ANÁLISE DA DEGRADAÇÃO DA PROFISSÃO E DAS CONDIÇÕES DE TRABALHO DOS PROFESSORES NUMA PERSPECTIVA MARXISTA 1 Waldete Ap. Junqueira Prado Gasparotti Nunes Alexandre Junqueira Prado Gasparotti Nunes Resumo Os problemas da formação de uma identidade profissional entre os professores do ensino de nível básico e da degradação das suas condições de trabalho ocorrida na história recente constituem os objetos de investigação de nossas pesquisas. Dentro do universo de questões que esses problemas levantam, nosso objetivo é compreender quais são os fatores econômicos e políticos que produzem esses fenômenos da degradação das condições de trabalho e da profissão docente na história recente e como eles atuam. Nossa linha teórica de abordagem dos problemas é o materialismo histórico, enfatizando os conceitos filosóficos de consciência de classe, alienação e reificação, e também conceitos econômicos como o de mais valia. Realizamos um extenso levantamento bibliográfico que nos ofereceu interessantes pontos de vista sobre a questão da degradação das condições de trabalho e da profissão docente, principalmente artigos de revistas da área de estudos sobre educação. Foram muito importantes para a realização das análises teóricas dos problemas as ideias de Braverman e de Marx. Fizemos uma análise em que exploramos os pontos de convergência entre as determinações responsáveis pela degradação histórica do trabalho no modo capitalista de produção e as determinações responsáveis pela histórica degradação do trabalho do professor. Concluímos que o problema da falta de uma consciência ou identidade profissional entre os professores brasileiros, além de ter raízes no próprio processo histórico de formação desta categoria, também vem se aprofundando em decorrência da degradação das condições de trabalho e de emprego dos professores verificadas durante o período de implantação de políticas neoliberais na educação. Palavras-chave: degradação do trabalho docente; alienação; identidade profissional. Introdução O fenômeno da degradação do trabalho que se observa na sociedade capitalista remonta aos primórdios da industrialização moderna onde se verificou a imposição de um processo de divisão do trabalho que aniquilou com as perícias e capacidades dos artesãos e mestres de ofício. No capitalismo industrial moderno teve início um processo de desqualificação dos mestres de ofício e dos artesãos porque a forma de divisão do trabalho implantada não era a mesma da divisão social do trabalho que dá origem às sociedades humanas. A divisão do trabalho, que é um fenômeno natural do desenvolvimento das sociedades humanas, no capitalismo adquire outra feição. A divisão social do trabalho é um 1 Rede Municipal de Ensino de Bauru – SP. R. São Gonçalo, 4-40, apto 106, Vila Altinópolis, Bauru – SP. Fone (14) 3227-4667. E-mail: [email protected] dado natural da constituição das sociedades. Divide as funções produtivas entre homens e mulheres, entre agricultores e artesãos, sacerdotes e guerreiros, mestres e aprendizes. A divisão do trabalho capitalista é uma mera divisão técnica em que os ofícios são fragmentados em diversas partes, pois todo o trabalho que antes era concebido e executado por um indivíduo é agora dividido em suas múltiplas partes pelos membros das equipes de gerência e cada uma dessas partes é executada por vários trabalhadores manuais. Esse processo contém a origem da destruição de muitos ofícios e profissões desde o momento em que a produção capitalista passou a dominar a produção econômica das sociedades. Para Braverman: A divisão do trabalho na sociedade é característica de todas as sociedades conhecidas; a divisão do trabalho na oficina é produto peculiar da sociedade capitalista. A divisão social do trabalho divide a sociedade entre ocupações, cada qual apropriada a certo ramo de produção; a divisão pormenorizada do trabalho destrói ocupações consideradas neste sentido, e torna o trabalhador inapto a acompanhar qualquer processo completo de produção (BRAVERMAN, 1987, p. 72, itálico do autor). As empresas capitalistas modernas não podem se furtar de exercer um rígido controle sobre os processos de produção. No final do século XIX o trabalho da gerência nas modernas empresas capitalistas ganhou status de cientificidade com os métodos de controle do processo de trabalho empregados por Frederick Winslow Taylor. O taylorismo determina o total controle sobre os movimentos de cada trabalhador dentro de uma empresa. Qualquer movimento do trabalhador que seja espontâneo pode significar, segundo o taylorismo, um desperdício de tempo e de produtividade. Cabe então à gerência da empresa elaborar e vigiar metodicamente os movimentos de cada um dos seus trabalhadores. O método de Taylor ganhou o status de científico, porém “[...] o taylorismo pertence à cadeia de desenvolvimento de métodos e organização do trabalho, e não ao desenvolvimento da tecnologia no qual seu papel foi mínimo” (BRAVERMAN, 1987, p. 82). Com o advento da gerência científica do processo produtivo os momentos da concepção e da execução, que na produção artesanal e manufatureira antes eram organicamente uma única coisa, foram separados e fragmentados, passando assim a ser responsabilidade de pessoas diferentes que trabalham em locais diferentes. As tarefas de concepção ficaram sob a responsabilidade dos membros do setor da gerência enquanto a execução das tarefas concebidas por estes ficaram sob a responsabilidade dos trabalhadores manuais. Mas não é apenas isso. Em busca de maior obtenção de produtividade, o capital, através da gerência, nunca cessará de dividir as etapas da produção e de exercer sobre elas um rígido controle, criando assim um grande número de divisões e subdivisões na produção de uma mesma mercadoria. Esse processo tem como resultado fazer o trabalho deixar de ter a qualidade de trabalho concreto, uma atividade com sentido para o trabalhador que a faz. Ao invés de uma atividade concreta e com sentido, o trabalho tornar-se aquilo que Marx denomina trabalho em geral, ou seja, mero dispêndio de energia, músculos e cérebro pelos trabalhadores. Essa forma de manifestação histórica do trabalho é aquilo que Marx denomina trabalho alienado, aquela forma de trabalho em que o trabalhador está desprovido do controle sobre os meios e condições da realização do processo de produção, não mais enxergando os produtos do trabalho como sua criação, mas como um universo de coisas estranhas das quais ele não consegue perceber-se como o seu produtor. A divisão do trabalho na sociedade capitalista gera nos seres humanos formas de percepção da vida social. As mercadorias, formas de manifestação da riqueza na sociedade capitalista, são uma expressão fenomênica de relações sociais entre os indivíduos que produzem sob as condições capitalistas. Porém, as mercadorias se apresentam aos sentidos humanos na sociedade capitalista não como produtos de relações sociais, mas como coisas que estabelecem relações entre si próprias. O caráter dissimulador do mundo das mercadorias foi chamado por Marx de fetichismo. Nas palavras de Marx: A mercadoria é misteriosa simplesmente por encobrir as características sociais do próprio trabalho dos homens, apresentando-as como características materiais e propriedades sociais inerentes aos produtos do trabalho; por ocultar, portanto, relação social entre os trabalhos individuais dos produtores e o trabalho total, ao refleti-la como relação social existente, à margem deles, entre os produtos do seu próprio trabalho. Através dessa dissimulação, os produtos do trabalho se tornam mercadorias, coisas sociais, com propriedades perceptíveis e imperceptíveis aos sentidos (MARX, 2011, p. 94). O caráter fetichista da produção capitalista de mercadorias engendrado pela divisão do trabalho típica a este modo de produção cria formas de consciência por assim dizer reificadas. Na consciência reificada a realidade social não se apresenta aos indivíduos em sua totalidade, mas apenas em seus aspectos parciais e limitados. As relações entre os indivíduos tomam a feição de relação entre coisas, tal como a relação que se estabelece entre as mercadorias, e camuflam o fato de serem relações socialmente estabelecidas. Como ressalta Lukács: “Ela [a estrutura da mercadoria] se baseia no fato de uma relação entre pessoas tomar o caráter de uma coisa e, dessa maneira, o de uma ‘objetividade fantasmagórica’ [...]” (LUKÁCS, 2003, p.194). Objetivos - Compreender quais os fatores econômicos e políticos que produzem os fenômenos da degradação das condições de trabalho e da profissão docente na história recente e como eles atuam. Metodologia - Levantamento bibliográfico sobre o tema da degradação do trabalho e da profissão docente, principalmente artigos de revistas da área de estudos sobre educação. - Análise da bibliografia explorando os pontos de convergência entre as determinações responsáveis pela degradação histórica do trabalho no modo capitalista de produção e as determinações responsáveis pela histórica degradação do trabalho do professor. Resultados O profissionalismo é uma forma de consciência dos membros da classe trabalhadora que se impõe como resultado do crescente processo de divisão do trabalho no sistema produtor de mercadorias. A crescente fragmentação do processo produtivo e a criação dos especialistas levam certos grupos a criarem a ilusão do pertencimento a um grupo de status diferenciado cujos interesses não seriam os mesmos da totalidade da classe trabalhadora. Desta forma “quanto mais ela se desenvolve [a divisão do trabalho], se intensificam os interesses profissionais e de status dos ‘especialistas’, que se tornam os portadores de tais tendências” (LUKÁCS, 2003, p. 227). Como a ideia de profissionalismo se apresenta entre os professores do ensino básico no Brasil? A formação de uma consciência profissional entre estes atores sociais no Brasil é um tema debatido no universo acadêmico e conta com algumas contribuições. Um ponto de vista presente neste debate é o da ausência da ideia de profissão entre os professores tendo em vista que estes não formam uma categoria de trabalhadores com sintonia de interesses materiais e propósitos ou aspirações elevadas de progresso material e condições de trabalho. Em Rêses (2008) encontramos uma discussão sobre a influência da formação da identidade profissional entre os professores brasileiros no processo histórico de sindicalização desta categoria. Ele aponta que nas origens históricas da categoria dos professores no Brasil esteve presente o estereótipo de que a profissão docente é um trabalho por vocação. Isto contribuiu para que no ambiente sociopolítico em que surgiu a categoria dos professores (entre o final do século XIX e o início do século XX) no Brasil, ambiente este marcado pela extrema influência que os dogmas religiosos exerciam sobre os valores sociais, as mulheres se tornassem a maioria dos membros da categoria dos docentes. Segundo Rêses: Os elementos do modelo sacerdotal permearam a profissão docente. O trabalho docente é adjetivado constantemente por palavras como fé, crença e missão, sem que haja qualquer vinculação com manifestações religiosas [...] Algumas questões surgem da reflexão sobre a ‘vocação inata’ da mulher para a profissão docente: será que a mulher nasce para ensinar?[...] A expansão das Escolas Normais, em fins do século XIX, se situava dentro de uma visão forjada do papel feminino: a mulher continuava confinada às tarefas domésticas e educativas, ao mesmo tempo em que a aceitação do trabalho feminino se tornava maior devido ao assalariamento das classes médias. Seu enquadramento continuava se dando de acordo com a divisão sexual das tarefas. Há mais de um século existe o estereótipo de que cuidar de criança ‘é coisa de mulher’(RÊSES, 2008 p. 32-35-36). O fato de as mulheres serem a maioria dos membros do magistério não é apontado por Rêses como o motivo principal da deterioração salarial e das condições de trabalho no magistério. Esse é um processo comum a todas as ocupações do setor de serviços, entre as quais figura a docência, independentemente destas possuírem maior ou menor quantidade de mulheres. O motivo que tem levado não apenas o trabalho docente a tornar-se desqualificado é o mesmo que Braverman (1987) aponta, ou seja, a crescente proletarização de todo o universo da classe trabalhadora. Lüdke e Boeing (2004) discutem porque o trabalho docente ainda não é visto como um trabalho de “profissionais” pela sociedade brasileira e tentam levantar condicionantes sociais que não permitiriam enxergar o professor como uma categoria profissional. Em suas palavras: Poderíamos também enumerar a entrada e saída da profissão sem o controle dos seus próprios pares; a falta de um código de ética próprio; a falta de organizações profissionais fortes, inclusive sindicatos, o que, na comparação com o caso francês, deixa os nossos professores em situação ainda mais frágil; e também, sem querer esgotar a lista, a constatação de que a identidade ‘categorial’ dos professores foi sempre bem mais atenuada, isto é, nunca chegou a ser uma ‘categoria’ comparável à de outros grupos ocupacionais (LÜDKE & BOEING, 2004, p. 1168-1169). Oliveira (2004) diz que a nova regulação dos sistemas educacionais no Brasil e nos países pobres foi concebida de acordo com os critérios administrativos de produtividade, eficácia, excelência e eficiência. O sentimento de desprofissionalização é grande entre os professores, principalmente porque as reformas educacionais em curso tendem a retirar-lhes a autonomia do seu exercício de trabalho. O aspecto da proletarização ou perda do controle sobre a integridade do processo de produção ou trabalho comparece em análises que apontam o processo de desprofissionalização ou que sustentavam a luta pela profissionalização dos trabalhadores do magistério como estratégia de autoproteção. As políticas de gestão democrática da educação têm contribuído para a desprofissionalização dos professores. Ainda para Oliveira (2004) as teses da desprofissionalização e da proletarização não podem ser ignoradas para se compreender os processos de flexibilização e precarização do trabalho docente. O corporativismo no sentido de defesa do conhecimento próprio do grupo de praticantes de uma determinada profissão não foi adotado pelos professores. Além do mais, o trabalho docente tem sofrido nos anos de implantação das políticas neoliberais um processo de precarização no que tange às relações de emprego, isto é, perdas de garantias trabalhistas e previdenciárias oriundas de reformas do aparelho do Estado, contratos temporários de trabalho, arrocho salarial, ausência de planos de cargos e salários. Segundo Oliveira: A constatação de que as mudanças mais recentes na organização escolar apontam para uma maior flexibilidade tanto nas estruturas curriculares quanto nos processos de avaliação corrobora a ideia de que estamos diante de novos padrões de organização também do trabalho escolar, exigentes de um novo perfil de trabalhadores docente (OLIVEIRA, 2004, p. 1139). Tendo em vista o conceito de trabalho alienado, entendemos que o que caracteriza o professor como um trabalhador desqualificado é o fato de ele gozar de uma autonomia, mas não do controle de suas condições de realização do trabalho. Freitas (2002) argumenta que o problema da desqualificação do profissional professor ocorre porque o processo de formação desta categoria profissional está sendo encaminhado não por um viés acadêmico e sim técnico, o que tem sido promovido pelas leis aprovadas a partir de meados de 1990. Segundo Freitas: A política de expansão dos institutos superiores de educação e cursos normais superiores, desde 1999, obedece, portanto, a balizadores postos pela política educacional em nosso país em cumprimento às lições dos organismos financiadores internacionais. Caracterizados como instituições de caráter técnicoprofissionalizante, os ISES tem como objetivo principal a formação de professores com ênfase no caráter técnico instrumental, com competências determinadas para solucionar problemas da prática cotidiana, em síntese, um ‘prático’(FREITAS, 1992, apud FREITAS, 2002, p.143). Também para Freitas as políticas de formação e qualificação profissional dos professores implementada no Brasil a partir de meados dos anos 1990, que se fundamentam nos conceitos de certificação de competências profissionais, são responsáveis pela criação de um quadro de precarização da formação dos professores e perda da sua condição de profissional. Desta forma: A lógica das competências, ao enfatizar a individualização dos processos educativos, a responsabilização individual pelo aprimoramento profissional, produz o afastamento dos professores de sua categoria profissional como coletivo e, em consequência, de suas organizações. Portanto, “não abre em si nenhuma solidariedade, já que, presumidamente, não pertence como fonte a uma categoria formalizada que, como tal, pode reivindicar direitos para todos os seus membros”(ISAMBERT-JAMATI, 1997, apud, FREITAS, 2003, p.1108). O modelo de formação baseado em certificação de competências é um novo modo de entender a qualificação do trabalho do professor, mas que na verdade torna-se a negação da ideia de formação profissional. Além disso, também de acordo com Freitas, a política de certificação de competências profissionais dos professores por órgãos externos de avaliação (MEC, etc.) somente aumentará a o processo de culpabilização dos professores pelo fracasso da educação. Ferreira (2011) ao tratar da questão da alienação e da pauperização entre os professores afirma que quanto à que questão do trabalho alienado, cada categoria apresenta um nível distinto, embora seja comum a todos os trabalhadores. Para ele, os docentes sempre foram proletários e, portanto seria na verdade mais adequado falarmos em pauperização/alienação dessa categoria de trabalhadores, mesmo podendo admiti-lo com ressalvas. “De fato, os docentes apenas veem aprofundado o sofrimento que o trabalho alienado, fruto do capitalismo gera: ao invés de realizador das aspirações humanas, é um momento de seu esgotamento e degradação” (FERREIRA, 2011, p.66). As novas formas de regulação educacional nos países da América Latina destacam-se pelos aspectos da “centralidade que os programas de reforma têm atribuído à administração escolar, elegendo a escola como núcleo de planejamento e gestão.” (OLIVEIRA, 2005, p. 768). Para Oliveira as reformas educacionais tendem a retirar dos professores a autonomia entendida como condição de participar da concepção e da organização de seu trabalho. Interessante também é que a autora chama a atenção para o fato de que a assimilação das políticas educacionais implantadas em função de recomendações dos organismos internacionais difere de país para país da América Latina e os possíveis motivos disso relacionam-se ao grau de mobilização social e sindical do movimento docente e às diferenças no processo de constituição da identidade nacional e às diferenças culturais existentes entre os países da América Latina. Os professores estão hoje submetidos às imposições capitalistas, mesmo que sejam trabalhadores não produtores diretos de mais valia e funcionários do Estado. O contexto de precarização e intensificação do seu trabalho têm como forças causadoras as reformas na educação que são uma faceta de reformas maiores, como a reforma do Estado, as quais se tornaram uma necessidade urgente devido à crise de acumulação do capital que se inicia em meados da década de 1970. O contexto de precarização e intensificação do trabalho docente é o da implantação do Neoliberalismo e seu imperativo de colocar as esferas de reprodução da vida social tais como educação e saúde submetidas à regulação pelo mercado. O trabalho docente está hoje submetido a uma situação degradada porque precisa se encaixar nessa nova ordem regulatória em que tudo deve seguir os critérios estabelecidos pelo mercado do que seja eficiência, produtividade e qualidade. O absenteísmo entre os docentes da educação básica pública não é apenas resultado da intensificação e da nova exploração do trabalho a qual estão submetidos os professores, mas também uma forma de resistência a este processo de exploração e degradação do seu trabalho. Estabelecemos um paralelo entre esta situação e aquela que Braverman (1987) expôs sobre os problemas que surgiram durante o processo de habituação do trabalhador ao modo capitalista de produção: Os problemas em foco são os da gerência: insatisfação expressa pelas elevadas taxas de abandono de emprego, absenteísmo, relutância ao ritmo de trabalho imposto, indiferença, negligência, restrições à produção, e hostilidade ostensiva à administração. Tal como se apresenta à maioria dos sociólogos e fisiólogos interessados no estudo do trabalho e dos trabalhadores, o problema não é o da degradação de homens e mulheres, mas as dificuldades ocasionadas pelas reações, conscientes e inconscientes, àquela degradação. Não é, pois, de modo algum fortuito que a maior parte dos cientistas sociais ortodoxos aceitem firmemente, de fato, desesperadamente, a norma de que sua tarefa não é o estudo das condições objetivas do trabalho, mas apenas os fenômenos subjetivos que elas ensejam: os graus de “satisfação” e “insatisfação” postos em evidência por seus questionários (BRAVERMAN, 1974, p. 125-126). Porto (2010) explica, no caso específico dos professores da rede pública de ensino do Estado de São Paulo, o que pode estar por detrás dos elevados índices de absenteísmo entre os docentes do ensino básico público paulista: “O afugentamento de parte da força de trabalho contratada pode indicar que o adoecimento seja uma manifestação relacionada ao sistema de gestão, seus ciclos ou distribuição geográfica” (PORTO, 2010, p.11). E não é demais também citar aqui as palavras de Loureiro: “[...] a escola pública paulista passou a ser gerida como empresa, submetendo-se às avaliações e metas centralizadoras que respondem ao processo de descentralização” (LOUREIRO, 2011, p. 94). Melchior (1980) apud Lüdke e Boeing (2004) também expõem aspectos interessantes da degradação da profissão docente. A subordinação às normas e diretrizes do MEC e outros órgãos de gestão Estatal da educação e, principalmente, o fato de que os atuais governos que fazem a gestão da educação brasileira não veem a aplicação de recursos na qualificação dos professores como um investimento, mas como um consumo, um gasto. Por isso a resistência das nas políticas do Estado em aumentar o salário do professor, pois esse será uma despesa, enquanto a compra de materiais para a escola é vista como aumento da renda nacional. Conclusão Concluímos, portanto, que a degradação do trabalho do professor está relacionada a fatores como os baixos salários, jornadas longas de trabalho, as exigências de multifuncionalidade, fatores estes que não são estranhos aos trabalhadores do setor privado. REFERÊNCIAS BRAVERMAN, Harry. Trabalho e capital monopolista. Rio de Janeiro: LTC, 1987. FERREIRA, Carlos S. Pauperização e alienação do trabalho docente: contradições e perspectivas para o movimento dos trabalhadores de educação. Germinal: marxismo e educação em debate, Londrina, v.3, n. 1, p. 62-71, fev. 2011. FREITAS, Helena Costa Lopes de. Formação de professores no Brasil: 10 anos de embate entre projetos de formação. Educação & Sociedade, Campinas, v.23, n.80, p. 136-167, set. 2002. ________. Certificação docente e formação do educador: regulação e desprofissionalização. Educação & Sociedade, Campinas, v. 24, n. 85, p. 1095-1124, dez.2003. LOUREIRO, Bráulio Roberto de Castro. 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