Revista de Direito das Faculdades Integradas de Jaú ISSN 2318-566X ____________________________________________________________________________________ CLÁUSULAS PÉTREAS E DIREITOS SOCIAIS JAMILE GONÇALVES CALISSI1 RESUMO O presente artigo faz uma análise sobre o instituto das cláusulas pétreas, investigando seu conteúdo jurídico e analisando se as limitações materiais aplicamse aos direitos sociais e se estes, nos termos do § 4º, inciso IV do artigo 60 da Constituição Federal, poderiam estar enquadrados na previsão de imutabilidade prevista para os direitos e garantias individuais. Parte-se da premissa de que as cláusulas pétreas, atreladas à teoria da constituição, são limitações materiais ao Poder Constituinte derivado e, por isso, representam um instrumento para evitar um suicídio do Estado Democrático de Direito sob a forma de legalidade. Conclui-se que os direitos sociais, apesar de não estarem expressos no § 4º, inciso IV do artigo 60 da Constituição Federal, por força de interpretação são também atingidos pelas limitações propostas nas cláusulas pétreas. PALAVRAS-CHAVES: Direito. Direito constitucional. Cláusulas pétreas. Direito social. 1 INTRODUÇÃO O artigo 60 da Constituição Federal de 1988 refere-se ao procedimento de emenda constitucional, previamente estabelecida no artigo 59 como um dos objetos do processo legislativo brasileiro. 1 Doutoranda em Direito Constitucional pela Instituição Toledo de Ensino de Bauru, área de concentração em Sistema Constitucional de Garantia de Direitos. Mestrado em Direito Constitucional pela Instituição Toledo de Ensino de Bauru, como bolsista integral CAPES, área de concentração em Sistema Constitucional de Garantia de Direitos. Graduação em Direito pelas Faculdades Integradas de Jaú – Fundação Educacional Dr. Raul Bauab. MBA em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas. Professora das Faculdades Integradas de Jaú – Fundação Educacional Dr. Raul Bauab. Servidora Pública. O § 4º do mencionado artigo 60, por sua vez, dispõe expressamente sobre a impossibilidade de uma emenda constitucional abolir algumas hipóteses: a forma federativa de Estado, o voto direto, secreto, universal e periódico, a separação dos Poderes e os direitos e garantias individuais. Questão de bastante discussão acadêmica, os direitos e garantias individuais ensejam algumas dúvidas quanto à extensão da prolatada “proibição”, justificando a necessidade, à luz da doutrina sobre limitação material, de investigação quanto aos direitos sociais e dando razão ao presente artigo. 2 AS CLÁUSULAS PÉTREAS As cláusulas pétreas, instituto afeito à teoria da constituição e devoto do constitucionalismo, são formas de limitação material (ou substantiva) ao Poder Constituinte derivado que comunga com a ideia de existência de direitos imutáveis contidos na Constituição. Essa é a conceituação mais usual encontrada nas doutrinas costumeiras. Essa limitação material, a princípio, tem por objetivo assegurar a permanência de determinados conteúdos da Constituição (SARLET, 2005, p. 389), ou ainda, porque uma Constituição propugna pela continuidade da ordem jurídica, em conjunto com as cláusulas pétreas, evita o suicídio do Estado Democrático de Direito sob a forma de legalidade (HESSE, 1998, p. 261-262). Destarte, mais do que isso, as cláusulas pétreas consistem no Poder Constituinte originário determinar no texto constitucional que alguns elementos essenciais estão ligados à identidade da Constituição e, por isso, devem permanecer intocáveis (SOUZA CRUZ, 2003, p. 54). O sentido básico do estabelecimento de limites materiais seria, assim, o de aumentar a estabilidade de certas opções do constituinte originário, assegurar-lhe maior sobrevida, por meio do agravamento do processo da sua substituição. (...) Aponta-se que se o poder revisional enfrenta a lógica da Constituição que o previu, e se desgarra do núcleo essencial dos princípios que a inspiraram e que lhe dão unidade, ocorreria um desvio de poder. Lembra-se que o propósito do poder de revisão não é criar uma nova Constituição, mas ajustá-la — mantendo a sua identidade — às novas conjunturas. (MENDES; COELHO; BRANCO, 2009, p. 252). Consiste em uma preocupação em resguardar o núcleo essencial do projeto original constituinte vedando a possibilidade de ruptura ideológica radical. Como quer que seja, o que explica a consagração dessas cláusulas de perpetuidade é o argumento de que elas perfazem um núcleo essencial do projeto do poder constituinte originário, que ele intenta preservar de quaisquer mudanças institucionalizadas. E o poder constituinte pode estabelecer essas restrições justamente por ser superior juridicamente ao poder de reforma. (MENDES; COELHO; BRANCO, 2009, p. 251). E, mais: Nesse sentido, as cláusulas pétreas definem-se como “um núcleo intangível” que se presta a garantir a estabilidade da Constituição e conservá-la contra alterações que aniquilem o seu núcleo essencial, ou causem ruptura ou eliminação do próprio ordenamento constitucional, sendo a garantia da permanência da identidade da Constituição e dos seus princípios fundamentais. (PEDRA, 2006, p. 135-148). O Poder Constituinte originário, na concepção clássica, sempre foi considerado ilimitado por ser a “força” instituidora de um novo Estado através da elaboração da Constituição. Seria a verdadeira legitimação do poder político da nação que não encontraria qualquer restrição à sua atuação. Sob a ótica liberal, tal Poder é caracterizado pelos manuais como sendo inicial, absoluto, soberano, ilimitado, incondicionado, permanente e inalienável. A partir dele e, por conseqüência da hipótese de uma nova ordem, tem-se o estabelecimento do Poder Constituinte derivado com características diferenciadas daquele, sendo, assim, secundário. Este novo Poder, revisional, pode ser reformador, decorrente ou revisor e presta-se a modificar, implementar ou retirar dispositivos da Constituição e, por isso, é considerado limitado, e se presta a “uma adaptação na transformação das situações históricas, a autorização do legislador modificador da Constituição”. (HESSE, 1998, p. 511). Presta-se à “modificação da constituição como uma finalidade de autoregeneração e autoconservação, quer dizer, de eliminação das suas normas já não justificadas política, social ou juridicamente e de adição de elementos novos que a revitalizam”. (MIRANDA, 2000, p. 433). É, pois, “o procedimento de alteração material sem a erosão dos fundamentos da Constituição, que se confundem com as decisões políticas fundamentais”. (HORTA, 1999, p. 85). Essa ponte entre o Poder Constituinte originário e o Poder Constituinte derivado é um fenômeno bastante interessante que resulta em um processo permanente e sempre em construção no que seria o Poder Constituinte construído através de constantes leituras críticas. (HÄBERLE, 2003, p. 33). E atribuir inalterabilidade aos direitos fundamentais, pressupõe uma demarcação entre os Poderes Constituintes originário e derivado: Aliás, seria ilógico, senão paradoxal, que o Poder Constituinte originário facultasse a reforma das instituições que ele considerou fundamentais para organização do Estado de Direito. Daí as limitações formais ou materiais, explícitas ou implícitas, entre as quais estão as chamadas cláusulas pétreas. (SÜSSEKIND, 2004, p. 88). Contudo, a característica de ilimitabilidade do Poder Constituinte originário, aos olhos de certa doutrina moderna, não é mais uma tese absoluta. De forma diferente da visão liberal, modernamente se concebe o Poder Constituinte originário também com limitações. Antonio Negri, por exemplo, comunga dessa ideia: produção das normas constitucionais, ou seja, o poder de fazer uma constituição e assim ditas as normas fundamentais que organizam os poderes do Estado. Em outros termos, é o poder de instaurar um novo ordenamento jurídico e, com isto, regular as relações jurídicas no seio de uma nova comunidade. O poder constituinte é um ato imperativo da nação, que surge do nada e organiza a hierarquia dos poderes. Eis-nos, com esta definição, diante de um paradoxo extremo: um poder que surge do nada e organiza todo o direito... Um paradoxo que, precisamente pelo seu caráter extremo, é insustentável... Entretanto, se o poder constituinte é onipotente, deverá ser temporalmente limitado, deverá ser definido e exercido como um poder extraordinário. (NEGRI, 2002, p. 8-9). Sob esta ótica, seria possível apontar a existência de algumas limitações ao Poder Constituinte originário: espacial, porque vinculado a um território, cultural, porque vinculado à cultura de um povo, titular do Pode, direitos humanos, porque direitos suprapositivos (PEDRON, p. 55). Esta última, representa uma restrição à própria soberania popular, porque seriam os direitos humanos intocáveis perante ela. (HABERMAS, 2002, p. 291-292). Já a limitação referente ao Poder Constituinte derivado, relaciona-se à proteção do chamado núcleo essencial também denominado por Gilmar Ferreira Mendes de “bens constitucionais” e assim analisado por Canotilho (1993, p. 108): O desenvolvimento constitucional pressupõe núcleos materiais essenciais alicerçados sobre consensos (normativos) em torno de um concentrado de "valores e princípios fundamentais" (limitação jurídica do poder, liberdade e autodeterminação do indivíduo, socialidade, organização do poder político, princípios estruturais). Referem-se, pois, a “matérias com indiscutível dignidade constitucional e a consequente superioridade sobre as leis ordinárias.” (CANOTILHO, 1993, p. 71). É, portanto, uma técnica de garantia da essência constitucional adotada quando do estabelecimento da nova ordem político-jurídica. Os limites podem ser de ordem temporal, circunstancial e material. Há, ainda, uma divergência doutrinária que reconhece uma quarta limitação, de ordem formal. (SAMPAIO, 1954, p. 79). Os limites materiais se referem justamente às cláusulas pétreas: Desde o século XVIII, Constituições diversas têm trazido restrições expressas ao poder de reforma constitucional. O art. 2, II, da Constituição helvética de 1789 fazia intocável a democracia representativa e ainda no século XX há exemplos recentes de Constituições que se valem da mesma técnica restritiva de intangibilidade absoluta de um aparte do texto constitucional. Haja vista a esse respeito o art. 79, III, da Lei Fundamental de Bonn que interdita a supressão da estrutura federal do país ou a abolição do Conselho Federal, equivalente ao nosso Senado ou a uma Câmara dos Estados. (BONAVIDES, 2004, p. 201). Embora pareça pacífica a questão da limitação do Poder Constituinte derivado através da técnica ou teoria das cláusulas pétreas, doutrinariamente é possível fazer algumas colocações diferenciadas. Para Karl Loewenstein e Thimonnier Barthélemy (MENDES; COELHO; BRANCO, 2009, p. 251) tais cláusulas pétreas com poder limitador de alteração constitucional sequer existiriam, justificando sua tese na inexistência de diferença substancial entre o Poder Constituinte originário e o poder revisional. Isso porque a Constituição não seria um documento acabado e concluído, uma vez que teria por característica basilar a harmonia com a realidade vigente. Assim, para Loewenstein (1976, p. 164), a Constituição é um organismo vivo: Cada constitución es un organismo vivo, siempre en movimiento como la vida misma, y está sometido a la dinámica de la realidad que jamás puede ser captada a través de fórmulas fijas. Una constitución no es jamás idéntica consigo misma, y está sometida constantemente al pantarhei heraclitiano de todo o viviente. Ainda: Se as Constituições na sua grande maioria se pretendem definitivas no sentido de voltadas para o futuro, sem duração prefixada, nenhuma Constituição que vigore por um período mais ou menos longo deixa de sofrer modificações – para se adaptar às circunstâncias e a novos tempos ou para acorrer a exigências de solução de problemas que podem nascer até da sua própria aplicação. A modificação das Constituições é um fenómeno inelutável da vida jurídica, imposta pela tensão com a realidade constitucional e pela necessidade de efectividade que as tem de marcar. Mais do que modificáveis, as constituições são modificadas. Ou, doutro prisma (na senda de certa doutrina): nenhuma Constituição se esgota num momento único – o da sua criação; enquanto dura, qualquer Constituição resolvesse num processo – o da sua aplicação – no qual intervêm todas as participantes na vida constitucional. (MIRANDA, 2002, p. 389). Há, também, outra teoria que defende a existência de cláusulas pétreas com a possibilidade de sua alteração através da chamada dupla revisão. Este é o posicionamento de Ferreira Filho (1999, p. 179), para quem haveria a possibilidade de modificação das cláusulas pétreas uma vez que diferente disso, só restaria o agravamento da rigidez constitucional e o estabelecimento de um caminho rumo à revolução. Miranda (1991, p. 198) também comunga desse entendimento. Para o autor, a dupla revisão proporcionaria a constante atualização constitucional e poderia ser feita através da retirada da norma do elenco das cláusulas pétreas, ou seja, desprovindo-a de imutabilidade para, posteriormente, ser alterada por meio de emenda constitucional. Em que pese a tese da dupla revisão parecer estranha aos objetivos democráticos de proteção do núcleo intangível da Constituição, a idéia de relatividade das cláusulas pétreas não é estranha ao Supremo Tribunal Federal, tendo como defensor o Ministro Joaquim Barbosa do Supremo Tribunal Federal, que se manifestou a respeito na ADin 3105-8 DF, in verbis: Com a devida vênia daqueles que têm outro ponto de vista, eu sempre vi com certa desconfiança a aplicação irrefletida da teoria das cláusulas pétreas em uma sociedade com as características da nossa, que se singulariza pela desigualdade e pelas iniqüidades de toda sorte. (…) Vejo a teoria das cláusulas pétreas como uma construção intelectual conservadora, antidemocrática, não razoável, com uma propensão oportunista e utilitarista a fazer abstração de vários outros valores igualmente protegidos pelo nosso sistema constitucional. Conservadora porque, em essência, a ser acolhida em caráter absoluto, como se propõe nesta ação direta, sem qualquer possibilidade de limitação ou ponderação com outros valores igualmente importantes, tais como os que proclamam o caráter social do nosso pacto político, a teoria das cláusulas pétreas terá como conseqüência a perpetuação da nossa desigualdade. Constituiria, em outras palavras, um formidável instrumento de perenização de certos traços da nossa organização social. A Constituição de 1988 tem como uma das suas metas fundamentais operar profundas transformações em nosso quadro social. É o que diz seu art. 3º, incisos III e IV. Ora, a absolutização das cláusulas pétreas seria um forte obstáculo para a concretização desse objetivo. Daí o caráter conservador da sua pretendida maximização. Essa teoria é antidemocrática porque, em última análise, visa a impedir que o povo, por intermédio de seus representantes legitimamente eleitos, promova de tempos em tempos as correções de rumo necessárias à eliminação paulatina das distorções, dos incríveis e inaceitáveis privilégios que todos conhecemos. O povo tem, sim, o direito de definir o seu futuro, diretamente ou por meio de representantes ungidos com o voto popular. Por sua vez, o também Ministro do Supremo Tribunal Federal, Carlos Ayres Britto (2003, p. 76), contrário à idéia, defende que a dupla revisão seria “o que há de mais atécnico, à luz de uma depurada Teoria da Constituição”. De qualquer forma e independente das diversas teorias existentes, o § 4º do artigo 60 da Constituição Federal dispõe sobre as cláusulas pétreas denominadas explícitas ou expressas.2 2 Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: (...) § 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; Mas, a considerar o núcleo essencial, faz-se preponderante a análise da possibilidade, também, de existência de cláusulas implícitas no texto constitucional, não consagradas na letra do artigo 60, porque a delimitação da extensão das cláusulas pétreas é, por vezes, imprecisa no tocante ao estabelecimento específico do seu alcance concreto. E, até por força da diferença de natureza dos elementos expressamente enumerados no § 4º do artigo 60, o alcance das cláusulas pétreas precisa obedecer à lógica do núcleo essencial da Constituição, além de servir como instrumento de adaptabilidade do documento às demandas sociais de transformação. Isso tudo sem perder de vista a normatividade do texto constitucional, ou o chamado sentimento constitucional. (VERDU, 2006, passim). Assim, a irreformabilidade da Constituição Federal não atingiria somente os elementos expressos no texto nas limitações materiais explícitas. Existiriam, também, as limitações materiais implícitas. Loewenstein, mais uma vez (1976, passim), estabeleceu duas classes de situações inatingíveis pelo Poder Constituinte derivado, a saber, a intangibilidade articulada, relativa a instituições constitucionais concretas, e a classe daquelas que protegeriam valores fundamentais da Constituição e, por isso, não precisariam estar necessariamente expressas, podendo ser implícitas, imanentes ou inerentes à ideologia constitucional proposta. Em que pese a oposição à tese de cláusulas pétreas implícitas por parte de Ferreira Filho, (1995) Canotilho (2002, p. 1049) também contribuiu para o tema, distinguindo os limites textuais implícitos (contidos no próprio texto constitucional) e os limites tácitos imanentes (resultado de uma ordem de valores pré-positiva). II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais. Tais cláusulas pétreas implícitas, portanto, seriam as relativas aos direitos fundamentais, ao titular do poder constituinte, ao titular do poder reformador e as referentes ao processo da própria emenda constitucional. (SAMPAIO, 1994, p. 95108). Por fim, o rol de cláusulas implícitas, no magistério de Raul Machado Horta (1999, p. 86): os fundamentos do Estado Democrático de Direito (artigo 1º, incisos, CF), o povo como fonte de poder (artigo 1º, § único, CF), os objetivos fundamentais da República Federativa (artigo 3º, incisos, CF), os princípios das relações internacionais (artigo 4º, incisos e § único, CF), os Direitos Sociais (artigo 6º), a definição da nacionalidade brasileira (artigo 12, inciso I e inciso II, alíneas a e b, CF), a autonomia dos Estados Federados (artigo 25), a autonomia dos Municípios (artigo 29 e artigo 30, incisos I, II e III, CF), a organização bicameral do Poder Legislativo (artigo 44, CF), a inviolabilidade dos Deputados e Senadores (artigo 53, CF), as garantias dos Juízes (artigo 95, incisos I, II e III, CF), a permanência institucional do Ministério Público (artigo 127 e de suas garantias (artigo 128, CF), as limitações do Poder de Tributar (artigo 150, I, II e III, a e b, IV, V e VI, a-d, artigo 151, CF), e os princípios da Ordem Econômica (artigo 170, CF). Feitas as considerações necessárias a respeito das cláusulas pétreas, resta, agora, analisar o tema sob a ótica dos direitos sociais. 3 A RELAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS E O NÚCLEO ESSENCIAL DA CONSTITUIÇÃO Os direitos sociais comumente são relacionados com o Estado Social. O Estado Social, por sua vez, por muitos conhecido por Estado do bem estar (Welfare State) ou Estado providência, configura-se como resultado dos valores da solidariedade e igualdade. (CALISSI, 2013, p. 169-193). Estado caracterizado pela intervenção, destacou-se a partir da Primeira Guerra, quando a crise de 1929 provocou um aumento nas despesas públicas e o Presidente norte-americano Franklin Delano Roosevelt em 1933 lançou o projeto New Deal (Novo Ajuste) com base na ideologia keynesiana3 para promover um desenvolvimento na infra-estrutura dos Estados Unidos.4 São, pois, três as condições para a existência do Estado Social: a incapacidade do indivíduo satisfazer sozinho suas necessidades básicas; existência de riscos sociais que não poderiam ser enfrentados pelos modelos baseados em responsabilidade individual; início de um pensamento sobre a obrigação do Estado prover as necessidades básicas de seus indivíduos, sob pena de alegação de sua ilegitimidade.(CARBONELL, 2009, P. 57-58).5 Por isso, então, os direitos sociais carregam historicamente, como pressuposto, a existência de um contingente de pessoas desprovidas dos recursos mínimos para sua subsistência digna; assim, os direitos sociais necessitam que o Estado seja a sua referência, quer em uma perspectiva normativa e reguladora, quer em uma perspectiva prestacional. (CALISSI, 2013, passim). Entretanto, os direitos sociais, ainda que direitos historicamente relacionados ao Estado Social, não conseguem, às vezes, fundamentar efetivamente um Estado providência. Veja-se, por exemplo, o caso do Brasil. 3 A ideologia keynesiana recebeu este nome por causa do economista inglês John Maynard Keynes e refere-se ao chamado neoliberalismo. O Estado neoliberal foi uma ampliação do Estado liberal. Este teve por característica o não intervencionismo estatal e propugnou, principalmente, pela livre iniciativa. Aquele tinha, a princípio, dois significados: primeiramente foi utilizado para adaptação dos princípios do liberalismo clássico às exigências do Estado regulador e assistencialista (welfare state); depois, a partir da década de 70, sobretudo por conta da crise do petróleo, foi utilizado para defender a absoluta liberdade de mercado. O neoliberalismo é conhecido, também, como capitalismo corporativo, globalização corporativa ou, ainda, economia suicida. 4 Além de desenvolver a infra-estrutura, o New Deal norte-americano também foi o responsável por várias ações econômicas e sociais que acabaram por criar as bases do welfare state. 5 “Como quiera que sea, el surgimiento del Estado social se da en un contexto histórico en el que están presentes las siguientes tres condiciones: a) El individuo es incapaz de satisfacer por sí sólo, o con la ayuda de su entorno social más inmediato, sus necesidades básicas; b) Surgen riesgos sociales que no pueden ser enfrentados por las vías tradicionales, basadas en la responsabilidad individual; c) Se desarrolla la convicción social de que el Estado debe asumir la responsabilidad de garantizar a todos los ciudadanos un mínimo de bienestar; si el Estado no cumpliera con esa obligación, se pondría en duda su legitimidad.” Porquanto a existência formal de um rol de direitos sociais, dispostos na Constituição Federal de 19886, autores diversos defendem a inexistência de um Estado Social propriamente brasileiro. A ampliação das funções do Estado, tornando-o tutor e suporte da economia, agora sob conotação pública, presta-se a objetivos contraditórios: a defesa da acumulação do capital, em conformidade com os propósitos da classe burguesa, e a proteção dos interesses dos trabalhadores. Além disto, é bom frisar que o intervencionismo estatal também se constitui em defesa do capital contra as insurreições operárias, opondo-se à ilusão de igualdade de todos os indivíduos diante da lei. Nessa linha, vem bem a propósito o dizer de Boaventura de Souza Santos, para quem esse Estado, também chamado de Estado Providência ou Social, foi a instituição política inventada nas sociedades capitalistas para compatibilizar as promessas da Modernidade com o desenvolvimento capitalista. Esse tipo de Estado, segundo os neoliberais, foi algo que passou, desapareceu, e o Estado simplesmente tem, agora, de se enxugar cada vez mais. Para os neoliberais, complementa o mestre português, ele (o Estado) é, agora, uma instituição anacrônica, porque é uma entidade nacional, e tudo o mais está globalizado. A globalização neoliberal-pós-moderna coloca-se justamente como o contraponto das políticas do welfare state. Aparece como a nova face/roupagem do capitalismo internacional. Nesse contexto, Arruda Jr. chama a atenção para o fato de que estamos diante de um frenesi teórico e prático representado pelos discursos apocalípticos antimodernos, onde a globalização neoliberal é vista como sinônimo de modernização. Na verdade, acrescenta, o que nos é vendido como prova de modernidade dá os claros sinais de uma barbárie, a barbárie neoliberal que, a título de guardar identidade com a filosofia pós-moderna, traz como resultado sinais de retorno à pré-modernidade, perigo para o qual também alerta André-Noël Roth, ao denunciar que a globalização nos empurra rumo a um modelo de regulação social neofeudal, através da constatação do debilitamento das especificidades que diferenciam o Estado moderno do feudalismo: a) a distinção entre esfera privada e esfera pública; b) a dissociação entre o poderio político e o econômico; e c) a separação entre as funções administrativas, políticas e a sociedade civil. (STRECK, 1999, p. 20-21). 6 Que contemplou tais direitos ao estabelecer um capítulo específico sobre direitos sociais, com previsão expressa no artigo 6º acerca da educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância, assistência aos desamparados, além, também, dos princípios e fundamentos do Estado brasileiro, nos quais é possível a constatação da existência de outros direitos sociais não previstos expressamente, e outros, ainda, no Título VIII específico sobre a Ordem Social. Eis a síntese do Estado de modernidade tardia. No Brasil houve um Estado liberal, mas o Estado interventor-desenvolvimentista-regulador atuou em defesa da elite e não cumpriu com as promessas da modernidade. No Brasil, essa modernidade é tardia e arcaica porque ainda há um déficit social que supõe um Estado fraco: No Brasil a modernidade é tardia e arcaica. O que houve (há) é um simulacro de modernidade. Como muito bem assinala Eric Hobsbawn, o Brasil é “um monumento à negligência social”, ficando atrás do Sri Lanka em vários indicadores sociais, como mortalidade infantil e alfabetização, tudo porque, no Estado do Sri Lanka, empenhou-se na redução das desigualdades (...) E já que tais promessas não se realizaram, a solução que o establishment apresenta, por paradoxal que possa parecer, é o retorno ao Estado (neo)liberal. Daí que a pós-modernidade é vista como a visão neoliberal. (STRECK, 1999. p. 23). Diz-se que o Brasil não teve um Estado social, porque o Estado desenvolvimentista regulador que deveria atuar na função social só o fez para com as elites, uma vez que as funções do Estado brasileiro objetivaram questões contraditórias, ou seja, defesa da acumulação de capital, em conformidade com os propósitos da classe burguesa, e a proteção dos interesses dos trabalhadores. (STRECK, 1999, p. 20). Assim, erroneamente, a visão pós-moderna brasileira se confunde com a visão neoliberal de minimização do Estado, quando, na verdade, já deveria tê-la superado. E essa confusão conceitual já poderia ter sido superada se fosse trabalhada através da ótica do constitucionalismo. Em uma livre comparação com o constitucionalismo, é possível dizer que enquanto neste há a ideia de limitação do poder político, no neoconstitucionalismo a busca é pela eficácia da Constituição através da concretização dos direitos fundamentais. No neoconstitucionalismo, o modelo normativo não é o descritivo ou deontológico, é axiológico e, através da visão pós-moderna, consagra a positivação e a concretização de um catálogo de direitos fundamentais, a onipresença de princípios e regras, as inovações hermenêuticas, a densificação da força normativa do Estado e o desenvolvimento da justiça distributiva. No pós-positivismo, por sua, a leitura do Direito é moral, mas sem recorrer à metafísica. (BARROSO, 2007, passim). Direitos sociais são, pois, direitos fundamentais de 2º geração (ou 2º dimensão)7. Em oposição aos direitos de 1º geração que se firmaram a partir das Declarações de Direito8 e consignavam as liberdades do homem perante o Estado, exigindo deste uma atuação não interventiva, os direitos de 2º geração “não são direitos contra o Estado, mas sim direitos através do Estado, exigindo do poder público certas prestações materiais.” (KRELL, 2002, p. 19). Para Sarlet (2001. p. 51), os direitos sociais: caracterizam-se, ainda hoje, por outorgarem ao indivíduo direitos a prestações sociais estatais, como assistência social, 7 Esclarece-se, por oportuno, que a divisão dos direitos fundamentais em gerações de direitos (ou dimensões de direitos como querem alguns contemporâneos) foi inicialmente apresentada pelo sociólogo britânico T. H.Marshall em sua obra “Cidadania, classe social e status”, na qual ele desenvolveu um estudo sobre cidadania e os direitos e obrigações inerentes a ela, que ele classificou como sendo os direitos civis e políticos de primeira geração e os direitos sociais de segunda geração (MARSHALL, T.H. Cidadania, Classe Social e Status. Rio de Janeiro. Zahar, 1967). Posteriormente, Norberto Bobbio difundiu essa ideia de divisão dos direitos fundamentais em quatro gerações, a saber, os direitos de liberdade de primeira geração, os direitos sociais de segunda geração, o direito de viver em um ambiente saudável de terceira geração e os direitos referentes às pesquisas de engenharia genética de quarta geração (BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992). Outra corrente teórica defende que o “criador” do termo teria sido o jurista Karel Vasak na oportunidade de uma aula inaugural em 1979 no Curso do Instituto Internacional dos Direitos do Homem em Estraburgo (Alemanha) quando dividiu os direitos fundamentais em três gerações, utilizando-se da bandeira Francesa para determinar os direitos de liberdade (direitos civis e políticos), direitos de igualdade (direitos econômicos, sociais e culturais) e direitos de fraternidade ou solidariedade (direito a desenvolvimento, à paz e ao meio ambiente) (FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves, Direitos Humanos Fundamentais, São Paulo: Saraiva 1996, p.57-68). Foi com base nessa classificação que Cançado Trindade, por sua vez, rechaçou tal tese ao longo de suas obras, alegando falta de fundamentação jurídica, fragmentação e atomismo. 8 Esses direitos referem-se às Declarações da segunda metade do século XVIII e século XIX. Trata-se do Bill of Rights norte-americano consubstanciado nas dez primeiras emendas à Constituição de 1787, aprovadas em 1791 e resultado da Declaração da Virgínia e da Declaração de Independência dos Estados Unidos, ambas de 1776, além da própria Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão fruto da Revolução Francesa. saúde, educação, trabalho etc., revelando uma transição das liberdades formais abstratas para as liberdades materiais concretas, utilizando-se a formulação preferida na doutrina francesa. Bobbio (1992, p. 21) compara os direitos de 1º geração com os direitos de 2º geração pelo que conclui que aqueles são liberdades que exigem obrigações negativas dos órgãos públicos e estes são poderes que só podem ser realizados mediante ações positivas do Estado para implementar os direitos. É o caso, então, de desenvolvimento de políticas públicas. Para a devida implementação daquilo previsto constitucionalmente (PEREZ-LUÑO. 2005).9 Os direitos sociais são de ordem subjetiva, mas possuem outras dimensões que não se encerram nesta concepção porque enquanto direitos fundamentais, estes, assim considerados, assumem também uma dimensão institucional, indicando que o seu respeito e observância constituem fundamento de validação da ordem política e do estado democrático de direitos. Assim concebidos, isto é, como direitos a que correspondem obrigações de fazer, a cargo não apenas do Estado, mas da sociedade, em geral — não por acaso, ao enunciar alguns desses direitos (e. g., saúde e educação), a nossa Carta Política afirma que eles constituem "direitos de todos e dever do Estado” —, a primeira e radical indagação que suscitam esses novos direitos é saber como torná-los efetivos sem sacrificar os valores liberais, a cuja luz devem ser mínimas quaisquer intervenções na vida dos cidadãos. (MENDES; COELHO; BRANCO, 2009, p. 760). Os direitos sociais, então, em oposição aos direitos individuais (ou direitos de defesa) que postulam uma abstenção estatal, são caracterizados por uma ação positiva do Estado e, a princípio, poderiam aparentar não compor o conteúdo do conceito de direito fundamental: De acordo com a interpretação liberal clássica, direitos fundamentais são destinados, em primeira instância, a proteger a esfera de liberdade do indivíduo contra intervenções dos 9 Pérez-Luño situa o problema da realização dos direitos sociais em um terreno puramente político e não jurídico. Poderes Públicos; eles são direitos de defesa do cidadão contra o Estado. (ALEXY, 2006, p. 432). Contudo, a historicidade supõe que, da gênese dos direitos individuais surgiram os direitos sociais. Após a primeira geração (dimensão) dos direitos que consagrou a liberdade com a proteção da propriedade privada e autonomia da vontade, da própria afirmação da liberdade através da oposição à escravidão, desenvolveu-se o capital que, por sua vez, ao negar a liberdade em função da “escravidão” dos trabalhadores, criou os direitos sociais, denominados de segunda geração e antítese da própria tese. Os direitos sociais, chamados por Alexy de direitos à proteção (em sentido estrito), são aqueles condizentes com todos os direitos que clamam por uma ação positiva do Estado, sendo divididos em direitos cujo objeto é uma ação fática e direitos cujo objeto é uma ação normativa. Comportam algumas variáveis: direitos à proteção, direitos a organização e procedimentos e direitos a proteções em sentido estrito, ou direitos sociais propriamente (ALEXY, 2006. p. 451, 479 e 499)10. Todos devem ser subjetivos e de nível constitucional para pertencerem aos direitos a prestações em sentido amplo. Ou seja, não compõe o conjunto o direito subjetivo que não seja constitucional, tampouco o direito constitucional que não seja subjetivo (direito constitucional objetivo). (ALEXY, 2006, p. 450-451). Direitos sociais, portanto, são direitos à prestação (em sentido estrito), que exigem do Estado medidas para atenuar as desigualdades. (MENDES; COELHO; BRANCO, 2000, p. 143). 10 São direitos a proteção “os direitos do titular de direitos fundamentais em face do Estado a que este o proteja contra intervenções de terceiros.” Direitos a organizações e procedimentos referem-se “tanto a direitos à criação de determinadas normas procedimentais quanto direitos a uma determinada interpretação e aplicação concreta de normas procedimentais.” Por fim os direitos à prestação que “são direitos do indivíduo, em face do Estado, a algo que o indivíduo, se dispusesse de meios financeiros suficientes e se houvesse uma oferta suficiente no mercado, poderia também obter de particulares.” E isso denota a compreensão dos direitos sociais, também, através da percepção do mínimo existencial. O conceito de mínimo existencial está intimamente ligado à vida digna e foi primeiramente trabalhado pela doutrina alemã a partir da indefinição da Constituição de Bonn. Apesar de indeterminado, possui como conteúdos nucleares a liberdade e a igualdade. A doutrina alemã estabeleceu dois tipos de mínimos existenciais, o mínimo fisiológico (que prevê a proteção contra necessidades de caráter existencial básico) e o mínimo sociocultural (relativo a proteções além das básicas). (COIMBRA; CALISSI, 2013). E, a partir desses conceitos da doutrina alemã, Sarlet (2001, p. 22), primeiramente, alerta que a previsão da proteção da dignidade da pessoa humana estaria condicionada a um padrão sócio-econômico vigente em cada Estado para, depois, discorrer sobre o mínimo existencial, não sem antes alertar que este não pode ser confundido com o mínimo vital de sobrevivência (mínimo fisiológico da doutrina alemã): O conjunto de prestações materiais indispensáveis para assegurar a cada pessoa uma vida digna, saudável, e que este tem sido identificado como constituindo o núcleo essencial dos direitos fundamentais sociais, que estaria blindado contra qualquer intervenção do Estado e da sociedade. Além do mais, (...) os direitos fundamentais da Constituição Alemã são posições que, do ponto de vista do direito constitucional, são tão importantes que a decisão sobre garanti-las ou não garantilas não pode ser simplesmente deixada para a maioria parlamentar simples... (... ) O modelo não determina quais direitos fundamentais sociais definitivos o indivíduo tem. Mas ele diz que ele pode ter alguns e o que é relevante para sua existência e seu conteúdo. (ALEXY, 2006, p. 511-512). Segundo disposição constitucional brasileira, e diferentemente da Constituição alemã, os direitos sociais são, além de substanciais, tal o conteúdo principiológico de sua característica de fundamentalidade, também formalmente fundamentais por força do Título II da Constituição Federal de 1988. A maioria doutrinária atribui característica de norma programática aos direitos sociais porque, como mandados de otimização (ALEXY, 1997, p. 86), vincularia os Poderes Públicos impondo-lhes o cumprimento imediato e direto através de políticas públicas eficazes e abrangentes. Diferentemente, a moderna doutrina já tem negado a existência uníssona dessa característica defendendo que os direitos sociais possuem também uma faceta de direito subjetivo, portanto, configurando-se em dever jurídico do Estado. (NUNES JÚNIOR, 2009, passim). Postula-se, então, que o legislador, ao identificar os direitos sociais e verificar a necessidade de implementação da atuação estatal para construir resultados, observaria cinco diferentes estratégias de positivação desses direitos, porque a Constituição Federal de 1988, ao positivar direitos sociais, não teria utilizado o método de análise eficacial clássico: a) A positivação por meio de normas programáticas; b) A positivação por meio de normas constitucionais atributivas de direitos públicos subjetivos; c) A positivação por meio de garantias institucionais; d) A positivação por meio de cláusulas limitativas do poder econômico; e) A positivação por meio de normas projetivas. Teriam essas normas, então, uma estrutura normativa muito clara, a ponto de não deixar dúvida para o intérprete da presença de norma jusfundamental plena e imediatamente exigível, com prerrogativa subjetiva, identificação incontroversa, objeto bem definido e dever jurídico direcionado ao Poder Público: Note-se que nesta ocorrência existe uma clareza normativa sem igual: definiu-se a prerrogativa subjetiva, com identificação incontroversa de quem pode exercê-la, o objeto e quem possui o dever jurídico de prestá-lo, no caso, o Poder Público. Opção constituinte por esta técnica de consagração, sobretudo quando, como nos casos dos direitos à educação e saúde, se fez com prescindência de lei (norma de eficácia plena), revela um propósito claro: o de deixar a posse de alguns direitos, tidos como essenciais à dignidade, fora dos debates políticos e pendengas partidárias. Assim, independentemente de quem esteja gerindo o Estado ou do partido que possua maioria legislativa, tais direitos devem ser observados, possuindo, inclusive, justiciabilidade. São temas que a Constituição quis colocar acima das variações administrativas, partidárias e políticas, sendo certo que instituições como o Ministério Público, a Defensoria Pública, o Judiciário, quando provocados, devem garantir sua aplicação. (NUNES JÚNIOR, p. 123). Portanto, se os direitos sociais gozam das prerrogativas todas até aqui apresentadas, e mais, postulado de direito fundamental, coaduna-se, então, com o núcleo irredutível dos direitos fundamentais ou núcleo essencial da própria Constituição. Segundo Ricardo Lobo Torres (2001, p. 60-61) há duas teorias acerca do núcleo essencial dos direitos fundamentais. A primeira, denominada absoluta, defende que tal núcleo é delimitado abstratamente de forma que essa delimitação não pode ser rompida. A outra teoria, relativa, pressupõe que o núcleo fundamental só é perceptível no caso concreto e mediante a ponderação de direitos. Citando Mendes, Coelho e Branco, o Ministro do STF Marco Aurélio fundamentou seu voto em habeas corpus: Os adeptos da chamada teoria absoluta ("absolute Theorie") entendem o núcleo essencial dos direitos fundamentais (Wesensgehalt) como unidade substancial autônoma (substantieller Wesenskern) que, independentemente de qualquer situação concreta, estaria a salvo de eventual decisão legislativa. (...) haveria um espaço que seria suscetível de limitação por parte do legislador; outro seria insuscetível de limitação. (...) Os sectários da chamada teoria relativa ("relative Theorie") entendem que o núcleo essencial há de ser definido para cada caso, (...) mediante a utilização de um processo de ponderação entre meios e fins (Zweck-Mittel-Prüfung), com base no princípio da proporcionalidade. O núcleo essencial seria aquele mínimo insuscetível de restrição ou redução com base nesse processo de ponderação. (...). Tanto a teoria absoluta quanto a teoria relativa pretendem assegurar uma maior proteção dos direitos fundamentais, (...) Todavia, todas elas apresentam insuficiências. É verdade que a teoria absoluta, ao acolher uma noção material do núcleo essencial, insuscetível de redução por parte do legislador, pode converterse, em muitos casos, numa fórmula vazia, dada a dificuldade ou até mesmo a impossibilidade de se demonstrar ou caracterizar in abstracto a existência desse mínimo essencial. (...) Por seu turno, uma opção pela teoria relativa pode conferir uma flexibilidade exagerada ao estatuto dos direitos fundamentais(...) Por essa razão, propõe Hesse uma fórmula conciliadora, que reconhece no princípio da proporcionalidade uma proteção contra as limitações arbitrárias ou desarrazoadas (teoria relativa), mas também contra a lesão ao núcleo essencial dos direitos fundamentais (...) a proporcionalidade não há de ser interpretada em sentido meramente econômico, de adequação da medida limitadora ao fim perseguido, devendo também cuidar da harmonização dessa finalidade com o direito afetado pela medida.11 Diferentemente da Lei Fundamental da Alemanha de 1949 (artigo 19, II) e da Constituição Portuguesa de 1976 (artigo 18, III), a Constituição Federal de 1988 não prevê expressamente sobre o núcleo essencial, mas o assunto ganhou importância como teoria e foi adotado pelo STF. (MENDES; COELHO; BRANCO, 2000, p. 241). Hoje o debate em torno do assunto tem status principiológico: De ressaltar, porém, que, enquanto princípio expressamente consagrado na Constituição ou enquanto postulado constitucional imanente, o princípio da proteção do núcleo essencial destina-se a evitar o esvaziamento do conteúdo do direito fundamental decorrente de restrições descabidas, desmesuradas ou desproporcionais. (...) Tanto a teoria absoluta quanto a teoria relativa pretendem assegurar uma maior proteção dos direitos fundamentais, na medida em que buscam preservar os direitos fundamentais contra uma ação legislativa desarrazoada. (MENDES; COELHO; BRANCO, 2000, p. 243-244). 11 STF –HC 82.959/SP – Rel. Min. Marco Aurélio – DJ de 01-09-2006. Conceitualmente, o núcleo essencial proíbe “que a validade de uma disposição de direito fundamental seja de tal forma reduzida que se torne insignificante para todos os indivíduos ou para a maior parte deles ou ainda para a vida social.” (KLEIN, 1981, apud ALEXY, 2006, p. 297). 4 OS DIREITOS SOCIAIS E OS LIMITES MATERIAIS DA CONSTITUIÇÃO A utilização do termo “direitos e garantias individuais” pelo § 4º, IV, artigo 60 da Constituição Federal pode impor uma análise distorcida do conteúdo constitucional brasileiro. Com a palavra Sarlet (2005, p. 363-364): Dentre os diversos aspectos a serem destacados, assume relevo, por exemplo, a própria terminologia empregada pelo Constituinte no art. 60, § 4o, inc. IV, suscitando dúvidas até mesmo no que diz com a abrangência da proteção outorgada. Assim, indaga-se, por exemplo, se além dos direitos e garantias individuais (art. 5o da CF) também os demais direitos fundamentais (coletivos, políticos e sociais) podem ser considerados ‘cláusula pétrea’. Para além disso, controverte-se a respeito do alcance da proteção, já que discutível se esta apenas objetiva inviabilizar uma erosão dos direitos fundamentais, ou se os torna imunes contra qualquer tipo de restrição, resultando numa virtual intangibilidade. Também não há como desconsiderar a necessidade de traçar uma distinção entre os direitos fundamentais enunciados em normas de eficácia plena e limitada, assim como a diversidade das funções precípuas exercidas pelos direitos fundamentais (direitos de defesa ou direitos a prestações). A interpretação gramatical12 resulta no entendimento de que o § 4º, IV do artigo 60 abarca somente os direitos contidos no artigo 5º da Constituição Federal 12 Oportuno aqui um breve resumo sobre os métodos de hermenêutica constitucional, esclarecendo que toda classificação não é esgotável. 1. HERMENÊUTICA CLÁSSICA ou JURÍDICA (tese da identidade entre Lei e Constituição) elaborada por Savigny e difundida por Ernest Forsthoff, tem como métodos o gramatical, o sistemático, o histórico, o sociológico e o teleológico ou finalista. Para este método, a Constituição é uma lei e, por isso, tem que ser interpretada segundo as regras tradicionais da hermenêutica. 2. CIENTÍFICOESPIRITUAL ou MÉTODO VALORATIVO ou MÉTODO INTEGRATIVO ou MÉTODO SOCIOLÓGICO, que considera os valores contidos na Constituição, que é instrumento de integração. Pode ser aplicado em conjunto com o método sistemático de Savigny Foi desenvolvido por Pudolf Smeno. 3. TÓPICO- (Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais. Capítulo I – Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos). Contudo, tal interpretação apresenta-se equivocada. Se a proposição acima fosse verdadeira, o § 4º, IV do artigo 60 não se prestaria à sua função primordial que é a proteção do núcleo essencial da Constituição contra as intempéries políticas da nação. A máxima de que a Constituição nasce para ser eterna, portanto, é cabível. Dentro dos propósitos ideológicos da Constituição brasileira, nascida da necessidade de transição do regime ditatorial para a democracia, natural que o legislador originário, representante da sociedade à época, quisesse refletir no texto constitucional a preocupação de toda uma nação quanto aos desalinhos vividos até então. Ao ser promulgada a Constituição Federal de 1988, além de inaugurar uma “nova era”, instituindo o novo Estado brasileiro, democrático e de direito, se propôs a construir uma base ideológica voltada preponderantemente para a proteção dos direitos fundamentais. Então, uma interpretação mais ampla (BARROSO, 2007, passim)13, considerando a aplicação das cláusulas pétreas aos direitos fundamentais como um PROBLEMÁTICO baseado no TOPOS que é um esquema de pensamento, de raciocínio, argumentação, pontos de vista e lugares comuns. Para este método, um problema é sempre uma questão que permite mais de uma resposta. A tópica é uma técnica do pensamento problemático. Desenvolvido por Viehweg, prega o exame do caso concreto. 4. NORMATIVO-ESTRUTURANTE de Friedrich Müller. Aqui a norma é produto da conjugação do texto da norma (programa normativo) com a realidade social (domínio normativo). 6. HERMENÊUTICO-CONCRETIZADOR. A técnica começa com a pré-compreensão do texto analisado. Foi legado por Konrad Hesse que defendeu que a norma é um produto da interpretação constitucional, e esta se dá através dos elementos objetivos extraídos da realidade social e dos elementos subjetivos que atribui o sentido mais justo aplicado à Constituição. 7. INTERPRETAÇÃO NEOCONSTITUICIONAL que defende a Constituição como um conjunto de normas relacionadas a fatos e valores sociais. Utiliza como técnica a ponderação de bens e interesses e considera os princípios, na esteira de Robert Alexy e sua Teoria da Argumentação Jurídica, como elementos imprescindíveis à hermenêutica. 8. A SOCIEDADE ABERTA DOS INTÉRPRETES de Peter Häberle, para quem o verdadeiro intérprete da constituição é a sociedade, titular do poder constituinte. 13 Segundo Luis Roberto Barroso, na interpretação constitucional, que é uma espécie de interpretação jurídica, há que se observar a supremacia da Constituição, a presunção de constitucionalidade das normas e atos do Poder Público, a interpretação conforme a constituição, a unidade, a razoabilidade e a efetividade. Na interpretação jurídica, as premissas são o papel da norma e o papel do juiz. No primeiro caso cabe às normas oferecer, no seu relato abstrato, a solução para os problemas jurídicos; no segundo caso, cabe ao juiz identificar, no ordenamento jurídico, a norma aplicável ao problema a ser resolvido revelando a solução nela contida. Já para a interpretação constitucional, na qual as premissas são iguais às da interpretação jurídica, no primeiro caso verificou-se que a todo e, alcançando assim, além dos direitos individuais, também, por exemplo, os direitos sociais e políticos, não é um mero exercício de imaginação. Já no preâmbulo de nossa Constituição encontramos referência expressa no sentido de que a garantia dos direitos individuais e sociais, da igualdade e da justiça constitui objetivo permanente do nosso Estado. Além disso, não há como negligenciar o fato de que nossa Constituição consagra a idéia de que constituímos um Estado democrático e social de Direito, o que transparece claramente em boa parte dos princípios fundamentais, especialmente no art. 1o, incs. I a III, e art. 3o, incs. I, III e IV. Com base nestas breves considerações, verificase, desde já, a íntima vinculação dos direitos fundamentais sociais com a concepção de estado da nossa Constituição. Não resta qualquer dúvida de que o princípio do Estado Social, bem como os direitos fundamentais sociais, integram os elementos essenciais, isto é, a identidade de nossa Constituição, razão pela qual já se sustentou que os direitos sociais (assim como os princípios fundamentais) poderiam ser considerados – mesmo não estando expressamente previstos no rol das ‘cláusulas pétreas’ – autênticos limites materiais implícitos à reforma constitucional. (...) Os direitos e garantias individuais referidos no art. 60, § 4o, inc. IV, da nossa Lei Fundamental incluem, portanto, os direitos sociais e os direitos da nacionalidade e cidadania (direitos políticos).14 Além do mais, toda interpretação constitucional deve ser feita consoante o super princípio da dignidade humana que, aliado aos direitos fundamentais, é postulado do direito constitucional. Oportuno salientar que em cada direito fundamental há um conteúdo da dignidade da pessoa humana, e esta, enquanto valor informador do ordenamento jurídico é uma explicitação daqueles. (SARLET, 2011, p. 101). Por fim, há que se fazer citação à chamada interpretação evolutiva e, na esteira do modelo proposto por Alexy baseado em sopesamento e considerando que “o que é devido prima facie seja mais amplo que aquilo que é devido solução dos problemas jurídicos nem sempre se encontram no relato do texto normativo; no segundo caso, não cabe ao Juiz apenas a função de conhecimento técnico voltado para revelar a solução contida no enunciado normativo. Essa diferença nas premissas se dá porque as premissas constitucionais lidam com diferentes categorias, a saber, cláusulas gerais, princípios, colisões de normas constitucionais, ponderação e argumentação. Este é o campo da solução de conflitos no âmbito da dicotomia princípios versus regras, portanto. definitivamente” (ALEXY, 2006, p. 514), Barroso (2001, p. 135) expõe sua interpretação evolutiva: Consiste ela na atribuição de novos conteúdos à norma constitucional, sem modificação do seu teor literal, em razão de mudanças históricas ou de fatores políticos e sociais que não estavam presentes na mente dos constituintes. No processo de análise de um caso envolvendo direito social deve-se por imediato considerar sua condição de direito fundamental, o que remete a análise para a ótica do direito exarado dos princípios, considerar a atividade de interpretação com base em uma hermenêutica evolutiva e, ainda, avaliar a interferência de normas internacionais na demanda. (CALISSI, 2003). Nesse ínterim, a possibilidade do chamado controle de convencionalidade atrelado à ideia de ampliação interpretativa da Constituição. (MAZZUOLI, 2011, passim). Na definição de convencionalidade, esta teoria tem como corolário a concepção de quatro espécies de controle, a saber, controle de legalidade, controle de supra legalidade, controle de constitucionalidade e, finalmente, o controle de convencionalidade. O controle de convencionalidade não requer autorização internacional. Uma vez vigente no ordenamento jurídico brasileiro o tratado internacional de direitos humanos, os juízes e tribunais podem promover um controle difuso compatibilizando as leis com o conteúdo do tratado. Na prática isso significa dizer que, considerando a Emenda Constitucional nº 45 e a introdução da formalidade de quorum qualificado pelo § 3º do artigo 5º da Constituição, bem como, a internalização preconizada pelo § 2º do artigo 5º referente a tratados internacionais de direitos humanos (e segundo entendimento doutrinário) ambas as situação possuem grau hierárquico de norma constitucional e, portanto, condicionam todo o ordenamento jurídico no tocante ao controle de convencionalidade; contudo, no caso dos tratados e convenções internalizados pelo procedimento especial, haverá a irradiação como parâmetro para o controle difuso e concentrado de convencionalidade. Além do mais, atualmente, o entendimento de que as cláusulas pétreas (especificamente o § 4º, IV do artigo 60) não se referem apenas aos direitos e garantias individuais está assente no Supremo Tribunal Federal, in verbis: LEI COMPLEMENTAR 135/2010, DENOMINADA LEI DA FICHA LIMPA. INAPLICABILIDADE ÀS ELEIÇÕES GERAIS 2010. PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE ELEITORAL (ART. 16 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA). I. O PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE ELEITORAL COMO GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL ELEITORAL. O pleno exercício de direitos políticos por seus titulares (eleitores, candidatos e partidos) é assegurado pela Constituição por meio de um sistema de normas que conformam o que se poderia denominar de devido processo legal eleitoral. Na medida em que estabelecem as garantias fundamentais para a efetividade dos direitos políticos, essas regras também compõem o rol das normas denominadas cláusulas pétreas e, por isso, estão imunes a qualquer reforma que vise a aboli-las (g.n.)15 Por fim, se não suficiente a interpretação abrangente do dispositivo em questão, a ensejar a necessidade de inclusão dos direitos sociais, como matéria relacionada às clausulas pétreas, quer porque, como já mencionado, a interpretação não deve ser literal, gramatical ou restritiva, quer porque enquanto direito fundamental, é componente do núcleo essencial ou intangível da Constituição, ou ainda, porque limites materiais implícitos alcançariam os direitos fundamentais, resta, porquanto, uma última análise. Os direitos sociais são considerados direitos fundamentais em função de sua historicidade. Enquanto direitos de segunda geração, os direitos sociais nasceram porque, após o movimento absenteísta dos direitos de primeira geração, o cidadão se apercebeu de sua hipossuficiência e necessidade das prestações estatais. Dessa forma, é possível dizer que os direitos sociais seriam uma evolução dos direitos individuais e contraponto destes: 15 RE nº 633703/MG. Rel. Min. Gilmar Mendes – j. 23.03.2011 – DJU 18.11.2011. (...) Os direitos fundamentais foram alçados à categoria de cláusulas pétreas nesta Constituição. (...) Os direitos coletivos são fruto do desenvolvimento dos direitos individuais; estes são majoritariamente de primeira geração, enquanto aqueles são da segunda e terceira geração(AGRA, 2000, p. 175). Alexy faz importante distinção entre direitos fundamentais sociais e direitos fundamentais de prestação. Expõe que o primeiro grupo refere-se direitos de prestação previstos de forma expressa, enquanto que o segundo grupo é pertinente a interpretações sociais dos direitos de liberdade e de igualdade, direitos individuais, portanto. (ALEXY, 2006, p. 499). Tem-se, pois, que essa diferenciação é aplicável à Constituição alemã, não à brasileira. Contudo, e por fim, se mostra útil para justificar a origem dos direitos aqui tratados, ou seja, ainda que direitos de segunda geração, os direitos sociais têm sua gênese nos próprios direitos individuais de primeira geração, ocasionando, portanto, a sua inclusão no rol delimitativo das cláusulas pétreas. 5 CONCLUSÕES 1. As cláusulas pétreas são instrumentos para resguardar o núcleo essencial do projeto original constituinte vedando a possibilidade de ruptura ideológica radical; é, pois, uma técnica de garantia da essência constitucional adotada quando do estabelecimento da nova ordem político-jurídica. 2. Em atenção ao núcleo essencial, faz-se preponderante o reconhecimento da existência de cláusulas implícitas no texto constitucional não consagradas na letra do artigo 60, porque a delimitação da extensão das cláusulas pétreas é, por vezes, imprecisa no tocante ao estabelecimento específico do seu alcance concreto; 3. Seriam cláusulas pétreas implícitas: direitos fundamentais, o titular do poder constituinte, o titular do poder reformador e as cláusulas referentes ao processo da própria emenda constitucional; os fundamentos do Estado Democrático de Direito (artigo 1º, incisos, CF), o povo como fonte de poder (artigo 1º, § único, CF), os objetivos fundamentais da República Federativa (artigo 3º, incisos, CF), os princípios das relações internacionais (artigo 4º, incisos e § único, CF), os Direitos Sociais (artigo 6º), a definição da nacionalidade brasileira (artigo 12, inciso I e inciso II, alíneas a e b, CF), a autonomia dos Estados Federados (artigo 25), a autonomia dos Municípios (artigo 29 e artigo 30, incisos I, II e III, CF), a organização bicameral do Poder Legislativo (artigo 44, CF), a inviolabilidade dos Deputados e Senadores (artigo 53, CF), as garantias dos Juízes (artigo 95, incisos I, II e III, CF), a permanência institucional do Ministério Público (artigo 127 e de suas garantias (artigo 128, CF), as limitações do Poder de Tributar (artigo 150, I, II e III, a e b, IV, V e VI, a-d, artigo 151, CF), e os princípios da Ordem Econômica (artigo 170, CF); 4. Os direitos sociais são de ordem subjetiva, mas possuem, ainda, outras dimensões que não se encerram nesta concepção porque enquanto direitos fundamentais, estes, assim considerados, assumem também uma dimensão institucional, indicando que o seu respeito e observância constituem fundamento de validação da nossa ordem política e do estado democrático de direitos; 5. Segundo Robert Alexy, os direitos sociais, chamados de direitos à proteção, comportam algumas variáveis: direitos à proteção, direitos a organização e procedimentos e direitos a proteções em sentido estrito (ou direitos sociais propriamente); são subjetivos e de nível constitucional; 6. Postula-se que o legislador, ao identificar os direitos sociais e verificar a necessidade de implementação de atuação estatal para construir resultados, observaria cinco diferentes estratégias de positivação desses direitos, porque a Constituição Federal de 1988, ao positivar direitos sociais, não teria utilizado o método de análise eficacial: a positivação por meio de normas programáticas, a positivação por meio de normas constitucionais atributivas de direitos públicos subjetivos, a positivação por meio de garantias institucionais, a positivação por meio de cláusulas limitativas do poder econômico, a positivação por meio de normas projetivas; 7. . A utilização do termo “direitos e garantias individuais” pelo § 4º, IV, artigo 60 da Constituição Federal impõe uma análise distorcida do conteúdo constitucional brasileiro, e precisa ser interpretado de maneira ampla e não gramatical; 8. Os direitos sociais são direitos fundamentais que compõem o núcleo intangível da Constituição e, embora não estejam expressamente previsto no § 4º, IV, artigo 60, por força das cláusulas implícitas, seriam abrangidos pelos limites materiais. Além do mais, seriam uma evolução dos direitos individuais, guardando sua origem nos direitos de primeira geração, quer como contraponto histórico, quer como elemento de interpretação dos direitos de liberdade e de igualdade. REFERÊNCIAS AGRA, Walber de Moura. Fraudes à Constituição: um atentado ao poder reformador. Porto Alegre: Fabris, 2000. ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales, Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1997. ______________ Teoria dos Direitos Fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2006. BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 4º ed.. São Paulo: 2001. _______________________. 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