Desafios na Dispensação de Medicamentos Excepcionais para Pacientes Portadores de Doenças Raras: Novas Propostas de Gestão da Lista SUS Autoria: Simone Aquino Propósito Central do Trabalho Em uma concepção mais atual, consideram-se medicamentos de dispensação em caráter excepcional (medicamentos excepcionais ou órfãos) aqueles de alto valor agregado, ou que, pela cronicidade do tratamento, tornam-se excessivamente caros para serem custeados pela população (MS, 2001). O tema medicamentos de alto custo parece ganhar importância no Brasil, mas principalmente sobre a judicialização do SUS. Isso se deve ao fundamento maior do SUS expresso no artigo 196 da Constituição Federal – “a saúde é um direito de todos e um dever do Estado”, que foi deslocada de seu significado genérico e conceitual para uma pauta de conduta concreta em cada demanda singular, independente de racionalidade técnica que a fundamentasse. Isso terminou por gerar um estoque de litigâncias jurídicas que hoje passa da casa de 60 mil ações nas três esferas de governo, além de despesas fora da programação financeira do ministério e secretarias de saúde de mais de R$ 500 milhões anuais (Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos [SCTIE], 2010, 16 p.). O presente estudo teve como objetivo analisar as publicações de portarias que definem a gestão do MS dos medicamentos de alto custo do SUS de cinco estados da federação, comparar as falhas de disponibilidade de medicamentos por estado e analisar as razões dos obstáculos deste fluxo de prescrições, propondo novas formas de gerenciamento na dispensação de medicamentos excepcionais. Portanto, a questão de pesquisa buscou elucidar tais objetivos, ao levantar as causas do atual modelo de dispensação de medicamentos excepcionais não contemplar a demanda de pacientes com doenças raras por estado e, apresentar proposições cabíveis para adequar a gestão dos medicamentos de alto custo no Brasil. Marco Teórico A análise temporal dos financiamentos de medicamentos de alto custo se inicia em 2006, quando a principal iniciativa oficial voltada para portadores de doenças raras surgiu com a criação do Componente de Medicamentos de Dispensação Excepcional (CMDE), conforme publicado na Portaria GM n. 2.577 de 27/10/2006 (MS, 2006). Refere-se a uma estratégia da Política de Assistência Farmacêutica que disponibiliza medicamentos no âmbito do SUS para tratamento de doenças raras, dentre outros agravos, mediante a observância de Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) que, entre outras finalidades, buscava a racionalização da prescrição e do fornecimento de medicamentos de alto custo (Oliveira et al., 2012). De acordo com essa Portaria, a execução do CMDE seria descentralizada aos gestores estaduais do SUS, sendo a aquisição e a dispensação dos medicamentos de responsabilidade das Secretarias Estaduais de Saúde (SES), salvo nos casos onde o Ministério da Saúde e os gestores estaduais poderiam pactuar a aquisição centralizada de medicamentos do CMDE. A dispensação dos medicamentos excepcionais ocorreria somente em serviços de farmácia vinculados às unidades públicas designadas pelos gestores estaduais (Oliveira et al., 2012). O financiamento para aquisição dos medicamentos do CMDE era, então, da responsabilidade do Ministério da Saúde e dos Estados, conforme pactuação na Comissão Intergestores Tripartite. Os recursos do Ministério da Saúde aplicados no financiamento do CMDE tinham como base a emissão e a aprovação das Autorizações de Procedimentos de Alta Complexidade/Alto Custo (APAC), emitidas pelos gestores estaduais, vinculadas à efetiva dispensação do medicamento e de acordo com os critérios técnicos definidos nesta Portaria (modelo seguido até hoje). Os gestores estaduais enviavam mensalmente ao DATASUS, da SecretariaExecutiva, as informações referentes às APAC emitidas, observando cronograma estabelecido pelo Ministério da Saúde. Trimestralmente, o Ministério da Saúde publicavam portaria com 1 os valores a serem transferidos mensalmente às SES, apurados com base nas APACs, emitidas e aprovadas conforme critérios e valores de referência indicados para o Grupo 36 da tabela do Sistema de Informação Ambulatorial do SUS (SIA/SUS) (MS, 2006). Em 2009 houve uma nova mudança com a criação do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica (CEAF), que surgiu por meio da Portaria GM/MS n. 2.981 de 26 de novembro de 2009, sendo uma estratégia de acesso a medicamentos no âmbito do SUS. Sua principal característica é a busca da garantia da integralidade do tratamento medicamentoso, em nível ambulatorial, cujas linhas de cuidado estão definidas em Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT), publicados pelo Ministério da Saúde. Este Componente foi aprovado no sentido de aprimorar e substituir o CMDE, entendendo que o mesmo tem uma importância fundamental para o acesso da população brasileira aos medicamentos para agravos importantes, tanto do ponto de vista epidemiológico quanto clínico, com uma abordagem em nível básico da assistência. O objetivo majoritário do CEAF é garantir tratamento em todas as fases evolutivas das doenças contempladas e, para isso, fez-se necessário uma avaliação sobre o tratamento de tais doenças, com base nos PCDTs aprovados pelo MS e, por isso, o aprimoramento do CMDE por meio da aprovação do CEAF ocorreram de forma integrada com a aprovação da Portaria GM n. 2.982 de 26 de novembro de 2009 (MS, 2006). Método de investigação se pertinente Há diferentes técnicas que podem ser utilizadas na execução de pesquisas diferenciadas, mas a análise de conteúdo consiste numa técnica de análise de dados que vem sendo utilizada com frequência nas pesquisas qualitativas no campo da administração, assim como na psicologia, na ciência política, na educação, na publicidade e, principalmente, na sociologia. A importância da análise de conteúdo para os estudos organizacionais é cada vez maior e tem evoluído em virtude da preocupação com o rigor científico e a profundidade das pesquisas (Mozzato & Grzybovski, 2011). O presente estudo é de natureza qualitativa e exploratória, pois evidencia analisar e descrever os impactos referentes à gerência de medicamentos de alto custo e comparar as publicações das listas oficiais publicadas, sobre a disponibilização de 150 medicamentos excepcionais, apresentados na lista publicada pela Portaria n. 2.577 (2006), comparando com listas estaduais oficiais de quatro estados brasileiros, a saber: São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia e Rio Grande do Sul. A pesquisa bibliográfica e documental (comparando as listas estaduais) permitiu ao pesquisador fazer um levantamento dos principais estados com maior déficit de medicamentos de alto custo e os estados com maior gasto referente ao suprimento destes. No presente estudo, foi considerado o nome químico dos medicamentos e não suas diferentes apresentações. Os medicamentos foram classificados como pertencentes aos grupos: 1 A - aquisição centralizada pelo MS; 1 B - aquisição dos estados com repasse fundo a fundo do MS; 2 - aquisição e financiamento pelas SES; 3 financiamento tripartide com aquisição e dispensação pelos municípios. Também consideramos a análise de conteúdo, para desvendar as ideologias dos dispositivos legais e as razões que desencadeiam as ações judiciais, na aquisição de medicamentos de alto custo, envolvendo o Ministério Público, através de licitações de medicamentos por ação judicial, portarias e publicações oficiais (Diário Oficial da União) do sistema de inclusão/atualização de medicamentos de alto custo e das listas de medicamentos solicitados por via judicial no site da ANVISA, num total de 28 documentos encontrados usando-se os descritores: medicamento excepcional, medicamento de alto custo, ação judicial, Ministério da Saúde. Resultados e contribuições do trabalho para a área Até o momento do presente levantamento, nenhum dos estados contempla a lista com todos os medicamentos da Portaria MS n. 2.577, ou seja, pelo menos um item não consta como disponível para o médico no tratamento do paciente. São Paulo apresentou 20 itens ausentes 2 na lista, seguido pelo estado do Rio Grande do Sul (22 itens faltantes) e Minas Gerais (com 23 medicamentos ausentes). Entretanto, no estado de Minas Gerais, através de nota de esclarecimento da ausência dos medicamentos das listas do MS, encontramos as justificativas de ausências em outras resoluções estaduais publicadas entre 2010 a 2012. Foi observado no estado do Rio de Janeiro, que 48 medicamentos estão ausentes na listagem, porém, em nota na edição da Portaria n. 2981 de 26 de novembro de 2009, a justificativa é que alguns dos medicamentos foram transferidos para o Componente Básico da Assistência Farmacêutica municipal e a SES/RJ manteve o fornecimento destes medicamentos até o último mês de dezembro de 2011. Conforme deliberação da Comissão Intergestores Bipartite (CIB) n. 1281/2011, o cadastramento pelo estado do Rio de Janeiro foi suspenso a partir de 01 de junho de 2011 e os pacientes passaram a procurar a secretaria de saúde de seu município para orientação quanto ao fornecimento de tais medicamentos nas suas unidades básicas de saúde. A construção de um sistema transparente de análise de medicamentos de alto custo a serem incluídos em uma lista nacional e o modo de reembolso de tratamentos vai auxiliar a estrutura um dialogo entre fabricantes, pacientes com o envolvimento dos médicos responsáveis pelos tratamentos e também promover um ambiente que estimule o investimento na área. Acreditamos que isso pode, portanto, facilitar a abordagem para todos os stakeholders. Finalizando, o acesso a produtos médicos e tecnologias, tais como os medicamentos de alto custo é parte do direito à saúde reconhecido pela OMS e é um indicador de progresso do país dentro do do Plano Estratégico de Médio Prazo da OMS para 2008-2013. A liberação de medicamentos de alto custo uma vez analisadas as questões acima deveria ser imediata e disponibilizada de modo a não permitir a interrupção no tratamento dos pacientes. Em casos de doenças crônicas, a liberação deveria ser trimestral, salvo se o paciente não tivesse condições de armazenamento da medicação, que nesse caso poderia ser feita na unidade de saúde mais próxima da residência do paciente. Em casos de medicamentos para doenças raras estes critérios devem incluir raridade, gravidade da doença, a disponibilidade de outras alternativas (nível de necessidade médica não atendida), o nível de impacto sobre a condição de que as novas ofertas de tratamento, se o produto pode ser utilizado em uma ou mais indicações, o nível da pesquisa realizada pelo produtor, juntamente com outros fatores, tais como a fabricação e acompanhamento exigido pelas autoridades reguladoras ou outras. Isso vai permitir que o governo atribuísse um valor a um medicamento órfão, que cumpriu todos os critérios de forma muito diferente de outro que cumpre um ou alguns deles. A construção de um sistema transparente de análise de medicamentos de alto custo a serem incluídos em uma lista nacional e o modo de reembolso de tratamentos vai auxiliar a estrutura um dialogo entre fabricantes, pacientes com o envolvimento dos médicos responsáveis pelos tratamentos e também promover um ambiente que estimule o investimento na área. Acreditamos que isso pode, portanto, facilitar a abordagem para todos os stakeholders. Referências bibliográficas Ministério da Saúde (2001). Assistência farmacêutica: instruções técnicas para sua organização. Recuperado em 11 de março de http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cd03_15.pdf. Mozzato, A.R., & Grzybovski, D. (2011). Documentos e Debates: Análise de Conteúdo como Técnica de Análise de Dados Qualitativos no Campo da Administração: Potencial e Desafios. Revista de Administração Contemporânea, 15 (4), 731-747. Recuperado em 19 abril, 2014, de http://www.anpad.org.br/rac. Oliveira, C.R.C., Guimarães, M.C.S. & Machado, R. (2012). Doenças raras como categoria de classificação emergente: o caso brasileiro. Data Grama Zero - Revista de Informação (13)1. Portaria n. 2.577 de 27 de outubro de 2006 (2006). Aprova o Componente de Medicamentos de Dispensação Excepcional. Diário Oficial da União. Brasília, DF: Gabinete do Ministro. 3 Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (2010). Da excepcionalidade às linhas de cuidado: o Componente Especializado da Assistência Farmacêutica. Série B, 262 p.. Textos Básicos de Saúde. Ministério da Saúde, Brasília: Autor. 4