Projeto ambiental escolar comunitário
Processo Formador em
Educação Ambiental
a Distância
Módulo 5
Educação ambiental e
mudanças ambientais globais
no Estado do Rio Grande do Sul:
subsídios ao estudo
Rio Grande do Sul 2013
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Processo Formador em Educação Ambiental a Distância
Presidência da República
Ministério da Educação
Sistema Universidade Aberta do Brasil
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior
Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e
Diversidade (SECADI)
Rede de Educação para a Diversidade
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
do Pará
Universidade Federal da Bahia
Universidade Federal do Espírito Santo
Universidade Federal de São Paulo
Universidade Federal Fluminense
Universidade Federal de Mato Grosso
Universidade Federal do Paraná
Universidade Federal Rural de Pernambuco
Universidade Federal de São João Del Rei
Processo Formador em Educação Ambiental a
Distância
© Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização
e Diversidade (SECAD)
Coordenação Geral de Educação Ambiental (CGEA)
Rede de Educação para a Diversidade
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES)
Sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB)
Coordenação de Cursos a Distância:
Natália de Souza Duarte
Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e
Diversidade
Coordenação Geral de Educação Ambiental (CGEA/
MEC):
Cláudia Pereira Dutra
José Vicente de Freitas
Comitê Editorial do v. 1 ao 4:
Ana Júlia Lemos Alves Pedreira (CGEA/MEC)
Flávio Lemos de Souza – Universidade Federal
Fluminense (UFF)
Ivone Silveira da Silva – Universidade Federal de São
Paulo (UNIFESP)
Michèle Sato – Universidade Federal do Mato Grosso
(UFMT)
Rejane Jurema Mansur Custódio Nogueira –
Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE)
Wanirley Pedroso Guelfi – Universidade Federal do
Paraná (UFPR)
Comitê Editorial do v. 5:
Ana Dominguez (UDELAR)
Gianpaolo Knoller Adomilli (FURG)
Vilmar Alves Pereira (FURG)
Gionara Tauchen (FURG)
Vanessa Hernandez Caporlingua (FURG)
Marcio Rodrigo Vale Caetano (FURG)
Mara Rejane Vieira Osório (FURG)
Francisco Quintaninha Veras Neto (FURG)
Ivonaldo Neres Leite (UFPB)
Paulo Roberto Soares (UFRGS)
Willian Héctor Gómes Soto (UFPEL)
Comitê de Avaliação:
Martha Tristão – Universidade Federal do Espírito
Santo (UFES)
Sueli Almuiña Holmer Silva – Universidade Federal
da Bahia (UFBA)
Pablo Luiz Martins – Universidade Federal de São
João Del Rei (UFSJ)
Equipe Secretaria de Educação a Distância – SEaD/
FURG:
Núcleo de Revisão Linguística
Responsável: Raquel Laurino Almeida
Revisores: Christiane Regina Leivas Furtado,
Gleice Meri Cunha Cupertino, Henrique Magalhães
Menezes, Ingrid Cunha Ferreira, Kellen Estima de
Oliveira, Micaeli Nunes Soares, Raquel Laurino
Almeida, Rita de Lima Nóbrega
Núcleo de Design e Diagramação
Responsáveis: Lidiane Fonseca Dutra e Zélia de
Fátima Seibt do Couto
Diagramadora: Aline Thomé Frediani
Projeto Gráfico da Coleção
Edição: Tereza Moreira
Projeto gráfico, diagramação e editoração eletrônica:
Luiz Daré e Renato Palet
Ilustração da capa e ícones: Ravel Forghieri Casela
Ministério da Educação
Esplanada dos Ministérios, Bloco L, Anexo I, sala
419
CEP 70097-900, Brasília, DF
Tel.: (61) 2022.9192
E-mail: [email protected]
Projeto ambiental escolar comunitário
Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade(SECADI/MEC)
Universidade Federal do Rio Grande -FURG
Secretaria de Educação a Distância (SEaD)
Processo Formador em
Educação Ambiental
a Distância
Módulo 5
Educação ambiental e
mudanças ambientais globais
no Estado do Rio Grande do Sul:
subsídios ao estudo
Rio Grande do Sul 2013
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Processo Formador em Educação Ambiental a Distância
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE - FURG
Reitora
CLEUZA MARIA SOBRAL DIAS
Vice-Reitor
DANILO GIROLDO
Pró-Reitora de Extensão e Cultura
ANGÉLICA CONCEIÇÃO DIAS MIRANDA
Pró-Reitor de Planejamento e Administração
MOZART TAVARES MARTINS FILHO
Pró-Reitor de Infraestrutura
MARCOS ANTÔNIO SATTE DE AMARANTE
Pró-Reitora de Graduação
DENISE MARIA VARELLA MARTINEZ
Pró-Reitor de Assuntos Estudantis
VILMAR ALVES PEREIRA
Pró-Reitor de Gestão e Desenvolvimento de Pessoas
CLAUDIO PAZ DE LIMA
Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação
EDNEI GILBERTO PRIMEL
Secretária de Educação a Distância
IVETE MARTINS PINTO
Coordenação do Curso de Aperfeiçoamento em Educação Ambiental Modalidade a Distância
CARLOS ROBERTO DA SILVA MACHADO
DAIANE TEIXEIRA GAUTÉRIO
P963p
Processo formador em Educação Ambiental a Distância : módulo 5 :
Educação ambiental e mudanças ambientais globais no estado do
Rio Grande do Sul : subsídios ao estudo / organizado por Carlos
Roberto da Silva Machado e Caio Floriano dos Santos. – Rio
Grande : Ministério da Educação, Secretaria da Educação
Continuada, Alfabetização e diversidade, Universidade Federal
Rural de Pernambuco, Universidade Federal do Rio Grande, 2013.
162p. : Il.
ISBN : 978-857566-254-0
1.Educação ambiental 2. Educação a Distância I. Machado, Roberto
da Silva II. Santos, Caio Floriano da III.Ministério da Educação/MEC
IV. Secretaria da Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade/
SECADI V. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior/CAPES VI. Universidade Federal Rural de Pernambuco VII.
Universidade Federal do Rio Grande
CDU 37 : 504
Os autores e autoras são responsáveis pelas informações contidas neste volume, bem como pelas opiniões
nele expressas, que não são necessariamente as do MEC e do Sistema Universidade Aberta do Brasil, nem
comprometem as referidas instituições. As indicações de nomes e a apresentação do material ao longo
desta publicação não implicam a manifestação de qualquer opinião por parte do MEC e da UAB a respeito
da condição jurídica de qualquer país, território, cidade, região ou de suas autoridades, tampouco da
delimitação de suas fronteiras ou limites.
Projeto ambiental escolar comunitário
APRESENTAÇÃO¹
C
hegou a hora de transformarmos os valores, as práticas e as relações sociais que têm
contribuído com a degradação da vida no planeta. Para tanto, a Educação Ambiental
desempenha um relevante papel e tem, na escola, nas comunidades e nas cidades, espaços privilegiados de atuação no campo educacional.
As mudanças sociais pretendidas contam com vocês, protagonistas fundamentais:
educadores(as) da Rede Pública de ensino, gestores(as) públicos(as) e de ONGs, jovens e
cidadãos(ãs). Vocês que, em processos de formação continuada e em ações cidadãs, podem
contribuir com a melhoria do sistema de ensino e da vida na cidade. Tal transformação pode se
dar na medida em que vocês possibilitam, na escola, nos espaços institucionais, na comunidade e em seu dia a dia, relações sociais com princípios, valores e atitudes fundamentais para a
construção de sociedades sustentáveis entrelaçadas por uma cultura de paz, solidariedade e de
justiça social e ambiental.
Esta publicação, inspirada nessas ideias e utopias, tem por finalidade contribuir com a
almejada transformação das relações sociais entre os humanos e entre estes e a natureza. Para
isso, neste 5º volume, apresentamos um conjunto de textos que subsidia o Processo Formador
em Educação Ambiental a Distância, voltado a professores(as) das séries finais do Ensino Fundamental de escolas públicas, a agentes públicos e a jovens vinculados aos sistemas de ensino
de nosso Estado.
A coleção visa à formação qualificada de professores, gestores e outros profissionais
da Educação. Trata-se de uma iniciativa da Rede de Educação para a Diversidade, criada pela
Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECADI), do Ministério da
Educação (MEC), em parceria com a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES). A Rede oferta cursos no âmbito do Sistema Universidade Aberta do Brasil
(UAB), com o intuito de buscar a articulação entre instituições públicas de Ensino Superior,
Estados, Municípios e Distrito Federal.
Esta coletânea é organizada a partir do Curso de Educação Ambiental desenvolvido no
Rio Grande do Sul, na área de abrangência da FURG/UAB/SEaD. A Rede constituída pelo referido Curso pretende favorecer a inclusão digital de professores, gestores e jovens, bem como
promover o adensamento dos conteúdos de Educação Ambiental e sua inserção nas atividades
educativas e cotidianas dos participantes.
Com isso, procura ainda fortalecer o programa Vamos Cuidar do Brasil com as Escolas,
realizado pela Coordenação Geral de Educação Ambiental (CGEA), nos esforços por transformar escolas em comunidades de aprendizagem vivas e atuantes na resolução dos problemas
socioambientais que nos afetam cotidianamente. Por meio de temas geradores vinculados aos
5
6
Processo Formador em Educação Ambiental a Distância
quatro elementos da natureza (água, ar, fogo e terra), você, participante, é encorajado(a) a se
debruçar sobre a problemática ambiental e as mudanças ambientais globais, relacionando-as ao
espaço local e em que vive.
O Curso possui cento e oitenta horas e é resultante de parceria entre a CGEA e as Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) do país. Tem como proposta compartilhar saberes,
ideias e práticas, mobilizando a iniciativa e a atuação política da escola em parceria com as
comunidades locais, gestores, ONGs e jovens, por meio de uma Educação Ambiental crítica,
participativa e emancipatória. Pretende propiciar, também, elementos para o exercício da transversalidade das questões ambientais nas disciplinas escolares.
Essa apresentação, elaborada pelo professor Carlos RS Machado, contem pequenas modificações em relação aos Módulos 1, 2, 3 e 4.
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Projeto ambiental escolar comunitário
SOBRE O CURSO
CONTEÚDO DA FORMAÇÃO
O Processo Formador em Educação Ambiental a Distância distribui seu conteúdo em
torno de trinta e duas horas presenciais e cento e quarenta e oito horas na modalidade
a distância. Estrutura-se por meio da plataforma eletrônica Moodle; de cinco volumes
em CD, disponíveis na plataforma; bem como do volume local – Estado do Rio Grande
do Sul – em forma impressa.
Os conteúdos nacionais foram desenvolvidos por autores reconhecidos em suas especialidades nas Universidades Federais dos Estados de Bahia (UFBA), Espírito Santo
(UFES), Mato Grosso (UFMT), Minas Gerais (UFSJ), Paraná (UFPR), Pernambuco
(UFRPE), Rio de Janeiro (UFF) e São Paulo (UNIFESP). Os textos desenvolvem conceitos de Educação Ambiental, assim como abordam temas geradores de caráter nacional e temas específicos locais, os quais estão organizados em:
• Módulo 1: conceitos gerais sobre Educação a Distância
• Módulo 2: Educação Ambiental para escolas sustentáveis; Um olhar sobre a Educação Ambiental no Brasil; Políticas estruturantes de Educação Ambiental; e também
conta com subsídios à abordagem da Educação Ambiental local.
• Módulo 3: temas geradores, com a dimensão dos quatro elementos: água, terra, fogo
e ar, a fim de abordar assuntos relacionados às mudanças ambientais globais, como
biodiversidade, energia, mobilidade, mudanças climáticas, entre outros. Esses assuntos
também são tratados em âmbito local, considerando as especificidades dos diferentes
territórios envolvidos na formação.
• Módulo 4: este módulo trata de diversas correntes teóricas e práticas sobre o que se
compreende por Projeto Escolar, com ênfase nos Projetos Ambientais Escolares.
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Processo Formador em Educação Ambiental a Distância
Neste volume
• Módulo 5: apresenta subsídios e reflexões sobre as Políticas Ambientais, a Educação
Ambiental e os temas geradores, com vistas ao aprofundamento no tocante aos aspectos relativos ao Estado do Rio Grande do Sul, com foco nas regiões e cidades polos da
UAB/FURG, nos quais tais políticas de Educação se desenvolverão.
Neste volume, você entrará em contato com a Educação Ambiental, as mudanças ambientais globais e seus impactos locais, a partir da relação estabelecida entre os seres
humanos com os quatro elementos naturais. Dessa forma, será dada ênfase aos conteúdos locais voltados para o Estado do Rio Grande do Sul.
Cada um dos elementos é abordado a partir de múltiplas visões (da arte, das ciências,
do fazer cotidiano), o que revela elos entre cultura e natureza, as quais, juntas, traduzem a vida, a diversidade e a sustentabilidade. As atividades propostas em cada uma
das unidades deste volume, sinalizadas pelo caracol, pretendem nutrir educadores(as)
em sua prática do pensar e agir na escola e na comunidade.
Destacamos ainda que o livro apresenta visões e posicionamentos diferentes no que
tange à forma de conceber e trabalhar Educação Ambiental. Com isto, muito mais do
que apresentação de uma única perspectiva sobre a temática, visamos propiciar pontos
distintos e, assim, suscitar o debate.
Projeto ambiental escolar comunitário
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO5
SOBRE O CURSO
7
POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL:
(RE)CONHECENDO E ENFRENTANDO A CRISE ECOLÓGICA 15
SUBSÍDIOS À INTERPRETAÇÃO CRÍTICA DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL 27
A PESQUISA NA FORMAÇÃO CONTINUADA DE EDUCADORES AMBIENTAIS:
PROBLEMATIZAÇÕES CONTEMPORÂNEAS 39
A EDUCAÇÃO AMBIENTAL COMO PROCESSO DA CIDADANIA PARTICIPATIVA
51
BATALHÃO AMBIENTAL: UM MARCO NA PROTEÇÃO AMBIENTAL DO RIO
GRANDE DO SUL 63
BIODIVERSIDADE 73
A ÁGUA: DO NACIONAL AO REGIONAL E AO LOCAL 89
O REFLEXO DOS DISCURSOS ACERCA DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS 109
ENERGIA: PENSAR CRITICAMENTE E AGIR ECOLOGICAMENTEMÁTICAS
129
MOBIILIDADE URBANA: DILEMA NAS CIDADES E IMPACTOS AMBIENTAIS
137
9
10
Processo Formador em Educação Ambiental a Distância
Que é um caracol?...
Um caracol é a gente ser:
por intermédio de amar o escorregadio
e dormir nas pedras...
Seria:
um homem depois de atravessado por ventos e rios turvos
pousar na areia para chorar seu vazio.
Enfim, o caracol: Arrastará uma fera para o seu quarto
usará chapéus de salto alto
e há de ser esterco às suas próprias custas
Manoel de Barros
Projeto ambiental escolar comunitário
Educação Ambiental e mudanças
ambientais globais no Estado do Rio
Grande do Sul
11
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Processo Formador em Educação Ambiental a Distância
Projeto ambiental escolar comunitário
PALAVRAS DE SEMEADURA
Semeadura
Vitor Ramil1
Nós vamos prosseguir, companheiro
Medo não há
No rumo certo da estrada
Unidos vamos crescer e andar
Nós vamos repartir, companheiro
O campo e o mar
O pão da vida, meu braço, meu peito
Feito pra amar.
[...]
Nós vamos semear, companheiro
No coração
Manhãs e frutos e sonhos
Pr’um dia acabar com esta escuridão
Nós vamos preparar, companheiro
Sem ilusão
Um novo tempo, em que a paz e a fartura
Brotem das mãos
[...]
Minha guitarra, companheiro
Fala o idioma das águas, das pedras
Dos cárceres, do medo, do fogo, do sal
Minha guitarra
Tem os demônios da ternura e da tempestade
É como um cavalo
Que rasga o ventre da noite
Beija o relâmpago
E desafia os senhores da vida e da morte
Minha guitarra é minha terra, companheiro
É meu arado semeando na escuridão
Um tempo de claridade
Minha guitarra é meu povo, companheiro
[...]
No pampa, meu pala a voar
Esteira de vento e luar
Vento e luar.
Fonte: A Paixão de V segundo ele próprio, 1984-1986. Disponível em: <www.vitorramil.
com.br>. Acesso em: set. 2012.
1
13
14
Processo Formador em Educação Ambiental a Distância
POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL:
E ENFRENTANDO A CRISE ECOLÓGICA
Projeto (RE)CONHECENDO
ambiental escolar comunitário
Antonio Soler 1
P
ara a discussão de elementos formadores das políticas estruturantes de Educação
Ambiental (EA), é imprescindível apresentar aspectos da crise ecológica2, bem como
destacar meios para combatê-la, como a legislação ambiental, considerando subsidiar
o estudo de tal temática no Estado do Rio Grande do Sul e nas cidades polos da Universidade Aberta do Brasil (UAB) e suas respectivas regiões e/ou biomas3.
A Natureza e a Crise Ecológica
Professor de Direito Ambiental e integrante da ONG ecológica Centro de Estudos Ambientais (CEA). Na FURG, participa do Grupo de Pesquisa Política, Natureza e Cidade (GPNC), do
Grupo Transdisciplinar em Pesquisa Jurídica para a Sustentabilidade (GTJUS) e é aluno do Programa de Pós-graduação em Educação Ambiental (PPGEA).
2
Crise ecológica é um processo caracterizado pela perturbação, desordem ou desequilíbrio das condições naturais, com consequências econômicas, políticas, sociais e éticas, as quais
levam inevitavelmente a uma mudança, uma transformação, afetando negativamente toda a
humanidade, mas colocando em risco primeiro as populações pobres, pessoas idosas e crianças,
bem como os ecossistemas frágeis e a própria Terra.
3
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (2004), “bioma é conjunto
de vida (vegetal e animal) constituído pelo agrupamento de tipos de vegetação contíguos e identificáveis em escala regional, com condições geoclimáticas similares e história compartilhada de
mudanças, o que resulta em uma diversidade biológica própria”.
1
15
16
Processo Formador em Educação Ambiental a Distância
A natureza, resultado das relações dinâmicas entre o conjunto de seres vivos
(bióticos) e os elementos sem vida (abióticos), está em todas as partes do planeta e nos
objetos em geral que os humanos utilizam. A sobrevivência da sociedade humana, seja
nos padrões atuais ou não, é totalmente dependente da natureza transformada (através
da agricultura ou da indústria), ou da natureza não transformada (água, clima, ar, entre
outros). Tal relação se constitui em um vínculo intrínseco, impossível de ser quebrado.
Nesse sentido, a natureza apresenta uma diversidade de paisagens e
ambientes, dos quais a sociedade humana se vale, de modo que os modifica, altera e
transforma, visando satisfazer necessidades e desejos. A cultura e a natureza interagem
permanentemente e, por via de regra, estão em conflito, sendo que a primeira oprime a
segunda, em uma perspectiva antropocêntrica4 .
Como já destacado, podemos afirmar que o Planeta Terra abriga um só ecossistema5
grande e complexo marcado pela interdependência dos seres vivos e dos elementos
considerados abióticos. Nos diversos biomas6 e ecossistemas são encontradas várias
espécies da fauna e flora (biodiversidade7 ), os chamados quatro elementos (ÁGUA,
TERRA, FOGO e AR) e outros elementos naturais, cenário onde se dão as relações
fundamentais e complexas para a geração e sustentação da vida humana e não humana.
Dentre os biomas mundiais, destacamos os seguintes: Tundra, Floresta Temperada,
Desertos, Campos e Savana, nos quais se estima que existam 3,6 milhões de espécies
de seres vivos (LE MONDE, 2008, p. 48). Lamentavelmente, toda a diversidade natural
tem sido ameaçada por ações humanas, sobretudo ligadas àquilo que chamamos de
desenvolvimento ou, melhor dizendo, desenvolvimentismo8 .
Os diversos sinais desse perigo ecológico podem ser identificados tanto no plano local
como no planetário. Tais ameaças à natureza ocorrem devido a processos de perda
do solo (desertificação e erosão), de qualidade da água (assoreamento e poluição
por esgotos domésticos e industriais), desmatamentos, poluição sonora, extinção de
espécies, etc.. Além disso, se estes processos continuarem a acontecer no ritmo atual, a
previsão é de que um milhão de espécies sejam extintas até 2050 (LE MONDE, 2008,
Visão que separa a natureza humana da natureza não humana, atribuindo a essa última
valor somente por ter utilidade para a primeira.
5
Segundo Odum (1988), ecossistema é “a unidade funcional básica na ecologia” (p. 3). Como
exemplo deste, podemos citar o banhado.
6
Bioma é um termo usado para “denominar um grande biossistema regional ou subcontinental caracterizado por um tipo principal de vegetação ou outro aspecto identificador da paisagem”, como o pampa gaúcho, por exemplo (ODUM, 1988, p. 3).
7
A expressão Biodiversidade foi usada pela primeira vez pelo entomologista E. O. Wilson,
em 1986, num relatório apresentado ao primeiro Fórum Americano sobre a Diversidade Biológica,
organizado pelo Conselho Nacional de Pesquisas dos EUA (National Research Council, NRC). O
mesmo que Diversidade Biológica.
8
Ideia, segundo a qual a economia pode crescer de forma ilimitada, desconsiderando as
consequências para a crise ecológica (SOLER, 2011, p. 60).
4
Projeto ambiental escolar comunitário
p. 48-49).
Tudo isso acarreta consequências negativas não só para a natureza não humana
(rios, paisagem, fauna e flora) como também para a maioria da humanidade, a qual
não gera a maior parte da degradação ambiental, mas sente diretamente seus efeitos
destruidores.
Cada cidade, região e/ou bioma é concomitantemente geradora e receptora de
impactos ambientais que molduram um cenário planetário. Contudo, a poluição e a
degradação ambiental não são provocadas por todos os países, cidades e pessoas na
mesma proporção.
Nesse sentido, a maior parte da população mundial sofre os efeitos do
processo de transformação da natureza ou do desenvolvimento, ou seja, arca com
os resultados do atual modelo de produção e consumo. Por outro lado, uma pequena
parcela da população mundial se beneficia desse processo. Segundo o Professor da
FURG Francisco Quintanilha, “(...) os ricos consomem e os pobres reciclam, 80% do
consumo de energia e de produtos está nos países ricos e o restante fica para os país
pobres (...)9 ”.
Assim, a injustiça ambiental se manifesta no acesso à produção e ao consumo,
bem como na distribuição dos efeitos negativos e positivos do desenvolvimento,
gerados por esse processo, os quais não atingem a todos da mesma forma e intensidade.
Através do conceito de Pegada Ecológica10 , é possível entender melhor essa relação
de perda da qualidade dos ecossistemas e da biodiversidade. Isto porque tal conceito
demonstra as implicações do uso desigual, na apropriação e/ou degradação, do meio
ambiente/natureza por diferentes países, regiões, biomas, cidades e grupos humanos).
Assim, a avaliação da Pegada Ecológica tem como função comparar a produção e
o consumo humano com a capacidade da natureza em absorvê-los. Por meio dessa
avaliação, podemos estimar o tamanho do impacto ambiental gerado por uma pessoa,
por uma obra e/ou atividade, bem como por uma cidade ou por um país sobre o
ambiente e o planeta. Em outras palavras, Pegada Ecológica corresponde a uma
medida que permite estimar em área o quanto é usado da natureza para sustentar um
determinado estilo de vida humano.
Sendo assim, a cada dia que passa, cresce a discussão sobre temas ecológicos
e suas conexões positivas e negativas com as ações e sociedade humanas. Ainda que
o impacto ambiental seja intenso, atualmente, muito se tem discutido sobre os temas
ecológicos. São quarenta anos de debates mundiais sobre o tema na Organização das
Leia sobre o assunto em: http://centrodeestudosambientais.wordpress.
com/2009/10/21/3996/
10
Pegada Ecológica “é uma unidade de área que ‘corresponde ao número necessário de
hectares de terra biologicamente produtiva para produzir os alimentos e madeira que a população consome, a infraestrutura que utiliza, e para absorver o CO2 produzido durante a queima de
combustíveis fósseis” (GONÇALVES, 2006, p. 40).
9
17
18
Processo Formador em Educação Ambiental a Distância
Nações Unidas (ONU), desde Estocolmo até a Rio+2011 , considerando os encontros
sobre EA, como a I Conferência Intergovernamental sobre Educação Ambiental12 .
Nunca se falou e se estudou tanto sobre os metabolismos dos ambientes e dos
ecossistemas. Programas de TV e rádio, matérias de jornais e revistas, cursos técnicos –
de graduação e pós-graduação – pesquisas, projetos de EA nas escolas, nas universidades,
realizados por Organizações Não Governamentais (ONGs), as pioneiras nesse campo,
abordam constantemente os referidos temas. Embora a temática ambiental seja o objeto
em comum destas abordagens, nem sempre a finalidade é a defesa da natureza e/ou do
Planeta Terra, uma vez que há diferentes visões13 sobre tal temática.
O debate sobre a crise ecológica, segundo Soler (2007),
nos últimos trinta anos foi mais intenso do que nunca, saindo do âmbito das
ONGs14 ecológicas, ganhando o Poder Público, as academias, as empresas
e, mais recentemente, as religiões. A mídia nunca reservou tanto espaço
para a temática ambiental. Entretanto, no mesmo período, a crise ecológica
aprofundou-se e a Terra vive a maior possibilidade de colapso em toda a
história da humanidade (p.1).
Aspectos da Crise Ecológica e Conexões com o Bioma, a Região, Cidade e Escola
Para muitos, o estilo de vida urbano, industrial produtivista, característico do modo
capitalista de produção, é o principal fator de degradação ambiental e social no planeta. Para
combater os aspectos desta degradação, seja no bioma, na região e/ou na cidade, inicialmente,
cabe identificá-los precisamente, o que nem sempre se apresenta de forma simples. Contudo, as
estruturas de educação, como a escola, por exemplo, podem enfrentar ou reforçar esse cenário
de crise, conforme as ações do dia a dia na escola e na coletividade, bem como na cidade.
É evidente que nem todas as pessoas concordam e colaboram com tal degradação, visto que
Em Estocolmo (1972), ocorreu a Conferência das Nações Unidas sobre o Homem e o Meio
Ambiente e, em 2012, ocorreu a Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, no Rio de Janeiro.
12
Ocorreu em Tbilisi (1977).
13
Existem dois grandes campos de visões da natureza: os antropocêntricos e os não antropocêntricos. Em resumo, os primeiros entendem que o homem é o centro de todas as considerações
e a natureza deve servir aos seus interesses e os segundos defendem que o homem é um dos tantos
elementos da natureza e que não lhe cabe o direito de dominá-la.
14
No início da década de 70, nos Estados Unidos, surgiu a primeira ONG de ativismo ecológico,
o GREENPEACE (http://www.greenblog.org.br/). O Rio Grande do Sul não ficou atrás e foi pioneira na
defesa ecológica na América Latina. Em 1972 surgia a Associação Gaúcha de Proteção do Ambiente
Natural (AGAPAN) (http://agapan.blogspot.com/). Já na região sul do Rio Grande do Sul, o Centro
de Estudos Ambientais (CEA) (http://centrodeestudosambientais.wordpress.com) a primeira ONG
ecológica, foi fundado em 1983. Merece destaque mencionar, não a ONG, mas sim o movimento
mundialmente conhecido como Earth First!, criado em 1979 (http://www.earthfirst.org).
11
Projeto ambiental escolar comunitário
uma parte da humanidade nem sequer a conhece. Nesse sentido, não nos cabe omitir que o
movimento ambiental/ecológico –através de ONGs, de forma precursora, e de seus aliados
– tem lutado pela defesa, em sentido amplo, da vida (humana e não humana) no planeta.
Desde a década de 20 do século passado, o chamado movimento conservacionista15 busca
a proteção de ambientes específicos. Assim, apesar de grande parte da humanidade estar
alheia à crise ecológica, existem muitas iniciativas para enfrentar e tentar frear tal crise.
Estas são ações de muitas pessoas e ONGs16 , que lidam voluntariamente com a temática
ambiental.
Ainda que nem todas as ações atuem na origem da crise ecológica, pois existem iniciativas
das mais incisivas às mais suaves, estas procuram modificar o quadro de degradação
ambiental17 , notadamente provocado e aprofundado por atividades humanas, mais
especificamente, como mencionado, pelo modelo de vida urbano industrial que domina
não só os espaços urbanizados, como também o espaço rural.
Cabe destacar ainda que tais ações podem tanto ocorrer na rua, por meio de protestos
e manifestações, como através de medidas junto a órgãos públicos18 , obrigados legalmente
a zelar pela tutela da natureza. Não se pode deixar de mencionar também as raras exceções
de governos, notadamente de esquerda, que buscam a proteção ambiental.
Contudo, é válido comentar que os indivíduos, apesar de sua vontade e de
apresentarem importante responsabilidade ecológica, pouco podem fazer isoladamente.
Sendo assim, é necessário articular ações individuais, (desde o clássico escovar os dentes
com a torneira fechada) com ações coletivas, (como acompanhar os colegiados ambientais
e lutar por políticas públicas), sobretudo, passando por mobilizações e projetos que se
desenvolvem no campo da EA formal e não formal.
Assim, coletivamente e de forma organizada, através de escolas, de ONGs ou a
partir de políticas públicas, é viável agir com mais força do que isoladamente para proteger
a natureza. Por isso, a escola é um começo possível, para depois, quem sabe, envolver o
bairro, a cidade, o país e o planeta.
Sendo assim, nada é feito sem efetiva participação cidadã, uma vez que o exercício
da democracia ambiental é condição para a proteção da natureza. Nesse sentido, diversos
Cabe registrar ainda que, hoje, existem várias correntes teóricas no movimento ambiental/ecológico.
16
São características inerentes a uma ONG ecológica: a) não ter fins lucrativos; b) permitir a filiação aberta/participação democrática; c) ter exclusividade e/ou predominância de
trabalho voluntário; d) ser sustentada pelo autofinanciamento (associados) ou através de fundos públicos (licitações); e) garantir a independência do capital privado e do Estado (Município,
Estado e União); e) ter por objeto: o enfrentamento da crise ecológica com fins não antropocêntricos.
17
Poluição ou degradação ambiental são processos que levam a danos ao ambiente,
decorrentes de atividades e/ou obras humanas, pelas quais se perdem ou se reduzem algumas
das propriedades e/ou qualidades dos ecossistemas e/ou biomas.
18
Como o Ministério do Meio Ambiente (MMA), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente
e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), o Instituto Chico Mendes para a Conservação da
Biodiversidade (ICMBio), a Agência Nacional de Águas (ANA), os órgãos ambientais estaduais e
municipais, bem como o Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público Estadual (MPE),
entre outros.
15
19
20
Processo Formador em Educação Ambiental a Distância
instrumentos são previstos na lei ambiental, como audiências públicas e colegiados ambientais,
além de fóruns e congressos, os quais são utilizados por alguns governos, de forma a ampliar
a participação da sociedade civil.
Desde a criação do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA)19 , ainda no período
da Ditadura Militar, os colegiados ambientais são espaços de participação mais destacados,
mesmo que sejam desconsiderados por governos de esquerda e de direita. Todavia, a política
ambiental de estados e municípios, no que tange a sua própria existência e continuidade, deve
muito ao funcionamento de colegiados ambientais, dos quais podem participar não só as ONGs
e o Poder Público, mas também associações de bairro, sindicatos patronais e de empregados,
bem como instituições classistas, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o Conselho
Regional de Engenharia e Arquitetura (CREA).
Juntamente às leis que tratam dos colegiados ambientais, outras se destacam na tutela da
natureza, como veremos a seguir.
Leis para a proteção ambiental
O Brasil possui diversas leis20 que tratam da tutela ambiental, sendo
O CONAMA foi criado em 1981, pela Lei 6938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do
Meio Ambiente (PNMA).
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Algumas das principais leis ambientais brasileiras:
- Lei 4771/65, institui o Novo Código Florestal Brasileiro;
- Lei 6766/79, dispõe sobre o parcelamento do solo urbano e dá outras providências;
- Lei 6938/81, dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências;
- Lei 7661/88, institui o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro e dá outras providências;
- Lei 9433/97, institui a Política Nacional de Recursos Hídricos, cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, regulamenta o inciso XIX do art. 21 da Constituição Federal, e altera o
art. 1º da Lei nº 8.001, de 13 de março de 1990, que modificou a Lei nº 7.990, de 28 de dezembro de
1989;
- Lei 9605/98, dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades
lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências;
- Lei 9795/99, dispõe sobre a educação ambiental, institui a Política Nacional de Educação Ambiental e dá outras providências;
- Lei 9985/00, regulamenta o art. 225, § 1°, incisos I, II, III, e VII da Constituição Federal, institui o
Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza e dá outras providências;
- Lei 10257/01, regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais
da política urbana e dá outras providências;
- Lei 10650/03, dispõe sobre o acesso público aos dados e informações existentes nos órgãos e
entidades integrantes do SISNAMA;
- Lei 11428/06, dispõe sobre a utilização e proteção da vegetação nativa do Bioma Mata Atlântica, e
dá outras providências;
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Projeto ambiental escolar comunitário
considerado um dos países mais avançado nesse aspecto. Há legislação para quase
todos os temas ecológicos, tais como: água, florestas, unidades de conservação, EA
etc. Merece destaque o art. 225 da Constituição Federal, base para toda lei e política
ambiental no Brasil:
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo
e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;
II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;
III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de
lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua
proteção;
IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de
significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará
publicidade;
V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que
comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;
VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública
para a preservação do meio ambiente;
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua
função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.
§ 2º - Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.
§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores,
pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação
de reparar os danos causados.
§ 4º - A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei,
dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos
- Lei 11794/08, regulamenta o inciso VII do § 1º do art. 225 da Constituição Federal, estabelecendo
procedimentos para o uso científico de animais; revoga a Lei 6.638, de 8 de maio de 1979, e dá outras
providências;
- Lei 12014/09, cria o Fundo Nacional de Mudança do Clima, altera os arts. 6º e 50 da Lei no. 9.478, de
06 de agosto de 1997, e dá outras providências.
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Processo Formador em Educação Ambiental a Distância
recursos naturais.
§ 5º - São indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações discriminatórias, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais.
§ 6º - As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua localização definida em lei federal, sem o que não poderão ser instaladas.
Entre as diversas constatações que podemos extrair desse fundamental artigo
para o Direito Ambiental Brasileiro, o qual nos interessa por ser tema do presente
estudo, é a obrigação do Poder Público em promover a EA.
Nesse mesmo sentido e após a vigência da Constituição Federal, foi publicada
a Lei 9795/99 que dispõe sobre a Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA).
Dentre os destaques dessa lei, citamos o conceito legal de EA:
Entende-se por educação ambiental os processos por meio dos quais o
indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades,
atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso
comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade (Art. 1º, da
9795/99).
A referida norma legal igualmente definiu os princípios da EA:
I - o enfoque humanista, holístico, democrático e participativo;
II - a concepção do meio ambiente em sua totalidade, considerando a interdependência entre o
meio natural, o sócio-econômico e o cultural, sob o enfoque da sustentabilidade;
III - o pluralismo de idéias e concepções pedagógicas, na perspectiva da inter, multi e transdisciplinaridade;
IV - a vinculação entre a ética, a educação, o trabalho e as práticas sociais;
V - a garantia de continuidade e permanência do processo educativo;
VI - a permanente avaliação crítica do processo educativo;
VII - a abordagem articulada das questões ambientais locais, regionais, nacionais e globais;
VIII - o reconhecimento e o respeito à pluralidade e à diversidade individual e cultural. (Art.
4º, da 9795/99).
Projeto ambiental escolar comunitário
Pela interpretação dos princípios legais elencados, a EA no Brasil deve
perseguir a democracia e participação, aspectos constitutivos de sua política,
conforme mencionado acima. Dessa forma, comprometem-se, conjuntamente, a
coletividade e o Poder Público nesse processo educativo e transformador.
Portanto, as leis supramencionadas não visam a uma proteção ambiental
precária. Ao contrário, no atual contexto, são diplomas legais de extrema relevância,
ainda que possam ser aperfeiçoadas, não só para a promoção da EA, como também
da tutela da natureza. Entretanto, falta a efetiva aplicação dessa legislação,
carência motivada pelo desconhecimento a respeito desta, pelo despreparo dos
órgãos ambientais e, principalmente, pela luta por poder na sociedade, cuja força
preponderante não é somente econômica, mas sim de caráter desenvolvimentista,
em uma perspectiva antropocêntrica e que não pretende ver a lei ambiental se
materializar.
Recentemente, inúmeras iniciativas, consolidadas em projetos de lei que
tramitam no Congresso Nacional e parlamentos estaduais, têm buscado diminuir e
até retirar a tutela jurídica atinente a diversos temas ambientais. Isto dificulta ainda
mais a tutela legal da natureza, somando-se à mencionada falta de aplicação da
norma ambiental.
Tais medidas, que desprotegem o ambiente, são consequências de interesses
econômicos insustentáveis, oriundos de setores do agronegócio e do mercado
imobiliário, que têm como resultado um desenvolvimento socialmente excludente.
Isso só faz aumentar a pegada ecológica sobre a Terra e a necessidade de construção
de alternativas a tal modelo de desenvolvimento.
Nesse contexto, incumbe ao educador ambiental pesquisar e verificar como
concretamente dão-se tais fenômenos que reforçam ou combatem a crise ecológica,
a que interesses atendem e em quais setores da coletividade recaem os benefícios e
os prejuízos dessa crise. Esse tipo de investigação colabora na formatação de uma
práxis modificadora do atual cenário, valendo-se do marco legal ambiental em vigor.
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Processo Formador em Educação Ambiental a Distância
REFERÊNCIAS
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Processo Formador em Educação Ambiental a Distância
ProjetoSUBSÍDIOS
ambiental escolar
comunitário
À INTERPRETAÇÃO
CRÍTICA DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL
Daiane Gautério1
N
este capítulo, abordaremos a Educação Ambiental e a relação desta com as
discussões de paradigma2 no contexto mundial, bem como questões sobre
desenvolvimento sustentável no âmbito das cidades.
1. A Educação Ambiental, o desenvolvimento e as concepções de mundo
A partir da segunda metade do século XX, observamos uma preocupação
generalizada com a questão da natureza e do Meio Ambiente. Nesse cenário, é
perceptível, nos meios de comunicação em massa, a inquietude do Estado assim
como de organizações e associações no que diz respeito à preservação dos recursos
naturais. Tal postura se deve ao fato de que a natureza, suporte da vida e dos meios de
produção, transformou-se historicamente, de modo que os elementos desta passaram
a ser considerados mercadorias. Utilizamos o termo “mercadoria”, no sentido de que
a natureza tem sido vista, em muitos casos, apenas como um recurso a ser explorado
(CASTELNOU, 2006).
Em meados de 1970, as discussões sobre as relações estabelecidas entre os
seres humanos e o Meio Ambiente passaram a ocupar importante posição no mundo
globalizado. Ao passo que o domínio sobre a natureza e a manipulação desta, em
função dos interesses humanos, passam a ser questionados, nesta mesma época,
emerge também a ideia de progresso econômico e desenvolvimento ilimitados,
através da exploração dos recursos naturais. Desse modo, a ciência teria permitido
aos seres humanos a descoberta das leis da natureza, bem como das especificidades
e características desta. Isso, além de lhes “permitir” a retirada de elementos para
sobrevivência e lucro, principalmente após o desenvolvimento da produção capitalista
(CASTELNOU, 2006, p. 18), possibilitou a ideia de superioridade sobre esta.
Atualmente, pode-se considerar que vivemos uma das fases mais críticas da
história da humanidade, ao assistir à destruição e contaminação dos solos; à falta
Pedagoga, mestre em Educação Ambiental e servidora da FURG
Guimarães (2006) nos diz que os paradigmas tendem a nos levar a pensar e agir de acordo com algo pré-estabelecido, consolidado por uma visão de mundo que nos leva a confirmar,
mesmo que inconscientemente, uma racionalidade dominante. Portanto, discutir os paradigmas
educacionais e ambientais se torna essencial na busca para entender o mundo em que vivemos e
o mundo que queremos.
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Processo Formador em Educação Ambiental a Distância
de água ou ao excesso com as chuvas torrenciais; à ameaça à biodiversidade; ao
aquecimento global, decorrente da poluição; à destruição das florestas; entre outras
degradações.
Para resolver tais demandas, Porto-Gonçalves (2004) nos diz que haveremos
de pensar e agir com a energia compatível com a gravidade dos problemas que o
capitalismo, sobretudo na sua fase neoliberal, está submetendo a humanidade e
o planeta (p.168). Como citado, esta fase traz consigo diversos problemas sócioambientais e políticos, desencadeando desequilíbrios ambientais graves além de
guerras, epidemias, disputas territoriais.
No que tange mais especificamente às cidades, observamos o caos dos
engarrafamentos; a carência de transporte público de qualidade e de baixo custo; a
falta de habitação, o que ocasiona a aglomeração de indivíduos em áreas impróprias
à moradia. Além disso, podemos destacar outros problemas graves, como a
pobreza; a exploração de crianças, trabalhadores e jovens; a falta de atendimento
em hospitais; a desvalorização dos idosos e a pouca acessibilidade às pessoas
portadoras de deficiência.
Nos dias de hoje, seja de maneira informal ou na formalidade das escolas,
por exemplo, vemos discussões ampliadas sobre essas contradições. A Rio+20,
ocorrida no presente ano, por exemplo, permitiu discussões sobre desenvolvimento
sustentável e sobre os compromissos políticos assumidos em prol do planeta.
Contou com a participação de chefes de estados e problematizou como vêm sendo
usados os recursos naturais do planeta.
Nesse viés, surgem na mídia, nas escolas e organizações, discussões sobre
as possibilidades de sustentabilidade do planeta, em função, principalmente,
do medo da destruição planetária e da escassez dos recursos naturais, utilizados
de forma insustentável, o que gera ameaça à população mundial. Podemos citar
como exemplo o fato de que o modelo societário em que estamos inseridos produz
exacerbadamente bens, todavia, a distribuição destes se torna desigual, pois muitos
passam fome ou não têm acesso ao que é produzido.
Tomemos aqui o termo sustentabilidade pelo que Carlos Frederico Loureiro
(2006) enfatiza ser o pressuposto balizador das ações para a construção de uma
sociedade sustentável, na qual não seja considerado o crescimento econômico como
fator de satisfação social, obedecendo aos interesses do mercado. O autor reafirma o
respeito à diversidade cultural, a justiça social, a promoção de relações produtivas
coletivistas, a preservação e conservação ambiental, o equilíbrio ecossistêmico e o
fortalecimento de instituições democráticas.
Sendo assim, grande parte dos processos produtivos é realizada sem
qualquer preocupação com a preservação da natureza, assim como com as condições
e o ambiente em que trabalhadores exercem suas funções. Nesses processos,
Projeto ambiental escolar comunitário
esquecemos que a natureza é finita e que possui leis próprias irreversíveis como, por
exemplo, nos casos de extinção de espécies.
Os seres humanos acabam estabelecendo uma relação de dominação e
subordinação da natureza às próprias necessidades. Podemos comparar a relação
que a sociedade humana mantém com a natureza com a que alguns seres humanos
mantêm entre si, isto é, de superioridade e exploração. Por isso, faz-se necessário
reinventar novos modos de relação, não apenas entre o ser humano a natureza,
mas também entre os próprios seres humanos, além de novas formas de produzir
sustentavelmente.
Para que ocorra uma mudança significativa neste cenário de degradação
ambiental, é preciso compromisso político na luta por melhores condições sociais e
ambientais, de modo que não se aceite passivamente as condições determinadas pelo
sistema capitalista. Além disso, é necessário que se estabeleça outra relação entre
sociedade e natureza, ou seja, uma organização social em que sejam construídas
novas realidades. Realidades estas que avancem progressivamente contra as relações
de dominação (econômicas, políticas, sociais e ambientais) estabelecidas atualmente,
as quais levam à destruição planetária.
2. A crise ambiental não é só ambiental
No campo educacional ou mais particularmente na EA, a crise ambiental
que impera na atualidade se manifesta através de um conjunto de sintomas, os quais
refletem, conforme vemos no quadro abaixo, os rumos insustentáveis do modelo
de desenvolvimento predominante. Alguns dados, listados por Frederico Loureiro
(2003), indicam-nos tais sintomas, conforme consta no quadro abaixo.
*Quadro 1 – Riqueza para Poucos
Dados mostram que 946 pessoas concentram um patrimônio de aproximadamente US$ 3,5 trilhões de dólares, o que equivale ao rendimento de 50% da
população mundial, cerca de 3 bilhões de habitantes.
Mais da metade destes milionários encontra-se nos EUA, Alemanha e Rússia. O Brasil possui 20 representantes dessas maiores fortunas, cuja riqueza equivale ao rendimento de oitenta milhões de brasileiros de baixa renda.
Os EUA são responsáveis por 30% de todo o consumo mundial, enquanto
a África (um continente com mais do que o triplo da população norte-americana)
representa 5% desse consumo. Mais da metade da população africana vive abaixo
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Processo Formador em Educação Ambiental a Distância
da linha da pobreza e apresenta um processo de degradação difícil de ser revertido.
Quadro elaborado pela autora a partir de dados de Loureiro (2003).
Percebemos, a partir desses sintomas, que o modelo hegemônico e,
consequentemente, os paradigmas a ele associados se relacionam a uma concepção
de desenvolvimento para poucos. Em outras palavras, a continuidade do modelo de
desenvolvimento atual beneficiará, como vem beneficiando, a poucos. Este ocorre à
custa da superexploração dos recursos naturais, como se não fossem limitados, porém
o sistema coloca a responsabilidade pelas consequências dessa como resultantes do uso
das referidas fontes pelas maiorias.
Conforme Loureiro (2003), “o processo de desdobramento do capitalismo
mundial3 [...] conduziu ao ápice de nossa história de rompimento e de degradação
da qualidade de vida [...]” (p.28). Como conferimos no quadro comparativo acima, as
desigualdades sociais e econômicas ampliam também as desigualdades ambientais. À
medida que o capitalismo emerge na desenfreada busca por progresso e desenvolvimento
econômico, estende-se, espantosamente, a gravidade de problemas ambientais em toda
parte do mundo.
*Quadro 2 – O sistema hegemônico
Capitalismo é um sistema econômico caracterizado pela propriedade privada dos meios de produção e pela existência de mercados livres. Outras condições comumente associadas ao capitalismo são: a presença de agentes que investem em troca de um lucro futuro; o respeito a leis
e contratos; a existência de financiamento, moeda e juro; a ocupação de trabalhadores segundo
um mercado de trabalho.
Fonte: WIKEPÉDIA. Disponível em: <http://www.wikipedia.org.br>.
Ao constatarmos que 20% dos habitantes mais ricos do planeta consomem cerca
de 80% da matéria-prima e energia produzidas anualmente, vemo-nos diante de um
modelo-limite (PORTO-GONÇALVES, 2004), ou seja, que vai além da capacidade do
planeta. Conforme o mesmo autor, “seriam necessários cinco planetas para oferecermos
a todos os habitantes da Terra o atual estilo de vida que é vivido pelos ricos dos países
ricos e pelos ricos dos países pobres” (p.71).
Portanto, se fosse aderido por toda a população mundial, o estilo de vida e o
consumo de maneira insustentável colocariam seriamente em risco o planeta. Sendo
assim, precisamos discutir e refletir sobre a gravidade dos problemas que o capitalismo,
sobretudo na sua fase neoliberal (quadro 4), está submetendo a humanidade e a Terra.
3
Ver Quadro 2.
Projeto ambiental escolar comunitário
*Quadro 3 – O Neoliberalismo
Neoliberalismo é um termo utilizado em duas épocas diferentes, com dois significados
semelhantes, porém distintos:
•
na primeira metade do século XX, significou a doutrina proposta por economistas
franceses, alemães e norte-americanos voltada para a adaptação dos princípios do liberalismo clássico às exigências de um Estado regulador e assistencialista;
•
a partir da década de 1960, passou a significar a doutrina econômica que defende
a absoluta liberdade de mercado e uma restrição à intervenção estatal sobre a economia, só
devendo tal intervenção ocorrer em setores imprescindíveis e ainda assim num grau mínimo. Nesse segundo sentido é que o termo é mais usado hoje em dia.
Fonte: WIKEPÉDIA. Disponível em: <http://www.wikipedia.org.br>.
Com o neoliberalismo, a fase atual mais radical do sistema capitalista,
ampliou-se a exploração ambiental e humana e, consequentemente, intensificaramse os problemas socioambientais e políticos, os desequilíbrios ambientais, as
guerras, as epidemias, além de disputas territoriais.
3. Desenvolvimento Econômico, Educação e Sustentabilidade
Uma das principais críticas feitas ao conceito de desenvolvimento, na fase
mais radical do capitalismo (neoliberalismo), é a de que este provinha da ideia de
dominação da natureza. Conforme afirma Porto-Gonçalves (2004), nesse viés, ser
desenvolvido corresponderia a ser urbano, industrializado, enfim, a tudo aquilo que
nos afastasse da natureza e que nos colocasse diante de constructos humanos, como
a cidade e a indústria. Além disso, nesse contexto, o termo desenvolvimento era
atrelado ao sistema capitalista quando não questionava as desigualdades sociais
desencadeadas por este. Para o autor,
o que havia era a crítica à desigualdade do desenvolvimento, ou
seja, este não beneficiava a todos e, sim, alcançava a poucos
e determinados grupos sociais. Ainda não se questionava o
desenvolvimento como tal. De forma que os que criticavam a
desigualdade do desenvolvimento acabavam por fomentá-lo, visto
que se entendia que a superação da miséria, das desigualdades,
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Processo Formador em Educação Ambiental a Distância
far-se-ia com mais desenvolvimento, portanto, mais exploração da
natureza, igualando-o à perspectiva de progresso para as cidades. O
progresso, dizia-se, era um direito de todos! (p. 25).
A concepção de desenvolvimento, como colocado acima, é um dos centros
das contradições do sistema, pois neste o progresso “é rigorosamente sinônimo de
dominação da natureza” (PORTO-GONÇALVES, 2004, p. 24). Verificamos, então,
a existência de uma forma de desenvolvimento que afasta os humanos da natureza,
de maneira a reduzi-la a mera “coisa”, mercadoria ou objeto. Para o autor, “o maior
desafio ambiental, neste contexto, está na busca de alternativas ao desenvolvimento e
não de desenvolvimento” (PORTO-GONÇALVES, 2004, p. 27). Assim, a produção de
outros valores é preterida, tais como generosidade, equidade, liberdade, democracia.
Estes são fundamentais para a construção de outra sociedade, de outra realidade, que
não sirva somente a lógica do consumo.
O conceito de progresso, herdado do positivismo e baseado em enfoques
tradicionais de desenvolvimento do mundo moderno, conforme destacou Diegues
(1992), apresenta a ideia implícita de que as sociedades podem ascender indefinidamente
para níveis cada vez maiores de riqueza material. Isso, por sua vez, fez com que as
sociedades humanas passassem a interferir, progressiva e intensamente, na exploração
dos recursos naturais.
De acordo com Rampazzo (2002), a estratégia de desenvolvimento atualmente
adotada tem dado ênfase ao crescimento econômico em curto prazo, o qual ocorre à
custa dos recursos naturais e provoca verdadeira crise ambiental. Para a autora, no
desenvolvimento capitalista, ocorre a busca da expansão constante do capital, em que
o capital ambiental (recursos naturais) é dilapidado como se fosse eterno (infinito),
reduzindo-se cada vez mais.
No livro organizado por Becker (2002) é traçado um paralelo que discute
justamente a questão abordada acima, como transfiguração da qualidade em quantidade.
Tal obra também aponta que a natureza modificada pelo sistema hegemônico vira
matéria-prima e, consequentemente, capital natural. Por esse motivo, a vida, em geral
transfigurada, vira “coisa”, mercadoria.
Em suma, a autora resume que “o sistema transforma a espécie humana, as
demais espécies e a organização produtiva das necessidades humanas, em meios do
capital” (BECKER, 2002, p. 18). Becker ainda avança, dizendo que o desenvolvimento
do capitalismo hoje se faz através de duas lógicas que se contrapõem: a lógica da
mercadoria versus a lógica da vida. Desse modo, ao mesmo tempo em que representa
desenvolvimento para uns, não o é para outros, ou, ao mesmo tempo em que produz o
enriquecimento de poucos, provoca o empobrecimento de muitos outros.
Em função disso, podemos dizer que o processo de desenvolvimento capitalista
Projeto ambiental escolar comunitário
existe concomitantemente com a contradição expressa entre a insustentabilidade da
dimensão econômica globalizada e a luta pela sustentabilidade da dimensão humana,
na relação com a natureza, para as gerações atuais e futuras.
4. Educação Ambiental para sustentabilidade
A Educação tem um papel fundamental na luta e na efetivação de uma sociedade
mais justa social e ambientalmente, visto que, por meio dela, é possível sensibilizar
todos e todas. Isso porque é por meio da Educação que novos conhecimentos são
produzidos e novas realidades construídas. Para tanto, precisamos superar a Educação
Tradicional e construirmos uma “outra Educação”, que seja transformadora e que
problematize permanentemente o sistema de ensino atual de nossas escolas, faculdades
e universidades.
Atualmente, vivemos resquícios de uma Educação Tradicional, reprodutora
das perspectivas e dos valores capitalistas. Esta educação, viciada nas tendências
pedagógicas positivistas, dificulta a inserção de novas visões de Educação para a
mudança socioambiental. Se associarmos a Educação a uma perspectiva ambiental,
conforme argumentamos acima, poderemos avançar para uma proposta mais sistêmica
e holística na defesa da vida e para uma relação sustentável com o Meio Ambiente e os
demais seres vivos. No entanto, devemos considerar que tal perspectiva e as práticas a
ela associadas confrontar-se-ão ao sistema e aos modos hegemônicos de produção e de
consumo.
A fim de aprofundarmos essas discussões, precisamos refletir sobre as
perspectivas de Educação e Educação Ambiental presentes em nosso sistema educativo
e social. Para tanto, dividiremos em duas: Educação e Educação Ambiental tradicionais4
; e Educação e Educação Ambiental transformadoras5 . No desenho abaixo, buscamos
mostrar tais divisões:
A Educação Tradicional também pode ser chamada de Educação Bancária, Educação Acrítica, Educação Positivista etc. Demandaria concepções próximas da que entendemos por tradicional
e/ou dominante.
5
A Educação Transformadora também pode ser chamada de Educação Libertadora, Educação Crítica, Educação Emancipatória etc. Demandaria concepções aproximadas da que entendemos
por transformadora e/ou emergente.
4
33
34
Processo Formador em Educação Ambiental a Distância
Atualmente, são duas as perspectivas de Educação que estão enraizadas nos
sistemas de ensino. Ambas se relacionam com o contexto social e ambiental em que
estamos inseridos. Podemos dizer que a Educação Tradicional e a Educação Ambiental
Tradicional se articulam com o atual modo de vida, de produção e de consumo, já que
têm suas bases calcadas no modelo capitalista. Já a Educação Transformadora e a
Educação Ambiental Transformadora dizem respeito a práticas e ações que buscam
mudar hábitos, atitudes e competências em um viés de sustentabilidade e preservação
ambiental.
Do ponto de vista da prática educativa, a Educação Tradicional segue
características de transmissão de conhecimentos pré-determinadas pelo sujeito que
“sabe”, no caso da escola, o “professor”, e que deve ensinar ao “objeto” que não sabe,
no caso, o(a) “aluno(a)”. Neste enfoque, o(a) aluno(a) é passivo(a), de modo que deve
assimilar e reproduzir conhecimentos como verdades prontas e acabadas. Em suma,
é uma Educação centrada no professor, cuja função se resume a ensinar a matéria e
corrigi-la, o que configura uma metodologia de transmissão de conhecimentos através
da aula do professor, a qual frequentemente é expositiva e tem como finalidade a
memorização e repetição dos conteúdos. O professor fala, o aluno ouve e aprende.
Essa organização não propicia ao sujeito que aprende um papel ativo na construção
da aprendizagem.
Em contrapartida, a Educação Transformadora se centra em discussões de
temas sociais, políticos e ambientais, no papel ativo dos homens e na sua relação
com a natureza de forma holística. Nesta, intenta-se analisar as problemáticas sociais,
políticas e ambientais como resultantes da ação humana. Ao mesmo tempo em que
se identificam os problemas, buscam-se soluções locais e mundiais, pelo menos as
identificando. Nesse viés, na escola, o professor é sujeito e mediador do processo,
juntamente com o aluno, bem como procura a efetiva participação dos estudantes nas
decisões que os afetam diretamente.
5. Educação, Paradigmas e Meio Ambiente
Projeto ambiental escolar comunitário
A natureza ocupa lugar cada vez mais destacado no cenário mundial, especialmente
nos debates sobre o destino da humanidade. Tal visibilidade se mostra tanto nas práticas
educativas (no âmbito local) quanto nas ações governamentais e internacionais (na esfera
global). Ao ampliarmos a relação da Educação com o Meio Ambiente, como é o caso da
Educação Ambiental, poderíamos dizer que a primeira se limita ao reconhecimento da
gravidade dos problemas ambientais, os quais são resultados de processos educativos “mal
feitos”, o que pouco avança na discussão da crise ambiental e se restringe à solução dos
mesmos como problemas pontuais. Em outras palavras, essa educação fragmentada coloca
no sujeito a necessidade de mudança comportamental.
Na visão Transformadora ou Emancipatória, não há uma mudança somente
pedagógica e nas práticas dissociadas, mas sim uma transformação pedagógica e política,
da qual emergem sujeitos/cidadãos transformadores das próprias realidades. Isso engloba
também mudanças de comportamentos, mas vai além destes, para ações políticas relevantes,
de forma que o coletivo se insere nas criações/proposições de novas políticas, em parceria
com o Estado e com órgãos responsáveis. Ao incentivar estas ações, a educação crítica
pode agir como alavanca de transformação local.
Portanto, as concepções de Educação e de Educação Ambiental se relacionam
às visões de mundo, que chamaremos de paradigmas. Sendo assim, usaremos o termo
Educação/Educação Ambiental Tradicional para caracterizar o modelo de ensino
ainda predominante no Paradigma Moderno/Tradicional. Na outra vertente, Educação
Emancipatória se torna uma proposta de mudança paradigmática.
Quadro– Educação, Paradigmas e Meio Ambiente
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Processo Formador em Educação Ambiental a Distância
*Elaborado por Daiane Gautério, a partir de Loureiro (2002; 2004), Bertrand; Valois (1994).
6. Por uma Educação Ambiental Transformadora
Diante do exposto, posicionamo-nos por uma Educação Ambiental
Transformadora e Emancipatória, cujos conteúdos e objetivos são meios para ações
humanas (individuais e coletivas) vinculadas ao fazer educativo transformador do
mundo e de nós mesmos. Essa Educação tem como utopia mudanças locais e globais,
visando um mundo mais justo, sustentável e com justiça social e ambiental. Sendo
assim, tal Educação, conforme Loureiro (2002), afirma-se enquanto uma práxis social
que contribui para o processo de construção de uma sociedade pautada por novos
patamares civilizacionais e societários distintos dos que temos hoje.
Para esse agir coletivo, seriam indispensáveis os seguintes princípios:
considerar a necessidade do diálogo entre as diferentes vozes, visto que
devemos entender a Educação como instrumento mediador de interesses e conflitos, já
que as pessoas se encontram em condições materiais, políticas e educativas desiguais
e em contextos diversos;
perceber que os problemas ambientais são decorrência de fatores “naturais”
(abióticos, seres vivos, etc.), mas também econômicos, políticos, simbólicos,
ideológicos, que ocorrem em dado contexto histórico;
Projeto ambiental escolar comunitário
entender que ter uma perspectiva crítica e histórica envolve perceber as
relações existentes entre Educação, sociedade, trabalho e natureza, em um processo
global de aprendizagem, com implicações societárias;
compreender a existência da indissociabilidade entre a capacidade teórica e
o agir em situações do cotidiano;
entender que a Educação é emancipação e que, portanto, deve instrumentalizar
e preparar o indivíduo para escolher os melhores caminhos para a vida que se quer
levar em sociedade e em comunhão com a natureza.
A partir disso, o educador, em sua relação com os educandos, no processo educativo,
deve ter uma postura baseada nos seguintes tópicos:
conhecer e desvelar a realidade, em um processo de ação-reflexão-ação6 ;
fortalecer a ação coletiva e organizada;
articular os diferentes saberes e entender os diferentes contextos;
compreender o ambiente em sua complexidade e totalidade;
partir de questões locais para alcançar discussões globais de entendimento
do mundo em que vivemos;
fomentar as discussões sobre as formas de sustentabilidade e suas diferentes
visões;
reeducar-se permanentemente enquanto educador e como sujeito social
protagonista da sua realidade;
deixar o espaço aberto para discussões e buscar a ampliação das características
apresentadas, as quais demandam a criação coletiva, conforme os contextos e as
necessidades específicas dos diferentes grupos.
O processo de ação-reflexão-ação se refere ao ato de pensar sobre as ações anteriormente realizadas, de forma que sejam resignificadas e novamente colocadas em prática sobre
novo foco.
6
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Processo Formador em Educação Ambiental a Distância
REFERÊNCIAS
BECKER, Dinizar Fermiano (Org.). Desenvolvimento Sustentável: Necessidade
e/ou possibilidade?. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2002.
BERTRAND, Yves; VALOIS, Paul. Paradigmas educacionais: Escolas e
Sociedades. Lisboa, Portugal: Instituto Piaget, 1994.
GUIMARÃES, Mauro. Armadilha paradigmática na educação ambiental. In:
LOUREIRO, Carlos Federico B (Org.). Pensamento Complexo, dialética e
educação ambiental. São Paulo: Cortez, 2006.
LOUREIRO, Carlos Frederico B. Teoria social e questão ambiental: pressupostos
para uma práxis crítica em educação ambiental. In: ___. Sociedade e meio
ambiente – a educação ambiental em debate. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2002.
LOUREIRO, Carlos Frederico B; LAYRARGUES, Philippe Pomier; CASTRO,
Ronaldo Souza de Castro (Orgs.). Pensamento complexo, dialética e educação
ambiental. São Paulo: Cortez, 2006.
___. Trajetória e Fundamentos da Educação Ambiental. São Paulo: Cortez, 2004.
___. A questão ambiental no pensamento crítico: natureza, trabalho e educação.
Rio de Janeiro: Quartet, 2007.
LUCKESI, Cipriano Carlos. Filosofia da Educação. São Paulo: Cortez, 1994.
PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter. O desafio ambiental: Os porquês da
desordem mundial, mestres explicam a globalização. Rio de Janeiro: Record,
2004.
PORTO - GONÇALVES, Carlos Walter. A Globalização da Natureza e a Natureza
da Globalização. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.
RAMPAZZO, Sônia Elisete. A questão ambiental no contexto do desenvolvimento
econômico. In: BECKER, Dinizar. Desenvolvimento Sustentável: Necessidade e/
ou possibilidade. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2002.
A PESQUISA NA FORMAÇÃO CONTINUADA DE EDUCADORES AMBIENTAIS:
Projeto ambiental escolar comunitário
PROBLEMATIZAÇÕES
CONTEMPORÂNEAS
Paula Corrêa1
Bárbara Hees2
Fecho os olhos e minhas pernas voltam a tremer em face da
emoção dos primeiros achados. Maravilho-me novamente com
aquelas mínimas descobertas, demoro-me nelas e, novamente,
vivo o momento mágico do ato de criar, de inovar, que somente a
pesquisa pode proporcionar (FAZENDA, 1995, p.12).
N
o presente texto, buscaremos problematizar a Educação Ambiental e a importância do processo de pesquisa na formação continuada de educadores
ambientais. Para isso, inicialmente, discutiremos os deslocamentos3 da
pós-modernidade, os quais produziram indagações, inquietações, bem como rápidas mudanças nas nossas formas de ser, estar e viver atualmente. Em um segundo
momento, mostraremos de onde falamos, ao tratar da Educação Ambiental. Logo
após, abordaremos a importância da pesquisa para pensarmos em ações diretas que
possam repercutir positivamente no mundo. Para finalizar, apresentaremos algumas
possibilidades de pensarmos encaminhamentos metodológicos para a realização de
um processo de pesquisa.
A crise da Modernidade: rachaduras, questionamentos e deslocamentos
Na Europa, durante o século XVI, descobertas da matemática, da física e
da astronomia marcaram o início de um novo paradigma, o qual foi considerado
uma ruptura com a forma habitual de ver o mundo até então, pois, nesta, havia
muita crença no divino e no transcendental. Nesse novo cenário epistemológico,
os saberes científicos passaram a ser produzidos com o intuito de explicar, prever
e, se possível, controlar a natureza, tais saberes foram tidos como universais,
atemporais, a-históricos e não poderiam ser contestados. Essa pretensão de obter
a universalidade dos conhecimentos através da Ciência caracterizou o Método
Científico, constituído como única forma de se produzir um saber válido neste
Doutora em Educação, Professora Adjunta do Instituto de Educação e dos Programas
de Pós-Graduação em Educação Ambiental e Educação em Ciências da Universidade Federal do
Rio Grande – FURG. E-mail: [email protected]
2
Pedagoga, Mestre em Educação em Ciências: química da vida e saúde, pela Universidade Federal do Rio Grande – FURG. Doutoranda em Educação Ambiental pela mesma Instituição e Bolsista CAPES. E-mail: [email protected]
3
Por deslocamentos, entendemos algumas mudanças nas formas de ser, estar e viver no
mundo. Tais mudanças provocam rupturas de verdades, provocando-nos a olhar a vida de outra
forma.
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Processo Formador em Educação Ambiental a Distância
momento inicial da Modernidade.
Assim, tal Método advinha de dois momentos: observar e experienciar e,
somente a partir dessas duas premissas, era possível transformar informações em
conhecimentos científicos. O que suportasse o teste do Método Científico era então
considerado válido em qualquer parte do mundo, já que o princípio básico moderno
era a universalidade dos conhecimentos verdadeiros. Nessa lógica, os conhecimentos
provenientes de outros saberes, que não os legitimados por essa Ciência Moderna,
tais como as Ciências Humanas e a Educação, não eram reconhecidos como válidos.
No entanto, atualmente, esse paradigma da Modernidade não dá mais conta
das complexidades contemporâneas e faz com que muitos de nós questionemos
verdades cristalizadas por séculos, como a lógica científica, a supremacia da razão
e o sujeito iluminista4 . Configura-se, então, uma crítica ao paradigma moderno,
pois já não existem privilégios de olhares, a Ciência não é mais a única forma de
saber válido, os cientistas não são apenas das áreas exatas, existem deslocamentos
e deslizamentos que começam (ou talvez terminam) em locais não científicos.
Assim, entende-se que a Ciência é também produzida por nós, uma vez
que o nosso discurso a constitui. Dessa forma, as grandes totalidades em termos
de conhecimentos e de verdades sofrem uma falência, já não é mais possível
uma explicação total, global. Faz-se necessário considerar as produções locais,
contingentes, abandonando traços da Constituição Moderna, como o projeto de
purificação, fazendo com que coloquemos sob suspeita as verdades produzidas na
Modernidade.
A partir deste contexto de relativização, os contornos da Pós-Modernidade
foram se delineando na sociedade e nas práticas científicas. No século XXI, por
exemplo, vivemos um tempo em que as verdades são cada vez mais provisórias,
estão sempre em vias de se desfazer, pois, a cada momento, surgem novidades, tais
como os avanços tecnológicos. Muitas vezes, a sensação é de insegurança diante do
que poderá mudar no próximo minuto. Essas mudanças nas formas de entender o
mundo e de nos relacionarmos com ele causam desconfortos e angústias, pois não
temos mais certezas tão fixas como em algumas décadas.
No entanto, não buscamos na Pós-Modernidade uma solução para as
questões citadas, compartilhamos com Latour (2000) o entendimento de que esse
período histórico é um sintoma de uma sociedade que vive as metanarrativas
modernas5 , mas, simultaneamente, tenta deixar algumas verdades em suspenso.
Assim, paradoxalmente, ao mesmo tempo em que carregamos muitos princípios
Tomamos por sujeito iluminista aquele autocentrado, provido de racionalidade e com
consciência epistemológica desenvolvida. Esse sujeito sai de uma condição menor e, pela via
do conhecimento, atinge uma condição maior, evoluindo cognitivamente.
5
Entendemos por metanarrativas modernas as grandes verdades produzidas pela Modernidade, destacamos: a razão, as universalidades hegemônicas e o próprio sujeito iluminista.
4
Projeto ambiental escolar comunitário
do paradigma Moderno, tentamos abandoná-los. Esse sintoma, vivenciado na Pósmodernidade, deixa para trás o desvelamento das verdades, a essência do sujeito
autocentrado, a Ciência como única e legítima explicação do mundo. Ao mesmo
tempo, esse sintoma é pouco conhecido, pois sabemos quais grandes verdades
questionar, mas não quais caminhos trilhar para isto. Nossa tentativa, então, é a
de compreender como vimos sendo produzidos enquanto sujeitos e nos tornando
aquilo que somos.
Pensar em que tempo estamos nos parece ser um questionamento que ainda
hoje muitos de nós nos fazemos: um tempo de rupturas metodológicas, educacionais,
sociais, políticas, econômicas; um tempo em que são anunciadas novas maneiras
de olhar o mundo, a Ciência, os novos modos de pensar. O que atualmente conta
como verdade no presente espaço-tempo, no atual contexto cultural, social,
político, econômico e educacional? Indagar-nos a respeito disso é, pelo menos,
abrir possibilidades e novos caminhos de aceitar outras formas de ver o mundo.
Entretanto, muitos de nós, não estamos acostumados a viver em um mundo
sem certeza e sem segurança, sem a claridade dada pelas verdades científicas. Essa
falta de costume resulta do fato de termos sido produzidos pelo paradigma moderno
e, consequentemente, queremos respostas científicas para todas as questões.
Desejamos ter a certeza de qual é o caminho certo a seguir, queremos respostas
comprovadas racionalmente para os problemas e as dúvidas que surgem. Todavia,
pelo paradigma Pós-Moderno, não temos essas respostas e certezas como absolutas
e únicas, mas precisamos buscá-las, experimentá-las e produzi-las.
Friedrich Nietzsche, no século XIX, contraria o pensamento científico
instituído na Modernidade. Ao quebrar as concepções iluministas e colocar sob
suspeita a ideia de verdade, demarcando-a como historicamente produzida, provoca
muitas perplexidades. Nietzsche nos dá pistas, desde o século XIX, de um outro
olhar para além do científico, trazendo críticas ao modelo linear da Ciência, o
que nos leva a dizer que é um precursor da Pós-Modernidade. Foucault considera
Nietzsche como um homem do século XIX, que antecipou genialmente a época que
vivemos hoje (FOUCAULT, 2005).
Dessa forma, sofre duras críticas. O próprio autor relata estar fora do seu
tempo, já que, em um momento de pleno vigor da Ciência, arrisca-se a colocá-la em
questionamento. Porém, enfatiza que alguns nascem postumamente (NIETZSCHE,
2003), pois seus escritos só serão valorizados após sua morte. Talvez essa seja a
potência do autor na atualidade, pois seus questionamentos não foram aceitos no
século em que viveu e se tornam muito prudentes nos séculos posteriores. Enquanto
viveu, sua obra foi pouco lida e discutida, entretanto, hoje, é considerado um autor
que traz em seus escritos marcas da crítica à Modernidade.
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Processo Formador em Educação Ambiental a Distância
A Pós-Modernidade
A Pós-Modernidade, como viemos a chamar esse movimento, seguindo a
correnteza de Lyotard (1993) e Peters (2000), caracteriza-se não como um momento
histórico, posterior à Modernidade, mas como um paradoxo, pois ambos os períodos
estão concomitantemente presentes na atualidade, ao constituir nossas formas de ser,
estar e viver.
Ao renegar a ideia linear de um tempo após a Modernidade, Peters (2000)
apresenta esse Paradigma a partir de concepções que contemplam as transformações
na arte e na cultura. Este fato pode ser entendido como uma nova época/estilo. A PósModernidade tem a Modernidade como seu objeto teórico e, com isso, busca rejeitar a
totalidade e a universalização de saberes, aspectos constituintes do modelo científico
característico do paradigma da Modernidade.
Assim, trazemos como identificação deste movimento a marca da desconfiança
às metanarrativas criadas pela Modernidade. Ao querer explicar o mundo, o
paradigma Moderno elegeu alguns sujeitos mais capazes do que outros (os cientistas),
alguns conhecimentos melhores do que outros (os científicos), alguns locais mais
privilegiados do que outros (a academia, por exemplo). Enfim, enumerou e classificou
o mundo, dizendo quem e o que estava ou não dentro da comunidade que ditava as
regras do saber.
Muitos de nós podemos nos sentir frustrados de estar em um momento no
qual a binaridade6 e a certeza cedem espaço à multiplicidade e à insegurança. Nesse
sentido, Foucault (2005a) se põe a pensar sobre esse novo tempo que possibilita
múltiplas formas de olhar o mundo e a vida:
Compreende-se que alguns lamentem sobre o vazio atual e desejem, no
âmbito das idéias, um pouco de monarquia. Mas aqueles que, uma vez
em suas vidas, encontraram um tom novo, uma nova maneira de olhar,
uma outra maneira de fazer, estes, acredito, jamais experimentarão a
necessidade de se lamentarem de que o mundo é um erro, a história,
saturada de inexistências, e já é hora de os outros se calarem para que, se
possa ouvir a sineta de sua reprovação... (p. 306).
Atitudes de questionamento quanto: à seriedade da Ciência; à insatisfação
do incerto e à continuidade do progresso e da ordem na sociedade são acolhidas
pela Pós-Modernidade. No entanto, com isso, não queremos dizer que, nesse novo
cenário, a pesquisa e a Ciência não são necessárias. Ao contrário, tratamos, no
paradigma Pós-Moderno, de pensar outras possibilidades de fazer Ciência para além
do método científico moderno.
Utilizamos essa expressão para questionar a forma como muitas vezes olhamos o mundo:
bom ou ruim, certo ou errado, verdadeiro ou falso.
6
Projeto ambiental escolar comunitário
A Pós-Modernidade não abre lugar a outro ídolo ou monarquia, como a
Ciência, por exemplo. Coloca sob suspeita os grandes relatos da Modernidade e as
verdades absolutas, questiona a supremacia da razão e do conhecimento científico
como a única forma de saber válido.
Os fundamentos do pensamento moderno, ao serem indagados, levam-nos a
uma crise de paradigmas, a um momento de incertezas e inseguranças. Pensar que
verdades até então sempre aceitas podem ser refutadas, que podem existir outras
formas de olhar o mundo além do óculo científico moderno, são questões que, pelo
menos a nós, incomodam. Incomodam não no sentido negativo, mas no sentido de
mexer com nossos saberes tão bem fincados em um paradigma que busca verdades
e, com elas, nos confere segurança e tranquilidade. A crise da Modernidade, pelo
menos em seu sustentáculo das verdades verdadeiramente verdadeiras, eclode em
nossos tempos contemporâneos.
Assim, essa fissura no paradigma Moderno é paradoxal, já que convivemos
com dois ethos 7, que trazem consigo uma crise, a qual se configura no questionamento
das estruturas que até então sustentavam toda nossa maneira de olhar para as coisas. À
medida que colocamos sob suspeita nossos valores morais e nossas utopias, estamos
produzindo uma rachadura em nossos conceitos e em nossa forma de vida. A crise a
que nos referimos está relacionada não à troca de um paradigma por outro, mas a um
olhar avesso a toda produção moderna que nos constitui/constituiu.
Assumimos a ideia de que, concomitante à Modernidade, a Pós-Modernidade
vem para aceitar a humildade diante de questões do conhecimento, a fragilidade da
Ciência e a desconfiança perante nossas verdades mais cristalinas. Assim, mostra e
pensa o mundo de forma cambiante, como condição do enfraquecimento de todos
os ideais modernos. Com isso, não dizemos que a Ciência deixa de existir, ela toma
agora um local não privilegiado, ela é, dentre tantos outros saberes, uma das muitas
formas de lermos o mundo.
Nessa outra concepção de Ciência, a solidificação moderna se dilui, de
modo que se abrem outros horizontes e olhares para o caminho científico. A prática
científica, agora, não mais obrigada a prescrever o mundo, pode, talvez, abandonar
um pensamento totalizante de explicação do mundo. Nesse sentido, mudam-se as
análises, as metodologias, os problemas e as promessas. O mundo da razão soberana
científica morreu, abrindo espaço para aquela Ciência alegre de que trata Nietzsche
(2001), para um saber que, longe de querer representar o que é a realidade, percebese frágil e limitado diante das questões do conhecimento e do mundo.
Esse olhar, essas mudanças e esse momento paradoxal nos levam a pensar
sobre os conhecimentos científicos agora tidos como provisórios, incertos e instáveis.
Nessa perspectiva, não se vê mais a Ciência como a melhor e única condição de
Significa dizer que existem caracterizações sociais, políticas, culturais e éticas de um determinado momento histórico. Um modo de ser, estar e conviver no mundo, de acordo com essas
caracterizações.
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Processo Formador em Educação Ambiental a Distância
chegar à verdade, essa concepção se desmancha, pois se entende que a Ciência se
constitui como um saber importante e necessário tanto quanto o senso comum, a
literatura e as artes. Assim, percebemos que a indispensável busca por querermos
constituir tudo em Ciência se fragiliza. Afinal, se destruirmos a hierarquização de
saberes que, desde a Idade Clássica, com a Filosofia e a Teologia, nos acompanham,
não se faz mais necessário lutar pela legitimidade científica, já que ela perde o caráter
de única produção de conhecimento válido.
As condições da Pós-Modernidade se apresentam, então, através de
mudanças microfísicas no olhar sobre as coisas, inquietações acerca da redenção,
do prometeísmo, práticas progressistas marcadas pelos ideários de educação. Este
paradigma nos coloca em uma condição de humildade, de vigilância epistemológica
em que o/a intelectual da Modernidade se assuma limitado/a e perplexo/a diante de
suas tarefas mais singelas, como a de se colocar a pensar sobre sua própria prática.
Frente a esse cenário de mutação, a Pós-Modernidade apresenta um novo
tempo e um novo olhar sobre a Ciência. Nesse sentido, resta-nos questionar a ordem
discursiva imposta: afinal, para que serve a Ciência? O que podemos problematizar
para assumir um discurso que olhe ao avesso para a legitimidade da Ciência (talvez
não o que está na ordem, mas na desordem das coisas). Essas são questões que
trazemos para a arena de discussão, não na busca de respostas, mas problematizando
a cientificidade da Ciência e a necessidade de estar na ordem discursiva aceita hoje.
Assim, com o presente trabalho, buscamos instigar o leitor ao questionamento
de conceitos, de padrões e de valores estabelecidos. Procuramos olhar a Ciência não
como algo binário, como boa ou ruim, como olhamos ao longo de todos esses séculos,
mas identificá-la como um construto humano, demasiado humano. Produções humanas
que fazem da Ciência muito mais do que conhecimentos universais e atemporais, um
saber que nos traz a alegria, o sentimento de flutuar, de errar, de ser tolo por vezes e,
como queria Nietzsche, que se faça da Ciência, uma Ciência alegre, uma Ciência do
contrassenso, uma Ciência que alia o riso à sabedoria. Um saber alegre que recuse a
pretensiosa intenção do homem moderno: a obtenção do saber profundo.
Dança agora sobre mil dorsos,
Dorsos de ondas,
malícias de ondas –
Salve quem novas danças cria!
Livre – seja chamada a nossa arte
E gaia – a nossa ciência!
(NIETZSCHE, 2001, p. 313).
Projeto ambiental escolar comunitário
A Educação Ambiental Ecosófica de Félix Guattari
Entender a Educação Ambiental como prática caracteriza aquilo que Guattari (1990)
denomina “Ecosofia”. Esse conceito diz respeito a uma prática ético-política e estética, no que
se refere à maneira de viver no Planeta, o qual está sob a aceleração das mutações técnicocientíficas. Diante da crise ecológica, das modificações sociais, políticas, econômicas e
culturais que vivemos, é indispensável pensar sobre o ser humano em suas condições sociais,
mentais e ambientais.
Nesse sentido, Guattari traz três registros para pensar a Educação Ambiental: a
Ecosofia social, mental e ambiental. Essa perspectiva mostra o quanto o ser humano vem
se apropriando dos recursos naturais da mesma maneira que tem subestimado suas relações
sociais. O que Guattari propõe na Ecosofia é a criação de novas práticas, uma vida baseada,
sobretudo, em:
Novas práticas sociais, novas práticas estéticas, novas práticas de si na
relação com o outro, com o estrangeiro, como o estranho: todo um programa
que parecerá bem distante das urgências do momento! E, no entanto, é
exatamente na articulação: da subjetividade em estado nascente, do socius
em estado mutante, do meio ambiente no ponto em que pode ser reinventado,
que estará em jogo a saída das crises maiores da nossa época (GUATTARI,
1991, p. 55, grifo nosso).
Iniciemos pela Ecosofia social. Tal registro consiste nas possibilidades
específicas de recriação de modos de ser frente aos diversos grupos sociais, o que
diz respeito ao ato de “Reconstruir o conjunto das modalidades do ser-em-grupo”
(GUATTARI, 1990, p. 39). Nesse domínio, existe um investimento afetivo com
os grupos humanos, tanto nos níveis microssociais (seio da família, do casal, da
vizinhança, do contexto urbano, do trabalho, etc.) quanto nos níveis macro, como as
instituições maiores (sindicatos, associações, igrejas, escolas, etc.). Dessa maneira, ao
pensar na relação com o próprio meio social, o ser humano poderá problematizar suas
atitudes do dia a dia e, então, pensar na vida no Planeta.
A segunda Ecosofia tratada por Guattari, a Ecosofia mental, refere-se à
subjetividade humana, na relação consigo mesmo, com o próprio corpo e tempo.
Tal Ecosofia nos coloca a pensar na nossa vida atual diante de um mundo voltado
para o lucro e o benefício próprio acima dos outros e do próprio ambiente. Assim,
ela nos propõe o acolhimento e o cuidado com a própria vida, além do cuidado com
nosso Planeta. Essa é uma prática do cuidar de si, percebendo a importância do meio
ambiente e das relações que estabelecemos com ele no nosso cotidiano.
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Processo Formador em Educação Ambiental a Distância
Enfim, a Ecosofia ambiental constitui-se na busca de um equilíbrio das
intervenções humanas na natureza. Assim, tal ação política trata da qualidade de
vida, da sustentabilidade e da preservação dos recursos naturais.
Com esses três registros guattarianos, chamam-nos a atenção as relações
que construímos na atualidade: conosco, com os outros, com a sociedade, com o
ambiente e com a família. Assim, como nos propõe Guattari (1990), a Ecosofia nos
faz pensar sobre uma nova perspectiva social, mental e ambiental, com princípios
que nos levam a ver o mundo sob uma nova lente.
Frente a isto, o processo de pesquisa nos suscita a entender a Educação
Ambiental como práticas possíveis de convivência humana de uma forma mais
ecosófica. Em outras palavras, propõe que possamos entender a Educação Ambiental
em suas características políticas. Para tanto, o processo investigativo da pesquisa
poderá nos dar condições de entender onde, em nossa comunidade, poderemos
intervir ecosoficamente, partindo da seguinte questão: como é possível pensar
práticas sociais, políticas, econômicas e culturais que nos ajudem a ressignificar
nosso ambiente e nossa vida na coletividade?
O Processo da Pesquisa na formação de Educadores Ambientais
As considerações deste texto tiveram o propósito de provocar o leitor a
pensar a pesquisa para além de um entendimento linear, isto é, entendê-la como
potente ferramenta para problematizarmos os processos educacionais e ambientais
que vivemos na atualidade. Talvez seja possível, com o processo de investigação,
entender o espaço em que vivemos, os problemas sociais e ambientais que nos
circulam e, enfim, propor alternativas que visem à melhoria das nossas condições
atuais enquanto educadores ambientais. Para que possamos nos constituir em
educadores ambientais, é necessário potencializar os três registros ecológicos de
que trata Guattari (1990), conforme vimos anteriormente.
Percebe-se a urgência pelo restabelecimento da humanização das relações
sociais e ambientais, implicando a necessária reorientação da Ciência com vida e
pela vida. A pesquisa pode, então, inserir-se como instrumento de desenvolvimento
de competências, o que promove a capacitação política dos sujeitos como agentes
culturais. Nesse sentido, a competência desejável se apoia nos princípios de
criatividade e problematização diante da provisoriedade das certezas que compõem
a realidade contemporânea.
A pesquisa assume a dimensão revitalizadora dessa prática, enquanto
instrumento imprescindível ao desvelamento das necessidades atuais de determinada
comunidade. O educador ambiental, nesse contexto científico, será o mediador das
situações inusitadas, ampliando seus espaços de conhecimento, enfatizando em sua
Projeto ambiental escolar comunitário
ação a dimensão de processo, em detrimento da absolutização das verdades, típica
na tradição pedagógica.
Para tanto, a Educação precisará se movimentar no sentido das demandas
sociais, não mais como reprodutora de saberes normativos, mas, sim, como espaço
de aprendizagem, oportunizando experiências que privilegiem o pensar e o fazer, em
um processo indissociável. O professor, nesses novos espaços, configura-se como o
articulador de processos de pesquisa, rompendo com concepções epistemológicas
defasadas, que geralmente marcavam as situações de formação.
O que se pretende com o educador ambiental-pesquisador é a união entre
pensar e fazer, em que a elaboração científica própria caminhe para a transgressão
intelectual, tendo o processo investigativo como princípio educativo. Para que isso
se efetive, devemos lançar um olhar crítico para o espaço em que nos situamos:
nossa escola, comunidade e cidade. Nestes, observaremos, imbuídos do processo de
pesquisa, quais as reais emergências e necessidades para a produção de um projeto
de investigação que vise ao princípio educativo.
Nesse sentido, a dúvida, a reflexão e a análise encaminham a formação
do professor, não mais vinculada a formar o técnico, mas a formar o educador
ambiental-pesquisador, que reflete o seu contexto prático, reflete sobre sua própria
ação. Tal profissional se compreende em um movimento científico pela busca do
processo de elaboração e de transformação da sua comunidade. Provoca-se, enfim,
a pensar ações efetivas e ecosóficas para o meio ambiente em que se vive.
Para isso, lançamos o desafio ao leitor de instigar seu pensamento a criar
condições ecosóficas sociais, mentais e ambientais de elaboração de projetos de
pesquisa que efetivem mudanças em sua comunidade. Para que isso ocorra, pode
partir das seguintes indagações: quais problemáticas do campo da Educação
Ambiental aparecem no espaço em que vives? Como é possível criar melhores
condições ambientais para a comunidade desse espaço-tempo? Para isso, gostaríamos
de encerrar esse texto com um tom poético, que convide cada leitor a compor novas
práticas de pesquisa em seus contextos socioambientais.
Vem conosco, professor,
Penetremos mais fundo
Neste universo
Atraente e desafiador
Da ciência
Nosso espaço e o nosso chão.
Vem conosco, questionar, perquirir, investigar
Diuturno e entusiástico aprendente
47
48
Processo Formador em Educação Ambiental a Distância
De ti próprio
Das coisas e fenômenos
Do homem
Do universo.
Conhecimento é vida, vem comigo,
Viver é conhecer:
Quando conheces vives
Sempre intensamente cada instante,
A alegria da ciência.
Ela se encontra
Em tudo e em todos
E ela está
Nos fatos pueris,
No lugar comum de todas as rotinas,
No imprevisto, ocasional, inusitado,
De que é feita a existência.
Vamos companheiro,
Fazer, refazer, desfazer
Arquitetar, compor e recompor
O nosso dia-a-dia,
E a singularidade
De momentos singelos.
Que havemos de evocar.
Este vai ser, sem dúvida, colegas,
O nosso jeito de fazer ciência
Numa partilha
Cúmplice, gostosa
Entre os que ensinam e aqueles
Que aprendem
Onde seremos aprendizes sempre
E onde o aluno nos há de ensinar.
Pois livres, criativos, experientes
Somos todos
Eternos aprendentes.
Maria Dias Blois
Projeto ambiental escolar comunitário
REFERÊNCIAS
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
FAZENDA, Ivani Catarina Arantes. A Pesquisa em Educação e as Transformações do Conhecimento. Campinas: Papirus, 1995.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.
FOUCAULT, Michel. Michel Foucault e Gilles Deleuze querem devolver a Nietzsche a sua
verdadeira cara. In: ________. Ditos e Escritos II – Arqueologia das ciências e história dos
sistemas de pensamento. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005.
_______. O filósofo mascarado. In: ________. Ditos e Escritos II – Arqueologia das ciências e história dos sistemas de pensamento. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005a.
GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas, 2004.
GUATTARI, Félix. As Três Ecologias. Campinas, SP: Papirus, 1990.
_________. Caosmose: um novo paradigma estético. São Paulo: Editora 34, 2006.
LATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos. São Paulo: Editora 34, 2000.
LYOTARD, Jean François. O pós-moderno explicado às crianças. Lisboa: Dom Quixote,
1993.
NIETZSCHE, Friedrich. A gaia ciência. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
________. Ecce Homo: de como a gente se torna o que a gente é. Porto Alegre, L&PM,
2003.
PETERS, Michael. Pós-estruturalismo e filosofia da diferença. Belo Horizonte: Autêntica,
2000.
RORTY, Richard. Objetivismo, relativismo e verdade. Escritos Filosóficos I. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002.
VEIGA-NETO, Alfredo. Ciência e pós-modernidade. In: Revista Episteme. v.3, n.5. Porto
Alegre, 1998.
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Processo Formador em Educação Ambiental a Distância
A EDUCAÇÃO
AMBIENTAL
COMO PROCESSO DA CIDADANIA PARTICIPATIVA
Projeto
ambiental escolar
comunitário
Barbara Milene Silveira1
Bárbara Hees2
O artigo apresenta reflexões e proposições acerca do exercício da cidadania através da
participação. Discutimos a importância da participação como meio para busca de melhorias e alternativas à qualidade de vida. Para tanto, trazemos para a reflexão alguns conceitos e ações político-sociais voltadas para a Educação Ambiental.
Palavras-chaves: educação ambiental, cidadania, participação.
E
m uma sociedade complexa e diversificada como a nossa torna-se cada vez
mais difícil a participação social organizada. No entanto, Dallari (1984) afirma que todos os indivíduos têm o dever de participar da vida social do seu
país, do seu estado, da sua cidade, ou do seu bairro, procurando exercer influência
nas decisões de interesses coletivos, através da participação em reuniões, associações etc.
Cabe ressaltar que essa participação é um direito assegurado pela constituição
nacional, no entanto, não obriga ninguém a participar. Segundo o mesmo autor, o
dever da participação tem dois fundamentos básicos: o primeiro é de que somos
seres sociais, portanto, nossa necessidade de relação uns com os outros é algo
básico dos seres humanos; e segundo é de que, se muitos permanecerem apenas
com atitudes passivas, aqueles que participam tomarão as decisões e um pequeno
grupo mais atuante ou mais audacioso dominará sem resistência dos demais.
Se partirmos do princípio de que participação política é um dever de todos
os indivíduos, e, conforme Lago (1985), uma necessidade fundamental da natureza
humana, os problemas ambientais (água, mudanças climáticas, biodiversidade,
mobilidade urbana, resíduos, gestão e outros) poderiam ser impulsionadores desta
participação. Cada vez mais os acontecimentos ambientais influenciam a sociedade
e, assim, se tornam interesses de todos, até porque, cada indivíduo sofre influência
da sociedade ao mesmo tempo em que exerce alguma influência sobre ela. Segundo
Dallari (1985), deveríamos agir para participar e de alguma forma influenciar os
processos e relações de interesses coletivos.
Bacharel e Licenciada em História. Mestre em Educação Ambiental e Professora dos
Anos Iniciais do Ensino Fundamental. E-mail: [email protected].
2
Pedagoga. Mestre em Educação em Ciências pela Universidade Federal do Rio Grande
– FURG. Doutoranda em Educação Ambiental na mesma Universidade. Professora do IFSUL –
campus Pelotas. E-mail: [email protected].
1
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Processo Formador em Educação Ambiental a Distância
Lago (1985) diz que estamos vivendo uma crise impulsionada pelo acúmulo
de armamentos nucleares e pela exaustão crescente dos recursos naturais, em que
a questão da sobrevivência tornou-se um assunto presente em qualquer discussão
sobre o futuro da humanidade. Portanto, os aspectos relacionados a tal crise anunciam
temas cruciais e decisivos para o futuro histórico da nossa espécie, dos quais não
podemos nos eximir, discutindo, participando, decidindo e propondo em vistas de
uma sociedade integrada com o meio ambiente.
Para fins didáticos e para facilitar a compreensão dos leitores, apresentaremos
e discutiremos a problemática da participação e da cidadania, depois abordaremos a
questão ambiental.
1. Participação e cidadania
Iniciamos nossa reflexão acerca do exercício da cidadania. Esta entendida,
segundo Penteado (2003), como um estado de direito adquirido em sociedades em
que a organização política (poder de tomar decisões e de administrar a vida pública)
se orienta por princípios democráticos. Assim, nossas reflexões, observações e
posicionamentos se voltarão para as questões ambientais através da busca de uma
Educação Ambiental ampla e participativa.
Nesse sentido, os sujeitos, integrantes de uma mesma comunidade, podem
despertar para um pensamento reflexivo acerca das suas práticas individuais e coletivas
com relação ao meio ambiente que os cercam, uma vez que é na interação humana que
ocorre a construção dos sujeitos. Para que o despertar do pensamento reflexivo ocorra,
é preciso que os membros das comunidades se deixem envolver e se sensibilizem com
a causa3 , para buscarem juntos soluções que visem o interesse de todos.
A participação política, organizada de forma coletiva (através de associações,
projetos, programas, discussões, etc.) ou individual, pode apontar diferentes caminhos
para a solução ou melhoramento de problemas que possam ter sido identificados pelos
sujeitos que fazem parte de determinadas localidades.
Segundo Dallari (1984), tal participação pode ser ampliada em suas decisões,
pois como conquista da organização social, pode se estender às esferas das decisões
que dizem respeito ao plano municipal, estadual e federal. Isso ocorre quando, por
exemplo, na esfera municipal, os moradores de um bairro denunciam o mau serviço
de esgoto e exigem sua melhoria. Na esfera estadual, quando é exigida a ampliação
de uma escola ou mais segurança, e ainda em nível federal, podem ser efetivadas as
questões de responsabilidade desta esfera do poder.
Nesse sentido, fomentar a elaboração de projetos pensados, organizados
A causa seriam os temas ou questões ambientais como provocadoras do debate e das
discussões de forma participativa.
3
Projeto ambiental escolar comunitário
e geridos pelos próprios integrantes de uma determinada localidade é essencial
para que se exercite a participação de todos na ampliação das decisões em espaços
democráticos. Assim, busca-se estabelecer a prática da democracia participativa em
contrapartida à democracia representativa, uma vez que, essa, conforme Penteado
(2003), não daria conta das múltiplas questões postas pela atualidade, no que diz
respeito à saúde, alimentação, educação, moradia, etc.
No entanto, a participação em movimentos sociais que visam discutir
os interesses dos próprios moradores de uma determinada localidade não é tarefa
fácil. Mais difícil ainda é a prática da participação pró meio ambiente, uma vez
que culturalmente existe uma desvalorização da natureza guiada pelo pensamento
utilitarista sobre a mesma. Segundo Penteado (2003), a forma de organização das
sociedades industriais capitalistas, mesmo que inclua a questão ambiental nas
empresas, é limitada e, apesar disso, passa a constituir um eixo de organização
da própria vida das pessoas, em busca do consumismo, sem preocupação com as
consequências ambientais e sociais decorrentes de nossas práticas e atitudes. A
tentativa moderna de Francis Bacon, consagrado cientista do século XVII, segundo
Machado (2009), parece guiar as perspectivas hegemônicas na atualidade, como sendo
- o homem senhor e possuidor da natureza – o qual utiliza a natureza/meio ambiente
para satisfazer desejos e necessidades como se esta não tivesse fim ou limites.
Contudo, nem todos tiveram ou têm a visão utilitarista sobre o ambiente e
a natureza, bem como o próprio sistema capitalista identificou: nos anos 1970, a
exploração dos bens naturais poderia ter chegado a um ponto crítico e colocado em
risco a própria acumulação. Assim, desde a década de 70, inúmeras organizações
(governamentais e não governamentais) vêm lutando para mitigar questões
prejudicais ao meio ambiente e à natureza. Graças a esse diferencial o pensamento
que busca contrapor a visão utilitarista da natureza acabou por refletir na constituição
da educação ambiental. No país, o processo foi marcado por um longo percurso de
avanços e estagnações até conseguir atingir o patamar atual de transversalidade na
educação brasileira.
2. A participação social como processo de constituição da Educação Ambiental.
Nas décadas de 60 e 70, foram diversas manifestações sociais, entre encontros
e conferências, que marcaram a discussão em torno da preservação e conservação do
meio ambiente. Segundo Lago (1985), esse período foi marcado por manifestações de
participações sociais coletivas, entre outras, um exemplo disso foram as gigantescas
manifestações de milhares de pessoas em diversas cidades norte-americanas, para
protestar contra perigos ecológicos do uso da energia nuclear, estimuladas por uma
pane em uma usina nuclear em Harrisburg. A Conferência das Nações Unidas sobre
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Processo Formador em Educação Ambiental a Distância
Meio Ambiente realizada em Estocolmo (1972), seguida de Belgrado (1975), Tibilisi
(1977), Moscou (1987) entre outros eventos de âmbito internacional mostraram a
crescente preocupação acerca da temática. No Brasil, a Conferência Rio-92 marcou
a preocupação do país sobre este tema.
Hoje, como resultado da mobilização e da participação social, podemos
usufruir de avanços políticos em torno das questões voltadas para a Educação
Ambiental (criação de secretarias, órgãos fiscalizadores e reguladores do meio
ambiente, projetos, etc.). Esse avanço, de acordo com Dallari (1984), foi impulsionado
pela participação organizada de nativistas, ecologistas, biólogos, empresários, etc.
que, ao participarem deste processo, acabaram exercendo influência política nas
decisões de alguns partidos políticos e do próprio governo em seus diversos níveis.
No que tange à legislação brasileira, a Lei n° 9795/1999 dispõe sobre as
diretrizes para a efetivação da Educação Ambiental em espaços formais e não
formais, concebendo-a como um campo de saber que se constitui em todas as áreas
do conhecimento. Trata-se de um processo que se estabelece entre os indivíduos
e a coletividade por meio da criação de valores voltados à conservação do meio
ambiente. Ainda de acordo com a referida legislação, a Educação Ambiental é
estabelecida como incumbência de toda a sociedade, através de ações individuais e
coletivas, da prevenção, da identificação e da solução de problemas ambientais.
Assim, o princípio básico da Educação Ambiental é o enfoque humanístico,
democrático e participativo da sociedade na busca pela preservação e o equilíbrio
do meio ambiente, entendendo a defesa da qualidade ambiental como um valor
inseparável do exercício da cidadania.
No entanto, muitas vezes, deixamos de exercitar nossa atitude participativa
em função de sermos absorvidos por um modelo econômico, o qual já foi mencionado,
nos condiciona ao mercado de trabalho versus mercado de consumo. Isto porque,
esse modelo não oportuniza o engajamento dos grupos sociais, não disponibiliza
tempo para que ocorram reuniões, discussões, encontros, entre outras atividades
necessárias para o estabelecimento de processos participativos.
Nesse sentido, tal fato contribui para uma postura passiva, a qual nos torna
reféns do sistema de produção atual que, segundo Penteado (2003), se organiza
em empresas produtoras ou prestadoras de serviços, produtoras de signos. Além
disso, essas empresas são estimuladoras de subjetividade em massa, visando mais e
mais lucros, através dos meios de comunicação e propaganda, criando tendências,
modismos e estilos.
Guattari (1990) aponta a ocorrência de elementos compositores de uma
mídia voltada para a subjetivação de bens de consumo – mass mídia – responsável
por formar valores. Um bom exemplo de empresa formadora de subjetividade é a
Coca-cola com seus slogans: Viva o lado bom da vida, beba coca-cola; Coca-cola
Projeto ambiental escolar comunitário
e o movimento bem estar; Cada gota vale a pena!; Abra a felicidade; Felicidade
retornável (www.cocacolabrasil.com.br).
O modelo econômico-cultural capitalista que vivemos está preocupado,
como podemos constatar em nossas experiências diárias, com retornos imediatos,
uma margem excessiva de lucro, o avanço galopante das tecnologias e o fluxo diário
de informações. Como estamos inseridos nesse meio também temos pressa em
nossas ações e não paramos para analisar as questões políticas, ambientais, sociais,
que nos atingem diretamente, no entanto, muitas vezes pensamos que não “temos
tempo a perder” com questões que nos exijam tempo, já que precisamos trabalhar,
comprar, pagar, descansar, entre outras atribuições que exercemos cotidianamente.
Por outro lado, no espaço das decisões políticas, segundo Penteado (2003),
nosso modelo de sociedade republicana se configura de maneira autoritária, uma vez
que as tomadas de decisões são efetuadas por uma pequena parcela (representativa)
da sociedade brasileira (políticos, empresários e grandes proprietários). Essa
relação de poder ao mesmo tempo em que fortalece o modelo autoritário tira a
responsabilidade da maioria da população que se isenta da tomada de decisões.
No entanto, enquanto agentes sociais, precisamos nos perceber no contexto
socioambiental que estamos inseridos e agir a favor da coletividade, apoderandonos das decisões e da responsabilidade das nossas ações para a formação do meio
ambiente. Segundo Penteado (2003), não basta delegarmos responsabilidades
apenas às representações políticas, é preciso que cada um se perceba como agente
participativo da comunidade, pois como a autora descreve a seguir:
(...) a democracia participativa é a construção que temos que
empreender, baseada em valores que vão muito além dos lucros
econômicos e que dizem respeito principalmente aos bens essenciais da
espécie humana, como vida, liberdade e dignidade (PENTEADO, 2003,
p. 28).
No caso da Educação Ambiental a busca por um ambiente saudável e uma
postura menos consumista e mais reflexiva deve constituir a prática da cidadania
participativa. Sejam individuais ou coletivas as atitudes pró meio ambiente devem
tentar associar questões ambientais com o cotidiano e não apenas deixar o debate
entre teóricos, acadêmicos, ambientalistas e membros de Organizações Não
Governamentais – ONGs. A participação das comunidades e da população local
para identificar e apontar possíveis soluções para as problemáticas socioambientais
devem ser pensadas pela ótica dos grupos interessados e não apenas pelas
perspectivas dos interesses globais definidos pelo Estado e/ou pelas empresas.
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Processo Formador em Educação Ambiental a Distância
A participação na busca de alternativas para as problemáticas ambientais
locais, além de apontar estratégias de ação, possibilidades e soluções para os
problemas pontuais, desperta o sentimento de pertencimento dos indivíduos aos
ambientes em que estão inseridos. Dessa forma, podem ampliar as perspectivas e
ações sobre questões mais amplas na cidade, no estado, no país e até no mundo.
Esse sentimento resgata a responsabilidade pelas escolhas e práticas de um grupo ou
sociedade. As ações que visam o estabelecimento de metas definidas por iniciativas
coletivas organizadas propiciam o despertar do sentimento de sentir-se pertencente
ao local.
Segundo Sá (2005), a perda do sentimento de pertencimento tem se fundido
em meio à degradação socioambiental, ocasionada pelo modelo econômico-cultural
em que vivemos. Esse modelo traduz a perda dos saberes práticos que sustentam as
relações de mútuo pertencimento entre humano e meio ambiente.
3. A Educação Ambiental como impulsionadora da participação social
Segundo a Constituição Brasileira, a Educação Ambiental deve ser encarada
como uma incumbência de toda a sociedade, estabelecendo, assim, a relação com
a prática da cidadania que é, segundo Penteado (2003), “um exercício político
relacionado aos comportamentos que desenvolvemos para lidar com nossos direitos
e deveres” (p. 93). No caso da Educação Ambiental a participação de ações para a
resolução de efeitos problemáticos, além de ser, segundo a mesma autora, necessária,
por dizer respeito a interesses imediatos de nossas vidas, é uma oportunidade de
aprendizagem que não pode ser dispensada, pois nessas ações estamos vivendo o
“exercício da cidadania”.
Precisamos voltar nossas ações para uma política ética (justa e igualitária) e
estética (com forma), construindo o que Guattari (1990, p. 54) chamou de Ecosofia.
Essa seria a produção de existência humana, através de componentes sociais,
ecológicos e subjetivos, em novos contextos históricos voltados para o homem e sua
atuação no meio ambiente.
Segundo Dias (2004), nunca na história da humanidade se consumiu e se
esgotou tanto os recursos naturais com uma perceptível tendência de se agravar o
problema. Sem falar na alteração dos processos de produção de alimentos com a
incorporação e disseminação dos alimentos transgênicos, por exemplo, e as constantes
relações bélicas travadas por disputas internacionais pela busca de poder através dos
recursos naturais: disputa entre países pela extração de petróleo, por exemplo.
A consolidação da cidadania participativa deve se configurar na gerência de
movimentos sociais voltados para as inter-relações com o meio ambiente, a escola,
Projeto ambiental escolar comunitário
a comunidade, os representantes políticos, etc. Por sua vez, a condição de se sentir
parte integrante de determinado grupo ou meio propicia o despertar de um sentimento
de responsabilidade capaz de promover alterações nas práticas sociais dos grupos
inseridos nesse meio. Segundo Jacobi (2005), o principal desafio para as atividades
voltadas para a Educação Ambiental está associado à capacidade de consolidar um
compromisso de envolvimento e sensibilização dos diversos atores sociais nessas
atividades.
Um exemplo de processo pedagógico que traz a dimensão política do meio
ambiente para o debate entre os jovens é a Conferência Nacional Infanto-Juvenil pelo
Meio Ambiente (CNIJMA)4 , realizada em 2003. Esta se caracteriza pela mobilização
e pelo engajamento dos adolescentes e da comunidade escolar em debates sobre
temas socioambientais contemporâneos. Tal ação promove o desenvolvimento da
responsabilidade coletiva e fornece subsídios para as políticas públicas de Educação
Ambiental.
A referida Conferência é um evento de iniciativa do Órgão Gestor da Política
Nacional de Educação Ambiental, da Coordenadoria Geral de Educação Ambiental
(CGEA), do Ministério da Educação (MEC) e do Departamento de Educação
Ambiental (DEA), com o Ministério do Meio Ambiente (MMA). Nas Conferências
já realizadas (2003, 2006, 2009), os participantes discutiram os temas propostos
através da exposição de diversos pontos de vista e da deliberação coletiva. Até chegar
à Conferência Nacional, os temas foram discutidos previamente nas comunidades
participantes e por intermédio de representantes foram socializados a todos os
envolvidos na Conferência. A atitude dos envolvidos reflete o exercício responsável
da cidadania participativa voltada para o interesse de toda a sociedade.
Os representantes de onze a quatorze anos de idade das unidades federativas
participantes, ao se reunirem e darem visibilidade às discussões e definições, por
meio do comprometimento da execução das decisões deliberadas para uma Educação
Ambiental participativa e cidadã, produzem valores, relações, hábitos e competências
para a Educação Ambiental que refletirão nas gerações presente e futura5 .
Outro exemplo nacional de iniciativa governamental é da articulação
entre Educação Ambiental e cidadania, através do Projeto Chico Mendes para
Juventude, desenvolvido desde 2003. Este tem por finalidade promover atividades
multidisciplinares de Educação Ambiental para crianças e jovens em situação de
risco socioambiental. O nome Chico Mendes tem como objetivo divulgar o legado
desse lutador ambiental brasileiro para que sirva como modelo para gerações futuras
Dezesseis mil escolas e quatrocentos delegados participaram da I Conferência Nacional
Infanto-Juvenil pelo Meio Ambiente, que aconteceu em Brasília, em novembro de 2003, tendo
como um dos principais objetivos a construção de um processo permanente de Educação Ambiental na educação formal. Disponível em: www.mma.gov.br.
5
Para maiores informações consultar o site <http://portal.mec.gov.br/secad/CNIJMA/>.
4
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Processo Formador em Educação Ambiental a Distância
e na formação de jovens lideranças6 .
4. Educação Ambiental em busca da gestão participativa
Segundo Ribeiro (2006), uma gestão participativa voltada para as questões
ambientais deve formular, implementar e avaliar políticas públicas expressas em
planos, programas, projetos e acordos que sejam de interesse de um grupo ou
sociedade. Estes devem estar em consonância com os postulados do desenvolvimento
sustentável, a partir da realidade e das potencialidades locais que assegurem a
qualidade ambiental como fundamento da qualidade de vida dos cidadãos.
Partindo desse princípio, a Educação Ambiental participativa deve primar
por atividades que estimulem a produção de valores, hábitos e ações, que visem
alternativas de solução para os problemas ambientais, relacionando os fatores
psicossociais, históricos e culturais, com aspectos políticos, éticos e estéticos. Tais
critérios devem ser entendidos na sua inserção em um determinado contexto natural
e ambiental no qual vivem os agentes sociais.
A associação desses fatores deve promover, segundo Dias (2004), o
desenvolvimento simultâneo de conhecimentos, atitudes e habilidades necessárias
à preservação e à melhoria da qualidade ambiental. De acordo com Sá (2005),
os desafios que se colocam aos projetos de gestão ambiental se estabelecem na
tentativa de promover uma Educação Ambiental crítica, inovadora e reflexiva, por
meio do estímulo a atitudes que se configuram em um ato político direcionado às
transformações sociais e culturais, uma vez que, “para o humano, não há como ver
o mundo senão pela dinâmica da criação cultural” (p. 252).
De acordo com Jacobi (2005, p. 233), é necessário que a Educação Ambiental
seja orientada por uma perspectiva holística, relacionando o ser humano, a natureza
e o universo, de forma que o homem se torne ciente de que os recursos naturais
estão se esgotando e que é ele o principal responsável pela degradação ambiental.
Para Villabona (2009), a Educação Ambiental pode ser uma ferramenta
fundamental para a formação de uma cultura comprometida com as questões
ambientais, se desenvolvida como processo contínuo de conhecimento, reflexão,
compreensão e ação. De acordo com a autora, a Educação Ambiental deve nos
permitir dimensionar a complexidade ambiental, a fim de propiciar mudança de
atitudes e valores, voltados à construção de uma cultura ambiental que favoreça a
gestão sustentável dos recursos naturais.
A formação dessa cultura passa pela ação participativa, na qual o
reconhecimento e a compreensão do ambiente se configuram no foco da investigação
6
Mais informações no site: < www.ideasbrasil.org/chicomendesparajuventude.html>.
Projeto ambiental escolar comunitário
ambiental. Nesse sentido, ao conhecer o contexto local, o indivíduo entra em contato
com a realidade e produz possíveis soluções e melhoramentos para as questões locais,
percebendo-se parte integrante do contexto social e ambiental em que vive.
A participação investigativa é uma das fases da pesquisa-ação, a qual, segundo
Layrargues (1999, apud VILLABONA, 2009, p. 43), é a metodologia de pesquisa
social que orienta a formulação de projetos ambientais a partir de um problema real e
concreto. Além disso, esse tipo de metodologia encaminha a resolução do problema
através da produção de conhecimento, da transformação e da conscientização dos
envolvidos no projeto.
Neste tipo de pesquisa, destacam-se três fases: a primeira fase envolve
a formação de projetos ambientais, diz respeito à reflexão sobre a realidade local,
considerando as dimensões social, cultural, econômica, política e biofísica, as quais
compõem o ambiente em que a comunidade está inserida. A comunidade, por sua
vez, segundo Villabona (2009), configura-se na contextualização local onde deve se
efetivar a pesquisa-ação. Essa fase de participação busca o reconhecimento do entorno
e a compreensão da relação que se estabelece entre os indivíduos, a coletividade e o
meio ambiente. Em outras palavras, pretende-se que os envolvidos identifiquem e
compreendam que pertencem a um território e que suas ações influenciam diretamente
o meio em que estão inseridos.
A segunda fase se dá a partir da análise do contexto, momento em que os
participantes, segundo Villabona (2009), problematizam e identificam as situações
que os afetam, tanto na individualidade quanto na coletividade, enquanto membros
de uma família, de uma escola, de uma cidade, de um país. Nesse sentido, buscase definir e delimitar as dinâmicas que envolvem determinados aspectos relativos
a um problema ambiental. Essa fase, ainda sob o prisma da mesma autora, seria a
resolução dos problemas identificados a partir da análise dos contextos. Tal processo
ocorreria por meio da busca por estratégias de solução que estimulem a compreensão
do ambiente, em uma constante reflexão crítica.
O fomento de projetos de pesquisa-ação deve contribuir para despertar um
pensamento crítico e provocativo acerca dos temas relativos à Educação Ambiental.
Essas reflexões podem levar ao rompimento, quando necessário, de padrões que nos
condicionam à aceitação passiva de atitudes que não condizem com nossa forma de
ver, sentir e pensar o mundo. Isso pode contribuir para uma mudança de paradigma,
que expressaria, através da participação social, alternativas às praticas que vem sendo
culturalmente aplicadas sobre a natureza. Por fim, a reflexão crítica deve incluir as
questões mais simples a um contexto de relações mais amplas, as quais se estabelecem
por meio de relações políticas, culturais, sociais e, principalmente, econômicas.
59
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Processo Formador em Educação Ambiental a Distância
CONCLUSÃO
Neste contexto argumentamos sobre a importância da participação social e
individual, na busca de possíveis mudanças de atitudes e valores voltados para os
“problemas” ou “questões” ambientais, que por sua vez, podem ser motivadores
a tal participação, desenvolvendo uma atividade de Educação Ambiental. No
entanto, não abstraímos deste processo a complexidade de suas ações e seus reais
benefícios à qualidade de vida, apesar de enfatizarmos as dificuldades decorrentes
da sociedade em que vivemos – utilitária no uso dos recursos naturais -, bem como
dos problemas decorrentes da necessidade de envolver as pessoas nestes processos.
Diríamos, assim, que é preciso unir esforços para consolidar uma atitude
participativa, na qual os sujeitos de um determinado grupo ou sociedade possam
expressar ideias, lançar sugestões, organizar eventos, cobrar dos órgãos competentes,
entre outras atitudes que visem o bem-estar de todos em um ambiente saudável,
com qualidade de vida ambiental e social.
Ações coletivas se consolidam ao longo da própria prática de organização e
participação entre os vários “locais sociais” existentes, a escola, o bairro, a cidade
etc.
A opção de efetivar uma postura que valoriza a questão ambiental ganha
espaço ao longo de nossa participação, bem como do exercício de nossos poderes
enquanto cidadãos. Estes se aprimoram de acordo com ações que visam resoluções
de problemas que afetam, não só o ambiente, como o homem.
Neste último aspecto, precisamos ampliar nossa visão e as ações pró-meio ambiente
e pró-humanidade, em troca da visão voltada apenas para o lucro e o esgotamento
dos recursos naturais.
Essas ações exigem responsabilidade nas decisões coletivas (através de
associações, projetos, programas) e individuais (através de práticas diárias, como
escolher determinadas marcas em detrimento de outras, por exemplo). Cada um
de nós é responsável, uns em grau maior, como os grandes empreendedores (estes,
muitas vezes, exploram, poluem, omitem fatores que prejudicam o ambiente), ou
ainda, os gestores públicos que deveriam fiscalizar e cobrar responsabilidades, em
nome da sociedade. Em grau menor, na escolha individual de produtos e serviços.
Devemos nos responsabilizar, por exemplo, ao participar, escolher, refletir e
ressignificar nossas práticas diárias através de nossas escolhas.
Nesse sentido, nossas ações são de extrema importância para a concretude
de nossa vida social e ambiental, bem como o futuro que desejamos. A implantação
Projeto ambiental escolar comunitário
de projetos e política públicas devem ser orientadas a partir das necessidades sentidas
pelas populações, nos diferentes espaços que ocupam. As atividades indispensáveis
e essenciais à manutenção da vida e do bem-estar de todos dependerão do esforço
intensificado, organizado e definido para a modificação social, cultural e econômica.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei 9.795, de 27.04.1999. Dispõe sobre a Educação Ambiental, institui a Política
Nacional de Educação Ambiental e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília.
28.04.1999
BRASIL. Órgão Gestor da Política Nacional de Educação Ambiental. Juventude, cidadania
e meio ambiente: subsídios para elaboração de políticas públicas. / Órgão Gestor da Política
Nacional de Educação Ambiental; Ministério do Meio Ambiente; Ministério da Educação. –
Brasília: Unesco, 2006.
DALLARI, Dalmo de A. O que é participação política. São Paulo: Brasiliense, 1984. 99p.
DIAS, Genebaldo F. Educação Ambiental: princípios e práticas. 9.ed. São Paulo: Gaia, 2004.
551p.
GUATTARI, Félix. As três ecologias. Tradução de Maria Cristina Bittencourt. 19.ed. Campinas, São Paulo: Papirus, 1990. 56p.
JACOBI, Pedro. Encontros e caminhos: formação de educadores ambientais e coletivos educadores. (org) Luiz Antonio Ferraro Junior. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, Diretoria
de Educação Ambiental, 2005. p. 231-236.
LAGO, Antonio. PADUA, José Augusto. O que é ecologia. São Paulo: Brasiliense, 1985.
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MACHADO, Barbara M. S. O campo de saber da Educação Ambiental nos Livros Didáticos
de História: Provocações e perplexidade para uma história do presente. Dissertação (Mestrado
em Educação Ambiental). Universidade Federal do Rio Grande – FURG, 2009. 81p.
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Processo Formador em Educação Ambiental a Distância
PENTEADO, Heloísa D. Meio ambiente e formação de professores. 5.ed. São Paulo: Cortez, 2003. 120p.
SÁ, Lais M. Encontros e caminhos: formação de educadores ambientais e coletivos educadores. Organização de Luiz Antonio Ferraro Junior. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, Diretoria de Educação Ambiental, 2005. p. 247-256.
VILLABONA, Ivonne A. R. Vivências na cidade educadora e reflexividade crítica para a
transformação da cultura ambiental: aprendizagens com estudantes de Rio Grande. Dissertação (Mestrado em Educação Ambiental) Universidade Federal do Rio Grande - FURG,
2009. 150p.
BATALHÃO AMBIENTAL: UM MARCO NA PROTEÇÃO AMBIENTAL
DO RIO GRANDE DO SUL
Projeto ambiental escolar comunitário
Marcio Andre Facin 1
Este artigo tem por objetivo difundir a trajetória do segmento policial militar responsável pela
tutela das normas de proteção ambiental. Rumo ao bicentenário, a Brigada Militar tem, no Batalhão Ambiental, o seu braço ecológico, segmento pelo qual desenvolve, há mais de vinte anos, ações voltadas à
proteção ambiental. Da mesma maneira que a história da Corporação se confunde com a do estado gaúcho,
a trajetória do Batalhão Ambiental está imbricada ao novo ordenamento ambiental surgido entre os anos
80 e 90. Primeiramente, denominado Grupamento Florestal (1989), depois, Esquadrão Florestal (1992),
PATRAM (1993), Batalhão Ambiental (1998) e, hoje, Comando Ambiental (desde 2005), o policiamento
ambiental exercido pela Instituição vem aprimorando suas atividades no sentido de defender e preservar
o meio ambiente para a atual e futuras gerações. A escrita a seguir tem como procedimento metodológico
o relato das experiências profissionais vivenciadas pelo autor, o qual integrou a polícia ambiental entre
os anos de 2001 e 2011. Além disso, é importante frisar que foram utilizadas algumas fontes escritas,
disponibilizadas para a realização deste estudo. Se faz mister ressaltar ainda que o segmento mudou de
nomenclatura muitas vezes.
Breve Histórico
A
o longo dos últimos 173 anos, a polícia militar gaúcha, denominada Brigada Militar2 , mescla-se com a história do Rio Grande do Sul, tendo ativa participação
na biografia do estado, sobretudo diante do envolvimento que protagonizou ao
fazer parte de diversas conflagrações, a exemplo da Revolução Federalista, Revolução
Assistida, Revolução de 1930, crise de 1961, entre outros movimentos que tiveram a
inserção dos governos gaúchos3 .
No que diz respeito à proteção do meio ambiente, foco central desta escrita, faz-se
importante mencionar que, no decorrer da existência da corporação, medidas foram
tomadas no intuito de garantir a preservação da natureza. A fim de corroborar com essa
assertiva, abaixo se apresenta transcrito o conteúdo do Ofício nº 553, datado de 31 de
dezembro de 1920:
Quartel do Comando Geral, em Porto Alegre, 31 de dezembro de 1920. O
Comandante Geral da Brigada Militar, ao Snr. Engenheiro Chefe da Comissão
organizadora da Estância de Águas de Irahy. Snr. Engenheiro. Apresentovos o 1º Sargento Alencastro Braga de Menezes, 1 cabo e 5 soldados desta
Oficial pertencente ao Batalhão Ambiental da Brigada Militar; Mestre em Educação Ambiental pela Universidade Federal do Rio Grande; Especialista em Direito Ambiental pela Universidade
Católica de Pelotas; Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Pelotas. Contato:
2
Informações obtidas por intermédio do site <http://www.brigadamilitar.rs.gov.br>.
3
Informações disponíveis no site <www.brigadamilitar.rs.gov.br/Historia/museubm/index.
html>.
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Processo Formador em Educação Ambiental a Distância
Brigada, que vão ficar a vossa disposição para o serviço de policiamento
dessa estância, durante a presente estação balneária, tendo por fim
especial evitar a destruição das matas e aves e o abuso das armas de
fogo. SAÚDE E FRATERNIDADE. Assina: Affonso Emilio Massot - Cmt.
(SIMÕES, 2006, p. 77).
No entanto, seguindo a política governamental adotada naquela época, a
providência acima se caracterizou como uma atitude meramente casual, pois ao servir
às políticas públicas governamentais, a entidade policial militar raramente era utilizada
na defesa direta do meio ambiente4 .
O exercício de atividades de proteção ambiental somente foi sistematizado há
aproximadamente vinte anos, quando se constituiu o Grupamento Florestal, criado
em 05 de maio de 1989, época em que a atividade foi intensificada por meio de um
convênio firmado entre Brigada Militar e Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). Essa parceria tinha como propósito a mútua
cooperação em prol da proteção ao meio ambiente.
Em consequência do referido acordo, o comando da corporação expediu uma
Portaria pela qual 53 policiais foram designados para compor o referido Grupamento,
o qual passou a atuar em conjunto com o IBAMA. Esse convênio perdurou até meados
de 1992, quando os policiais foram transferidos para a unidade do 4º Regimento de
Polícia Montada que passou a constituir o chamado esquadrão florestal, o qual manteve
o trabalho que vinha sendo desenvolvido.
Também na década de 90, uma série de normas foi editada pelo governo do
Estado, vindo a reforçar o embasamento legal que dava suporte às atividades exercidas
pela Instituição. Um importante preceito normativo que integra esse arcabouço é o
Decreto Estadual nº 34.974 de 1993, o qual atribui competência para o exercício da
Polícia Florestal:
Art. 1º A polícia florestal estadual, prevista no Art. 5º, inciso XVI, da Lei 9519/92,
será exercida pela Brigada Militar do Estado, sob orientação técnica do órgão
florestal competente, sem prejuízo das atribuições específicas deste.
Art. 2º Compete à Brigada Militar a proteção da fauna silvestre e aquática, a
fiscalização da caça e da pesca e a colaboração na educação ambiental em
todo o território Estadual.
Art. 3º Além das atribuições previstas na Legislação peculiar, compete à
Brigada Militar lavrar auto de infração e aplicar as sanções e penalidades
administrativas previstas na legislação florestal (RIO GRANDE DO SUL,
1993).
Historicamente, a Brigada Militar foi utilizada como agente executivo das políticas públicas estaduais. Como os governos daquela época (1920) praticamente desconsideravam as políticas
em prol da proteção ambiental, o fato dos policiais serem utilizados para tal prática foi um caso
isolado no contexto para o qual a Polícia Militar se prestava.
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Projeto ambiental escolar comunitário
Nessa mesma perspectiva, outra atribuição legal que merece destaque foi
a outorgada por intermédio da Lei n° 10.330, de 1994. Essa, ao dispor sobre a
organização do Sistema Estadual de Proteção Ambiental (SISEPRA) e também
acerca da elaboração, implementação e controle da política ambiental gaúcha,
estabeleceu as seguintes responsabilidades:
Art. 26. A Polícia Ostensiva de Proteção Ambiental será exercida pela
Brigada Militar nos estritos limites da Lei.
Parágrafo único. As ações da Brigada Militar deverão, de preferência,
atender ao princípio da prevenção, objetivando impedir possíveis
infrações relacionadas com o meio ambiente.
Art. 27. Para o exercício de suas atribuições, compete também à Brigada
Militar:
I - auxiliar na guarda das áreas de preservação permanente e unidades
de conservação;
II - atuar em apoio aos órgãos envolvidos com a defesa e preservação
do meio ambiente, garantindo-lhes o exercício do poder de polícia, do
qual, por lei, são detentores;
III - lavrar autos de constatação, encaminhando-os ao órgão ambiental
competente (RIO GRANDE DO SUL, 1994).
Ao mesmo tempo em que o ordenamento jurídico definia competências, um
significativo número de policiais se habilitava à nova tarefa. Cursos, congressos,
seminários, palestras, entre outros eventos, envolvendo a temática ecológica foram
organizados no intuito de disseminar o conhecimento inerente às questões voltadas
ao meio ambiente entre os servidores. Destaca-se, nesse contexto, o primeiro Curso
de Especialização em Policiamento Ambiental, desenvolvido e concluído em 1993
na Academia de Polícia Militar, em Porto Alegre. Cabe salientar, ainda, que nesses
espaços de ensino estão presentes as origens das Patrulhas Ambientais (PATRAM).
Isso porque, ao término dos treinamentos, os servidores voltavam para suas unidades
de origem, nas quais passavam a instituir a PATRAM daqueles órgãos.
O momento se apresentava como um terreno fértil a mudanças, pois passada
a primeira década da Constituição Federal democrática, que dedicou capítulo
específico à tutela ambiental, foi posta em vigência, no ano de 1998, a Lei nº
9.605. A referida lei deu novo ordenamento às condutas lesivas ao meio ambiente,
determinando condições mais favoráveis àqueles que exerciam atividades de
fiscalização ambiental, dada a maior inteligibilidade da norma em comparação às
que existiam, as quais eram esparsas e de difícil aplicação.
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Processo Formador em Educação Ambiental a Distância
Naquele mesmo ensejo, foi fundado em Porto Alegre, 21 dias antes da
publicação da Lei dos Crimes Ambientais, o Batalhão de Polícia Ambiental.
Inicialmente, atuava apenas na capital e na região metropolitana, mas, em seguida,
espalhou-se pelo estado.
Ainda dentro desse próspero cenário, outros episódios merecem ser citados
como componentes desse breve histórico. No ano de 1999, foi criada a Secretaria
Estadual do Meio Ambiente, órgão que passou a tratar da política ambiental gaúcha.
Dois anos depois, no rastro dessa conjuntura, o Batalhão de Polícia Ambiental foi
reestruturado. Tal fato é considerado um divisor de águas na história do policiamento
ambiental, pois o Batalhão passaria a atuar de maneira articulada em todo o Rio
Grande do Sul, distribuindo-se, inicialmente, em sete regiões de comando, na época,
denominadas Companhias Ambientais. A partir de 2005, até os dias atuais, o que era
o Batalhão se tornou um segmento denominado Comando Ambiental, formado por
três Batalhões, fato que denota maior representatividade desta atividade dentro da
estrutura policial militar.
A Educação Ambiental na Brigada
Outra ação de grande relevância desenvolvida pelo policiamento ambiental
são as atividades de Educação Ambiental Não Formal. Desde 1992, quando foi
instituído o esquadrão florestal, palestras e exposições de materiais passaram a
fazer parte do cotidiano dos policiais. Com o advento das PATRAMs, seguido da
concepção do Batalhão Ambiental, essas atividades passaram a ganhar maior espaço
e notoriedade. Isso promoveu o acesso de crianças das redes pública e privada de
ensino a informações de caráter educativo, seja através da ida de servidores até os
educandários ou por meio de visitações que aquelas faziam aos quartéis.
Em dezembro de 2004, foi lançado o Projeto Patrulheiro Ambiental Mirim5
, o qual constitui-se em práticas de sensibilização com crianças na faixa etária de
sete a doze anos, oferecendo-se palestras e atividades lúdicas que proporcionassem o
conhecimento sobre a situação ambiental do Planeta.
Com a evolução do Projeto, em 2007, começaram a participar também adultos,
os quais foram chamados de Patrulheiros Ambientais Mestres e realizaram uma
sequência de trabalhos cujo objetivo foi proporcionar um retrato do cenário ambiental
planetário. Atualmente, os projetos integram a política de atuação do Comando
Ambiental e vêm ocorrendo de maneira assistemática em todas as partes do Estado.
Maiores informações podem ser obtidas no site <http://www.brigadamilitar.rs.gov.br/
compromisso_social/patrulha_ambiental.asp>.
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Projeto ambiental escolar comunitário
A Proteção Ambiental na Região Sul
Ao reportar-se à cronologia do policiamento ambiental na região Sul, é
verificado que, a exemplo do que acontecia nas demais localidades do Estado, teve
seu embrião nas atividades desempenhadas pelas patrulhas ambientais. Estas se
estabeleciam junto às unidades responsáveis pelo policiamento geral, o qual era
executado pelos diversos segmentos da Brigada Militar. Nesta perspectiva, da
mesma forma que em várias partes do Estado, no ano de 1993, iniciaram-se práticas
de ensino voltadas ao aperfeiçoamento dos policiais que exerceriam a proteção do
meio ambiente.
Em Pelotas, um Estágio de Policiamento Ambiental transcorreu junto
às instalações do 4º Batalhão de Polícia Militar e contou com a contribuição
de diversas instituições e especialistas da área. É necessário ressaltar que,
paralelamente às disciplinas previstas, os alunos ainda frequentaram um curso de
extensão, organizado conjuntamente pelo Centro de Estudos Ambientais (CEA)6 e
pelo Diretório Acadêmico da Escola de Direito da Universidade Federal de Pelotas.
Nesse curso, foram discutidos temas ligados ao Direito Ambiental, o que, ao final,
culminou com o nascimento do Grupo de Estudos Multidisciplinar em Direito
Ambiental (GEMDA).
O estágio finalizou em outubro de 1993 e, quatro meses depois, em 23 de
fevereiro de 1994, instalava-se na cidade a PATRAM, em acomodações cedidas pelo
porto local, estabelecido às margens do Canal São Gonçalo. Desse ponto partiam
missões aquáticas e terrestres atribuídas aos 20 servidores designados para a tarefa
de preservar a natureza.
Na cidade de Rio Grande, por sua vez, também em 1993, o estágio dos
servidores ocorreu no 6º Batalhão de Polícia Militar. Tal prática, coordenada por
policiais que tinham realizado o curso de especialização em Porto Alegre, resultou na
formação de servidores que, posteriormente, fariam parte das Patrulhas Ambientais
de Rio Grande, de Jaguarão e de Santa Vitória do Palmar.
No entanto, apenas o patrulhamento ambiental de Rio Grande se perpetuou,
sendo que parte dos policiais foram transferidos para o posto policial do 4º Distrito,
localizado junto à Estação Ecológica do Taim7 , onde, entre outros atendimentos
concernentes à segurança pública, também realizavam o patrulhamento ambiental.
Ainda no Posto do Taim, como era chamado o destacamento, é importante
mencionar o fato de que o mesmo sediou o 2º Estágio em Policiamento Ambiental,
desenvolvido no ano de 1998, evento que contou com a participação de 20 policiais.
Maiores informações podem ser obtidas no site <http://centrodeestudosambientais.
wordpress.com>.
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Maiores informações podem ser obtidas no site <http://www.ibama.gov.br/siucweb/
mostraUc. php?seqUc=64>.
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Processo Formador em Educação Ambiental a Distância
A partir da formação desses grupamentos, fosse por intermédio de ações
no combate aos crimes ambientais, fosse por meio de atividades preventivas,
gradativamente os componentes da patrulha foram se adaptando à nova tarefa de
propiciar proteção ao ambiente, pois não mais dispensava atenção exclusiva à
segurança de humanos, mas trabalhava também no sentido de dar guarida a todos os
seres vivos.
A exemplo de Pelotas e de Rio Grande, também registraram significativos
trabalhos de patrulhamentos ambientais os municípios de São Lourenço do Sul e
Jaguarão, os quais se destacaram por atividades que coibiam a caça e a pesca predatória,
bem como a comercialização irregular de espécies da fauna.
Nos primeiros anos de atividades das PATRAMs, as quais foram instituídas para
prevenir toda e qualquer irregularidade ambiental, a rotina consistiu basicamente em
operações de combate à caça ilegal, à pesca predatória e a infrações de cunho florestal.
Entretanto, como integravam órgãos responsáveis pelo policiamento ostensivo geral,
costumeiramente, esses grupos eram desviados de sua missão precípua para serem
empregados em eventos que exigiam a presença de maior contingente policial, como
jogos de futebol, carnaval, passeatas, espetáculos artísticos, manifestações, entre
outros acontecimentos cuja expectativa de público fosse grande.
De igual forma, em face da atuação eminentemente rural, as PATRAMs
também eram empregadas na repressão ao crime de abigeato, ou seja, do furto de
gado, circunstância que, em geral, afetava proprietários rurais envolvidos com o
ramo da pecuária. É pertinente salientar ainda que, por vezes, as equipes chegavam a
instaurar programações específicas para coibir práticas dessa natureza, o que relegava
os ilícitos ambientais a segundo plano.
Ainda que estivessem muito próximas, as frações de patrulhamento
ambiental instaladas na região trabalhavam dissociadas, tanto administrativa quanto
operacionalmente. Contudo, com o advento do Batalhão de Polícia Ambiental, em
1998, e a sua consequente rearticulação em 2001, considerando a importância da
região Sul no cenário estadual, essa foi designada para receber a 7ª Companhia
de Policiamento Ambiental. Sediada em Pelotas, passou a ter responsabilidade de
atender às demandas ambientais de 29 municípios da região, incluindo cidades como
Rio Grande, São José do Norte, São Lourenço do Sul, Camaquã, Jaguarão e Santa
Vitória do Palmar.
Motivados pelo fato de não mais estarem atrelados especificamente às práticas
correntes do policiamento geral, as quais lhes forçavam a tratar prioritariamente
de crimes e infrações diversas do foco ambiental, os policiais se desdobravam no
sentido de mostrar a seus gestores que a decisão de desvinculá-los para um segmento
especializado era uma deliberação acertada. Nesse cenário controverso, em função da
considerável debilidade material, porém com extrema motivação pessoal, iniciou-se
Projeto ambiental escolar comunitário
uma nova fase do policiamento ambiental na região, fato que, para se efetivar, contou
com a distinta parceria do Ministério Público Estadual.
Contou, ainda, com outros importantes colaboradores, como a Universidade
Federal do Rio Grande, a Universidade Federal de Pelotas, o Conselho Municipal
de Proteção Ambiental de Pelotas, a Universidade Católica de Pelotas, o Conselho
Pró-Segurança Pública de Pelotas, entre outros segmentos governamentais e não
governamentais que se juntaram ao propósito de prestar apoio no auxílio às atividades
de proteção ao meio ambiente.
Para que fosse possível constituir essa nova célula, denominada Companhia
Ambiental, vinculada ao Batalhão Ambiental (este sediado em Porto Alegre), os
segmentos de polícia ambiental foram estruturados através de recursos humanos e
materiais que já vinham sendo usados pelas PATRAMs, os quais foram transferidos,
em parte, para o Batalhão de Polícia Ambiental. A partir daí, focado exclusivamente no
exercício da atividade ambiental, tal policiamento tornou-se mais efetivo e eficiente,
passando a executar suas missões com maior frequência e melhor planejamento.
Outra novidade que derivou do novo formato diz respeito à maior abrangência
da atuação. Além das fiscalizações que vinham fazendo, os integrantes passaram a
se aperfeiçoar em outros tipos de inspeção, tais como mineração irregular, poluição
(aquática, sonora e atmosférica), licenciamentos ambientais, entre outras condutas
tipificadas pela legislação vigente. Para tanto, permanentemente os efetivos policiais
se deslocavam para estabelecimentos de ensino, onde aprofundavam conhecimentos
relativos à temática ambiental. Essa prática ainda é mantida, por vezes com
treinamentos fora do Estado, no intuito de trocar experiências entre polícias militares
ambientais.
Atualmente, as atividades exercidas pela Companhia Ambiental permaneceram
praticamente inalteradas em termos de jurisdição e responsabilidades. Ainda que
tenha sido modificado o contexto estrutural do policiamento ambiental, que passou a
ser composto por três Batalhões Ambientais, o que mudou apenas foi a nomenclatura,
que passou de 7ª para 3ª Companhia, sendo vinculada ao 1º Batalhão Ambiental,
órgão cuja responsabilidade territorial se distribui por todo o litoral do Estado, do
Chuí a Torres, agregando-se à região metropolitana.
Organograma informativo da 3ª Companhia do 1º Batalhão Ambiental
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Processo Formador em Educação Ambiental a Distância
A Educação Ambiental não formal também esteve presente nas ações do
policiamento ambiental da região Sul. Desde a formação das PATRAMs, palestras
e exposições têm sido tarefas comuns no dia a dia policial, tanto em Rio Grande
quanto em Pelotas e São Lourenço do Sul.
Mesmo diante de dificuldades estruturais e culturais, as equipes de
Educação Ambiental buscam uma maneira de se aproximar das comunidades, seja
por intermédio de diálogos realizados nas escolas, seja por eventos expositivos8,
prestando esclarecimentos sobre o trabalho desenvolvido e também sobre os
cuidados com o ambiente.
Um exemplo dessa aproximação com a comunidade é o Projeto Patrulheiro
Ambiental, o qual ocorre nos municípios da região Sul. Tal Projeto conta tanto com
os Patrulheiros Ambientais Mestres quanto com os Mirins, e geralmente ocorre nos
períodos de férias escolares.
Número de Patrulheiros Ambientais que concluíram o curso nos anos de 2009 e
2010, nos municípios da Região Sul do Estado do RS
Como exemplo desses eventos, é possível citar: participações na Festa do Mar (Rio
Grande), na Festa Nacional do Doce (Pelotas) e no Seminário do Projeto Mar de Dentro (São
Lourenço do Sul).
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Projeto ambiental escolar comunitário
Fonte: 3ª Cia. Ambiental.
Em uma breve e simples análise acerca das atividades desenvolvidas e do
contexto histórico a que está inserido, acredita-se que o avanço do policiamento
ambiental no Estado e na região foi bastante significativo frente ao existente há
vinte anos . Por outro lado, é sabido que o crescimento da degradação do meio
ambiente também cresce.
Diante desse panorama insólito, crê-se que, além de aperfeiçoar os sistemas
legislativos e de fiscalização, é preciso que se faça uma profunda reflexão, bem
como uma revisão do modo de vida que nossa espécie vem empreendendo.
As mudanças de hábitos e atitudes é que decretarão se nossa espécie conseguirá
manter-se coabitando nosso Planeta com outras que, porventura, conseguirem
sobreviver.
REFERÊNCIAS
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Acesso em: 28 dez. 2010.
RIO GRANDE DO SUL. Decreto Estadual nº 34.974, de 23 de novembro de 1993. Disponível em:
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Processo Formador em Educação Ambiental a Distância
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RIO GRANDE DO SUL. Lei Estadual n° 10.330, de 27 de dezembro de 1994. Disponível em:
< h t t p : / / w w w. a l . r s . g o v. b r / l e g i s / M 0 1 0 / M 0 1 0 0 0 9 9 . A S P ? H i d _ Ti p o = T E X TO & H i d _
TodasNormas=12417&hTexto=&Hid_IDNorma=12417>. Acesso em: 29 dez. 2010.
SIMÕES, M. A. Brigada Militar: Aspectos da Origem e Evolução. Porto Alegre: Editora Polost,
2006.
Projeto ambiental escolar comunitário
BIODIVERSIDADE
Cíntia Pereira Barenho1
A biodiversidade e o Brasil
A
biodiversidade é definida pela Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB)2,
em seu segundo artigo, como “a variabilidade de organismos vivos de todas as
origens, compreendendo, dentre outros, os ecossistemas terrestres, marinhos e
outros ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos de que fazem parte; compreendendo ainda a diversidade dentro de espécies, entre espécies e de ecossistemas”
(MMA, 2000, p.9). Em outras palavras, a biodiversidade pode ser classificada pelas
espécies biológicas, pela diversidade em ecossistemas, pelos endemismos e, também,
pelo patrimônio genético.
Dos mais de duzentos países existentes no mundo, apenas dezessete concentram
cerca de 70% da biodiversidade do Planeta. Desses países, conhecidos como
megadiversos, o Brasil é a nação que concentra a maior biodiversidade planetária. Assim,
nós, brasileiros, vivemos junto a maior biodiversidade, uma vez que concentramos, pelo
menos, 13% da Biota (espécies vegetais, animais, fungos e outros organismos) mundial
(Conservação Internacional, 2005).
A concentração de biodiversidade ocorre devido à dimensão continental e
à grande variação geomorfológica e climática brasileira (de trópicos úmidos até as
zonas semiáridas e temperadas). A biodiversidade se expressa em seis biomas, com
49 ecorregiões e outros tantos ecossistemas. Além disso, é importante lembrar que, no
Brasil, há a maior rede hidrográfica do mundo e uma ampla diversidade sociocultural
(entendida por alguns autores como sociobiodiversidade).
Para compreendermos como a nossa biodiversidade está classificada, utilizaremos
a divisão em biomas. Segundo o IBGE, “bioma é conjunto de vida (vegetal e animal)
constituído pelo agrupamento de tipos de vegetação contíguos e identificáveis em escala
regional, com condições geoclimáticas similares e história compartilhada de mudanças,
o que resulta em uma diversidade biológica própria” (IBGE, 2004).
Sendo assim, no Brasil, encontramos seis biomas: a Amazônia, o Cerrado, a Caatinga, a
Mata Atlântica, o Pantanal e o Pampa. Desses, a Amazônia é o maior em extensão, pois
ocupa cerca de 50% do nosso território. Já o Pantanal tem a menor extensão, uma vez
Biologa, mestre em Educação Ambiental e Centro de Estudos Ambientais (CEA)
A Convenção sobre Diversidade Biológica foi assinada durante a Conferência das Nações
Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada na cidade do Rio de Janeiro, no período
de 5 a 14 de junho de 1992. Para tanto, o Congresso Nacional decretou, por meio do Decreto Legislativo n° 2, em 1994, a ratificação da Convenção.
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Processo Formador em Educação Ambiental a Distância
que ocupa cerca de 2% do território. Importante destacar que a Amazônia e Mata
Atlântica se estendem por 100% de oito estados brasileiros.
Cada bioma brasileiro possui características próprias que os diferenciam
dos demais:
Pantanal: constitui a maior superfície inundável interiorana do Planeta.
Está presente em dois estados brasileiros: ocupa 25% do Mato Grosso do Sul e 7%
do Mato Grosso;
Amazônia: considerada a maior reserva de diversidade biológica mundial,
define-se pela unidade de clima, fisionomia florestal e localização geográfica. A
bacia amazônica ocupa cerca de 70% do território brasileiro, 2/5 da América do
Sul e 5% da superfície terrestre. A Amazônia abriga a maior rede hidrográfica do
Planeta, que escoa cerca de 1/5 do volume de água doce mundial. O bioma ocupa a
totalidade de cinco Estados (Acre, Amapá, Amazonas, Pará e Roraima), ampla área
de Rondônia (98,8%), mais da metade do Mato Grosso (54%), parte do Maranhão
(34%) e de Tocantins (9%);
Mata Atlântica: define-se pela vegetação florestal predominante e relevo
diversificado. Esse bioma abrange toda a faixa continental atlântica leste brasileira e
estende-se para o interior no Sudeste e Sul do país. O bioma se estende inteiramente
por três estados (Espírito Santo, Rio de Janeiro e Santa Catarina) e 98% do Paraná,
além de perfazer parte de outros onze estados brasileiros;
Pampa: instituído como tal apenas em 2004, define-se por um conjunto de
vegetação de campo em relevo de planície. O bioma restringe-se ao Rio Grande
do Sul, onde ocupa 63% do território. No entanto, este se expande até os países da
Argentina e do Uruguai;
Cerrado: tem vegetação predominante e é o segundo maior bioma em
extensão. Este se estende do litoral maranhense até o Centro-Oeste. O bioma ocupa
todo o território do Distrito Federal e mais da metade dos estados de Goiás (97%),
Maranhão (65%), Mato Grosso do Sul (61%), Minas Gerais (57%) e Tocantins
(91%), além de ser encontrado em outros seis estados;
Caatinga: constitui-se por clima semiárido típico do sertão nordestino. A
Caatinga ocupa a totalidade do estado do Ceará (100%), grande parte da Paraíba
(92%), do Rio Grande do Norte (95%), de Pernambuco (83%), do Piauí (63%),
mais da metade da Bahia (54%), quase metade de Alagoas (48%) e Sergipe (49%),
além de porções de Minas Gerais (2%) e do Maranhão (1%).
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Projeto ambiental escolar comunitário
Mapa dos Biomas do Brasil. Disponível em
http://www.biodiversidade.rs.gov.br/portal/index.php?acao=downloads&id=2
Importante também destacar que a biodiversidade não está igualmente
distribuída. Sendo assim, o ecólogo inglês Norman Myers cunhou o termo “Hotspots”,
após identificar as regiões que concentravam os mais altos níveis de biodiversidade
e onde as ações de conservação seriam mais urgentes. Segundo a Conservação
Internacional (2009), um “Hotspot” é toda área prioritária para conservação, isto é,
de alta biodiversidade e ameaçada no mais alto grau .
É considerada Hotspot “uma área com pelo menos 1.500 espécies
endêmicas de plantas e que tenha perdido mais de 3/4 de sua vegetação original”
(CONSERVAÇÃO INTERNACIONAL, 2009). Já foram identificados 34 Hotspots,
sítios biogeográficos que abrigam, sobre 2,3% da superfície do Planeta, 50% das
plantas vasculares e 42% dos vertebrados terrestres (Atlas do Meio Ambiente, 2008).
No Brasil, são considerados Hotspots a Mata Atlântica e o Cerrado.
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Processo Formador em Educação Ambiental a Distância
Banhados ao sul do Brasil e a lagoa dos patos ao
fundo1- Cintia Barenho
Mata do Totó em Pelotas-Mata AtlânticaCintia barenho
O bioma Pampa-foto Cintia Barenho
A biodiversidade em nossa região
Nesse cenário, cabe refletir acerca da forma como nos relacionamos com a
biodiversidade nas cidades e na região na qual habitamos. Por vivermos em centros
urbanos, muitas vezes, esquecemo-nos o quanto da biodiversidade utilizamos em
nosso dia a dia e o quanto essa está presente. Em geral, percebemos a biodiversidade
apenas nas praças, nas áreas verdes, no rio que passa pela cidade e na praia em que
Projeto ambiental escolar comunitário
podemos nos banhar, mas não a percebemos na comida que ingerimos, no lápis e
papel com os quais escrevemos etc.
No caso do Rio Grande do Sul, estamos inseridos em um contexto de
biodiversidade, o qual compreende diferentes ecossistemas associados. Habitamos
a Zona Costeira (zona de transição entre o continente e o oceano) nas interfaces da
Mata Atlântica com o Pampa gaúcho. Alguns de nós vivem mais ao Litoral Norte e
outros no Litoral Sul gaúcho.
No Litoral Norte – cuja idade geológica é recente, o que confere características
de fragilidade e raridade ao ambiente –, os ecossistemas associados possuem alto valor
paisagístico e grande produtividade biológica. Nele, encontramos praias marinhas,
barreiras de dunas, banhados, cordão de lagoas doces, salobras e encosta da serra.
Já no Litoral Sul há uma ampla planície costeira, a qual abriga um complexo
estuarino composto pela Lagoa Mirim, Lagoa Mangueira e Lagoa dos Patos (que,
por desembocar no oceano Atlântico é, na verdade, uma Laguna). Tal complexo se
estende da metade Sul do Brasil ao Norte do Uruguai. A região tem um mosaico de
ambientes que conta com praias arenosas, dunas costeiras e lagunares, banhados,
campos alagadiços, marismas e matas de restinga, habitats da diversidade de fauna e
flora típica.
As zonas úmidas desse sistema estuarino conectam-se às zonas úmidas
uruguaias, o que forma uma imensa e única região de banhados (ou humedales) e
dunas costeiras, intimamente ligadas aos biomas da Mata Atlântica e do Pampa. Para
se ter uma ideia da importância de tais ambientes, somente as áreas de banhados
são responsáveis pela ciclagem de nutrientes, pela alimentação, pelo repouso e pela
reprodução das aves migratórias, além de ser responsável pelo controle da vazão e
pela reciclagem de corpos d’água.
A proteção da biodiversidade
No Brasil, uma das formas legais de proteção e conservação da biodiversidade
é através do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC),
instituído pela Lei Federal nº 9985/00. O SNUC visa, dentre seus diversos objetivos,
contribuir para a manutenção da diversidade biológica e dos recursos genéticos no
território nacional e nas águas jurisdicionais.
O sistema é constituído por Unidades de Conservação (UC), as quais são
entendidas como: “espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as
águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído
pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime
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Processo Formador em Educação Ambiental a Distância
especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção”
(BRASIL, 2000). Para tanto, tal sistema é constituído pelo conjunto das unidades
de conservação federais, estaduais e municipais.
Sendo assim, as unidades de conservação integrantes do SNUC dividem-se
em dois grupos, com características específicas:
I)
Unidades de Proteção Integral cujo objetivo é preservar a natureza, sendo
admitido apenas o uso indireto dos seus recursos naturais, com exceção dos casos
previstos na legislação;
II)
Unidades de Uso Sustentável que tem por objetivo compatibilizar a
conservação da natureza com o uso sustentável de parcela dos seus recursos naturais.
Em nossa região, encontramos algumas Unidades de Conservação. Ainda
que sejam em número restrito, as UC existentes realizam importante papel para
conservação e proteção da nossa biodiversidade. Relevante destacar que, nessa
categoria, existe a Estação Ecológica do Taim, localizada no município do Rio
Grande/RS, a qual constitui a Unidade de Conservação de Proteção Integral. Esta
visa proteger amostras dos Banhados do Sul (e ecossistemas associados, como
lagoas costeiras e dunas) e da fauna ameaçada de extinção, além de preservar o
local de passagem de aves migratórias. Tal Unidade de Conservação, inclusive,
já foi reconhecida pelo ordenamento jurídico brasileiro como prioritária para a
conservação, utilização sustentável e repartição dos benefícios da biodiversidade.
Outra Unidade de Conservação de Proteção Integral é o Parque Nacional
da Lagoa do Peixe, localizado no município de Mostardas. O objetivo básico de
um Parque Nacional é a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância
ecológica e beleza cênica. Esse cuidado possibilita a realização de pesquisas
científicas e o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental,
de recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico. No caso do Parque
Nacional da Lagoa do Peixe, este visa proteger ecossistemas litorâneos e espécies
de aves migratórias que dependem da unidade para seu ciclo vital.
Já no Litoral Norte, compreendendo parte do município de Santo Antônio
da Patrulha, há duas Unidades de Conservação. Uma delas é o Refúgio de Vida
Silvestre Banhado dos Pachecos, cujo objetivo é proteger ambientes naturais
onde se asseguram condições para a existência ou reprodução de espécies ou
comunidades da flora local e da fauna residente ou migratória. Segundo dados da
Secretaria Estadual de Meio Ambiente (SEMA), esse é o único local do Estado
onde foi encontrado o cervo-do-pantanal.
Por fim, a outra UC do Litoral Norte é a Área de Proteção Ambiental (APA)
do Banhado Grande, uma Unidade de Conservação de Uso Sustentável. De acordo
com dados da SEMA , é “orientada, principalmente, pelos objetivos de preservar
Projeto ambiental escolar comunitário
o conjunto de banhados, compatibilizar o desenvolvimento socioeconômico com a
proteção dos ecossistemas naturais ali existentes” (RIO GRANDE DO SUL, 1998).
A Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB)
A CDB é uma das chamadas “Convenções Quadro”, criadas no âmbito
da Organização das Nações Unidas (ONU), especificamente através do Programa
das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). Esta orienta a política
internacional para o tema e será implementada pelas partes signatárias. Conforme o
Portal Brasileiro sobre biodiversidade – PORTALBio (2009), a “CDB é o principal
fórum mundial na definição do marco legal e político para temas e questões
relacionados à biodiversidade”.
As Convenções Quadro são instrumentos explícitos do Direito Internacional.
Desempenham o papel de colocar as regras e os objetivos gerais que continuamente
devem ser detalhados pelas partes signatárias, com o intuito de estabelecer metas
específicas, protocolos e programas de trabalho (PORTALBio, 2009).
Em linhas gerais, a Convenção sobre Diversidade Biológica – CDB propõe
regras para assegurar a conservação da biodiversidade, o seu uso sustentável e a justa
repartição dos benefícios provenientes do uso econômico dos recursos genéticos,
respeitada a soberania de cada nação sobre o patrimônio existente em seu território
(PORTALBio, 2009).
A CDB inseriu como uma de suas premissas o Princípio da Precaução,
um dos mais importantes do Direito Ambiental. Determina seu preâmbulo:
“observando também que, quando exista ameaça de sensível redução ou perda da
diversidade biológica, a falta de plena certeza científica não deve ser usada como
razão para postergar medidas para evitar ou minimizar essa ameaça”. Figuram entre
os principais pontos em negociação no âmbito da CDB o acesso e a repartição
dos benefícios do uso de recursos genéticos, os biocombustíveis, a proteção aos
conhecimentos das comunidades tradicionais, o desmatamento e as áreas protegidas.
Importante frisar que as leis e normas internacionais são criadas e aplicadas pelos
estados soberanos e suas instituições internacionais, sendo estes, ao mesmo tempo,
instituidores e destinatários das mesmas. No entanto, não basta um país assiná-las,
sem que haja um ato que as incluam em seu ordenamento jurídico – no direito
interno de cada país, a partir da ratificação, o estado passa a ser parte da convenção.
O Brasil tornou-se o primeiro signatário da CDB, no dia em que foi aberta,
em 05 de junho de 1992, durante a Conferência das Nações Unidas para o Meio
Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD), conhecida como ECO-92, após mais
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Processo Formador em Educação Ambiental a Distância
de quatro anos de negociações entre organismos e instituições internacionais. A
ratificação ocorreu no ano de 1994.
Com o intuito de coordenar a implementação dos compromissos da CDB no
Brasil, no âmbito do governo federal, foi criado o Programa Nacional da Diversidade
Biológica (PRONABIO), assim como a Comissão Nacional da Biodiversidade
(CONABIO), composta por representantes de órgãos governamentais e organizações
da sociedade civil. A CONABIO é o fórum responsável pela definição de diretrizes
para instaurar o PRONABIO e a Política Nacional de Biodiversidade, bem como
tem por objetivo identificar e propor áreas e ações prioritárias para pesquisa,
conservação e uso sustentável dos componentes da biodiversidade. O PORTALBio
serve como um dos pontos fulcrais da CDB, ao auxiliar na divulgação e disseminação
de informações.
Dentre as estratégias de promoção da CDB, a Organização das Nações Unidas
(ONU) proclamou o dia 22 de maio como o Dia Internacional para a Diversidade
Biológica, com vistas a aumentar a compreensão e o conhecimento acerca do
tema. Igualmente, a ONU declarou o ano de 2010 como o Ano Internacional de
Diversidade Biológica. Isto porque, no início desta década, os estados que fazem
parte da CDB estabeleceram metas a serem cumpridas até o ano de 2010, a fim
de reduzir as taxas de perda da biodiversidade. O Brasil, através da Resolução nº
03/2006, fixou suas metas nacionais .
Já no sítio eletrônico oficial da CDB , informações dos diversos países
signatários podem ser acessadas e estão disponíveis em inglês, francês ou espanhol.
Neste endereço eletrônico, também é possível acessar a programação mundial para
o Ano Internacional da Diversidade Biológica.
As ameaças contra a biodiversidade
No atual sistema político-econômico no qual vivemos, a biodiversidade é
vista majoritariamente como um recurso, tanto que, geralmente, atribuímos aos
benefícios advindos do ambiente o conceito de “recursos naturais”.
Nesse cenário, o entendimento antropocêntrico (branco, ocidental, racista e
machista) de utilizar e apropriar-se dos elementos da natureza, leva ao esgotamento
destes, meramente para satisfazer necessidades muitas vezes efêmeras dos seres
humanos. Um exemplo disso é o consumo de papel: dados de 2005 indicam que
o consumo mundial era de 1 milhão de toneladas/dia. No entanto, se buscarmos
os dados de consumo por país, as discrepâncias entre estes são imensas. Enquanto
que a Finlândia (Europa) consume 324 kg/ano, nos EUA (América do Norte) são
Projeto ambiental escolar comunitário
consumidos 297 kg/ano. Já no Brasil (América do Sul) são consumidos 39 kg/ano
e no Uruguai (América do Sul), cerca de 36 kg/ano. Nos Camarões, por sua vez,
(África) são consumidos 3 kg/ano (CARRERE & LOHMANN, 1997).
Estima-se que, anualmente, cerca de 17 milhões de hectares de floresta
tropical são desmatados. Consequentemente, entre 5% a 10% das espécies que
habitam tais florestas poderão vir a ser extintas dentro dos próximos 30 anos.
Em muitas dessas espécies sequer conhecemos quais são seus benefícios e
potencialidades, por exemplo, medicinais.
Em vista do exposto, pode-se concluir que a biodiversidade está constantemente
ameaçada, sendo que, em muitos locais do Planeta, a diversidade de seres
(humanos ou não) já está se esgotando ou já sofreu processos de extinção. A perda
da biodiversidade está relacionada à poluição, ao uso excessivo dos elementos da
natureza, bem como à expansão das fronteiras agrícolas, urbana e industrial.
Os principais países, ditos desenvolvidos, já esgotaram grande parte da
sua biodiversidade e, enquanto criam medidas de preservação e conservação de
seus remanescentes, buscam nos países em desenvolvimento, ou com maior
biodiversidade (como o Brasil, por exemplo), expandir seus negócios degradadores
e poluidores do ambiente. Um caso emblemático que vem ocorrendo no Rio Grande
do Sul é a expansão do setor de celulose e papel, no qual uma das empresas – a
Stora Enso – fechou praticamente todas as suas fábricas na Finlândia para expandir
os negócios por aqui. No entanto, em nossas regiões, devido à fragilidade ambiental
dos nossos ecossistemas, muitos são os impactos e as ameaças à biodiversidade.
As consequências da redução da biodiversidade são muitas. Os seguintes dados da
Secretaria do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (2012) ilustram algumas:
Fragmentação de Habitats: com a fragmentação, diminui a possibilidade
de áreas naturais se manterem como ecossistemas vivos e autorreguladores em sua
complexidade natural. Tal situação pode levar ao processo de extinção em cadeia.
Diminuição das espécies: proporciona a redução de populações, a perda da
variabilidade genética e o aumento da probabilidade da extinção de espécies.
Poluição ambiental: com o uso inadequado de agrotóxico, por exemplo,
eliminamos não só as espécies indesejadas (chamadas por alguns, erroneamente, de
pragas), mas também os organismos benéficos. Além disso, a utilização indevida de
pesticidas acarreta a contaminação do solo e das águas.
Escassez da água: com a ocupação irracional do solo e com a exploração
indevida dos elementos naturais, ocorre a diminuição da cobertura florestal, o que
afeta a distribuição das chuvas e acelera a erosão. Tal processo faz com que os
nutrientes minerais e orgânicos sejam carreados dos mananciais, diminuindo a
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Processo Formador em Educação Ambiental a Distância
qualidade das águas e assoreando rios e lagos.
Destruição das paisagens naturais: promove a diminuição e extinção dos
ambientes, o que reduz, consequentemente, a diversidade biológica.
Redução da Produtividade: com o mau uso e manejo de práticas agrícolas,
ocorre a degradação e o esgotamento do solo, o que ocasiona a sua perda. Para se ter
uma ideia, a natureza leva aproximadamente 500 anos para formar 30 cm de solo.
Desequilíbrio climático: a perda da cobertura florestal altera diretamente os
regimes de ventos, a temperatura do solo e a umidade relativa.
Redução da qualidade de vida: as alterações, ocasionadas em determinado
ambiente, afetam as regiões vizinhas e promovem o desequilíbrio dos ecossistemas
de forma global, o que afeta diretamente a qualidade de vida de todos os seres.
No Litoral Norte, os impactos estão relacionados às atividades econômicas
associadas ao turismo de veraneio, que confere à região uma variação sazonal da
população e intensos processos de urbanização.
No Litoral Sul, apesar de sua relevância ambiental, o estuário da Lagoa
dos Patos tem sofrido modificações rápidas e severas na sua dinâmica natural nas
últimas décadas, tanto por causas naturais, como por antrópicas. Os distúrbios
antrópicos estão relacionados ao crescimento urbano desordenado, à falta de
saneamento ambiental e à depreciação dos recursos naturais, aliado às políticas
públicas pouco efetivas. É importante destacar, entre os distúrbios: as lavouras de
arroz e a silvicultura.
Ainda que a lavoura de arroz seja uma das atividades econômicas
significativas, os cultivos têm alterado o regime hidrológico da região para a
irrigação (inclusive, no Canal São Gonçalo, uma barragem eclusa foi construída
para esse fim) e contaminado as águas devido ao uso intenso de agrotóxicos.
Além disso, nos últimos anos, tem sido fomentada a implementação de
grandes monoculturas de árvores exóticas (pinus e eucaliptos) no Pampa Gaúcho
. Tal processo tem transformado a paisagem típica gaúcha, provocando perda de
biodiversidade (ainda pouco conhecida e estudada), de êxodo rural, entre outros
problemas. Infelizmente, o próprio governo estadual tem apoiado e incentivado
a instalação de empresas do setor da celulose e papel, através de linhas de
financiamento público e, até mesmo permitindo a flexibilização e o descumprimento
da legislação ambiental (por exemplo, excluindo ou postergando, a apresentação do
Estudo Prévio de Impacto Ambiental). Os licenciamentos ambientais dos plantios
de eucaliptos estão sendo liberados de forma precária, descumprindo regras e sem
a conclusão do Zoneamento Ambiental para atividade de Silvicultura no Estado do
Projeto ambiental escolar comunitário
Rio Grande do Sul (ZAS), proposto pelo próprio governo.
Perdas da Biodiversidade e os Transgênicos
Os transgênicos são organismos geneticamente modificados (OGMs) que
tiveram genes de outro ser vivo inseridos em seu código genético. Assim, é feita
a transferência do(s) gene(s) de um organismo para outro, a fim de incorporar a
característica desejada.
Com a introdução de plantas geneticamente modificadas no ambiente, há
grande risco de perdas em biodiversidade, uma vez que estas podem ameaçar as
populações de plantas nativas e, principalmente, os centros de diversidade genética
de espécies cultivadas. Isto ocorre devido à competição das plantas transgênicas
com variedades tradicionais e também pela transferência dos novos genes através
do pólen. No entanto, cabe considerarmos que as normas para avaliar os efeitos dos
transgênicos na saúde do consumidor e no meio ambiente são muito frágeis e há
sérios indícios de que eles sejam prejudiciais. Ainda não existe estudo, no mundo
inteiro, que prove que os transgênicos sejam seguros.
A biodiversidade e as populações humanas
A biodiversidade (também conhecida como diversidade biológica) não se
restringe ao mundo dito como natural, mas também faz parte do mundo cultural
e social. Os recursos biológicos são objetos de conhecimento, de domesticação e
uso. Além disso, tais recursos costumam ser fonte de inspiração para mitos e rituais
das sociedades tradicionais.
São características, comumente aceitas, para as sociedades e povos
tradicionais:
a) ligação intensa com os territórios ancestrais;
b) auto-identificação e identificação pelos outros como grupos culturais
distintos;
c) linguagem própria, muitas vezes não a nacional;
d) presença de instituições sociais e políticas próprias e tradicionais;
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Processo Formador em Educação Ambiental a Distância
e) sistemas de produção principalmente voltados para a subsistência (DIEGUES &
ARRUDA, 2001, p.17).
Para as sociedades tradicionais, também utilizamos o termo
sociobiodiversidade, uma vez que tais populações possuem estreita ligação de
uso sustentável e conservação da biodiversidade coexistente ao seu modo de vida.
Identificamos o mesmo termo, também, àquelas comunidades baseadas no trabalho
familiar, visando, principalmente, sustento próprio (não se quer dizer que essas não
estejam vinculadas de modo algum ao mercado). Outro aspecto de tais comunidades
é a utilização das chamadas “tecnologias de baixo impacto”, como o extrativismo,
a pesca artesanal e a lavoura de pequena escala. Além disso, para algumas dessas
populações, a biodiversidade também é entendida como um conjunto de elementos
detentor de um valor de uso e de um valor simbólico, integrado numa complexa
cosmologia.
As populações tradicionais compreendem, além dos povos indígenas
brasileiros , pelo menos treze populações tradicionais não indígenas reconhecidas:
Caboclos ou ribeirinhos amazônicos;
Praieiros;
Babaçueiros;
Sertanejos ou vaqueiros;
Jangadeiros;
Pescadores artesanais;
Caiçaras;
Açorianos;
Campeiros;
Caipiras ou sitiantes;
Varjeiros ou ribeirinhos não amazônicos;
Quilombolas;
Pantaneiros (DIEGUES; ARRUDA, 2001, p.40).
Dessas populações, identificam-se, no território gaúcho, os Pescadores
artesanais , os Açorianos, os Campeiros e os Quilombolas. Além desses, também
residem povos indígenas da etnia Kaigangues e Mbya Guarani.
Projeto ambiental escolar comunitário
Assim como a biodiversidade, as populações tradicionais também vivem
sob risco constante, seja em função do desenvolvimento e avanço da agricultura
industrial (agronegócio) e grandes obras de infraestrutura (usinas hidrelétricas),
seja devido à especulação imobiliária. Além desses fatores, também ao longo do
tempo, houve processos de negação das próprias origens, dos costumes e tradições
dessas sociedades. Muitas dessas tradições, por serem apenas apreendidas através
de forma oral, foram perdendo-se ao longo do tempo. Aos poucos, a sociedade
brasileira volta a reconhecer e valorizar as populações tradicionais.
Sendo assim, vivemos e somos parte integrante da biodiversidade planetária,
a qual tem maior concentração em nosso país. Portanto, a variável biodiversidade
(sociodiversidade) não pode mais seguir desconsiderada ou sobrepujada pela
variável política-econômica nos processos de planejamento e desenvolvimento,
seja público ou privado.
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Processo Formador em Educação Ambiental a Distância
Projeto ambiental escolar comunitário
A ÁGUA: DO NACIONAL AO REGIONAL E AO LOCAL
Carlos Roberto da Silva Machado 1
N
o volume três desta coleção, foram apresentadas informações sobre as características e a importância da água para os seres vivos. Como exemplo
destas questões, temos: o ciclo da água e a influência das atividades humanas sobre este; as formas de uso da água pelas sociedades humanas e seus impactos; e a discussão sobre alternativas de gestão para reduzir as perdas e a escassez
deste bem comum essencial à vida na Terra.
Neste quinto volume, resgataremos alguns temas, a fim de enfatizar o tema
da água no Rio Grande do Sul e seu impacto nas regiões e cidades polos, onde se
desenvolveu o curso de Pedagogia: Santo Antônio da Patrulha, Tavares, Mostardas, Rio Grande e São José do Norte, Chuí, Santa Vitória do Palmar. Para tanto,
partiremos do pressuposto de que os participantes do curso, por serem cidadãos e
cidadãs, são, ou se tornarão ao final do processo educativo, conscientes da e responsáveis pela realidade atual em que se encontra o Planeta.
Sendo assim, juntos, produziremos, nos espaços locais, saberes e ações
capazes de promover mudanças nas relações humanas, sociais e ambientais da
cidade/sociedade em que vivemos.
A água do Planeta Terra em disputa
Sabe-se que a água é muito importante para nossa vida e que é um elemento natural
universal. Para inúmeras religiões, até sagrada. Mais de 70% do corpo humano é
composto por água. Por esses motivos, diz-se que “água é vida”. No entanto, na
atualidade, esse líquido tão precioso é motivo de discussões, bem como de conflitos
entre povos, os quais ocorriam também no passado. Tais desavenças decorrem de
obstáculos ao acesso à água e/ou do controle das fontes d’água, diante da possível
escassez, transformando-a em mercadoria.
Para refletir:
Professor e pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande - FURG/PPGEA (Educação Ambiental), colaborador do PPGEO (Geografia) na mesma Instituição e coordenador
do grupo de pesquisa Política, Natureza e Cidade e do Observatório dos Conflitos Urbanos e
Sócio-ambientais do Extremo Sul do Brasil (CNPq). Contato: [email protected].
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Há vinte anos, seria inconcebível a venda generalizada de água e sua
diversidade, em diferentes tamanhos, em todos os lugares. Atualmente, por
outro lado, em determinados lugares se paga de R$1,00 até R$3,00 por uma
garrafa de 500 ml do líquido.
Sendo assim, a possibilidade de mercantilização da água via privatização ou
pelo controle de empresas privadas das fontes, bem como da distribuição e/ou poluição
das águas têm ampliado os conflitos. Isto porque a escassez decorre diretamente da
poluição dos rios; da construção de represas; do uso industrial e intensivo na agricultura,
na indústria; e da sociedade de consumo em que vivemos. Tal situação também decorre
da destruição das florestas; do aquecimento global e do uso para além da capacidade de
reposição natural através do ciclo hidrológico.
Vivemos conflitos recentes em decorrência do controle das fontes de petróleo;
assistimos a invasões de países e matanças de homens, mulheres e crianças
por causa disso (ver: invasão dos EUA no Afeganistão e Iraque). Desse modo,
imaginem o que poderia ocorrer diante da falta de água2.
A problemática da escassez e dos custos para sua purificação podem ser
associados e utilizados como argumentos para a mercantilização. Grandes corporações
e o Banco Mundial surgem como uma oportunidade de lucro, devido à própria escassez
deste “bem” natural.
A água também pode ser relacionada à crise ambiental decorrente do modo de
produção e consumo no capitalismo que, na avaliação de Ignácio Ramonet (2009), é
uma “crise [...] gravíssima”. A apresentação de Atlas Ambiental, do Le Monde, jornal
francês, publicado no Brasil, afirma que “se todos os seres humanos tivessem o nível de
consumo dos habitantes mais ricos do Planeta, a Terra só poderia atender às necessidades
de 600 milhões de pessoas” (RAMONET, 2009, p. 6). Em outras palavras, o modo de
vida e de consumo vendidos pelo capitalismo, somente seriam possíveis para 10% da
população mundial (idem).
O filme de Al Gore3 também vem ao encontro da citação de Ramonet (2009), no
sentido da necessária mudança intelectual: “a grande contribuição dos ambientalistas
responsáveis foi ter levado ao conhecimento público a certeza de que a sobrevivência da
espécie humana é hoje a principal prioridade, a frente de qualquer outra problemática”
(p. 10). Sendo assim, destacamos que a própria sobrevivência humana está articulada e
depende dos demais seres vivos, dos ecossistemas e do próprio Planeta.
Ver Conflitos da Água em: <http://www.adital.com.br/site/noticia2.
asp?lang=PT&cod=22093>. Acesso em: 8 maio 2012.
3
Documentário intitulado “Uma Verdade Inconveniente”, 2006.
2
Projeto ambiental escolar comunitário
Paralelamente a isto, José Tadeu Arantes (2009) diz que “Nossa convicção
é a de que outro mundo é possível, com o uso responsável e equânime dos recursos
naturais, a redução das desigualdades regionais e a promoção da justiça social e da
consciência cidadã” (p. 3). Além disso, segundo Antonio Soler, da Organização Não
Governamental (ONG), ecológica gaúcha Centro de Estudos Ambientais (CEA), exmembro do Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH):
O uso e o acesso à água, para atender demandas humanas e permitir
a convivência com a ameaçada diversidade biológica, esbarra na
complexidade contemporânea, seja pelo desperdício, seja para fins
econômicos na fabricação de bens ou na depuração de efluentes na
ausência de tratamentos legalmente exigidos. Em média, para a produção
de um quilo de soja, gastamos 2,3 mil litros de água. Já a fabricação de
uma calça “jeans” usa 10 mil litros na sua produção (SOLER, 2007).
Sendo assim, a partir da questão ambiental em torno da água, podemos afirmar
que o problema relacionado a esta é o mesmo do petróleo, ou seja, tem sua fonte
na atual sociedade, mais especificamente, no modo como as pessoas se relacionam
com a/o natureza/meio ambiente. Tal relação se mantém – diríamos mais – ela é
produzida e reproduzida permanentemente, através de concepções e/ou paradigmas
que nos fazem agir, nos relacionarmos e mantermos uma relação com a natureza, em
conformidade às perspectivas dominantes nesta sociedade e suas relações sociais – os
ideais capitalistas.
No núcleo dessas noções e dessas relações, está a concepção de que é possível
ampliar a produção, o consumo, a exploração e o uso intensivo dos bens naturais como
se estes fossem ilimitados. Entretanto, com o uso de tecnologias sociais, poderemos
resolver ou amenizar os problemas ambientais que estamos causando.
Portanto, em função disso, será necessário que professores, jovens, cidadãos,
políticos, donas de casa, pensadores e acadêmicos considerem que o modelo de
sociedade construída nos últimos 200 anos, bem como os paradigmas relacionados
devem ser problematizados. Tais ideologias, ideias, paradigmas e conteúdos deste
pensar, assim como a forma em que estes são produzidos devem ser transformados,
modificados e alterados.
O desenvolvimento econômico dito sustentável é insustentável, pois se articula
em um modelo de sociedade e de mercado insustentável, já que a apropriação da
riqueza, os resultados da exploração da natureza e de suas consequências beneficiam
minorias com o apoio dos poderes estatais. Para a sustentabilidade ser cidadã, deverá
ser participativa nos processos produtivos, na comercialização e no consumo; envolver
91
92
Processo Formador em Educação Ambiental a Distância
o espaço das relações sociais, juntamente, com a natureza e a criação das ideias.
Agir assim significa pensar também sobre nossa relação com a água, seu uso,
sua importância no cotidiano, na escola e na cidade, no mundo, no país e na região. Isto
porque é a partir do meu viver; das relações que estabeleço com meus amigos e amigas,
familiares e colegas; do futuro que almejo e sonho, pelo qual luto dia a dia para que
se torne realidade; que poderemos e deveremos transformar a situação atual, a fim de
torná-la cada vez mais solidária e sustentável, através da disponibilidade de água para
todos e todas.
Água, Ambiente e História
1 - O ciclo hidrológico da água
A água4 é um conjunto de partículas dotadas de propriedades particulares
como: ser líquida, ter uma densidade de 4ºC, mas que varia conforme a temperatura.
Quando pura, é uma substância transparente e os raios luminosos a atravessam,
todavia, seletivamente, são absorvidos por ela. Já os infravermelhos são absorvidos
por tal líquido e lhe transferem calor. Além disso, é solvente, pois sais sólidos, cloretos,
carbonetos, fosfatos, nitratos, etc. são dissolvidos por ela.
No Planeta Terra, a água se formou da “liberação de grandes quantidades de
gases de hidrogênio e oxigênio na atmosfera, que se combinaram dando origem a
vapores de água” (DUSSART, 1979, p. 58-59). Na medida em que as temperaturas
da Terra foram baixando, os vapores se transformaram em nuvens que, atraídas “pela
gravidade”, caíram em “forma de chuva na superfície” (Idem, 1979, p. 58-59). E,
nesta (a superfície) a água se acumulou em forma líquida, sólida (gelo) e gasosa5.
Parte desta água se “infiltrou na superfície e penetrou entre as rochas do subsolo”,
formando, durante milhares de anos, águas subterrâneas – “os lençóis e os aquíferos”
(ALMANAQUE, 2008, p. 296).
O ciclo hidrológico é o responsável pela manutenção desse chamado recurso
natural acumulado na superfície e no interior do solo. Com o calor irradiado
pelo Sol, grande parcela da massa de água se transforma em vapor, que se
resfria à medida que vai subindo à atmosfera, condensa e forma nuvens, as
quais voltam a cair na Terra sob a ação da gravidade, na forma de chuva,
neblina e neve (Idem, 2008, p. 296).
Um dos elementos da natureza (os outros são fogo, ar e terra).
Carlos Walter Porto-Gonçalves (2006) amplia este enfoque, dizendo que este “ciclo abstrato
[...] ignora que tanto o que desenha o ciclo como o que aprende sobre o ciclo são água, já que são
seres humanos que contêm em seus corpos, em média, 70% de água. Quando transpiramos ou urinamos, estamos imersos em água. O ciclo de água não é externo a cada um de nós, passando por
nossas vias materialmente e não só literalmente – nosso sangue é, em 83%, água. O ser vivo não se
relaciona com a água: ele é água!” (p. 418), ainda ressalta o autor.
4
5
Projeto ambiental escolar comunitário
No entanto, o ciclo hidrológico está sendo “destruído” conforme nos diz
Vandana Shiva (2006), ambientalista e física indiana.
O ciclo hidrológico é o processo ecológico pelo qual a água é recebida
pelo ecossistema sob forma de chuva ou neve. A umidade que cai sob
essas formas recarrega os rios, aquíferos e os lençóis freáticos. A dotação
de água de um ecossistema particular depende do clima, da fisiografia,
da vegetação e da geologia da região. Em cada um desses níveis, os
seres humanos do período moderno abusaram da Terra e destruíram sua
capacidade de receber, absorver e armazenar água. O desmatamento e
a mineração destruíram a capacidade das bacias dos rios em reter água.
A agricultura, monocultora e a silvicultura secaram os ecossistemas.
O uso crescente de combustíveis fósseis levou à poluição atmosférica
e a mudanças climáticas, responsáveis pelas cheias, ciclones e secas
recorrentes (SHIVA, 2006, p.18).
Sobre o cenário atual da Água, destaca-se que este não é:
Nada animador, ainda mais quando consideramos que nos últimos
cinquenta anos o consumo de água aumentou quatro vezes, sendo que o
gasto por pessoa dobrou. Do total consumido, 70 a 80% são destinados
para a irrigação, menos de 20% para atividades industriais e apenas
06% para o consumo doméstico. O pior disso é que os usos, centrados
friamente na visão econômica, absolutamente insustentável, sob o ponto
de vista sócio-ecológico, fizeram com que a poluição também aumentasse
e, por lógica, os estoques de água potável diminuíssem (SOLER, 1997).
2 - A crise da água e os conflitos
A crise da água é, na verdade, a crise do abuso de seu uso, por parte de
determinados grupos, setores ou indivíduos em nossa sociedade, como sendo um
bem público, universal e gratuito a todos e todas ou como mercadoria para quem
possa pagar. Neste sentido, a questão da água se articula e relaciona com a crise
socioambiental planetária em que vivemos. Dizemos socioambiental no sentido de
ressaltar que essas questões se articulam e não podem ser tratadas separadamente,
uma vez que não podemos separar da natureza os seres vivos, e no caso dos
humanos, de como estes compreendem estas relações ou inter-relação. A ideia de
separação e superioridade dos humanos sobre os demais seres vivos e a natureza
93
94
Processo Formador em Educação Ambiental a Distância
foi construída cientificamente, nos últimos 200 anos, configurando-se no chamado
antropocentrismo (MACHADO, et. alii, 2009).
O Banco Mundial, em seus relatórios e documentos, mostra que cresce o
abismo entre pobres e ricos neste Planeta e, consequentemente, que o modelo de
sociedade, de produção e de ciência beneficia poucos, mas insiste na proposição de
políticas, as quais persistem e mantêm tais perspectivas (ATLAS, Le Monde, 2009).
No que se relaciona à água, o Banco Mundial “não apenas tem desempenhado
papel fundamental na origem da escassez de água e de poluição, como está agora
transformando essa escassez numa oportunidade de mercado para as corporações de
água” (SHIVA, 2006, p.107). Trata do tema como o “mercado da água” de 1 trilhão
de dólares. E têm em carteira títulos a receber no valor de 20 bilhões de dólares
decorrentes de projetos relacionados à água. Destes, 4,8 bilhões são destinados
para água e saneamento nos centros urbanos, 5,4 bilhões para irrigação rural, 1,7
bilhão para energia elétrica e 3 bilhões para projetos ambientais relacionados à água
(SHIVA, 2006, p. 107)6.
Para refletir
Reflexão 1 - “Em 1991, um memorando de circulação restrita do Banco
veio a público, causando estardalhaço por seu conteúdo: “cá entre nós,
o Banco Mundial não deveria incentivar mais a imigração de indústrias
poluentes para os países menos desenvolvidos?”. O Autor do documento
Lawrence Summers, economista chefe do banco, argumentava que a
questão ambiental era de estética, os pobres do terceiro mundo viviam
menos, e de que a morte no terceiro mundo era mais barata, custava
menos” (ACSELRAD, MELLO; BEZERRA, 2009, p. 7-8).
Tal perspectiva sobre o meio ambiente é a mesma sobre a água, mais
um negócio, uma fonte de lucro.
Reflexão 2 - Em outro relatório, agora da empresa Coca-Cola do
México que, recentemente, teve seu maior funcionário Vicente FOX
como presidente do país, a perspectiva é a mesma, ao afirmarem: “Todos
nós, na família Coca-Cola, acordamos a cada manhã sabendo que cada
uma das 5,6 bilhões de pessoas do mundo ficará com sede neste dia.
Se fizermos com que seja impossível para estas 5,6 bilhões de pessoas
fugirem da Coca-Cola, então, asseguraremos nosso sucesso futuro por
muitos anos ainda. Qualquer outra atitude não é a opção” (In: SHIVA,
2006, p. 120).
Ver <wolrdbank.org>. Há alguns anos, o Banco abriu uma sede em Brasília e um site na
internet para pesquisar dados e informações públicas.
6
Projeto ambiental escolar comunitário
3 - A água na história e a água sagrada
A água é sagrada para inúmeros povos, inúmeras civilizações surgiram nas
margens dos rios e lagos. Foram nas margens dos rios, lagoas, lagos ou dentro
destes, em palafitas ou sob juncos que grupos humanos construíram suas casas,
vilas, fortificações em proteção dos animais e/ou outros grupos humanos. As
grandes cidades se localizam e “bebem” das águas que as nutrem, banham e lhes
garantem a vida. No site da Agência Nacional da Água (http://historiadaagua.ana.
gov.br/), você terá mais informações.
Ricardo Petrela argumenta que a água seria uma bem comum e, como tal,
não poderia ser privatizada ou vendida como mercadoria. Nesse sentido, o autor
resgata o aspecto “sagrado” da água para muitos povos:
Água é vida. Sem água não existe vida. A Terra existe há mais de 4,5 bilhões
de anos, mas, por mais de 800 milhões de anos, foi uma massa enorme
rochosa, inerte, sem árvores e sem animais. Os primeiros sinais de vida
sobre a Terra datam de 3,8 bilhões de anos atrás, quando apareceram
os primeiros sinais de água. Também em todas as tradições espirituais e
religiões, a água é símbolo de vida. O seu valor simbólico está muito além
do conteúdo material da vida. Na maioria dos mitos da criação do mundo,
a água é a fonte da vida, é a vitalidade, é o elemento originário do qual
Deus tirou a sua criação. Em muitos povos da África, o nome de Deus é
‘aquele que faz chover’ ou ‘aquele que traz a água’. A primeira imagem que
se tem do ‘Espírito de Deus’ na Bíblia é a do vento divino que assopra nas
águas primordiais do cosmo. Em certas zonas da Amazônia, ainda hoje,
Deus é visto também como ‘Espírito das águas’. Desde a antiguidade, os
japoneses consideram a água um dom. Acreditam nos kami, divindades
que reinam nos lugares aquáticos. Riachos, fontes e rios são todos
habitados por um kami. Isso explica a oposição, no Japão moderno, das
comunidades agrícolas tradicionais à construção de diques e à poluição
das águas com dejetos químicos industriais. Símbolo universal, a água é
sagrada (PETRELA, 2004, p. 9).
A Índia e outros povos têm a água como sagrada e reservada ao bem viver
e bem estar de todos e de todas. Vandana Shiva diz que o próprio nome de seu país,
a Índia, vem da palavra Indus, do rio Indus, e em árabe a água é chamada de AB, e
abad raho é uma saudação para prosperidade e abundância (SHIVA, 2006, p. 17).
Mas, também no “Alcorão se diz que a água é a fonte de toda a vida” (PETRELA,
2004) a água tem sido vista como um direito natural, e até divino por muitos povos.
Portanto, é vista como bem natural e universal, e sagrado para além do mercado,
dos interesses de lucro e de usufruto de todos e todas.
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96
Processo Formador em Educação Ambiental a Distância
Como vemos, seja nas religiões e na história, a água é vida, mas diríamos
mais: sem ela, não haveria vida. Tanto é assim que, recentemente, a NASA buscou
indícios de água em planetas e na lua para, a partir disso, perquirir sobre a possível
existência de vida nestes lugares.
O uso da água pelas sociedades: escassez ou quantidade e qualidade no/do uso 7
Na atualidade, a água vem sendo colocada como “a razão maior das guerras
futuras” (PORTO-GONÇALVES, 2006, p. 413), sobretudo em razão da sua possível
escassez. Apesar disso, a falta de água é comum “há muito tempo por parcelas
significativas da população, sobretudo entre os mais pobres” (idem). No Nordeste
brasileiro, por exemplo, as populações pobres são preteridas no uso dos recursos
públicos enviados ou destinados ao combate à seca. Isso porque oligarquias, via
poderes públicos locais, apropriam-se e usam os recursos disponíveis em outras
finalidades, como a construção de açudes em suas propriedades.
Neste contexto, o discurso da escassez e os conflitos que envolvem a água
assumem uma dimensão global, apresentando particularidades em cada local, região
ou conforme os atores envolvidos. Walter Porto-Gonçalves (2006) diz que, mais do
que escassez, o que está ocorrendo é uma “desordem ecológica” (p. 416-417), pois:
A água não pode ser tratada de modo isolado, como a racionalidade instrumental
predominantemente em nossa comunidade cientifica vem tratando, como se fosse
um problema de especialistas. A água tem que ser pensada enquanto território, isto
é, enquanto inscrição da sociedade na natureza, com todas as suas contradições
implicadas no processo de apropriação da natureza pelos homens e mulheres
por meios das relações sociais e de poder. [...] a crise ambiental, vista a partir da
água, também revela o caráter de crise da sociedade, assim como suas formas de
conhecimento (idem, p. 419).
Ao discutir o problema da escassez, o autor afirma que devemos ponderar
criticamente os discursos baseados no malthusianismo8. Isso se manifesta por meio
de argumentos que dizem que a população está aumentando mais do que os alimentos,
mas, agora, poderíamos dizer que a população aumentaria mais do que a água
disponível.
Este trecho foi elaborado a partir das reflexões constantes em capítulo do livro de PortoGonçalves (2006, p. 413-447).
8
Thomas Maltus, no século XIX, argumentava que a produção de alimentos aumentava
em quantidade menor do que a população. Por isso, deveria ser colocado um controle sobre os
pobres que se reproduziam em demasia.
7
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Projeto ambiental escolar comunitário
Diz o Sr. Jerson Kelman – diretor, na época, da Agência Nacional de Água
do Brasil, em 2005 – que, se desde 1950 a “população mundial cresceu três
vezes”, a demanda “por água cresceu seis vezes” (In: PORTO-GONCALVES,
2006, p. 419). No entanto, no Canadá, por exemplo, se a população de
1971 a 1991 cresceu 3%, o consumo de água cresceu 80% (idem). Mas tal
realidade pode ser constatada em outros países desenvolvidos. Segundo
Ricardo Petrela, “um cidadão alemão consome em média nove vezes
mais água do que um cidadão na Índia” (2003, p. 42). Isto evidencia que a
“demanda por água cresce mais do que o crescimento demográfico” (idem,
p. 42). Diz ele: “A urbanização se coloca como um componente importante
dessa maior demanda por água. Um habitante urbano consome em média
três vezes mais água do que um habitante rural, [...] [o uso/gasto de água]
entre os países do primeiro Mundo e os do Terceiro Mundo é extremamente
desigual” (2003, p. 42).
O fato é que as aglomerações urbanas (cidades e regiões industriais) exigem
captação de água de lugares mais distantes, de gasto de energia para sua purificação,
armazenamento e outros fins, até chegar às casas, às indústrias, etc. No mundo, bem
como no interior de cada país, a água é usada de maneira diferente pelos diferentes
setores sociais. Isto é o que vemos no quadro abaixo:
Tabela - Consumo de água no Brasil (em%)
Consumo
Superficial
Subterrânea
AGRÍCOLA
61
38
INDUSTRIAL
18
25
DOMÉSTICO
21
37
(PORTO-GONÇALVES, 2006, p. 423)
O uso da água, em uma série histórica, pode ser apreciado no quadro abaixo:
Tabela - Consumo anual mundial de água (Km3)
Ano/setor
1900
1950
1970
1980
2000*
Agricultura
409
859
1.400
1.730
2.500
Indústria
4
15
38
62
117
Doméstico 4 14294165
Reservatório
Total
-
417
7
66
120
220
895
1.533
1.953
2.092
(PETRELA, 2004, p. 95)
98
Processo Formador em Educação Ambiental a Distância
No entanto, se o uso da água é distribuído dessa maneira, duas questões
emergem dos debates e discussões em torno da escassez da água e da necessidade de
sua preservação e cuidado no consumo. A primeira é que o uso e a responsabilidade
pelo problema da água não é igual para todos, pois, como mostra a tabela, o consumo
é desigual entre setores sociais e econômicos, no qual o uso doméstico e industrial é
bem menor (1/3) do que o setor agrícola utiliza.
Já a segunda questão diz respeito ao fato de que, por meio da produção de
bens a serem vendidos, tanto a indústria quanto a agricultura usam água para obter
lucro,ao contrário do uso doméstico, em que a água é usada pelas pessoas, sem fins
lucrativos. Ainda assim, é preciso admitir a importância e a necessidade desses
dois setores, sobretudo do agrícola, já que nele se produzem alimentos, embora
grande parte da água utilizada nesse setor não seja para consumo da população, mas
sim para exportação, através dos produtos da agricultura destinados a este fim (o
agronegócio).
Quanto ao uso doméstico, este corresponde a 22% da água consumida no
Brasil. Na tabela abaixo, discriminamos em percentuais como este elemento é
utilizado no cotidiano, para que se possa verificar a importância da água em nossas
vidas.
CONSUMO DOMÉSTICO DE ÁGUA POR ATIVIDADE
Atividade
Quantidade (em litros)
Descarga no vaso sanitário tradicional 10 a 16
Minuto no chuveiro 15
Lavar roupa no tanque 150
Lavar as mãos 3a5
Lavar roupa com máquina de lavar
Lavar louça em lava-louça 150
20 a 25
Escovar os dentes com água escorrendo 11
Lavagem do automóvel com mangueira 100
Fonte: Consumo Sustentável - manual de educação (MMA/IDEC).
Diante disso, emerge a seguinte questão para que reflitamos:
Projeto ambiental escolar comunitário
Para refletir
“Deixar a torneira ligada na hora de escovar os dentes. Lavar a calçada
com água corrente. Ou tomar banhos demorados são atitudes simples que
podem acabar com o planeta. A escassez de água no mundo é resultado da
desigualdade social e da falta de manejo e usos sustentáveis dos recursos
naturais. De acordo com Organização das Nações Unidas, a ONU, o
controle do uso da água significa deter poder. As diferenças registradas
entre os países desenvolvidos e os em desenvolvimento mostram que a
crise mundial da água tem ligação direta com pobreza social. O Fundo das
Nações Unidas para a Infância, a Unicef, aponta que menos da metade da
população mundial tem acesso à água potável. A irrigação corresponde a
73% do consumo de água, 21% vai para a indústria e apenas 6% destinase ao consumo doméstico. Um bilhão e 200 milhões de pessoas não têm
acesso a água tratada. Um bilhão e 800 milhões de pessoas não contam
com serviços adequados de saneamento básico. Todos os anos dez
milhões de pessoas morrem por causa de doenças intestinais transmitidas
pela água. As pessoas vivem num mundo em que a água se torna um
desafio cada vez maior. Além do crescimento populacional, a urbanização
e a industrialização também aumentam a busca pelo produto. Se os
governos dos países carentes de água não adotarem medidas urgentes
para estabilizar a população e elevar o nível de água potável, a escassez
de água em pouco tempo vai se transformar em falta de alimentos. E
provavelmente no fim da qualidade de vida e da estabilidade social e
econômica do mundo”.
*Fonte: <50minutos.wordpress.com/.../23/protecao-da-agua/>. Acesso em: 15 de nov. 2009.
Desde os anos 90, países e grandes corporações vêm decidindo políticas e
regulamentações em torno do tema. Em 1994, foi criado o Conselho Mundial da
Água, por iniciativa de países como França, Holanda e Canadá, além da empresa
Suez-Lyonnaise des Eaux (atual Vivendi). No ano de 1996, atribuiu-se como objetivo
“definir uma visão global sobre a água” (PORTO-GONÇALVES, 2006, p. 434) como
parte de uma política mundial sobre este elemento. Nos últimos tempos, o Banco
Mundial tem sido o promotor das políticas do Conselho Mundial da Água, as quais
têm avançado em proposições no sentido da privatização e de parcerias públicoprivadas,a fim de explorar a água como fonte de lucro para algumas empresas9.
Conhecendo as águas do Rio Grande do Sul
Ver BARLOW, Maude. Ouro Azul. Disponível em: <http://www.bluegold-worldwaterwars.
com>. Acesso: 15 de nov. 2009.
9
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100
Processo Formador em Educação Ambiental a Distância
No livro três, na parte da água nacional, você deve ter lido e verificado
que há aspectos sobre o tema e com outras informações. Destacamos daquelas
outros dados ou forma de apresentar o tema para nos centrarmos nas águas do Rio
Grande do Sul. Assim, da totalidade de água doce existente no mundo e, portanto,
passível de uso, o Brasil detém parte considerável. Entretanto, um alerta e fato a
serem ressaltados é que 70% da água estão na Amazônia e, conforme nossas ações
– dos brasileiros, fundamentalmente governos e empresas – desenvolverem-se,
estaremos utilizando tal “recurso”, preservando-o ou dilapidando-o. Na atualidade,
o desmatamento para a criação de gado, de soja e de outras culturas agrícolas;
também, por parte das madeireiras, na sua grande maioria ilegais, são as grandes
responsáveis por colocar em risco tais recursos, bem como em futuro breve a vida
no Brasil e no mundo10.
O Brasil detém 11,6% da água doce superficial do mundo.
Os 70 % da água disponível para uso estão localizados na Região Amazônica.
Os 30% restantes distribuem-se desigualmente pelo País, para atender a 93% da
população.
De toda a água em nosso país, podemos ver no quadro abaixo como ela
está distribuída por regiões. Visualizamos a distribuição dos recursos hídricos, em
percentuais; e a superfície e a população total de cada uma das regiões.
*Fonte: Departamento Águas e Energia Elétrica,1992.
Recentemente, grandes supermercados do centro do país, em decorrência da possível
multa caso vendessem carne produzida nestas regiões. Por causa disso, instituíram a exigência
de certificado de origem das carnes que vendem, para evitar a compra destes produtores, e assim NÃO serem multados pelos órgãos ambientais federais (IBAMA e outros). O desmatamento
na Amazônia, e o combate efetivo com a grilagem ilegal, a exploração de madeira ilegal, a
escravidão, a exploração ilegal de garimpos, muitas destas em áreas de preservação ambiental
foram alguns dos temas debatidos em Copenhague/COP15.
10
Projeto ambiental escolar comunitário
No quadro abaixo, mostramos as bacias hidrográficas. Percebam que o Rio
Grande do Sul está localizado na parte da Região Hidrográfica do Atlântico Sul e
na parte da Região Hidrográfica do Uruguai. Na divisão e/ou localização no mapa
do país, vemos as diferentes bacias.
Fonte: www.mundogeografico.sites.uol.com.br. Acesso: 12 ago. 2010.
Ao sul do mapa podemos ver as duas Regiões Hidrográficas que perpassam
o território do Rio Grande do Sul, Uruguai e Atlântico. A primeira, a Região
Hidrográfica do Uruguai, a oeste do estado, avança para incorporar parte do
território da Argentina e do Uruguai. A segunda, a Região Hidrográfica Atlântico
Sul, inicia ao norte do estado do Paraná, passa por Santa Catarina e incorpora mais
da metade de nosso estado, o Rio Grande do Sul. As cidades polos nas quais se
desenvolve este curso se localizam nessa bacia hidrográfica. No quadro abaixo, na
página da coordenação nacional dos recursos hídricos, podemos ver a referida bacia
em formato separado e com explicações sobre as regiões e áreas que a compõem.
Quadro - Região Hidrográfica Atlântico Sul
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Processo Formador em Educação Ambiental a Distância
A Região Hidrográfica Atlântico Sul tem grande importância para o
País pelo seu desenvolvimento econômico e por abrigar expressiva densidade
demográfica. A Região Hidrográfica Atlântico Sul se inicia ao norte, próximo
à divisa dos estados de São Paulo e Paraná, e se estende até o Arroio Chuí, ao
sul. Possui uma área total de 185.856 km2 (2% do País) e vazão média de 4.129
m³/s (3% da produção hídrica do País). A região abrange porções dos estados
do Paraná (3,6%), Santa Catarina (20,2%) e Rio Grande do Sul (76,2%). Na
Região Hidrográfica Atlântico Sul, predomina rios de pequeno porte que escoam
diretamente para o mar. As exceções mais importantes são os rios Itajaí e
Capivari, em Santa Catarina, que apresentam maior volume de água. Na região
do Rio Grande do Sul ocorrem rios de grande porte como o Taquari-Antas, Jacuí,
Vacacaí e Camaquã, que estão ligados aos sistemas lagunares da Lagoa Mirim
e dos Patos. A região apresenta uma vazão média anual que representa 3% da
produção hídrica do País.
Fonte: <http://www.cnrh.gov.br/>. Acesso em: 12 nov. 2009.
Projeto ambiental escolar comunitário
O Programa Mar de Dentro – RS
O Programa Mar de Dentro (PMD), do governo do estado
do Rio Grande do Sul, acompanha e trabalha junto às águas
internas ao estado. O Programa abrangia 23% do território
gaúcho, o que corresponde a parte da Região Hidrográfica
Atlântico Sul, compreendendo as bacias Camaquã, Litoral
Médio e Mirim - São Gonçalo. Assim, os municípios
polos estão na área de abrangência do PMD, uma região
marcada pelo ecossistema de banhados, Zonas Úmidas.
Sendo, ecologicamente, importantes, pois abrigam “Uma
abundante vida selvagem, como jacarés, colhereiros,
patos, lontras, flamingos e capivaras, espécies vegetais
nativas ameaçadas de extinção, raras e endêmicas, pode
ser vista nos ambientes de banhados” (GOVERNO DO
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, 2000).
Nessa área, encontramos a Laguna dos Patos e a Lagoa Mirim, cujas superfícies
somam 12.620 km2. Ainda, segundo o PMD, a Laguna dos Patos conta com uma
superfície de aproximadamente 9.794 km2 e a Lagoa Mirim de 2.826 km2 (lado
brasileiro). Essa região que abrange as duas lagoas, em particular a Lagoa Miriam,
une as zonas úmidas do Uruguai e do Brasil. Ainda, segundo o PMD:
“Vastos banhados rasos com lagos de diferentes tamanhos estendem-se ao longo da laguna dos Patos
e da lagoa Mirim, adentrando no Uruguai. A oeste da laguna dos Patos encontram-se áreas montanhosas (...). Por outro lado, no litoral atlântico, as dunas de areia marcam profundamente a paisagem. (...)
Cabe destacar o Parque Nacional da Lagoa do Peixe, situado ao leste da laguna dos Patos e a Estação
Ecológica do Taim, localizada a leste da lagoa Mirim, mundialmente conhecidos por sua função como
pontos de pouso, descanso e nidificação de aves migratórias. Ambas, são Unidades de Conservação
Federais, tombadas pela UNESCO como Reservas da Biosfera, de importância fundamental para a
preservação dos ecossistemas locais e para melhoria da qualidade de vida. A Lagoa do Peixe foi registrada na Convenção Ramsar em 1994 (...) A população total atingida pelo Programa Mar de Dentro
fica em torno de 1,1 milhão, distribuído em 50 municípios, cuja maioria está localizada na Metade
Sul do Estado do Rio Grande do Sul. Desses municípios, apenas Pelotas e Rio Grande, localizados no
extremo sul da laguna dos Patos, têm populações de mais de cem mil habitantes. A maior parte dos
outros municípios tem uma densidade populacional mais baixa, de 20-30 pessoas/km2 (...) As atividades rurais predominantes na Região Hidrográfica Litorânea, são a pecuária extensiva e a agricultura,
principalmente a orizicultura, que contribui com cerca de 80% da produção total de arroz no Brasil.
A produção desse cereal na Bacia está crescendo a cada ano, sendo o seu cultivo anual. Tal atividade,
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104
Processo Formador em Educação Ambiental a Distância
realizada sem critérios sociais e ecológicos e sem planejamento ambiental, ocasiona desmatamento,
erosão de solos e contaminação por agrotóxicos na Bacia. A produção de fitoplâncton, indicativo de
eutrofização, é alta próximo às cidades de Porto Alegre e Rio Grande. A concentração de metais pesados observada na laguna dos Patos é especialmente de Cu, Pb, Cr, Mn e As. A poluição por dioxinas
é um fator ainda a ser monitorado e dimensionado pelo Poder Público. A urbanização sem controle e
a industrialização sem critérios ecológicos, muitas vezes, à margem da legislação ambiental vigente,
ocorre em torno da laguna dos Patos e da lagoa Mirim, ameaçando a qualidade ambiental da região.
A inexistência de aterros sanitários para resíduos em geral, o despejo de esgotos domésticos e industriais e de águas superficiais drenadas das áreas urbanizadas e industrializadas agravam a problemática ambiental e social na Bacia. Além disso, a mata nativa em torno da laguna e da lagoa está sendo
rapidamente suprimida devido às atividades rurais. Outrossim, a diminuição da profundidade dos
corpos hídricos e o lodo depositado em seu fundo, sendo resultado principalmente da deposição de
solo oriundo do manejo agrícola inadequado, comprometem substancialmente a qualidade da água.
Soma-se a isso a não aplicação da legislação, tornando a impunidade um incentivo para que tais fontes
de poluição continuem a existir” (GOVERNO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, 2000).
Cabe destacar que, por força
de lei, para cada Bacia Hidrográfica
deve existir um Comitê de Bacias,
com a participação da coletividade,
dos chamados usuários das águas
e do Poder Público, com o objetivo
de fazer a gestão das águas da Bacia.
Entre as funções dos Comitês, estão
a discussão e elaboração de um
planejamento para uso e proteção
das águas. O Conselho Nacional
de Recursos Hídricos (CNRH) e os
Conselhos Estaduais de Recursos
Hídricos são, também, esferas de
deliberação sobre a gestão das águas.
Considerações finais
A primeira questão a considerarmos é que se faz necessário conhecer, ter
acesso às informações e às condições concretas sobre os problemas referentes à
escassez ou ao uso da água e às responsabilidades de cada setor ou grupo social.
Com este objetivo apresentamos dados nas partes anteriores, com o intuito de
contribuir neste sentido.
Projeto ambiental escolar comunitário
Uma segunda questão é ter presente que a água é um elemento natural
indispensável e vital, o qual não deveria ser explorado comercialmente como uma
mercadoria. Além disso, a escassez da água deve ser um tema de enfoque dos
governos, e como a despoluição da água para o uso é muito cara, os setores sociais
e grupos econômicos que mais usufruem disso, deveriam pagar mais. Além disso,
deveriam ter que pagar pela utilização da água dos rios para usos privados, sem
qualquer retorno financeiro para a sociedade ou aos governos.
A terceira questão, sem dúvida, ainda que todos sejamos responsáveis pelo
uso desmesurado e descuidado da água; tal responsabilidade deve ser diferenciada,
pois os grupos, setores e indivíduos são distintos em relação à água e ao seu uso.
Tal diferença se manifesta nos distintos graus de quantidade de uso, de desperdício,
de escassez, de poluição dos rios, de destruição das florestas e dos banhados.
Sendo assim, não se pode colocar todos no mesmo patamar de
responsabilidade. Exemplo disso, seriam os casos de um empresário que joga
dejetos de sua empresa no Rio dos Sinos e um arrozeiro que coloca comportas
para controlar a água de lagoas ou de rios para suas plantações, o que causa falta
de água ou problemas de abastecimento na cidade. Outro caso exemplar seria de
alguém que joga veneno nos rios e lagoas, matando peixes, envenenando vidas de
animais e plantas, sem qualquer preocupação com suas ações.
Uma quarta questão diz respeito ao fato de que devemos conhecer e
acompanhar a construção das políticas públicas relativas às águas no estado do RS
e em cada bacia hidrográfica, bem como participar de campanhas educativas. Além
disso, precisamos saber quem são os representantes para fiscalizar as ações destes
bem como suas deliberações. Destaca-se o trabalho de algumas ONGs ecológicas,
as quais realizam ações e campanhas pela proteção das águas, como é o caso do
Movimento Lagoa Limpa, organizado por diversas instituições, entre elas a ONG
CEA.
Informe-se se sobre o Comitê de Bacias e sobre as
condições do rio que banha o seu município. Acompanhe
as reuniões e as deliberações.
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Processo Formador em Educação Ambiental a Distância
Finalmente, devemos identificar a realidade do tema da água em nossa
região e cidade, com os colegas de escola, da Universidade ou com vizinhos, além
de pensar ações no nível micro (individual e em casa), mas também, no nível
macro, na escola, na cidade e no mundo. Podemos pensar soluções e sugestões para
a região, pelo menos discutir e divulgar a situação das águas em nossa cidade e
região e ações que podem ser feitas. Para dar o exemplo, pode-se realizar uma ação
prática – para além da divulgação e das sugestões – individual e coletiva do grupo,
junto a um problema concreto relacionado à água em nossa cidade e/ou bairro, rio,
sanga etc.
Em suma, neste trabalho, foram apresentadas contribuições, a fim de que se
perceba que, neste processo de reflexões e ações, se há falta de água ou apropriação
desigual desta é porque alguém, consequentemente, está se apropriando
indevidamente em detrimento de outros. Tal constatação é necessária já que são
diferentes os benefícios ou prejuízos advindos desta realidade sobre os diferentes
grupos e classes em nossa sociedade.
REFERÊNCIAS
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Processo Formador em Educação Ambiental a Distância
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2010.
Projeto ambiental
escolar
comunitário
O REFLEXO
DOS
DISCURSOS ACERCA DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS
Dinair Velleda Teixeira1
Este texto aborda as mudanças climáticas através do discurso da mídia. Para isso, toma-se como referência o resultado da pesquisa2 de dissertação de mestrado A ética no discurso do jornal Zero Hora
sobre as mudanças climáticas, com a finalidade de refletir e contextualizar o assunto do global para
o local, no ano de 2007, período do apogeu do tema na mídia. Pontua as implicações desse fenômeno na vida das pessoas, nas cidades e no mundo, bem como aponta a educação ambiental como um
possível caminho a ser trilhado na busca de uma melhor convivência entre as naturezas, humana e
não humana.
Palavras chaves: Educação Ambiental, Mídia, Mudanças Climáticas
N
o período feudal, tinha-se um padrão de ocupação da sociedade baseado na
agricultura. A partir do uso dos combustíveis fósseis (carvão e petróleo),
surgiram a indústria e o transporte pesado, o que favoreceu o crescimento
do número de pessoas nas áreas urbanas. Com isso e em função da concentração de
pessoas em determinadas áreas urbanizadas, instauram-se também os centros de informação, como universidades, bancos de dados e veículos de comunicação. Assim,
o padrão de vida da sociedade é alterado, motivado pelo crescente acesso à informação e à tecnologia. Desse modo, a produção e o consumo aumentam, as terras e florestas são convertidas em mercadorias para atender à intensificação dessa demanda.
Esse processo foi baseado na exploração do trabalho humano e no alto
consumo de matérias-primas e fontes de energia não renováveis, cujos resíduos
poluentes, gerados ao longo do processo produtivo, contaminam o ar, o solo e
as águas numa velocidade sem precedentes. Essa intensa exploração da natureza
é provocada por um conjunto de crenças, valores e atitudes em relação ao meio
ambiente, em que os recursos naturais são tomados como inesgotáveis e à disposição
da sociedade de forma irrestrita para satisfazer as ambições e os desejos humanos.
Esse paradigma deriva da concepção de que o ser humano e a natureza
são distintos, coloca-se a espécie humana em uma posição de superioridade e
domínio em relação aos demais seres vivos e elementos da natureza. Essa relação
de desrespeito, exploração e dominação do ser humano foi fator preponderante para
Publicitária, Especialista em Marketing, Mestre em Educação Ambiental - PPGEA/FURG.
Pós-Graduação em Educomunicação – IFSul Pelotas (em andamento).
2
A pesquisa na íntegra encontra-se na dissertação de mestrado defendida pela autora
deste artigo, concluída em novembro de 2008a, com o título: A ética no discurso do jornal Zero
Hora sobre as mudanças climáticas. Rio Grande: FURG/PPGEA, 2008.
1
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Processo Formador em Educação Ambiental a Distância
o desencadeamento da crise socioambiental. A referida crise acentua a disparidade
entre ricos e pobres, o que ocasiona problemas de toda ordem, como fome e doenças
das mais diversas. Afeta, também, a educação e intensifica as relações de poder,
além de estar esgotando os bens naturais.
Somente em meados do século XX, a partir de 1970, com o crescente enfoque
da mídia em assuntos relacionados às questões ambientais, como aquecimento
global (1990), organismos transgênicos, perda da biodiversidade, massificação
cultural, a questão urbana, entre outros, diferentes atores sociais começaram a
perceber a extensão da crise que hoje se enfrenta.
1.
AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS NA MÍDIA
A Agência de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI) coordenou uma
pesquisa3 que analisou o tratamento editorial dispensado em 50 jornais diários
brasileiros ao debate sobre as mudanças climáticas no período de julho de 2005
a junho de 2007. O estudo analisou, nesse período, 997 amostras, entre editoriais,
artigos, colunas e entrevistas e constatou que, a partir do último trimestre de 2006,
as redações desses jornais começaram a dedicar um espaço mais expressivo de suas
páginas ao debate sobre as mudanças climáticas. Nos primeiros cinco trimestres da
análise, foi identificado um texto publicado pelos jornais a cada cinco dias. Essa
média cresceu para uma matéria a cada dois dias nos últimos três trimestres.
É evidente que a incerteza do clima é preocupante, mas, até que ponto se tem
a dimensão do imaginário construído em torno dessas catástrofes? Qual a relação
entre essas representações midiáticas e outros campos?
Existem muitos questionamentos em torno dessas questões, assim como são
muitos os discursos a respeito dessas mudanças, de modo que interesses diversos
permeiam esses dizeres. Cada campo – midiático, científico, filosófico, religioso,
estético, econômico, social, político etc. – tem sua visão a respeito do tema e busca
seu espaço de visibilidade e legitimidade sobre o assunto, entretanto, o campo
midiático é o que representa todos os campos.
Para Fausto Neto (2004)4, é nesse aspecto que se encontra o poder da mídia,
ou seja, na sua capacidade de articular discursos de outros campos. Cada campo
social traz consigo seu modo de ser, que requer formas de comunicabilidade distintas
umas das outras, como, por exemplo, o campo da ciência, que busca demonstrar
a consistência daquilo que ela crê. Já o campo midiático discursa sobre todos os
campos. Nesse contexto, é importante a compreensão do papel dos processos
Disponível em <http://observatoriodaimprensa.com.br>.
Apontamentos obtidos na disciplina de Mídia e Sociedade do PPGCOM da UNISINOS,
cursada em regime de aluno não regular.
3
4
Projeto ambiental escolar comunitário
midiáticos, isto é, da mídia como mediadora na construção dos vínculos sociais e
dos processos de produção de sentido, bem como da construção da realidade social
e, portanto, do imaginário em torno das catástrofes ambientais.
O resumo da pesquisa coordenada pela ANDI diz que os resultados dessa
“radiografia” da cobertura podem contribuir diretamente para avanços mais pujantes
na estratégia até hoje conduzida pelos veículos para tratar do tema. Ao mesmo
tempo, os resultados são relevantes para que as fontes de informação aprimorem o
seu diálogo com os meios em relação a essa discussão. Discorrer sobre os problemas
ambientais exige domínio da linguagem científica e conhecimento histórico, dessa
forma, é possível uma análise condizente com a realidade presente e futura.
Entretanto, os jornais, em geral, ao abordarem o tema, “mudanças
climáticas”, tomam a parte pelo todo, conforme mostra o gráfico cinco da pesquisa5.
Os jornais apresentam mais a expressão “aquecimento global” (um tipo de mudança
climática), do que a expressão “mudança climática” (que inclui o aquecimento
global, mas também outros tipos de alterações no clima). Assim, é necessário,
também, o desenvolvimento de uma consciência ética por parte do jornalista, pois
é este quem faz a mediação da ciência, do governo, das demais organizações e da
sociedade.
A problemática que deveria ser abordada em relação às mudanças
climáticas é a velocidade com que estas estão acontecendo, assim como avaliar o
quanto a natureza tem condição ou não de adaptar-se a essas mudanças. Está sendo
considerado aqui, é claro, a natureza humana e não humana. No entanto, devemos
buscar mais do que uma adaptação: outro modelo de sociedade. O paradigma de
que o ambiente e as riquezas naturais são inesgotáveis e estão aí para serem usados
indiscriminadamente pela humanidade deve ser quebrado.
De uma forma geral, é apontada a ação humana como fator preponderante
para as mudanças climáticas, em contrapartida, é abordada superficialmente a ação
das indústrias, as maiores responsáveis por esse contexto. Tal recurso é utilizado
como forma de preservar a imagem dessas empresas, uma vez que, muitas delas,
são também as maiores anunciantes dos jornais, quando o jornal não é acionista
destas.
Nesse sentido, as informações são disponiblizadas de forma reducionista,
não mostram as causas que geram os problemas ambientais na sua complexidade.
Existe a necessidade de uma abordagem do assunto com mais rigor científico,
sobretudo, considerando que, em um país como o Brasil, em que a educação formal
tem se descuidado, por exemplo, do ensino de Ciências6, os meios de comunicação
Ver gráfico 5 da pesquisa coordenada pela ANDI (Gráfico 1, neste artigo).
A posição do Brasil é baixa no ensino de Ciências, conforme o Programa Internacional
de Avaliação de Alunos (PISA) de 2010, elaborado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Disponível em: <http://www.inep.gov.br.>.
5
6
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Processo Formador em Educação Ambiental a Distância
desempenham um papel fundamental no processo de alfabetização científica. Desse
modo, o jornalismo é um dos caminhos e, às vezes, o único meio capaz de levar ao
cidadão o conhecimento das novas descobertas da ciência ou de assuntos científicos
em geral.
Historicamente, conforme Kandel (2002), os primeiros programas nacionais
de pesquisa sobre mudanças climáticas se desenvolveram por volta de 1975. A
primeira Conferência Mundial sobre o clima foi estruturada pela Organização
Meteorológica Mundial (OMM), em Genebra, em 1979. Foram tratadas ali,
questões científicas sobre o reforço antrópico do efeito estufa, as consequências
de um reaquecimento para a sociedade em diversas áreas, como agricultura,
reflorestamento, saúde e, finalmente, as questões de desenvolvimento, que poderiam
mostrar-se relevantes para o esforço de reduzir esses riscos.
Desde então, o interesse e a visibilidade do assunto só têm aumentado,
passando inclusive a ser valor-notícia7 para grande parte dos jornais brasileiros,
conforme mostra a pesquisa coordenada pela ANDI. Mas por que esse tema se
transformou em notícia? No dizer de Traquina: que valores estão contidos nesses
acontecimentos para serem considerados notícia pela mídia? Traquina (apud
VELLEDA TEIXEIRA, 2008a; 2008b) diz: “existem ‘qualidades duradouras’
do que é notícia ao longo do tempo: o insólito, o extraordinário, o catastrófico, a
guerra, a violência, a morte, a celebridade, mas que estas não são imutáveis” (p.27).
A partir dessa colocação, pode-se entender a visibilidade que a mídia tem
dispensado ao tema mudanças climáticas e aos eventos ocasionados por estas. Esse
assunto contempla praticamente todos os requisitos de um valor-notícia.
É importante entender também quais são os valores contidos em determinados
acontecimentos que podem levá-los a ser notícia. Identificam-se nas matérias8 do
jornal Zero Hora, conforme categorias apresentadas por Traquina (apud VELLEDA
TEIXEIRA, 2008a, p. 77), valores-notícia de seleção e de construção. O valornotícia de seleção se refere aos critérios que os jornalistas utilizam na seleção dos
acontecimentos, isto é, na decisão de escolher um acontecimento como candidato a
sua transformação em notícia e esquecer de outro fato.
O valor-notícia de construção sugere o que deve ser realçado, o que deve ser
omitido e o que deve ser prioritário na construção do acontecimento como notícia.
Esses valores podem ser identificados nas matérias do jornal através do foco das
Originalmente desenvolvida por dois pesquisadores noruegueses, Johan Galtung e
Mari Ruge (1965), a teoria dos valores-notícia busca explicar por que alguns temas se transformam em notícia e outros não. Posto de outra forma, isso significa analisar quais são os valores
contidos em determinado acontecimento que podem levá-lo a “galgar o degrau” que o torne
“digno” de ser considerado como uma notícia pelas empresas jornalísticas.
8
Notícias no jornal Zero Hora, que integraram o corpus do trabalho de pesquisa (VELLEDA TEIXEIRA, 2008a).
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Projeto ambiental escolar comunitário
chamadas e do emprego de formas simbólicas9 expressas através de palavras fortes:
“morte”, “extinção”, “abismo” e símbolos: Floresta Amazônica e Torre Eiffel.
Todas essas formas, por carregarem grande valor simbólico, imediatamente captam
a atenção do destinatário e dão a tônica das matérias.
A partir dos valores-notícia de seleção e construção, alguns fatos são
omitidos e outros realçados. Esse padrão jornalístico tem também como objetivo
instaurar o consenso. A esfera de consenso é a região em que se encontram os valores
consensuais da sociedade conforme Traquina (apud VELLEDA TEIXEIRA, 2008a;
2008b). Traquina diz que, dentro dessa esfera, a mídia tem um papel essencialmente
conservador e legitimador, porque os jornalistas não se sentem compelidos a
apresentar pontos de vista opostos.
Para Kovach e Rosenstiel (2004), essa é uma questão essencialmente de
independência. Os jornalistas devem buscar a independência em relação àqueles
a quem cobrem, em vez de neutralidade, uma vez que nenhum jornal – nenhum
jornalista, tampouco – é neutro. O máximo que se pode fazer, segundo eles, é
caminhar na direção da neutralidade, já a independência é mais palpável e concreta.
Em relação ao estilo fatalista e sensacionalista presente no discurso dos
jornais analisados, pode-se dizer que reflete a imagem da “imprensa amarela”,
expressão surgida nos Estados Unidos em fins do século XIX, fase que marcou
também as bases do jornalismo moderno, através de manchetes garrafais e
ilustrações em amarelo, para chamar a atenção do destinatário. Os primórdios das
histórias em quadrinhos estão, assim, vinculados também às origens do jornalismo
sensacionalista. No Brasil, é mais conhecida como “imprensa marrom”.
Esse estilo pode ser identificado, entre outros aspectos, através do apelo
sensacionalista refletido no emprego da força dos termos, expressões e imagens,
que guardam grande simbologia. Adotar o estilo da “imprensa marrom” é só mais
uma estratégia para chamar a atenção do leitor, com objetivo comercial.
Esse estilo de fazer jornalismo é reafirmado nas palavras de Machado da
Silva (2003) ao dizer que o jornalismo, hoje, incorpora, cada vez mais, os elementos
da narrativa dramática, como se fosse uma ficção, uma novela, uma intriga, com
personagens, tensão crescente, trama, desfecho, oposição marcada de papéis (bem
e mal), simulação de contradições para dar profundidade psicológica aparente aos
personagens.
Machado da Silva (2003) levanta também a questão da técnica. Em princípio,
diz ele, a mídia (entretenimento) e jornalismo (informação) eram coisas diferentes.
Agora, a técnica da mídia engoliu a técnica jornalística. Mas o que isso significa?
São construções significativas que exigem uma interpretação; elas são ações, falas, textos que, por serem construções significativas, podem ser compreendidas (THOMPSON, 1995).
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Processo Formador em Educação Ambiental a Distância
Ele explica: “É exato que há informação na mídia. Mas a verdade é que o espetáculo
predomina e impõe a sua técnica, a sua forma de narrar o que acontece, a sua visão
do acontecimento” (p.108).
Nessa argumentação, Silva levanta a questão do jornalismo espetáculo
(DEBORD) através do acontecimento, levando ao não acontecimento. “Passa-se da
ação à contemplação, da descrição à dramatização, da apresentação à construção de
uma narrativa que repõe os fatos numa ordem e numa discursividade adequadas ao
efeito jornalístico” (SILVA, 2003, p.105).
No jornalismo espetáculo, as imagens, que ocupavam um papel secundário
no fabrico da imprensa escrita, foram potencializadas, a ponto de se operar uma
verdadeira inversão, em que a publicação da foto se dá não por sua importância em
um determinado contexto, mas pelo simples estado “espetacular” da imagem ali
contida. Esse processo leva a compreender a lógica fragmentária do pós-modernismo
presente no jornalismo contemporâneo e a consequente espetacularização da notícia,
a qual se vale cada vez mais do discurso publicitário, que “atua como instrumento
de sedução a serviço de objetivos de unificação mental e comportamental” (SILVA,
2003, p.69).
Por meio dessa técnica, o jornalismo se apropria da estética publicitária para
construir a notícia, “principal tecnologia contemporânea do imaginário, seduz para
persuadir, brinca para convencer, entra no jogo do receptor para tentar neutralizálo” (p.69) e, assim, produz sua versão dos fatos, para garantir audiência e venda e
manter-se viva, frente a várias mídias que disputam o leitor/consumidor.
GRÁFICO 1 – Gráfico 5 da pesquisa coordenada pela ANDI –
Agência de Notícias dos
Direitos da Infância
2.
MUDANÇAS CLIMÁTICAS ATRAVÉS DE ESPECIALISTAS
Projeto ambiental escolar comunitário
O Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima – IPCC (sigla da
denominação em inglês), criado, em 1988, pela Organização Meteorológica Mundial
(OMM) e pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA),
desde 2002, é presidido por Rajendra Pachauri. Além disso, trata-se de um evento
científico realizado uma vez por ano, para avaliar informações científicas, técnicas
e socioeconômicas sobre as mudanças do clima e sua influência na população
humana. Os cientistas que participam do IPCC representam instituições científicas,
universidades públicas e privadas, associações profissionais, ONGs, órgãos do
governo e do setor público e privado, além de consultores. O maior volume de
publicações científicas provém de países industrializados, por possuírem maiores
orçamentos para desenvolver estudos do clima.
Esses estudos têm a participação de pesquisadores das áreas de clima,
meteorologia, hidrometeorologia, biologia e ciências afins, juntos discutem as
evidências científicas e os resultados de modelos, com o objetivo de chegar a um
consenso sobre as tendências mais recentes em mudança de clima. Os três grupos
de trabalho (GT) produziram relatórios intitulados: “As bases científicas” (GT1);
“Impactos, adaptação e vulnerabilidade” (GT2); e “Aquecimento global” (GT3).
Os relatórios dos GTs constituem uma avaliação do estado da arte em pesquisas de
clima, de detecção de mudanças climáticas, de atribuição de causas físicas, assim
como, sobre incertezas das previsões para os diferentes cenários climáticos (IPCC,
2007).
Tais relatórios técnicos são disponibilizados para o mundo todo, em inglês,
francês e espanhol, para o uso da comunidade científica, do público em geral e, em
especial, para políticos e tomadores de decisões, que precisam receber informação
de forma compreensível.
Conforme dados do IPCC10,
Em meados da década de 1990, quando foi publicado o primeiro relatório,
muitos cientistas pensaram que já tinham fornecido os fatos mais
relevantes sobre as mudanças de clima para os políticos e tomadores
de decisões. Porém, com as dificuldades na ratificação do protocolo de
Kyoto, o problema de adaptação foi mais aparente, talvez ainda mais que a
mitigação. Assim, com o desenvolvimento de novos métodos estatísticos,
para separar sinais de influência de variabilidade climática natural da
antropogênica, as novas tecnologias em satélites e supercomputadores, o
desenvolvimento de modelos acoplados que incluem mais realisticamente
as interações da vegetação e carbono com a baixa atmosfera, e com
10
Disponível em <http://www.ipcc.ch/pdf/ipcc-faq/ipcc-introduction-sp.pdf>.
115
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Processo Formador em Educação Ambiental a Distância
uma resolução espacial maior, pode-se ajudar a reduzir as incertezas nas
previsões climáticas para cenários do clima nos anos por vir (IPCC, 2007,
s/p).
O Segundo Relatório Científico (SAR) sobre as Mudanças Climáticas,
publicado em 1995 (IPCC, 1996a, b), forneceu as bases para as negociações que
levaram à adoção do Protocolo de Kyoto, em 1997.
O Terceiro Relatório Científico (TAR), publicado em 2001, informa que
“Existem novas e fortes evidências de que a maior parte do aquecimento observado
durante os últimos 50 anos é atribuída às atividades humanas” (IPCC, 2001a), o
que já é de conhecimento público, pois tem sido anunciado em jornais e revistas
científicas e pela imprensa mundial.
O Quarto Relatório Científico foi publicado pelo IPCC em 2007.
Esse relatório, realizado em três etapas11 pelos GTs. Os resultados do estudo,
desenvolvido ao longo destes últimos seis anos, período entre o terceiro e quarto
relatório, consideram, com 90% de certeza, que as ações humanas contribuem para
as mudanças climáticas do planeta. Eles confirmam que o aquecimento do planeta
é “inequívoco” e que se torna evidente, com os aumentos observados na média
geral de temperatura do ar e dos oceanos, o derretimento das geleiras e o aumento
no nível dos oceanos. Também afirmam a maior ocorrência já observada de
fenômenos como mudanças nas temperaturas do Ártico, nos níveis de precipitação,
na salinidade dos oceanos e nos padrões de ventos, bem como maior frequência de
secas, precipitações intensas, ondas de calor e ciclones tropicais (IPCC, 2007, p.
2-6).
Conforme citado acima, o estudo do IPCC procura calcular a probabilidade
de ocorrência de algumas alterações no clima da Terra em função do aquecimento
global, assim como o grau de contribuição da atividade humana para essas
tendências. A ocorrência de dias e noites mais quentes e/ou mais frios na maior
parte das áreas terrestres, e maior frequência de dias e noites quentes é considerada
“praticamente certa” (99%) ao longo do século XXI. O aumento na incidência de
ondas de calor e tempestades é considerado “muito provável” (90%). Já os aumentos
nas áreas afetadas por secas, na atividade de ciclones tropicais e o aumento extremo
no nível do mar (com exceção de tsunamis) são tidos como “prováveis” (66%). E
a contribuição da atividade humana para a ocorrência de dias e noites mais quentes
é “provável”, enquanto para as demais alterações é considerada “mais provável do
que não provável” (p. 7).
Para Odum e Odum (2001, p. 14), o relatório diz que as mudanças nos
11
Vide quadro 1, com a data das reuniões IPCC e o tema tratado.
117
Projeto ambiental escolar comunitário
padrões de vento e precipitação, associadas ao derretimento das geleiras, devem trazer
o desaparecimento do continente ártico antes do final do século e uma provável maior
incidência de ciclones tropicais (tufões e furacões) mais intensos (p. 8-12). Um último
resultado destacado pelo relatório do IPCC (2007) é a perspectiva de que, mesmo
que a concentração de gases-estufa na atmosfera fosse estabilizada, os efeitos do
aquecimento global, como a ocorrência de maiores temperaturas e o aumento no nível
do mar, continuariam presentes durante séculos. A diminuição na camada de gelo da
Groenlândia, por exemplo, deve continuar contribuindo para o aumento no nível do
mar até depois do ano 2100. Na hipótese de derretimento total do gelo dessa ilha
pertencente à Dinamarca, a contribuição para o aumento no nível do mar seria de sete
metros (p. 12-13).
No quadro abaixo, se pode ver os dias das reuniões de trabalho do IPCC e os temas
tratados em cada uma.
QUADRO 1 – Reuniões IPCC por Grupo de Trabalho
Dia da Reunião IPCC GT1 2/2/2007
Local da Reunião
Paris
Tema tratado
Bases científicas
da mudança climática
GT2
6/4/2007
Bruxelas
Os impactos da mudança
climática e vulnerabilidade da
Terra a esses impactos
GT3 4/5/2007
Tailândia
Aquecimento global
Fonte: Elaboração da autora
Em Odum e Odum (2001), buscou-se também um entendimento sobre o
assunto, sobretudo na forma como esse fenômeno vem se manifestando ao longo dos
anos. Os autores dizem que o final do século XX mostra registros oscilantes do CO2
(dióxido de carbono no ar); o nível de concentração cai no verão, quando o dióxido de
carbono é absorvido pela fotossíntese dos vegetais, e aumenta no inverno, quando há
demanda respiratória e maior consumo pelas indústrias.
118
Processo Formador em Educação Ambiental a Distância
Porém, continuam os autores, a cada ano, o dióxido de carbono aumenta em
proporção a sua baixa, em virtude do excesso de consumo de combustíveis fósseis
e da devastação das florestas. O dióxido de carbono na atmosfera se elevou de 290
a 367 partículas por milhão desde o início do século passado. Eles dizem ainda que
o dióxido de carbono lembra a vidraça de uma estufa ardendo em calor, e que a
imprensa assume como fato que o calor dessa estufa está aumentando rapidamente
a temperatura da Terra e o nível do mar. Entretanto, afirmam que a temperatura
registrada para toda a atmosfera observada do espaço não mostrou muito aumento.
Dados disponíveis sobre temperatura desde 1760 sugerem que a temperatura
da terra varia especialmente com a atividade dentro da área de abrangência
do sol, a fonte da maior parte do calor da terra. O nível do mar cresceu
apenas algumas polegadas, e maior parte desse crescimento ocorreu no
século anterior ao século em que os níveis de dióxido de carbono cresceram
em grande proporção. J. Oerlemans (1994) apresentou o derretimento
de sete geleiras no início do século XX, porém os gráficos mostram que
tal evento cessou em 1974. A partir de 2000, a Baía Glacial, no Alaska,
suspendeu o derretimento. O nível do gelo está baixando, porém isso não
afeta o nível do mar (ODUM; ODUM, 2001, p.14).
Para Odum e Odum (p. 14), o que acontece com o aquecimento de efeito
estufa proveniente do crescente dióxido de carbono é que, quando a temperatura
do mar tropical se eleva, uma quantidade maior de água se evapora, transformando
em vapor a energia retida do calor. Mais tarde, essa energia proveniente do vapor
de água provoca grandes tempestades que devolvem a água na forma de chuva e
neve, enquanto liberam o calor ao topo da atmosfera, e esse calor se dilui no espaço.
Grandes tempestades também causam longos períodos de seca no seu interstício.
Ainda trazem na página 14, os dados obtidos das estações de medição de
temperatura na superfície terrestre, que evidenciam um sutil aumento na temperatura
do ar, estes podem estar relacionados aos longos períodos de estiagem e céu claro. Os
mares levemente aquecidos e com mais precipitações tendem a derreter o seu gelo e
as partes rasas de suas geleiras, enquanto acrescentam mais neve e gelo ao topo das
geleiras.
Para o pesquisador José Marengo12 (2008), do CPTEC/INPE, durante a
apresentação sobre as conclusões do quarto relatório do IPCC, “O aquecimento [do
planeta] é um processo natural que já aconteceu antes, mas tem sido acelerado pelas
atividades humanas” (s/p).
Pesquisador José Marengo, do CPTEC/INPE, durante a apresentação sobre as conclusões
do 4º relatório do IPCC. Disponível em: <http://www.sbmet.org.br/noticias_mclimaticas/>.
12
Projeto ambiental escolar comunitário
Nesse sentido, e com o objetivo de mudar a conduta das sociedades humanas
e os padrões de consumo, cientistas de vários países apontam soluções, a fim de
que as nações criem as possibilidades necessárias para intervenções adequadas. Tal
posicionamento impõe limites às emissões dos países industrializados, incentivos à
limitação nos países em desenvolvimento e apoio à geração de energia limpa.
3.
MUDANÇAS CLIMÁTICAS NO MUNDO, NAS CIDADES E NA VIDA DAS PESSOAS
O agravamento da crise ambiental mundial e ocorrências como: a falta de
água adequada para o consumo, a mortandade de animais e plantas, a contaminação
da terra, da água e do ar, os desastres naturais e o crescente processo de urbanização
dos grandes centros, aliados à grande pressão imobiliária sobre as áreas rurais,
têm afetado os cidadãos diariamente. Além de ajudar a evidenciar a realidade e a
contribuir para que a população desperte para questões ligadas aos problemas
ambientais. Assunto que, até pouco tempo, parecia distante da vida das pessoas.
Entretanto, a mídia, ao trazer esse tema para pauta diária de suas redações, trouxe,
também, relevância e visibilidade ao assunto.
No Brasil, a mudança do clima e as vulnerabilidades existentes implicam
um aumento na frequência de secas e enchentes, o que causa impacto na agricultura
e na biodiversidade; mudança no regime hidrológico e na estabilidade de encostas;
vulnerabilidade de zonas costeiras com a elevação do nível do mar, principalmente,
em grande regiões metropolitanas litorâneas, como Rio de Janeiro, Salvador e Recife.
Vários extremos de clima foram observados nos últimos cinco anos, como
seca no Sul (2004-2006), ciclone Catarina (2004), seca na Amazônia (2005), chuvas
intensas e enchentes ocorridas no Sudeste e Sul do Brasil, em especial, os eventos
recentes de chuvas intensas e inundações em Santa Catarina, que causaram a morte
de pelo menos 120 pessoas e perdas econômicas da ordem de centenas de milhões
de dólares. Esses acontecimentos levantaram enorme interesse sobre o tema e
questionamentos sobre o real conhecimento a respeito das mudanças climáticas e
mecanismos que possam dar origem às mudanças na frequência e intensidade de
eventos extremos de clima.
Como a economia brasileira é fortemente baseada em recursos naturais,
diretamente dependentes do clima, a sustentabilidade do desenvolvimento do Brasil
está fortemente relacionada a essas mudanças e a adaptablidade a elas, sendo que
os mais pobres tem menor capacidade de adaptar-se e são os mais vulneráveis13.
As mudanças climáticas já estão afetando os sistemas físicos e biológicos, como
Disponível em: <http://www.sbmet.org.br/userfiles/Proposta_III_Simposio_Climatologia.pdf>.
13
119
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Processo Formador em Educação Ambiental a Distância
exemplo, a Amazônia e o semiárido com secas e o sudeste do Brasil com enchentes.
4.
CONTEXTO SÓCIO-HISTÓRICO MUNDIAL, NO APOGEU DOS DEBATES SOBRE
AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS.
Conforme o site Observatório da Imprensa14, o fato de a imprensa brasileira
ter despertado para o tema mudanças climáticas em tempos diferentes do histórico
trilhado pela mídia internacional, não nos permite afirmar que os veículos dos países
desenvolvidos não tenham influenciado, até mesmo decisivamente, no despertar da
cobertura brasileira. Vejamos com mais detalhes o que ocorria no mundo nesse período.
Em 2007, ano em que ocorreram as três reuniões dos GTs, também aconteceram
os debates sobre o aquecimento global nos EUA, estes os maiores emissores dos
gases que provocam o efeito estufa. Esse fato reacendeu a polêmica de um momento
histórico sobre um tema que Bush faz questão de ignorar, o corte das emissões de gases,
negando-se a reduzir a produção industrial. Em 2001, Bush retirou os Estados Unidos do
Protocolo de Kyoto – o tratado internacional firmado em 1997 para negociar esses cortes
–, alegando que não poderia comprometer o crescimento econômico da nação.
Sob outro aspecto, o mundo vivia a expectativa da divulgação dos vencedores
do Oscar. Pouco depois da divulgação do Relatório, é anunciada a premiação do exvice-presidente dos Estados Unidos, Al Gore, na categoria de melhor filme de longa
metragem, pelo documentário intitulado Uma verdade inconveniente, abordando o tema
mudanças climáticas, em que o ícone forte é um urso polar equilibrando-se sobre uma
placa de gelo. Ainda em 2007, o Prêmio Nobel da Paz é concedido ao IPCC e ao ex-vicepresidente Al Gore.
Discutia-se, também, o problema das viagens aéreas, responsáveis também pelas
emissões de gases causadores do efeito estufa. Além disso, destaca-se, nesse período, o
segundo aniversário do Protocolo de Kyoto, comemorado em 16 de fevereiro de 2007,
logo após o lançamento do primeiro Relatório, reafirmando positivamente um tema que,
no momento, o mundo inteiro discute: as mudanças climáticas. Nessa época, os olhares
estrangeiros estavam voltados para investimentos em biodiesel no Brasil, uma vez que a
mídia noticiava que a intenção brasileira era investir US$ 15 bilhões para a construção
de 77 novas usinas de etanol até 2013.
Podem-se salientar, também, outros fatos importantes acontecendo paralelos à
divulgação do Relatório IPCC, assim como a opinião de órgãos representativos nesse
contexto, como: o WWF15 – Brasil, que considerou o lançamento do Relatório do IPCC
pelo Governo Federal como um marco importante, pois posiciona o Brasil entre as
Disponível em: <http://observatoriodaimprensa.com.br>.
Organização nacional que integra a Rede WWF (World Wildlife Fund), uma das maiores organizações de conservação da natureza no mundo.
14
15
Projeto ambiental escolar comunitário
nações que desejam fazer a diferença quando se trata de melhorar a qualidade da
vida no planeta. Por fim, concluiu que,
“para um país como o nosso, que possui uma rica biodiversidade, é
fundamental saber onde os efeitos do aquecimento global serão sentidos,
para minimizar os impactos e organizar a sociedade, a fim de que possa
lidar melhor com essas questões”16 (AMBIENTALLIS, 2007).
Segundo Carlos Minc (2007), na época Ministro do Meio Ambiente, e
Secretário Estadual do Ambiente do Estado do Rio de Janeiro, o alerta vermelho sobre
o aquecimento global foi dado na reunião de Paris; no Brasil, mais especificamente
no Rio de Janeiro, foi dado o sinal verde para o desenvolvimento sustentável.
Foi criada, junto à Secretaria de Agricultura, a Secretaria do Ambiente e a
Superintendência de Mudanças Climáticas, Créditos de Carbono e Biodiversidade
para elaborar um balanço de emissões atmosféricas e um plano de reduções dos gasesestufa, a fim de cumprir a lei da progressiva eliminação de queimadas, inclusive de
cana-de-açúcar. Junto à Secretaria de Transportes, acelerou-se a expansão dos trens
metropolitanos e de redes ferroviárias e a conversão dos ônibus para gás natural.
Entretanto, no Brasil, os gases das queimadas oriundos do desmatamento
são responsáveis por 75% de todas as emissões nacionais, o que torna o país o
quarto maior poluidor do planeta, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, China
e Indonésia. Assim como o setor pecuário é apontado como um dos principais
responsáveis pela amplificação do efeito estufa e aquecimento global, decorrentes
do N2O (óxido nitroso) produzido pelo esterco e o CH4 (metano) produzido pelo
arroto dos animais. Considerando-se que uma rês pode produzir até 500 litros de
metano em apenas um dia, e o Brasil possui em torno de 200 milhões de cabeças de
gado, é fácil estimar os danos ambientais.
Nesse período, foi divulgado, também, o novo Código de Ética dos
jornalistas brasileiros, aprovado na plenária do congresso nacional extraordinário,
realizada em 5 de agosto de 2007. O novo Código17 tem como objetivo definir as
normas de relação dos jornalistas com a comunidade, com as fontes de informação
e com seus pares. O novo texto substitui o Código que havia sido adotado em 1985,
antes, portanto, da promulgação da Constituição de 1988. Além das adaptações à
nova Carta, o novo Código acolhe inovações decorrentes das novas tecnologias da
comunicação. Outra novidade foi a adoção da Cláusula de Consciência, tradicional
em países como a França.
Disponível em: <http://ambiental.wordpress.com/2007/02>.
Disponível em: <http://www.sindijornalistases.org.br/index.php?option=com_
content&task=view&id=37&Itemid>
16
17
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122
Processo Formador em Educação Ambiental a Distância
Sob o ponto de vista cultural, pode-se citar o carnaval no Brasil, evento que
consome muita energia e emite grande quantidade de CO2 (dióxido de carbono).
O aquecimento global foi tema também de congresso no Rio Grande do
Sul em 2007. Jornalistas de todo o país discutiram o papel da mídia nesse tema
em um encontro promovido pelo núcleo de Ecojornalistas do Rio Grande do Sul,
na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que reuniu além de profissionais
da área, estudantes, professores de jornalismo e demais interessados no tema meio
ambiente. Os temas abordados pelos palestrantes nesse encontro resultaram na
publicação de um livro, no qual possuo um capítulo sobre este assunto18.
A revista Época teve como capa, em uma de suas edições, fundo preto
(sugerindo um clima fúnebre), chamada em letras grandes e cinza, na qual fazia
a pergunta: “O mundo vai acabar?”. Já a revista Veja mostrava a cidade do Rio de
Janeiro coberta por água, chegando inclusive nos braços do Cristo Redentor, como
se este estivesse se afogando. A foto do Cristo Redentor aparecia em primeiro plano,
na montagem fotográfica. A chamada em destaque dizia: “Isto pode acontecer?”.
Esse era o cenário apresentado pela mídia, no período das reuniões dos GTs.
Dada a relevância do assunto pela mídia, as empresas utilizam-se desse
cenário para pautar suas estratégias comerciais e de marketing, abrindo, assim,
amplo espaço para o campo econômico. Em nome da saúde do planeta, as empresas
lançam no mercado uma avalanche de produtos supostamente sustentáveis, como:
colchões naturais feitos de látex, material recolhido da seringueira, que tem o
apelo de proporcionar um “sono ecológico”. Surge o ecodesign em joias, baseado
no conceito da Amazônia, usando materiais como a prata e a madeira imbuia.
As “ecobolsas”, feitas de tecido de algodão. Dessa forma, o cenário mundial,
proporcionado pelas mudanças do clima, impulsiona as empresas a desenvolverem
novas estratégias comerciais e de marketing.
O tema também abre um nicho para o campo religioso. As diferentes
religiões buscam firmar seu espaço e criar visibilidade a partir desse assunto. Cada
qual com seus símbolos tecem seus discursos e lembram as profecias escritas há
centenas de anos.
Um evento catastrófico ocasionado pelo clima legitima as profecias, que,
no dizer da mídia, estão se cumprindo. As igrejas, templos e casas espíritas, a cada
dia, reúnem mais adeptos em nome de uma causa maior, salvar o planeta através da
ação de cada cidadão. A partir dessas reuniões, cresce também o comércio em torno
de adereços simbólicos, pela busca da paz no planeta.
VELLEDA TEIXEIRA, Dinair. A ética no discurso do jornal Zero Hora sobre a educação
ambiental. In: GIRARDI, Ilza; SCHWAAB, Reges (Org.). Jornalismo Ambiental: desafios e reflexões.
Porto Alegre: Ed. Dom Quixote, 2008.
18
Projeto ambiental escolar comunitário
Apesar da relevância dada às questões do clima pela mídia, o que
proporcionou o incremento comercial, a importância desta para a educação
ambiental é reconhecida, por exemplo, pela Lei Federal 9.795, de 27 de abril de
1999, que instituiu a Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA). Essa lei
diz que todos têm direito à educação ambiental, cabendo aos meios de comunicação
“colaborar de maneira ativa e permanente na disseminação de informações e
práticas educativas sobre meio ambiente e incorporar a dimensão ambiental em
sua programação”. A PNEA prevê ainda que o poder público, em todos os níveis,
deve incentivar “a difusão, por intermédio dos meios de comunicação de massa, em
espaços nobres, de programas e campanhas educativas e de informações acerca de
temas relacionados ao meio ambiente” (DIAS, 2000, p. 66-72; BRASIL, 2005b, p.
65-70).
Portanto, é fundamental que o comunicado acerca do meio ambiente aponte
as implicações advindas dos campos, econômico e político, sobre o meio ambiente,
como parte constituinte e fundamental para uma educação que se proponha
ambiental. À escola, “não caberia a tarefa de transmitir o saber objetivo, mas
sim a de preparar os indivíduos a aprenderem aquilo que deles for exigido pelo
processo de sua adaptação às alienadas e alienantes relações sociais que presidem o
capitalismo contemporâneo” (DUARTE, 2000 p.9).
Para Guareschi (2005, p.87), não se trata apenas do aluno aprender a ler
e a escrever as palavras. “Os alunos devem aprender também, a ler e a escrever
a imagem”, uma vez que, conforme coloca Peres (2004) “a mídia como força de
um cotidiano que ‘dita’ e ‘ensina’ conteúdos e de um suposto saber-ser e de um
saber-fazer, às vezes invisivelmente, tem influenciado o desempenho do trabalho
pedagógico” (PERES, 2004, p. 160). Entretanto, apesar dessas imbricações,
conforme Santos e Sato (2003), não devemos colocar somente na educação formal
todas as expectativas na busca da conscientização do homem e da transformação da
sociedade. Há a necessidade da busca de meios informais para essa conscientização/
transformação.
Para Lückman (2007), é fundamental a inserção da mídia-educação19 na
O uso desse termo refere-se, conforme a pesquisadora: “a um campo de estudo que
se origina na interseção entre os campos já bastante amplos da educação e da comunicação, e
que tem sua definição a partir dos estudiosos do campo da educação, em particular. O termo é
uma tradução literal de media education, expressão em inglês que se consolidou nos Estados
Unidos e principalmente na Europa para designar a “educação para a mídia”. No Brasil é corrente
também o uso do termo educomunicação, que se tornou conhecido em especial através do
trabalho de Ismar Soares, pesquisador da área da comunicação. Para Belloni e Rivoltell, a mídiaeducação é um conceito mais amplo, que envolve a educação “sobre, com e através da mídia”,
com o objetivo de construção da cidadania; já a educomunicação, para esses autores, tem um
caráter mais técnico, que envolve a formação do comunicador para atuar nas escolas [...] na perspectiva de comunicadores como Soares, ambos os termos são sinônimos, embora nessa área a
preferência seja para educomunicação (LÜCKMAN, 2007, p.160).
19
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Processo Formador em Educação Ambiental a Distância
formação dos profissionais de ambas as áreas, assim como nos demais processos
educativos formais e não formais. Conforme pesquisa da autora,
ambas as perspectivas estão praticamente ausentes dos cursos de
graduação com as quais teve contato para pesquisa. E isso não seria
relevante apenas na discussão em torno da ampla e complexa questão
ambiental: assuntos ligados a questões de cidadania, gênero, violência,
política, cultura e economia estão diariamente nas páginas das revistas e
jornais, nas telas da tevê e nos sites de Internet, num cardápio temático
rico e diversificado que pode ser utilizado para a construção de cidadãos
críticos (LÜCKMAN, 2007 p. 159).
Desde o I Fórum Nacional sobre Mídia e Educação (1999), o conceito de
Educomunicação foi reforçado, ressaltando os seguintes aspectos: a) reconhecer a
inter-relação entre Comunicação e Educação como um novo campo de intervenção
social e de atuação profissional, considerando que a informação é um fator
fundamental para a educação; b) difundir o binômio Comunicação e Educação, como
potencial transformador da sociedade, em direção a plena cidadania (SCHAUN,
2002, p.96).
5.
ALGUMAS REFLEXÕES
Pode-se perceber que o discurso da mídia em torno das mudanças climáticas
e dos desastres ambientais ocasionados por estas possibilita não só a construção de
imaginários, mas também o incentivo ao consumo. Isso pode ocorrer através do
campo religioso, econômico ou do aumento da audiência proporcionado por apelos
que levam o destinatário/consumidor a ficar mais tempo consumindo esse tipo de
informação, consequentemente, promovendo mais audiência e lucro aos veículos
de comunicação.
A mídia, através do(a) jornalista, é quem detém o poder de decidir a
linguagem utilizada. Entretanto, o poder da mídia não está só no uso das formas
simbólicas, mas principalmente, na capacidade de articular discursos de outros
campos e discursar sobre eles. Portanto, ainda existe uma longa trajetória a ser
trilhada nessa esteira: mídia e educação. Estamos inseridos em uma dinâmica social
permeada de múltiplos saberes, vivências, crenças, valores, visões de mundo, os
quais necessitam ser debatidos, refletidos, superados ou reafirmados.
Portanto, mais do que a natureza ecológica, a natureza humana necessita
Projeto ambiental escolar comunitário
de um olhar mais demorado. Quando a mídia aponta que estão na ação humana os
maiores causadores dos problemas ambientais, assim como as soluções, acreditase que, isoladamente, muito pouco a ação humana pode contribuir. Dessa forma,
enquanto sociedade, a ação humana pode reverter o quadro atual.
Há necessidade, entretanto, em primeiro lugar, de um resgate de valores,
de oportunidades para todos, da extinção da hierarquia entre as espécies e da
informação livre. Entende-se que, a partir da regeneração da natureza humana,
haverá também a regeneração da natureza ecológica, porque uma é extensão da
outra, mas a “doença” precisa ser combatida a partir do ponto mais afetado.
Para Velleda Teixeira e Velasco (2009), a crise que hoje se vivencia, gerada
pelo atual modelo capitalista de sociedade, com sua ganância, extrapolou todas as
formas de vida, até provocar as mudanças do clima que, por sua vez, geraram mais
exclusão social, fome, doenças e desequilíbrio da natureza, entre outros problemas.
Isso exige urgentemente a elaboração de uma nova ética que contemple o equilíbrio
da sociedade, incluindo-se assim, os ecossistemas e valores culturais necessários
para que se reestabeleça a dignidade dos seres no planeta. Isso supõe a superação do
capitalismo ou de qualquer modelo de sociedade baseado no capital e na exploração
de todo tipo de natureza.
Esse entendimento é de suma importância para dar início à mudança em
prol de uma vida mais justa no planeta para todas as espécies que nele habitam;
sobretudo o entendimento de que os problemas ambientais não são puramente uma
questão do ecossistema20, mas da forma de interação entre sociedade e natureza. Essa
interação pressupõe uma mudança de atitude na sua forma de produção, consumo,
distribuição e demais interações de mundo, conforme sintetiza Leff (2001): “o
ambiente não é a ecologia, mas a complexidade do mundo” (p.17).
Velleda Teixeira (2008a) diz que não sabemos ainda que sociedade se
descortinará a partir destes novos tempos tão difíceis, mas que é inegável a
necessidade de averiguar a problemática ambiental e a ética que permeia esse
discurso. Nesse cenário, a educação é um possível caminho a ser trilhado na busca
de uma melhor convivência entre as naturezas, humana e não humana.
“Formas de vida y otros elementos naturales presentes en un espacio físico determinado cuya interacción forma ciclos de retrogeneración de vida y que conforman un sistema
organización sustentable por sí misma” (BACCHETTA, 2000, p. 205).
20
125
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Processo Formador em Educação Ambiental a Distância
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ENERGIA: PENSAR CRITICAMENTE E AGIR ECOLOGICAMENTEMÁTICAS
Projeto ambiental escolar comunitário
Eugênia Antunes Dias1
Cíntia Pereira Barenho 2
Antonio Carlos Porciúncula Soler 3
D
entre os temas geradores de mudanças ambientais globais4, a produção e o
consumo de energia, bem como a matriz energética baseada na queima de combustíveis fósseis, são aspectos importantes e indispensáveis ao atual debate
ecológico.
A vida depende, incontestavelmente, de várias formas de energia. As plantas,
por exemplo, obtêm energia do sol para sua manutenção, já os animais a retiram por
meio da alimentação. No caso dos seres humanos, a energia tem por finalidade não
só a sustentação de suas necessidades vitais como acontece com os animais. Esta é
responsável também pela manutenção dos estilos de vida, especialmente, os vividos
nos centros urbanos, como iluminação, conservação de alimentos (refrigeração), uso da
internet e transporte coletivo.
Cabe destacar que as energias são comumente categorizadas como renováveis –
hidrelétrica, biomassa, eólica, bioenergia – e não renováveis –carvão, nuclear, petróleo,
gás natural5.
Segundo o Manual Global de Ecologia (2002), desde a Segunda Guerra Mundial,
o consumo de energia aumentou cerca de quatro vezes no mundo. A intensificação
na produção e no consumo de produtos em geral, a qual demanda oferta de energia
crescente e natureza abundante, aliada ao uso ineficiente da primeira (que corresponde
ao baixo desempenho6), colabora para inúmeros problemas socioambientais, os quais
não só atingem, como também são construídos por diferentes países e grupos sociais,
de acordo com as respectivas condições materiais (sociais e ecológicas).
Bacharel em Direito, Mestre em Ciências Sociais e integrante da ONG ecológica Centro de
Estudos Ambientais (CEA). Na FURG, participa do Grupo de Pesquisa Política, Natureza e Cidade
(GPNC), do Grupo Transdisciplinar em Pesquisa Jurídica para a Sustentabilidade (GTJUS) e é aluna do
Programa de Pós-graduação em Educação Ambiental (PPGEA).
2
Bióloga, Mestre em Educação Ambiental e integrante da ONG ecológica Centro de Estudos
Ambientais (CEA).
3
Professor de Direito Ambiental e integrante da ONG ecológica Centro de Estudos Ambientais (CEA). Na FURG, participa do Grupo de Pesquisa Política, Natureza e Cidade (GPNC), do Grupo
Transdisciplinar em Pesquisa Jurídica para a Sustentabilidade (GTJUS) e é aluno do Programa de Pósgraduação em Educação Ambiental (PPGEA), [email protected].
4
Os referidos temas foram propostos na obra “Processo Formador em Educação Ambiental a
Distância. Módulo 3: Mudanças Ambientais Globais”, publicada pelo Ministério da Educação, através
da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (MEC/SECAD, 2009).
5
Fonte: Ministério de Minas e Energia, 2007.
6
A eficiência energética pode ser medida através da relação entre consumo de energia e a
produção de um bem ou a realização de um serviço.
1
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Processo Formador em Educação Ambiental a Distância
Dentre os vilões apontados como responsáveis pela crise energética7,
notadamente por interesses de grupos (privados e estatais), defensores de um
crescimento econômico sem limites, está o incremento da população humana, sob
a alegação, em resumo, de que tal fenômeno pressionaria o sistema produtivo,
exigindo maior geração e oferta de energia.
No entanto, uma ressalva baseada em critérios de justiça ambiental8 deve
ser feita: o crescimento populacional não pode ser tomado indistintamente como
contributivo para tal crise. Isso porque é o consumo exacerbado por parte dos grupos
minoritários9, concentradores do capital, o que realmente compromete a matriz
energética global e gera a degradação ambiental em escala ameaçadora, uma vez
que essa decorre, justamente, dos padrões de produção e consumo predominantes.
Atualmente, cerca de 75% da energia gerada em todo o mundo é consumida
por apenas 25% da população mundial, localizada principalmente nos países
industrializados (MMA/MEC/IDEC, 2005, p. 98). A maior parte dessa população
não tem condições de ter acesso aos mínimos padrões de qualidade de vida, pois
não apresentam o pré-requisito para acessar bens de produção e consumo: o capital.
O consumo excessivo e concentrado, típico do atual estágio do capitalismo,
coloca em xeque a matriz energética baseada na queima de combustíveis fósseis,
especialmente, o petróleo (o sustentáculo energético do modelo econômico
hegemônico), responsável por 43% do total de combustível consumido no mundo e
95% da energia usada pelo transporte global (GRUBB, 2010). Além disso, petróleo
e gás são matérias-primas para uma infinidade de produtos como farmacêuticos,
plásticos, tintas, fertilizantes, componentes eletrônicos, pneus (GRUBB, 2010).
Inobstante, estudos, como o do geólogo americano M. King Hubbert,
demonstram que a exploração do petróleo já atingiu seu máximo em diversos pontos
Entendemos que a chamada crise energética decorre da incapacidade natural da Terra
suportar a presente tendência de incremento no consumo energético para sustentar um estilo
de vida, baseado no crescimento econômico sem limites. “O petróleo, o carvão e o xisto atingiram a maior cotação de toda a história da humanidade. Considerando a exploração intensiva
das reservas não renováveis de combustíveis fósseis – recursos esgotáveis que levaram milhões
de anos para se formar – e os prejuízos ambientais trazidos pelo uso desses recursos energéticos, pressupõem-se um cenário preocupante para esse século”. Disponível em: noticias.ambientebrasil.com.br/artigos/2008/06/09/38685-a-crise-energetica-e-as-politicas-publicas.html.
Acesso em 14.04.2012.
8
É “compreendida como o tratamento justo e o envolvimento pleno dos grupos sociais,
independentemente de sua origem ou renda, nas decisões sobre o acesso, a ocupação e o uso
dos recursos ambientais em seus territórios” (ACSELRAD; MELLO; BEZERRA, 2009, p. 41).
9
Segundo o relatório Estado da População Mundial (2009) sobre a influência do desenvolvimento econômico, em países ricos, as famílias costumam ser formadas por poucos
membros, estas concentram injustamente o capital, gerando mais gases do efeito estufa que os
lares em nações pobres, os quais, em geral, são formados por mais pessoas.
7
Projeto ambiental escolar comunitário
do planeta e que sua disponibilidade está em declínio crescente10 (GRUBB, 2010).
Outrossim, pouco é falado e feito para combater a perda de energia na
produção, transporte, distribuição e armazenamento desse combustível que, no
Brasil chegou a 15%, em 2005 (Ministério de Minas e Energia, 2007).
Diante desse quadro,
falsas soluções de mercado estão sendo propostas, visando também
reverter o quadro de mudanças climáticas. Dentre elas, a agroenergia
(...) petro-dependente, ou seja, precisa utilizar grandes quantidades de
derivados de petróleo (seja nos insumos agrícolas, seja no transporte
da produção, etc.). Com isso já se desmente o argumento de que é um
combustível limpo (pela redução do dióxido de carbono), sem abordar
outras consequências, como a destruição dos ecossistemas devido à
expansão desses monocultivos e à instalação/manutenção de grandes
refinarias/destilarias, que são fontes de contaminação ambiental
(BARENHO, 2008).
Nesse sentido, são apresentadas, pelos que defendem o modelo de
produção e consumo dominante, fontes energéticas “alternativas”, mas que em si
não ameaçam as bases do crescimento econômico ilimitado. Muitas dessas opções
são alternativas para a substituição do uso preponderante do petróleo, dando assim
continuidade ao crescimento econômico e não necessariamente à degradação
ambiental.
Assim, encontramos as energias ditas limpas, também conhecidas por
renováveis, cuja fonte se mantém ao longo do tempo em escala humana, gerando
quantidade reduzida de gases de efeito estufa, quando comparadas à queima de
combustível fóssil. É o caso da energia solar, geotérmica (calor da Terra), eólica
(dos ventos), das chuvas, das marés.
Segundo Grubb, o pico da produção do petróleo não significa “o fim do petróleo”, mas
o fim do petróleo barato, pois a demanda será maior que a oferta. Para as economias alavancadas por crescentes quantidades de petróleo barato, as consequências podem ser drásticas.
GRUBB, A. Manual do Pico do Petróleo. Disponível em: <http://www.picodopetroleo.com.br/
pico/. Acesso em: 14 abr. 2012>.
10
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Processo Formador em Educação Ambiental a Distância
A energia decorrente do barramento dos rios por meio de hidrelétricas, a
biomassa, os biocombustíveis e até mesmo a nuclear variavelmente são consideradas
limpas, no que tange os diversos impactos ecológicos e sociais delas decorrentes.
No Brasil, a energia que chega às cidades e que chamamos de elétrica é
produzida majoritariamente pelas Usinas Hidrelétricas (UHE) e, em menor escala,
pelas termoelétricas. As UHEs “correspondem a 75% da potência instalada no
país e geraram, em 2005, 93% da energia elétrica requerida no Sistema Interligado
Nacional – SIN” (Ministério de Minas e Energia, 2007).
No Rio Grande do Sul, a matriz energética inclui, desde UHE, usinas
termoelétricas e até mesmo parque eólico. No tocante as hidrelétricas, há uma série
projetada e/ou já finalizada para a Bacia Hidrográfica do Rio Uruguai11.
O caso recente e polêmico, sob o aspecto do licenciamento ambiental, é o
da UHE de Barra Grande, onde a dita urgência na geração de energia prevaleceu
em detrimento do adequado processo de análise dos impactos ambientais da
obra e de seu funcionamento e, dessa forma, da própria Natureza. O Movimento
Ecológico Gaúcho (MEG) chamou a atenção para falhas primárias encontradas nos
estudos ambientais que embasaram a licença ambiental, fornecida pelo Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA).
Uma das falhas foi não detectar que 6.000 hectares de Mata Atlântica, Reserva
Na “Cartilha Grandes e Pequenas Hidrelétricas na Bacia do Rio Uruguai: Guias para
ONGs e Movimentos Sociais”, encontram-se informações sobre a problemática deste modelo
energético. Documento disponível em: <http://www.natbrasil.org.br/Docs/hidreletricas/Cartilha%20Hidreletrica%2014-3-2011.pdf>.
11
Projeto ambiental escolar comunitário
da Biosfera pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura (UNESCO), em grande parte, Araucárias centenárias (NAT, 2011), seriam
destruídos. Nem mesmo o poder judiciário embargou a obra da usina e esse dano
ambiental irreversível acabou por “legalizado”.
Atualmente, as preocupações do MEG se debruçam, especialmente, no que
tange aos impactos ambientais e sociais, sobre o licenciamento ambiental da UHE
Pai Querê e do complexo Garabi-Panambi (Brasil/Argentina),
A UHE Pai Querê se localiza no vale do rio Pelotas (nascente do rio Uruguai)
e pode fazer com que mais de 100 km de rios com corredeiras se transformem em
águas paradas, além da possível extinção de dezenas de peixes e outros organismos
de águas correntes. A referida UHE provocará a perda de 4 mil hectares de florestas
com Araucárias, com diminuição da biodiversidade e degradação de ecossistemas,
justamente no último habitat do queixada (Tayassu pecari), espécie criticamente
ameaçada, bem como do gavião de penacho e do urubu-rei (NAT, 2011). Já o
complexo hidrelétrico Garabi-Panambi poderá afetar negativamente mais de 50 mil
pessoas, inundando áreas de 22 municípios.
No município de Derrubadas, onde se localiza o Parque Estadual do Turvo,
estima-se que a UHE de Panambi destruirá, pelo menos, 10% (1.750 ha) do Parque,
o que equivale a 2 milhões de árvores sacrificadas (NAT, 2011). Além disso, nessa
Unidade de Conservação, encontra-se o Salto do Yucumã, considerado o maior
salto longitudinal do mundo, e que ainda abriga “os últimos exemplares de onçapintada e anta, ambas ameaçadas de extinção” (NAT, 2011).
Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCH) também estão sendo projetadas para
essa Bacia12. Embora de porte menor, as PCHs igualmente causam uma série de
impactos negativos de ordem social, como o deslocamento de populações das áreas
onde residem; e impactos ambientais, como a supressão de ecossistemas13.
Além da Mata Atlântica, o Pampa, o outro bioma brasileiro encontrado
somente no território gaúcho, sofre impactos da geração de energia para sustentação
do modelo predominante de produção e consumo. A exploração do carvão mineral14
para geração de energia termelétrica, na região dos municípios de Bagé e Candiota,
tem carecido de debate e informação sobre implicações ambientais e sociais desse
tipo atividade15. Cabe salientar ainda que a hidroeletricidade é o principal foco de
Veja mais em: <http://www.st.rs.gov.br/novosite/noticias/index.php?id=682>.
Veja as importantes denúncias constantes na publicação “Hidrelétricas na Bacia do Rio
Uruguai”. Disponível em: <http://www.natbrasil.org.br/Docs/cartilha_rio_uruguai/hidro1.pdf>.
14
Veja mais em: “Carvão e Mudanças Climáticas”, do Núcleo Amigos da Terra Brasil, disponível em: <http://www.natbrasil.org.br/Docs/publicacoes/carvao.pdf>.
15
Uma interessante análise da matriz energética gaúcha está disponível na publicação
“Carvão e Mudanças Climáticas”. Disponível em: <http://www.natbrasil.org.br/Docs/publicacoes/carvao.pdf>.
12
13
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Processo Formador em Educação Ambiental a Distância
interesse do capital privado porque ainda é a tecnologia que garante um maior lucro
na sua operação.
A matriz energética brasileira16 não se diferencia da mundial, pois é
baseada em combustíveis de origem fóssil (petróleo e derivados), ainda que
existam investimentos governamentais e privados em direção à adoção de energias
alternativas, como já mencionado.
O debate sobre a matriz energética precisa sair dos gabinetes governamentais
para outros espaços, com a participação da sociedade civil e não somente para os
escritórios de grandes empresas, visto que planejamento, produção e distribuição
de energia não estão submetidos à participação ou ao controle social. Porém, só
isso não basta, é preciso que se discuta também quem se beneficia com o atual
modelo energético e quem não recebe os seus benefícios, uma vez que a geração de
energia, em sua grande parte, coloca-se a serviço do setor industrial, especialmente
o siderúrgico (Ministério de Minas e Energia, 2007).
Para tanto, precisamos responder (ou ao menos refletir) até quando a natureza
suportará os impactos ecológicos para atender a demanda energética mundial?
Uma matriz energética “limpa” será capaz de sustentar a produção e o consumo
capitalistas? Devemos buscar alternativas para tal fim? O crescimento econômico
deve continuar sem limites? Como, para que e para quem obter a “Soberania
Energética”, aquela entendida como “o direito dos povos em auto-determinar sua
produção e políticas alimentares e energéticas, de acordo com as suas necessidades
internas, antes de suprir as exportações” (BARENHO, 2008).
A produção e o consumo sem limites são garantidos por um modelo
energético, gerador de grande parte da crise ecológica e das injustiças sociais,
pois exclui a maior parte da população mundial dos benefícios econômicos dessa
produção e desse consumo, impondo-lhe, contudo, os impactos socioambientais
dessa segregação.
Sendo assim, não basta perseguir a eficiência energética ou desenvolver
alternativas para colaborar efetivamente com o enfrentamento da crise ecológica, é
necessário questionar o atual modelo de produção e consumo nas suas estruturas e
nos seus fins.
Adiante, tratar-se-á mais detalhadamente do tema da mobilidade urbana, o
qual tem sido pauta de conferências nacionais e da recente lei da Política Nacional
de Mobilidade Urbana.
Anualmente, o Governo Federal publica o Balanço Energético Nacional (BEN), o qual
pode ser acessado no sítio eletrônico do Ministério das Minas e Energia: <https://ben.epe.gov.
br>.
16
Projeto ambiental escolar comunitário
REFERÊNCIAS
ACSELRAD, Henri; MELLO, C. C.; BEZERRA; G. N. O que é Justiça Ambiental. Rio de Janeiro:
Garamond. 2009.
BARENHO, Cintia. Mulheres também em luta por Soberania Alimentar e Energética. Disponível
em: <http://centrodeestudosambientais.wordpress.com/2008/10/15/mulheres-tambem-em-luta-por-soberania-alimentar-e-energetica/>. Acesso em: 15 de maio de 2011.
BRASIL. Ministério de Minas e Energia. Matriz Energética Nacional 2030. MME: EPE, 2007.
MANUAL GLOBAL DE ECOLOGIA. São Paulo: Augustus Editora, 2002.
GRUBB, A. Manual do Pico do Petróleo. Disponível em: <http://www.picodopetroleo.com.br/
pico/>. Acesso em: 14 abr. 2012.
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA, ALFABETIZAÇÃO E DIVERSIDADE. Processo Formador em Educação Ambiental a Distância. Módulo 3:
Mudanças Ambientais Globais. Brasília: MEC/SECAD, 2009.
MMA/MEC/IDEC. Consumo Sustentável: Manual de Educação. Brasília: Consumers International/
MMA/MEC/IDEC, 2005. 160 p. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/publicacao8.pdf>. Acesso em: 23 abr. 2011.
NATBRASIL – Amigos da Terra. Grandes e Pequenas Centrais Hidrelétricas na Bacia do Rio Uruguai: Guias para ONGS e Movimentos Sociais. Porto Alegre, 2011.
NATBRASIL – Amigos da Terra. Energias renováveis sustentáveis: uso e gestão participativa no
meio rural. Porto Alegre, 2005. Disponível em: <http://www.inga.org.br/forum/docs/parte1.pdf>.
Acesso em: 15 maio 2011.
135
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Processo Formador em Educação Ambiental a Distância
MOBIILIDADE
URBANA: DILEMA NAS CIDADES E IMPACTOS
Projeto ambiental
escolar comunitário
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AMBIENTAIS
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Cíntia Pereira Barenho
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Antonio Carlos Porciúncula Soler 3
N
o mundo contemporâneo, as cidades progressivamente concentram pessoas, de
modo que mais de metade da população mundial vive em áreas urbanas. “Em
1950, um terço da população mundial vivia em cidades. Apenas 50 anos depois, esta proporção aumentou pela metade e vai continuar a crescer a dois terços, ou 6
bilhões de pessoas, em 2050”(ONU, 2012)4. Nos ambientes urbanos (natureza transformada) da América Latina e do Caribe, a concentração da população quase atinge 80%
nas cidades, o que as faz ser as regiões mais urbanizadas do planeta (ONU HABITAT,
2012, p.17).
A cidade não só concentra pessoas, mas também a influência econômica, o poder
político e a inovação tecnológica, além de abrigar a degradação social e a poluição. Este
consiste em um cenário complexo e conflituoso, onde o comprometimento da qualidade
de vida e do futuro sadio, não só nas cidades, mas também no planeta, apresenta-se,
de forma igualmente crescente, como desafio para o Poder Público e para a sociedade
civil.
A par disso, o tema da mobilidade urbana, cada vez mais, afeta negativamente
parcela significativa da população, especialmente os trabalhadores assalariados, que
dependem mais de um transporte público economicamente acessível. Por outro lado,
a cidade, como espaço de circulação e transação de mercadorias, também pode ser
potencializada ou prejudicada, conforme a qualidade da mobilidade. Isso justifica, em
parte, a presença contínua e crescente do assunto em campanhas eleitorais e na pauta
diária de variados meios de comunicação.
Bacharel em Direito; Mestre em Ciências Sociais pelo Programa de Pós-graduação em
Ciências Sociais da UFPel; integrante da ONG ecológica Centro de Estudos Ambientais (CEA). Na
FURG, participa do Grupo de Pesquisa Política, Natureza e Cidade (GPNC), do Grupo Transdisciplinar
em Pesquisa Jurídica para a Sustentabilidade (GTJUS) e é aluna do Programa de Pós-graduação em
Educação Ambiental (PPGEA). E-mail: [email protected].
2
Bióloga; Mestre em Educação Ambiental pelo Programa de Pós-graduação em Educação
Ambiental (PPGEA) da FURG; integrante da ONG ecológica Centro de Estudos Ambientais (CEA). Email: [email protected].
3
Professor de Direito Ambiental da UFPel; Mestre em Educação Ambiental pelo Programa
de Pós-graduação em Educação Ambiental (PPGEA) da FURG; integrante da ONG ecológica Centro
de Estudos Ambientais (CEA). Na FURG, participa do Grupo de Pesquisa Política, Natureza e Cidade
(GPNC), do Grupo Transdisciplinar em Pesquisa Jurídica para a Sustentabilidade (GTJUS). Ademais,
foi secretário de Planejamento Urbano de Pelotas de 2001 a 2003. E-mail: [email protected].
4
Disponível em: <http://www.onuhabitat.org/index.php?option=com_
content&view=article&id= 88&Itemid=82#desafio>. Acesso em: 02 abr. 12.
1
138
Processo Formador em Educação Ambiental a Distância
Programas de rádio e televisão, com o escopo de evitar colapsos nas cidades,
notadamente na sua dimensão econômica, reservam espaços nas suas respectivas
programações, para informar, em tempo real, as condições de trânsito5 das médias e
grandes cidades6, de modo a oferecer alternativas para deslocamentos mais eficientes
aos condutores de carros e demais veículos automotores. Merece registro que o
transporte é responsável por 13% das emissões globais dos gases do efeito estufa
(ONU HABITAT, 2011).
Nesse contexto, cabem os seguintes questionamentos: a mobilidade urbana
se refere somente ao fluxo de veículos automotores ou a problemas de trânsito, como
predominantemente abordado na mídia? O que pode ser destacado como relevante,
no que tange à poluição e degradação social, quando tratamos de pequenas, médias
e grandes cidades no Brasil, com ênfase para o Rio Grande do Sul (RS)? O que
encontramos no ordenamento jurídico brasileiro sobre a mobilidade urbana? Essas
são algumas perguntas que pretendemos abordar ao longo do presente capítulo, por
meio de considerações que ajudem a entender e debater a importância da mobilidade
urbana na vida das cidades, bem como os impactos ambientais desta.
A DEFINIÇÃO DE MOBILIDADE URBANA
A mobilidade urbana, segundo o Ministério das Cidades (MC), é um “atributo
das cidades, relativo ao deslocamento de pessoas e bens no espaço urbano, utilizando
para isto veículos, vias e toda a infraestrutura urbana” (PLANMOB, 2007). Essa
definição não difere do conceito legal7 adotado pela Política Nacional de mobilidade
urbana, conforme a Lei n° 12.587/12. Tal conceituação é complexa por compreender
a mobilidade urbana como um atributo da cidade, ou seja, como uma qualidade
decorrente da “interação dos deslocamentos de pessoas e bens entre si e com a própria
cidade” (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2006 apud PLANUTS, 2009).
Portanto, as políticas públicas, o planejamento e a gestão dos municípios
devem considerar a mobilidade urbana como constitutiva do Direito à Cidade8. Não,
esta não se reduz a meras questões de transporte e trânsito, com soluções paliativas e
O Código Nacional de Trânsito (Lei n° 9.503/97) define trânsito como “a utilização das vias
por pessoas, veículos e animais, isolados ou em grupos, conduzidos ou não, para fins de circulação, parada, estacionamento e operação de carga ou descarga” (art. 1º, § 1º).
6
Segundo o IBGE (2000), as cidades são categorizadas conforme o tamanho da sua respectiva população em pequenas (até 100 mil habitantes), médias (de 100 a 500) e grandes (mais de
500).
7
Mobilidade urbana é a “condição em que se realizam os deslocamentos de pessoas e
cargas no espaço urbano” (inciso II, do art. 4º).
8
Para saber mais sobre o Direito à Cidade, sugerimos acessar: “O Direito à Cidade como
paradigma da governança democrática”, de Nelson Saule Júnior. Disponível em: <http://www.
polis.org.br/artigo_interno.asp?codigo=28>. Para acessar todo o conteúdo da Carta Mundial do
Direito à Cidade, acessar: <http://www.polis.org.br/artigo_interno.asp?codigo=12>.
5
Projeto ambiental escolar comunitário
superficiais que geralmente beneficiam o uso individual do automóvel.
Carta Mundial do Direito à Cidade
Fórum Social das Américas – Quito – Julho 2004
Fórum Mundial Urbano – Barcelona – Outubro 2004
Todas as pessoas devem ter o direito a uma cidade sem discriminação de gênero,
idade, raça, etnia e orientação política e religiosa, preservando a memória e a identidade cultural em conformidade com os princípios e normas que se estabelecem nesta
carta.
A cidade é um espaço coletivo culturalmente rico e diversificado que pertence a
todos os seus habitantes.
As Cidades em co-responsabilidade com as autoridades nacionais, se comprometem a adotar medidas até o máximo de recursos que disponha, para conseguir progressivamente, por todos os meios apropriados, inclusive em particular a adoção de
medidas legislativas e normativas, “a plena efetividade dos direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais sem afetar seu conteúdo mínimo essencial” [grifo nosso].
Tal preocupação é reafirmada na orientação do referido Ministério quando
enfatiza a necessária consideração de quatro “pilares” que devem estruturar qualquer
política de mobilidade urbana, ratificados pela edição posterior da lei da Política
Nacional de Mobilidade Urbana, no seu Art. 7º, quais sejam:
•
Inclusão Social;
•
Sustentabilidade9 Ambiental;
•
Gestão Participativa;
•
Democratização do Espaço Público.
O primeiro [inclusão social] afirma o compromisso do Governo Federal
com a construção de um país para todos, tendo o direito à mobilidade
como meio de se atingir o direito à cidade. O segundo [sustentabilidade
ambiental] demonstra a preocupação com as gerações futuras e com a
qualidade de vida nas cidades. O terceiro [gestão participativa] traduz a
busca pela construção da democracia política, econômica e social. E o
“Termo muito usado com destaque na sua dimensão econômica como mera ‘capacidade de Suporte’ (MONTIBELLER FILHO, 2008, p.131) ou restrito ao aspecto quantitativo” (SOLER,
2011, p.33), o que não é nosso entendimento.
9
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Processo Formador em Educação Ambiental a Distância
quarto complemento [democratização do espaço público] se refere ao
princípio da equidade no uso do espaço público (BRASIL, 2007, p. 17).
Cabe registrar que é um desafio para a Educação Ambiental (EA), no âmbito
da gestão urbana, colaborar com a busca da “sustentabilidade ambiental”10, a qual
deve se materializar, por força de lei, em uma política de mobilidade urbana. Para
tanto, tal política deve pleitear considerações a respeito dos impactos ambientais
decorrentes dos meios de transportes.
Outrossim, a referida obrigatoriedade legal está em sintonia com o
Estatuto da Cidade, Lei nº 10.257/2001, o qual é uma importante conquista dos
movimentos sociais urbanos (mas não há somente esta), constituindo um marco
para o planejamento e gestão das cidades, portanto, fundamental para a mobilidade
urbana como um direito dos cidadãos e cidadãs.
ALGUNS ASPECTOS DO MARCO LEGAL E DA COMPETÊNCIA DOS ENTES FEDERATIVOS
A intensa luta pelo Estatuto da Cidade persistiu por cerca de 11 anos, reflexo
do embate de um movimento multissetorial que reivindicava (e reivindica) ampla
e democrática reforma e gestão urbana, com a efetividade da função social da
propriedade e do direito à cidade para todos e todas que nela vivem.
No artigo 2ª, esse diploma legal tem como diretriz geral, para o pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, a garantia
do direito “às cidades sustentáveis”. Este é entendido como o “direito à terra urbana,
à moradia, ao saneamento ambiental, ‘à infraestrutura urbana, ao transporte e aos
serviços públicos’, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações”
[grifo nosso] (BRASIL, 2001).
A Constituição Federal (CF), promulgada em 05 de outubro de 1988, afirma
que a propriedade urbana cumpre sua função social quando acolhe as exigências
fundamentais de ordenação da cidade expressas no Plano Diretor (art. 182, § 2º),
uma lei municipal que estabelece as diretrizes para uso e ocupação da cidade, sendo
o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana. Tal
Nós aplicamos essa expressão, uma vez que o MC a usa, com o intuito de compartilhar
a preocupação com a polissemia inerente a mesma. Cabe registrar que a Lei da Política Nacional
de Mobilidade Urbana se vale da expressão “Desenvolvimento Sustentável (DS)”, apesar de ser
consagrada, não livre de críticas e, notadamente, de cunho ecológico, como pode ser encontrada na dissertação intitulada: Antropocentrismo e crise ecológica: direito ambiental e Educação
Ambiental como meios de (re) produção ou superação. Disponível em: <https://centrodeestudosambientais.wordpress.com/nossos-textos/>. Acesso em: 02 abr. 2012.
10
Projeto ambiental escolar comunitário
Plano, por força legal, é obrigatório nos municípios com população acima de 20 mil
habitantes. Já nas cidades com menor população, o Plano se torna facultativo, o que
não exclui a possibilidade de elaboração desse regramento urbanístico.
O conteúdo mínimo para a elaboração deste Plano está previsto no Capítulo
III do Estatuto da Cidade. Nessa construção, deve ser considerada não somente a zona
urbana, mas, sim, toda a área territorial do município. A inovação é que a elaboração e
implementação, a exemplo da política de mobilidade urbana, deve ser participativa11,
ou seja, exige um processo, no qual os mais variados setores da sociedade possam
reivindicar seus pleitos e construírem seu entendimento sobre os elementos que
constituem a função social da propriedade.
Nesse sentido, declara a Constituição, no seu Título VIII – Da Ordem Social,
no Capítulo II – Da Política Urbana12, no art. 182, que: a “política de desenvolvimento
urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas
em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da
cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes”, de modo a considerar o ambiente
ecologicamente equilibrado, objetivo constitucional da EA (art. 225).
Em relação à mobilidade urbana, dentre as diretrizes do Estatuto da
Cidade, está a oferta de “transporte e serviços públicos adequados ‘aos interesses
e necessidades da população e às características locais’” [grifo nosso] (ver art. 2º,
Título V, ESTATUTO DA CIDADE, 2009, s/d). Esta determina, no art. 41, § 2º, que
todas as cidades brasileiras, com mais de 500 mil habitantes, elaborem um Plano de
Transporte Urbano Integrado (PTUI), o qual deve estar em consonância com o Plano
Diretor do município. Ademais, a Lei da Política Nacional de Mobilidade Urbana
passou a exigir dos municípios obrigados por lei a elaborarem seu Plano Diretor que
igualmente construíssem seu Plano de Mobilidade Urbana.
Entretanto, isso não impede que as cidades desobrigadas legalmente construam
Plano Diretor, PTUI, Plano de Mobilidade Urbana13 ou outros instrumentos de
política urbana. Inclusive, essa construção é recomendável, para que se previnam os
problemas enfrentados pelas médias e grandes cidades, maior parte deles consequentes
da ausência de políticas de planejamento e gestão urbana.
A respeito de uma experiência relevante em termos de planejamento urbano participativo ver o caso de Pelotas, em Caderno Sustentar 3.
12
Para saber mais sobre o processo de conquista do Capítulo Constitucional da Política
Urbana e do Estatuto da Cidade, sugerimos o acesso aos sítios: <http://www.scribd.com/
doc/7261621/POLIS-Estatuto-Da-Cidade-Guia> e <http://www.polis.org.br/download/267.pdf>.
13
Para pesquisar, discutir e refletir: Tu acreditas que a oferta de transporte público na
tua cidade atende aos interesses e necessidades da população local? A tarifa do ônibus é justa?
Quanto tempo, em média, se espera pelo mesmo nos momentos de pico em tua cidade? Há abrigos adequados a essa espera? Complemente a reflexão com a proposta constante na publicação
do MEC/SECADI (2009, p. 97), acerca da utilização de energia para a tua locomoção cotidiana e as
implicações ambientais derivadas da mesma.
11
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142
Processo Formador em Educação Ambiental a Distância
O MC, através de sua Secretaria Nacional de Transporte e da Mobilidade
Urbana (SeMob), rebatizou o PTUI de Plano Diretor de Mobilidade (PlanMob),
na perspectiva de ir além da reduzida questão de transporte, visando reorientar a
urbanização com vistas à prevenção da “(i)mobilidade” urbana14.
Nesse sentido, a CF inovou ao reservar importância significativa aos
municípios, no tocante ao ordenamento territorial, como promover, respeitadas
a legislação federal e estadual, o adequado ordenamento territorial através de
planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano (art.
30, VIII); organizar e prestar os serviços públicos de interesse local, como o transporte
público (art. 30, V); bem como legislar em assuntos de interesse local (art. 30, I).
Tais aspectos legais colocam o município como o principal ente federativo
na responsabilidade de fazer a cidade e a propriedade urbana cumprirem sua função
social. No entanto, não se pode descurar das competências atribuídas aos demais
entes federativos (ver quadro abaixo).
Constituição da República Federativa do Brasil
Art. 21. Compete à União: (...)
IX - elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social; (...)
XX - instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e
transportes urbanos; (...)
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: (...)
IX - diretrizes da política nacional de transportes;
XI - trânsito e transporte; (...)
Parágrafo único. Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas
das matérias relacionadas neste artigo. (...)
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e “urbanístico”; (...) [ESTE ARTIGO SE
REFERE A NORMAS DE CARÁTER GERAL] [grifo nosso].
Para maiores informações sobre o tema, sugerimos acessar ao sítio: <http://www.scribd.com/
doc/7261621/POLIS-Estatuto-Da-Cidade-Guia>.
O Estatuto da Cidade também dispõe, em seu artigo 3º, sobre competências
da União referentes à política urbana. Na linha constitucional, a Lei nº 12.587/12
estabeleceu que cabe aos municípios planejar, executar e avaliar a política de
mobilidade urbana. Os órgãos públicos municipais responsáveis pela execução da
Informações sobre a SeMob podem ser obtidas no sítio eletrônico: <http://www.cidades.
gov.br/secretarias-nacionais/transporte-e-mobilidade/>.
14
Projeto ambiental escolar comunitário
política urbana, geralmente são os Departamentos ou Secretarias Municipais de
Urbanismo e Planejamento, bem como as Secretarias de Obras. O trânsito, via de
regra, possui uma pasta específica juntamente com os transportes.
Infelizmente, a história do Executivo brasileiro, em todos os níveis da
Federação (União, estados e municípios), tem demonstrado uma desarticulação
interna e entre os órgãos públicos, que, no mínimo, diminui a eficiência da máquina
administrativa, muitas vezes por resultar em políticas contraditórias.
Exemplo dessa ocorrência é a Resolução nº 61/2008 do ConCidades, a qual
recomenda que o MC emita orientação para elaboração de Planos de Habitação
e Saneamento Básico e Mobilidade Urbana de forma articulada. Nesse sentido,
é necessário esse tipo de recomendação para a articulação de políticas entre as
estruturas de um mesmo Ministério, dado o descompasso administrativo e político
que se instala nessas estruturas públicas. Não causa surpresa a dificuldade de
articulação interministerial ou entre os entes da Federação (Município, Estado e a
União).
No entanto, um alerta deve ser feito. Não podemos reduzir os problemas no
tocante à mobilidade à elaboração de leis, planos e projetos, sob pena de se ignorar
as reais questões envolvidas, parte acima mencionadas, e que provocam e derivam
do caos que assola as médias e grandes cidades, e que, em menor escala, refletem
no cotidiano dos municípios de pequeno porte.
Igualmente, o assunto não deve ser enfrentado com análises e soluções
técnicistas sem considerar uma reflexão histórico/política da formação das cidades e
seus conflitos inerentes, sejam sociais e/ou ambientais. Até mesmo porque, por trás
das “técnicas e ciências”, há sempre uma proposta política ideológica, ao contrário
da propalada neutralidade científica, refutada pela EA crítica. De outra sorte, de
nada adianta somente adjetivar esses planos denominando-os de sustentáveis,
duráveis, verdes (ambientais, ecológicos), se, de fato, não propõem mudanças no
padrão de urbanização das cidades, notadamente no que tange a sua contribuição à
crise ecológica.
HÁ UM MODELO PREDOMINANTE DE MOBILIDADE URBANA OU DE “(I)MOBILIDADE” URBANA NAS CIDADES BRASILEIRAS?
Utilizando a metáfora do iceberg, a qual recomenda que se deve olhar
abaixo da superfície para buscar a compreensão da profundidade e complexidade
da questão, ou ainda, “ir à raiz das coisas para dela fazer emergir um pensar, um agir
e um sentir mais lúcido” (GONÇALVES, 2004, p. 99). Pode-se afirmar que há nos
municípios brasileiros uma predominante “(i)mobilidade” urbana, decorrente de
143
144
Processo Formador em Educação Ambiental a Distância
um padrão de urbanização e de acumulação/circulação do capital que tem a cidade
como lócus, mais do que privilegiado, indispensável.
Na cidade real contemporânea, complexa e conflituosa, como as maiores do
RS, e que são utilizadas como modelo e referência pelas menores, para a maioria
da população é um espaço de segregação, de violência, com trânsito caótico, de
geração de condições de estresse com poluição sonora e atmosférica entre outras
formas de degradação ambiental.
Claro que as causas e consequências desse ambiente urbano complexo e em
crise diferem conforme a escala do município. Assim, os problemas que atingem
a capital gaúcha Porto Alegre15/RS não são os mesmos em intensidade dos que
em São José do Norte16/RS, ainda que ambos tenham essência aproximada e
experimentem a “(i)mobilidade17” urbana. No caso do município estuarino, cuja
economia está alicerçada nas atividades rurais, para comercializarem sua produção,
devido à ausência de transporte, público ou privado, agricultores se deslocam a
pé da sua propriedade, na periferia da cidade, até a feira, no centro urbano, via de
regra, distância percorrida com um carrinho de mão, a qual pode chegar até três
quilômetros.
Nada mais insustentável do que o fato urbano. A cidade converteu-se,
pelo capital, em lugar onde se aglomera a produção, se congestiona
o consumo, se amontoa a população e se degrada a energia. (...) A
urbanização que acompanhou a acumulação de capital e a globalização
da economia converteu-se na expressão mais clara do contra-senso da
ideologia do progresso. (...) O processo de urbanização, concebido como
a via inelutável do desenvolvimento humano, é questionado pela crise
ambiental que discute a natureza do fenômeno urbano, seu significado,
suas funções e suas condições de sustentabilidade (LEFF, 2001, p. 287288).
Na cidade, o padrão de organização que predomina é em função do
individualismo e das conveniências do e para o mercado. Os nichos de qualidade
de vida, como aquela encontrada nos condomínios fechados e shoppings, são para
poucos. As estruturas para produção, troca, circulação e consumo desenvolvem-se,
majoritariamente, sobrepujando populações e ecossistemas e, na maioria das vezes,
com a participação ativa do Poder Público.
População de 1.409.351, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(2010).
16
População de 25.474, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (Censo
2010).
17
Imobilidade urbana é entendida como restrições e/ou impedimentos para o deslocamento de pessoas e bens no espaço urbano.
15
Projeto ambiental escolar comunitário
Prefeitura de Münster - Alemanha
Nesse sentido, Harvey (2004, p. 94) afirma: “(...) o Estado de certo modo viuse reduzido ao papel de descobrir maneiras de criar um clima favorável aos negócios”.
Assim, os investimentos de organismos internacionais, como o Banco Mundial,
têm sido aplicados substancialmente na infraestrutura urbana (prioritariamente
asfaltamento de vias), induzindo os municípios àquela lógica segregacionista e
excludente.
Mencionamos a experiência de Pelotas, como exemplo relevante pela sua
importância econômica regional e, também, por ter experimentado uma experiência
de gestão urbana transparente e participativa18.
O Município de Pelotas19/RS, paradoxalmente por uma decisão restrita a
gabinetes, aportou em torno de 20% dos recursos de um financiamento externo no
asfaltamento de vias20, ou seja, para beneficiar e/ou privilegiar o uso individual de
automóvel, com todos seus efeitos colaterais mais comuns, como a impermeabilização
das vias, o que prejudica a drenagem da água das chuvas causando alagamentos. Tal
uso promove, além disso, a descaracterização do patrimônio histórico/cultural e o
aumento da incidência de atropelamentos no trânsito decorrentes das altas velocidades
imprimidas graças ao asfalto e à imprudência de cidadãos e cidadãs individualistas21.
AS CONTRADIÇÕES DA (I)MOBILIDADE URBANA
Em 2002, Pelotas contou com um “processo inédito de participação na construção de
políticas urbanas, o qual resultou na consolidação das 13 Ideias Forças, construídas com diversas
instituições governamentais e organizações não governamentais (ONGs), através do Fórum Intersetorial e do Conselho do Plano Diretor (COMPLAD) de Pelotas. Tais propostas, visando um Novo
Pacto Para Uma Pelotas Sustentável, foram consubstanciadas na Carta do Congresso da Cidade,
construída e aprovada no I Congresso da Cidade de Pelotas, o qual contou com a participação de
mais de 400 pessoas, 90 delegados, de ONGs e instituições diversas, representando 65 setores da
coletividade.” Disponível em: <http://centrodeestudosambientais.wordpress.com/2010/09/28/
caderno-sustentar-03-disponivel-para-baixar/>.
19
População de 328.275, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2010).
20
Disponível em: <http://srv-net.diariopopular.com.br/03_10_05/jr300910.html.>.
21
Disponível em: <http://www.camarapel.rs.gov.br/anais/sessoes/2008/sessao14308.
pdf.>.
18
145
146
Processo Formador em Educação Ambiental a Distância
O transporte mundial representa 26% do consumo de energia total (LE
MONDE DIPLOMATIQUE BRASIL, 2008, p. 22) e, nos médios e grandes
centros urbanos, é privilegiado o uso de veículos automotores movidos a
combustível de origem fóssil22. Tal fato tem gerado impactos ambientais,
notadamente com o aumento da concentração dos gases do efeito estufa23.
Em média, os carros particulares ocupam 58% do espaço viário das
cidades para levar 20% das pessoas que se movimentam no espaço
urbano. No sentido oposto, os ônibus transportam mais de 68% das
pessoas, ocupando apenas 24% do espaço (NUNES, 2009).
A história da urbanização brasileira demonstra uma nítida preferência pelo
transporte rodoviário, mesmo com as grandes distâncias a serem percorridas. As
rodovias são a principal opção para o transporte de mercadorias, representando
cerca de 75% do tráfego mundial. Isto porque o custo do transporte representa
somente 1% a 2% do custo de fabricação dos produtos, pois não são computados os
reais custos (degradação ambiental, especialmente). “(...) um estudo realizado em
1999 mostrou que o usuário do transporte rodoviário paga, quando muito, 60% dos
gastos com infraestrutura que ele próprio gera”. (LE MONDE DIPLOMATIQUE
BRASIL, 2008, p. 20).
Não é de se surpreender que, em todo o Brasil, a frota teve um incremento
de 76% entre os anos de 2001 e 2009, resultando em mais 24 milhões de caminhões,
carros e motocicletas nas vias24. Somente em 2009, foram licenciados no RS 132.285
unidades de automóveis (ANFAVEA, 2009).
Ocorreu, também, um acréscimo geral na frota de carros e motocicletas25,
principalmente, pelo tímido aumento no poder de compra e pela diminuição da
dificuldade de acesso ao crédito. Tal efeito é estimulado, muitas vezes, por políticas
públicas que não enfrentam, na mesma medida e velocidade, os problemas
ocasionados à mobilidade urbana, mas que privilegiam os setores da indústria
automobilística e de combustíveis fósseis. Recordamos que, durante a recente crise
O nível de emissão dos gases de efeito estufa dos veículos automotores produzidos em
2009, divulgado recentemente pelo Ministério do Meio Ambiente. Disponível em: <http://servicos.ibama.gov.br/ctf/publico/sel_marca_modelo_rvep.php.>.
23
Em MEC/SECADI (2009, p. 110, 116, 122-123), pode-se verificar os impactos ambientais na exploração, produção e na utilização dos combustíveis fósseis e a contribuição para o
aumento da concentração dos gases do efeito estufa.
24
Disponível em: <http://rmtonline.globo.com/noticias.asp?em=2&p=2&n=467140>.
25
A relação entre a deficiência nos transportes públicos e o aumento na motorização
está explicitada em MEC/SECADI (2009, p.121).
22
Projeto ambiental escolar comunitário
econômica mundial, montadoras26 receberam substanciais recursos para se manterem
“ativas”, denotando a força política que exercem sobre os governos no mundo inteiro.
Há 10 anos havia 3 milhões de motocicletas27 circulando no Brasil. Hoje, são
11,4 milhões (MORTARI; EUZÉBIO, 2009, p. 22). Entre os anos de 2002 e 2006, houve
um aumento de 83% nas mortes de motociclistas envolvidos em acidentes de trânsito
(MOVIMENTO NOSSA SÃO PAULO, 2008).
Contudo, no Brasil28, cerca de 1/3 dos deslocamentos29 ainda é realizado a pé,
geralmente em função dos altos custos do transporte público30 (MORTARI; EUZÉBIO,
2009, p. 24).
Existem várias discussões e reivindicações, principalmente de movimentos
sociais, sindicatos e associações de estudantes (em Florianópolis31/SC, a Frente de Luta
pelo Transporte Público), no sentido de promover tarifas justas para o transporte coletivo.
O próprio Conselho das Cidades (ConCidades)32, expediu a Resolução Nº 30/2006,
Recomenda-se assistir ao documentário de Chris Paine “Quem matou o carro elétrico?”,
lançado pela Electric Entertainment e distribuído no Brasil pela Imagem Filmes, o qual demonstra a
resistência da indústria automobilística e de combustíveis fósseis à produção de carros menos poluentes.
27
Vide informações complementares em MEC/SECADI (2009, p.121), no tocante ao aumento
de viagens de moto e bicicletas em municípios menores.
28
Veja o gráfico referente à distribuição do transporte urbano e metropolitano de pessoas em
MEC/SECADI (2009, p.121).
29
A grande maioria dos trabalhadores, em média, gasta até 30 minutos para deslocar-se de
casa para o trabalho. As diferenças entre homens e mulheres não são muito marcantes, ao passo
que o recorte por cor/raça aparece como mais significativo (...). Isso pode ser explicado pela maior
presença de negros nas periferias das grandes cidades, o que, por sua vez, está relacionado à maior
pobreza e tem impactos diretos sobre o dia a dia e a qualidade de vida dessa população (IPEA, 2008).
30
Estudos da Agência Nacional de Transportes Públicos (ANTP) demonstram que os valores
mais baixos das tarifas em capitais e cidades com mais de 500 mil habitantes, em outubro de 2009,
foram os praticados em Belém/PA, Juiz de Fora/MG e São Luís/MA, ao custo de R$ 1,70. Já, as mais
elevadas, a R$ 2,50, ocorreram em Campo Grande/MS e em cidades paulistas como Campinas, Guarulhos, Osasco e Santo André. Em Porto Alegre/RS, o valor foi R$ 2,30. Compare com os valores em
seu município!
31
População de 421.240, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2010).
32
“A criação do Conselho das Cidades (ConCidades), no ano de 2004, representa a materialização de um importante instrumento de gestão democrática da Política Nacional de Desenvolvimento
Urbano – PNDU (...). Ele é um órgão colegiado de natureza deliberativa e consultiva, integrante da
estrutura do Ministério das Cidades e tem por finalidade estudar e propor diretrizes para a formulação e implementação da PNDU, bem como acompanhar a sua execução (...) Ele viabiliza o debate
em torno da política urbana de forma continuada, respeitando a autonomia e as especificidades
dos segmentos que o compõem, tais como: setor produtivo; organizações sociais; ONG’s; entidades
profissionais, acadêmicas e de pesquisa; entidades sindicais; e órgãos governamentais”.
Fonte:<http://www.cidades.gov.br/noticias/conselho-das-cidades-debate-mobilidade-urbana-nobrasil/>.
26
147
148
Processo Formador em Educação Ambiental a Distância
recomendando a implementação de um pacto federativo para o barateamento
das mesmas. Inclusive, entre as considerações do referido processo, figurava
a constatação que, desde a criação do Plano Real, a inflação medida pelo Índice
Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) havia sido bastante inferior aos reajustes
praticados no transporte público em todas as cidades. Em outras palavras, o preço
das passagens aumenta mais do que o custo de vida, a inflação e os reajustes salariais.
Ainda em 2009, no entanto, a diminuição nos valores das
passagens e o pacto federativo não tinham se realizado. Dessa
forma, o ConCidades através da Resolução Nº 73/09, reforçou sua
posição pela necessidade de coordenação entre os diversos órgãos
que estão tratando do tema, demonstrando que o assunto não tem se
desenvolvido de forma e no tempo adequado à real diminuição do
ônus tarifário.
Japão 2000 Foto: Soler CEA
Ressalta-se que, no Brasil, o transporte
público pode ser prestado mediante concessão a
instituições privadas, sendo essa a regra, bem como
é “regra” a fraude nos processos de licitação. No
município de Rio Grande33/RS, o Ministério Público
Estadual ajuizou ação civil pública a qual aponta que
a Prefeitura e duas empresas de transporte público
coletivo teriam fraudado planilhas de custo a fim de
majorar o valor das tarifas34.
Os trabalhadores também tem se utilizado da bicicleta para deslocamento,
mesmo que o retrato geral das ciclovias e ciclofaixas no Brasil seja precário,
diferentemente de países como o Japão e a Holanda, só para citar dois.
O movimento denominado “Dia Mundial Sem Carro”, que
ocorre anualmente, em 22 de setembro e teve início em fins do século
passado na Europa, defende uma completa reformulação no padrão de
mobilidade centrado no automóvel. No Brasil, uma série de ONGs e
Movimentos Sociais aderem à campanha, multiplicando-a.
O MC também corrobora com o movimento, sendo que o “Programa Bicicleta
Brasil” é decorrente dessa mobilização mundial. Assim, com vistas a centrar as
políticas públicas no deslocamento de pessoas e não de veículos automotores - a
regra das políticas até então, o MC desenvolve o referido Programa, em consonância
com o conceito de Mobilidade Urbana Sustentável35, inserida na Política Nacional
População de 197.228, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2010).
Disponível em: <http://www.jornalagora.com.br/site/index.
php?caderno=19&noticia=42679>.
35
Mobilidade Urbana Sustentável é o resultado de um conjunto de políticas de transporte e circulação que visam proporcionar o acesso amplo e democrático ao espaço urbano,
através da priorização dos modos de transporte coletivo e não motorizados de maneira efetiva,
33
34
Projeto ambiental escolar comunitário
de Mobilidade Urbana Sustentável, a qual foi aprovada no ano de 2004 pelo
ConCidades. Há inclusive linhas de crédito para os Municípios interessados em
implementar um plano de ação para a promoção do uso de bicicletas.36
O MC insere a bicicleta entre os meios de transporte capazes de promover
a Política Nacional de Mobilidade Urbana Sustentável, a qual
tem por objetivo promover a mobilidade urbana sustentável, de forma universal, à população urbana brasileira, promovendo ações articuladas entre a União, os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios, com a particação da sociedade. As diretrizes da política visam contribuir para o crescimento urbano sustentável e a apropriação justa e
democrátiva dos espaços públicos, promovendo e apoiando a circulação segura, rápida e
confortável, priorizando os transportes coletivos e os meios não motorizados (BRASIL,
2009).
Inobstante, a lei da política nacional de mobilidade urbana
destoou e não privilegiou o uso da bicicleta como alternativa de
massa, eficaz e menos poluente, uma vez que apenas exige que a
mesma conste no Plano de Mobilidade Urbana dos “Municípios sem
sistema de transporte público coletivo ou individual”, ao lado da
opção por deslocamentos a pé.
Obliquamente, ONGs37 e movimentos sociais vêm reivindicando espaço para maior
uso das bicicletas, valendo-se, entre outros argumentos, da característica de planície,
predominante nos municípios do Pampa Gaúcho. Este, por sua vez, possui uma
geografia física adequada para a implantação de ciclovias e ciclofaixas, embora
sejam quase inexistentes as políticas nesse sentido.
Contudo, é importante a participação de todos, ao lado do Poder Público, na gestão
das cidades, justamente com o objetivo de que o controle social enfrente decisões
que contrariam o interesse público e o direito às cidades. Por isso que Conselhos38
locais que tenham como atribuição o Planejamento da mobilidade urbana, com
uma composição democrática e com caráter, não meramente consultivo, mas, sim,
deliberativo, são essências para o exercício da cidadania propriamente dita.
A MOBILIDADE E A IMOBILIDADE NO RS
socialmente inclusiva e ecologicamente sustentável (ANTP apud PLANUTS, 2009).
36
Disponível em: <www.cidades.gov.br/bicicletabrasil>.
37
É o caso da ONG ecológica Centro de estudos Ambientais (CEA) (<http://centrodeestudosambientais.wordpress.com/>), em Rio Grande/RS e do grupo Pedal e Curticeira (http://www.
pedalcurticeira.com.br/), em Pelotas/RS.
38
Os órgãos colegiados são instrumentos planejamento, fiscalização e avaliação da
Política Nacional de Mobilidade urbana, conforme a Lei 12.587/12.
149
150
Processo Formador em Educação Ambiental a Distância
Também, no Rio Grande do Sul, vivencia-se, como modalidade de
deslocamento não motorizado, a utilização de animais para a tração de carroças e
charretes. Somente em Porto Alegre, estima-se a existência de 8.000 carroceiros e
charreteiros, a maioria envolvida com a catação de resíduos sólidos. Recentemente,
o Tribunal de Justiça do Estado confirmou a constitucionalidade da lei que prevê
a extinção das carroças naquele município até o ano de 2016, com mecanismos de
compensação aos seus proprietários39.
Este tema é bastante polêmico, revelando a dupla opressão
do sistema capitalista impingida, tanto aos condutores, expostos
a toda sorte de acontecimentos pela sobrevivência, quanto aos
animais não humanos, cruelmente forçados ao trabalho e sem
tratamento adequado. Em sentido contrário, os impactos ambientais
do uso de veículos automotores, tanto na sua fabricação como
no seu uso cotidiano e exagerado nas cidades, ainda não foram
argumentos suficientes para a aplicação de políticas significativas
de restrição. Quem sabe um dia, assim como no caso do fumo, a
evolução nos permita que as propagandas de carros venham com
a advertência do tipo: cuidado, a cultura do carro faz mal à vida
no planeta.
Soma-se ainda, a disseminação do chamado transporte
“público” alternativo, como as peruas e os mototáxis,
geralmente ilegais, mas que, embora propiciem menos
segurança e regularidade aos seus usuários, compensam
com preços mais acessíveis. Diversos municípios têm
regulamentado a atividade de mototáxi pela impossibilidade
de combatê-la sem apresentar alternativas viáveis.
Bonde Rio Grande /RS
Uma possibilidade mais econômica e menos poluente é o transporte
sobre trilhos, abandonado pelo RS e pelo Brasil, contrariamente ao praticado
em muitos países ricos. Em alguns municípios brasileiros, ainda encontramos os
trilhos dos antigos bondes, os quais, na década de 50 do século passado, seguindo,
principalmente, o exemplo dos Estados Unidos da América, foram varridos em
detrimento do estímulo à indústria automobilística por parte do governo.
Os bondes foram extintos na maioria das cidades européias e nos EUA,
ainda na década de 30, como conseqüência da criação e ascensão da
indústria automobilística que detinham. Ironicamente, nesse final de
39
Disponível em: <http://www.anda.jor.br/?p=24103>.
Projeto ambiental escolar comunitário
século, em muitas cidades americanas e européias, o bonde retorna,
como alternativa ao congestionamento nas áreas centrais, utilizando, em
muitos casos, a própria linha férrea (COSTA; FERREIRA, 2009, s/p).
No Balneário do Cassino, em Rio Grande/RS, até meados do século passado,
o transporte público utilizado para deslocamento dos veranistas da Zona Sul era
o trem que perpassava a Avenida principal, perpendicular à Orla40. Hoje, existe
somente a antiga estação ferroviária. Além disso, engarrafamentos são frequentes
na temporada de veraneio na RS 734, via que dá o principal acesso ao Cassino. A
obra de duplicação dessa rodovia, com seus indesejáveis (alguns evitáveis) impactos
ambientais, verificados durante a sua construção e funcionamento, teve início no ano
de 2006 e até o momento41, não se encontra concluída. Os transtornos gerados por
tal obra à população são recorrentes, além dos incidentes fatais (JORNAL AGORA,
2012)42, não só devido à precária sinalização, mas também à ausência de espaço
para ciclovia, em que pesem o trânsito significativo de bicicletas, as reivindicações,
os protestos e a inquestionável adequação do uso da bicicleta à proposta turística
do balneário.
Outra modalidade de deslocamento que carece de investimentos,
notadamente no Rio Grande do Sul, é a hidroviária. No século passado, era possível
ir de barco a vapor de Pelotas até Porto Alegre, mas, com o privilégio do transporte
rodoviário, a linha foi extinta.
Merece destaque a popularização do uso do transporte aéreo como meio de
deslocamento intermunicipal e estadual. A diminuição do valor das tarifas, na
maioria das vezes acompanhada pela precarização do serviço, levou a um incremento
de fluxo nos aeroportos no mundo inteiro, o que ocasionou congestionamentos no
espaço aéreo. No Brasil não é diferente, principalmente em São Paulo43.
Por outro lado, a contribuição da utilização do avião para as mudanças
climáticas é substancial. “O equilíbrio do clima exige que não se ultrapasse 1,8t
CO2 por pessoa e por ano, com todas as necessidades inclusas, mas apenas uma ida e
volta de São Paulo-Londres consome 4,16t CO2” (LE MONDE DIPLOMATIQUE,
2008, p. 23).
Em relação às condições das vias urbanas para quem se desloca a pé ou
em cadeiras de rodas, a realidade também é bastante excludente, pois tais vias
Mais informações sobre as linhas ferroviárias que serviam a Zona Sul em: <http://www.
estacoesferroviarias.com.br/rs_bage_riogrande/bage_riogrande.htm> e <http://www.tramz.
com/br/rg/rg.html>.
41
Set . 2012.
42
Disponível em: <http://www.jornalagora.com.br/site/content/noticias/detalhe.
php?e=3&n=32965>.
43
População de 11.253.503, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(2010).
40
151
152
Processo Formador em Educação Ambiental a Distância
apresentam uma série de obstáculos. Recentemente, na contabilidade dos acidentes
de trânsito, têm sido incluídos aqueles ocorridos pelos deslocamentos a pé.
Mais preocupante ainda é a questão da garantia de acessibilidade às Pessoas
Portadoras de Deficiência (PPD’s) ou com mobilidade reduzida. A Lei 10.098/2000
classifica, dentre os tipos de barreiras, as arquitetônicas urbanísticas, que são aquelas
existentes nas vias públicas, espaços de uso público e transportes públicos. Além
disso, determina que o planejamento e a urbanização das vias públicas, assim como
os transportes públicos deverão ser concebidos e executados de forma a garantir
a acessibilidade. Imputa ao Poder Público a obrigação de suprimir as barreiras à
acessibilidade. Todavia a realidade é bastante diferente, pois não se encontra nos
municípios uma política sólida de remoção dos obstáculos.
O ESPAÇO URBANO, A INFRAESTRUTURA E O
AMBIENTE NATURAL E SOCIAL
A dispersão dos locais de trabalho e a descentralização das moradias, aliadas
ao crescimento horizontal das cidades, desordenado e demasiadamente acelerado,
são motores dos problemas da mobilidade urbana e da segregação que a urbanização
impõe à maioria da população44.
Os centros foram propositalmente abandonados e não
representam mais um local adequado à moradia, por ter casas
em mau estado de conservação, elevados índices de poluição
sonora e criminalidade. Muitos imóveis estão fechados,
enquanto o déficit habitacional é extremamente elevado.
Estima-se que, em São Paulo, dos 400.000 domicílios vagos,
200.000 estejam no centro (MORTÁRI; EUZÉBIO, 2009, p.
24), sendo que este retrato repete-se em vários municípios
brasileiros.
Classes sociais que concentram a renda têm escolhido locais distantes para
residir, como os condomínios e loteamentos fechados, providos com infraestrutura
própria, mas que, em muitas vezes, não respeitam as regras urbanísticas e
ambientais. Além disso, reproduzem a segregação social e refletem a resolução
individualista dos problemas da urbanização. No entanto, essas classes mantêm as
atividades, principalmente laborais, no centro da cidade, utilizando-se, via de regra,
do automóvel particular para irem ao centro, ainda que em São Paulo o tráfego de
helicópteros, particulares ou de aluguel, os popularmente apelidados “táxis de elite”,
O processo de expulsão do proletariado pela burguesia dos centros das cidades, no
início da industrialização na Europa, bem como o posterior processo de retirada voluntária da
burguesia, tem profunda relação com o caso brasileiro (LEFEBVRE, 2008, p. 23-26).
44
Projeto ambiental escolar comunitário
têm aumentado significativamente, representando a terceira maior frota do mundo,
com 1.089 unidades no ano de 2008, atrás somente de Nova Iorque e Tóquio45.
Ressaltamos que levar toda a infraestrutura urbana para os subúrbios e
periferias significa um gasto energético enorme, financeiramente suportado, na
maioria das vezes, pelo Poder Público. Na região metropolitana de Porto Alegre, vêse um vai e vem diário de automóveis e motocicletas, principalmente na Freeway,
pois cotidianamente moradores de Porto Alegre se deslocam para trabalhar nas
cidades metropolitanas, assim como moradores das cidades vizinhas vão à capital
para trabalhar. Nos últimos anos, com o crescimento de condomínios e loteamentos
fechados em diferentes regiões, mas principalmente na zona sul da capital do Rio
Grande do Sul, os problemas de deslocamento para essa região da cidade aumentaram.
O mesmo pode ser verificado nas Aglomerações Urbanas, como a já
mencionada do Sul46, notadamente na interdependência e no intercâmbio entre Rio
Grande e Pelotas47, os dois maiores centros urbanos da região e com uma economia
mais importante em relação às demais cidades da referida Aglomeração.
A reurbanização48 dos centros das grandes e médias cidades tem sido uma
Disponível em: <http://www.estadao.com.br/nacional/not_nac147304,0.htm>. Acesso
em: 24 abr. 12.
46
Urbana do Sul foi a primeira a ser instituída no RS, em 1990. Primeiramente abrangia
somente os municípios de Pelotas e Capão do Leão, tendo sido agregados os municípios de Arroio
do Padre, Rio Grande e São José do Norte, em dezembro de 2003.
47
Congresso da Cidade de Pelotas, em 2002, reconheceu a importância da conexão entre
Rio Grande e Pelotas, na Ideia Força 01 (SEURB, 2002).
48
A reurbanização é aqui entendida como uma política pública, constante de investimentos
públicos e privados, com vistas à realização de obras em determinada área da cidade, com o intuito de fomentar atividades capazes de potencializar o seu uso para fins comerciais e/ou de lazer.
45
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Processo Formador em Educação Ambiental a Distância
alternativa implementada na Europa e pensada também para o Brasil, a fim de
revitalizar esses espaços que já dispõem de infraestrutura básica. No entanto, ações
como essas constituem elementos de uma reforma urbana.
Em função de que isso não ocorre, medidas paliativas, por meio de políticas
públicas, são tomadas, como, por exemplo: campanhas para o uso racional do carro,
através do rodízio de placas e proibição de circulação em determinados locais;
limitação de estacionamentos; aumento das ruas em detrimento de calçadas e ciclovias;
construção de radiais e elevadas; campanhas educacionais para o trânsito, etc.
Outro aspecto relativo à política de mobilidade diz respeito ao fato de que a
versão sustentável desta deve se articular com a “geografia física” do local onde as
cidades estão situadas. Municípios que são ilhas ou ainda cortados por rios, lagos,
morros exigem maiores intervenções para prevenir ou mitigar a “(i)mobilidade”
urbana e a degradação ambiental.
Florianópolis/SC, por exemplo, vive diariamente o caos no trânsito,
principalmente em relação ao acesso à referida cidade, visto que muitos municípios
vizinhos servem como “cidades-dormitórios” dos trabalhadores que são privados de
moradia na própria ilha. No período de veraneio, esse problema se intensifica.
Contudo, ações públicas podem ser efetivadas como,
por exemplo, o ocorrido na Ilha de Manhattan, bairro de Nova
Iorque/EUA. Nesta localidade, onde o governo restringiu
o uso de automóveis por meio da política de limitação de
estacionamentos. Além desta, em Munique, na Alemanha, os
novos prédios são concebidos sem garagens. Entretanto, ambas
as cidades investiram no transporte público coletivo como
alternativa (LE MONDE DIPLOMATIQUE BRASIL, 2008).
Na contramão disso, em Pelotas/RS, no início do ano de 2000, às vésperas da
promulgação da Lei 4.568/2000, a qual declara Zonas de Preservação do Patrimônio
Cultural, uma série de casarões históricos que seriam juridicamente tutelados através
de inclusão no Inventário Municipal, foram postos abaixo por seus proprietários e
transformados em estacionamentos no centro da cidade. Recentemente, o Cinema
Capitólio, espaço tradicional de lazer dos pelotenses, sofreu o mesmo tratamento,
transformado em estacionamento, o que estimulou uso do transporte individual.
Na Aglomeração Urbana do Sul, é diária a locomoção de pessoas entre os
municípios que a compõem para trabalho e outros fins. Apesar do deslocamento
rodoviário predominante, a ligação estabelecida entre São José do Norte e Rio Grande
é realizada através de transporte hidroviário, mas por força de uma materialidade da
natureza (águas da Laguna dos Patos) e não por opção politica ou mesmo de gestão.
Ainda assim, não está descartado o fortalecimento do transporte terrestre entre esses
Projeto ambiental escolar comunitário
dois espaços urbanos, o qual passa por projetos de ligação a seco49, há anos em
debate e, atualmente, já com estudos e pré-análises de viabilidade, visando atender
exigências do crescimento econômico, protagonizada pelo polo naval50.
Embora não esteja numa ilha, a população de São José do Norte enfrenta
dificuldades de acesso a Rio Grande, município do qual foi emancipado em 1831,
mas que concentra grande parte dos serviços públicos que utilizam os nortenses,
como saúde, educação, além do comércio e postos de trabalho. Para o deslocamento
usual, é necessário atravessar o coloquialmente conhecido Canal do Norte, na Lagoa
dos Patos, na balsa, a qual transporta veículos automotores, ou nas lanchas para o
transporte de pessoas. Entretanto, os horários e a regularidade da balsa são restritos,
além de as condições de segurança na travessia serem precárias. A ausência de
licitação e o valor das tarifas também são motivos de divergências, o que acarretou
uma audiência pública da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, no dia 09
de novembro de 2009, para debater o tema51. Propostas como a construção de um
túnel ou uma ponte foram ponderadas, embora o ecossistema da região seja bastante
sensível.
Em Salvador/BA52, em decorrência da geografia física, há modalidades de
transportes que articulam áreas verticais, como os ascensores públicos (elevadores)
e os Planos Inclinados, espécies de bondes em trilhos que transitam ao longo da
encosta do morro. No Rio Grande do Sul, temos as escadarias, importantes nos
deslocamentos a pé, muito utilizadas antigamente.
Portanto, na perspectiva da mobilidade urbana sustentável, na concepção e expansão
das cidades, a geografia física deve ser considerada, não somente para impedir a
degradação ambiental, mas também como forma de evitar a “(i)mobilidade” urbana.
Disponível em: <http://www.jornalagora.com.br/site/content/noticias/detalhe.
php?e=9&n=25236>. Acesso em: 15 mar. 2012.
50
Veja mais em: <http://www.portoriogrande.com.br/site/index.php>. Acesso em: 17 set.
2012.
51
Disponível em: <http://www.jornalagora.com.br/site/?caderno=20&noticia=65628&pagi
na=5_61>. Acesso em: 18 jul. 2011.
52
População de 2.675.656, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(2010).
49
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Processo Formador em Educação Ambiental a Distância
O QUE FAZER PARA SUPERAR O PADRÃO DOMINANTE DE “(I)MOBILIDADE” URBANA?
Procuramos demonstrar, de forma abrangente, que a questão da mobilidade
urbana não pode ser tratada como uma política pública isolada. A interligação de várias
dimensões (como, por exemplo, a econômica, a social e a ambiental) é necessária para
o entendimento e a qualificação da mobilidade urbana. Da mesma forma, os problemas
aqui elencados não decorrem da ausência de técnicas específicas, mas sim do padrão de
urbanização que obedece à função que as cidades desempenham na produção, acumulação
e circulação do capital.
Assim, minimizar o caos da mobilidade urbana, ou melhor, da “(i)mobilidade”,
requer, no mínimo, a integração de políticas ambientais, de habitação, uso do solo e
de distribuição de renda. Tais aspectos são de responsabilidades dos poderes públicos e
agentes de governo nos três níveis federativos. Contudo, os cidadãos e cidadãs também
têm sua responsabilidade (ainda que diferenciada entre si, bem como do Poder Público),
a qual se dá através da participação social na fiscalização e exigência de qualidade na
prestação de serviços públicos, conforme assegura o marco legal vigente da mobilidade
urbana.
Assim, sem a participação e a fiscalização não será possível nem a minimização,
quanto mais a superação do padrão de “(i)mobilidade” opressor da maioria da população
e da natureza. Nesse sentido, o acesso à informação é essencial. Nos municípios,
geralmente, há conselhos de moradores, ONGs, sindicatos, associações de estudantes
e de trabalhadores que se organizam e fiscalizam os transportes públicos e as empresas,
dentre outros aspectos anteriormente citados.
O Ministério Público também pode ser acionado em caso de não cumprimento dos
serviços por parte dos agentes públicos ou seus concessionários. Desse modo, cidadãos
e cidadãs devem ter condição de intervir nos processos e reivindicar pautas, bem como
espaços de exercício da democracia direta, como são os Conselhos. Aliás, as escassas
políticas de mitigação somente existem em decorrência da mobilização social.
Nesse contexto, cabe o seguinte questionamento: o que se pode fazer para, no
mínimo, despertar a consciência de que outro padrão de mobilidade urbana é possível
ou, ainda, para tomar iniciativas que colaborem com a diminuição dos efeitos sociais
e ambientais decorrentes do paradigma dominante, exigindo a efetivação do direito
universal à cidade e o cumprimento da função social da propriedade?
Isso dependerá do nível de organização da sociedade frente ao poder estatal e econômico.
Não há uma fórmula específica e infalível. Talvez o primeiro passo seja buscar elementos
sobre o assunto. Para isso, informe-se sobre a existência, na sua região:
de associações de moradores, sindicatos, escolas, ONGs ou outros grupos e
movimentos sociais que atuem nessa área;
Projeto ambiental escolar comunitário
de grupos de pesquisa ou projetos de extensão nas universidades, que
envolvam a comunidade com a temática ou ainda que auxiliem na formação de
associações;
de políticas municipais sobre o tema e espaços públicos para a participação
da comunidade.
A mobilização entre vizinhos, parentes, colegas, mesmo que inicialmente
como espectadores, para realizar reuniões de conselhos e/ou audiências públicas
sobre a política urbana é uma possibilidade de melhora. O apoio a grupos existentes
ou até mesmo a constituição de novos, para, por exemplo, intervir nas políticas
públicas, seja diretamente – mediante mobilizações, representação em conselhos,
audiências públicas, cyberativismo, seja através das representações parlamentares,
meio essencialmente legal. Na ausência de espaços para o exercício da democracia
direta, cabe reivindicá-los.
Constituem pautas importantes para mobilizações:
a aplicação da Lei que dispõe sobre a Política Nacional de Mobilidade
Urbana, bem como do marco legal correlato;
a luta por tarifas e condições mais justas e de qualidade no transporte público
urbano e por uma urbanização inclusiva, que respeite pedestres, ciclistas, PPD’s,
pessoas com mobilidade reduzida e a natureza;
diversidade nas modalidades de transporte na sua região, respeitadas as
características dos ecossistemas locais;
o contato com o Ministério Público acerca de garantias e afrontas ao Direito
à Cidade e ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado.
Finalmente, no nível individual, cabe o consumo de produtos elaborados na
própria região para minimizar a demanda por transporte. Diversificação do padrão
de mobilidade, evitando a motorização, é uma alternativa para isso, com destaque
para o andar a pé e o pedalar. Se não for possível, é o caso de diminuir a quantidade
de deslocamentos automotores, concentrando as atividades em menos dias e em uma
região, utilizando veículos e combustíveis menos impactantes e compatíveis com
a real necessidade. Organização de caronas solidárias e a exigência de respeito no
trânsito são possibilidades para potencializar uma mobilidade urbana sustentável.
A pesquisa sobre o assunto e a divulgação dos resultados desta em
eventos e publicações científicas e/ou em jornais locais, rádios ou blogs faz parte
de uma estratégia de EA necessária para tal mobilidade. É importante construir
a solidariedade na cidade e a consciência de que os problemas da degradação
socioambiental não atingem igualmente nem a todos e nem aos ecossistemas. Da
mesma forma, a capacidade de enfrentar tais questões é diferenciada e requer ações
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Processo Formador em Educação Ambiental a Distância
em escala coletiva, preferencialmente materializadas em políticas públicas.
As ações individuais são importantes para as pessoas, mas insuficientes para
mudarem o mundo. Para tanto, o envolvimento com a política, partidária ou não, e a
clareza do mito da neutralidade científica e/ou política são fundamentais. A promoção
de reflexões críticas sobre o assunto não pode ser abdicada pela EA.
O olhar abaixo da superfície do iceberg permite enxergar que este padrão
dominante não é natural, mas tampouco inexorável. Nesse sentido, superar esse
padrão, nas palavras de Acselrad (2009), requer um “novo paradigma de planejamento
urbano e de uma cultura político-administrativa” (p. 18), fundamentalmente com
acesso à informação e com participação.
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Educação Ambiental e Mudanças Globais no Estado do Rio Grande