CONDIÇÕES DA RELAÇÃO ESCOLA/COMUNIDADE: UM ESTUDO DE CASO NO MUNICÍPIO DE PALHOÇA – SC Leticia Viglietti Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) [email protected] Resumo O presente artigo discute a relação entre uma escola do campo e sua comunidade num município dentro do perímetro metropolitano (Grande Florianópolis). Pretende-se refletir sobre o que ocorre com uma comunidade com o processo de urbanização que historicamente vem sendo vivenciado em comunidades rurais, onde diversos reflexos podem ser observados, inclusive na educação, ponto que será destacado neste trabalho. Neste processo se desenvolve o que será chamado de “uma escola no campo com mentalidade urbana”, desconexa dos interesses, demandas, tradições e cultura local da comunidade. Por isto serão apresentadas pesquisas, dados e reflexões construídas ao longo das idas à campo no tempo comunidade do curso de Licenciatura em Educação do Campo, da UFSC, que traz enquanto proposta a intervenção de seus graduandos nas comunidades em que suas pesquisas são desenvolvidas, numa direção de construir conhecimento que atenda às demandas sociais postas pela comunidade. Para fazer estas reflexões será apresentado o caso da escola Escola Municipal Prof. Antonieta Silveira de Souza e sua comunidade, no município de Palhoça/SC. Serão apresentados os dados e reflexões resultados do trabalho de pesquisa que se tem desenvolvido, com a finalidade de estudar e compreender a relação existente entre escola-comunidade-escola. A metodologia utilizada foi: levantamento de dados bibliográficos, construção de relatório de campo, de diário de campo e entrevistas qualitativas e quantitativas com moradores da comunidade, funcionários da escola, pais e alunos. Palavras-chave: Relação escola/comunidade, condições da escola, condições da comunidade. Toda história tem o seu começo... O Brasil, desde as suas origens teve os seus territórios incorporados sob a forma de exploração do seus ricos biomas, como demonstra o seu nome, dado pela exploração do pau-brasil. Constituindo se a agricultura na mola mobilizadora da economia do país, mais especificamente como apresenta Pádua (2003, p 42), o modelo do agronegócio exportador continua a ser o hegemônico no meio rural brasileiro. Este modelo econômico sustentou uma estrutura social hierárquica totalmente desigual que se mantém enraizada na sociedade brasileira. O país é hoje considerado uma potência emergente, mas ainda paga as consequências da sua conformação social perpetuada por séculos. Se bem que já não se lhe pode considerar como um país pobre, mas sim como um país com muitos pobres (...) o aprofundamento das desigualdades sociais persiste sendo um dos grandes desafios. Em 1960, 10% dos mais ricos tinham uma renda 34 vezes superior à renda apropriada pelos 10% mais pobres. Três décadas depois, aprofundaram se as desigualdades na distribuição de renda, pois essa diferença aumento para 78 vezes. ( WRUBLEVSKI, VENDRAMINI. 2009, p.38). O século XX acarreou um série de transformações de conjuntura econômica, política, social e cultural que se amalgamaram numa vertente urbanizante. Esta nova postura determinou o abandono de seus lares para milhões e milhões de pessoas que migraram do meio rural ao urbano. Com a queda da bolsa de 1929 nos Estados Unidos, a baixa do preço do café e do comércio mundial em praticamente 2/3 partes, afetou-se fundamentalmente aos países que tinham sua economia fundada na exportação. Se deu assim o ponta-pé inicial na corrida urbanista no Brasil. Este processo se acelerou ainda mais em mediados do século XX. Dada a situação política do Brasil (ditadura militar), se favoreceu a implementação da modernização conservadora, pacote composto pela Revolução Verde e a aplicação de uma legislação trabalhista no meio rural. Estes fatos desintegraram as formas tradicionais de moradia e parceria existentes no campo, assim como os objetivos de união dos camponeses na época para resistir a este processo. A fazenda converteu-se numa empresa organizada e dirigida pelos padrões racionais desta. Os vínculos de trato pessoal, passaram a ser de patrão e empregado: o capital redobra suas forças no campo, expulsando os agora proletários rurais, ou lhes submetendo a condições ainda piores que as do seus pares urbanos, como é o caso dos bóias frias. Estas condições se mantêm e aprofundam em pleno século XXI, produzindo um “continuum” de longa duração na expulsão de população do meio rural para o urbano. Num processo que pode ser chamado como de desrurarilzação, pois não se atinge a promessa de uma vida melhor. Os novos habitantes pouco acesso têm às luzes da cidade, são convidados que carregam o estigma de clandestino no seio da sua pátria. E constituem as periferias, uma orla de pessoas que habitam em condições que agridem os Direitos Fundamentais de todo ser humano. Palhoça: o impacto do global no local Palhoça está atrelada à Florianópolis, entrelaçando-se em sua evolução no decorrer da história. Foi fundada em 1793 como guarita, guarnição de armas, munições e fornecimentos para a então Ilha de Desterro. Logo foi o caminho das tropas de gado vindas de Lages para a Ilha que marcou a sua relação. No século XIX chegaram os primeiros colonos alemães e italianos na promessa de terra e de um país de paz e oportunidades. Também outros grupos étnicos, como libaneses e japoneses, se estabeleceram na região. Os colonizadores adotaram a agricultura de subsistência, a pesca e as atividades em entreposto comercial. Produziam mandioca, cana-de-açúcar, café, feijão, banana e laranja e os revendiam em Florianópolis. Nos anos 1960 e 1970, quando Florianópolis se expande, se inicia também as grandes transformações em Palhoça. Dentro da visão desenvolvimentista (Brito, 2007), veio a abertura da BR 101, produzindo a explosão nas atividades turísticas de Florianópolis que, consequentemente, determinou um maior crescimento urbano. Isto afetou Palhoça que se transforma num dos principais municípios receptores de migrantes. Chegam milhares de imigrantes de todas as partes de Santa Catarina e de outros Estados. No princípio moradores do meio rural dos municípios mais próximos, depois do interior de Santa Catarina (principalmente provenientes da Serra). Este movimento migratório se expande a outros Estados. O município tem então uma explosão demográfica e, assim, começa a sofrer as consequências de uma urbanização imediata. Esta vertente migratória se enquadra num fenômeno particular: a litoralização da população em Santa Catarina. Palhoça se consolida como o epicentro da periferia. No princípio atuando como cidade dormitório, recebendo migrantes que diariamente iam à Florianópolis para trabalhar e/ou estudar. Nos últimos 30 anos ocorre uma aceleração no processo de urbanização- industrial do município. As novas dinâmicas da economia provocam mudanças estruturais na constituição social e demográfica. As atividades agropesqueiras se restruturaram, o setor secundário é a fonte principal do PIB municipal, mas o setor terciário tende a se erguer como o novo pilar e o município passa a se transformar no cinturão industrial da RMF. Hoje o seu slogan é o de ser a cidade mais dinâmica do Estado e a 7ª do país, exercendo poder de atração para milhões de pessoas que chegam ao município. Percebese, claramente, que a taxa de natalidade recua, uma vez que a maior parte do seu crescimento vem do recebimento de populações nascidas em outro município. Além disto observa-se também o crescimento mais que proporcional da população localizada no meio urbano frente à localizada no meio rural e o aumento da importância, na população total, do grupo etário 15 a 50 anos, típico de regiões que recebem migrantes. Embora faltem dados mais consolidados sobre a realidade das condições de vida das pessoas que vivem nas periferias urbanas, no geral com crescimento desordenado (BRITO, 2007), são um claro indicio do baixo nível de renda da população e as dificuldades, quando não a total falta de acesso às políticas de saúde e moradia de qualidade. Casagrande (2006), estudando as causas das migrações para a Região Metropolitana de Florianópolis, demonstra como estas são as condições mais comuns de vida das populações nos municípios de seu entorno. Assim, verifica-se a dualidade com que o município vem se desenvolvendo: um profundo crescimento na arrecadação e nos números do PIB, mas sem a constituição da infra-estrutura necessária que acompanhe o crescimento da população. A maioria da população de Palhoça vive em condições suburbanas: sem acesso a saneamento, hospitais ou serviços de saúde próprios, sem construção de creches, escolas ou salas de aulas que acompanhem este crescimento demográfico. A Comunidade de Guarda do Cubatão Se têm poucos registros históricos da comunidade da Guarda do Cubatão, onde se localiza a Escola Antonieta Silveira de Souza. Em sua maioria são aqueles oferecidos pelas pessoas mais antigas da comunidade e por pesquisas realizadas por historiadores. Segundo estes, a comunidade se origina com a vinda dos europeus (Luso-açorianos) chegados na Enseada de Brito em meados do século XVIII, como sesmeiros do governador da Capitania de Santa Catarina, considerando-lhes os “primeiros proprietários de terras” na região. Assim, no século XVIII, José Luiz Marinho, Manoel de Miranda Bitencourt, João de Souza Bitencourt, Manoel Vieira Fernandes, José Rodrigues da Costa receberam “braças” de terras em regime de sesmarias. Pouco tempo depois famílias vindas dos Açores, chegaram à região. Desbravaram e cultivaram as terras, onde o solo fértil e a abundante água foram fatores que se conformaram nos principais parceiros para o assentamento de uma comunidade com base agrícola. As casas eram de pau-a-pique (barro, cipó, bambu e madeira) e serviam tanto de moradia como de engenho: cana de açúcar mascavo, melado, cachaça e farinha de mandioca eram elaborados neles. Os moradores sobreviviam da lavoura de café, mandioca, milho, cana-de-açúcar e verduras. Vendendo ou trocando o excedente navegando pelo Rio Cubatão que também lhes proporcionava o peixe (cará, trairá, piabas, saru, etc.). O rio se constituiu na principal fonte de vida da comunidade, sendo também um ponto de encontro e socialização (as mulheres iam a lavar a roupa, as crianças e jovens se divertiam e refrescavam nele). A população foi aumentando, se construiu a igreja da comunidade. Em 1960 é fundada a escola Prof. Antonieta Silveira de Souza. A situação se mantém bastante estável até a década de 1970, quando se faz uma grande dragagem na foz do rio, abrindo a sua boca, e com as cheias da maré a água salgada do mar começou a se misturar com a do rio, deixando-la salobra e imprópria para consumo, assim como para irrigar as plantações. Nesta década começa também a crescer consideravelmente a população da região; pessoas da Serra de Santa Catarina, Urubici, Bom Retiro, Alfredo Wagner e do Estado de Paraná foram chegando e fixandose na comunidade, para logo trazer outros membros da sua família e/ou conhecidos da sua cidade ou região para trabalhar com eles. A comunidade cresceu também com pequenos comércios que foram se abrindo como padaria e mercado. Cresceu tanto, que por insistência dos moradores se inaugurou a Escola Daniel Carlos Weingartner em 1974, pois a Escola Antonieta já não dava conta do número de vagas. Os novos migrantes trouxeram consigo também novos produtos para produzir como o tomate, cenoura, beterraba. Mas a carestia das sementes levou a que pouco a pouco se fossem buscando outras formas de renda. Se começaram a lotear os campos como forma de se obter dinheiro, também se produz uma subdivisão da terra familiar, filhos e netos permanecem na comunidade mas já não dá para trabalharem a terra, por ser muito pouca, como fala AUED & PAULILO (2004). Atualmente alguns se dedicam à agricultura, outros são empregados em outras fazendas ou fazem parcerias com os donos da terra. Muitas vezes são somente os homens que trabalham a terra e a mulher complementa a renda com trabalhos esporádicos fora de casa (faxineiras). Porém há também muita mão de obra ocupada na construção civil e na empresa de água mineral local. Os demais vão para Palhoça ou Florianópolis para trabalhar seja em fábricas ou serviços ou estão desempregados. Os loteamentos se produziram na sua maioria de forma irregular, não sendo respeitada a mata ciliar o que, junto com a extração de areia do rio e a abertura da sua boca, acarreou inundações de grande envergadura como à de 1995, que levou 33 casas. Há falta de esgoto na comunidade (a maioria tem fossa séptica que se infiltra no rio) e o uso continuo de agrotóxicos que acabam indo para o rio, ocasionam prejuízos ambientais e sociais. Assim, os peixes que antanho alimentaram a comunidade já não existem mais, e a agua hoje é imprópria para banho e consumo. O próprio Rio Cubatão, que foi fonte de vida da comunidade, agora é o seu divisor. De um lado a rua Santo Anjo da Guarda com a escola Antonieta Silveira de Souza com Ensino fundamental e Médio, a igreja, transporte coletivo e grande parte do comércio. Do outro, a rua Jacob Vilain Filho, única rua calçada, com um número menor de moradores, que devem atravessar diariamente ao outro lado para ter acesso ao transporte público e serviços. A ponte pênsil, única via de conexão, traz insegurança para muitos vizinhos, que acabam chegando à BR 101 e ao centro de Palhoça com mais facilidade que à sua própria comunidade. Para além disto, exerce também a divisão política. No ano 2000, por decisão municipal, um lado do rio é considerado zona rural e do outro, urbana. Em 2007 logo após uma enchente, se construiu um complexo habitacional, dando força nos loteamentos da região, fundamentalmente para construção de habitações populares. Hoje se tem um bairro dividido em dois: de um lado urbano e do outro rural, uns com maior aceso aos serviços públicos que os do outro lado. Por isto o sentimento dos povoadores do lado “rural” é de inferioridade com respeito aos do lado “urbano”. Há a previsão da instalação de mais dois complexos habitacionais, mas não a construção da infra-estrutura suficiente para proporcionar qualidade de vida a os seus habitantes, assim como para conservar o meio-ambiente. A Escola Antonieta Silveira de Souza Fundada em 1960 sob a órbita Estadual, em 1965 já contava com 120 matrículas. O seu nome se deve à Sra. Antonieta Silveira de Souza que foi a primeira professora a lecionar na escola. Décadas depois passou a ser administrada pelo município. Hoje quase não se tem registros históricos da escola, devido à referida transição de administração assim como a sucessiva rotação de seus funcionários. No ano 2003 foi inaugurado o novo prédio escolar que, segundo relatos de moradores, se deu sob a perspectiva de começar com outros loteamentos. A escola funciona de 1ª á 8ª série e conta com 9 turmas no horário matutino, 9 no vespertino e 4 turmas do EJA à noite. O prédio escolar é compartilhado com o Estado à noite para o funcionamento do CEJA. O numero de alunos é de 475, sem contabilizar 69 que assistem a EJA. Para a elaboração das entrevistas que permitissem conhecer melhor as condições da comunidade, da escola e da sua relação, partiu-se das seguintes questões: Quem são eles? Quais são as suas expetativas? Que relação tem com a escola/comunidade? Que significado dão a esta relação? Quais são as dificuldades da relação? Procurou-se através da aplicação de questionários com pais e alunos duas informações importantes a considerar: situação sócio-econômica (lugar de origem, trabalho, ingresso médio, escolarização) e a relação deles com a escola (significado, presença/ausência, problemas e melhorias). Por sua vez nos professores se considerou se são efetivos ou ACT (Admissão por Contratação Temporária), tempo de trabalho na escola, expectativas de trabalho (pretende continuar nessa escola?), suas condições de trabalho (onde moram, como fazem para chegar a escola, remuneração, condições estruturais para ensinar), a relação com à comunidade (grau de conhecimento e envolvimento com os alunos e comunidade) e causas atribuídas por eles à existência ou inexistência de relação entre comunidade e escola. O questionário com os pais foi o que maior dificuldade teve de aplicação, pois dificilmente encontrou-se algum na escola: Os que forma achados eram pais de crianças que estão nas séries inferiores, 1º e 2º ano. Com os entrevistados (um total de 12 pais), a metade eram nativos da comunidade. Dos não nativos 4 eram do centro de Palhoça, 1 do Rio Grande do Sul e 1 de Florianópolis. Quando perguntados sobre por quê tinham se mudado, dizerem que por razões de segurança, tranquilidade e busca de trabalho. Com respeito à composição familiar, 8 dizerem morar na casa pai, mãe e irmãos e 4 a família é composta por mãe e irmãos. Com respeito a onde trabalham, 35% estão na construção civil, 25% são de diaristas domésticos, 20% são aposentados, 10% são autônomos e mais 10% em outros empregos. No que concerne à renda familiar: 83,3% declararam receber de 1 a 2 salários mínimos e 16,7% entre 3 e 4. Noventa por cento não concluiu o ensino fundamental e o 10% restante não o fez com o médio. Em relação à escola, 50% diz que não são chamados com frequência, 16,6% às vezes, e o 33,3% são chamados com frequência. Quando foi questionado quantas vezes foram chamados para reuniões no decorrer do ano, 83,3% diz que foram chamados uma única vez e para discutir questões referentes aos livros didáticos e funcionamento da escola ao começo do ano. O 16,6% diz nunca ter sido convocado. A fala mais repetida foi que a escola trabalha com agenda escolar (bilhetes) e que se não mandam nada é por que tudo esta certo. A escola chama quando é preciso falar de alguma questão pontual dos seus filhos. Em relação a isto, na fala com os funcionários da escola surgiu que os alunos não entregam os bilhetes para os pais, é comum acharem os bilhetes rasgados e jogados na rua após a saída destes da escola. Quando foram perguntados se a escola consegue discutir á realidade da comunidade e famílias, 17% diz que sim, 33% diz que não e o 50% que às vezes ou em alguma coisa. Quanto à questão da razão de enviar seus filhos para a escola, e por que para essa escola, as respostas citadas se podem agrupar em: por que sem estudo não vão ser ninguém na vida; para ele aprender, brincar e se desenvolver; para ter uma profissão no futuro; por que é importante eles aprenderem para ver que é o que querem da vida. Em quanto ao porque na escola Antonieta, todos dizem que por que é a única que há na comunidade. Além disso, 90% espera que à escola proporcione um bom ensino a seus filhos, e o 10% que ensine respeito e a ser educados. Também o 90% não estão muito satisfeitos com a qualidade de ensino proporcionado pela escola e 10% não estão nada satisfeitos com a qualidade de ensino. Foi dito que o ensino é fraco, alguns falaram isto com respeito à alfabetização, mas todos concordaram que a principal debilidade esta nas séries finais (5ª a 8ª), surgindo falas como que na 5ª série ensinam adição e substração quando eles na sua época viam álgebra. Ou que a educação é fraca sem mais explicação. Assim como que há muitos alunos repetentes, maiores da idade, que dificultam a continuidade das aulas e geram violência dentro da sala de aula e da escola. Quando perguntado acerca das expectativas que tinham da escola, 66,7% esperam que a escola proporcione um bom ensino à seus filhos, 16,7% quer que se produzam aprendizados mais profundos e o 16,6% que seja ensinado respeito. Os problemas mais citados da escola foram a falta e rotação de professores 66,6%, a violência na escola 25% e o 8,4% não souberam responder quais são os principais problemas da escola. Dentre os mais escutados: “os professores faltam muito e ensinam pouco, chega fim de ano e são passados de ano, não se sabe como pois não aprenderam nada”. “Os professores faltam ou mudam e quando retomam voltam a ver de novo as mesmas coisas”. O problema da falta de professores foi algo também observado na minha convivência na comunidade, onde quase diariamente os pais ou próprios alunos ligavam ou iam para a escola para perguntar se teriam aula nesse dia. No que diz respeito à violência na escola, a grande maioria dos pais diz que com a nova diretora melhorou consideravelmente o vandalismo e indisciplina dos alunos da escola, pois foram impostas regras que antes não se tinham. A diretora definiu estes temas como de principal preocupação, dizendo que na hora de assumir a escola havia virado “terra de ninguém”. Sem regras tanto para os alunos como para os próprios funcionários. Os professores se acostumaram a faltar, sair da escola antes da hora deixando as crianças “soltas” na comunidade. Os alunos também se acostumaram à falta de disciplina tendo sérios problemas de violência dentro e fora da escola, assim como havia começado o comércio de drogas na escola e no entorno desta. Se constituindo no ponto principal para ser trabalhado. A falta de professores foi também um tema de abordado. A diretora atribuiu às causas as mesmas razões que à violência: à antiga falta de controle. Este aspeto foi também observado durante a aplicação dos questionários, uma vez que professores, diretora e funcionários administrativos se desdobravam para cobrir as faltas, tanto da sala de aula como da administração. O quadro de professores está composto por 22 profissionais, dos quais somente dois estão efetivados, o resto é ACT. Também dois é o número deles que mora na comunidade (1 efetivo, 1 ACT). Dos demais, quase todos moram no centro de Palhoça e alguns em São José, dependendo todos do ônibus para chegarem à escola. Isto traz transtornos pois as vezes se atrasam devido ao horário deste que nem sempre é cumprido à regra. Todos contam com o 3º grau completo com especialização em ensino fundamental ou estão formados em Pedagogia. Alguns deles se mostraram interessados em continuar estudando mas não achavam tempo para isto, outros já falaram que não achavam útil fazer-lo pois a Prefeitura somente pagaria R$100 a mais por ter um Mestrado. Acham que os cursos de formação continuada proporcionados são suficientes. A maioria não sabe se vai continuar nessa escola (incluindo-se também aqui o pessoal administrativo). Pois desejam trabalhar numa mais próxima do centro de Palhoça para evitar os transtornos da locomoção. Cabe destacar que quase o 100% começou neste ano. Em média trabalham 40 horas por semana e têm duas turmas da mesma série, uma por turno. Não contam com hora atividade. Recebem em promédio R$ 900,00 de salário. Relatam a falta de materiais para dar aula, desde giz, papel, lápis, caneta, até a falta de jogos lúdicos e material didático em geral. Pouco ou nada se relacionam com a comunidade, dizem que com algum pai que eles chamam o que “aparece” para falar com eles, mas descrevem a comunidade através dos alunos como carentes, tanto material como afetivamente. Dizem que os alunos não estão motivados para vir à escola é atribuem isto a fato da escola não possuir suporte que atraia ao aluno: “o mundo lá fora lhes é mais atraente”, além que os pais não se fazem presentes: “as famílias não apoiam as crianças nem se envolvem na sua educação”. Acham eles muito indisciplinados, sendo comum a falta de respeito e de atenção em sala de aula. O questionário com os alunos foi aplicado para à 7ª e 8ª série, num total de 88 alunos. Considerando como extra idade na sétima série aos alunos com 15 ou mais anos e na oitava com 16 ou mais anos de idade, verificou-se que o 26% dos alunos estão acima a idade da sua série, fato que se relaciona com o histórico escolar de reprovação e evasão. Nos anos 2008 e 2009 em média repetiram de série o 12,86% da população escolar, assim como o 3,5% abandonaram a escola. Quanto à situação sócio-econômica familiar, quase o 30% (29,5%) vivem em famílias não estruturadas na tríade pai/mãe/filhos e o 65,4% destes dizem não ter contato ou conhecimento dos familiares diretos (pai, mãe e ou irmãos). Quanto ao número de irmãos, 64,7% dos alunos tem de 0 a 2. Quando o tema abordado foi o trabalho, o primeiro elemento a surgir foi que o 9% declarou trabalhar, sendo que alguns deles ainda não alcançaram a idade mínima para ser aprendiz (14 anos). Com respeito à família, 63,6% disseram que esta tem aporte na renda de dois ou mais membros (pais, irmãos), e quase o 8% dos adultos não esta trabalhando. O 29% dos adultos trabalha em serviços, 18% na construção civil, 12% não sabe ou não responderam onde seus pais trabalham, 11% de diarista, 8,2% na indústria, 7,4% na agropecuária, 6,6% no transporte (motoristas), 3,3% como autônomo e o 4,5 % em outros empregos. Em relação ao local de trabalho, 68% responderam ser fora da comunidade, a maioria na grande Florianópolis (centro de Palhoça, São José) e muitos em Florianópolis ou em outros pontos do Estado ou em outros Estados. Um dado relevante foi que o 17% ou não sabiam responder à pergunta. Considerando se também o questionário aplicado com os pais se pode considerar que muitos deles têm trabalhos temporários ou esporádicos, pois grande parte deles trabalham na construção civil, como autônomo ou de diarista. Ao se perguntar sobre a escolarização dos pais: 20% não soube responder sobre isto. Dos que responderam, praticamente o 70% tinha abandonado seus estudos no ensino fundamental, e o 10% chegou a concluir o ensino médio. Quando a pergunta foi sobre o seu lugar de procedência: 57,9% não eram nativos da comunidade. Os lugares mais citados foram Santo Amaro, Paraná, Florianópolis, Alfredo Wagner, centro de Palhoça, surgindo também Estados como Pernambuco e Mato Grosso. Em quanto à origem dos pais, 20,4% são nativos, e quase um 80% provém de Paraná, Alfredo Wagner, Urubici, São Joaquim, a Serra, Florianópolis, Santo Amaro, Xanxerê, Rio do Sul, Chapecó, Campos Novos, São Luiz, Anitápolis, Paulo Lopes, Angelina, Imbituba, Ituporanga, Laranjeiras do Sul, Jaguaruna, Bom Retiro, Blumenau, Joinville, Pernambuco e Mato Grosso. Assim, observou-se que quase toda a população já passou pelo processo migratório. Outro aspeto relevante foi que 26% de todos eles dizem já ter morado em pelo menos um lugar diferente, claro indicador da sua mobilidade . Quando o tema perguntado foi a escola, o primeiro elemento a surgir foi a repetição do discurso dos pais, observando-se a internalização e apropriação do mesmo por estes. Todos falaram que iam à escola para “ser alguém na vida”, “não ter a vida dos seus pais” ou para “ter um futuro ou emprego melhor”. 55,7% disseram gostar de ir à escola, 17 % não gosta e 27,3% mais ou menos. As respostas sobre o que gostam da escola podem se agrupar na seguinte ordem decrescente: brincar, ver os amigos e jogar bola que, juntos, chegou a 65%. Dos professores e diretora 8% e finalmente de estudar somente 2%. Não gostam da escola: violência entre companheiros 25,7%, os professores e a falta destes 25%, não gostam nada nela 15%, já o 9% gosta de tudo na escola. Perguntados se a escola ensina coisas que lhe interessam, 63,6% diz que sim; 23,9% falou que são poucas as coisas que lhes interessam; 11,4% não tem nenhuma coisa que lhe interesse na escola e 1,1% não soube responder. A pergunta seguinte foi se o ensinado tem a ver com a sua vida. 56,8% falou que sim, 25% diz que poucas coisas, 13,6% diz que não tem a ver com a sua vida e 4,6% não soube responder a questão. Ao ser-lhes perguntado que gostariam aprender, as respostas foram, esportes 17%, internet, computação 14,8% , coisas diferentes 12,5%, não souberam dizer 11,4%, nada mais além do já estudado 11,4%, música e dança 10,2% , nada 9%, línguas 8%, reciclagem 3,4%, educação sexual 2,3%. Quando foi perguntado o que mudariam da escola, 18% diz que tudo, 17,4% os professores, 15% a infraestrutura, 15% as disciplinas, 12% não mudaria coisa alguma, 10% o material esportivo, 6,6% as carteirinhas e 6% o uniforme. Apontamentos sobre a relação escola-comunidade Nota-se, a falta de diálogo entre seus membros. Pelo qual é impossível não se questionar sobre às possíveis causas desta situação, as suas implicações e repercussões e como se poderia modificá-la. Se pode afirmar que a comunidade vive num pleno processo de transformação social, deixando para trás uma rede social com base agrícola e caracterizada pelas suas relações interpessoais de estreito conhecimento e solidariedade. “...hoje nos vem perguntar por alguém e a gente não os conhece, não sabemos onde moram, quem são, não podemos lhes informar” (Caderno da realidade, Abril 2010 em fala de antiga moradora da comunidade). “...Até pouco tempo atrás, as pessoas produziam e vendiam os seus produtos ao SEASA, o restante era repartido à comunidade, o dono plantava a terra e dava trabalho aos vizinhos, hoje os produtos são vêm de fora e se tem muitos desempregados na comunidade” (Caderno da realidade, Junho 2010, em fala com funcionária da escola Daniel Carlos Weingartner e moradora da comunidade). Verifica-se que o tecido social tem-se desintegrado paralelamente ao avanço dos loteamentos da região. Se analisando a estrutura social, o tipo de empregos, a mobilidade a que as famílias são submetidas, a desestruturação familiar que provoca instabilidade emocional e falta de referenciais, o baixo nível de educação dos pais e o escasso tempo para compartilhar atividades com os seus filhos, a agressão do meio ambiente que ocasiona a degradação da saúde e qualidade de vida. Pode-se considerar que estas situações acabam afetando as relações de tipo familiar (note-se que muitas crianças não souberam responder questões como onde nasceram os seus pais e irmãos, que estudo tem, em que trabalham); entre os membros da própria comunidade (aqueles alunos não tão bem sucedidos são vistos em grande medida como a causa dos problemas da escola) e com a própria escola. Fatores que atuam reforçando o processo de alienação dos membros da comunidade. Por outro lado, verifica-se o distanciamento da escola da comunidade e desta com a escola. Uma escola sem identidade, sem história, que não reconhece seus sujeitos além da sua vinculação administrativa. Fica assim a escola historicamente relacionada às mudanças da sociedade. Ou dito nas palavras de Maria Luísa S. Ribeiro (1981, p 18). ...Aceita-se que para se chegar a uma compreensão do fenômeno social... há que ter em mente ser ele um dos elementos de superestrutura que em unidade com o seu contrário -infra-estrutura- formam a estrutura social. Esta infra-estrutura, entendida como o modo do ser humano produzir sua existência, está em constante mudança com vistas a uma eficiência cada vez maior. Estas mudanças é que pressionarão, de forma determinante, as respectivas mudanças nos elementos que compõem a superestrutura, que está sendo entendida como a unidade entre dois elementos contrários que são as ideias e as instituições. Diante disso, a organização escolar, enquanto uma instituição social criada pela e para a sociedade como um dos instrumentos de transmissão de cultura enquanto bem de consumo...,é um elemento de superestrutura.. e, por tanto, determinado pela infra-estrutura. Assim, não é de estranhar a situação em que escola está, nem a sua falta diálogo com a comunidade e/ou da abordagem dos problemas da comunidade. Pois a escola, como aparelho ideológico do Estado, se limita a reproduzir o ideal hegemônico. Agindo como elemento desagregador em vez de unificador da comunidade. Sendo neste caso o seu papel, o de facilitador da aplicação das políticas locais que refletem uma concepção de desenvolvimento decantada das que vêm sendo aplicadas em todo o Brasil há varias décadas. Conseguindo-se por seu intermédio, dispersar e imobilizar a população. Noam Chomsky (www.facebook.com/note.php?note_id=149046878470132, 5/10/2010), elaborou uma lista de 10 estrategias de manipulação da população. E no ponto 7 refere-se a manter o público na ignorância e mediocridade. Fazer que o público seja incapaz de compreender as tecnologias e métodos utilizados para o seu controle e submissão. “A qualidade da educação dada às classes sociais inferiores deve ser a mais pobre e medíocre possível, de forma que a distância da ignorância das classes inferiores das classes sociais superiores seja e se mantenha impossível de alcançar para as classes inferiores”. A pesquisa demonstrou claramente isto no significado que pais e alunos dão para a escola, limitando-a a uma função meramente utilitária (para ser alguém na vida, para ter uma vida melhor, para ter acesso a bons trabalhos). Ou em muitos casos uma função depositária, pois da a sensação que os pais muitas vezes enviam a seus filhos para ela pois senão ficariam sozinhos em casa. Se havendo perdido aqui até a expectativa anterior pois consideram que o nível dela é ruim e vão a ela simplesmente por que é a única escola pública da região. Por sua vez os professores lhe outorgam um significado de simples vínculo empregatício, em grande medida dadas as próprias condições de trabalho. A maior preocupação é de arrumar material para dar aula, ou de não perder o horário do ônibus para ir a trabalhar ou voltar para casa que a de conhecer a realidade da comunidade e de seus alunos. Considerações finais A relação escola-comunidade depende de uma situação estrutural e conjuntural, que envolve e determina tanto a sociedade civil, como o Estado. Se concordando com a concepção de Florestan Fernandes, quem diz que a educação deve ser assumida como um problema social por todos. Assim como com as teorias crítico-reprodutivistas que dizem que a escola tal como hoje está estruturada se limita a um rol de reprodução das condições atuais (SAVIANI, 2009) . Sob um manto de aparente igualdade e liberdade conserva o status quo, postergando as mudanças necessárias para obter uma sociedade mais equitativa. Fazendo uso da figura da sinecdoque, a situação da escola estudada indica não diferir substancialmente do restante das escolas públicas. Mas cabe se perguntar a quem é que isto favorece. Não acaba a escola virando num divisor das águas? Não ajuda a implementar praticamente um sistema em que uns mandam e outros obedecem? Onde a educação proporcionada às classes mais populares é de baixa qualidade e sem o sentido real, que permita modificar a situação de opressão? Limitando-se, assim, a proporcionar os conhecimentos necessários para continuarem nos trabalhos mais pesados, menos remunerados e pior conceituados na hierarquia social? Onde está essa tal de liberdade? E a igualdade? Como já foi relatado, a escola, se localiza numa comunidade em que atualmente sofre várias mudanças (migrações, baixa renda, trabalhos precários) sendo assim, as famílias tem muitas dificuldades de acompanhar a vida escolar de seus filhos. A própria escola apresenta também dificuldades na sua relação com a comunidade, parecendo se condicionar à mera reprodução das relações sociais, onde se tem comportado com uma mentalidade plenamente urbana e urbanizante. As mudanças necessárias implicam uma formação política do pessoal atuante na escola de forma a alcançar uma visão crítica da realidade escolar e da comunidade para agir com a responsabilidade social que o seu cargo demanda. Ou seja, que aceitem o desafio de descobrir o que é historicamente fatível de contribuir para a transformação do mundo, num lugar mais humano, menos discriminatório, mais justo e democrático. Mas também abrange modificações ainda mais profundas no próprio seio do Estado, sendo fundamental devolver à escola as condições que lhe permitam alcançar o seu real sentido social. Referencias FERNANDES, Florestan. Educação e sociedade no Brasil. Editora Dominus: São Paulo, 1966. FURTADO, Celso (org.). Brasil: Tempos Modernos. 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