Código de Processo Civil: Mudança Inútil
Sergio Bermudes
Vários processualistas esperam que, na próxima sessão legislativa, a
Câmara dos Deputados não repita o erro do Senado Federal, aprovando
um novo Código de Processo Civil. A revogação do atual Código só
dificultará a administração da justiça e prejudicará as pessoas que
recorrerem ao Judiciário, sem vantagem para ninguém. O país não
necessita, absolutamente, mudar o atual Código, nem conseguirá resolver
os graves problemas das partes e de terceiros, mediante a substituição do
atual CPC. O sábio Francesco Carnelutti reprovou a pretensão, correntia na
Itália do seu tempo, de transformar a realidade pela mudança das leis.
Essa crítica bem se aplica ao Brasil de hoje.
O projeto do Código de Processo Civil, que mereceu a aprovação do
Senado, coonestou, em larga parte, um anteprojeto superficial, feito com
injustificável rapidez, sem a análise das carências do Judiciário do Brasil.
Tirante exposições a auditórios complacentes, ou desinformados, não
houve qualquer consulta a grandes especialistas, como José Carlos
Barbosa Moreira, no consenso unânime o maior processualista brasileiro e
um dos melhores do mundo. Esta omissão, fruto do propósito de elaborar
uma reforma a toque de caixa, é tão absurda quanto se criarem normas
técnicas de arquitetura ou cirurgia plástica, sem pedir a opinião de Oscar
Niemayer ou Ivo Pitanguy.
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Esqueceram-se os autores do anteprojeto e os senadores, que
aprovaram o projeto, de verificar se é conveniente a substituição do
Código atual por um outro, diferente daquele pela introdução de cerca de
200 artigos, na maioria supérfluos, redigidos em mau vernáculo. Um novo
Código demandará a reformulação da doutrina, impondo a edição de novas
obras, incompatíveis com o baixo poder aquisitivo dos interessados. Eles
precisarão
também
freqüentar
cursos,
palestras
e
seminários
inevitavelmente dispendiosos e enfrentar problemas de aprendizado de
toda ordem. Juízes e tribunais deverão adaptar sua jurisprudência à
legislação superveniente, com perda lamentável de parte significativa do
que construíram até agora. Convidado pela Editora Forense para atualizar
os 17 tomos dos Comentários ao Código de Processo Civil, de Pontes de
Miranda, tive que me limitar à publicação de dois ou, no máximo, três
volumes por ano, a fim de evitar o encalhe dos demais, decorrente das
dificuldades financeiras dos consulentes das obras, num país onde um
professor de Direito recebe, em média, remuneração mensal que não
ultrapassa R$ 3 mil e um advogado comum não embolsa mais de R$ 6 mil
por mês.
O projeto acolhido pelo Senado absorveu muitos dos erros do
anteprojeto que pecou pela sofreguidão, incompatível com os cuidados que
se devem pôr na feitura de leis de longa duração. O Código de Processo
Civil hoje vigente resultou de um anteprojeto, apresentado pelo professor
Alfredo Buzaid, então o maior processualista brasileiro, em 1964, para
converter-se, somente em 1973, na Lei 5.869, de 11 de janeiro daquele
ano.
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Mesmo um perfunctório exame do projeto agora aprovado mostrará
que ele seguiu o anteprojeto, o qual, longe de empenhar-se no
aperfeiçoamento da justiça civil, se preocupou na adoção do entendimento
teórico dos seus autores acerca de institutos processuais. Veja-se, por
exemplo, que, tal como o seu esboço, o projeto incluiu um título relativo à
tutela de urgência e à tutela de evidência, matérias absolutamente
desnecessárias, de difícil entendimento, apenas porque sobre elas versou
a brilhante tese para a titularidade da cadeira de Direito Processual Civil
da Faculdade de Direito da UERJ, do ilustre presidente da comissão
incumbida de elaborar a nova lei.
Lamentavelmente, no Brasil, o quadro de operadores da máquina
judiciária é composto, em inquietante parcela, de pessoas com dificuldade
de compreender e aplicar institutos importados de países de maior cultura
e tradição, como a Alemanha e a Áustria, cujas ordenações de processo
civil datam, respectivamente, de 1877 e 1895.
Tal como o seu anteprojeto, o projeto extinguiu o agravo retido,
ignorando a utilidade deste recurso, instituído, no sistema de direito
positivo lusitano, em 1523, quando foi criado, na esteira da supplicatio
romana. A admissibilidade do agravo de instrumento, limitado aos casos
especificados no anteprojeto e no projeto, não funcionou, na vigência do
CPC de 1939. Malogrará também no novo Código, em decorrência da
precariedade da postulação e da prestação da justiça no país. Isto levará,
inevitavelmente, ao uso deturpado do mandado de segurança desviada,
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então, da sua finalidade esta ação onerosa para os cofres públicos, tudo
por causa da impossibilidade de se estender o agravo a casos, muitos
deles teratológicos, de violação e comprometimento de direitos, ocorrentes
em todo o território nacional. É também inaceitável a possibilidade de
execução da sentença, antes do julgamento da apelação que a impugnar.
Sem quebra do respeito aos redatores do anteprojeto e aos senadores que
aprovaram o subseqüente projeto, esses esboços recendem a um
cientificismo oco, em muitos pontos de difícil compreensão e deficiente
aplicação. Melhor seria prosseguir na tentativa de dar efetividade a
institutos do atual Código, até hoje não aplicados na devida extensão,
como a ação declaratória incidental, o julgamento conforme o estado do
processo, o recurso adesivo, a execução por quantia certa contra devedor
insolvente e certas ações especiais.
Aqui fica, por conseguinte, a sugestão aos deputados de que
auscultem
a
comunidade
jurídica
nacional,
particularmente
os
especialistas, sobre a conveniência da edição de uma lei que fatalmente
trará mais problemas do que soluções.
Professor de Processo Civil na PUC/RJ e advogado.
* O texto publicado não reflete necessariamente o posicionamento do IAB
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