBJETIVO GERAL Examinar o processo de implantação da nova regulamentação sanitária brasileira para controle da venda e dispensação de antimicrobianos em farmácias comunitárias e drogarias no município do Rio de Janeiro. 2.2 - OBJETIVOS ESPECÍFICOS - Examinar os aspectos que levaram o tema antimicrobianos à agenda política do governo utilizando a teoria dos múltiplos fluxos de Kingdon como referencial. - Examinar as correlações com as legislações e regulamentações pré-existentes com as normas contidas na nova regulamentação de controle da prescrição e dispensação de antimicrobianos. - Identificar, junto aos profissionais envolvidos diretamente e indiretamente com a dispensação de antimicrobianos, quais as dificuldades encontradas operacionalização e implantação inicial desta nova regulamentação. para a 20 3–O MODELO DE MÚLTIPLOS FLUXOS DE KINGDON Existem várias definições para Políticas Públicas. No estudo de Souza (2006) estão destacados os conceitos adotados por diversos autores. Entre eles, Mead (1995) que afirma ser um campo dentro do estudo da política que analisa o governo à luz de questões públicas, já Lynn (1980) define como um conjunto de ações do governo que produzem efeitos específicos. Dye (1984) afirma de forma reducionista, que políticas públicas são “o que o governo escolhe fazer ou não” (SOUZA, 2006). A análise de políticas públicas é um processo complexo e dinâmico, no qual é necessário o estudo de diversos modelos metodológicos para possibilitar o entendimento das ações governamentais. Jenkins (1978) definiu políticas públicas como “um conjunto de decisões inter-relacionadas, tomadas por um ator ou grupo de atores políticos, e que dizem respeito à seleção de objetivos e dos meios necessários para alcançá-los dentro de uma situação específica em que o alvo dessas decisões estaria em princípio, ao alcance desses atores” (JENKINS apud HOWLETT, RAMESH, PERL, 2013, p. 8). Este conceito é útil por reconhecer que as políticas públicas são o resultado de “conjuntos de decisões inter-relacionadas”, em que não é possível analisar situações distintas isoladamente, visto que são necessárias séries de decisões que irão gerar impactos ou resultados significativos. Porém, uma das definições mais utilizadas afirma que a análise de políticas públicas é responsável por responder as seguintes perguntas: “quem ganha o que? Por quê? E que diferença faz?” (LASWELL apud HOWLETT, RAMESH, PERL, 2013, p. 8). Laswell também foi um dos pioneiros nos estudos sobre o ciclo da política pública, em que dividiu seu processo em sete estágios que englobam, não apenas como as políticas são criadas, mas também como deveriam ser geradas e produzidas. Estes estágios seriam os seguintes: Informação, promoção, prescrição, invocação, aplicação, término e avaliação. Nestes estágios é possível visualizar a junção de informações, seu processamento e disseminação pelos responsáveis pela formulação das políticas (policymakers), seguido pela formação de opções pelos envolvidos nas tomadas de decisões políticas. A aplicação destas políticas está relacionada com a determinação de sanções e questões burocráticas envolvidas com seu funcionamento, sendo finalmente encerrada, 21 quando é também possível avaliar seus resultados e se a mesma cumpriu seus objetivos iniciais. (HOWLETT, RAMESH E PERL, 2009). Posteriormente, Brewer desenvolveu uma versão mais simplificada deste ciclo, na qual propõe que para algumas políticas não existe um ciclo definido e que na verdade podem existir diversas sobreposições ou modificações entre políticas que são sucessivas (BAPTISTA E REZENDE, 2011). De acordo com este pensamento, o ciclo das políticas públicas pode ser dividido em cinco fases diferentes, relacionadas com a resolução tomada em relação ao problema. (Quadro I) Quadro I - Estágios do ciclo político Resolução aplicada de problemas Estágios no ciclo político Reconhecimento do problema Montagem da Agenda Proposta de solução Formulação da política Escolha da solução Tomada de decisão política Efetividade da solução Implementação da política Monitoramento dos resultados Avaliação da política Fonte: Adaptado de Howlett e Ramesh e Perl, 2009. Desta forma, é possível visualizar de forma mais acentuada cada etapa do ciclo, de acordo com a vertente estudada. Por exemplo, possibilita o estudo mais aprofundado da definição da agenda (agenda setting) e de como alguns problemas acabam se tornando destaque na configuração e determinação de políticas públicas. A teoria dos múltiplos fluxos é um exemplo de como essa etapa especifica do ciclo das políticas públicas pode ser enfatizada, e teve como origem o estudo de Kingdon sobre a formação da agenda política. A concepção de formulação remonta a uma relação com o ciclo da política pública (Figura I) conforme o próprio Kingdon (1995, p.221) afirma em seus textos: “a formulação de políticas públicas é um conjunto de processos, incluindo, pelo menos: o estabelecimento de uma agenda; a especificação das alternativas a partir das quais as escolhas são feitas; uma escolha final entre essas alternativas específicas, pelo Legislativo ou decisão presidencial; e a implementação dessa decisão”. 22 Figura I Ciclo das Políticas Públicas Fonte: Adaptado de Capela 2004 Segundo Kingdon, a agenda pode ser entendida como “a lista de temas ou problemas que são alvo em dado momento de séria atenção, tanto da parte das autoridades governamentais como de pessoas de fora do governo, mas estreitamente associadas às autoridades. [...] O processo de estabelecimento da agenda reduz o conjunto de temas possíveis a um conjunto menor, que de fato se torna foco de atenção” (KINGDON, 1995, p.222). Para Capela (2004), podem existir três eixos de estudos principais sobre a determinação da agenda: Analise da agenda-midiática (media agenda-setting), agenda política (public agenda-setting) e finalmente agenda de políticas governamentais (policy agenda-settings). O primeiro trata do estudo das questões relevantes à mídia, o segundo eixo relaciona-se com questões pertinentes ao público em geral e à importância que o mesmo dá a essas questões e, por último, são abordadas questões importantes para os atores diretamente envolvidos na definição, ou seja, na formulação de políticas governamentais. Embora sejam eixos de estudos distintos, esses campos não são estáticos, e se inter-relacionam frequentemente. É possível que questões da agenda midiática influencie decisões referentes à agenda de políticas governamentais, por exemplo. 23 A determinação da agenda está intimamente relacionada com o ciclo da política pública, uma vez que é a partir desta abordagem que se pode perguntar por que determinadas questões entram na agenda pública, podendo até se desenvolverem como políticas públicas propriamente ditas e outras questões passam despercebidas e até ignoradas (CAPELA,2004). O modelo dos múltiplos fluxos está focado na determinação da agenda política, e também na formulação das políticas e no processo decisório por trás destas questões. Igualmente pode ser estendido para as demais etapas do ciclo das políticas públicas, uma vez que para Kingdon “antes de analisar a política pública é preciso conhecer o processo que a levou a integrar a agenda governamental, e quais as alternativas de ação estavam sendo consideradas” (GOTTEMS,2010, p 31). No escopo do desenvolvimento de seu modelo, Kingdon apresentou quatro processos principais que abrangem as políticas públicas: “o estabelecimento de uma agenda política, a especificação de alternativas a partir das quais as escolhas serão realizadas, a escolha dominante entre o conjunto de alternativas disponíveis e, finalmente a implementação da decisão” (CAPELA, 2004, p. 15). Sendo que para o modelo dos múltiplos fluxos, segundo Capela, a preocupação de Kingdon estava centrada no que ele chamou de estágios pré-decisórios, que são a formação da agenda e a especificação das alternativas. Para que seja possível entender o modelo dos múltiplos fluxos é preciso conhecer sua origem dentro do modelo da lata de lixo (garbage can model), uma vez que sua originalidade está em fragmentar o processo político. De acordo com Cohen, March e Olsen, no modelo da lata de lixo, todos os atores e as etapas envolvidas na formulação de políticas públicas (soluções, responsáveis pela tomada de decisão, escolhas, etc) são “correntes independentes e exógenas que fluem por meio de um sistema” (MARCH & OLSEN, p.137,2008). Para Kingdon, as etapas do desenvolvimento de uma política pública podem ocorrer de forma independente, mas não necessariamente serão sequenciais ou cronológicas. O modelo transforma o ciclo da política pública em algo fluido em que diversos caminhos, informações ou fenômenos podem ter influência no processo decisório de definição de agenda e do processo político como um todo (GOTTEMS, 2010, p 32). 24 Kingdon desenvolveu seu modelo por meio da concepção de fluxos que convergem para a criação de uma “janela de oportunidade”, que aumenta significativamente a possibilidade de um assunto passar a integrar a agenda de decisão. A estrutura deste modelo pode ser esquematizada em três fluxos dinâmicos (Figura II). O fluxo dos problemas (problems), o das alternativas (policies) e o fluxo político (politics), que pela ação de diversos atores, visíveis e invisíveis podem ser acelerados e convergirem para a determinação da agenda de decisão. Conforme Kingdon ressalta: “janelas abertas apresentam oportunidades para que haja uma ligação completa entre problemas, propostas e políticas, e assim criam oportunidades de introduzirem pacotes completos com os três elementos para o topo das agendas de decisões” (KINGDON, 1995, p.238). O fluxo dos Problemas tenta analisar por que algumas questões se tornam problemas e chamam a atenção de autoridades governamentais, para Kingdon isso aconteceria através da análise de indicadores, da ocorrência de eventos, crises e experiências pessoais e por último do feedback de ações governamentais. (KINGDON, 1995, p.227). Estes mecanismos poderiam transformar questões (ou situações) em problemas no momento que são capazes de levarem os formuladores de políticas a pensarem que devem fazer algo para mudá-las. As ações dos formuladores irão depender de seu entendimento, percepção e definição dos problemas. O acompanhamento por meio de indicadores possibilita que a magnitude desses problemas seja analisada ou demonstrar outras questões que ainda não haviam sido visualizadas. Da mesma, forma, eventos e crises reforçam a existência de um problema (GOTTEMS, 2010, p. 34) e finalmente, o feedback possibilita que o próprio governo, por meio de ações governamentais identifique os problemas que integram ou integrarão a agenda. “O reconhecimento do problema é um passo crítico para o estabelecimento de agendas. As chances de uma dada proposta ou de certo tema assumir lugar de destaque em uma agenda são decididamente maiores se elas estiverem associadas a um problema importante” (KINGDON, 1995, p. 228). 25 Figura II - Modelo dos Múltiplos Fluxos FLUXO DAS ALTERNATIVAS (POLICE STREAM) JANELA DE OPORTUNIDADE CONVERGÊNCIA DOS FLUXOS FLUXO DOS PROBLEMAS FLUXO DAS POLÍTICAS (PROBLEM STREAM) (POLITICAL STREAM) Formação da Agenda Fonte: Adaptado de Gottems Et Al 2013 Em relação ao fluxo das alternativas ou fluxo das políticas públicas são apresentadas uma série de ideias, alternativas, propostas e soluções para os problemas, geradas por grupos de especialistas. Tais ideias podem ser utilizadas ou serem descartadas como opções dentro da dinâmica política. Kingdon explicou o surgimento das alternativas através de uma analogia com o processo de seleção natural. Nesse caso, as ideias e alternativas flutuam em um caldo primordial de politicas (policy primeval soup) semelhante às moléculas que flutuam no “caldo primordial” biológico (KINGDON, 1995, p. 232). Capela ressalta que neste caldo algumas ideias permanecem intactas e outras se modificam, podendo se combinar para criar novas ideias ou ainda serem descartadas (CAPELA, 2004, p. 23). Durante esse processo as ideias podem se apresentar viáveis, tanto tecnicamente quanto em relação aos custos, e ainda contar com a aceitação do público e dos formuladores de políticas. Este pequeno grupo de ideias selecionadas acaba sendo levado ao topo do policy primeval soup e finalmente passa a ser alvo efetivamente das considerações dos integrantes do processo decisório (CAPELA, 2004, p. 24). Em relação ao fluxo político, Kingdon afirma que três aspectos são fundamentais para que um problema seja reconhecido como importante para integrar e influenciar a agenda política. 26 Segundo Capela (2004), o clima nacional (national mood) caracteriza-se como uma situação em que uma questão é compartilhada por diversas pessoas, tornando possível que esta questão seja aceita como parte da agenda política. Ideias que não estão dentro de um consenso são mais facilmente descartadas e por isso acabam não integrando as agendas. A organização das forças políticas é outro aspecto importante para a determinação da agenda. As forças políticas podem ser compreendidas como as pressões exercidas pelos grupos que irão auxiliar os formuladores de políticas a visualizarem se uma determinada questão tem força ou não para ser introduzida na agenda.Com outras palavras, são as pressões exercidas pelos grupos políticos que constroem as arenas políticas e viabilizam a formulação de políticas relacionadas com as questões estudadas. É necessário que os grupos de interesse estejam de acordo para que o ambiente se torne favorável a uma questão e ela seja inserida na agenda política. O último aspecto importante no fluxo político se relaciona com as mudanças que ocorrem no próprio governo. Qualquer mudança em áreas estratégicas pode abrir espaço para que uma questão seja inserida na agenda, independentemente de serem relativas à modificação de pessoas na estrutura governamental, o chamado turnover, assim como mudanças de gestão ou na própria composição do governo. A modificação do governo possibilita a introdução ou restringe a entrada de um novo tema na agenda. Em determinados momentos os três fluxos podem convergir e abrir o que Kingdon denomina de janela de oportunidade, que é a junção perfeita entre o reconhecimento de um problema, a disponibilidade de uma solução para ele e a vontade política para que a mudança ocorra. Para Kingdon as principais influências para que a janela de oportunidade se abra estão relacionadas com o fluxo de problemas e o fluxo político, uma vez que é através dos empreendedores de políticas (entrepreneurs), “pessoas dispostas a investir recursos para promover políticas que possam lhes favorecer” e que “são motivados por combinações de diversos elementos”, que estes fluxos conseguem se conectar (KINGDON, 1995 p. 238). 27 Os empreendedores de políticas são peças fundamentais porque ajudam a enfatizar situações relacionadas com os fluxos das políticas. Isso pode ocorrer através da pressão exercida para a definição de um problema, podem incentivar feedbacks em relação ao desempenho do governo atual e, principalmente, no que se refere às propostas, podem influenciar no processo de tomada de decisões. Conforme afirma Kingdon (1995), seu objetivo é “convencer o público em geral, os públicos especializados e a própria comunidade de formuladores de políticas”. É importante explicitar que os empreendedores não são os únicos atores envolvidos no desenvolvimento e concepção da agenda política. Dentro do modelo de múltiplos fluxos, podemos caracterizar os atores como visíveis e invisíveis. O primeiro grupo inclui atores que recebem atenção direta da imprensa e do público, como o presidente e assessores, membros do congresso, a mídia e partidos políticos, e são os responsáveis diretos pela definição da agenda. Em contrapartida, grupo de atores invisíveis inclui membros da academia, burocratas e funcionários do Congresso que apresentam uma maior capacidade para influenciar a determinação das alternativas (KINGDON, 1995, p.230). Ainda no âmbito das teorias de políticas públicas podem ser abordados, para auxiliar o entendimento do processo de formação da agenda política e criação das políticas públicas, os conceitos e as teorias e estudados por Pierson a respeito da dependência de trajetória (path dependence). Segundo os institucionalistas históricos (MULLER e MORAIS, 2013) todas as escolhas feitas, quando há a criação de uma política pública, agem de forma a constranger o desenvolvimento futuro desta política, o que de alguma maneira pode dificultar mudanças subsequentes. Para Pierson (2000, p.252), no momento que uma trajetória é escolhida faz-se necessário um esforço muito grande ou algum tipo de força externa para que haja alteração do curso das instituições (ou políticas) posteriormente. Como ressalta Muller e Morais (2013, p.5) a dependência de trajetória é “a ferramenta analítica utilizada para entender a importância de sequencias temporais sobre o desenvolvimento dos processos políticos”. Pierson (2000, p.252) ainda afirma que a continuidade nesta trajetória escolhida agrega fatores que aumentam a atração para continuar neste trajeto especifico (increasing returns), o que cria um ciclo de auto-reforço (Figura III). Desta forma, a 28 possibilidade de migrar para uma alternativa torna-se cada vez menos provável, visto que os custos desta mudança aumentam com o tempo, predominando mudanças que se resumem a ramificações desta trajetória já estabelecida anteriormente. A dependência de trajetória (PIERSON, 2000) torna clara a ideia que as variáveis politicas apresentadas em determinadas situações são resultados de decisões anteriores dos atores envolvidos. Como as opções tornam-se limitadas por essas escolhas anteriores, toda a direção das ações futuras também se torna limitada. Segundo Pierson (2000), a dependência de trajetória pode acontecer quando uma política possui resultados relacionados de forma aleatória a questões do início de sua formulação e implantação. Estes resultados são dependentes de escolhas feitas durante momentos intermediários, o que torna possível afirmar que estes são consequência de uma decisão prévia que reforçou a si mesma, e que resultou nos efeitos futuros observados (MULLER e MORAIS, 2013). Figura III – Sequência auto-reforçante A B B BBBB C Momento inicial (opções variadas) Momento crítico (Escolha de uma opção Auto-reforço (feedback positivo) frente as outras) Fonte: Adaptado de Mahoney, 2000. No presente estudo utilizou-se a teoria dos múltiplos fluxos de Kingdon e a dependência de trajetória de Pierson como referencial para a análise da regulamentação relativa ao controle da prescrição e dispensação de antimicrobianos emitida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária em 2011. A Resolução da Diretoria Colegiada 29 (RDC) nº 20/2011 reformulou as normas de o controle de tais medicamentos em todas as farmácias e drogarias privadas e das farmácias do programa Farmácia Popular do Brasil. Mas por que alterar a prescrição e a venda de tais medicamentos neste momento? Quais os fatores e ações que influenciaram a formação de uma agenda política que inclui novas formas de controles destas classes de medicamentos no momento atual? É preciso conhecer e entender algumas características dos antimicrobianos para que seja possível traçar o panorama e sua entrada na agenda política até o momento de sua formulação e os primeiros impactos de sua implementação, conforme será discutido a seguir. 30 4- CONSTRUÇÃO DO OBJETO DO ESTUDO – ANTIMICROBIANOS, PORQUE CONTROLAR SEU USO? 4.1 - ANTIMICROBIANOS 4.1.1 – CONCEITO A RDC nº20/2011 refere-se em seu texto acerca do controle da prescrição e dispensação de medicamentos classificados como antimicrobianos, uma vez que em sua lista estão presentes, em sua maioria, medicamentos antibióticos, mas também antifúngicos e antiprotozoários. É importante salientar a diferença de conceitos entre os termos antimicrobianos e antibióticos, sendo que a própria regulamentação apresenta em seu glossário a descrição do termo antimicrobiano, que seria a “substância que previne a proliferação de agentes infecciosos ou microrganismos ou que mata agentes infecciosos para prevenir a disseminação da infecção” (BRASIL, 2011). De forma geral o termo antimicrobiano é empregado de forma genérica, o que engloba além das substâncias que atuam em bactérias, aquelas que iram interferir no crescimento e/ou multiplicação de outros microrganismos como vírus, fungos e parasitas. A classificação dos antimicrobianos em grupos é muito dificultada pela existência de exceções e sobreposições nas classificações. A mais utilizada baseia-se na estrutura química e no mecanismo de ação destas substâncias, que os divide nos seguintes grupos: agentes que inibem a síntese da parede celular bacteriana, agentes que atuam diretamente sobre a membrana celular do microrganismo, agentes que afetem a função das subunidades ribossômicas 30S2 ou 50S, agentes que se ligam à subunidade 30S e alteram a síntese de proteínas, agentes que afetam o metabolismo bacteriano dos ácidos nucléicos, antimetabólitos, antivirais. Contudo, Fuchs (1988) divide os antimicrobianos de acordo com os microrganismos patogênicos que irão atuar, nos seguintes grupos: antibacterianos, antifúngicos, antivirais, antiprotozoários e antihelmínticos. 2 Nos procariotos, as unidades responsáveis pela síntese de RNA são divididas em ribossomos com subunidades 30S ou 50S. O S é uma abreviação da unidade Swedberg e os números são as velocidades de sedimentação dos mesmos. 31 Para garantir o sucesso do tratamento antimicrobiano alguns fatores são necessários. Primeiramente deve-se avaliar a qualidade das defesas do hospedeiro; em indivíduos que estejam com suas defesas naturais ativas a ação do antimicrobianos poderá ser apenas bacteriostática, impedindo assim a continuidade do crescimento e reprodução dos microrganismos. Porém naqueles indivíduos com defesas comprometidas é necessário empregar medicamentos com características bactericidas, destruindo o microrganismo por completo. Nos dois casos é necessário garantir que a concentração do antimicrobiano no local de ação seja a mínima necessária para possibilitar sua ação e evitar qualquer efeito tóxico para as células do organismo hospedeiro. Quando se consegue atingir esse objetivo afirma-se que o microrganismo é sensível ao medicamento, porém quando níveis elevados de antimicrobianos se fazem necessários para atingir o microrganismo e seus efeitos tornam-se tóxicos e/ou ineficientes, temos o que é chamado de microrganismo resistente. (CHAMBERS, 2005). Como a maior parte das substancias incluídas na lista da RDC nº20/2011 são antibióticos é importante abordar o conceito do termo e quais os mecanismos relacionados com o desenvolvimento de resistência bacteriana. Antibióticos são substancias que conseguem impedir a reprodução de bactérias ou causar sua destruição, sem que haja resultados tóxicos para o foco da infecção, seja em seres humanos ou animais. São substâncias naturais produzidas por microrganismos como fungos e actinomicetos, mas englobando atualmente substancias sintéticas produzidas pela indústria farmacêutica como as sulfonamidas e quinolonas (CHAMBERS, 2005). Segundo Chambers (2005), os antibióticos diferem de forma acentuada em suas propriedades químicas, físicas e farmacológicas, além do seu espectro de ação antibacteriano e nos diversos mecanismos de ação, o que permitiu o emprego destas substâncias no tratamento de diversas infecções causadas por microrganismos diferentes de acordo com suas propriedades e mecanismos de ação. 32 4.1.2 – BREVE HISTÓRICO DE UTILIZAÇÃO DE ANTIMICROBIANOS Muitos estudos sobre a possibilidade de tratamento de infecções bacterianas são realizados desde épocas muito remotas. A era moderna dos antimicrobianos começou em 1936 com a introdução das sulfonamidas para o uso clínico. Alexander Fleming descobriu a ação da penicilina em bactérias em 1928 e com isso deu início a um processo de revolução na forma que as infecções bacterianas eram tratadas, porém o uso clínico da penicilina só começou em 1940 graças à pesquisa e a produção em larga escala desse medicamento por Florey e Chain (PEREIRA, PITA, 2005). Os anos de 1940 e 1950 são chamados os anos dourados dos antimicrobianos, porque a partir deste momento diversos outros medicamentos desta classe começaram a ser pesquisados e utilizados no tratamento de infecções. Sua produção em larga escala pelas indústrias farmacêuticas e posterior comercialização revolucionou a medicina e a forma que os medicamentos são vistos e utilizados pela população em geral. (PEREIRA, PITA, 2005) 4.2– INFECÇÕES BACTERIANAS, O DESENVOLVIMENTO DA RESISTÊNCIA. A constatação que os microrganismos poderiam se adaptar aos antimicrobianos gerando resistência a esses medicamentos é uma preocupação desde o início da utilização dos mesmos. Contudo, esta preocupação não foi suficiente para evitar que diversos microrganismos resistentes, principalmente bactérias, fossem surgindo, tanto em meio hospitalar quanto na comunidade. A resistência é um fenômeno natural explicado cientificamente por diversos mecanismos, sendo regida pelo princípio da evolução e adaptação genética, em que uma população de microrganismos, como bactérias, irá reagir de forma adaptativa aos estímulos ambientais encontrados. Como a reprodução destes microrganismos se dá de forma muito rápida, em questão de horas podem ser observadas modificações genéticas que podem acarretar resistência. (ROSSI, ANDREAZZI, 2005) A resistência a antimicrobianos pode se dar de três formas principais. A primeira ocorre quando o princípio ativo do medicamento não atinge o alvo de sua ação, devido a 33 alterações da membrana externa das bactérias (mais especificamente às alterações nos canais de porinas dessas membranas), por modificações na membrana celular da bactéria ou ainda por bombas de efluxo3que alteram a concentração do fármaco através de transporte ativo do meio intracelular para o meio extracelular da célula bacteriana. O segundo mecanismo está relacionado com a falta de atividade apresentada pelo princípio ativo, ou seja, pela inativação do medicamento que vai ocorrer quando houver a presença de enzimas que inativam os antimicrobianos ou ainda impedem que o metabolito inativo do antibiótico seja convertido no metabolito ativo e desempenhe sua função. E por último, há o desenvolvimento de resistência quando o alvo da ação do medicamento é alterado. Esse mecanismo ocorre por mutação do alvo, sua modificação ou substituição por um alvo resistente que não realiza ligação ao fármaco. Todos esses mecanismos de resistência surgem através de mutação ou seleção, que ocorrem de forma vertical às células-filhas geradas. Outra forma extremamente comum de mutação capaz de gerar mecanismos de resistência é a transferência horizontal de determinantes de resistência. Essa transferência ocorre através de célula doadora, normalmente de outra espécie bacteriana, que irá transferir material genético para a célula bacteriana alvo, podendo ocorrer através de mecanismos de transdução, transformação e conjugação (Quadro II) (CHAMBERS, 2005). O surgimento da resistência é mais acentuado quando a população de bactérias fica exposta de forma constante a antibióticos. Mesmo com a indicação e utilização correta de medicamentos antibióticos é possível verificar o desenvolvimento de mecanismos de resistência, o que dificulta o monitoramento e o controle de infecções bacterianas. Somam-se a essas questões o uso inadequado de medicamentos, a prescrição inadequada e a pressão da indústria farmacêutica na utilização de antimicrobianos no mundo todo, apenas como alguns exemplos de problemas que podem ser encontrados que impedem o controle efetivo das infecções bacterianas e que transformaram a resistência bacteriana num problema de saúde pública mundial (ROSSI, ANDREAZZI, 2005) 3 É quando ocorre o bombeamento ativo de antibióticos do meio intracelular para o extracelular, produzindo resistência a certos medicamentos desta classe. ANVISA 2014 34 Quadro II - Desenvolvimento de resistência bacteriana MECANISMOS DE DESENVOLVIMENTO DE RESISTENCIA Mecanismo que constitui a base do modelo molecular da resistência de diversos organismos. Ocorre através de alteração do gene que codifica uma proteína-alvo, uma proteína de transporte, uma proteína relacionada com a MUTAÇÃO ativação do alvo, ou ainda um gene regulador ou promotor da expressão do alvo. TRANSDUÇÃO Aquisição de DNA bacteriano por um bacteriófago que incorpora material de uma bactéria hospedeira anterior. TRANSFORMAÇÃO Captação e incorporação de material genético livre no ambiente para o genoma do hospedeiro CONJUGAÇÃO Passagem de genes de uma célula para outra através do contato direto. Fonte: – Adaptado de Chambes 2005 4.2.1 – RESISTÊNCIA BACTERIANA COMO PROBLEMA DE SAÚDE PÚBLICA O desenvolvimento dos medicamentos e a evolução da medicina ao longo dos anos aumentaram em muito a sobrevida de pacientes com diversas doenças, em particular aqueles com infecções bacterianas. Contudo, a utilização constante e desenfreada dos antimicrobianos acelerou o aparecimento de diversos microrganismos resistentes e multirresistentes, o que acabou gerando problemas para os serviços de saúde, que precisam ampliar a utilização de novos fármacos para o tratamento dessas doenças e lidar com uma consequente restrição do arsenal terapêutico disponível. (ROSSI, ANDREAZZI, 2005) Os organismos multirresistentes são aqueles resistentes às diferentes classes de antimicrobianos e são definidos pela comunidade cientifica internacional. Eles se tornaram a maior causa dos problemas relacionados a resistência bacteriana e um dos principais motivos dela ser considerada um grande problema de saúde pública mundial. Alguns exemplos de microrganismos multirresistentes são: Enterococcus spp, Staphylococcus spp, Pseudomonas aeruginosa, Acinetobacter baumanii, 35 Enterobacteriacea, Enterobacteriaceae produtora de betalactamase de espectro expandido (ESBL), Streptococcus pneumoniae, Klebsiella pneumoniae (COVISA,2010). Independente de o medicamento ser utilizado de forma correta ou incorreta o a rapidez do surgimento de mecanismos de resistência está associada com a proporção da utilização desses medicamentos. “A utilização intensiva exerceu uma pressão seletiva crescente no meio, acelerando o desenvolvimento pelas bactérias de formas de adaptação e resistência aos princípios antibióticos que são transmitidos vertical e horizontalmente” (DIAS, MONTEIRO, MENEZES,2010 p.2). Como consequência do crescimento da resistência bacteriana, os gastos com tratamentos de saúde e com internações elevam-se exponencialmente, trazendo outras questões importantes, como o aumento da mortalidade causada por infecções bacterianas hospitalares resistentes, que na Europa ultrapassa de 25.000 mortes por ano (OMS, 2012). Outras questões, relevantes são a perda de produtividade, o aumento da morbidade/mortalidade adicional para o paciente, a necessidade de utilização de medicamentos novos com espectro terapêutico cada vez mais estreito. Ademais, há uma dificuldade no desenvolvimento de novas substancias ativas que se mostrem realmente efetivas no tratamento de infecções resistentes. Por essas e outras razões a resistência bacteriana atualmente é considerada pela OMS um problema de saúde pública mundial, sendo necessário buscar formas para se prevenir o surgimento e disseminação desses microrganismos, por meio de programas e recomendações de atuação para os governos mundiais, com consequente formulação de políticas públicas que minimizem os danos causados por essas infecções. Entre as principais recomendações estão a vigilância da resistência aos antimicrobianos; a promoção uso racional dos antimicrobianos, incluindo a educação dos profissionais de saúde e do público com respeito ao uso apropriado desses medicamentos; a criação ou aplicação de normas destinadas a coibir a venda de antimicrobianos sem prescrição; o cumprimento estrito das medidas de prevenção e controle das infecções, tais como lavar as mãos, sobretudo nos serviços de saúde. (ANVISA,2012) 36 4.3 – USO ADEQUADO DE MEDICAMENTOS A busca pelo uso adequado de medicamentos é essencial para garantir um desfecho de tratamento seguro para o paciente sob tratamento farmacológico. Para tanto, é necessário colocar em prática o conceito de uso racional de medicamentos, assim como as recomendações sobre o tema emitidas pela Organização Mundial da Saúde e por órgãos reguladores nacionais e internacionais. 4.3.1 – O QUE É USO RACIONAL DE MEDICAMENTOS No ano de 1985, a Organização Mundial da Saúde realizou em Nairóbi a Conferência Mundial sobre o Uso Racional de Medicamentos. Nesta conferência foi estabelecido o conceito de uso racional de medicamentos e adotadas diversas diretrizes para que as nações signatárias pudessem alcançar o objetivo de promover o uso racional de medicamentos (OMS, 1986). A realização da conferência foi motivada por alguns fatos observados ao longo dos últimos 30 anos, quando ocorreu a expansão da indústria farmacêutica. Constatouse que muitos dos medicamentos lançados no mercado não apresentavam vantagem terapêutica significativa, em relação aos que já eram comercializados, além do aprofundamento da mercantilização da saúde, priorizando um sistema de saúde curativo e não preventivo (PINTO DOS SANTOS, 2013) Outro alvo de atenção era o crescente fenômeno de “medicalização da vida”, em que por necessidade de ampliação do mercado consumidor, as indústrias passaram a “ofertar” bem-estar e felicidade por meio do uso de medicamentos. Como consequência, novos medicamentos foram lançados no mercado para doenças e síndromes que até o momento não possuíam diagnóstico preciso e indicação real de tratamento, como o déficit de atenção e a disfunção sexual. Com a possibilidade de oferta destes novos tratamentos as empresas produtoras obtiveram sucesso financeiro. (SOBRAVIME, 2001). Diversas metas sobre o uso racional do medicamento foram estabelecidas na conferência, inclusive o conceito de uso racional de medicamentos que afirma que “existe uso racional quando os pacientes recebem os medicamentos apropriados à sua 37 condição clínica, em doses adequadas às suas necessidades individuais, por um período de tempo adequado e ao menor custo possível para eles e sua comunidade” (OMS, 1986). Alguns dos pontos básicos abordados na conferência apontavam a necessidade dos países centrarem as ações nos seguintes aspectos: legislação, programas nacionais de medicamentos essenciais, formação teórica e prática para o profissional de saúde. Além disso, foram estabelecidas as responsabilidades dos governos pertinentes ao uso racional, como: (i) a formulação de políticas farmacêuticas nacionais, (ii)a implantação e manutenção dos programas de medicamento essenciais, (iii)a garantia da objetividade das informações farmacêuticas nos países, (iv)o fortalecimento das autoridades responsáveis pela regulamentação farmacêutica, objetivando um registro adequado dos medicamentos, (v) a adoção de medidas para reduzir o preço dos medicamentos, sem comprometimento da sua qualidade, (vi) a utilização de medicamentos genéricos, (vii) o estabelecimento de responsabilidades profissionais relativas a prescrição e dispensação de medicamentos com subsídios para melhorar as práticas de prescrição e (viii) o acesso a distribuição de medicamentos, entre outros (OMS,1986). Além dos governos, foram atribuídas responsabilidades a outros segmentos que possuem estreita relação com a utilização de medicamentos. A indústria farmacêutica deveria divulgar informações fidedignas para todos os envolvidos com a utilização de medicamentos, garantir boas práticas de fabricação, atender às necessidades dos países em desenvolvimento de acesso a fármacos com custos acessíveis e para doenças negligenciadas. No relatório da conferência também é possível observar a identificação de responsabilidades de médicos, usuários de medicamentos, universidades e órgãos de fomento, meios de comunicação e da própria OMS (1986). Todas essas responsabilidades objetivam o uso racional de medicamentos, que é uma das grandes estratégias dos governos mundiais quando se trata especificamente de antibióticos, com o intuito de conter o desenvolvimento da resistência bacteriana. 4.3.2 – CAUSAS DO USO INADEQUADO DE MEDICAMENTOS 38 O uso inadequado de medicamentos pode ocorrer de diversas formas. Pela automedicação, pelo uso abusivo de medicamentos, com ou sem prescrições médicas, pela prescrição inadequada de um medicamento por um profissional de saúde e ainda pela utilização fora das recomendações de utilização dadas pelos fabricantes. Nestes dois últimos casos, principalmente, a utilização inadequada pode ocorrer tanto com pacientes ambulatoriais, como internados, o que expande o grau de comprometimento da saúde da população exposta. Segundo Aquino (2008), entre as possíveis causas da automedicação pela população brasileira está o difícil acesso a consultas médicas, que ocorre devido a pouca disponibilidade dos serviços de saúde, baixo poder aquisitivo da população, facilidade de obtenção de medicamentos sem o pagamento de consultas e sem a necessidade de apresentação de uma receita médica. O alto consumo de medicamentos e o consumo inadequado não se restringe apenas às camadas menos privilegiadas da população por ser “uma herança cultural, de forma instintiva sem qualquer base racional, pela facilidade de acesso, dentre outros” (AQUINO,2008). 4.3.3 – USO INADEQUADO DE ANTIMICROBIANOS Existem diversos fatores que contribuem para o uso inadequado de medicamentos antimicrobianos seja em meio hospitalar ou no tratamento de pacientes em regime ambulatorial. Os laboratórios e indústrias farmacêuticos tentam ampliar a prescrição médica e o uso dos medicamentos comercializados, independente de sua classe terapêutica. Para tanto, utilizam diversas estratégias para captar médicos que prescrevam seus medicamentos. Entre essas estratégias podemos destacar o marketing farmacêutico, uma vez que a maior parte das informações obtidas pelos médicos são disponibilizadas por profissionais representantes destas indústrias. De acordo com Mota et al (2010) outro aspecto importante que se relaciona diretamente com o marketing farmacêutico diz respeito a distribuição de amostras de antimicrobianos e com a ampla disponibilidade de compra desses medicamentos em farmácias antes da publicação da RDC nº20/2011, que facilitava a utilização indiscriminada e automedicação pela população. 39 É importante destacar que o uso inadequado de antimicrobianos não ocorre apenas quando não há prescrição médica. Os antimicrobianos são uma das classes de medicamentos mais utilizadas no mundo e segundo a OMS mesmo quando há prescrição, em 50% dos casos ocorre o emprego desnecessário desses medicamentos (OMS, 2010). Alguns dos fatores que contribuem para o uso inadequado de antimicrobianos quando há o acesso a consultas médicas são (MOTA et al, 2010) a dúvida diagnóstica entre infecções bacterianas e virais, a ideia de que o tratamento com um antimicrobiano de amplo espectro apresenta mais eficácia que outros antimicrobianos com espectro reduzido, favorecendo o desenvolvimento de resistência microbiana e falha terapêutica. Além disso existe a possibilidade do uso empírico dos antimicrobianos, que pode ocorrer com frequência devido à ausência da disponibilidade de exames diagnósticos, ou interpretação inadequada dos resultados de culturas e antibiogramas e ainda por desconhecimento da epidemiologia do agente mais comum em determinado local de infecção. Outro problema enfrentado diz respeito ao desconhecimento da prescrição dos antimicrobianos em relação a doses e intervalos de administração dos medicamentos, que facilita o aparecimento de reações adversas nos pacientes. Independente da causa da utilização inadequada do antimicrobianos medidas devem ser implementadas para auxiliar em sua redução. A publicação da RDC nº20/2011 é um exemplo de ação que busca reduzir a utilização indiscriminada destes medicamentos pela população e aumentar a segurança da utilização dos antimicrobianos, contudo conforme foi relatado, é necessário a implementação de ações que melhorem a qualidade das prescrições médicas para garantir a efetividade dos tratamentos. 4.3.4 – O CONTROLE DA UTILIZAÇÃO DE ANTIMICROBIANOS A OMS acredita, segundo sua publicação sobre resistência microbiana (OMS, 2012), que existem muitas ações possíveis para diminuir o uso desnecessário de antimicrobianos, porém a principal dificuldade está justamente em colocar tais ações em pratica, visto que são necessários alguns fatores fundamentais, como liderança política 40 para se alcançar tais objetivos. Entretanto, um maior compromisso dessas lideranças políticas, no que se refere à formulação de políticas de controle, tem sido um obstáculo para esta questão. Diversos países têm criado novas políticas de controle para a utilização desta classe de medicamentos e alterado seus protocolos clínicos para se adaptarem às recomendações da OMS, contudo ainda existe um grande caminho a ser percorrido. Na América do Sul, historicamente há pouco controle da utilização de medicamentos e em diversos países há alguns exemplos importantes para reverter a situação. O Chile, desde 1999, adota medidas que tornaram obrigatória a apresentação de receita médica para a dispensação de antimicrobianos nas farmácias privadas. Além disso, foi realizada uma campanha por parte do governo para conscientizar a população e foram ampliadas as ações de fiscalização dos estabelecimentos, o que se mostrou eficiente após seu período de implantação (BAVESTRELLO, CABELLO, 2011). A Colômbia investiu em medidas de controle de antimicrobianos apenas em sua capital Bogotá, sendo necessária também a apresentação de receita para a aquisição de antimicrobianos. Além disso, a reutilização e a validade da prescrição médica são limitadas. Fica a cargo da Secretaria de Saúde a fiscalização dessas medidas e a promoção da participação da comunidade. Outra questão relevante é que todas as farmácias funcionam sob a supervisão de um farmacêutico e um técnico em farmácia e possuem auxiliares com competências estabelecidas pela regulamentação local vigente. (VACCA, REVEIZ, 2011) O México impôs novas formas de controle de antimicrobianos a partir de 2010, após a epidemia da gripe H1N1, objetivando prevenir danos causados pela automedicação inadequada com esses medicamentos, que podem mascarar outros sintomas e atrasar diagnósticos, causando mais danos para a população. A nova regulamentação impôs a necessidade de retenção de receita e a realização de um registro dessas prescrições, além de multas para aqueles estabelecimentos que não cumprissem as novas normas. (SANTA-ANA-TELLEZ et al, 2013). No Brasil existem algumas dificuldades em relação à utilização de medicamentos, um dos fatores que contribui para esta situação é o fato de que no 41 mercado brasileiro, estão disponíveis mais de 32 mil medicamentos, segundo dados da Organização Mundial de Saúde e do Ministério da Saúde, o que ultrapassa a recomendação da OMS referente à disponibilidade de medicamentos essenciais. Entre estes medicamentos, uma grande parcela precisa ter sua dispensação e utilização associada a uma prescrição médica prévia, porém, não é rara a comercialização de medicamentos sem a necessidade da comprovação de prescrição médica pelo usuário. Sousa et al (2008, p. 68) ressaltam que esta situação deve-se principalmente ao fato de que, no Brasil a farmácia não era reconhecida como uma unidade de saúde, sendo apenas um ponto de comércio de medicamentos e outros produtos para a saúde, sendo que apenas em dezesseis de Julho de dois mil e quatorze foi aprovado pelo Senado o Projeto de Lei 41/1993 que reconhece a farmácia como um estabelecimento de saúde, faltando apenas a sanção da presidência da república. “Estes medicamentos, vendidos sem receita médica, possibilitam a automedicação, onde o indivíduo, motivado por fatores socioeconômicos - culturais, por si só, reconhece os sintomas da sua doença e os trata”. (SOUSA et al, 2008, p.67) Entretanto, o governo brasileiro não está inerte em relação à questão do medicamento. Diversas regulamentações e legislações têm sido criadas e emitidas ao longo dos anos para tentar diminuir a utilização inadequada de medicamentos. No que se refere aos antimicrobianos observa-se uma grande tendência no aumento do controle da utilização desses medicamentos, que possuem características especiais de utilização. Primeiramente, existe a necessidade de protocolos específicos para a utilização intra-hospitalar com o objetivo primordial de reduzir as taxas de infecção hospitalar e melhoria da farmacoterapia do paciente hospitalizado. Existem diversas normas para controle da prática hospitalar na questão de utilização de antimicrobianos, como a necessidade da existência de Programas de Controle de Infecção Hospitalar, instituídos pela portaria nº 232/1988 e a criação da Divisão Nacional de Controle de Infecção Hospitalar através da Portaria nº 666/1990. Na utilização dos antimicrobianos pela comunidade a principal regulamentação até o momento é a RDC nº 20/2011, que é o objeto deste estudo e na qual está estabelecida a necessidade de retenção de receita para a dispensação desses medicamentos em farmácias e drogarias privadas e naquelas integrantes do programa Farmácia Popular do Brasil. 42 O objetivo desse trabalho é discutir questões relacionadas com a formulação da RDC nº20/2011 e verificar aspectos referentes à sua implantação inicial de acordo com os profissionais farmacêuticos envolvidos com sua implantação. 43 5 – LEGISLAÇÕES PERTINENTES AO CONTROLE DE MEDICAMENTOS A utilização de medicamentos de forma correta e racional perpassa por diversos fatores e atores que são fundamentais para sua concretização. Para que se possa discutir a legislação de controle de antimicrobianos vigente é necessário conhecer as principais políticas públicas relacionadas a medicamentos que antecederam à promulgação da legislação atual. A seguir é apresentada uma breve abordagem das legislações relacionadas com medicamentos pré e pós a promulgação da Política Nacional de Medicamentos. 5.1 - POLÍTICAS DE MEDICAMENTOS – ANTECEDENTES O Brasil passou por um processo de industrialização tardio, sendo a indústria farmacêutica instalada apenas no final do século XIX e início do século XX. Devido a uma série de fatores, como a incorporação de inovações tecnológicas ao arsenal terapêutico durante a Segunda Guerra Mundial e à expansão do complexo industrial farmacêutico internacional, houve uma fragilização da indústria nacional, que acarretou na hegemonia das empresas estrangeiras e num quadro de dependência que se arrasta até os dias de hoje. (FRANÇA, 2004, p.28) Com vistas a reverter essa situação, o governo brasileiro começou a buscar medidas que auxiliassem o desenvolvimento e fortalecimento da indústria farmacêutica nacional. Um exemplo dessas medidas é a publicação do Decreto nº 53.612 de 26 de fevereiro de 1964, onde é publicada a primeira Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME). Uma característica importante dessa publicação é a determinação de que os órgãos da administração pública adquirissem os medicamentos presentes nessa relação preferencialmente através de laboratórios que possuíssem capital nacional. Mesmo com a implantação de medidas para fortalecer a produção nacional, os interesses econômicos dos empresários estrangeiros foram favorecidos durante as décadas de 1960 e 1970. Apesar disto, ainda nos anos 70 surgem as primeiras tentativas 44 para aliar a produção nacional de medicamentos ao acesso da população a esses medicamentos. A criação da Central de Medicamentos (CEME) em 1971, órgão ligado diretamente à presidência da República, que tinha como objetivo a coordenação das políticas nacionais referentes a medicamentos, representou uma tentativa de fortalecimento das indústrias farmacêuticas nacionais. (MÉDICI apud FERNANDES, CASTRO, LUIZA 2003, p.18) A CEME iniciou a organização e a ampliação da Assistência Farmacêutica no Brasil, garantindo o abastecimento de medicamentos essenciais à população, (COSENDEY et al,2000, p.173) e tentou caracterizar o acesso aos medicamentos como uma questão social, uma vez que previa a distribuição destes produtos àqueles que não tivessem condições financeiras de adquiri-los por meios próprios. Contudo, por estar vinculada diretamente à presidência, sofria a influência das mudanças do contexto político, o que prejudicou seriamente seus objetivos iniciais. (COSENDEY et al, 2000, p.173) A partir de 1974, a CEME passou a ser vinculada diretamente ao Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS), passando a ser responsável apenas pela distribuição de medicamentos, e em 1985 foi vinculada diretamente ao Ministério da Saúde (MS). Durante o período que se sucedeu até a promulgação da Constituição de 1988, a CEME tentou de diversas formas fortalecer a Assistência Farmacêutica para melhorar o acesso da população aos medicamentos. Contudo, apesar destes esforços, observou-se uma diminuição cada vez maior da cobertura em relação à demanda de medicamentos. (COSENDEY et al.,2000, p.173) A partir de 1988 com a nova Constituição Federal e a instituição do Sistema Único de Saúde através das Leis nº 8.080 e 8.142 de 1990 verifica-se uma mudança na visão de saúde, que passa a ser um direito social do cidadão e novas regulamentações que buscam garantir o acesso da população aos serviços de saúde começam a serem criadas. A formulação em 1993 do Decreto nº 793, conhecido como decreto dos genéricos, demonstrou ser um avanço nas políticas de medicamentos do país e trouxe algumas evoluções em questões fundamentais, como a preferência pela utilização do nome genérico ao invés do nome de marca do medicamento, reiterou a necessidade do 45 farmacêutico durante todo o período de funcionamento da farmácia ou drogaria e a possibilidade de fracionamento de especialidades farmacêuticas pelos estabelecimentos. Contudo, este decreto sofreu diversas ações impetradas por indústrias farmacêuticas, que, aliada a falta de vontade política, dificultou sua implantação. (SILVA, 2002) Durante o governo Collor, ocorreu a maior crise da CEME. A indefinição de seus objetivos levou à sua desativação em 1997 através do Decreto nº 2.283, sendo suas atribuições distribuídas entre Ministério da Saúde, estados e municípios (PORTELA et al, 2010, p.10). Um amplo processo de discussão sobre o acesso aos medicamentos entre diversos segmentos se intensificou a partir da desativação da CEME. Durante esse processo foram identificados e analisados os principais problemas do setor farmacêutico nacional e algumas regulamentações relacionadas com a utilização e o acesso a medicamentos foram articuladas, culminando com a publicação da Portaria nº 3.916, de 30 de outubro de 1998, que aprova a Política Nacional de Medicamentos (PNM), integrada à Política Nacional de Saúde (OPAS, 2005, p.56) Paralelamente, medidas de reformulação dos sistemas de vigilância nacional convergiram para a criação da ANVISA, em 1999 - autarquia que modificou o componente federal e a configuração da vigilância sanitária no país. Contudo, as bases da vigilância sanitária no Brasil remontam à Portaria n° 1.565, de agosto de 1964, que definiu o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, sua abrangência, distribuição das competências nas esferas de governo, entre outras questões fundamentais. A Secretaria Nacional de Vigilância Sanitária só foi criada em 1976 e, em 1992, passava por um momento de reformulação importante e de integração com o SUS, apesar de enfrentar grandes dificuldades orçamentárias e políticas. Estas determinaram a mudança de nome para Secretaria de Vigilância Sanitária, porém, as alterações efetuadas não conseguiram ampliar os processos de vigilância sanitária naquele momento. A conformação da vigilância sanitária gerou discussões que perduraram por décadas e chegaram ao ápice com a criação da ANVISA. (LUCCHESE, 2001, p.88). O quadro III lista as principais medidas que regulam os medicamentos antes da publicação da PNM 46 QUADRO III - Principais regulamentações relacionadas a medicamentos antes da PNM 1964 Decreto nº 53.612 – Institui a primeira Relação Nacional de Medicamentos Essenciais 1971 Decreto nº 68.806 – Criação da CEME 1971 Lei nº 5.772 (revogada pela lei 9279/96) - Institui o código industrial (fala sobre propriedade intelectual e patentes) 1973 Lei nº 5.991 – Dispõe sobre o controle sanitário do comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos, correlatos e dá outras providências Decreto nº 72.552 – Institui o primeiro plano diretor de medicamentos 1975 Lei nº 6.259 –Institui o sistema nacional de vigilância epidemiológica 1976 Portaria nº 514 /mpas/gm – Publicação da relação nacional de medicamentos básicos 1976 Lei nº 6360 – Dispõe sobre a vigilância sanitária de medicamentos 1977 Portaria nº 817/mpas/gm – Atualiza a relação nacional de medicamentos básicos 1986 Portaria nº 27 - DIMED - Baixa instruções sobre a produção, comercialização, importação, exportação, prescrição e uso de drogas e especialidades capazes de produzir modificações nas funções nervosas superiores ou por exigirem efetiva orientação médica continuada devido a possibilidade de induzirem efeitos colaterais indesejáveis. 1986 Portaria nº 28 – DIMED - Baixa instruções com vistas a normatizar os procedimentos referentes ao controle das atividades correlacionadas a substâncias entorpecentes e psicotrópicas e/ou produto. 1990 Lei nº 8.080 – Lei orgânica da saúde – Inclui no campo de atuação do Sistema Único de Saúde a execução de ações de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica e a formulação da política de medicamentos 1993 Decreto nº 793 - Altera os Decretos n° 74.170, de l0 de junho de 1974 e 79.094, de 5 de janeiro de 1977, que regulamentam, respectivamente, as Leis n° 5.991, de 17 de janeiro de 1973, e 6.360, de 23 de setembro de 1976, e dá outras providências. 1996 Lei nº 9.313 - Dispõe sobre a distribuição gratuita de medicamentos aos portadoresde HIV e doentes de Aids. 47 5.2 - POLÍTICA NACIONAL DE MEDICAMENTOS E LEGISLAÇÕES POSTERIORES Segundo Portela et al (2010, p.11), “a PNM é considerada o primeiro posicionamento formal e abrangente do governo brasileiro sobre a questão dos medicamentos no contexto da reforma sanitária” e visa definir o papel das três instâncias de governo na reorientação do modelo de Assistência Farmacêutica (BRASIL, 1998), através de sua publicação. Esta define Assistência Farmacêutica como: “Grupo de atividades relacionadas com o medicamento, destinadas a apoiar as ações de saúde demandadas por uma comunidade. Envolve o abastecimento de medicamentos em todas e em cada uma de suas etapas constitutivas, a conservação e controle de qualidade, a segurança e a eficácia Terapêutica dos medicamentos, o acompanhamento e a avaliação da utilização, a obtenção e a difusão de informação sobre medicamentos e a educação permanente dos profissionais de saúde, do paciente e da comunidade para assegurar o uso racional de medicamentos”. (BRASIL, 1998a, p. 19) A PNM, também prevê a reorientação da Assistência Farmacêutica como uma de suas diretrizes o que, por sua vez, relaciona-se diretamente com algumas de suas prioridades, buscando como objetivo final que este modelo “não se restrinja à aquisição e à distribuição de medicamentos. As ações incluídas nesse campo da assistência terão por objetivo implementar, no âmbito das três esferas do SUS, todas as atividades relacionadas à promoção do acesso da população aos medicamentos essenciais.” (BRASIL, 1998a, p.14). As diretrizes da PNM são: Adoção da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME) Regulamentação sanitária de medicamentos Reorientação da assistência farmacêutica 48 Promoção do uso racional de medicamentos Desenvolvimento científico e tecnológico Promoção da produção de medicamentos Garantia da segurança, eficácia e qualidade de medicamentos Desenvolvimento e capacitação de recursos humanos Além deste modelo, diversas outras ações foram incorporadas a partir da década de noventa como iniciativas de fortalecimento das Políticas de Saúde, como a criação da ANVISA em 1999, através da Lei nº 9.782; a publicação da Política Nacional de Assistência Farmacêutica, pela Resolução nº 338 de 2004, reafirmando algumas das diretrizes da PNM; a revisão da RENAME após um período de doze anos através da Portaria nº 507 de 1999 e principalmente a Política de implantação dos medicamentos genéricos, pela Lei nº 9787/99. A Lei nº 9787/1999, também conhecida como “lei dos genéricos”, tem como intuito “assegurar a oferta de medicamentos de qualidade e baixo custo no mercado e fomentar o acesso da população a estes medicamentos” (QUENTAL et al, 2008, p.620). Como ressaltam de Paula et al (2009, p.1115), “desta forma ficou estabelecido o arcabouço legal para a introdução de medicamentos genéricos no país, assegurando a oferta de medicamentos de qualidade e baixo custo no mercado e fomentando o acesso da população a estes medicamentos”. A implantação de uma legislação efetiva que trata dos medicamentos genéricos, tanto no que tange à sua conceituação quanto à regulamentação técnica, vem ao encontro das diretrizes definidas na PNM, principalmente quando relacionada à promoção do uso de tais medicamentos, a aceitação do uso da denominação comum brasileira (DCB), além de ações que estimulem a prescrição e uso dos medicamentos genéricos. (FRANÇA, 2004, p33) A adoção de medicamentos genéricos, compreendendo sua produção, comercialização, prescrição e uso, é parte substancial da diretriz estabelecida de promoção do uso racional de medicamentos. (BERMUDEZ, 1995 apud MS, 1998). E apesar de já existir o Decreto nº 793/93 que aborda a questão do medicamento genérico, neste momento havia movimentação e vontade política para a implantação da política de genéricos no Brasil, o que possibilitou sua real instituição, diferentemente do 49 momento de formulação e implantação do decreto, que sofreu diversas críticas e oposições da indústria farmacêutica. O quadro IV lista as principais regulamentações relacionadas a medicamentos a partir da publicação da PNM. QUADRO IV - Principais regulamentações relacionadas a medicamentos após a PNM 1998 Portaria nº 3.916 - Aprova a Política Nacional de Medicamentos. 1998 Portaria nº 344 - Dispõe sobre medidas de fiscalização de substâncias e medicamentos sujeitos a controle especial. 1998 Portaria nº 802 – Institui o sistema de controle e fiscalização em toda cadeia dos produtos farmacêuticos 1999 Lei nº 9.782 - Define o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, cria a ANVISA 1999 Lei nº 9.787 - Altera a Lei nº 6.360/76, que dispõe sobre a vigilância sanitária e estabelece o medicamento genérico 2000 Portaria nº 956 - Estabelece garantia de implementação do Piso da Assistência Farmacêutica Básica 2000 Portaria SPS nº 16 - Estabelece o elenco mínimo e obrigatório de Medicamentos. 2001 Resolução CNS- 311 - I Conferência Nacional de Assistência Farmacêutica 2004 Resolução nº 338 - Aprova a Política Nacional de Assistência Farmacêutica 2005 Portaria nº 843 - Cria a Rede Brasileira de Produção Pública de Medicamentos 2006 Decreto nº 5.813 - Institui a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos. 2007 RDC nº 27 - Dispõem sobre o Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados 2010 2011 RDC nº 44 - Dispõe sobre o controle de medicamentos à base de substâncias classificadas como antimicrobianos, de uso sob prescrição, isoladas ou em associação. RDC nº 20 - Dispõe sobre o controle de medicamentos à base de substâncias classificadas como antimicrobianos, de uso sob prescrição, isoladas ou em associação. 50 Todas essas regulamentações e legislações ajudam a traçar o caminho histórico da utilização de medicamentos no Brasil. Visualiza-se que a garantia do acesso da população aos medicamentos é uma questão antiga e que ainda precisa passar por ajustes que possibilitem sua real operacionalização de forma que a utilização de medicamentos possa ser segura e racional, da mesma forma que o acesso aos medicamentos por aqueles que realmente precisam deles seja alcançado em sua totalidade. A RDC nº 20/2011 faz parte das políticas de medicamentos do governo, sendo uma das tentativas da ANVISA para tentar aumentar a segurança da população na utilização de medicamentos relacionando-se diretamente com a questão do acesso aos mesmos. 51 6 - ASPECTOS METODOLÓGICOS Este estudo contou com pesquisa documental, dados oficiais do CRF-RJ e entrevistas semi-estruturadas com farmacêuticos envolvidos diretamente e indiretamente com a dispensação de antimicrobianos, sendo uma pesquisa embasada na metodologia qualitativa. 6.1 – METODOLOGIA Para Minayo (1998, p.10): “as metodologias de pesquisa qualitativa são entendidas como aquelas capazes de incorporar a questão do Significado e da Intencionalidade como inerentes aos atos às relações, e às estruturas sociais, sendo estas últimas tomadas tanto no seu advento quanto na sua transformação, como construções humanas significativas”. No referencial das pesquisas qualitativas “o homem é diferente dos objetos, por isso o seu estudo necessita de uma metodologia que considere essas diferenças”. (OLIVEIRA, 2008). Minayo, sobre a questão da abordagem metodológica, afirma que a abordagem qualitativa “não se presta à realização de censos, a estudos epidemiológicos de grandes grupos, a pesquisas que queiram medir quantidade (...) sendo fundamental para aprofundar o entendimento a respeito de “grupos, segmentos e de micro realidades”, possibilitando o entendimento da” lógica interna e específica”... “da visão de determinados problemas, que se expressam em opiniões, crenças, valores, relações, atitudes e práticas” (MINAYO 2003 p. 137). Desta forma, uma vez que a técnica de entrevistas serve para reconstruir acontecimentos sociais e investigar representações a partir da perspectiva do informante, é fundamental para complementar a visão geral do campo. Este trabalho contou com duas fases distintas de realização, a primeira parte envolveu a verificação da relação da teoria de múltiplos fluxos de Kingdon com as etapas que levaram o tema controle de antimicrobianos a agenda política do governo e com a posterior formulação de uma regulamentação para tal controle. Esta correlação foi realizada através de uma revisão das regulamentações públicas vigentes, notícias relacionadas com a formulação da RDC e outras referentes ao período prévio a esta 52 formulação, todas usando como embasamento teórico a teoria de múltiplos fluxos já explicada previamente. A segunda parte envolveu a realização de entrevistas semiestruturadas com farmacêuticos. Conforme ressalta Gil (1987, p.109), a entrevista é uma forma de interação social e de diálogo assimétrico, em que uma das partes busca coletar dados e a outra aparece como fonte de informação. Neste caso em particular, as entrevistas foram encaradas como um roteiro para facilitar a comunicação entre entrevistador e entrevistado, uma vez que, de acordo com Minayo (1998, p. 122) a não utilização de formulações pré-fixadas auxiliam na integração de questões sociais contraditórias e “na construção do conhecimento sobre o social, incluindo-se aqui a questão da saúde”. A importância das entrevistas com roteiro semi-estruturado é ressaltada por Oliveira (2008) “provavelmente, a entrevista semi-estruturada dê uma maior possibilidade de entendimento das questões estudadas nesse ambiente, uma vez que permite não somente a realização de perguntas que são necessárias à pesquisa e não podem ser deixadas de lado, mas também a relativização dessas perguntas, dando liberdade ao entrevistado e a possibilidade de surgir novos questionamentos não previstos pelo pesquisador, o que poderá ocasionar uma melhor compreensão do objeto em questão”. Seguindo este raciocínio vale citar o questionamento de Cohn a respeito das políticas de saúde: “Que dimensões da vida social estão envolvidas quando se trata da questão das políticas de saúde, e/ou de qualquer política da área social?” (COHN, 2012 p.221). Neste questionamento a autora ressalta que os estudos de natureza política abrangem duas dimensões relacionadas com o processo de formulação e implantação das políticas de saúde. Uma dimensão relacionada com o exercício do poder e outra relacionada com a racionalidade, em que estão envolvidas “propostas de organização, reorganização e de escolhas de prioridade” no que tange a determinação de qual a melhor opção entre as diversas possibilidades para a área de saúde “frente às necessidades de saúde da população” (COHN, 2012 p.221). Desta forma, a análise das dificuldades de cumprimento das normatizações sanitárias pelos profissionais de saúde em sua rotina diária de trabalho se relaciona diretamente com questões importantes no que tange o acesso correto e seguro da 53 população aos medicamentos e o estudo da implantação de novas políticas de saúde governamentais. Os farmacêuticos entrevistados foram divididos em dois grupos: os que trabalham com a dispensação de medicamentos e os que não trabalham diretamente com a dispensação de medicamentos, mas que possuem atividades ligadas a questão medicamentos, totalizando oito entrevistas, sendo quatro para cada grupo. A escolha dos farmacêuticos que não atuam diretamente com a dispensação de medicamentos se deu mediante contatos realizados pela pesquisadora e disponibilidade daqueles profissionais que concordaram em participar da pesquisa. Entre aqueles que concordaram em participar da pesquisa tivemos um professor universitário, um membro do CRF-RJ, um membro da ANVISA e um membro da Federação Nacional de Farmacêuticos. Para os farmacêuticos que trabalham com a dispensação de medicamentos em farmácias e drogarias a escolha obedeceu a algumas questões relevantes. Primeiramente, como o trabalho foi realizado em farmácias e drogarias comunitárias, utilizou-se a conceituação desses estabelecimentos contida no glossário da Lei nº 5.991/1973 em que afirma-se: Farmácia - estabelecimento de manipulação de fórmulas magistrais e oficinais, de comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos, compreendendo o estabelecimento de dispensação e o de atendimento privativo de unidade hospitalar ou de qualquer outra equivalente de assistência médica. Drogaria - estabelecimento de dispensação e comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos em suas embalagens originais. Para esta pesquisa não foram incluídas farmácias que realizam manipulação de fórmulas alopáticas ou magistrais de medicamentos e farmácias homeopáticas. Também foram excluídas farmácias pertencentes a unidades públicas de saúde e de unidades hospitalares, uma vez que a RDC nº20/2011 não inclui estes últimos estabelecimentos em seu texto. 54 Para determinação e escolha dos estabelecimentos incluídos na pesquisa, foram utilizados dados cedidos pelo setor de fiscalização do Conselho de Farmácia do Estado do Rio de Janeiro. O Conselho Regional de Farmácia do Estado do Rio de Janeiro (CRF-RJ) foi criado pela Lei nº 3820/60, com a finalidade de fiscalizar o exercício profissional, segundo princípios éticos, e de promover a Assistência Farmacêutica, como parte integrante e fundamental das ações de saúde pública. “Desta forma, o CRF-RJ deve ser entendido como uma instituição da sociedade que, por delegação de poder público, zela pela garantia de que a atividade farmacêutica, no âmbito de sua jurisdição, seja exercida por profissionais legalmente habilitados e conscientes da importância do seu papel social” (CRF – RJ, 2013). O CRF-RJ divide o município do Rio de Janeiro em sete (07) áreas onde são realizadas a fiscalização e contabilizam o total de farmácias e drogarias de cada região. As informações do quadro V não incluem farmácias públicas, homeopáticas ou de manipulação magistral. QUADRO V – Regiões de fiscalização do CRF-RJ e quantitativo de estabelecimentos ÁREA REGIÃO TOTAL DE FARMÁCIAS E DROGARIAS A ZONA SUL 190 B ZONA OESTE 103 C BARRA DA TIJUCA 295 D MÉIER 137 E ZONA DA LEOPOLDINA 200 F CENTRO 149 G TIJUCA 101 TOTAL Fonte: CRF-RJ, 2013 1175 55 Desta forma, foram escolhidos farmacêuticos que trabalhassem em farmácias e drogarias de regiões especificas para tentar visualizar as possíveis diferenças regionais nos aspectos referentes à dispensação de antimicrobianos. A conformação final foi a seguinte: dois farmacêuticos que trabalham com a dispensação de medicamentos em farmácias e drogarias de grandes redes, um na região F (centro), segundo a divisão do CRF-RJ e outro da região A (zona sul) e dois farmacêuticos de farmácias de pequeno porte, um da região E (zona da Leopoldina) e outro da região D (Méier). Apesar de ser importante tentar verificar todos os ângulos relacionados com a nova regulamentação de antimicrobianos, não foi possível incluir farmacêuticos que trabalhassem nas farmácias do Programa Farmácia Popular ou da Vigilância Sanitária do Município do Rio de Janeiro uma vez que aqueles contatados pela autora não concordaram em participar da pesquisa. O roteiro das entrevistas foi desenvolvido de acordo com as metodologias de pesquisa qualitativa abordadas por Minayo, que enfatiza a importância desta fase da pesquisa. Inicialmente, é preciso entender que o roteiro de pesquisa precisa contar com poucas questões, visto que seu objetivo é “apreender o ponto de vista dos atores sociais previstos nos objetivos da pesquisa” (MINAYO, 1998, p.99). E irá servir como um instrumento norteador para a entrevista, que deverá, segundo Minayo (1998, p.99), responder questões especificas, como por exemplo, se as questões estão caminhando para dar forma e conteúdo ao delineamento do objeto; se o roteiro consegue ampliar a discussão; se possibilita verificar, segundo o ponto de vista dos interlocutores, a visão, os juízos e as relevâncias dos fatos que fazem parte do objeto. O roteiro (ANEXO III e IV) elaborado para este trabalho tentou resgatar a percepção destes profissionais a respeito de seu entendimento da nova regulamentação, suas dificuldades no cumprimento das normas previstas, sua relação direta com a população que busca o estabelecimento para a dispensação de antimicrobianos (com ou sem a prescrição médica) e as possíveis contribuições que estes profissionais podem relatar (na sua própria concepção) para a melhor implantação desta política de saúde. Foi elaborado um roteiro que pudesse alcançar as diferenças especificas dos dois grupos entrevistados e para tanto este roteiro foi montado com núcleos de perguntas comuns aos dois grupos e perguntas diferenciadas para o grupo de profissionais que não atua diretamente com a dispensação de medicamentos. 56 Para a análise dos resultados, optou-se pela utilização da análise de conteúdo, em que segundo Bardin (1977, p.42) tem-se “um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos, sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens”. Para Bardin o importante da análise está mais ligado à interpretação da mensagem do que a descrição especifica de seu conteúdo, O objetivo do pesquisador está em buscar o real significado do que é dito nas mensagens partindo das hipóteses, através da determinação de técnicas para a realização da análise (MOREIRA, 2012, p.7). Bardin (1977) divide a análise de conteúdo em três fases diferentes: pré-análise, exploração e tratamento dos dados e interpretação. A pré-análise é a fase organizacional, em que o plano de análise é desenvolvido para que o objetivo possa ser sistematizado e operacionalizado. É nessa fase que os documentos a serem analisados serão definidos, assim como as hipóteses e os indicadores. A autora (BARDIN, 1997, p.96) afirma que estes fatores não necessariamente seguem uma ordem cronológica, porém se mantem ligados uns aos outros constantemente. A segunda fase da análise é longa e cansativa, sendo a exploração propriamente dita dos materiais em que são desenvolvidos os códigos, quantificações e qualificações para a análise dos dados. Para Oliveira (2008) é o processo propriamente dito de transformação dos dados brutos em unidades que agregadas de forma sistemática possibilitam uma compreensão do conteúdo descrito no texto. Por último temos o tratamento dos dados e a interpretação, em que busca-se tratar os resultados de forma que eles se tornem significativos e válidos (BARDIN, 1977, p.101) o que permitirá ao analista inferir e interpretar os resultados obtidos. 57 Quadro VI - Roteiro de Análise de Conteúdo. ETAPAS INTENÇÕES *Retomada do AÇÕES objeto e objetivos da pesquisa; *Leitura flutuante: primeiro contato com os textos, captando o conteúdo genericamente, sem Escolha inicial dos documentos; *Construção indicadores PRÉ-ANÁLISE definição inicial para de a de análise: unidades maiores preocupações técnicas *Constituição do corpus: seguir normas de validade: de registro - palavras-chave ou 1- Exaustividade - dar conta do frases; e de unidade de contexto roteiro; - delimitação do contexto (se 2- Representatividade necessário) - dar conta do universo pretendido; 3- Homogeneidade - coerência interna de temas, técnicas e interlocutores; 4- Pertinência - adequação ao objeto e objetivos do estudo. EXPLORAÇÃO DO MATERIAL *Referenciação dos índices e a *Desmembramento do texto em elaboração de indicadores - unidades/categorias - inventário recortes (isolamento dos elementos); do texto e categorização; Reagrupamento por categorias Preparação e exploração do para análise material - alinhamento; classificação (organização das mensagens posterior a partir - dos elementos repartidos) *Interpretações dos dados brutos (falantes); TRATAMENTO DOS *Inferências com uma abordagem variante/qualitativa, trabalhando com significações DADOS E *Estabelecimento de quadros de INTERPRETAÇÃO resultados, pondo em relevo as informações fornecidas pelas análises Fonte: Adaptado de Júnior, Melo e Santiago, 2010 em lugar estatísticas. de inferências 58 Desta forma, é necessário construir uma matriz a partir da qual será possível compreender as mensagens transmitidas nas entrevistas. Essa matriz será dividida em temas relacionados com o tema central da entrevista e em categorias e subcategorias que especificam e diluem os temas. Esta organização facilita a análise, permitindo que o leitor conheça o que foi dito na entrevista, através da determinação dos indicadores e das unidades de registro. 6.2 – PROCEDIMENTOS: Os roteiros de entrevistas foram elaborados após pesquisa bibliografia de artigos e periódicos sobre o assunto, utilizando os descritores em saúde: Resistência Microbiana a Medicamentos, Antibacterianos, Política de Saúde, Medicamentos sob Prescrição, Prescrição Inadequada e Uso Indevido de Medicamentos sob Prescrição e foi utilizada para busca em base de dados a biblioteca virtual em saúde. Da mesma forma foi realizada pesquisa de reportagens sobre a publicação e repercussão da promulgação da RDC nº20, para que fosse possível traçar um panorama da situação e verificar, aliado aos objetivos do trabalho, os principais questionamentos levantados pelos profissionais de saúde. As entrevistas foram feitas de acordo com a disponibilidade dos entrevistados em seus locais de trabalho, após assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido e gravadas em micro gravador Sony®, nos casos em que houve autorização. O projeto foi submetido ao Comitê de Ética e Pesquisa do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva através da Plataforma Brasil e o parecer de aprovação está registrado sob o número 524612 (Anexo I). Todas as entrevistas foram transcritas e analisadas segundo a metodologia de Bardin. Após a transcrição as entrevistas foram trabalhadas à exaustão e agrupadas em três grandes temas relacionados com a RDC nº 20. Desses temas conseguiu-se relacionar as respostas em categorias e subcategorias que permitiram a análise das respostas através da transformação dos dados brutos em unidades de registro. Para ordenação dos dados optou-se por codificar cada entrevistado com uma letra (A-H) e realizar a enumeração das informações prestadas de forma sequencial numérica. A matriz de análise pode ser vista no Anexo VI. 59 60 7 – DETERMINAÇÃO DA AGENDA POLÍTICA – PORQUE CONTROLAR A UTILIZAÇÃO DE ANTIMICROBIANOS AGORA? – RELAÇÕES DO MODELO DE MÚLTIPLOS FLUXOS E A FORMULAÇÃO DA RDC Nº20/2011 O presente trabalho busca estudar a elaboração e o desenvolvimento de uma nova política pública para controle da prescrição e venda de antimicrobianos. Esta nova regulamentação visa alcançar o uso racional dos antimicrobianos pela população brasileira fora da área hospitalar, em que o controle da indicação e utilização de medicamentos é precário e carece de subsídios para chegar a todos os indivíduos de forma clara. Um aspecto importante é a dificuldade no controle da utilização de medicamentos pela população em praticamente sua totalidade, uma vez que farmácias e drogarias não são reconhecidas por esta população como estabelecimentos de saúde, e os medicamentos ofertado podem ser adquiridos como qualquer outro produto de bem de consumo encontrado no mercado brasileiro, apesar de existirem Leis e regulamentações que caracterizam a necessidade da dispensação de medicamentos estarem atreladas a uma prescrição médica ou odontológica. Dentre essas regulamentações destaca-se a Lei nº 5.991 de 1973, que é a responsável pelo controle sanitário de medicamentos e estabelece a necessidade de prescrição médica para a dispensação de medicamentos, além de estabelecer as normas para uma prescrição adequada, contudo esta lei não explicita em seu texto quais são estes medicamentos. Os medicamentos que não precisam de prescrição médica e suas exceções foram estabelecidos em uma lista apenas em 2003, com a publicação da RDC nº 138 (Anexo V4), que abrange justamente as classes de medicamentos isentos de prescrição. 4 A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) permite a venda livre, sem necessidade de prescrição médica, de alguns grupos de medicamentos para indicações terapêuticas especificas, salvo em situações em que a restrição é discriminada. 61 Valendo-se desses textos pouco abrangentes e acentuados pelas características culturais, sociais e principalmente econômicas da população brasileira, a aquisição de medicamentos sempre foi realizada de forma livre na maioria dos estabelecimentos. Contudo, apenas em 2010 há uma ação da vigilância sanitária referente ao controle da prescrição e dispensação dos antimicrobianos, apesar de a ideia da restrição da venda deste grupo terapêutico não ser recente e estar sendo discutida por grupos de estudos sobre medicamentos há anos. A introdução deste assunto na agenda política e os motivos que levaram à formulação da RDC nº 20/2011 podem ser estudados à luz do modelo de múltiplos fluxos de Kingdon, possibilitando responder a questões fundamentais para a avaliação futura das políticas de saúde de medicamentos. A principal questão refere-se ao motivo pelo qual os antimicrobianos se tornaram alvo deste novo controle apenas agora. Restam outras questões. Qual é sua repercussão dentro da etapa de implantação e avaliação da política no ciclo das políticas de saúde? Será está uma legislação que irá auxiliar na garantia da segurança do paciente? Para tentar responder a essas questões verifica-se que, apesar do Brasil possuir uma Constituição e uma série de leis que garantam a saúde como direito dos cidadãos de diversas formas é visível que tal direito não é assegurado e muitos brasileiros não conseguem ter acesso a pontos básicos, como consultas médicas e medicamentos. Outros problemas importantes, como a automedicação, derivam de questões como a falta de acesso a essas consultas e da facilidade de compra de medicamentos sem prescrição. 7.1 – INTRODUÇÃO DO CONTROLE DE ANTIMICROBIANOS – ANÁLISE DOS TRÊS FLUXOS DE KINGDON Dentro da teoria do modelo de múltiplos fluxos é possível analisar cada fluxo de acordo com as ações e acontecimentos que marcaram a formação da janela de oportunidade para a criação de uma regulamentação de controle de antimicrobianos. No Fluxo dos Problemas, estuda-se a forma como questões são reconhecidas como problemas e de que forma esses problemas começam a integrar a agenda política. 62 Alguns estudos (MONTEIRO, 2006; GOTTEMS, 2010) ressaltam que para Kingdon estes problemas tornam-se alvo da atenção do governo devido a algumas aspectos específicos. O primeiro aspecto é a existência de indicadores, sendo os principais, no caso do controle dos antimicrobianos, os estudos de utilização de medicamentos desenvolvidos ao redor do mundo que apontam as altas taxas de infecção hospitalar e resistência bacteriana. Ademais os relatórios da OMS, que apontam que a utilização incorreta de antimicrobianos está relacionada com o surgimento de todas as complicações já citadas e com os consequentes aumento dos gastos com tratamentos e hospitalizações. O segundo aspecto está relacionado com a ocorrência de eventos e crises, como o caso do surgimento de um novo mecanismo de resistência a antibióticos, detectado em 2009, através da produção de uma enzima denominada Klebsiella pneumoniae carbapenemase (KPC) em bactérias gram-negativas (enterobactérias), que confere resistência ao grupo de antibióticos carbapenêmicos. Este mecanismo de resistência já era conhecido desde 1996, porém só alcançou o status de crise em 2009 e reduziu as opções de tratamento de algumas infecções, levando a óbito pacientes em diversos países, o que acarretou em alertas e monitoramento destas bactérias. No início de 2010 foram notificados os primeiros casos no Brasil e, a partir deste momento, as deliberações sobre uma nova regulamentação para utilização de antimicrobianos foram amplificadas. O terceiro aspecto diz respeito ao feedback relacionado com orçamentos, gastos e outros problemas, como por exemplo, a grande utilização de antimicrobianos sem a devida prescrição médica. Problema que acarreta em desenvolvimento de resistência bacteriana, aumento de reações adversas a estes medicamentos e aumento dos gastos com hospitalizações e tratamentos de saúde. No fluxo das alternativas do modelo de múltiplos fluxos, tem-se o grupo de ideias e temas que irão competir para serem escolhidos dentro das opções políticas. A escolha da ANVISA em publicar uma regulamentação a respeito do controle de antimicrobianos passou por esta fase. Os temas relacionados à saúde são diversos e 63 Figura IV – Linha do tempo KPC 1996 Primeiro caso relatado na Carolina do Norte – Estados Unidos 2006 Primeiros casos relatados na América do Sul 2009 – 2010 Seis estados Brasileiros apresentam relatos de KPC Fonte: Elaborado pela autora variados, e existem muitos problemas que merecem atenção do governo além do controle de medicamentos, porém, graças a ações de burocratas, e outros atores, como pesquisadores e especialistas da área, este tema em particular ficou em evidência e foi escolhido como um aspecto digno de entrar para a agenda política. Para o fluxo político tem-se, da mesma forma que no fluxo dos problemas, a relação de três aspectos: o clima nacional, as forças políticas organizadas e as mudanças do governo. E segundo Gottems (2010, p.37) são esses fatores que possibilitam que um problema ganhe destaque e outros percam sua força. No caso dos antimicrobianos, o clima nacional pode ser retratado como a preocupação com a propagação de uma superbactéria e com os mecanismos que levam ao desenvolvimento de resistência bacteriana, uma vez que, este aspecto está relacionado com as preocupações compartilhadas por um grupo de pessoas e suas percepções. As forças políticas podem ser caracterizadas como “pressões exercidas por grupos de apoio ou oposição” que sinalizam aos formuladores a força que uma ideia tem para ingressar na agenda política (GOTTEMS, 2010 p.38). No caso estudado pode-se considerar grupos como conselhos profissionais de saúde (medicina, farmácia, etc.) a favor de medidas que dificultem o acesso a medicamentos de forma indiscriminada e 64 representantes das indústrias farmacêuticas, como as forças contra uma nova regulamentação que aumente o controle dos antimicrobianos. O terceiro e último aspecto do fluxo política é o próprio governo, que através de mudanças próprias pode gerar mudanças nas agendas políticas. Aparentemente no desenvolvimento da regulamentação de controle de antimicrobianos as questões políticas se movimentaram em favor desta modificação da legislação. Porém, segundo Kingdon, é necessário que os três fluxos sofram uma convergência de forma que uma janela de oportunidade se abra e desta forma o problema analisado torne-se parte da agenda política para que possa no futuro ser criada uma política pública ou ainda ser descartada pela movimentação transitória dos aspectos convergentes. Este momento da abertura da janela de oportunidade é rápido e transitório e precisa ser aproveitado pelos empreendedores de políticas para que os problemas em evidência possam chegar a agenda. No caso dos antimicrobianos, as evidências indicam que a convergência dos fluxos se deu principalmente pelas notícias de óbitos causadas pela infecção por bactérias produtoras de KPC no Brasil. Momento que é possível ressaltar o papel da mídia como um dos grandes atores envolvidos no desenvolvimento de uma agenda pública. A grande notoriedade dada aos casos da bactéria super-resistente pôde ser utilizada pelos empreendedores de políticas como um problema relevante que precisava de uma resposta adequada. Resposta que veio através do desenvolvimento de uma RDC que aumentou o controle da prescrição e venda de antimicrobianos, com o objetivo de controlar o acesso da população a estes medicamentos e, como consequência indireta, diminuir um dos motivos conhecidos para o desenvolvimento de resistência bacteriana: o uso inadequado de antimicrobianos. Apesar de todas essas mudanças no controle de antimicrobianos estarem em seu período inicial de implantação, diversas críticas a operacionalização e real efetividade destas ações tem sido lançadas por profissionais de saúde, pacientes, membros de conselhos de classe e a própria indústria farmacêutica. Essas críticas são fundamentadas em questões relacionadas com a falta de cumprimento das normas pelos estabelecimentos farmacêuticos e um dos grandes receios que os especialistas da área apresentam é que esta regulamentação não apresente força para ser bem sucedida em 65 sua implementação e se torne mais um exemplo de regulamentação brasileira que não é cumprida. Esta problemática pode ser explicada como mais que um receio pela teoria de Pierson (2000) que apresenta a dependência de trajetória de uma política pública. Conforme abordado anteriormente Pierson afirma que, ao ser escolhida, uma trajetória é necessário um grande esforço ou forças externas para que as instituições ou políticas públicas sofram alterações, uma vez que com o passar do tempo o custo para que mudanças sejam geradas aumentam e desta forma um ciclo de auto-reforço é criado. Este ciclo de auto-reforço pode ser virtuoso ou vicioso e no caso da implantação da RDC nº 20/2011 apresenta-se como um ciclo vicioso uma vez que, apesar de grandes mudanças estarem sendo implementadas e que essas mudanças contribuiriam para a melhoria da segurança dos pacientes na utilização de antimicrobianos existem diversas críticas e dúvidas a respeito da efetiva operacionalização desta norma, ou seja, a possibilidade que esta regulamentação não seja cumprida é um exemplo de que sem forças externas como ações governamentais, programas de educação sanitária para profissionais e para a população e aumento nas ações de fiscalização da vigilância sanitária o ciclo vicioso de desrespeito as normas sanitárias brasileiras poderá persistir e todos os objetivos de uma regulamentação de controle de dispensação de antimicrobianos podem não ser alcançados. Tendo sido estabelecida a correlação com as etapas de formulação de políticas, é necessário que o histórico de ações e regulamentações que culminaram com a publicação da RDC nº 20 de 2011 seja traçado para entender porque o controle da utilização de antimicrobianos foi alterado da forma como foi instituído até o presente momento e para entender as opiniões dos profissionais envolvidos com a dispensação e utilização de medicamentos de forma que as ações implementadas possam ser efetivadas com sucesso. 66 8 – A LEGISLAÇÃO DE CONTROLE DE ANTIMICROBIANOS NO BRASIL – COMO É FEITA? Conforme abordado anteriormente, o surto da bactéria super-resistente produtora de KPC foi um dos grandes responsáveis por abrir a janela de oportunidade para que este problema ingressasse nos tópicos da agenda política do governo. Porém é necessário destacar todas as etapas da construção da política pública e os principais aspectos referentes aos controles instituídos, que são responsáveis pela repercussão desta regulamentação e que ampliaram o debate sobre uso racional de medicamentos e acesso da população aos medicamentos. 8.1 – A CONSTRUÇÃO DA RDC Nº 20 /2011 A formulação da RDC nº 20/2011 foi o resultado de muitas discussões e observações dos responsáveis pela formulação das políticas públicas, com o objetivo final de minimizar os riscos da utilização de medicamentos antimicrobianos pela população e regular o uso racional destes. Para identificar os principais problemas encontrados na implantação desta regulamentação é fundamental conhecer seu conteúdo. 8.1.1 – REGULAMENTAÇÃO E ASPECTOS IMPORTANTES Ao longo deste trabalho foram abordadas diversas legislações e regulamentações referentes à questão dos medicamentos. Para que seja possível entender o processo desenvolvido pela ANVISA na construção da RDC nº20 de 2011, é importante ressaltar alguns aspectos pertinentes à regulamentação vigente. Primeiramente, conforme já abordado anteriormente, a Lei nº 5.991 de 1973 regulamenta o controle sanitário de medicamentos e estabelece os requisitos da prescrição médica, entretanto não estabelece quais medicamentos devem estar associados a uma prescrição. Para auxiliar o controle sanitário, o Decreto nº 79.094 de 1977 estabelece em seu artigo nº 94 que “o rótulo da embalagem dos medicamentos, 67 produtos dietéticos e correlatos, que só podem ser vendidos sob prescrição médica, deverão ter uma faixa vermelha em toda a sua extensão, do terço médio do rótulo e com largura não inferior a um terço da largura total, contendo os dizeres: "venda sob prescrição médica"” (BRASIL, 1977). O decreto supracitado regulamenta a Lei nº 6.360 de 1976, que dispõe sobre a vigilância sanitária de medicamentos e outros produtos e foi utilizado como uma referência pela ANVISA na elaboração de políticas de controle de antibióticos, apesar do mesmo ter sido revogado em 2013 pelo Decreto nº 8.077 com a justificativa de harmonização das ações da vigilância sanitária, uma vez que as legislações anteriores não contemplavam a existência da ANVISA que foi instituída apenas em 1999. A preocupação com a utilização de antimicrobianos é antiga, em 1989 foi publicado um relatório da oficina de trabalho instituído pelo Ministério da Saúde para a formulação de política na área de antimicrobianos, e em 1993 foi instituído o Grupo Técnico de Estudos sobre Medicamentos Antibióticos (GEMA) com o intuito de auxiliar na formulação destas políticas. Em 1996 ocorreu a publicação da Portaria nº 54 que abrange o parecer do referido grupo sobre diversos tópicos importantes sobre antibióticos. Previamente à publicação da RDC nº 44 de 2010, a ANVISA, em março de 2010, realizou reuniões com os grupos envolvidos com a questão de utilização de antimicrobianos no país como, por exemplo, entidades representantes dos prescritores de medicamentos. Essas ações foram seguidas por uma audiência pública, realizada também em março de 2010, e uma consulta pública em julho do mesmo ano. Em outubro de 2010 foram feitos os primeiros relatos de casos de KPC no Brasil e, finalmente, em vinte e seis de outubro de 2010 houve a publicação da RDC nº 44, primeira regulamentação brasileira a estabelecer o controle de antimicrobianos. Esta regulamentação foi substituída em cinco de maio de 2011 pela RDC nº 20, após diversas discussões entre a agência reguladora e representantes dos conselhos federais de farmácia e medicina, usuários, representantes da indústria farmacêutica, etc. 68 8.1.2 – PORTARIA Nº 344 DE 1998 E SISTEMA NACIONAL DE GERENCIAMENTO DE PRODUTOS CONTROLADOS (SNGPC) No contexto do uso racional de medicamentos, há necessidade de lidar com algumas figuras centrais, que interagem de forma dinâmica: o prescritor, o paciente e também o dispensador. Conforme relatam De Sousa et al (2010, p.440): “A relação destes atores está permeada por uma série de questões que envolvem a capacidade de definição e implementação de uma política de medicamentos, as relações do mercado farmacêutico, particularmente no que se refere à propaganda médica, à organização da rede de serviços, em nível de educação da sociedade, a fatores culturais de um modo geral e ao arcabouço legal”. Ao contrário do que se espera para a promoção do URM, a realidade brasileira parece caminhar na direção oposta, conforme ressalta Aquino (2007), uma vez que apresenta um número muito superior às recomendações da Organização Mundial de Saúde no que se refere ao número de estabelecimentos farmacêuticos, além de existir a cultura corrente da automedicação, estimulada pela facilidade de aquisição de medicamentos sem receitas médicas, e a dificuldade no acesso aos serviços de saúde. Para minimizar o quadro do uso inadequado de medicamentos são necessárias diversas ações, entre as quais podem ser incluídas, segundo Aquino (2007), promoção de campanhas para garantir a educação e informação da população quanto ao assunto medicamentos, melhorar o acesso aos serviços de saúde, aumentar o controle sobre a venda destes produtos, entre outras. Em relação ao aumento do controle da venda de medicamentos, pode-se citar como exemplo o controle específico dos medicamentos ditos entorpecentes e psicotrópicos, aqueles com ação principal no sistema nervoso central, e que possuem um longo histórico de uso inadequado associado à dependência e outras consequências danosas para os usuários. Esta legislação foi utilizada como base para a formulação da regulamentação de controle de antimicrobianos. A Portaria nº344 de 1998 estabeleceu um controle mais efetivo da comercialização de diversos medicamentos divididos em listas de controle, com o objetivo de coibir tanto o tráfico, a falsificação, como o uso inadequado destes 69 medicamentos, através da necessidade de retenção de notificação de receita ou de receitas de controle especial em duas vias. E para aumentar, ainda mais, o controle destas substâncias, em 2007 – portanto, já na vigência da ANVISA - foi emitida a RDC nº27, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados (SNGPC). Tal Sistema objetiva o monitoramento efetivo da dispensação das substâncias listadas na Portaria nº 344, além de otimizar o processo de escrituração, permitir o monitoramento de hábitos de prescrição e consumo de substâncias controladas em determinada região para propor políticas de controle, captar dados que permitam a geração de informação atualizada e fidedigna para o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária para a tomada de decisão e dinamizar as ações da vigilância sanitária. O SNGPC se propõem a alcançar esses objetivos através do envio de informações de dispensação dos medicamentos das listas da Portaria nº 344 e agora dos antimicrobianos constantes na RDC nº 20 para os bancos de dados da ANVISA. As farmácias e drogarias informam quais medicamentos possuem em estoque através de inventários online e conforme os medicamentos são dispensados e as prescrições são retidas, os farmacêuticos realizam a escrituração online no programa do estabelecimento e posteriormente enviam os arquivos para o banco de dados, tornando possível para a ANVISA ter acesso aos padrões de prescrição e dispensação destes medicamento diretamente junto aos estabelecimentos farmacêuticos, o que antes não era possível, uma vez que a escrituração dos medicamentos controlados era feita de forma manual em livros de registro. Atualmente apenas farmácias e drogarias da rede privada têm a obrigatoriedade de utilização deste Sistema mas, segundo a ANVISA, futuramente a utilização do mesmo deverá se estender a farmácias da rede pública, farmácias hospitalares, indústrias e distribuidoras. A RDC nº 44/2010 aumentou o controle sobre a dispensação de medicamentos antimicrobianos e estabeleceu a necessidade de receita de controle especial em duas vias para que a dispensação destes medicamentos possa ocorrer. A ANVISA também estabeleceu a necessidade de escrituração destes medicamentos no SNGPC, o que se manteve com a revogação da RDC nº44 e publicação da RDC nº 20. 70 A necessidade da publicação de uma nova RDC ocorreu depois de muitas críticas dos diversos órgãos e conselhos de classe, e estabeleceu de forma mais detalhada os procedimentos referentes à prescrição e dispensação destes medicamentos. Entretanto, mesmo com essas mudanças, muitas questões ainda estão sendo levantadas e os diversos atores envolvidos nessa dinâmica ainda apresentam dúvidas sobre como o controle deve ser realizado. Por parte da população, emerge a estranheza frente à imposição de uma barreira para o acesso a uma classe de medicamentos que até há pouco tempo julgava-se de “livre acesso”. Junto aos profissionais de saúde surgem dúvidas sobre como devem ser as prescrições destes medicamentos (dados mínimos que devem estar presentes na prescrição para que possa ser feita a dispensação, por exemplo), e como atender da melhor forma uma população fragilizada que enxerga o medicamento como o símbolo de restituição das condições de saúde e bem-estar. O farmacêutico é o responsável direto pela chegada do medicamento ao paciente. Quais as dificuldades enfrentadas por este profissional na implantação de ações que possibilitem este acesso à população sem negligenciar as exigências da política de saúde, que objetiva justamente proteger essa população do uso inadequado de medicamentos? Quais são os obstáculos vistos pela ótica dos conselhos e dos profissionais farmacêuticos que não atuam diretamente com a dispensação de medicamentos? A preocupação com o controle do acesso da população aos medicamentos antimicrobianos está respaldada no histórico de uso abusivo e inadequado de medicamentos pela população brasileira com o agravante de que tais medicamentos, por suas características físico-químicas e farmacológicas possuem um risco associado de que os microrganismos desenvolvam resistência pelo consumo inadequado e percam a ação terapêutica esperada. Ademais, encarecem custos de tratamento e sobrecarregam o sistema de saúde, devido ao aumento das taxas de internações referentes a infecções bacterianas graves e/ou multirresistentes (LYRA JUNIOR et al, 2004, p. 87). Como mencionado anteriormente, em sua relação com a atenção à saúde e bemestar, os medicamentos assumiram uma posição de símbolo de saúde e materialização do “estado de bem-estar”, deixando sua posição técnica de instrumento de intervenção e galgando o posto de objeto social, sendo consumido como mercadoria, o que tem 71 acarretado em preocupações com o acesso, tratamentos pouco efetivos e usos inadequados. (LEITE, VASCONCELLOS, 2010, P.19) 8.1.3 – RDC Nº 20 DE 2011 – ASPECTOS REGULAMENTAÇÃO E MEDIDAS DE CONTROLE PRESENTES NA Para fins de entendimento das questões enfrentadas pelos profissionais de saúde e pelos usuários de medicamentos durante esse período inicial de implementação da RDC nº 20 /2011, é necessário abordar as exigências e as modificações na prescrição e dispensação de antimicrobianos. Primeiramente, a RDC limita sua abrangência para farmácias e drogarias da rede privada e farmácias públicas do programa farmácia popular, visto que estas farmácias dispensam antimicrobianos através de ressarcimento financeiro. Uma outra questão importante relacionada com a abrangência desta regulamentação é que normalmente farmácias públicas, sejam de postos de saúde, unidades de pronto atendimento ou farmácias ambulatoriais de hospitais já exigem a apresentação de uma prescrição médica para a dispensação de medicamentos, devendo apenas manter tal procedimento e suas formas de controle. Esta RDC passou a exigir que os antimicrobianos contidos na listagem determinada em seu anexo fossem prescritos apenas por médicos, dentistas ou médicos veterinários, ficando suspensa a autorização para prescrição de antibióticos por enfermeiros, que era prevista pela Resolução nº 358 de 2009 do Conselho Federal de Enfermagem. Contudo, após algumas discussões a própria ANVISA decidiu aceitar que os antibióticos possam ser prescritos por profissionais enfermeiros nos serviços públicos de saúde, baseados no que diz a Lei nº 7.498 de 1986, que afirma que é uma atribuição do enfermeiro como membro da equipe de saúde a “prescrição de medicamentos estabelecidos em programas de saúde pública e em rotina aprovada pela instituição de saúde” (BRASIL, 1986). Portanto, para os serviços de saúde públicos a prescrição do enfermeiro é permitida, sendo vedado a prescrição dos mesmos no setor privado. Em relação a prescrição, ficou definido que não há a necessidade de que seja feita em talonário especial, podendo ser utilizado um receituário comum, contanto que 72 as informações básicas exigidas estejam presentes e que seja feita em duas vias, com a retenção de uma cópia na farmácia ou drogaria e com validade para dez dias. Os dados obrigatórios são: Dados do prescritor: Nome, número do conselho e assinatura; Dados do paciente: Nome, idade e sexo; Dados do medicamento: Nome, concentração/dose, em casos de tratamento prolongado esta expressão deve estar escrita na receita e será válida por noventa dias, sendo que a indicação e a quantidade para cada trinta dias de tratamento devem estar presentes. Ao contrário do que determina a Portaria nº 344 de 1998, a RDC nº 20/2011 permite que outros medicamentos além de antimicrobianos sejam prescritos na mesma receita (exceto os contidos na Portaria nº 344/1998) e não limita a compra destes medicamentos a um único estabelecimento. Tanto nos casos em que o paciente escolha adquirir os medicamentos em estabelecimentos diferentes, como naqueles em que o medicamento será utilizado por um período prolongado é dever do farmacêutico escrever as informações da dispensação, como quantidade dispensada, na frente das duas vias da receita. Ficou estabelecido também que a devolução de antimicrobianos passa a ser proibida, exceto em casos de suspeita de reações adversas ou desvios de qualidade dos medicamentos, assim como também passou a ser necessária a escrituração destes medicamentos no Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados, da mesma forma que os medicamentos da Portaria nº 344 de 1998. Desta forma estabeleceu-se todos os requisitos necessários para a implantação desta nova regulamentação referente ao controle de medicamentos antimicrobianos, medida que conforme relatada, integra as políticas de saúde de governo, mas especificamente as políticas de controle de medicamentos. Porem uma regulamentação precisa de subsídios para garantir que sua implementação seja bem sucedida e alcance seus objetivos. Dentro deste período inicial de implantação quais os aspectos fundamentais observados pelos profissionais de saúde que podem auxiliar na melhor efetivação das novas normas de controle? 73 9 - A IMPLANTAÇÃO DA POLÍTICA DE CONTROLE DE ANTIMICROBIANOS - SUA REPERCUSSÃO Conforme relatado anteriormente esta regulamentação abrange farmácias e drogarias particulares e farmácias do programa Farmácia Popular, sendo notável a diferença entre estes estabelecimentos, uma vez que os primeiros citados acabam sendo confundidos pelos empresários e pela população em geral como mais um estabelecimento de comercio, enquanto aqueles estabelecimentos do programa do governo guardam em seu atendimento ao público os preceitos doutrinários do SUS que buscam a garantia da segurança do paciente. Desta forma é muito provável que os profissionais que trabalham nesses estabelecimentos possuam visões diferentes da implantação da regulamentação estudada, assim como das questões relacionadas com dificuldades e desafios. Contudo essas diferenças não puderam ser relatadas neste estudo, uma vez que não foi possível entrevistar aqueles profissionais que trabalham em estabelecimentos do programa farmácia popular, assim como, membros da vigilância sanitária do município (responsáveis pela fiscalização dos estabelecimentos farmacêuticos no município do Rio de Janeiro), pelo fato de que os profissionais destes estabelecimentos contatados pela autora, não aceitaram responder a pesquisa. Para que fosse possível identificar as questões relevantes aos profissionais de saúde relacionadas com a implantação inicial da RDC nº 20/2011, foram entrevistados oito profissionais farmacêuticos divididos dois grupos. Quatro farmacêuticos que não atuam diretamente realizando a dispensação de medicamentos e quatro farmacêuticos que trabalham diretamente com atividade de dispensação de medicamentos em farmácias e drogarias. As respostas dos profissionais entrevistados, foram agrupadas de acordo com as técnicas da análise de conteúdo e posteriormente foi construída uma matriz de análise, em que três grandes temas sobre a RDC nº 20 foram estabelecidos (Anexo V): Formulação da RDC nº 20, implantação da RDC nº 20 e dificuldades em relação a RDC nº 20. 74 Com base nos temas foram criadas as categorias e subcategorias de acordo com o proposto por Bardin, tendo sido identificadas unidades de registro e unidades de contexto das entrevistas realizadas. Os entrevistados declararam achar a nova regulamentação necessária, porém existem vários ângulos observados por cada um em relação ao aspecto mais importante de sua implantação. Um dos farmacêuticos que não trabalha diretamente com a dispensação de antibióticos frisou a existência de outras regulamentações que se fossem cumpridas tornariam a implantação da RDC nº 20 desnecessária, como a própria Lei nº5.991/ 1973. Outros entrevistados frisaram a importância desta RDC no que se relaciona com o uso racional de medicamentos, para que seja possível diminuir o uso indiscriminado dos antimicrobianos pela população e melhorar o combate a resistência microbiana. É possível visualizar no discurso dos farmacêuticos que trabalham diretamente com a dispensação de medicamentos uma preocupação com o acesso da população ao sistema de saúde, uma vez que de acordo com esses entrevistados, a maioria das pessoas que tentam comprar medicamentos antimicrobianos sem prescrição médica alega que não consegue ter acesso a consultas médicas para ser diagnosticado. Um dos entrevistados afirmou que apesar de achar a implantação da RDC necessária acredita que outras medidas devem ser implantadas em paralelo para auxiliar na redução do uso indiscriminado de medicamentos e apenas um farmacêutico declarou que não achava a RDC necessária, porém também ressaltou que sua opinião se embasava na questão de existir regulamentações que já limitavam o uso inadequado de medicamentos tarjados. As respostas a esta pergunta mostraram que os entrevistados tinham o conhecimento a respeito da existência da RDC nº 20/2011, seja por realizar atividades que se relacionam diretamente com a implantação desta regulamentação ou por conhecimento especifico de sua área de trabalho. Há uma preocupação por parte dos dois grupos em questões focadas com o acesso da população aos medicamentos de forma racional e medidas paralelas que podem ser realizadas pelo governo como uma complementação da implantação inicial. Quando perguntados sobre o impacto da RDC na utilização de antimicrobianos os dois grupos parecem concordar que em um primeiro momento há uma diminuição do 75 uso inadequado destes medicamentos. O grupo de farmacêuticos que não trabalha diretamente com a dispensação de antimicrobianos se dividiu nas opiniões relacionadas com o conhecimento da população sobre a regulamentação. A professora universitária e a fiscal do CRF acreditam que o governo deve investir mais em campanhas que auxiliem na divulgação da regulamentação e em estratégias que promovam a educação sanitária desta população para que ocorra um aumento no uso adequado de antimicrobianos. Conforme ressalta um dos entrevistados: “...nenhuma campanha publicitária a nível nacional foi vinculada na imprensa de forma continua e sistemática de modo a contribuir diretamente com os farmacêuticos que atuam em farmácias e drogarias”. A falta de campanhas que informem tanto a população usuária, como os profissionais responsáveis pela prescrição e dispensação de medicamentos, irá afetar o nível de aceitação da população a essa norma, conforme será discutido mais à frente. Em contrapartida os dois outros farmacêuticos que não trabalham com a dispensação de medicamentos relatam acreditar que as campanhas para divulgação das mudanças na regulamentação foram apropriadas e contribuíram para o debate sobre o tema utilização de antimicrobianos. É importante salientar que estes dois entrevistados não trabalham diretamente no município do Rio de Janeiro, ficando o questionamento se a visão destes se dá de forma mais regionalizada, ou ainda, será que faltou a este município uma maior divulgação em relação a outros locais do país, o que corroborou para a visão dos demais entrevistados que não houve campanhas expressivas do governo para divulgar a importância do uso adequado de antimicrobianos. O farmacêuticos que trabalham com a dispensação de medicamentos apresentaram em suas respostas dúvidas sobre o real cumprimento desta nova norma, porém todos acreditam que a longo prazo esta é uma medida que pode reduzir o uso inadequado de antimicrobianos e melhorar as taxas de resistência a esses medicamentos. Um dos farmacêuticos deste grupo é um pouco mais pessimista em sua visão sobre o impacto da RDC quando afirma que esta regulamentação é importante “apenas em coibir o acesso para pessoas que não precisam especificamente de antimicrobianos, mas isso não significa que as pessoas que precisam irão passar por uma consulta médica e ter acesso a uma prescrição”, ou seja, este profissional não consegue visualizar ações efetivas do governo que corroborem e auxiliem na implantação desta regulamentação. 76 Em relação aos principais pontos abordados pela RDC e se a sua implantação é realmente possível houve respostas distintas nos dois grupos. De forma indiscriminada apenas um farmacêutico (do grupo dos que não trabalham com dispensação de medicamentos) não considera a publicação desta RDC um avanço, uma vez que existem outras regulamentações que se cumpridas garantiriam o uso adequado de medicamentos e que maiores resultados poderiam ser verificados se houvessem campanhas de educação sanitária para a população. Dentre os aspectos importantes citados pelos entrevistados, tem-se a questão da necessidade de retenção de receita que obriga o paciente a passar por uma consulta médica, a menor validade da receita médica o que restringe a compra do medicamento quando ele não é mais necessário, a necessidade de escrituração dos antimicrobianos através do SNGPC, o que aumenta a amplitude de ação da vigilância sanitária. Contudo esses mesmos pontos salientados apresentam problemas que precisam ser resolvidos para garantir a efetiva implementação desta regulamentação. Dentro dos dois grupos foi observado que os maiores problemas para a operacionalização desta RDC encontram-se na falta de fiscalização de diversos estabelecimentos, seja no cumprimento da necessidade do farmacêutico por todo o período de funcionamento da farmácia ou drogaria, ou no próprio cumprimento da RDC. Também há problemas em relação ao SNGP, uma vez que por ser o farmacêutico responsável pelo encaminhamento das informações há um afastamento de suas atividades clinicas e da sua interação com o paciente que busca informações no estabelecimento farmacêutico, e abre espaço para que a dispensação de medicamentos seja feita pelo balconista. Segue um dos relatos: “O SNGPC é um exemplo de avanço, só que no meu ponto de vista, não deveria ser o farmacêutico o digitador deste processo”. Novamente a preocupação com a garantia ao acesso as consultas medicas foi uma preocupação dos grupos, porém um dos farmacêuticos que não trabalha com a dispensação de medicamentos acredita que a utilização inadequada de antimicrobianos é um problema tão grande que a instituição desta regulamentação foi acertada e é necessária. Em relação as possíveis dificuldades existentes para a implantação desta RDC, os dois grupos concordam que apesar do SNGPC ser uma estratégia para otimizar a 77 disponibilidade de informações sobre os hábitos de prescrição e dispensação dos antimicrobianos, o fato desta escrituração eletrônica precisar ser realizada pelo farmacêutico soma-se a tantas outras atividades burocráticas de controle sanitário já realizadas por este profissional dificultando, conforme falado anteriormente suas atividades de orientação junto ao paciente. Um dos farmacêuticos que trabalha diretamente com a dispensação de medicamentos ressalta outro problema decorrente das múltiplas atividades burocráticas do farmacêutico, a dispensação realizada pelos balconistas que não se preocupam com as normas de controle sanitário. “Além disso, os balconistas ganham comissão para vender medicamentos e isso incentiva a venda sem prescrição médica dos antimicrobianos, dificultando o trabalho do farmacêutico”. Outra dificuldade abordada pelos dois grupos diz respeito a problemática da fiscalização, uma vez que muitas farmácias não cumprem as normas vigentes por não serem fiscalizadas. A questão da conscientização da população sobre os perigos da utilização inadequada de medicamentos e de que farmácias são estabelecimentos de saúde foi abordada por um dos farmacêuticos que não trabalha diretamente com a dispensação de medicamentos. Novamente as preocupações sobre a operacionalização desta regulamentação alcançam a necessidade de aumentar o conhecimento da população sobre medicamentos e tornar esta população aliada dos profissionais de saúde com o intuito de diminuir os problemas decorrentes da utilização inadequada de medicamentos. Essa questão também se relaciona com a aceitação inicial da população sobre as mudanças ocorridas com a dispensação dos antimicrobianos. É interessante verificar que os dois grupos entrevistados apresentam visões diferentes desta reação inicial, ambos afirmam ter sido observado um descontentamento da população durante os meses iniciais de implantação, contudo o grupo de farmacêuticos que trabalha diretamente com a dispensação de medicamentos afirma categoricamente que esta recepção foi péssima e cheia de problemas, já que os pacientes estavam acostumados em receber “consultas” no próprio balcão da farmácia ou drogaria, o que não foi mais possível com as mudanças. 78 Já o grupo que não trabalha diretamente com a dispensação de medicamentos tem uma visão mais suave em relação a recepção da população, no que afirmam que apesar do estranhamento inicial, após os esclarecimentos sobre as mudanças os pacientes pareciam entender e buscar a consulta médica para obter a prescrição adequada. O que este grupo não aborda diretamente em suas respostas são os problemas decorrentes da falta de fiscalização, como as farmácias que não cumprem as novas regras e possibilitam que esses pacientes continuem obtendo antimicrobianos sem prescrição médica. Foram investigadas também opiniões referentes à preparação técnica do farmacêutico para prestar informações referentes as mudanças realizadas na dispensação de antimicrobianos e novamente os grupos tiveram algumas diferenças em seus pontos de vistas. O grupo que não trabalha com a dispensação de antimicrobianos acredita que estes profissionais se capacitam para auxiliar os pacientes prestando informações sobre a dispensação e utilização correta destes medicamentos de forma que estas informações atinjam seu objetivo, o que está alinhado com a opinião dos que trabalham com a dispensação, contudo estes profissionais frisaram as dificuldades em realizar este trabalho informativo em consequência das diversas atividades burocráticas já abordadas anteriormente, que precisam ser realizadas. Aparentemente, o único participante que não trabalha com a dispensação de medicamentos que tem uma opinião semelhante aos membros do outro grupo é a fiscal do CRF que afirma acreditar que o farmacêutico tem um preparo para falar ao paciente do produto antimicrobiano muito maior do que sua correlação clínica e isso se deve, justamente, a esta questão das múltiplas atividades burocráticas que o farmacêutico precisa desempenhar. Ainda nos pontos relacionados com as dificuldades perante a implantação da RDC nº 20, foram abordados aspectos referentes a fiscalização. Todos os entrevistados concordaram que a fiscalização, seja pelos conselhos profissionais ou pelas vigilâncias sanitárias, possui falhas e carece de reforço. 79 Existem duas abordagens diferenciadas em relação à fiscalização. Os conselhos de farmácia fiscalizam majoritariamente a ausência do farmacêutico nos estabelecimentos, não averiguando se as atribuições referentes à prática clínica e burocrática do farmacêutico estão sendo cumpridas, apesar de ser estabelecido pelo Conselho Federal de Farmácia a ficha de verificação do exercício ético-profissional, que deveria ser utilizada como instrumento norteador das atividades básicas a serem cumpridas pelo farmacêutico nas farmácias e drogarias, contudo, conforme relato de entrevistado muitas vezes esta ficha não é utilizada: “ o CRF fiscaliza a ética profissional, então observamos se o farmacêutico está cumprindo bem ou não o seu papel profissional. Atualmente só observamos se ele está presente”. Desta forma temos uma problemática séria, uma vez que como as atividades profissionais do farmacêutico não são efetivamente fiscalizadas “não se observa o que está sendo realizado pelo profissional. Ele muitas vezes está em atividades administrativas e nunca realiza atividades clínicas”. A outra abordagem está relacionada com a fiscalização das vigilâncias sanitárias, que, segundo os entrevistados, não consegue abranger todos os estabelecimentos farmacêuticos que precisam de fiscalização. Outro ponto importante que parece ser de consenso entre os entrevistados é que novamente há a dificuldade em avaliar se as normas sanitárias estão sendo cumpridas. A fiscalização das vigilâncias sanitárias parece não se importar com a qualidade e a segurança do atendimento, conforme um dos entrevistados ressalta: “me parece que as instituições fiscalizadoras se preocupam por demais em ações punitivas às drogarias do que em ações educativas aos prescritores. A legislação acaba por ser cumprida mais pelo receio do farmacêutico em ser punido”. Segundo um dos entrevistados do grupo de profissionais que não trabalha com a dispensação de medicamentos, o SNGPC consegue auxiliar nesse controle da fiscalização sanitária uma vez que “os profissionais de vigilância sanitária têm acesso ao sistema e conseguem acompanhar quais estabelecimentos não estão cumprindo com a legislação”. Contudo, de acordo com os demais entrevistados, é praticamente unânime a percepção de que as vigilâncias não estão conseguindo fiscalizar estabelecimentos que não possuem o farmacêutico durante seu horário de funcionamento. Será possível para 80 eles fazer um acompanhamento das informações implantadas no sistema eletrônico, atividade bem mais complexa? De acordo com os entrevistados a resposta é não, conforme é possível verificar nos trechos a seguir. “Normalmente a fiscalização só se preocupa com documentos e a área física da farmácia”. “A fiscalização realizada pelas vigilâncias sanitárias locais quanto aos procedimentos de exigência e retenção de receita nos estabelecimentos farmacêuticos é pouco feita e decorre desse fato que muitas farmácias continuam vendendo sem nenhum controle”. Quando perguntados sobre as potencialidades dos mecanismos de fiscalização e sobre o que poderia ser feito para além da fiscalização os grupos divergem um pouco em suas respostas. Aqueles que trabalham com a dispensação de medicamentos sentem uma carência grande nas ações de fiscalização sanitária e demonstram acreditar que se houvesse mudanças nas abordagens de fiscalização realizadas nas farmácias, com menos preocupação em ações punitivas aos profissionais e mais ações de educação voltadas a esses profissionais e pacientes poderia haver uma melhora na operacionalização das novas normas. Da mesma forma ressaltam a necessidade de ampliar as ações de fiscalização para que todos os estabelecimentos possam ser contemplados. Já aqueles que não trabalham diretamente com a dispensação de medicamentos afirmam achar que os problemas referentes a fiscalização são as punições brandas ou até mesmo inexistentes devido a pressões do mercado e fiscalizações que não contemplam as atividades éticas e assistenciais destes profissionais, apesar de um dos membros deste grupo ter afirmado acreditar que os mecanismos de fiscalização atuais são suficientes, sendo necessário o aumento do número de fiscais para garantir o cumprimento das normas. Em relação às participações nas consultas e audiências públicas que resultaram na publicação de mudanças na dispensação de antimicrobianos, apenas um entrevistado afirmou ter tido participação devido à sua vinculação à entidade envolvida com a 81 questão de utilização de medicamentos. Todos os outros participantes, inclusive os que não atuam diretamente na dispensação, apenas acompanharam a discussão de forma afastada e sem participação ativa. Essa questão pode levantar discussões sobre os mecanismos utilizados pela ANVISA para a divulgação de suas discussões sobre vigilância sanitária e utilização de medicamentos. Inclusive, durante a realização deste trabalho, buscou-se conseguir cópias dos resultados da consulta pública e da ata da audiência pública realizadas à época da publicação das mudanças da regulamentação, sem sucesso, embora todas essas informações sejam de livre acesso público. É possível verificar algumas questões importantes após a análise do relato dos farmacêuticos entrevistados. Primeiramente, apesar de existirem diferenças de opiniões e pontos de vistas entre os grupos entrevistados, ambos apresentaram similaridades e foram complementares praticamente em todos os pontos abordados, sendo as diferenças esperadas, justamente pelas diferentes atividades exercidas por esses profissionais, que acabam levando a diferenças nas respostas. Pareceu haver por parte do farmacêutico integrante da ANVISA, uma maior credibilidade nas ações de controle e fiscalização da vigilância sanitária do que nos demais participantes, independente dos grupos analisados. Isso é verificado na sua resposta a questões dos mecanismos de controle da vigilância, conforme já abordado. O grupo de farmacêuticos que trabalham com a dispensação de medicamento foi escolhido levando em consideração a divisão do município do Rio de Janeiro feita pelo CRF-RJ, tendo sido dois farmacêuticos de farmácias e drogarias de grandes redes, um na região F (centro), e outro da região A (zona sul) e dois farmacêuticos de farmácias e drogarias de pequeno porte, um da região E (zona da Leopoldina) e outro da região D (Méier). Apesar desta divisão, não foi possível observar diferenças significativas nas respostas destes participantes que demonstrem relação com a região de trabalho destes profissionais. Aparentemente os profissionais que trabalham nas áreas E e D apresentam maiores preocupações no que se relaciona com a fiscalização dos estabelecimentos, contudo não foi possível determinar se essa questão está relacionada com a região em que estes estabelecimentos se encontram ou com o fato destes serem farmácias e drogarias de pequeno porte. 82 Por último é importante relacionar a entrada do tema controle de antimicrobianos na agenda política do governo com as questões da implantação inicial de uma regulamentação deste assunto. Conforme foi observado durante o desenvolvimento deste trabalho, o controle da utilização adequada de medicamentos é uma questão antiga e de difícil operacionalização no Brasil devido à questões socioeconômicas e culturais, sendo que apesar de já existirem legislações e regulamentações que forneçam os mecanismos para a realização deste controle, o mesmo tem se mostrado falho e com consequências preocupantes. Todos os entrevistados concordaram com a necessidade de garantir mecanismos que possibilitem a melhora no controle sanitário de medicamentos e reconheceram a importância desta nova regulamentação como uma dessas tentativas. Da mesma forma os estudos de Kingdon sobre a formação da agenda política explicam como é necessário uma convergência de fatores para a abertura da janela de oportunidades que permita a inserção de um tema que poderá se tornar uma nova política pública. A RDC nº 20/2011 é o exemplo de como situações de emergência e questões relevantes para o controle sanitário convergem e passam a integrar as políticas de saúde do governo brasileiro, sendo reconhecida pelos profissionais entrevistados como uma medida de vigilância sanitária fundamental para a melhora da qualidade de assistência à população, contudo os mesmos profissionais reconhecem que outras medidas se fazem necessárias para que um ciclo virtuoso seja formado e então as mudanças esperadas possam ser realmente efetivadas. 83 10 – PERSPECTIVAS FUTURAS: O QUE PODEMOS ESPERAR O presente trabalho teve como principal objetivo verificar as questões suscitadas pelos profissionais de saúde que possuem atividades relacionadas com a dispensação de antimicrobianos, modificada pela implantação inicial da RDC nº 20/2011. Estes profissionais, na figura de farmacêuticos dispensadores de medicamentos, fiscais, professores universitários e membros de órgãos da classe farmacêutica, puderam, por meio de entrevistas semiestruturadas, auxiliar na visualização das principais críticas e questões referentes à supracitada regulamentação. Paralelamente, pela análise documental, verificou-se os motivos que levaram o tema controle de antimicrobianos à agenda política do governo. Baseando-se na teoria do ciclo das políticas públicas e no modelo de múltiplos fluxos de Kingdon, enumerouse os fatores que levaram os legisladores à formulação de uma nova regulamentação que alterou a forma pela qual os medicamentos antimicrobianos podem ser prescritos e dispensados. Não há dúvidas de que a utilização de medicamentos pela população é um tema que merece destaque e faz parte das prioridades da OMS e dos governos mundiais. Nas políticas de saúde do Brasil existem diversas regulamentações, conforme foi apresentado, que buscam a utilização racional dos medicamentos e estipulam normas para que esse objetivo possa ser alcançado. Contudo é visível que por diversas falhas, tanto na fiscalização quanto na operacionalização destas normas, o uso racional de medicamentos está longe de ser alcançado no país. Conforme foi evidenciado, a própria RDC nº 20/2011 busca corrigir uma falha no seguimento de normas já vigentes, uma vez que a lei nº 5.991/73 já prevê que a dispensação de antimicrobianos só pode ser realizada mediante a apresentação de uma prescrição, visto serem esses medicamentos tarjados. Se esta simples norma fosse seguida por todos os estabelecimentos farmacêuticos, não haveria a necessidade de uma nova regulamentação ser implementada, trazendo medidas punitivas para os profissionais de saúde. Da mesma forma, o governo não está investindo em ações educativas para a população cujo impacto esteja sendo visualizado. A falta de campanhas que informem a 84 população a respeito dos perigos da utilização inadequada de medicamentos aumenta as críticas às regulamentações que criam restrições de acesso aos medicamentos. Quanto à garantia de acesso dos indivíduos que realmente precisam de tratamentos com antimicrobianos, o governo vem desenvolvendo ações que, por exemplo, aumentam o acesso aos serviços de saúde. Entretanto, estas ações certamente necessitam alcançar ainda maior amplitude. Dentre os principais indicadores que podem ser utilizados para avaliar questões referentes ao acesso da população aos serviços de saúde destacam-se a utilização de um serviço regular de saúde, o número de pessoas que passam por consultas médicas e odontológicas, o número de exames auxiliares a diagnóstico, como o Papanicolau e mamografias e a cobertura realizada pelo Programa Saúde da Família, que tem se ampliado ao longo dos últimos anos de forma expressiva. De acordo com dados do Ministério da Saúde, o governo ampliou o atendimento do programa em 31,89% nos últimos dois anos, sendo que até 2010 a cobertura populacional do programa no município do Rio de Janeiro era de 12,71% (MS/DAB). Outras ações importantes do governo no sentido de buscar a ampliação do acesso aos serviços de saúde é verificada na criação do Programa de valorização do profissional da atenção básica (PROVAB), que busca capacitar médicos e outros profissionais de saúde na atenção básica e levar estes profissionais para regiões que tenham carência desses serviços, além do programa Mais médicos que trouxe profissionais de outros países para atuar em diversas áreas do Brasil, tentando suprir a necessidade destes profissionais. Apesar destas ações existe ainda uma grande demanda por estes profissionais que ainda não conseguiu ser suprida. De acordo com o portal saúde do Ministério da Saúde, foram solicitados pelos municípios treze mil médicos para atuação em 2868 municípios, contudo em 55% não houve a inscrição de nenhum médico (MS/DAB). Da mesma forma ainda deve-se avaliar com cautela os números apresentados pelo programa mais médicos, que de acordo com o Ministério da Saúde, apresentou um aumento de 35% no número geral de consultas na atenção básica após sua implantação (5.972.908 em janeiro de 2014 contra 4.428.112 em janeiro de 2013) (MS/DAB). O reflexo destas ações na questão de dispensação de medicamentos antimicrobianos talvez possa ser visualizado nos números de atendimentos nas farmácias públicas ou da rede 85 de farmácias populares, que não foram incluídas neste estudo, uma vez que para os profissionais das farmácias e drogarias privadas o acesso à consultas médicas para obtenção de uma prescrição ainda é uma das principais questões levantadas como uma das grandes problemáticas em torno da operacionalização da RDC nº20. Outras duas questões importantes levantadas durante a realização deste trabalho foram o afastamento do farmacêutico de sua função de dispensador, que compromete toda a dinâmica para alcançar o uso racional de medicamentos pela população, e a falha dos órgãos fiscalizadores em sua função, principalmente no que se refere ao cumprimento das normas explicitadas pelas políticas públicas. É evidente que a utilização de medicamentos pela população precisa de orientação e de medidas sanitárias de controle para que a própria população possa ser protegida. Contudo, durante o desenvolvimento deste trabalho foi possível evidenciar que as medidas instituídas, além de não estarem sendo cumpridas efetivamente, servem apenas para preencher falhas prévias da fiscalização da comercialização e da utilização dos antimicrobianos. Espera-se que a partir desta pesquisa inicial, novos trabalhos possam vir a aprofundar o estudo da questão da utilização correta de medicamentos antimicrobianos e que um debate sobre as formas de fiscalização de medicamentos e ações de vigilância sanitária possa ser iniciado. Uma população esclarecida acerca dos riscos de utilização de antimicrobianos, juntamente com profissionais capacitados para prestar assistência farmacêutica de forma correta para esta população são requisitos necessários para aumentar o uso racional de medicamentos e a segurança dos pacientes. 86 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ACURCIO, F. A.; M. D. C. GUIMARÃES, Utilização de medicamentos por indivíduos HIV positivos: abordagem qualitativa. Revista de Saúde Pública V:33, n1, p. 73-84. 1999. Disponível em < http://www.scielosp.org/pdf/rsp/v33n1/0025.pdf> Acesso em: 14 jun 2013 AQUINO, D.S. Por que o uso racional de medicamentos deve ser uma prioridade? Ciência e Saúde Coletiva, V:13, Suplemento, p.733-736, 2008. 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Resolução: Determinação escrita, de caráter pessoal transitório, emanada de um ministro ou autoridade superior, esclarecendo, solucionando, deliberando ou regulando certa matéria. Podem ser de dois tipos: (1) RE – São resoluções comuns que deliberam decisões mais práticas de cunho administrativo, tais como concessão de certificado de Boas Práticas de Fabricação para algum estabelecimento, ou indeferimento de registro de determinado medicamento. (2) RDC, são as Resoluções da Diretoria Colegiada, constituída de um grupo misto de legisladores e técnicos que se ocupam em editar normas e procedimentos para várias áreas de atuação. 95 ANEXO I – PARECER DO COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA 96 ANEXO II – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO Prezado(a) Sr(a) Estamos realizando a pesquisa: Implementação da nova regulamentação para prescrição e dispensação de antimicrobianos: possibilidades e desafios, desenvolvida no Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IESC/UFRJ) pela pesquisadora Pamella da Silva Sampaio sob orientação das Prof. Dra. Leyla Gomes Sancho e Prof. Dra. Regina Ferro do Lago. Esta pesquisa pretende examinar a implantação da nova legislação para controle da venda e dispensação de antibióticos em farmácias comunitárias e drogarias no município do Rio de Janeiro. Este projeto tem como objetivo: Identificar as questões relevantes para os profissionais farmacêuticos a respeito da implantação da nova legislação de controle de prescrição e dispensação de antibióticos, identificar junto aos profissionais farmacêuticos quais as principais questões relevantes que possam auxiliar os demais profissionais de saúde e a população na implantação e entendimento da nova legislação. Estaremos realizando, para cumprir esses objetivos, entrevistas com farmacêuticos que atuam em farmácias comunitárias e drogarias e demais profissionais de saúde. Pedimos sua colaboração respondendo a um conjunto de perguntas. As respostas anotadas serão revisadas por você de modo a refletir fielmente as suas respostas. O Sr (a) também poderá responder as perguntas por escrito, caso queira. De outra parte, não precisará responder as perguntas caso não queira e interromper a entrevista a qualquer momento. Nos resultados da pesquisa não será divulgado seu nome, tampouco o nome de sua organização. Todas as informações a respeito da identidade dos sujeitos de pesquisa, terão medidas de segurança em relação a sua guarda, utilização e destinação, e qualquer falha que exponha o pesquisado, será de responsabilidade pessoal da pesquisadora. Nenhum participante receberá qualquer tipo de remuneração por sua participação na pesquisa e não haverá benefícios pessoais para os participantes envolvidos Caso tenha alguma dúvida, poderá estabelecer contato com os pesquisadores no telefone registrado adiante. Os resultados da pesquisa serão divulgados sob a forma de dissertação de mestrado e publicados em revistas científicas e informamos que tornaremos os resultados acessíveis tão logo possível. Atenciosamente Pamella da Silva Sampaio Telefones: 21 986584240 97 e-mail: [email protected] Se você tiver alguma consideração ou dúvida sobre a ética da pesquisa, entre em contato com o Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva Praça Jorge Machado Moreira, Cidade Universitária – Ilha do Fundão/Rio de Janeiro – RJ Tels: (21) 2598-9293 www.iesc.ufrj.br [email protected] Concordo em participar da entrevista Sim ( ) Não ( ) Em / / Assinatura Concordo que a entrevista seja gravada Sim ( ) Não ( ) Em / / Assinatura Concordo em divulgar o nome da minha organização Sim ( ) Não ( ) Em / / Assinatura Declaro que revi minhas respostas escritas no questionário Sim ( ) Não ( ) Em / / Assinatura Declaro que revi o texto transcrito a partir da gravação da minha entrevista Sim ( ) Não ( ) Em / / Assinatura 98 ANEXO III – ROTEIRO DE ENTREVISTAS – FARMACÊUTICOS DISPENSADORES Formulário nº: Data da Entrevista: ______________ Sexo:________________ Farmácia: __________________________ Região:________________ Tempo de Formado: ______________ Qualificação: ____________________ Observações:____________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ _____________________________ 1 - Tem conhecimento da existência da RDC nº 20/2011, sua abrangência e conteúdo? Acha que ela é necessária? 2 – Na sua opinião, qual o impacto que esta RDC esta trazendo para a utilização de medicamentos pela população? 3 – Quais os aspectos no texto da legislação que você avalia como avanços na questão do uso correto de medicamentos? Acredita que a implementação destes itens é possível, tendo em vista a realidade brasileira? 4 – Já houve diversos relatos sobre a dificuldade dos profissionais de saúde na implementação desta RDC, inclusive tendo havido primeiramente a publicação da RDC 44/2010 e, em seguida, sua substituição pela RDC 20/2011. Na sua visão, quais as causas para essas dificuldades? Isso pode prejudicar a RDC a alcançar seus objetivos? 5 - Como tem sido a recepção da população a essa nova RDC? 6 – O farmacêutico é o profissional que tem contato direto com a população na dispensação de medicamentos. Você se sente capacitado para informar a população acerca das mudanças sobre dispensação de antibióticos? Se sim, no seu dia a dia, você consegue prover estas informações? 7 – Quais as dificuldades de aplicação das determinações da RDC você observou na prática (em seu local de trabalho, com outros funcionários)? Você tem conhecimento sobre como tem sido em outros locais? 99 8 - Como você se sente em relação ao respaldo das instituições fiscalizadoras como CRF e Vigilância Sanitária para o auxílio à implantação desta legislação? 9 – Participou da consulta e da audiência pública para a formulação desta regulamentação? Tem costume de acompanhar esse tipo de evento? 10 – Você tomou conhecimento de discussões, divergências ou dificuldades no processo de formulação desta RDC? 100 ANEXO IV – ROTEIRO DE ENTREVISTAS – FARMACÊUTICOS QUE NÃO ATUAM COM DISPENSAÇÃO DE MEDICAMENTOS Formulário nº: Data da Entrevista: ______________ Sexo:________________ Local de trabalho: __________________________ Região:________________ Tempo de Formado: ______________ Qualificação: ____________________ Observações:____________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ _____________________________ 1 - Tem conhecimento da existência da RDC nº 20/2011, sua abrangência e conteúdo? Acha que ela é necessária? 2 – Na sua opinião, qual o impacto que esta RDC esta trazendo para a utilização de medicamentos pela população? 3 – Quais os aspectos no texto da legislação que você avalia como avanços na questão do uso correto de medicamentos? Acredita que a implementação destes itens é possível, tendo em vista a realidade brasileira? 4 – Já houve diversos relatos sobre a dificuldade dos profissionais de saúde na implementação desta RDC, inclusive tendo havido primeiramente a publicação da RDC 44/2010 e, em seguida, sua substituição pela RDC 20/2011. Na sua visão, quais as causas para essas dificuldades? Isso pode prejudicar a RDC a alcançar seus objetivos? 5 - Como tem sido a recepção da população a essa nova RDC? 6 - O farmacêutico é o profissional que tem contato direto com a população na dispensação de medicamentos. De maneira geral, Você acredita que este profissional esteja preparado para informar a população sobre a utilização de antibióticos e suas mudanças? 101 7 - Quais os mecanismos de fiscalização de que as instituições fiscalizadoras como CRF e Vigilância Sanitária dispõem para o auxílio a implantação desta legislação junto a farmácias e drogarias? 8 -Quais as potencialidades e limites destes mecanismos? O que você acha que poderia ou deveria ser feito além disto? 9 – Participou da consulta e da audiência pública para a formulação desta regulamentação? Tem costume de acompanhar esse tipo de evento? 10 – Você tem conhecimento sobre o processo de formulação desta RDC? Por exemplo, quais foram as instituições, grupos ou segmentos que mais se envolveram na discussão? Ou que mais apoiaram ou criticaram a medida? 11 – A RDC nº20/2011 tem sua abrangência voltada para farmácias e drogarias que comercializam antibióticos, porém diversos estudos afirmam que um dos grandes problemas em relação à resistência bacteriana tem sua origem na prescrição e utilização errônea de antibióticos em hospitais. Como você avalia em relação à formulação de políticas de saúde esta situação? Acredita que o governo deveria estender esse controle para hospitais e clínicas de saúde? 102 ANEXO V - Grupos de medicamentos isentos de prescrição GRUPOS TERAPÊUTICOS OBSERVAÇÕES ANTIACNEICOS TÓPICOS E ADSTRINGENTES RESTRIÇÃO: RETINÓIDES ANTIÁCIDOS, ANTIEMÉTICOS, EUPÉPTICOS, RESTRIÇÕES:METOCLOPRAMIDA, ENZIMAS DIGESTIVAS BROMOPRIDA, MEBEVERINA INIBIDOR DA BOMBA DE PROTON ANTIBACTERIANOS TÓPICOS PERMITIDOS: BACITRACINA E NEOMICINA ANTIDIARREICOS RESTRIÇÕES:LOPERAMIDA INFANTIL, OPIÁCEOS ANTIESPASMÓDICOS RESTRIÇÃO: MEBEVERINA ANTI-HISTAMÍNICOS RESTRIÇÕES: ADRENÉRGICOS, CORTICÓIDES (EXCETO HIDROCORTISONA DE USO TÓPICO) ANTI-SEBORRÉICOS ANTI-SÉPTICOS ORAIS, ANTI-SÉPTICOS BUCOFARÍNGEOS ANTI-SÉPTICOS NASAIS, FLUIDIFICANTES NASAIS, UMECTANTES NASAIS ANTI-SÉPTICOS OCULARES RESTRIÇÕES: ADRENÉRGICOS (EXCETO NAFAZOLINA COM CONCENTRAÇÃO < 0,1%), CORTICÓIDES ANTI-SÉPTICOS DA PELE E MUCOSAS ANTI-SÉPTICOS URINÁRIOS ANTI-SÉPTICOS VAGINAIS TÓPICOS AMINOÁCIDOS, VITAMINAS, MINERAIS ANTIINFLAMATÓRIOS PERMITIDOS:NAPROXENO, IBUPROFENO, CETOPROFENO. TÓPICOS NÃO ESTEROIDAIS ANTIFLEBITES ANTIFISÉTICOS, ANTIFLATULENTOS, CARMINATIVOS ANTIFÚNGICOS, ANTIMICÓTICOS PERMITIDOS: TÓPICOS ANTI-HEMORROIDÁRIOS PERMITIDOS: TÓPICOS ANTIPARASITÁRIOS ORAIS, ANTI- PERMITIDOS: MEBENDAZOL, HELMÍNTICOS LEVAMIZOL. ANTIPARASITÁRIOS TÓPICOS, ESCABICIDAS, ECTOPARASITICIDAS ANTITABÁGICOS RESTRIÇÃO: BUPROPIONA 103 ANALGÉSICOS, ANTITÉRMICOS, PERMITIDOS: ANALGÉSICOS (EXCETO ANTIPIRÉTICOS NARCÓTICOS) CERATOLÍTICOS CICATRIZANTES COLAGOGOS, COLERÉTICOS DESCONGESTIONANTES NASAIS TÓPICOS RESTRIÇÕES: VASOCONSTRITORES DESCONGESTIONANTES NASAIS SISTÊMICOS PERMITIDO: FENILEFRINA EMOLIENTES E LUBRIFICANTES CUTÂNEOS E DE MUCOSAS EMOLIENTES, LUBRIFICANTES E ADSTRINGENTES OCULARES EXPECTORANTES, BALSÂMICOS, MUCOLÍTICOS. SEDATIVOS DA TOSSE LAXANTES, CATÁRTICOS REHIDRATANTE ORAL RELAXANTES MUSCULARES RUBEFACIENTES TÔNICOS ORAIS 104 ANEXO V - MATRIZ COM ANÁLISE DE CONTEÚDO Análise de conteúdo - matriz Tema Categorias Subcategorias Indicadores/unidades de Unidades de Contexto registo OUTRAS - Existem outras legislações A1 - “Em resumo, se a lei nº5991 fosse cumprida não precisaríamos da REGULAMENTAÇÕES prévias RDC em questão” que se fossem cumpridas levariam ao uso racional NECESSIDADE USO DOS ANTIBIÓTICOS H1 – “Sim, mas não a acho necessária” - Importante para reduzir o B1 – “. A sociedade usa os antibióticos de forma indiscriminada e um uso indiscriminado grande problema de saúde pública surge com isso.” C1 – “O balconista libera ainda medicamentos se percebe a ausência do FORMULAÇÃO DA RDC 20 - Nem sempre as prescrições médicas são corretas farmacêutico no momento da dispensação” D1- A Resolução – RDC nº 20/2011 determinou novos controles quanto à exigência da apresentação, retenção e escrituração das receitas contendo medicamentos antimicrobianos, visando ao combate à automedicação, o incentivo ao diagnóstico e tratamento eficazes, o combate à resistência bacteriana e a captura de dados de prescrição e consumo para geração de informações que permitam a proposição de intervenções com foco no risco sanitário” E1- “ela é necessária para tentar reduzir o impacto do uso 105 indiscriminado de antimicrobianos.” A3 – “Lembrando que nem sempre as prescrições são racionais e para que se evite o uso dos antimicrobianos sem necessidade que gera o aumento da resistência microbiana..." CONSULTAS QUESTIONAMENTOS PUBLICAÇÃO PRÉ- - Pouca conhecimento durante as conversas pré publicação A10 – “Não participei e não tenho hábito de acompanhar” C14 – “Não acompanho regularmente e acho que são pouco divulgada” . D4 – “Não me lembro ao certo, pois não participei de perto, mas o - Praticamente nenhuma número de contribuições recebidas na consulta pública para a participação das consultas e publicação da RDC nº 44/2010 foi considerado baixo à época. Houve audiências publicas cerca de 200 contribuições apenas e isso é pouco se considerarmos as intensas discussões e as implicações que a norma trouxe”. 106 Tema Categorias Subcategorias Indicadores/unidades de Unidades de Contexto registo AOS ANTIBIÓTICOS - Dificultou o acesso aos C3 - “Dificultou o acesso da população a esses medicamentos” [...] antibióticos não “Apenas em coibir o acesso para pessoas que não precisam precisa, mas não garantiu o especificamente de antibióticos, mas isso não significa que as pessoas mesmo a quem precisa que precisam irão passar por consulta médica e ter acesso a uma a quem prescrição” ACESSO E2 - “pois a população tem baixa aceitação dessa medida pois não a vê como algo benéfico e sim restritivo.” F1 - “Nas regiões onde a legislação realmente está sendo cumprida, o acesso aos antibióticos diminuiu bastante. Principalmente para a população que tinha o hábito de tomar antibiótico por conta própria”. A5- “Não considero essa RDC um avanço, pois como mencionei, IMPLANTAÇÃO anteriormente, se a Lei nº 5.991 fosse cumprida nossa população faria DA RDC 20 uso racional de medicamentos”. A CONSULTAS MÉDICAS - Não houve planejamento do C2 – “A maior desculpa dessas pessoas é a falta de acesso aos governo para melhorias no médicos”. acesso aos médicos de forma efetiva F2 – “Mas também dificultou o acesso daqueles pacientes que são atendidos em unidades do SUS que não são obrigados a seguir a nova RDC, quando a unidade não tem o antibiótico para dispensar e o paciente precisa de uma nova receita para conseguir o medicamento em outra unidade ou para comprar”. G2 – “Certamente, temos consciência de que a inacessibilidade às 107 consultas médicas em nosso País é uma triste realidade, tanto no setor privado quanto no público”. C7 - As dificuldades são muitas: a falta de acesso da população aos médicos gera a tentativa de uma consulta na própria drogaria ou farmácia”. E3 – “a população tem baixa aceitação dessa medida pois não a vê como algo benéfico e sim restritivo”. se B3 – “. Essa legislação é fundamental para garantirmos o uso correto a de antibióticos e iniciarmos no país uma cultura de informação mais informação para a população, acessível à sociedade quanto aos riscos e cuidados com o uso de DIVULGAÇÃO mas não há apoio especifico medicamentos”. (CAMPANHAS) do governo CONHECIMENTO DOS PROFISSIONAIS - Os farmacêuticos instruíram para passar E12 – “Embora sejam divulgados sempre as mudanças a respeito do controle desses medicamentos não há um auxilio real e prático para a implantação. Não houve campanhas ou reuniões, pelo menos aqui no Rio de Janeiro para auxiliar os farmacêuticos a prestar essas informações a população. E a fiscalização não busca diretamente se esse tipo de controle esta sendo feito ou não”. CONHECIMENTO POPULAÇÃO DA - Não houve campanhas para A4 - “Lamento que a Anvisa não tenha lançado mão de estratégias para educar a população de forma educar a população sobre os riscos inerentes ao uso indiscriminado de efetiva na importância do uso antimicrobianos pois, a sociedade uma vez informada vai evitar este racional uso contribuindo também, indiretamente, na prescrição questionando o profissional de saúde sobre a real necessidade dessa utilização”. 108 - Porém algumas campanhas B2 – “. O fato é que o Governo tem dado pouca atenção a essa feitas e a cobertura da mídia dinâmica, pois nenhuma campanha publicitária a nível nacional foi foram para veiculada na imprensa de forma contínua e sistemática, de modo a solidificar a necessidade de contribuir principalmente com os farmacêuticos que atuam nas receita na população farmácias e drogarias”. fundamentais C4 – “Não me lembro se na época da implementação da legislação existiu uma campanha informativa, mas acho que deveria ser feita alguma nesse momento”. E4 – “O entendimento da população geral quanto a necessidade dessa regulamentação é algo que também passa por ampliação do atendimento e educação desta”. A6 – “Avanço seria implantar estratégias que educassem a população sobre os riscos no uso de medicamentos”. E9 – “Não há campanhas para educar a população nesse aspecto e ajudar na divulgação das novas medidas”. G1 – “no início das discussões quando a sociedade brasileira foi informada, de forma mais intensa, sobre os riscos do uso indiscriminado dos antibióticos”. USO IMPACTO CORRETO ANTIBIOTICOS DOS - O uso racional de antibióticos entra como um objetivo a longo prazo - Ocorre o aumento do B4 – “O avanço a meu ver se dá na medida, em que há, uma tentativa de maior controle do consumo de medicamentos antibióticos”. 109 controle do consumo de antibióticos Tema Categorias Subcategorias Indicadores/unidades de Unidades de Contexto registo FISCALIZAÇÃO DOS FARMACÊUTICOS - Ausência de farmacêuticos E6 – “embora a lei exija não tem farmacêutico durante todo o período nos estabelecimentos de funcionamento”. 110 A8 – “Como órgão fiscalizador do exercício profissional o CRF só - Há barreiras na própria DIFICULDADES EM RELAÇÃO A RDC 20 fiscalização, como o fato de serem os pares que se julgam e as penalidades tendem a ser mais brandas pode atuar em questões relativas à responsabilidade técnica. Se o responsável técnico descumprir a referida RDC o CRF pode penalizálo. Cabe ao órgão sanitário penalizar o estabelecimento que descumpriu a norma”. B10 – “O CRF fiscaliza a ética profissional, então observamos se o farmacêutico está cumprindo bem ou não o seu papel profissional. Atualmente só observamos se ele está presente”. B12 – “Garante a efetiva presença física do farmacêutico Limite: Não observa o que está sendo realizado pelo profissional. Ele muitas vezes está em atividades administrativas e nunca realiza atividades clínicas, e esse fato não é fiscalizado”. B13 - “A fiscalização ética profissional deveria ser realizada com o acompanhamento das atividades realizadas pelo farmacêutico, com o incentivo para a orientação farmacêutica e a dispensação de medicamentos com registro por escrito das orientações dadas no momento da dispensação do antibiótico”. H5 – “Me parece que as instituições fiscalizadoras se preocupam por demais em ações punitivas às drogarias do que em ações educativas aos prescritores” A9 – “O órgão sanitário, por sua vez, sofre pressão do sistema e quando decide por penalidades mais severas (como fechamento do estabelecimento) o poder judiciário desautoriza a autoridade 111 sanitária”. DO CUMPRIMENTO DAS NORMAS - VISA falha na fiscalização - Há dificuldade em avaliar se as normas cumpridas estão em sendo todas as B6 – “. E outro ponto é a falta de fiscalização por parte das vigilâncias sanitárias locais nas farmácias que não tem SNGPC e que vendem medicamentos antibióticos e não fazem o registro dessa ocorrência em local nenhum”. C5 – “Acredito que em muitas cidades do interior do Brasil ainda não farmácias - Não se objetiva qualidade e segurança no atendimento é possível a implementação dessa legislação devido a precariedade de fiscalização e de acesso aos médicos”. apenas saber se as normas são C6 – “Muitas vezes o paciente espera o próximo salário para cumpridas ou não conseguir comprar o medicamento e o prazo da receita vence”. F4 – “Uma coisa que pode prejudicar a RDC de alcançar seus - A ANVISA mecanismos criou para objetivos e a falta de fiscalização porque em alguns lugares a mesma não é cumprida”. acompanhar o cumprimento A2 – “Desconheço se de fato a RDC está sendo cumprida, mas das normas a distância, como espera-se que, no caso dos antimicrobianos só faça uso quem, o SNGPC, mas tem sido efetivamente, tiver indicação médica ou odontológica” suficiente? C13 – “Normalmente a fiscalização só se preocupa com documentos e a área física da farmácia”. B11 – “Já a fiscalização realizada pelas vigilâncias sanitárias locais quanto aos procedimentos de exigência e retenção da receita nos estabelecimentos farmacêuticos é pouco feita e decorre desse fato que muitas farmácias continuam vendendo esses medicamentos sem 112 nenhum controle”. E10 – “Sim, mas não acredito que mesmo informando aqueles pacientes que procuram o balcão da farmácia para comprar antibióticos irão entender. Muitas vezes eles falam que se eu não vender irão na do lado para comprar. E existem muitos lugares em que não há fiscalização que os medicamentos continuam sendo vendidos sem receita”. G4 – “Entendo que tanto a Vigilância Sanitária, (incluindo a ANVISA) quanto os CRF’s devem ter um trabalho pedagógico, orientador, prestar auxílio para que as farmácias e drogarias possam cumprir as determinações desta resolução. Obviamente, como temos muitos “comerciantes de medicamentos” neste setor, sem nenhum compromisso com a saúde pública e somente com os lucros, é preciso saber separar o joio do trigo e agir de forma exemplar para que condutas ilícitas sejam coibidas. Como ninguém tem “estrela na testa” é preciso um serviço de fiscalização/monitoração para que, de fato, a RDC seja cumprida”. C9 – “As dificuldades prejudicam o objetivo em relação a melhora da qualidade de serviços de saúde prestados a população e diminuição da automedicação, porém o controle que deve ser enviado a ANVISA é feito”. D3 – “A RDC nº 20/2011 estabeleceu o início da escrituração eletrônica das dispensações realizadas em farmácias e drogarias por meio do SNGPC (Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos 113 Controlados). Os profissionais de vigilância sanitária tem acesso ao sistema e conseguem acompanhar quais os estabelecimentos não estão cumprindo com a Legislação. Desta forma, tanto o acompanhamento “à distância” (via SNGPC) quanto através de fiscalização in loco nos estabelecimentos farmacêuticos são meios de fiscalização”. FARMACÊUTICOS ATRIBUIÇÕES - Muitas atribuições comprometem a qualidade do atendimento - O farmacêutico abre espaço para que o balconista realize a dispensação devido a ‘suas atribuições B5 – “no meu ponto de vista, não deveria ser o farmacêutico o digitador desse processo”. C11 – “Sim. Não consigo muitas vezes porque tenho outras atribuições na farmácia além de atender a população”. E5 – “, o mecanismo de escrituração é de difícil execução” F3 – “A validade de 10 dias para as prescrições e a escrituração. A implementação é possível sim” E7 – “A dificuldade de escrituração devido ao volume de medicamentos dessa classe. A escrituração já é uma rotina para os psicotrópicos e a inclusão de antimicrobianos só amplia a dificuldade de execução das ações de acordo com a RDC. Creio que pode prejudicar sim”. H2 – “A dificuldade a meu ver reside na demanda de tempo que será maior da parte do profissional farmacêutico” 114 C8 – “Além disso, os balconistas ganham comissão para vender medicamentos e isso incentiva a venda sem prescrição médica dos antibióticos, dificultando o trabalho do farmacêutico”. CORRELAÇÃO CLÍNICA questões B7 - “Avançar na direção do paciente é uma dificuldade que os burocráticas serem muitas há profissionais farmacêuticos tem tido pelo inúmero cabedal de tarefas uma na que lhes é imposto pelas farmácias e drogarias. A população por seu correlação clínica no balcão lado pouco sabe da importância desse profissional e acaba ficando da sem informações que muitas vezes fariam a diferença para o sucesso - Devido as dificuldade farmácia pelo farmacêutico dos seus tratamentos”. B9 – “Na minha opinião, o farmacêutico está muito mais preparado para falar do produto antibiótico, do que sua relação na clínica de cada paciente. Até pelo excesso de atividades administrativas que executa diariamente”. POPULAÇÃO ACEITAÇÃO - A RDC tem sua aceitação A7- “Qualquer coisa que restrinja a venda de medicamentos sofre prejudicada por não haver a muitas pressões. Enquanto não houver a conscientização da cultura de que medicamento sociedade que a farmácia é um estabelecimento de saúde e que não é mercadoria medicamento não é uma mercadoria qualquer controle sobre venda será difícil de implementar”. - Difícil também porque a população tem hábitos de B8 – “Por trabalhar em atividade externa e indo nas farmácias compra sem necessidade de diariamente, percebo que o grande momento de impacto foi o receita primeiro ano após a publicação da RDC: onde a toda hora era chamado o farmacêutico para explicar porque não poderia ser vendido o antibiótico sem receita como sempre ocorreu, até então”. 115 - A aceitação prejudicada é C10 – “A população achou um absurdo, principalmente os mais porque pobres, onde tinham muitas vezes a única chance de ter acesso a esse ainda balconistas burlam as normas tipo de medicamento na drogaria e agora não têm mais”. D2 – “Recebemos elogios das classes de profissionais de saúde, que - Prescritores também não conhecem a regulamentação e prescrevem com dados incompletos o que dificulta a compra para o paciente entendem a necessidade do uso correto de medicamentos, mas também reclamações de pessoas que estavam acostumadas a comprar qualquer medicamento a qualquer tempo e que agora se veem obrigadas a passar pela consulta médica. Uma mudança de comportamento desta magnitude realmente precisa de um tempo para que as pessoas passem a incorporar e entender as novas regras”. E8 – “A necessidade da prescrição é algo ao qual eles não estão habituados e soa como uma medida restritiva e não de uso racional”. F5 – “A maioria da população não acha necessário, entende como um empecilho para adquirir medicamento”. G3 – “De início, foi notória a insatisfação da população frente à dificuldade do acesso à prescrição médica ou odontológica. Após, segundo informações de colegas farmacêuticos, observou-se que houve crescimento significativo do consumo de medicamentos antiinflamatórios como efeito de substituição ao consumo de antibióticos”. H3 – “No início, alguns transtornos ocorriam quando o paciente descobria que sua receita não seria atendida por não estar conforme, mas com o tempo a população terminou se adequando”. 116 C12 – “Os funcionários insistem em vender sem a receita por causa da comissão sobre os medicamentos genéricos e similares e a população não se conforma em não ter mais acesso a esses medicamentos. Outros estabelecimentos têm a mesma dificuldade”. E11 – “Os funcionários insistem em vender sem a receita por causa da comissão sobre os medicamentos genéricos e similares e a população não se conforma em não ter mais acesso a esses medicamentos. Outros estabelecimentos têm a mesma dificuldade”. F6 – “Resistência dos médicos no momento de prescrever conforme a nova RDC”. H4 – “A dificuldade é de manter a equipe treinada para saber avaliar corretamente as prescrições” GRUPOS LEGENDA DAS RESPOSTAS Farmacêuticos que dispensam medicamentos C, E, F, H Farmacêuticos que não dispensam A, B, D, G medicamentos 117