DESIGN, EDUCAÇÃO E INOVAÇÃO GABRIELE SARMENTO DA SILVA DESENHO INDUSTRIAL: um estudo sobre a novidade e a originalidade de solados Porto Alegre 2012 DESIGN, EDUCAÇÃO E INOVAÇÃO GABRIELE SARMENTO DA SILVA DESENHO INDUSTRIAL: um estudo sobre a novidade e a originalidade de solados Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Design do Centro Universitário Ritter dos Reis, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Design. Orientadora: Profa. Dra. Márcia Santana Fernandes. Porto Alegre 2012 3 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) S586d Silva, Gabriele Sarmento. Desenho industrial: um estudo sobre a novidade e a originalidade de solados / Gabriele Sarmento da Silva. – 2012. 55 f.: il ; 30 cm. Dissertação (mestrado) – Centro Universitário Ritter dos Reis, Faculdade de Design, Porto Alegre, 201X. Orientador: Prof. Dra. Márcia Santana Fernandes. 1. Desenho industrial. 2. Calçados. I. Título. II. Fernandes, Márcia Santana. CDU 7.05 4 Gabriele Sarmento da Silva DESENHO INDUSTRIAL: um estudo sobre a novidade e a originalidade de solados Dissertação de Mestrado defendida e aprovada como requisito parcial a obtenção do título de Mestre em Design, pela banca examinadora constituída por: _____________________________ Dr. Vinicius Gadis Ribeiro _____________________________ Dra. Marli Elizabeth Ritter dos Santos Porto Alegre, ______ de ____________________ de ________. 5 AGRADECIMENTOS Inicialmente, agradeço a minha filha Rebeca Marciniak que esteve comigo em todos os momentos dessa jornada. Ao meu marido, Rogério Marciniak, que me apoiou desde o inicio me surpreendendo com sua habilidade com fraldas, mamadeiras e afins. Agradeço as minhas sobrinhas Juliana e Bruna Silva por todo carinho e atenção que me deram e que ofereceram a Beca. Aos meus pais, Eli Adolfo da Silva e Edilia Sarmento, que compreenderam minha ausência por conta da dissertação. Ao Guerra Propriedade Industrial pelo apoio e incentivo, em especial ao Alberto e a Cristina Guerra. Ao meu colega André Moreira, pela forte ajuda na área jurídica. A minha orientadora Prof. Dr. Márcia Santana Fernandes, pela atenção despedida e pelo enriquecimento deste trabalho; bem como ao seu incentivo para minha participação no Núcleo de Inovação e Transferência de Tecnologia (NITT), núcleo integrante da Pró-Reitoria de Pós Graduação, Pesquisa e Extensão (PROPEX) e por ela coordenado. Agradeço ao NITT/PROPEX, pela oportunidade de estagio que enriqueceu meu conhecimento e me proporcionou ferramentas para fomentar a propriedade industrial. Agradeço ao UniRitter pela bolsa concedida para que esse estágio fosse realizado. Ainda ao UniRitter, agradeço a oportunidade de lecionar nessa instituição que me recebeu de “portas abertas”, apoiando e iluminando minha carreira acadêmica. Hoje, como professora, tenham certeza, farei o meu melhor para atender a todos os futuros profissionais da mesma forma que fui atendida quando aluna. Ao prof. Dr. Vinicius Gadis Ribeiro pelas longas conversas de apoio. Um agradecimento especial a Dra. Marli Elizabeth Ritter dos Santos pelas excelentes observações e enriquecimento do trabalho na banca de qualificação. 6 Ao amigo Alexandre Baroni que é o responsável por eu ter encarado esse desafio. A Profa. Dra. Ligia Maria Sampaio de Medeiros que me deu um apoio muito especial no período de seleção do mestrado. E, um agradecimento mais do que especial, a todos os colegas e professores, que me aceitaram na turma, me ajudaram de uma forma magnifica, que aceitaram meus limites em função da gestação e aceitaram a Rebeca como aluna mais nova da turma. A Cariane, Evelyn e Paula que me acalmaram em muitas situações em função do nascimento da minha filha. A grande Mestre Tânia que além da experiência profissional me deu muitos conselhos de como dissertar e dar atenção a um filho. Só o prazer de ter conhecido essas pessoas já é uma realização. A todos um grande obrigada. . 7 RESUMO Este estudo trata dos requisitos de novidade e originalidade para a concessão de um desenho industrial junto ao INPI e seu exame de mérito. Para atingir seus objetivos a pesquisa se restringiu à análise específica de desenhos industriais relacionados a solados de calçados os quais foram depositados no período de 01° de agosto de 2008 a 01° de janeiro de 2011. Examina também, dentro desse mesmo período, a situação de tais registros, verificando além do número de concessões, quantas dessas sofreram exame. A concessão automática de registro de desenho industrial promoveu um incremento no número de registros, entretanto sem que com isso houvesse uma valoração no exame de mérito, que é facultado pela LPI, dos requisitos da novidade e originalidade, o que afeta o grau de distinguibilidade dos produtos. Palavras-chave: Desenho Industrial, Design, exame, novidade, originalidade 8 ABSTRACT This work studies the requirements of novelty and originality for the grant of an industrial design registration in the INPI, as well as its substantive examination. In order to reach its objectives the research was limited to the specific analysis of industrial designs related to shoe soles filed within the period of August 1st, 2008 and January 1st, 2011. It was also analyzed within this same period the status of such registrations, verifying, besides the number of granted registrations, how much of those suffered a substantive examination. The automatic grant of an industrial design registration generated an increase in the registrations numbers, nevertheless the substantive examination for the analysis of the novelty and originality requirements, which is not mandatory according to the IP Law, was not duly valued, which affects the product's degree of distinctiveness. Key-words: Industrial Design, design, examination, novelty, originality 9 LISTA DE FIGURAS Figura 1 — Figura 2 — Figura 3 — Figura 4 — Figura 5 — Figura 6 — Figura 7 — Figura 8 — Figura 9 — Processamento depósito de um registro de desenho industrial . Configuração aplicada a protetor de desenho industrial ............ Configuração aplicada à roseta de fixação ................................ Configuração aplicada à biqueira ............................................... Desenho Industrial DI 7100440-8 ............................................... Desenho Industrial DI 7004863-0 ............................................... Desenho Industrial DI 7004731-2 ............................................... Desenho Industrial DI 7100254-5 ............................................... Desenho Industrial DI 7100253-7 ............................................... 30 39 39 39 43 44 44 44 45 10 LISTA DE SIGLAS ADPIC Acordo Relativo aos Aspectos do Direito da Propriedade Intelectual ASSINTECAL Associação Brasileira de Empresas de Componentes para Couro, Calçados e Artefatos CEDIN CUP DI ESDI INPI ICSID LPI OMC OMPI PAN SEBRAE RPI TRIPS Centro de Disseminação de Informação Tecnológica Convenção de Paris Desenho Industrial Escola Superior de Desenho Internacional Instituto Nacional da Propriedade Industrial International Council Design of Societies of Industrial Design Lei da Propriedade Industrial Organização Mundial do Comércio Organização Mundial da Propriedade Intelectual Processo Administrativo de Nulidade Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas Revista da Propriedade Industrial Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights 11 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ………………………………………………………………. 10 2 A PROTEÇÃO DO DESENHO INDUSTRIAL NO BRASIL ................... 19 2.1 AS MUDANÇAS OCORRIDAS A PARTIR DE 1996 DEVIDO À NOVA LEGISLAÇÃO.......................................................................................... 22 2.1.1 Natureza Jurídica e o Objeto de Proteção .......................................... 27 2.1.2 O Registro de Desenho Industrial Junto ao INPI ............................... 28 2.2 REQUISITOS DA PROTEÇÃO PARA O EXAME DE MÉRITO .............. 31 2.2.1 Novidade ................................................................................................ 33 2.2.2 Originalidade ......................................................................................... 34 2.3 IMPORTÂNCIA E PROCEDIMENTOS RELACIONADOS AO EXAME DO MÉRITO ............................................................................................ 36 O DESENHO INDUSTRIAL E OS SOLADOS: indústria de insumos à produção calçadista .......................................................................... 38 A INDÚSTRIA CALÇADISTA E A PROTEÇÃO DO DESENHO INDUSTRIAL EM RELAÇÃO AOS SOLADOS ....................................... 40 O EXAMINADOR DO INPI E OS CRITÉRIOS DE ORIGINALIDADE E NOVIDADE PARA OS SOLADOS QUANDO SOLICITADO O EXAME DE MÉRITO ............................................................................................ 45 ESTUDO COMPARATIVO RELACIONADO AO REGISTRO DO DESENHO INDUSTRIAL COM E SEM EXAME DE MÉRITO................. 46 CONCLUSÃO ......................................................................................... 49 REFERÊNCIAS ...................................................................................... 50 3 3.1 3.2 3.3 4 12 1 INTRODUÇÃO A proteção do desenho industrial, em especial os critérios de originalidade e novidade no solado dos calçados, é o tema central desta dissertação. O desenho industrial é uma das categorias protegidas pela propriedade intelectual1, ou seja, área do Direito que trata da proteção jurídica de bens imateriais, originados da criação humana. A propriedade intelectual engloba diversos institutos, mas, por fatores didáticos, ela pode ser dividida essencialmente em duas partes: os direitos autorais e a propriedade industrial. Os direitos autorais estão relacionados com as criações literárias ou artísticas, existentes independentemente de um meio físico; já a propriedade industrial está invariavelmente ligada a produtos e serviços, como o próprio nome revela, com as criações relacionadas à indústria e ao comércio, como o desenho industrial — objeto do nosso estudo —, as patentes e as marcas. A proteção conferida à propriedade intelectual está prevista na Constituição da Republica Federativa do Brasil, em seus artigos 5 e 170, e em diversas leis, tais como as Leis nº 9.279/96, nº 9.610/98, nº 9.609/98, n° 9.456/97 e n° 11.484/07. Além das normas de Direito interno, compõem o marco regulatório da propriedade intelectual algumas convenções internacionais, obedecendo, ainda, algumas normas básicas estabelecidas pela Organização Mundial do Comércio (OMC), através do Acordo Relativo aos Aspectos do Direito da Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio (ADPIC — ou, do inglês Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights — TRIPS). Segundo o artigo 25.1 do TRIPS, deverá sempre haver algum tipo de proteção para os desenhos industriais, seja por regime similar aos das patentes, pelo direito autoral, ou por formas mistas e cumulativas2. 1 De acordo com a Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI): Propriedade Intelectual (IP) refere-se às criações da mente: invenções, obras literárias e artísticas, símbolos, nomes, imagens e desenhos usados no comércio. IP é dividido em duas categorias: Propriedade Industrial, que inclui invenções (patentes), marcas, desenhos industriais e indicações geográficas; e Direito Autoral, que inclui obras literárias e artísticas, tais como romances, poemas e peças teatrais, filmes, obras musicais, obras artísticas, tais como desenhos, pinturas, fotografias e esculturas, e projetos arquitetônicos. Direitos conexos incluem as de artistas em suas performances, produtores de fonogramas em suas gravações, e aqueles de emissoras em seus programas de rádio e televisão. Fonte: WORLD INTELLECTUAL PROPERTY ORGANIZATION. What is Intellectual Property?. Disponível em: <http://www.wipo.int/about-ip/en>. Acesso em: 15 abr. 2011. 2 INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL. Legislação. Disponível em: <http://www.inpi.gov.br/images/stories/27-trips-portugues1.pdf>. Acesso em: 12 maio 2011. 13 Segundo a Convenção de Paris (CUP)3 de 1883, em seus artigos 1 e 2, a propriedade industrial é o conjunto de direitos que compreende as patentes de invenção, os modelos de utilidade, os desenhos ou modelos industriais, as marcas, os nomes comerciais e as indicações de procedência ou denominações de origem, bem como a repressão da concorrência desleal. A CUP enfatiza, ainda, que apesar de sua qualificação “industrial”, a propriedade industrial não se resume às criações industriais propriamente ditas, mas se entende na mais ampla acepção e se aplica não só à indústria e ao comércio propriamente dito, mas também à indústria agrícola e extrativa e a todos os produtos manufaturados ou naturais (vinhos, cereais, tabaco em folha, frutas, animais, minérios, águas minerais, cervejas, flores, farinhas). O desenho industrial tem a função de proteger a forma externa ou a apresentação final de determinado produto, sendo que esse produto pode ser um objeto tridimensional ou bidimensional. O registro de desenho industrial é um título de propriedade temporária, outorgado pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), representando o Estado, aos criadores de uma nova apresentação/identificação visual de um produto. O titular de dito registro tem o direito de excluir terceiros, durante o prazo de vigência do registro, de promover sem sua prévia autorização atos relativos ao desenho protegido, tais como: fabricação, comercialização, importação, uso e venda, dentre outros. O registro de desenho industrial é um título de propriedade temporária, outorgado pelo INPI aos criadores de um novo desenho (design) de um produto. De acordo com o artigo 95 da Lei da Propriedade Industrial (LPI), um desenho industrial é: [ . . . ] a forma plástica ornamental de um objeto ou o conjunto ornamental de linhas e cores que possa ser aplicado a um produto, proporcionando resultado visual novo e original na sua configuração externa e que possa servir de tipo de fabricação industrial4. 3 A CUP é o primeiro acordo internacional relativo à propriedade intelectual, assinado em 1883, em Paris, para a Proteção da Propriedade Industrial, sendo que continua em vigor em sua versão de Estocolmo, inclusive por força do acordo TRIPS. Sua contrapartida no campo do direito autoral é a convenção da união de Berna. A CUP, de 1883, deu origem ao hoje denominado Sistema Internacional da Propriedade Industrial, e foi a primeira tentativa de uma harmonização internacional dos diferentes sistemas jurídicos nacionais relativos à Propriedade Industrial. 4 BRASIL. Lei da Propriedade Industrial,de 14 de maio de 1996. Regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/ L9279.htm>. Acesso em: 15 dez. 2011. 14 Como podemos observar, os requisitos para obter um registro de desenho industrial perante o INPI são: novidade, originalidade e que o produto possa servir para fabricação industrial. O requisito de fabricação industrial é objetivo e especifico5, visto que o artigo 15 da LPI define suscetíveis de aplicação industrial os objetos que possam ser utilizados ou produzidos em qualquer tipo de indústria. Os requisitos de novidade e originalidade são definidos na LPI em seus artigos 96 e 97, sendo considerado objeto novo quando não compreendido no estado da técnica e sendo considerado original quando dele resulte uma configuração visual distintiva, em relação a outros objetos anteriores, sendo passiveis de uma interpretação indeterminada e podem variar em função do mercado e da interpretação do examinador. Vale lembrar que, para a concessão do registro, são analisados apenas aspectos formais do pedido, bem como saber se o pedido não infringe nenhuma das proibições legais descritas no artigo 100 da LPI6. O desenho industrial é concedido sem exame de mérito, estratégia usada na legislação atual (LPI artigo 106) para agilizar a sua concessão, sendo facultado ao titular requerer dito exame. Brandão (1993)7 e Siemsen (1996)8 compreendem que a estratégia de proteger o design dos produtos através de registro é, sem dúvida, adequada. A característica contextual do design dos objetos necessita de um mecanismo ágil de proteção, uma vez que, no momento em que são completados, estão preparados para serem lançados no mercado. A importância do registro de desenho industrial pode ser ressaltada por dois aspectos primordiais: o primeiro, por agregar valor ao produto, uma vez que cria um situação de monopólio, em tese o titular do registro não terá concorrentes durante um determinado período; e o segundo, por qualificar o profissional, autor do design do mesmo. Ambos os aspectos valorizam e divulgam o trabalho inerente ao 5 LABRUNIE, Jacques Direito de Patentes: condições legais de obtenção e nulidades. Barueri: Manole, 2006. 6 Art. 100 – Não são registráveis como desenho industrial: I – o que for contrário à moral e aos bons costumes ou que ofenda a honra ou imagem de pessoas, ou atente contra liberdade de consciência, crença, culto religioso ou ideia e sentimentos dignos de respeito e veneração; II - a forma necessária comum ou vulgar do objeto ou, ainda, aquela determinada essencialmente por considerações técnicas ou funcionais. Fonte: BRASIL. Lei de Propriedade Industrial, de 14 de maio de 1996. 7 BRANDAO, Maria Beatriz Afflalo. Design não é Ornamento. Revista da ABPI, Rio de Janeiro, n. 8, p. 66-67, 1993. 8 SIEMSEN, Peter Dirk. Painel 3. In: SEMINÁRIO NACIONAL DA PROPRIEDADE INTELECTUAL, 21. 2001, Vitória. Anais. Vitória: [s.n.], 2001. 15 desenho, protegendo legalmente a sua autoria. Igualmente, fica evidente a importância do registro do desenho industrial, bem como a necessidade de celeridade para a concessão do mesmo, uma vez que o mercado atual requer a modernização dos produtos rapidamente. Observa-se, nas publicações semanais do INPI, por meio da Revista da Propriedade Industrial (RPI), que há desenhos industriais em diversos campos de aplicação: móveis, embalagens, dispositivos de comunicação, forros, automóveis, peças de automóveis, joias, calçados e componentes de calçados, tais como cabedal, alma, biqueira, salto, palmilhas e diversos outros. Estudar os critérios de novidade e originalidade do desenho industrial, em particular foi escolhido para esse estudo no campo de aplicação dos solados de calçados, porque a indústria brasileira de calçados é um importante setor da economia do País pelo volume de produção, pela quantidade de exportações e pela sua capacidade de geração de empregos9. No entanto, pode-se observar que a indústria brasileira está sendo afetada pelo desenvolvimento de outros países emergentes, tais como a China, Taiwan e a Coreia do Sul. Apesar de possíveis vicissitudes que a indústria calçadista brasileira possa sofrer em razão da concorrência internacional — como a provável redução das vendas de produtos —, esta indústria se mantém como uma das mais importantes do país. Devido à grande importância do setor calçadista e ao grande número de polos industriais calçadistas existentes no Brasil10, o desenvolvimento de novos produtos para a confecção dos calçados, bem como de novos modelos e formas para a aplicação desses produtos, tem grande incentivo e gera uma procura por diversos profissionais, entre eles o profissional de design. Inclusive, em razão disso, formouse o Grupo Design Brazil11, formado por profissionais brasileiros de calçados e acessórios de alta moda e com design genuinamente nacional, inseridos no ͻ REIS, Carlos Nelson dos. Ásia: impactos de sua inserção no mercado internacional de calçados. Indicadores Econômicos FEE, Porto Alegre, v. 23, n. 4, 1996. 10 O Brasil é o terceiro maior produtor mundial de calçados e o quarto maior exportador mundial, possuindo 13 polos industriais de calçados nos Estados de São Paulo, Minas Gerais, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Ceará, Paraíba e Bahia. Fonte: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS INDÚSTRIAS DE CALÇADOS. Couromoda Mostra a Força do Setor Coureiro-Calçadista. 2007. Disponível em: <http://www.abicalcados.com.br/noticias_couromoda-mostra-a-forca-do-setor-coureiro-calcadista. html>. Acesso em: 08 fev. 2011. 11 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS INDÚSTRIAS DE CALÇADOS. Design Brazil.. Disponível em: <http://www.abicalcados.com.br/nacional/index.php?pagina=highfashion>. Acesso em: 08 fev. 2011. 16 mercado internacional. As atividades do Grupo Design Brazil são contempladas pelo Brazilian Footwear — Programa Brasileiro de Promoção às Exportações de Calçados12. Igualmente para garantir o reconhecimento do profissional que desenvolve novos modelos e formas — tanto do produto final quanto de seus componentes —, a indústria de calçados brasileira utiliza fortemente o registro de desenho industrial. O profissional se beneficia do registro independente da titularidade por ser reconhecido como autor do produto, o que ajuda a reforçar seu portfólio. No setor calçadista, o desenvolvimento de novos modelos e novas formas é constante, uma vez que a concorrência vem também de outros países. No contexto atual, podemos dizer que os calçados de baixa qualidade ou sem acabamento estão sendo distribuídos pelos países asiáticos; enquanto os calçados com um maior valor agregado, apresentando um design mais requintado e uma alta qualidade, estão sendo desenvolvidos por países onde a confecção desse produto é tradicional, sendo as empresas italianas as que apresentam maior valor agregado nesse tipo de mercadoria. O Brasil está no nível intermediário, entre os países asiáticos e os italianos, de forma que os calçados brasileiros não são baratos como os asiáticos e tampouco possuem o requinte dos calçados italianos13. Segundo Schimitz e Knorringa (2000)14, a Itália tem como principal força a inovação e o design. O Brasil apresenta praticamente os mesmos quesitos italianos em relação à qualidade. Quando o Brasil é comparado à China e à Índia, seu ponto fraco é o preço. Ainda segundo os autores supracitados, a principal razão pela qual os compradores internacionais compram da China e da Índia é o preço. A Índia é mais forte que a China em flexibilidade para pedidos de pequeno volume (muito em função do tamanho médio de suas fábricas). O processo produtivo do calçado está subdividido em fases separadas de modelagem, corte, costura, montagem e acabamento, podendo ser realizadas em 12 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS INDÚSTRIAS DE CALÇADOS. Design Brazil.. Disponível em: <http://www.abicalcados.com.br/nacional/index.php?pagina=highfashion>. Acesso em: 08 fev. 2011. 13 MACHADO, Tiago Bannitz de Paula. Análise da Competitividade de Custos da Indústria Brasileira de Calçados Esportivos: estudo de caso de uma empresa multinacional atuando no brasil. São Paulo: Fundação Getúlio Vargas, 2007. 14 SCHIMITZ, H.; KNORRINGA, P. Learning for global buyers. IDS Discussion Paper, n. 100, 2000. 17 estabelecimentos e locais distintos. Segundo Costa (1993)15, algumas dessas fases exigem dezenas de operações, e a sua manufatura, embora seja passível de automação, caracteriza-se por ser intensiva em mão de obra humana, da qual não se requerem qualificações especiais, e em cujo processo de produção se empregam tecnologias que guardam ainda algumas marcas artesanais. De acordo com Machado (2007)16, o calçado se apresenta ligado à moda, com modelos e estilos variados, confeccionado em diferentes materiais e atendendo a múltiplas finalidades de consumo. Assim, existem calçados sociais, esportivos, casuais e de segurança; calçados para homens, mulheres e crianças; fabricados em couro, em tecidos, em materiais sintéticos, entre outros. O designer fará uso de sua criatividade na produção de um calçado desenhando no papel ou na forma sobre a qual, posteriormente, será montado o calçado. Desenha-se os moldes para várias peças e, então, são confeccionadas navalhas especiais para o seu corte. Cortadas as peças, elas são encaminhadas para costura. Estima-se, em média, que um calçado é bem elaborado quando possui de 20 a 25 peças componentes, os quais podem ser protegidos isoladamente. A evolução e o desenvolvimento dos solados dos calçados, peça chave do presente estudo, visa buscar conforto associado à beleza. O desenvolvimento de novas tecnologias associadas a matérias de fabricação possibilita uma gama de fontes criativas, permitindo o desenvolvimento de inúmeros tipos de solados que, associados aos demais componentes do calçado, produzem um efeito novo, original e, sem dúvida, irresistível aos olhos dos consumidores. Para os profissionais que trabalham com esse tipo de desenvolvimento e para as empresas que disponibilizam tempo e expertise em função dessa criação/produção e de projetos, o objetivo é beneficiar os consumidores e incrementar a competitividade de seus produtos, para o qual os registros de desenhos industriais serão indiscutíveis aliados. 15 COSTA, Achyles B.,Estudo da Competitividade da Indústria Brasileira: competitividade da industria de calçados. Nota Técnica Setorial do Estudo da Competitividade da Indústria Brasileira. Campinas: IEIUFRJ/IE-UNICAMP/FDC/FUNCEX, 1993. 16 MACHADO, Tiago Bannitz de Paula. Análise da Competitividade de Custos da Indústria Brasileira de Calçados Esportivos: estudo de caso de uma empresa multinacional atuando no brasil. São Paulo: Fundação Getúlio Vargas, 2007. 18 Por sua vez, o registro de desenho industrial poderá ter o exame de mérito ou não. O exame de mérito é o exame realizado pelo INPI para verificar os requisitos de originalidade e de novidade exigidos pela LPI para a concessão de um desenho industrial e sua manutenção. Temos, então, de um lado, o beneficio da celeridade em registrar um desenho industrial sem o exame do mérito e, de outro lado, a incerteza da proteção sem o exame de mérito. Conforme salientado anteriormente, a concessão do registro de desenho industrial gera o direito do detentor/titular do registro do desenho de impedir/excluir terceiros de utilizarem o seu design sem autorização. Nos casos do registro sem exame de mérito, há o aumento da possibilidade desse registro ser contestado a qualquer momento por qualquer pessoa, Tribunal ou pelo próprio INPI e, como consequência, poderá haver a anulação do registro. Em função do risco de se sofrer uma nulidade, é importante que no momento da concessão do registro o titular solicite o exame do mérito. Caso este exame seja positivo, o processo de um eventual pedido de anulação seria mais complexo, dificultando a sua procedência. Justamente para discutir, entre outras coisas, a relevância do exame de mérito no desenho industrial é que propomos também este estudo. O objetivo geral desse trabalho é o estudo da novidade e da originalidade no desenho industrial de solado na perspectiva do exame mérito do INPI. Os objetivos específicos são: a) Análise de conteúdo de referências bibliográficas no que concerne a interpretação dos desenhos industriais e de seu exame de mérito, b) Estudar a importância do exame de mérito nos registros de desenho industrial na indústria de calçadista, em especial de solados, e como este processo se dá pela perspectiva do examinador do INPI ao examinar a originalidade e novidade de um produto; c) Estudar, através de levantamento de dados nas RPIs, o número de processos depositados para solados de calçados entre o período de 1º janeiro de 2008 a 1º de janeiro 2011, quais depósitos foram concedidos e, desses, quantos solicitaram exame de mérito. 19 O método utilizado é o qualitativo17, de análise de conteúdo bibliográfico18 e de dados publicizados pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), das Revistas INPI e das informações coletadas em banco de dados, como o do próprio INPI e o ORBIT-QUESTEL, portanto uma parte será conceitual e teórica, baseada em referências bibliográficas e documentais e a outra em análise dos dados publicados pelo INPI e sites de busca externos ao INPI. As categorias de estudo foram escolhidas pela classificação oficial19, sendo sua interpretação baseada nas publicações semanais dos pedidos de registros concedidos e dos registros que sofreram análise de mérito. O período de coleta foi escolhido aleatoriamente, a fim de se estudar um período fechado de três anos, entre os anos de 2008 a 2011. A pesquisa bibliográfica foi realizada em documentos publicados por autores da área, por designers, além de doutrina jurídica específica da área. O banco de dados do INPI foi utilizado para o levantamento dos dados relacionados aos desenhos industriais de solados existentes dentro do período pré-determinado nessa dissertação. Quanto ao levantamento de dados junto ao INPI, foi realizado um serviço de busca, pessoalmente ou por técnicos do INPI, no Centro de Disseminação de Informação Tecnológica (CEDIN) pelos critérios de classificação relacionados a área de produção de solados de calçados, fornecendo todos os pedidos de solados depositados e já analisados entre o período de 01/01/2008 a 01/01/2011. Esse 17 GOLDIN, J. R. Manual de Iniciação à Pesquisa em Saúde. Porto Alegre: DaCasa, 2000. 18 BARDIN, Laurence Analise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2004. 19 A Classificação de Locarno é a classificação internacional de desenhos industriais, é a ferramenta destinada a acessar a informação desejada. Contém mais de 6 mil indicações de artigos diferenciados. A edição atual é a 8ª, que entrou em vigor em 1º de janeiro de 2004. As versões oficiais da oitava edição da Classificação de Locarno (inglês e francês) são publicadas pela OMPI em papel, disponibilizadas, também, disquete (formato ASCII), em CD-ROM e na Internet. O INPI não é signatário do Acordo de Locarno, entretanto, adotou a Classificação Internacional de desenhos industriais em 02 de janeiro de 2001, publicada na Revista da Propriedade Industrial, Patentes, Seção I, RPI 1565 de 02/01/2001. A Classificação representa todo o acervo de produtos existentes divididos em 31 classes e mais uma de “diversos” para os artigos não contemplados em classe específica, perfazendo, assim, 32 classes. Os títulos das classes são apenas indicações gerais do seu conteúdo e, como regra, não definem com precisão o assunto incluído na indicação geral do título. Em geral, o título da classe fornece uma indicação global do assunto abrangido por suas subclasses, em contraste, é intenção na Classificação, que os títulos das subclasses, levando em consideração quaisquer referências ou notas associadas com os mesmos, definam com tanta precisão quanto possível, o conteúdo abrangido pelos mesmos. Os títulos dos produtos definem, com tanta precisão quanto possível, o assunto a ser abrangido pelos mesmos. Disponível em: <http://www.inpi.gov.br/images/stories/27-trips-portugues1.pdf>. Acesso em: 12 maio 2011. 20 resultado abrangeu pedidos concedidos, arquivados e indeferidos e, entre eles, foi realizada uma filtragem para se obter somente os processos concedidos. A filtragem, por sua vez, foi realizada manualmente, acessando cada um dos processos encontrados e verificando qual seu status, ou seja, verificando as decisões relacionadas aos processos publicados pelo INPI. Após essa filtragem, foi feita uma relação de todos os registros de desenho industriais concedidos para solados dentro do período pré-estabelecido. A partir destes dados, nova pesquisa no site do INPI foi feita, verificando cada um dos processos, para fazer um levantamento dos pedidos que solicitaram o exame de mérito e/ou quais desses pedidos tiveram alguma decisão do INPI em relação ao exame de mérito. A dissertação foi organizada em duas grandes partes para melhor atender os seus objetivos, assim dispostos: A proteção do desenho industrial, bem como as definições de originalidade e novidade para o desenho industrial e a importância do exame de mérito, estão tratados no Capítulo 2, enquanto a verificação da importância do desenho industrial para os solados. No Capitulo 3, apresenta-se o estudo comparativo relacionado ao registro do desenho industrial com e sem exame de mérito, a analise técnica desses itens e após temos uma conclusão desse estudo. 21 2 A PROTEÇÃO DO DESENHO INDUSTRIAL NO BRASIL No Brasil, até 1934, os desenhos industriais eram protegidos como propriedade industrial pelo Código Civil de 191620, Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916, em seus artigos 649 a 673. Especificamente, a categoria do desenho industrial foi reconhecida na legislação brasileira após o reconhecimento dos direitos autorais, das marcas e das patentes, tendo como marco legislativo o Decreto nº 24.507, de 29 de junho de 193421, sendo que esta modalidade era denominada como patentes de desenhos ou de modelos industriais. No que concerne aos critérios para a proteção legal do desenho industrial, estes estavam limitados ao caráter acentuadamente artístico que deveria apresentar o desenho, igualado a uma obra de arte. Segundo Pierangeli (2003, p. 106), na verdade, este era o único critério: [ . . . ] até então os modelos e desenhos industriais não gozavam de qualquer proteção, salvo quando pudessem, em razão do seu acentuado valor artístico, ser considerados uma obra de arte, razão pela qual a sua proteção se fazia por meio das disposições do Código Civil22. A CUP23, em sua redação original de 1883, incorporada ao direito brasileiro por meio do Decreto nº 9.233, de 28 de junho de 1884, já previa que: [ . . . ] cada uma das partes contratantes se obriga a estabelecer um serviço especial da propriedade industrial e um deposito central para a comunicação ao publico dos privilégios de invenção, dos desenhos ou modelos industriais e das marcas de fabrica e de comércio24, 20 Gama Cerqueira em Tratado da Propriedade Industria de 1982 trata desse assunto historicamente na página 641. Fonte: CERQUEIRA, João da Gama. Tratado da Propriedade Industrial. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1982. v. 1. 21 BRASIL. Decreto nº 24.507, de 29 de junho de 1934. Aprova o regulamento para a concessão de patentes de desenho industrial, para o registro do nome comercial e do título de estabelecimento e para a repressão da concorrência desleal, e dá outras providências. Disponível em: <http://pesquisa.inpi.gov.br/legislacao/decretos/de_24507_1934.htm?tr>. Acesso em: 15 fev. 2012. 22 PIERANGELI, José Henrique. Crimes Contra a Propriedade Industrial e Crimes de Concorrência Desleal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 106. 23 A CUP foi a primeira tentativa de uma harmonização internacional dos diferentes sistemas jurídicos nacionais relativos à Propriedade Industrial, ela proporcionou o vínculo entre uma nova classe de bens de natureza imaterial e a pessoa do autor, assimilado ao direito de propriedade. 24 BRASIL. Decreto nº 9.233, de 28 de junho de 1884. Promulga a convenção, assinada em Paris a 20 de março de 1883, pela qual o Brasil e outros Estados se constituem em união para a proteção da propriedade industrial. Disponível em: <http://www2.mre.gov.br/dai/mult_prop_indus_1830.htm>. Acesso em: 18 set. 2011. 22 Assim, tais direitos sobre desenhos e modelos industriais — atualmente unificados sob a denominação de desenhos industriais — possuíam proteção legal mínima no Brasil. A previsão de uma proteção mínima aos desenhos e modelos industriais se manteve e foi aperfeiçoada nas posteriores revisões do texto original da CUP. Os Decretos nº 24.507, de 29 de junho de 1934 e nº 7.903, de 27 de agosto de 1945, inspiraram o posterior Código da Propriedade Industrial (Lei nº 5.772, de 21 de dezembro de 1971), o qual foi revogado, passando a vigorar a Lei da Propriedade Industrial (Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996). No antigo Código da Propriedade Industrial, já eram previstos critérios de novidade e aplicação industrial para os desenhos industriais, sendo que esses eram considerados patentes. Salienta-se que era prevista, pelo Código da Propriedade Industrial, a mesma sistemática de exame de mérito dos pedidos de patente de invenção e modelo de utilidade, condicionando a concessão do privilégio ao exame prévio quanto à sua privilegiabilidade25. O Acordo Relativo aos Aspectos do Direito da Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio26, do qual o Brasil é signatário, em seu artigo 25.127 define que deverá haver a proteção para os desenhos industriais, seja por regime similar aos das patentes, pelo direito autoral, ou por formas mistas e cumulativas. Além disso, o TRIPS definiu os requisitos mínimos que um objeto que tenha pretensão de obter registro de desenho industrial necessita ter, esses requisitos especificados no TRIPS são novidade e originalidade. Além dos requisitos, o TRIPS 25 O privilégio se dá com a concessão do desenho industrial pelo INPI, um exame prévio quando a privilegiabilidade visa verificar se o desenho possui os requisitos para a concessão, verificando se anteriormente à data de depósito do desenho não existia nada semelhante. 26 O Acordo TRIPs é um tratado Internacional, integrante do conjunto de acordos assinados em 1994, que encerrou a Rodada Uruguai e criou a Organização Mundial do Comércio. Também chamado de Acordo Relativo aos Aspectos do Direito da Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio (ADPIC), tem o seu nome como resultado das iniciais em inglês do instrumento internacional. Fonte: INSTITUTO NACIONAL DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL. Processamento dos Pedidos. Disponível em: <http://www.inpi.gov.br/images/stories/27-trips-portugues1.pdf>. Acesso em: 18 set. 2011. 27 Artigo 25: Requisitos para a proteção: 1. Membros devem prever a proteção de desenhos industriais criados independentemente, que sejam novos ou originais. Os membros podem estabelecer que os desenhos não são novos ou originais se não diferirem significativamente de desenhos conhecidos ou combinações de características de desenhos conhecidos. Os membros poderão estabelecer que essa proteção não se estenderá a desenhos determinados essencialmente por considerações técnicas ou funcionais. 23 define qual a proteção mínima que esse registro terá, se concedido, e como se dará essa concessão em seu artigo 26, onde descreve que: [ . . . ] o titular terá direito de impedir terceiros, sem sua autorização, de fazer, vender ou importar Artigos que ostentem ou incorporem um desenho que constitua um cópia, ou seja substancialmente uma cópia, do desenho protegido, quando esses atos sejam realizados com fins comerciais28. Estabelece, ainda, que os membros do acordo poderão ter exceções à proteção, desde que essas não prejudiquem os registros existentes em relação à comercialização, sendo que o mesmo artigo estipula que a duração da proteção será de, no mínimo, dez anos. A Lei de Propriedade Industrial, Lei nº 9279, de 14 de maio de 1996, vigente atualmente, estabeleceu mudanças significativas na sistemática para a obtenção de proteção dos antes denominados desenhos e modelos industriais, gerando maior celeridade no procedimento em detrimento do exame prévio de mérito29. Anteriormente à vigência da LPI, os desenhos industriais eram considerados patentes e, como tal, eram submetidos a um exame de fundo para verificar a existência dos requisitos mínimos para a sua concessão. A morosidade do INPI em analisar os pedidos — em razão do grau da complexidade do exame —, fazia com que tais análises levassem muitos anos para serem realizadas, de forma que, quando ocorria a concessão, alguns depositantes de desenhos ou modelos industriais nem tinham mais interesse em obter a carta patente. Por estas razões, e também pela adequação com o TRIPS, a LPI estabeleceu regras distintas para o pedido de registro de desenho industrial e de patente, ou seja, os desenhos industriais não seriam mais considerados patentes. Consequentemente, para a solicitação do registro de desenho industrial junto ao INPI, não era exigência obrigatória a realização do exame de mérito para verificar a originalidade e a novidade. 28 Art 26 do TRIPS. Fonte: INSTITUTO NACIONAL DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL. Processamento dos Pedidos. Disponível em: <http://www.inpi.gov.br/images/stories/27-tripsportugues1.pdf>. Acesso em: 18 set. 2011. 29 BARCELLOS, Milton Lucídio Leão. O Atual Sistema de Registro e Exercício de Direitos sobre Desenhos Industriais Frente ao Disposto no Inciso XXIX do 5º da Carta Magna de 1988. Jus Navigandi, Teresina, v. 9, n. 470, 20 out. 2004. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/ texto/5824>. Acesso em: 14 jun. 2011. 24 2.1 AS MUDANÇAS OCORRIDAS A PARTIR DE 1996 DEVIDO À NOVA LEGISLAÇÃO A sistemática introduzida pela LPI e, de certa forma, justificada pela regra contida no artigo 25 (2) do TRIPS30, trouxe uma maior celeridade e redução de custos na obtenção do registro do desenho industrial. Essa celeridade, como já comentado, foi motivada pela rapidez com que o mercado absorvia e ainda absorve os novos designes de produtos, em função da atração que os mesmos devem manter em relação aos consumidores. O pedido de registro de desenho industrial, quando solicitado ao INPI, é submetido apenas a um exame formal, onde se verifica somente aspectos relacionados à documentação e à formatação do documento. Se esses aspectos estão de acordo com as normas do INPI31, posteriormente, o pedido é então publicado na RPI com concessão do respectivo registro. Esta dinâmica legal provase ser mais célere ao sistema anterior, quando era obrigatório o exame de mérito. Entretanto, segundo a Dra. Anali Anhuci (2000, p. 51)32, “o titular de registro de desenho industrial, em verdade, não tem em mãos titulo hábil a produzir prova inequívoca de seu direito, pois, no momento da concessão, não foi o pedido analisado com a ideal profundidade”, apesar do procedimento oportunizar uma resposta mais célere. Por exemplo, na hipótese do titular de um registro de desenho industrial necessitar entrar com uma ação, fazendo valer o direito garantido por dito registro, além de ter que provar que um terceiro está violando seu direito, terá também que provar, mesmo tendo o registro em mãos, que o objeto do registro atende aos critérios da novidade e originalidade. 30 Decreto nº 1.355, de 30 de dezembro de 1994: Artigo 25 - Requisitos para a Proteção [ . . . ] 2.Cada membro assegurará que os requisitos para garantir proteção a padrões de tecidos – particularmente no que se refere a qualquer custo, exame ou publicação – não dificulte injustificavelmente a possibilidade de buscar e de obter essa proteção. Os Membros terão liberdade para cumprir com essa obrigação por meio de lei sobre desenhos industriais ou mediante lei de direito autoral. Fonte: BRASIL. Decreto nº 1.355, de 30 de dezembro de 1994. Promulgo a Ata Final que incorpora os Resultados da Rodada Uruguai de Negociações Comerciais Multilaterais do GATT. Disponível em: <http://www.planalto.gov. br/ccivil_03/decreto/Antigos/D1355.htm>. Acesso em: 12 dez. 2011. 31 Essas regras e normas são estabelecidas no Ato Normativo (AN) 161/2002 que dispõe sobre a aplicação da Lei de Propriedade Industrial em relação aos registros de desenho industrial. Fonte: BRASIL. Ato Normativo (AN) 161/2002. Dispõe sobre a aplicação da Lei de Propriedade Industrial em relação aos registros de desenho industrial. Disponível em: <http://coralx.ufsm.br/nit/inovacao/ tecnologica/images/ stories/downloads/ ato%20normativo% 20161-2002-inpi.pdf>. Acesso em: 15 dez. 2011. 32 ANHUCI, Anali de Oliveira. Registro de Desenho Industrial e a Antecipação de Tutela. Revista da ABAPI, n. 47, p. 51-52, jul./ago. 2000. 25 A sistemática de registro de desenho industrial sem exame de mérito não é adotada apenas no Brasil, mas também o é pelo Instituto de Harmonização do Mercado Interno (IHMI)33. O IHMI é a autoridade oficial responsável pelos desenhos comunitários, desde 2003, e estes registros são válidos em todos os países da Comunidade Europeia. O IHMI efetua o registro sem exame prévio quanto à novidade e à originalidade, o chamado caráter individual do desenho na Comunidade Europeia. No entanto, há duas situações básicas para o IHMI indeferir o pedido de registro: a) quando o objeto do pedido de registro não corresponder a um desenho conforme definido no 3(a) da CDR34; b) ou quando o desenho é contrário ao interesse público ou a princípios morais aceitos. A lei brasileira introduziu dispositivos legais que permitem procedimentos para restringir os direitos outorgados, posteriormente à concessão do registro, ao exame de mérito. Alguns destes dispositivos são: a) a possibilidade do titular do registro do desenho industrial em requerer o exame de mérito a qualquer tempo de vigência do registro (111 da LPI); e b) a possibilidade de suspensão dos efeitos do registro no caso de instauração do processo administrativo de nulidade no prazo de 60 dias da concessão do registro (113, § 1.º da LPI)35. Frederico Carlos da Cunha (2003, p. 150) afirma que o procedimento previsto para o desenho industrial pela Lei de Propriedade Industrial vigente atende aos desafios tecnológicos da modernidade: [ . . . ] a proteção do desenho industrial foi varrida pela modernidade, adotando-se uma definição mais moderna e um processamento expedido, imaginado para definir a proteção em tempo curtíssimo para, assim, atender às necessidades de produção na industrial para esse tipo de criação, de aplicação imediata e, muitas vezes, de curta duração36. 33 Instituto de Harmonização do Mercado Interno é considerado uma das instituições mais eficazes da União Europeia e, apesar da sua relativa pouca idade, foi criado em 1994. Fonte: PORTAL LUSOFONIA. A Propriedade Industrial nos Países de Língua Oficial Portuguesa. Disponível em: <http://www.portal-lusofonia.org/component/option,com_docman/task,doc_view/gid,42/Itemid,34/>. Acesso em: 12 dez. 2011. 34 Registro comunitário de desenho industrial obtido pela OAMI. 35 BARCELLOS, Milton Lucídio Leão. O Atual Sistema de Registro e Exercício de Direitos sobre Desenhos Industriais Frente ao Disposto no Inciso XXIX do 5º da Carta Magna de 1988. Jus Navigandi, Teresina, v. 9, n. 470, 20 out. 2004. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/ 5824>. Acesso em: 14 jun. 2011. 36 CUNHA, Frederico Carlos da, A Proteção Legal do Design: propriedade industrial. 2. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2003 26 Podemos inferir que a transformação singular do regramento para o desenho industrial, introduzido pela LPI, foi no sentido de estabelecer uma forma de individualização e reconhecimento apartado das patentes, o que possibilita o estabelecimento de critérios específicos a esta categoria de propriedade intelectual. Neste sentido, Jabur e Santos (2007, p. 273) afirmam que essa categoria “de bens imateriais passou a se intitular, tão-somente, desenhos industriais, sujeitos a um simples registro, e não mais a uma patente como era nas leis anteriores”37. O registro de desenho industrial tal qual definido na LPI, visa a proteção da configuração externa de um objeto38, ou seja, o destaque está na aparência do objeto, justamente a beleza da forma e essa beleza é que deve sinalizar um diferencial aos consumidores. Quanto à sua conceituação legal, de acordo com a LPI, artigo 95, considerase Desenho Industrial a forma plástica ornamental de um objeto ou o conjunto ornamental de linhas e cores que possa ser aplicado a um produto, proporcionando resultado visual novo e original na sua configuração externa e que possa servir de tipo de fabricação industrial39. Entretanto, observa-se que a compreensão do conceito legal e da doutrina jurídica relacionado ao desenho industrial não corresponde integralmente à percepção do que os designers o compreendem. A International Council Design of Societies of Industrial Design (ICSID)40, conselho fundado em 1957, é composto por mais de 50 Estados membros e tem como objetivo primordial possibilitar que o estabelecimento de uma plataforma universal, onde os Estados possam se expressar e serem ouvidos, havendo, assim, uma troca de informações e posições. Essa associação também está dedicada à promoção do desenvolvimento e do crescimento da comunidade de desenho e de desenhadores, estabelecendo, dentre os seus objetivos primordiais, o seguinte: 37 Quando o autor se refere a tão somente desenhos industriais, ele se remete ao código de propriedade industrial e aos antigos decretos onde tínhamos desenhos industriais e modelos industriais. Vale salientar que, com a vigência da LPI, os modelos industriais foram extintos, passando a existir, para o contexto, somente os desenhos industriais. Fonte: JABUR, Wilson Pinheiro; SANTOS, Manoel J. Pereira dos (Coord.). Propriedade Intelectual: criações industriais, segredos de negócio e concorrência desleal. São Paulo: Saraiva, 2007. 38 Instituto Dannemann Siemsen Um guia prático e didático sobre como proteger o desenho industrial. Fonte: BRASIL. Lei de Propriedade Industrial, de 14 de maio de 1996. CUNHA, Frederico Carlos da. A Proteção Legal do Design: propriedade industrial. 2. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2003. 39 BRASIL. Lei da Propriedade Industrial, de 14 de maio de 1996. Regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/ L9279.htm>. Acesso em: 15 dez. 2011. 40 Conselho internacional que organiza eventos e patrocina iniciativas em todo o mundo. De especial interesse para entidades educativas e associações de classe. 27 [ . . . ] desenho industrial é uma atividade criativa cujo objetivo é determinar as propriedades formais dos objetos produzidos industrialmente. Por propriedades formais não se deve entender apenas características exteriores, mas sobretudo, as relações estruturais e funcionais que fazem de um objeto (ou se um sistema de objetos) uma unidade coerente, tanto do ponto de vista do produtos como do consumidor. O design industrial abrange todos os aspectos do ambiente humano condicionado pela produção industrial41. Joaquim Redig (1977, p. 32)42 corrobora com a definição proposta pelo ICSID afirmando que o “desenho industrial (Design) é o equacionamento simultâneo de fatores ergonômicos, perceptivos, antropológicos, econômicos e ecológicos, no projeto de elementos e estruturas físicas necessárias à vida, ao bem estar e/ou à cultura do homem”. De acordo com a definição do ICSID, poderíamos dizer que o trabalho de um designer tem proteção por meio da propriedade intelectual em suas mais variadas modalidades: o desenho industrial pode ou não envolver características meramente artísticas, sendo nesse caso beneficiado pelo direito do autor43; já se houver características técnicas inovadoras, pode obter uma patente de invenção44; ou, ainda, se houver melhoria funcional pode obter uma patente de modelo de utilidade45; ou mesmo se o desenho tiver unicamente características de forma ou ser redesenho de produtos já existentes, ainda assim poderá obter o desenho industrial propriamente dito. Conforme observamos na definição apresentada por Joaquim Redig (1977), um desenho industrial tem uma definição muito ampla e, por isso, devemos lembrar41 UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ. Departamento de Design. O que é Design? Disponível em: <http://www.design.ufpr.br/Curso/O_que_e_o_Design_/o_que_e_o_design_.html>. Acesso em: 1 abr. 2011. 42 Joaquim Redig é um dos primeiros pensadores/escritores do Desenho Industrial brasileiro. Nascido em 1946, no Rio de Janeiro, Redig foi estudante das turmas iniciais da Escola Superior de Desenho Industrial, internacionalmente conhecida como ESDI. Quando essa importante instituição de ensino da Universidade do Estado do Rio de Janeiro completou 15 anos, em setembro de 1977, Redig lançou seu livro Sobre Desenho Industrial. Fonte: REDIG, Joaquim. Sobre Desenho Industrial. Rio de Janeiro: ESDI, 1977. 43 Direitos de autor e os que lhes são conexos regidos pela Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. 44 Concepção resultante do exercício da capacidade de criação do homem, que produz um efeito técnico novo, em determinada área tecnológica. Fonte: BRASIL. Lei da Propriedade Industrial, de 14 de maio de 1996. Regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/ L9279.htm>. Acesso em: 15 dez. 2011. 45 Objeto de uso prático, ou parte deste, suscetível de aplicação industrial, que apresente nova forma ou disposição, envolvendo ato inventivo, que resulte em melhoria funcional no seu uso ou em sua fabricação. BRASIL. Lei da Propriedade Industrial, de 14 de maio de 1996. Regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/ L9279.htm>. Acesso em: 15 dez. 2011. 28 nos da definição exposta pela LPI46, salientando sempre que um desenho industrial tem que ser novo, original e servir de fabricação industrial. O conceito proposto pela LPI foi estabelecido para atender tão somente às necessidades e características pertinentes ao sistema da propriedade industrial47. Assim, podemos afirmar que a LPI entende o objeto de um desenho industrial como um resultado do tratamento plástico aplicado em sua forma externa (artigo 95 da LPI), sendo o Registro de Desenho Industrial um título de propriedade temporária, outorgado pelo Estado aos autores ou outras pessoas físicas ou jurídicas detentoras dos direitos sobre a criação (artigo 108 da LPI). Visto que um registro de desenho industrial protege a forma plástica ornamental externa de um produto, podemos concordar com o pensamento de que um dos objetivos de dita modalidade é tornar o design inconfundível pelo público consumidor, de forma que o consumidor reconheça a sua procedência industrial apenas vislumbrando seu design, tornando, algumas vezes sua utilização muito semelhante ao uso de marcas48,49, onde se reconhece a qualidade do produto apenas pela sua forma de apresentação. A proteção visada pela concessão do desenho industrial é um excelente meio de agregar valor ao produto ora protegido, portanto, já nas primeiras etapas de desenvolvimento dos produtos, torna-se cada vez mais importante avaliar os aspectos de propriedade industrial, no sentido de efetivar o ato da proteção tão logo o produto esteja definido em nível de projeto e suas viabilidades econômicas e de mercado estejam analisadas50. 46 A fim de analisar o entendimento dos profissionais em relação à interpretação do que vem a ser um desenho industrial perante o INPI, está em andamento um projeto de pesquisa, coordenado pela Dra. Marcia Santana Fernandes, no qual participo como pesquisadora, objetivando comprovar essas diferenças e a compreensão das mesmas pelos profissionais de design, esse projeto está focado na indústria calçadista de Três Coroas/RS. 47 CUNHA, Frederico Carlos da. A Proteção Legal do Design: propriedade industrial. 2. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2003. 48 BLASI, Gabriel di; GARCIA, Mario Soerensen, MENDES, Paulo Parente M. A Propriedade Industrial: os sistemas de marcas, patentes e desenhos industriais analisados a partir da Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. 49 Marca, segundo a lei brasileira, é todo sinal distintivo, visualmente perceptível, que identifica e distingue produtos e serviços de outros análogos, de procedência diversa, bem como certifica a conformidade dos mesmos com determinadas normas ou especificações técnicas. Fonte: INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE NACIONAL. O que é uma marca?. Disponível em: <http://www.inpi.gov.br/menu-esquerdo/marcas/o%20que%20e%20marca>. Acesso em: 15 ago. 2011. 50 CUNHA, Frederico Carlos da. A Proteção Legal do Design: propriedade industrial. 2. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2003. p. 155-156. 29 2.1.1 Natureza Jurídica e o Objeto de Proteção A natureza jurídica do desenho industrial é patrimonial, bem imaterial de direito real e é uma espécie da Propriedade Industrial originada de título expedido pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial. O título de propriedade é considerado bem móvel, conforme estabelecido no artigo 5 da LPI. Portanto, um desenho passará a ser juridicamente reconhecido quando expedido o certificado de registro pelo INPI, conforme normatiza o inciso II da LPI, mesmo que o desenho exista desde sua criação51. O título de propriedade originado do registro de Desenho Industrial será válido por dez anos contados da data do depósito, prorrogáveis por mais três períodos sucessivos de cinco anos, até atingir o prazo máximo de 25 anos, conforme normatiza o artigo 108 da LPI. Estas regras devem respeitar o princípio da territorialidade segundo a Convenção de Paris, em seu 4º bis, que estabelece que a proteção conferida pelo Estado por registro de desenho industrial tem validade somente dentro dos limites territoriais do país que concede a proteção. Barbosa (2002, p. 06)52 entende que, em razão dos efeitos e da funcionalidade, o desenho industrial tem uma natureza semelhante àquela das patentes, pois “não é a natureza do exame que define o título, mas seus requisitos, seus efeitos jurídicos e econômicos, e sua funcionalidade social. Em todos esses requisitos, a proteção do desenho industrial é uma proteção patentária”. A LPI, em seu artigo 98, determina as situações que o desenho não será considerado industrial, quando a obra tiver caráter puramente artístico. Pela norma, entende-se que o eventual caráter artístico existente em um desenho industrial não invalidaria o seu registro, pois, somente as obras de caráter puramente artístico estariam vetadas como registro como desenho industrial em razão do escopo de proteção dos Direitos Autorais e, por isso, são obras não passíveis de fabricação industrial. 2.1.2 Procedimento de Solicitação do Registro Junto ao INPI 51 MIRANDA, P. D. Tratado de Direito Privado: parte especial. Rio de Janeiro: Borsoi, 1971. Apud FERNANDES, M. S. Uma Abordagem Jurídica e Bioética sobre as Patentes Relacionadas às Células-Tronco Humanas. Porto Alegre: Porto, 2008. 52 BARBOSA, Denis Borges. Proteção dos Modelos de Utilidade e do Designs. 2002. Disponível em: <denisbarbosa.addr.com/127.doc>. Acesso em: 17 dez. 2011. 30 O pedido de registro de desenho industrial se faz junto ao INPI e para isso é necessário, no mínimo, o preenchimento de um requerimento padrão, onde constarão os dados do solicitante, do autor e a apresentação do desenho (titulo e campo de aplicação). Anexos ao requerimento, deverão estar os desenhos ou fotografias do objeto a ser protegido e o comprovante de pagamento da retribuição relativa ao depósito. O Ato Normativo 161/200253 explica como devem ser formatados os documentos, apresentados os desenhos ou fotografias e como deve ser descrito o campo de aplicação do objeto. Uma vez solicitado o pedido ao INPI, ele é submetido ao exame formal preliminar para se ter uma data de depósito e um número de protocolo, realizado no INPI no momento do protocolo. O exame formal tem como objetivo averiguar se o pedido de registro de desenho industrial respeita os critérios da moral e dos bons costumes, se o registro não ofende a honra ou a imagem de pessoas, ou se o registro não atenta contra liberdade de consciência, crença, culto religioso ou ideia e sentimentos dignos de respeito e veneração (artigo 100 da LPI). Além de verificar se o objeto possui forma necessária comum ou vulgar, determinada essencialmente por considerações técnicas ou funcionais, verificando, ainda, se todo o pedido está de acordo com o AN161/02. Caso o pedido do depósito do produto não atenda ao artigo 100 da LPI e atender formalmente o disposto no 10154 da referida lei, o INPI envia uma exigência formal a fim de regularizar o pedido. O solicitante tem um prazo de cinco dias para cumprir as exigências formais contados a partir da data de publicação de dita exigência. Se não for cumprida a exigência formal, considera-se como não depositado o pedido e é devolvido todo material ao depositante. 53 BRASIL. Ato Normativo (AN) 161/2002. Dispõe sobre a aplicação da Lei de Propriedade Industrial em relação aos registros de desenho industrial. Disponível em: <http://coralx.ufsm.br/nit/inovacao/ tecnologica/images/stories/downloads/ ato%20normativo% 20161-2002-inpi.pdf>. Acesso em: 15 dez. 2011 54 101 - O pedido de registro, nas condições estabelecidas pelo INPI, conterá: I - requerimento; II relatório descritivo, se for o caso; III - reivindicações, se for o caso; IV - desenhos ou fotografias; V campo de aplicação do objeto; e VI - comprovante do pagamento da retribuição relativa ao depósito. Parágrafo único - Os documentos que integram o pedido de registro deverão ser apresentados em língua portuguesa. Fonte: BRASIL. Lei da Propriedade Industrial, de 14 de maio de 1996. Regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial. Disponível em: <http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/leis/ L9279.htm>. Acesso em: 15 dez. 2011. 31 No caso do pedido de exame de mérito, o INPI fará uma análise do registro, verificando originalidade e novidade do mesmo e emitirá parecer de mérito ou ,concluindo pela ausência de um dos requisitos, servindo para a instauração de ofício de Processo Administrativo de Nulidade (PAN), ou no caso de não encontrar anterioridades, concluindo que o registro possui novidade e originalidade. O procedimento está desenhado em um fluxograma de autoria do INPI, o qual reproduzimos abaixo para efeitos didáticos. Figura 1 — Processamento depósito de um registro de desenho industrial 32 Fonte: INPI (2009)55. 2.2 REQUISITOS ANALISADOS NO EXAME DE MÉRITO A novidade e a originalidade, conforme já visto anteriormente, são os requisitos necessários para a concessão de um registro do desenho industrial e são definidos na LPI em seus artigos 96 e 9756. Regularmente a concessão de um desenho industrial se dá sem o exame de mérito, entretanto o titular de um registro tem o dever de verificar o estado da técnica de seu produto antes de efetuar o depósito. Por isso o titular terá que ter os elementos para provar que o seu produto é novo e original, em especial no caso de ser questionado quando a validade do pedido do desenho industrial depositado. Neste caso, o depositante deverá, então, provar que o objeto não estava no estado da técnica na data de depósito, revelando, dessa forma, o novo. Bem como, provar que o objeto no momento do depósito era original, ou seja, que ele representava um visual distintivo perante aos demais já existentes no estado da técnica. Podemos entender a originalidade de um desenho industrial na percepção e concepção do autor, ou seja, o seu processo de criação, o seu toque pessoal, a essência para aquele objeto. Podemos até, no sentido leigo, dizer que a originalidade está para os desenhos industriais assim como a atividade/ato inventivo estão para as patentes. A atividade inventiva no sentido técnico envolve a necessária distinção entre inovação e descoberta, portanto a atividade inventiva nas patentes exige uma solução técnica para um problema técnico. No caso da 55 INSTITUTO NACIONAL DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL. Processamento dos Pedidos. Disponível em: <http://pesquisa.inpi.gov.br/>. Acesso em: 02 jul. 2009. 56 96 - O desenho industrial é considerado novo quando não compreendido no estado da técnica. Parágrafo 1º - O estado da técnica é constituído por tudo aquilo tornado acessível ao público antes da data de depósito do pedido, no Brasil ou no exterior, por uso ou qualquer outro meio, ressalvado o disposto no Parágrafo 3o. deste artigo e no 99. Parágrafo 2º - Para aferição unicamente da novidade, o conteúdo completo de pedido de patente ou de registro depositado no Brasil, e ainda não publicado, será considerado como incluído no estado da técnica a partir da data de depósito, ou da prioridade reivindicada, desde que venha a ser publicado, mesmo que subsequentemente. Parágrafo 3º - Não será considerado como incluído no estado da técnica o desenho industrial cuja divulgação tenha ocorrido durante os 180 (cento e oitenta) dias que precederem a data do depósito ou a da prioridade reivindicada, se promovida nas situações previstas nos incisos I a III do 12. 97 - O desenho industrial é considerado original quando dele resulte uma configuração visual distintiva, em relação a outros objetos anteriores. Parágrafo único - O resultado visual original poderá ser decorrente da combinação de elementos conhecidos. Fonte: BRASIL. Lei da Propriedade Industrial, de 14 de maio de 1996. Regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/ L9279.htm>. Acesso em: 15 dez. 2011. 33 originalidade no desenho industrial não há exigência do desenho resolver um problema técnico e sim importa a forma, a dimensão e a aparência ter destaque distintivo. (FERNANDES, 2012, p. 97).57 A questão da originalidade torna-se ainda mais complicada de definir, pois, segundo Barbosa (2005, p. 2)58, a “originalidade” tem variada conceituação em direito da propriedade intelectual. No direito autoral, tende a se manifestar como a característica de ser oriunda do próprio criador, ou novidade subjetiva. Pela definição do CPI de 1996, a originalidade assemelha-se à distinguibilidade do direito marcário, ou seja, a possibilidade de ser apropriada por não integrar o domínio comum. A fragilidade de tal conceito está na extrema proximidade com a noção de novidade exposta por Silveira (1982, p. 579) que afirma: [ . . . ] a originalidade é condição tanto para a proteção das invenções, quanto das obras artísticas, podendo-se dizer que nas obras de arte a originalidade se refere à forma considerada em si mesma, enquanto que para os modelos e desenhos industriais a forma em si pode não ser original, desde que o seja a sua aplicação, isto é, a originalidade neste caso consistiria na associação original de uma determinada forma a um determinado produto industrial59. Segundo Barbosa (2002)60, o requisito da originalidade, deve ser entendido como a exigência de que o objeto da proteção seja novo, isto é, não esteja contido no estado da técnica, mas também ele seja distintivo de outros objetos, em grau de distinção comparável ao ato inventivo dos modelos de utilidade. Pode-se observar, nas publicações semanais da RPI, que existem distinções nesse requisito conforme o setor produtivo e o mercado consumidor; assim, para certos produtos, o grau de originalidade é maior do que para outros. Esta também é a razão da escolha do tema desta dissertação em focar em um setor produtivo específico, a indústria calçadista. O produto que tem praticamente esgotadas todas as possibilidades de redesenho, em razão do estado da técnica, precisa de um redesenho muito 57 FERNANDES, Márcia Santana. Bioética, Medicina e Direito de Propriedade Intelectual: relação entre patentes e células-tronco humanas. São Paulo: Saraiva, 2012. 58 BARBOSA, Denis Borges. A Noção de Originalidade e os Títulos de Obra, em Particular, de Software. 2005. Disponível em: <http://denisbarbosa.addr.com/arquivos/200/propriedade/ originalidade.pdf>. Acesso em: 22 set. 2011 59 SILVEIRA, Newton apud BARBOSA, Denis Borges. Uma Introdução à Propriedade Intelectual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. 60 BARBOSA, Denis Borges. Proteção dos Modelos de Utilidade e do Designs. 2002 Disponível em: <denisbarbosa.addr.com/127.doc>. Acesso em: 17 dez. 2011. 34 rebuscado para se apresentar como original, mesmo que o desenho sofra uma mínima distinção do já existente. Por isso, a noção de originalidade é mais difícil de ser apreendida na realidade. Por sua vez, o requisito da novidade aplicada a um desenho industrial tem um caráter especial, como aponta Silveira (1982, p. 13-24)61: “Pode-se falar, assim, em uma novidade relativa, consistindo não na forma abstratamente considerada, mas na forma efetivamente utilizada como modelo”. E ainda, segundo o mesmo autor: “A novidade de um modelo ou desenho pode consistir na composição do conjunto, mesmo que suas partes sejam conhecidas”. Já conforme Pouillet (apud SILVEIRA, 1982, p. 65), “tais criações quando não despertam nenhum sentimento estético, satisfazendo apenas ao gosto da moda, somente podem ser protegidas pela lei de desenhos e modelos, caso contrário entram no domínio da propriedade artística”62. Passemos ao estudo específico de ambos os requisitos: novidade e originalidade. 2.2.1 Novidade O artigo 96 da LPI normatiza, a noção do requisito de novidade para a proteção dos desenhos industriais. Como já tratada na dissertação de Suzana Guimarães (2010)63, a novidade está diretamente ligada à publicação ou divulgação do desenho. Márcia Fernandes (2012, p. 107)64 afirma que a novidade é um critério objetivo, uma vez que está diretamente relacionada com a análise do conhecimento existente no estado da técnica. Por sua vez, o estado da técnica deve ser interpretado na perspectiva do expert e não na perspectiva do homem comum. No caso do DI sofrer um exame de mérito, a novidade seria facilmente analisada, porém, a busca do estado da arte, ou seja, o que já foi tornado acessível 61 SILVEIRA, Newton. Direito do Autor no Desenho Industrial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1982. CHAVES, Antônio. Obras de Arte Aplicada a Indústria; Desenhos ou Modelos. Jurisprudência Brasileira, v. 95, p. 13-24, 1985. 62 SILVEIRA, Newton. Direito do Autor no Desenho Industrial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1982. 63 GUIMARÃES, Suzana Serrão. Proteção Legal do Desenho Industrial: entendimentos, conflitos e implicações dos requisitos de novidade e de originalidade. 2010. 95 f. Dissertação (Mestrado Profissionalizante em Propriedade Intelectual e Inovação)— Instituto Nacional de Propriedade Intelectual, Rio de Janeiro, 2010. 64 FERNANDES, Márcia Santana. Bioética, Medicina e Direito de Propriedade Intelectual: relação entre patentes e células-tronco humanas. São Paulo: Saraiva, 2012. 35 ao publico é realizada por um examinador, portanto, ela pode ser falha ou incompleta, em razão das ferramentas ou instrumentais de busca serem limitados. Além dos bancos de dados e de sites de pesquisa, a própria perspectiva e conhecimento do examinador podem interferir nessa avaliação, que consiste em verificar se o objeto examinado pode ou não ser um desenho industrial em função dos desenhos previamente existentes65. Segundo Newton Silveira (1996, p. 9)66: “Objetivamente novo é aquilo que ainda não existia; subjetivamente novo é aquilo que era ignorado pelo autor no momento do ato criativo”. Os consumidores normalmente observam o produto já finalizado, ficando difícil vislumbrar todo o trabalho e a atividade inventiva contida em dito produto. O desenvolvimento de um produto, o qual muito consumidores consideram um simples design, envolve todo um processo criativo67, o qual inclui identificação de um problema, elaboração da solução como ideia e a própria aplicação dessa ideia no desenvolvimento de um projeto até se obter o produto final. Para se conseguir passar por todas essas fases de elaboração de um produto, o seu criador necessita estudar o estado da técnica, é nesse estudo que se conhecerá o problema a ser solucionado. 2.2.2 Originalidade A originalidade é a distinção do desenho em relação aos objetos conhecidos, ou seja, em relação ao estado da técnica. Um desenho industrial atenderá o requisito de ser original quando ele se distinguir do que já existe, e isso se dá com o toque do autor, ou seja, uma característica peculiar do autor. Corroborando com essa afirmação, Pollaud Dulian (1997 apud BARBOSA, 2009)68 afirma: “[ . . . ] a novidade resulta da inexistência de anterioridade idêntica ou semelhante, enquanto que a originalidade é a marca pessoal do autor expressa na obra”. 65 DANNEMANN, Gert Egon; CAMARA JUNIOR, Eduardo da Gama; MENDES, Hermínia Leitão. Desenho Industrial: o que fazer? Porque fazer? Como fazer?: um guia prático sobre como proteger seu desenho industrial. Porto Alegre: SEBRAE/RS, 2008. v. 4. 66 SILVEIRA, Newton. Propriedade Intelectual. São Paulo: Manole, 1996. 67 GOMES, Luiz Antônio Vidal de Negreiros. Criatividade: projeto < desenho > produto. 3. ed. Santa Maria: sCHDs, 2004. 68 BARBOSA, Denis Borges. Do requisito de originalidade nos desenhos industriais: a perspectiva brasileira. 2009. Disponível em: <http://www.denisbarbosa.addr.com/arquivos/ novidades/do_requisito_originalidade.pdf>. Acesso em: 02 nov. 2009. 36 Podemos afirmar que a definição de originalidade é um conceito indeterminado, assim considerado pelo direito. As leis não devem possuir definições técnicas ou teóricas. Para Gama Cerqueira (1982, p. 211), a originalidade está no grau de distinção existente entre o desenho industrial e os objetos comuns, ou outros desenhos industriais já conhecidos. Não é próprio da lei ministrar definições técnicas ou teóricas. Por outro lado, as definições legais só podem ser úteis quando exatas e perfeitas, o que é raro. Fora desse caso são ociosas, quando não se tornam nocivas, induzindo em erro o intérprete, em vez de guiá-lo com segurança69. Em estudo recente, Denis Barbosa (2009, p. 2)70 explica que “a mera disparidade configura novidade, mas é o determinado grau de contribuição que se busca com a noção de originalidade”. O grau de distinção para auferir a originalidade terá de ser visível e claramente aparente, possibilitando que o objeto diferencie-se dos seus similares, tendo configuração própria. Uma decisão de 2008, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, afirma que a nova conformação ornamental de um objeto não deve se restringir à mera disparidade de dimensões ou a alterações superficiais da sua configuração com relação às já presentes no mercado ou já inseridas no estado da técnica, mas, sim, deve ser dotada de um determinado grau de inventividade estética capaz de resultar na efetiva distinguibilidade da nova configuração se comparada a produtos similares. As distinções no requisito de originalidade variam conforme o setor produtivo e o mercado consumidor; assim, para certos produtos, a distinguibilidade deve ser maior. No entendimento do Instituto Dannemann-Siemsen, para analisar um desenho industrial, deve ser analisado o contexto no qual o mesmo está inserido: 69 CERQUEIRA, João da Gama. Tratado da Propriedade Industrial. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1982. v. 1. 70 BARBOSA, Denis Borges. Do Requisito de Originalidade nos Desenhos industriais: a perspectiva brasileira. 2009. Disponível em: <http://www.denisbarbosa.addr.com/arquivos/novidades/ do_requisito_originalidade.pdf>. Acesso em: 02 nov. 2009. 71 Com efeito, para que seja registrável como desenho industrial, a nova conformação ornamental de um objeto não deve se restringir à mera disparidade de dimensões ou a alterações superficiais da sua configuração com relação às já presentes no mercado ou já inseridas no estado da técnica, mas, sim, deve ser dotada de um determinado grau de inventividade estética capaz de resultar na efetiva distinguibilidade da nova configuração se comparada a produtos similares [ . . . ] Voto do Des. André Fontes, Agravo 2007.02.01.009404-2, Segunda Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2.ª Região, à unanimidade, Rio de Janeiro, 30 de setembro de 2008, grifo nosso. 37 A abrangência de proteção deverá ser tanto mais limitada quanto mais semelhantes ao desenho registrado foram os produtos do estado da técnica a considerar. Inversamente, quando maior o ineditismo do desenho proposto em relação à técnica anterior, maior deverá ser a abrangência da proteção conferida72. Podemos entender, então, que para análise da originalidade deve ser analisada toda a gama de produtos próximos ao objeto do desenho e, analisando produto por produto, elencar quais as semelhanças e quais as suas distinções para então poder avaliar se o objeto possui originalidade frente ao seu estado da técnica. 2.3 IMPORTÂNCIA E PROCEDIMENTOS RELACIONADOS AO EXAME DO MÉRITO A LPI, em seu artigo 111, faculta ao titular requerer ou não que o INPI faça um exame de mérito do seu desenho industrial, o que resulta em parecer mantendo ou não a concessão do registro. Tal procedimento é pouco utilizado, visto não ser obrigatório. A escolha de muitos titulares em não solicitar o exame de mérito é justificada pelo temor e risco de ter seu registro anulado. Segundo Frederico Carlos da Cunha (2003), não existem vantagens de se requerer um exame de mérito. O autor ainda destaca que, durante o ano de 1999, dos 8.492 pedidos examinados, só 12 solicitaram o exame de mérito73. Porém, apesar dos números, o exame de mérito fortalece o registro, dando uma certificação de que o mesmo atende aos critérios legais de novidade e originalidade, dificultando, assim, a sua nulidade. No item 2.1 do presente trabalho, como já referido, Anali Anhuci afirma que o registro de desenho industrial não garante a seu titular a tutela antecipada no caso de alguma ação judicial. Esse procedimento pode ser muito prejudicial ao titular do desenho nos casos de discussão judicial, pois o titular do registro, nestas situações, não possui os direitos garantidos, como referidos no artigo 42 de dita LPI, isto é, os direitos de impedir terceiro, sem o seu consentimento, de produzir, usar, colocar à venda, vender ou importar o objeto do registro74. 72 INSTITUTO DANNEMANN SIEMSEN DE ESTUDOS DE PROPRIEDADE INTELECTUAL. Comentários à Lei da Propriedade Industrial. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 161. 73 CUNHA, Frederico Carlos da. A Proteção Legal do Design: propriedade industrial. 2. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2003. 74 ANHUCI, Anali de Oliveira. Registro de Desenho Industrial e a Antecipação de Tutela. Revista da ABAPI, n. 47, p. 51-52, jul./ago. 2000. 38 O registro, quando objeto de disputa judicial sofre perícia técnica, a qual faz exatamente o ato do exame substantivo, para a aferição dos requisitos previstos na LPI. Referida perícia é obrigatória antes da realização da audiência, visto a concessão do registro pelo INPI sem a análise do mérito. Resta claro que o exame de mérito é importante nos casos de ação judicial e que o registro concedido, por si só, não se mostra suficiente para garantir os direitos normatizados na LPI. Como bem observado por Custódio de Almeida et al (2011): A requisição do exame de mérito quanto à novidade e à originalidade do desenho industrial é sempre prudente, uma vez que, caso seja o objeto do registro copiado por terceiros não autorizados, o parecer emitido pelo INPI é indispensável para que sejam deferidas liminares em possíveis ações judiciais75. Contudo, a possibilidade de fazer valer o poder do registro de desenho industrial seja na tutela antecipada76 ou em qualquer outra situação de concorrência desleal não é absoluta. O titular do registro, para usufruir de seus direitos de forma efetiva terá que comprovar exaustivamente que o objeto protegido efetivamente é novo e original, bem como, no caso de ação judicial, provar a violação do seu direito por parte de seu concorrente. 75 ALMEIDA, Custódio et al. Dúvidas Frequentes. Disponível em: <http://www.custodio.com.br/ duvidas_frequentes_br.htm>. Acesso em: 28 nov. 2011. 76 Diz-se, na espécie, que há antecipação de tutela porque o juiz se adianta para, antes do momento reservado ao normal julgamento do mérito, conceder à parte um provimento que, de ordinário, somente deveria ocorrer depois de exaurida a apreciação de toda a controvérsia e prolatada a sentença definitiva. Justifica-se a antecipação da tutela pelo princípio da necessidade, a partir da constatação de que sem ela a espera pela sentença de mérito importaria denegação de justiça, já que a efetividade da prestação jurisdicional restaria gravemente comprometida. Reconhece-se, assim, a existência de casos em que a tutela somente servirá ao demandante se deferida de imediato. Fonte: THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 50. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. v.1. p. 664. 39 3 O DESENHO INDUSTRIAL E OS SOLADOS: indústria de insumos à produção calçadista O Desenho industrial poderá ser concedido às partes de objetos, portanto estes são passíveis de registro quando ditas partes constituem ou modificam as qualidades estéticas de um objeto ou seu caráter ornamental. A parte destacável do objeto é registrável se for fabricada e comercializada separadamente ou, ainda, quando puder ser identificada separadamente do corpo do objeto principal. Segundo Cunha (2000, p 65)77, para ser considerada parte destacável e, portanto, passível de proteção pelo registro de desenho industrial, é necessário avaliar se essa parte pode ser produzida ou comercializada separadamente, ou seja, sem ser considerada parte integrante do processo industrial, ou, ainda, se a parte destacável pode ser aplicada ou instalada manualmente pelo usuário no objeto principal. Similarmente, a parte componente, apesar de não ser parte destacável, também seria passível de proteção, por ser visível durante o uso normal do produto e possuir características diferentemente percebidas no momento de sua montagem, o que, por si só, preencheria os requisitos da novidade e do caráter singular. Exemplo de parte componente registrável como desenho industrial são os solados de calçados, nosso objeto de estudo. Os solados apresentam padrões de forma acabada perfeitamente definida e podem ser produzidos separadamente e destacados linearmente em segmentos para serem aplicados. Empresas dos mais diversos componentes de calçados — tais como almas, saltos, biqueiras, palmilhas, pinos, solas, protetores, dentre outros — protegem seus designs através do registro de desenho industrial. Um exemplo que poderíamos destacar é o Grupo Plínio Fleck, formado pelas empresas Flecksteel, Fleckmetal e Fleckplast, que está no mercado há 72 anos e produz diversos componentes na fabricação de calçados. Uma característica desse grupo é proteger, por meio de registro de desenho industrial, todos os novos modelos de seus componentes. Para fins de ilustração, apresentamos alguns desenhos de produtos protegidos por 77 CUNHA, Frederico Carlos da. A Proteção Legal do Design: marketing e web design. Rio de Janeiro: Lucerna, 2000. 40 desenho industrial de titularidade do Grupo Plinio Fleck78, concedidos e publicados na Revista do INPI. Figura 2 — Configuração aplicada a protetor de metatarso articulado79 Fonte: Revista do INPI (2007, p. 140)80. Figura 3 — Configuração aplicada à roseta de fixação81 Fonte: Revista do INPI (2009, p. 145)82. Figura 4 — Configuração aplicada à biqueira83. Fonte: Revista do INPI (2006, p. 154)84. 78 Todos os produtos apresentados acima são objeto de proteção através do registro de desenho industrial e estão disponíveis para pesquisa no site do INPI. 79 Desenho Industrial DI 6605112-6, depositado em 22/12/2006 e concedido em 17/07/2007. 80 Publicada na RPI 1906 de 17 de julho de 2007 81 Desenho Industrial DI 6801338-8, depositado em 07/04/2008 e concedido em 29/09/2009. 82 Publicada na RPI 2021 de 29 de setembro de 2009 83 Desenho Industrial DI 6601675-4, depositado em 05/05/2006 e concedido em 22/08/2006. 84 Publicada na RPI 1859 de 22 de agosto de 2006 41 3.1 A INDÚSTRIA CALÇADISTA E A PROTEÇÃO DO DESENHO INDUSTRIAL EM RELAÇÃO AOS SOLADOS A indústria calçadista está diretamente ligada à indústria da moda, o que faz com que esse setor esteja constantemente em movimento. Uma coleção nova de calçados envolve todas as indústrias de componentes visto que todas têm que se adaptar para fornecer os componentes adequados para os novos modelos. Segundo um estudo realizado por Andrade e Correa (2001)85, a etapa de modelagem é considerada uma das mais importantes da linha de produção de calçados, é nessa fase que o produto é concebido e completamente especificado, ou seja, é na modelagem que todos os componentes irão ser escolhidos. Na maioria dos novos modelos, o que muda é o design final do produto, sua forma externa, raramente temos novas funções técnicas dos componentes de um calçado, o que é mais comum de acontecer é termos produtos ou processos de fabricação novos para esses componentes. Nesse sentido, a melhor forma de proteger as modificações realizadas nesses componentes é através do desenho industrial. Facilmente encontramos publicações relacionadas à concessão de desenhos industriais para solados nas publicações semanais do INPI. O que nos comprova o interesse das empresas em proteger esse tipo de produto como um componente separado do todo, que é o calçado. Em 2008, a então gerente de relações com os Investidores da Grendene, Doris Wilhelm, afirmou que sempre deu importância ao registro de desenho junto ao INPI, pois ele é uma barreira contra a pirataria a longo prazo 86. A empresa Grandene tem a tradição de registrar seus produtos desde o fim dos anos 1970. Fazendo uma busca rápida no banco de dados do INPI, encontramos, em nome de Grandene SA, 33 processos relacionados a desenhos industriais, conforme podemos observar no quadro abaixo: 85 ANDRADE, José Eduardo Pessoa de Andrade; CORRÊA, Abidack Raposo. Panorama da Indústria Mundial de Calçados, com ênfase na América Latina. Rio de Janeiro: Banco Nacional de Desenvolvimento, 2000. 86 WILHELM, Dóris. Moda Começa a Pensar em Proteção de Design. Disponível em: <http://www. inpi.gov.br/noticias/moda-comeca-a-pensar-em-protecao-de-design/?searchterm=moda>. Acesso em: 25 nov. 2011. 42 Quadro 1 — Busca de DIs em nome de GRANDENE 5(68/7$'2 '$ 3(648,6$ 3HVTXLVD jV SRU ([SUHVVmR H[DWD *5$1'(1( QR GHSRVLWDQWH ?)RUDP HQFRQWUDGRV SURFHVVRV TXH VDWLVID]HP j SHVTXLVD 0RVWUDQGRSiJLQDGH 3URFHVVR ', ', ', ', ', ', ', ', ', ', ', ', ', ', ', ', ', ', ', ', ', ', ', ', ', ', ', ', ', ', ', ', 'HSyVLWR 7tWXOR &21),*85$d2$3/,&$'$(06$1'È/,$ &21),*85$d2$3/,&$'$(0&$/d$'2)(&+$'2 &21),*85$d2$3/,&$'$(06$3$7,/+$ &21),*85$d2$3/,&$'$(06$1'È/,$ &21),*85$d2$3/,&$'$(0&$/d$'2)(&+$'2 &21),*85$d2$3/,&$'$(062/$'2 &21),*85$d2$3/,&$'$(06$1'È/,$ &21),*85$d2$3/,&$'$(06$1'È/,$ &21),*85$d2$3/,&$'$(07$0$1&2 &21),*85$d2$3/,&$'$(07$0$1&2 &21),*85$d2$3/,&$'$(0&+,1(/2'('('2 &21),*85$d2$3/,&$'$(062/$'2 &21),*85$d2$3/,&$'$(06$1'È/,$ &21),*85$d2$3/,&$'$(06$1'È/,$ &21),*85$d2$3/,&$'$(06$1'È/,$ &21),*85$d2$3/,&$'$(06$1'È/,$ &21),*85$d2$3/,&$'$(0&$/d$'2)(&+$'2 &21),*85$d2$3/,&$'$(06$1'È/,$ &21),*85$d2$3/,&$'$(06$1'È/,$ &21),*85$d2251$0(17$/(06$1'È/,$ &21),*85$d2251$0(17$/(0&+,1(/2'('('2 &21),*85$d2251$0(17$/(06$1'È/,$ &21),*85$d2251$0(17$/$3/,&$'$(0&+,1(/2 &21),*85$d2251$0(17$/(06$1'È/,$ &21),*85$d2$3/,&$'$(0&+,1(/2'('('2 &21),*85$d2251$0(17$/$3/,&$'$(0&+,1(/2'( '('2 &DOoDGRHVSRUWLYRWLSRVDQGiOLD )LYHOD3ULQFLSDOPHQWHSDUD&DOoDGRV &RQILJXUDomRHPVDQGiOLD 0yGXORGHDPRUWHFLPHQWRGHLPSDFWRVSDUDFDOoDGRV HVSRUWLYRV 3UHQGHGRUGHURXSDVHPYDUDO 3DGUmRRUQDPHQWDODSOLFDGRDWLUD '(6(1+2251$0(17$/$3/,&$'2(062/$'23$5$ ', &$/d$'26 Fonte: Banco de Dados do INPI (2012)87. 87 INSTITUTO NACIONAL DE PROPRIEDADE INTELECTUAL. Marca e Patente. 2012. Disponível em: <http://pesquisa.inpi.gov.br/MarcaPatente/jsp/desenhos/desenhoSearchAvancado.jsp>. Acesso em: 04 fev. 2012. 43 Nos processos listados acima, temos, em sua maioria, proteção para o produto final, ou seja, sandálias, chinelos de dedos, mas também temos alguns casos específicos de fivela, solado, módulo de amortecimento. Segundo um estudo realizado pela Associação Brasileira de Empresas de Componentes para Couro, Calçados e Artefatos (ASSINTECAL) e pelo Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE) em 201188, a diversificação da produção existente nas industriais brasileiras é um fator competitivo, pois a adaptação às mais diferentes coleções é muito rápida. Isto permite que o Brasil produza todos os tipos de calçados necessários para atender ao mercado interno e também às exportações. Fazendo seus próprios modelos e atendendo as mais diversas necessidades, seja do ponto de vista de conforto ou de moda. O solado de calçado tem múltiplas funções além de dar firmeza no caminhar sustentando a planta do pé, ele também ajuda a embelezar e diferenciar a qualidade do calçado, tornando o desejado pelos consumidores. A princípio a proteção dos lançamentos de calçados é necessária, o que talvez possa ser considerado um ponto frágil e saber o que as empresas devem proteger. Esta fragilidade está relacionada a modificação e variação das coleções de calçados anualmente portanto a necessidade de proteção por meio de desenho industrial, em um primeiro momento, pode parecer não essencial. O fato é que há modelos de solados que duram somente uma estação, assim como a coleção de calçados na qual os mesmos são direcionados. Nesses casos, a proteção por desenho industrial não seria tão indicada, visto a curta duração do produto. Entretanto, deve pontuar-se que peças específicas de calçados, como almas, biqueiras e saltos, são normalmente partes que perduram durante muitas coleções e geralmente elas não influenciam diretamente no design final do calçado, mas esta influencia pode ocorrer quando estas peças apresentam uma mudança significativa em seu design, apresentando características de unicidade. Nos casos em que se cria um solado com características únicas e diferenciadas, razão pela qual há a intenção do produtor de mantê-lo no comércio por vários anos consecutivos, será indicada a proteção através de DI. São normalmente os casos de solados para tênis ou calçados de segurança. 88 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EMPRESAS DE COMPONENTES PARA COURO, CALÇADOS E ARTEFATOS. Estudo dos Polos Calçadistas Brasileiros. Novo Hamburgo: ASSINTECAL, 2011. 44 O DI é apresentado por muitos agentes da propriedade industrial como uma forma de proteção rápida e simples de ser obtidar e, em vista disso, muitas empresas e pessoas físicas o requerem ao INPI sem analisar a verdadeira adequação de referido pedido. Em função disso, inúmeros registros de desenho industrial são solicitados ao INPI para solados de calçados, o que torna a validade desse tipo de registro um tanto quanto duvidosa, o que poderá abalar a sua credibilidade e instrumentalidade no mercado como um bem imaterial. De acordo com Labrunie e Colombo (2009)89, quanto maior a variedade de produtos com o mesmo conceito no estado da técnica, maior será a atenção para os detalhes do desenho industrial, a fim de aferir o seu grau de originalidade. Frederico Carlos da Cunha (2000)90, afirma que dois ou mais objetos podem apresentar algumas características configurativas em comum, e só não deverão coexistir se a forma geral do produto revelar que as diferenças entre eles não são suficientes para distingui-los. Observamos, fazendo uma pesquisa nas RPIs, que existem muitas concessões de DI para solados muito semelhantes, conforme podemos observar nos desenhos referidos abaixo: Figura 5 — Desenho Industrial DI 7100440-8 Fonte: Revista do INPI (2009, p. 307)91. 89 LABRUNIE, Jacques; COLOMBO, Manuela Correia Botelho. Proteção e Importância dos Desenhos Industriais. Revista da ABPI, p. 54-67, set./out. 2009: 90 CUNHA, Frederico Carlos da. A Proteção Legal do Design: marketing e web design. Rio de Janeiro: Lucerna, 2000. 91 Publicada na RPI 2122 de 06 de setembro de 2009 45 Figura 6 — Desenho Industrial DI 7004863-0 Fonte: Revista do INPI (2011, p. 214)92. Figura 7 — Desenho Industrial DI 7004831-2 Fonte: Revista do INPI (2011, p. 214)93. Figura 8 — Desenho Industrial DI 7100254-5 Fonte: Revista do INPI (2011, p. 454)94. 92 Publicada na RPI 2112 de 28 de junho de 2011 93 Publicada na RPI 2113 de 05 de julho de 2011 94 Publicada na RPI 2118 de 09 de agosto de 2011 46 Figura 9 — Desenho Industrial DI 7100253-7 Fonte: Revista do INPI (2011, p. 453)95. Nesses registros, nota-se que as diferenças apresentadas em cada modelo de solado são expressas por características mínimas de detalhes. Tal realidade pode causar confusão ao consumidor. Talvez um produtor de calçados, conhecedor do produto, certamente perceberá as diferenças e não fará nenhuma confusão ao adquirir as peças. Porém, o consumir — leigo — poderia confundir os modelos por sua visível semelhança. Verifica-se, então, que a originalidade no setor de solado poderá variar de acordo com o público consumidor do produto. 3.2 O EXAMINADOR DO INPI E OS CRITÉRIOS DE ORIGINALIDADE E NOVIDADE PARA OS SOLADOS QUANDO SOLICITADO O EXAME DE MÉRITO O exame de mérito dos desenhos industriais, segundo o artigo 111 da LPI, fica adiado até o momento que o próprio titular ou terceiros o requeiram. O INPI emitirá parecer de mérito, que, se concluir pela ausência de um dos requisitos de elegibilidade — originalidade ou novidade — ou mesmo de ambos, tal fato servirá como fundamento para a instauração de processo de nulidade de registro. Ainda segundo a LPI, em seu artigo 113, o processo de nulidade poderá ser instaurado de ofício ou mediante requerimento de qualquer pessoa com legítimo interesse, no prazo de cinco anos, contados da concessão do registro, ou a qualquer tempo, no caso do exame ter sido solicitado pelo próprio titular. A LPI, em seus artigos 111 e 113, define que o exame de mérito só será 95 Publicada na RPI 2118 de 09 de agosto de 2011. 47 realizado quando solicitado pelo titular do registro ou quando o registro sofre nulidade. O exame de mérito, quando solicitado, é realizado somente no acervo contido nos arquivos do INPI, sendo que o referido acervo pode não incluir documentos capazes de provar a falta de novidade do objeto96. Durante o exame, no caso de se encontrar objetos similares, o examinador deverá opinar através de comparação visual sobre a novidade do desenho. No caso especifico dos solados, essa comparação visual será realizada em nível de detalhes. Segundo Frederico Cunha (2002, p. 71), quando as diferenças entre as formas do produto são consideradas sutis, o caso é discutido por dois ou mais examinadores a fim de se obter um parecer definitivo. No caso do exame realizado por motivo de nulidade, além da pesquisa realizada pelo examinador, ele deverá analisar os eventuais documentos encaminhados junto como pedido de nulidade, que da mesma forma deverão ser analisados através de comparação visual. 3.3 ESTUDO COMPARATIVO RELACIONADO AO REGISTRO DO DESENHO INDUSTRIAL COM E SEM EXAME DE MÉRITO O estudo e a pesquisa realizados no banco de dados do INPI no período de 1º janeiro de 2008 a 1º de janeiro 2011, apresentou um resultado de 546 concessões para registros de solado. Desse total, 30 foram arquivados, 14 sofreram nulidade e ainda não foram decididos, 27 sofreram exigências técnicas e ainda não foram decididos e os outros 475 foram concedidos, sendo que desses, apenas 10 solicitaram o exame de mérito. Temos, então, nesse período, 475 registros de desenhos industriais concedidos diretamente sem nenhum questionamento do INPI e sem nenhuma interposição de terceiros validamente ativos. Desse total, os 10 registros que solicitaram o exame de mérito tiveram parecer favorável, ou seja, o parecer do INPI concluiu que não havia nenhuma anterioridade que impedisse o registro de existir. Os processos arquivados e os que estão em exigência técnica possuem o mesmo problema. Isto é, todos apresentam ou alguma vista faltante ou vistas com 96 CUNHA, Frederico Carlos da, A Proteção Legal do Design: propriedade industrial. 2. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2003. 48 baixa qualidade no desenho ou, ainda, este não se enquadra na formatação estabelecida no Ato Normativo do INPI, número 161/2002. Por sua vez, os pedidos arquivados não responderam alguma exigência feita pelo examinador ou ainda estão em prazo para cumprimento da mesma, ou se já responderam à exigência feita e ela não foi analisada pelo INPI. Aos que sofreram nulidade será realizado o exame de mérito, porém, além da pesquisa realizada no acervo do INPI, são também analisados os documentos e argumentos apresentados pelo requerente da nulidade que, após análise, passarão a fazer parte desse acervo. Após o exame, o examinador decidirá se o registro será mantido ou arquivado por não atender algum dos requisitos legais. Aos processos concedidos e aos que solicitaram exame de mérito, pela LPI, todos são registros que dão garantia ao seu titular de impedir terceiros de produzir e comercializar o seu produto, sendo que os que possuem o exame de mérito têm a vantagem de em um processo judicial, já terem do próprio governo um atestado de sua novidade e originalidade. Podemos melhor observar a situação exposta acima no Gráfico 1, abaixo: Gráfico 1 — Situação entre o período de 1º de janeiro de 2008 a 1º de janeiro de 2011 Fonte: Elaborado pela autora, Gabriele Sarmento da Silva, com base em dados do INPI. 49 No gráfico acima, podemos observar que do total dos pedidos de desenhos industriais de solados solicitados ao INPI, praticamente todos — após sua concessão — mantiveram seu registro sem nenhum impedimento. O número de registros concedidos é elevado e, desses, menos de 3% solicitaram exame de mérito ao INPI. 50 4 CONCLUSÃO O Brasil adotou a partir de 1996 com a promulgação da Lei da Propriedade Industrial - LPI, a proteção do desenho industrial, por meio de registro devidamente expedido pelo INPI. Os requisitos essenciais para obtenção de um título de propriedade referente a desenho industrial são: novidade, originalidade e aplicação industrial. Esses requisitos são considerados como atendidos pela simples solicitação do registro ao INPI. Um exame aprofundado, o chamado exame de mérito, só será realizado no caso do titular do registro solicitá-lo expressamente ao INPI, ou ainda, no caso de terceiro provocar o exame de mérito em razão do seu interesse em anular dito registro. A análise e interpretação do critério do examinador do INPI ao verificar a originalidade e novidade de um produto ficaram prejudicadas visto que quando solicitado o exame de mérito, é realizado pelo examinador uma análise visual do produto, com o objetivo de verificar a novidade baseado em um acervo interno do INPI, que contém além do banco de dados de todos os pedidos que já passaram pelo Instituto, todas as anterioridades já apresentadas nos casos de nulidade. A forma que a LPI regra a exigência ou não de exame de mérito poderá enfraquecer a eficácia do título de propriedade concedido pelo registro de Desenho Industrial, e é por isso observa-se a existência de várias concessões com pequenas diferenças sendo autorizadas aos desenhos industriais. A concessão automática de registro de desenho industrial promoveu um incremento no número de registros, o que pode ser verificado pelo levantamento de dados feito através do site do INPI e das RPIs, em relação aos solados, em um período de 3 anos (de 01/01/2008 à 01/01/2011). Neste período ocorreram 546 concessões, o equivalente a 180 registros anuais especificamente para solados. Houve poucos arquivamentos e algumas pedidos de nulidades que aguardam decisão. Assim obtivemos um total de 475 registros concedidos e validos perante LPI. O surpreendente nestes dados é que do total de 475 apenas 10 solicitaram o exame de mérito, evidenciando que os solicitantes evitam de realizar a sua solicitação. Uma vez que o exame é facultativo e sua validade está vinculada a sua concessão, conforme a LPI, é compressível que os titulares não solicitem dito exame. Entretanto, o exame de mérito se torna de primordial importância para defesa do título de propriedade nos casos de disputas extrajudiciais ou judiciais, 51 como por exemplo no caso de buscar um pedido liminar para obstar a utilização indevida de um desenho industrial, é indispensável esta medida de urgência para evitar maiores prejuízos a parte demandante, visto o tempo de análise de mérito de uma ação judicial. Visto todo o exposto acima, concluímos que o registro de desenho industrial é uma forma valiosa de proteção, porém sua concessão automática, objetivando a celeridade na concessão do registro, promoveu um enfraquecimento do valor do título de propriedade concedido em razão do registro de desenho industrial que a proposição final da LPI, a medida que os exames dos requisitos essenciais de novidade e originalidade são minimizados. Em razão disso, sugere-se que o exame da novidade seja realizado antes da concessão do registro e no caso de dúvidas ou de necessidade do titular poderia solicitar ao INPI um exame relacionado a originalidade do objeto de seu registro, esse exame avaliaria o grau de distinção do registro concedido com o estada da técnica. Entretanto, para isso ser viabilizado, o INPI teria que preparar mais examinadores para esta atividade, o que certamente, envolveria a necessidade de concurso público para a contratação de pessoal qualificado, assim como a realização de treinamento dos mesmas. Talvez por meio do incremento, qualificação e valoração do exame de mérito, no futuro, poderemos estudar a necessidade também de alteração legislativa quanto a obrigatoriedade do exame de mérito para os desenhos industriais. Observa-se, o que pode ser visto nos exemplos apresentados no item 3.1 do presente trabalho, que a distinguibilidade existente entre os registros de solados de sapatos estudados é sutil, a ponto de causar confusão visual e isso se deve a quantidade de variações existentes. Os modelos de solados existentes e fabricados são inúmeros que para se ter um solado original basta que ele se distingua por qualquer pequeno detalhe do já existente no estado da técnica. . Por fim, entendemos que o exame de mérito é essencial para garantir ao registro de desenho industrial uma maior valoração no sentido social e jurídico, para isso sugere-se a sua propagação e valorização fática já que legalmente a sua realização é facultada. Em especial pudemos observar com relação ao registro com solados de sapatos que em função da facilidade de aquisição do registro e da baixa variedade de tipos e modelos de solados produzidos anualmente, os critérios de novidade e originalidade são enfraquecidos, por isso a importância da valoração do exame de mérito e de seu aperfeiçoamento. 52 REFERÊNCIAS ALMEIDA, Custódio et al. Dúvidas Frequentes. Disponível em: <http://www.custodio.com.br/ duvidas_frequentes_br.htm>. Acesso em: 28 nov. 2011. ANDRADE, José Eduardo Pessoa de Andrade; CORRÊA, Abidack Raposo. Panorama da Indústria Mundial de Calçados, com Ênfase na América Latina. Rio de Janeiro: Banco Nacional de Desenvolvimento, 2000. ANHUCI, Anali de Oliveira. Registro de Desenho Industrial e a Antecipação de Tutela. Revista da ABAPI, n. 47, p. 51-52, jul./ago. 2000. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS INDÚSTRIAS DE CALÇADOS. Couromoda Mostra a Força do Setor Coureiro-Calçadista. 2007. Disponível em: <http:// www.abicalcados.com.br/noticias_couromoda-mostra-a-forca-do-setor-coureirocalcadista. html>. Acesso em: 08 fev. 2011. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EMPRESAS DE COMPONENTES PARA COURO, CALÇADOS E ARTEFATOS. Estudo dos Polos Calçadistas Brasileiros. Novo Hamburgo: ASSINTECAL, 2011. ______. Design Brazil. Disponível em: <http://www.abicalcados.com.br/ nacional/index.php?pagina= highfashion>. Acesso em: 08 fev. 2011. BARBOSA, Denis Borges. Proteção dos Modelos de Utilidade e do Design. 2002. Disponível em: <denisbarbosa.addr.com/127.doc>. Acesso em: 17 dez. 2011. ______. A Noção de Originalidade e os Títulos de Obra, em Particular, de Software. 2005. Disponível em: <http://denisbarbosa.addr.com/arquivos/200/ propriedade/originalidade.pdf>. Acesso em: 22 set. 2011. ______. Do requisito de originalidade nos desenhos industriais: a perspectiva brasileira. 2009. Disponível em: <http://www.denisbarbosa.addr.com/arquivos/ novidades/do_requisito_originalidade.pdf>. Acesso em: 02 nov. 2009. BARCELLOS, Milton Lucídio Leão. O Atual Sistema de Registro e Exercício de Direitos sobre Desenhos Industriais Frente ao Disposto no Inciso XXIX do 5º da Carta Magna de 1988. Jus Navigandi, Teresina, v. 9, n. 470, 20 out. 2004. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/ texto/5824>. Acesso em: 14 jun. 2011. BARDIN, Laurence Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2004. BLASI, Gabriel di; GARCIA, Mario Soerensen, MENDES, Paulo Parente M. A Propriedade Industrial: os sistemas de marcas, patentes e desenhos industriais analisados a partir da Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. BRANDAO, Maria Beatriz Afflalo. Design não é Ornamento. Revista da ABPI, Rio de Janeiro, n. 8, p. 66-67, 1993. 53 BRASIL. Ato Normativo (AN) 161/2002. Dispõe sobre a aplicação da Lei de Propriedade Industrial em relação aos registros de desenho industrial. Disponível em: <http://coralx.ufsm.br/nit/inovacao/tecnologica/images/stories/downloads/ ato %20normativo% 20161-2002-inpi.pdf>. Acesso em: 15 dez. 2011 ______. Decreto nº 1.355, de 30 de dezembro de 1994. Promulgo a Ata Final que incorpora os Resultados da Rodada Uruguai de Negociações Comerciais Multilaterais do GATT. Disponível em: <http://www.planalto.gov. br/ccivil_03/decreto/ Antigos/D1355.htm>. Acesso em: 15 dez. 2011 ______. Lei de Propriedade Industrial, de 14 de maio de 1996. Regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial. Disponível em: <http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/leis/L9279.htm>. Acesso em: 15 dez. 2011. CERQUEIRA, João da Gama. Tratado da Propriedade Industrial. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1982. v. 1. CHAVES, Antônio. Obras de Arte Aplicada a Indústria; Desenhos ou Modelos. Jurisprudência Brasileira, v. 95, p. 13-24, 1985. COSTA, Achyles B. Estudo da Competitividade da industria brasileira: competitividade da industria de calçados. Nota técnica setorial do estudo da competitividade da industria brasileira. Campina: IEIUFRJ/IE-UNICAMP/FDC/ FUNCEX, 1993. CUNHA, Frederico Carlos da. A Proteção Legal do Design: propriedade industrial. 2. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2003. ______. A Proteção Legal do Design: marketing e web design. Rio de Janeiro: Lucerna, 2000. DANNEMANN, Gert Egon; CAMARA JÚNIOR, Eduardo da Gama; MENDES, Hermínia Leitão. Desenho Industrial: o que fazer?; por que fazer?; como fazer? Rio de Janeiro: Sebrae, 2008. v. 4. FERNANDES, Márcia Santana. Bioética, Medicina e Direito de Propriedade Intelectual: relação entre patentes e células-tronco humanas. São Paulo: Saraiva, 2012. GOLDIN, J. R. Manual de Iniciação à Pesquisa em Saúde. Porto Alegre: DaCasa, 2000. GOMES, Luiz Antônio Vidal de Negreiros. Criatividade: projeto < desenho > produto. 3. ed. Santa Maria: sCHDs, 2004. GUIMARÃES, Suzana Serrão. Proteção Legal do Desenho Industrial: entendimentos, conflitos e implicações dos requisitos de novidade e de originalidade. 2010. Dissertação (Mestrado Profissional em Propriedade Intelectual e Inovação)— Instituto Nacional de Propriedade Intelectual, Rio de Janeiro, 2010. 54 INSTITUTO DANNEMANN SIEMSEN DE ESTUDOS DE PROPRIEDADE INTELECTUAL. Comentários à Lei da Propriedade Industrial. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL. Legislação. Disponível em: <http://www.inpi.gov.br/images/stories/27-trips-portugues1.pdf>. Acesso em: 12 maio 2011. ______. Marca e Patente. 2012. Disponível em: <http://pesquisa.inpi.gov.br/Marca Patente/jsp/desenhos/desenhoSearchAvancado.jsp>. Acesso em: 04 fev. 2012. ______. Processamento dos Pedidos. Disponível em: <http://pesquisa.inpi.gov. br/ >. Acesso em: 02 de julho de 2009. JABUR, Wilson Pinheiro; SANTOS, Manoel J. Pereira dos (Coord.). Propriedade intelectual: criações industriais, segredos de negócio e concorrência desleal. São Paulo: Saraiva, 2007. LABRUNIE, Jacques Direito de Patentes: condições legais de obtenção e nulidades. Barueri: Manole, 2006. LABRUNIE, Jacques; COLOMBO, Manuela Correia Botelho. Proteção e Importância dos Desenhos Industriais. Revista da ABPI, p. 54-67, set./out. 2009. MACHADO, Tiago Bannitz de Paula. Análise da Competitividade de Custos da Indústria Brasileira de Calçados Esportivos: estudo de caso de uma empresa multinacional atuando no Brasil. São Paulo: Fundação Getúlio Vargas, 2007. PIERANGELI, José Henrique. Crimes Contra a Propriedade Industrial e Crimes de Concorrência Desleal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. PORTAL LUSOFONIA. A Propriedade Industrial nos Países de Língua Oficial Portuguesa. Disponível em: <http://www.portal-lusofonia.org/component/option,com _docman/task,doc_view/gid,42/Itemid,34/>. Acesso em: 12 dez. 2011. REDIG, Joaquim. Sobre Desenho Industrial. Rio de Janeiro: ESDI, 1977. REIS, Carlos Nelson dos. Ásia: impactos de sua inserção no mercado internacional de calçados. Indicadores Econômicos FEE, Porto Alegre, v. 23, n. 4, 1996. Disponível em: <http://revistas.fee.tche.br/index.php/indicadores/ article/viewFile/1019/1329>. Acesso em: 12 out. 2011. SCHIMITZ, H; KNORRINGA, P., Learning for global buyers. IDS Discussion paper, n. 100, 2000. SIEMSEN, Peter Dirk. Painel 3. In: SEMINÁRIO NACIONAL DA PROPRIEDADE INTELECTUAL, 21., 2001, Vitória. Anais. Vitória: [s.n.], 2001. 55 SILVEIRA, Newton. Direito do Autor no Desenho Industrial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1982, apud BARBOSA, Denis Borges. Uma Introdução à Propriedade Intelectual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 579 SILVEIRA, Newton. Direito do Autor no Desenho Industrial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1982. ______. Propriedade Intelectual. São Paulo: Manole, 1996. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 50. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ. Departamento de Design. O que é Design? Disponível em: <http://www.design.ufpr.br/Curso/O_que_e_o_Design_/ o_que_e_o_design_.html>. Acesso em: 1 abr. 2011. WILHELM, Dóris. Moda Começa a Pensar em Proteção de Design. Disponível em: <http://www.inpi.gov.br/noticias/ moda-comeca-a-pensar-em-protecao-de-design/? searchterm=moda>. Acesso em: 25 nov. 2011. WORLD INTELLECTUAL PROPERTY ORGANIZATION. What is Intellectual Property?. Disponível em: <http://www.wipo.int/about-ip/en>. Acesso em: 15 abr. 2011