hosp-34-2004-finalizada 5/8/04 05:23 PM Page 154 ENFERMAGEM Biossegurança: O Vivenciar de sua Interdisciplinaridade Profa. Dra. Maria Belén Salazar Posso1 • Profa. MSc Ana Lúcia G. G. de Sant’Anna2 Profa. MSc Vânia Maria de A. Giaretta2 • Profa. MSN Luciene Reginato Chagas2 Enfa. MSc Patrícia G. da Rosa Cardoso3 ............................................................................................................................................. 1 Curso de Enfermagem da FCS/UniVap de S. José dos Campos - SP e da Faculdade de Medicina ABC de Santo André - SP. 2 Curso de Enfermagem da Faculdade de Ciências da Saúde (FCS) da Universidade do Vale do Paraíba (UniVap) de S. José dos Campos - SP. 3 Centro de Material e Esterilização da Clínica Odontológica da FCS/UniVap de S. José dos Campos - SP. INTRODUÇÃO odas as profissões envolvem riscos inerentes à natureza de sua própria especialidade e ao ambiente onde o profissional exerce suas atividades, e que podem ser responsáveis por acidentes ocupacionais ou doenças profissionais(17,18). Ainda deve ser considerado o que afirma Dejours(8), ao dizer que existe uma relação íntima e recíproca entre trabalho e saúde, onde não ocorre a neutralidade favorecendo a doença ou a saúde. Essa relação já era enfatizada nos registros das antigas civilizações, por exemplo nos papiros egípcios que sugeriam doenças advindas de certas atividades ocupacionais, (10,14) assim como Bulhões(5), cita registros de Hipócrates e Platão, que relacionam patologias em indivíduos T 154 Prática Hospitalar • Ano VI • Nº 34 • Jul-Ago/2004 Profa. Dra. Maria Belén Salazar Posso que trabalham com chumbo, entre outras associações. Hoje, com o crescente, necessário e contínuo avanço biotecnológico, se por um lado isso facilita, simplifica e otimiza o desempenho das atividades do trabalhador, por outro pode ser capaz de expô-lo a situações potencialmente agressoras à sua saúde e ao ambiente em que atuam.(10,11,14,15) Os conceitos de biossegurança, emitidos por Aids(2); Apecih(3); Brasil(4); Costa; Costa Melo(7); Hirata; Mancini Filho(9); Mastroeni(15) e Vieira(21), como a aplicação de um conjunto de conhecimentos, procedimentos, técnicas, equipamentos com o intuito de não expor desnecessariamente o profissional, neste caso específico o de saúde, a ambientes e agentes potencialmente inseguros, do ponto de vista de riscos físicos, biológicos, químicos, ergonômicos e psicológicos, fundamentaram a priori e consolidaram a posteriori a preocupação das autoras em propor e implementar uma disciplina, em 2001, nos diversos currículos dos cursos de Graduação hosp-34-2004-finalizada 5/8/04 05:23 PM da área da saúde da Faculdade de Ciências da Saúde (FCS) da Universidade do Vale do Paraíba (UniVap). Além disso, as autoras consideraram suas formações acadêmicas e experiências profissionais na Enfermagem, sendo que um dos eixos norteadores de atuação focaliza uma abordagem promocional de saúde e preventiva e, ainda, acreditam na formação de profissionais capazes de trabalhar de forma multiprofissional e integrada. A assertiva de Mastroeni(15) sobre “a falta de uma cultura prevencionista tem sido o principal obstáculo para as pessoas agirem com precaução nos locais de trabalho” e também quando afirma que “A educação à biossegurança deve começar pelas escolas, que precisam urgentemente oferecer aos seus estudantes disciplinas importantes e fundamentais que os preparem para a vida profissional, de modo que ao adentrar em qualquer estabelecimento, seja um laboratório de instituto de pesquisa, de uma universidade ou de uma empresa, sintam-se suficientemente seguros para desenrolar suas atividades”, vem ratificar aquela preocupação das autoras em completar a formação dos estudantes das demais áreas de saúde da Univap, oferecendo uma disciplina de biossegurança. Ao mesmo tempo, a formação do aluno contemplará o aprender a pensar o conjunto dos saberes e fazeres, associados, que utilizará na realidade prática de seu cotidiano, este fonte do conhecimento empírico base do conhecimento científico, tornando o fazer (prática) um manancial de produção do conhecimento, de novas ha- Page 155 A segurança nas atividades laboratoriais e a proteção do pessoal e do meio ambiente são essenciais na prática moderna do laboratório destinado às atividades farmacêuticas bilidades e novas aptidões, de desenvolvimento do pensamento crítico, de condições para o estudante desenvolver a inter-relação e integração humana, da percepção da interdependência, de modo a permitir a realização de atividades multiprofissionais e interdisciplinares. Este trabalho, então, nasceu da tentativa de docentes do Curso de Enfermagem e da enfermeira do Centro de Material e Esterilização da Clínica Odontológica da FCS/UniVap de oferecer aos estudantes da FCS/UniVap alguns recursos teóricos práticos para desenvolverem consciência crítica da necessidade do desempenho seguro de suas atividades, pela implantação de uma disciplina de Biossegurança nos currículos plenos de Cursos de Graduação da área da saúde. As autoras deste trabalho acreditam que o futuro profissional da área de saúde deve desenvolver suas atividades com qualidade e de forma segura e, ao mesmo tempo, garantir a segurança daquele que está sob seus cuidados; considerando a importância das normas fundamentais de biossegurança, e ainda, compartilhando do pensamento de Jouclas(12): “É necessário que cada pessoa envolvida com a saúde cresça como pessoa, procurando no FAZER BEM, SER MAIS”, sugeriu-se à Diretoria da FCS da UniVap a inclusão de uma Disciplina de Biossegurança nos currículos plenos da Odontologia (CO), Engenharia Biomédica (CEB), Terapia Ocupacional (CTO), Fisioterapia (CF). Assim, em fevereiro de 2001 a disciplina foi implantada nos cursos de CO e CEB com (080 h/a) anuais, 040 h/ semestrais no de CTO e em 2002, 040 h/s no de CF. A disciplina de biossegurança foi sugerida por oferecer, aos diversos cursos da área da saúde da UniVap, conhecimentos para a utilização de técnicas de segurança, de controle de materiais e uso de barreiras individuais e coletivas. Isto porque não só por estarem os alunos sujeitos a acidentes com risco biológico, químico, radiação, materiais e equipamentos contaminados com matéria orgânica e/ou sangue, nos laboratórios, clínicas de práticas supervisionadas, unidades móveis de assistência à comunidade e instituições de saúde, mas também para atuarem em situações de emergência com segurança. Esta sugestão encontra amparo no pensamento de Hirata; Mancini Filho(9) quando afirma: “A segurança nas atividades laboratoriais e a proteção do pessoal e do meio ambiente são essenciais na prática moderna do laboratório destinado às atividades farmacêuticas, de pesquisa ou ensino, de produção ou controle de medicamentos e alimentos, de diagnóstico laboratorial e outras”. Por outro lado, a necessidade da interdisciplinaridade nos currículos 155 Prática Hospitalar • Ano VI • Nº 34 • Jul-Ago/2004 hosp-34-2004-finalizada 5/8/04 05:23 PM Page 156 ENFERMAGEM dos cursos de nível superior estimula a criatividade dos docentes na construção de planos de cursos, de ensino, de unidade e de aula. A interdisciplinaridade proporciona o enriquecimento do aprendizado dos discentes que aprimoram seus conhecimentos e permite a aquisição de outros complementando sua formação, gerando um perfil diferenciado aos profissionais formados pelas Instituições de Ensino Superior que adotam tal filosofia. A UniVap preconiza e favorece a estratégia da inter, trans e multidisciplinaridade e ainda proporciona a oportunidade do inter-relacionamento entre profissionais da área da saúde. O Curso de Enfermagem da FCS reflete a filosofia da UniVap buscando promover um processo educativo interdisciplinar, centrado no aluno, onde sua participação deverá se dar de modo ativo e contínuo e no qual o docente desempenha um papel de orientador, facilitador e promotor de condições de desenvolvimento e de autoconhecimento. Assim procura o CE/FCS/UniVap com a implantação de disciplina tão essencial nos dias de hoje, cumprir seu papel de formador com qualidade. Para tanto, o professor deve distribuir os assuntos em períodos determinados anualmente ou semestralmente, descrevendo as ações a serem usadas, isto é, o que se tem definido como Plano de Curso e deve ser compreendido como um eixo diretor, porém flexível, que necessita ser revisto periodicamente pelo docente.(1,12,19,20) Plano de Ensino é a ação docente desenvolvida e fundamentada em uma seqüência lógica organizada vi- 156 Prática Hospitalar • Ano VI • Nº 34 • Jul-Ago/2004 A necessidade da interdisciplinaridade nos currículos dos cursos de nível superior estimula a criatividade dos docentes na construção de planos DESENVOLVIMENTO Como visto anteriormente, a disciplina de Biossegurança é oferecida semestral e anualmente nos Cursos de Graduação de Terapia Ocupacional (040 h/a), Fisioterapia (040 h/a), Odontologia (080 h/a) e Engenharia Biomédica (080 h/a), respectivamente. de cursos OBJETIVOS DA DISCIPLINA sando à promoção do aprender do discente, sendo ainda a forma mais simples de comunicação entre Docentes/Instituição, Docentes/Docentes, Docentes/Discentes, favorecendo o planejar, preparando o aluno para uma vida profissional produtiva e competente.(1,12,16,20) OBJETIVOS DO TRABALHO Descrever de maneira simples e direta a vivência da implantação de um plano de ensino da disciplina de Biossegurança nos demais cursos da área de Saúde da FCS/UniVap; divulgar a impor tância da disciplina de Biossegurança nos cursos da área de Saúde; subsidiar a implantação de planos de ensino afins. PROCEDIMENTO METODOLÓGICO A metodologia é do tipo descritiva, onde se relatam os processos de operacionalização do plano de ensino da disciplina de Biossegurança em outros cursos da FCS/UniVap observando as considerações expostas na Introdução e, ao mesmo tempo, atender aos compromissos e objetivos da UniVap. • Favorecer o conhecimento geral sobre biossegurança. • Conscientizar e alertar o aluno quanto às suas responsabilidades dentro e fora do local de trabalho. • Capacitar os alunos para utilização de técnica de segurança, de controle de materiais e uso de barreiras de proteção individual e coletiva. • Orientar quanto à atuação no suporte básico da vida em situações de emergência, entre outros assuntos inerentes. • Conhecer a Lei e as Normas de biossegurança. METODOLOGIA DO ENSINO A metodologia do ensino utiliza aulas expositivas, seminários, discussões em grupo, apresentação de painéis, filmes e aulas práticas com o intuito de proporcionar um aprendizado ativo e dinâmico. AVALIAÇÃO DA DISCIPLINA • Para avaliar os discentes utilizou-se: • Avaliações bimestrais – Provas escritas • Avaliações dos trabalhos escritos e orais hosp-34-2004-finalizada 5/8/04 05:23 PM • Participação em classe • Auto-avaliação • Desempenho nas aulas práticas CONTEÚDO PROGRAMÁTICO • Introdução à Biossegurança, Riscos e Segurança • Bioética e Biotecnologia • Regulamentação da Biossegurança • Atendimento Básico em Emergências • Avaliação do Biorrisco • Contenção Biológica • Medidas de Segurança Pessoal, • Ambiental e Equipamentos • Garantia de Qualidade em Biossegurança • Riscos Físicos • Riscos Químicos • Riscos Biológicos • Riscos Mecânicos • Riscos Psicológicos • Doenças Ocupacionais e Imunizações • Noções de Toxicologia • Processamento de Áreas e Artigos Hospitalares • Biossegurança no Gerenciamento de Resíduos Sólidos, Líquidos e Gasosos CONSIDERAÇÕES FINAIS Este trabalho, resultado da vivência como docentes, tentou trazer subsídios sobre o ensino da Biossegurança nos Cursos de Graduação de outras áreas da saúde, buscando despertar o interesse e a consciência de outros futuros profissionais. Considerando os objetivos propostos, pode-se inferir que o relato da implantação da disciplina de Bios- Page 157 O Curso de Enfermagem da FCS reflete a filosofia da UniVap buscando promover um processo educativo interdisciplinar segurança permite contribuir com outros planos de ensino que guardem semelhança com este. Acredita-se, ainda, pelas avaliações das aulas e atividades práticas feitas pelos discentes e seus pareceres durante todo o decorrer do processo ensino – aprendizagem nesses três anos têlos alcançado, despertando a necessidade da Biossegurança na atividade profissional acadêmica. Além disso, notou-se pelas observações docentes durante os processos educativos e ao término dos mesmos, semestral e anualmente, a transformação significativa da conscientização dos futuros profissionais. Vale destacar que alguns formandos do Curso de Graduação em Odontologia, que em 2001 seus currículos plenos não exibiam a Disciplina em questão, optaram, voluntariamente, por assistirem às aulas e verbalizaram às autoras a satisfação pelo diferencial qualitativo que experimentaram em seus consultórios, em seu cotidiano profissional, não só quando visitados por membros da Vigilância Sanitária, como pela avaliação positiva de seus clientes. ✓ REFERÊNCIAS 1. Abreu MC de, Masetto MTO. O professor universitário em sala de aula. 8ª ed., São Paulo, MG Editores Associados 1993. 2. Aids: Manual de condutas. Brasília: Ministério da Saúde, 2000. 3. APECIH - Associação Paulista de Estudos e Controle de Infecção Hospitalar. São Paulo. 2000. 4. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde, Coordenação Nacional de DST e Aids. Controle de infecções e a prática odontológica e tempo da Aids: Manual de condutas. Brasília: Ministério da Saúde. 2000. 5. Bulhões I. Enfermagem do Trabalho. Rio de Janeiro. Luna 1994. 6. Conselho Federal de Odontologia. Biossegurança. Rio de Janeiro. 1999. 7. Costa, MAF da Costa MDF, Melo NSFO. Biossegurança. Ambientes Hospitalares e Odontológicos. Santos - SP. 2000. 8. Dejours C. A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho.5ª ed., São Paulo. Cortez 1992. 9. Hirata MH, Mancini Filho J. Manual de Biossegurança. São Paulo. Manole 2002. 10. Fernandes AT et al. Infecção Hospitalar e suas Interfaces na área da Saúde. São Paulo. Atheneu v. 2, 2000. 11. Fundacentro MT. Curso de Medicina do Trabalho. São Paulo. Arte Texto v. 6, 1998. 12. Gil AC. Metodologia do Ensino Superior. 3ª ed., São Paulo. Atlas 1997. 13. Jouclas VMG. O controle de infecção hospitalar e o programa de garantia de qualidade. In: Lacerda RA. Buscando compreender a infecção hospitalar no paciente cirúrgico. São Paulo. Atheneu 1992;127-133. 14. Mastroeni MF. Biossegurança. São Paulo. Atheneu 2004. 15. Mendes R. Patologia do Trabalho. Rio de Janeiro. Atheneu 1995. 16. Nérice IG. Dinâmica da Escola. Rio de Janeiro. Fundo da Cultura 1968. 17. Posso MBS. As fontes potenciais de riscos físicos e químicos incidentes sobre os membros da equipe cirúrgica. São Paulo. 1988;85. (Doutorado) Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. 18. Posso MBS. Costa DSP. Riscos potenciais que envolvem o trabalho no Ambiente Hospitalar. Âmbito Hospitalar. São Paulo. 1998;12:10- 2. 19. Sant’Anna FM et al. Planejamento de ensino e avaliação. 11ª ed., Porto Alegre. Sagra/Luzzatto 1993. 20. Schivardi SN. Análise de Implantação de um curso de especialização: modalidade residência de Enfermagem, em uma Instituição de Ensino Superior Privada. São Paulo. 1997;165. Dissertação (Mestrado em Educação) Universidade Mackenzie. 21. Vieira SI. Medicina básica do trabalho. Curitiba. Gênesis 1999. ________________________________________ Endereço para correspondência: R. Iperoig, 749 - apto. 111 CEP 05016-000 - São Paulo - SP. 157 Prática Hospitalar • Ano VI • Nº 34 • Jul-Ago/2004