A QUESTÃO DO SIGILO DOS DADOS DE IMPORTAÇÃO (*)
Fábio Martins Faria, Vice-Presidente Executivo da AEB
No início de dezembro de 2010 veio à tona, por declaração do ex-ministro do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior - MDIC, Miguel Jorge, o
colapso nas investigações de defesa comercial, em face da negativa da Receita
Federal do Brasil (RFB) em continuar a fornecer dados necessários para a
instrução dos processos administrativos conduzidos pelo Departamento de
Defesa Comercial – DECOM da Secretaria de Comércio Exterior – SECEX do
MDIC.
Preliminarmente, é importante frisar que os dados necessários para as
investigações de defesa comercial são extraídos do SISCOMEX – Sistema
Integrado de Comércio Exterior, instituído pelo Decreto nº 660, de
25/09/1992. O SISCOMEX foi desenvolvido para integrar as atividades afins da
SECEX, Receita Federal (aduana) e Banco Central (câmbio) relativas ao
registro, acompanhamento e controle das operações de comércio exterior,
mediante fluxo único e informatizado de informações. O Sistema significou um
importante avanço na simplificação e desburocratização, eliminando um
grande número de formulários e suas diversas vias, como: Guia de Exportação
(SECEX), Declaração de Exportação (RFB), Documento Especial de Exportação
(SECEX), Guia de Importação (SECEX) e Declaração de Importação (RFB).
Tais documentos foram transformados em registros no SISCOMEX, registros
estes que contêm informações de natureza comercial, às quais os três órgãos
têm acesso, bem como dados de natureza tributária, de acesso exclusivo da
RFB.
A recusa do fornecimento desses dados se consumou após a edição da Medida
Provisória nº 507, de 05/10/2010, que trata das hipóteses de sanção
disciplinar para a violação de sigilo fiscal. Ocorre que o fornecimento de dados
formalmente requisitados não se confunde com violação de sigilo. Nessa linha,
a própria MP nº 507 prevê em seu art. 3º, § 1º , que o “acesso a informações
protegidas por sigilo fiscal será disciplinado pelo órgão responsável pela guarda
da informação sigilosa”. Essa disciplina foi estabelecida na Portaria nº 580, de
12 de junho de 2001, da Receita Federal, que trata do fornecimento de
informações protegidas por sigilo fiscal, a órgãos, entidades e autoridades
requisitantes ou solicitantes.
A alegação para o sigilo desses dados está fundamentada no disposto nos
artigos 198 do Código Tributário Nacional – CTN (Lei nº 5.172, de 25 de
outubro de 1966). Mas, nesse caso, o sigilo não é irrestrito, pois o próprio CTN
relaciona exceções, entre elas a prevista no inciso II, do parágrafo 1 do art.
198, que permite o atendimento de “solicitações de autoridade administrativa
no interesse da Administração Pública, desde que seja comprovada a
instauração regular de processo administrativo, no órgão ou na entidade
respectiva, com o objetivo de investigar o sujeito passivo a que se refere a
informação, por prática de infração administrativa”.
Esse é o caso dos dados solicitados para a instrução dos processos de defesa
comercial, efetuados por “autoridade administrativa” (o DECOM), após
“instauração regular de processo administrativo”, no caso, abertura de
investigação, procedimento previsto em Acordo Internacional subscrito pelo
Brasil e regulamentado em legislação vigente. Ressalte-se que os dados
necessários para a instrução dos processos de defesa comercial são de caráter
comercial e compartilhado pelos três órgãos gestores do SISCOMEX.
Como se depreende, o fornecimento de dados à autoridade administrativa,
representada por órgão da própria Administração Pública Federal, o DECOM em
cujas funções se incluem as relativas a condução dos processos de defesa
comercial. - não afronta a legislação vigente e, portanto, a negativa da RFB
cria dificuldades a que o Governo cumpra com seu dever para com a indústria
nacional, já sacrificada por tantos outros entraves.
Ademais, mesmo que se enalteça o zelo da RFB sobre a sensível questão do
sigilo, há que se considerar que a iniciativa acaba se contrapondo aos objetivos
do novo Governo de priorizar medidas voltadas para ampliar a competitividade
da indústria brasileira, dentre as quais, a anunciada agilidade dos processos
antidumping – para o que a obtenção dos dados é fundamental. Fazem-se
necessárias providências para que este impasse seja urgentemente sanado,
pois o problema se arrasta desde outubro de 2010.
Este seria um bom momento para o governo resolver de vez essa questão e
voltar a divulgar amplamente os dados estatísticos de empresas, suspensa
desde 1998. Essa transparência traria óbvios benefícios para todos, para o
setor privado porque poderia planejar adequadamente suas estratégias
comerciais e para o setor público porque os dados são fundamentais para a
elaboração de estudos e estratégias de política industrial e de investimentos.
Adicione-se que a divulgação dos dados em apreço, além de cumprir princípio
constitucional da publicidade, cumpre determinação legal imposta pelo artigo
12 da Lei nº 2.145, de 29/12/1953, ainda em vigor. Essa lei dispõe que a
antiga CACEX, hoje SECEX, “fará publicar, mensalmente, a relação das
importações feitas independentemente de licença com a indicação do
importador, das coisas importadas e do seu valor”. Cumpra-se, portanto, a lei.
(*) artigo publicado no Informativo de Comércio Exterior AEB nº 107 – Ano XII – Fevereiro 2011
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