UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE CENTRO TECNOLÓGICO MESTRADO EM ENGENHARIA DE PRODUÇÃO RICARDO MAIA DA SILVA SECURITIZAÇÃO DE RECEBÍVEIS: uma visão sobre o mercado dos fundos de investimento em direitos creditórios (FIDC) NITERÓI 2010 RICARDO MAIA DA SILVA SECURITIZAÇÃO DE RECEBÍVEIS: uma visão sobre o mercado dos fundos de investimento em direitos creditórios (FIDC) Dissertação apresentada ao Curso de PósGraduação em Engenharia de Produção da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para a obtenção do Grau de Mestre. Área de Concentração: Estratégia, Gestão e Finanças Empresariais. Orientador: Prof. Dr. LUIZ FLEURY WANDERLEY SOARES Niterói 2010 Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca da Escola de Engenharia e Instituto de Computação da UFF S 586 Silva, Ricardo Maia da. Securitização de recebíveis: uma visão sobre o mercado dos fundos de investimento em direitos creditórios (FIDC) / Ricardo Maia da Silva. – Niterói, RJ : [s.n.], 2010. 95 f. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção) Universidade Federal Fluminense, 2010. Orientador: Luiz Fleury Wanderley Soares. 1. Mercado de capitais. 2. Securitização. 3. Fundo de Investimento em Direitos Creditórios. 4. Direito Creditório. I.Título. CDD 332.6 RICARDO MAIA DA SILVA SECURITIZAÇÃO DE RECEBÍVEIS: uma visão sobre o mercado dos fundos de investimento em direitos creditórios (FIDC) Dissertação apresentada ao Curso de PósGraduação em Engenharia de Produção da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para a obtenção do Grau de Mestre. Área de Concentração: Estratégia, Gestão e Finanças Empresariais. Aprovada em: 13 de agosto de 2010 BANCA EXAMINADORA _____________________________________________ Prof. Dr. LUIZ FLEURY WANDERLEY SOARES Universidade Federal Fluminense - UFF _____________________________________________ Prof. Dr. RUDERICO FERRAZ PIMENTEL Universidade Federal Fluminense - UFF _____________________________________________ Prof. Dr. JORGE VIEIRA DA COSTA JUNIOR Universidade Estadual do Rio de Janeiro - UERJ Niterói 2010 DEDICATÓRIA Em ordem cronológica: A Geraldina (in memorian), Ignez e Olívia, (essas duas, em luta contra o Alzheimer). A Benedicto e Jacira, meus pais. A Cristiane, Júlia, Davi e Daniel, minha mulher e meus filhos. A Marcelo, Ana, e pequenas Raquel e Thaís, irmão, cunhada e sobrinhas. AGRADECIMENTOS Ao meu orientador, Soares, pelo ensino e paciência. Aos colegas da CVM. Eles trabalham com FIDC, e são bons mestres e amigos. Dentre esses mestres, destaco a Flavia e o Reginaldo. À minha amiga Nilza, que insistiu na minha conclusão de curso. Aos meus amigos Cláudio, Cleidson, Daniel, Eduardo, Geraldo, Humberto, José Ricardo, pela amizade indispensável para a vida. Aos amigos que não foram mencionados aqui. Todos são importantes, e eu tenho a Graça de Deus por ter muitos amigos (deixem-me definir amigo como eu quiser). A todos aqueles que de alguma forma me ajudaram e me apoiaram. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO, p. 12 1.1 OBJETIVO DO TRABALHO, p. 17 1.2 JUSTIFICATIVA DA PESQUISA, p. 18 2 A SECURITIZAÇÃO DE RECEBÍVEIS, p. 20 2.1 DEFINIÇÕES, p. 20 2.2 HISTÓRIA DA SECURITIZAÇÃO, 24 2.2.1 A Origem nos EUA, p. 24 2.2.2 As Primeiras Operações de Securitização no Brasil, p. 28 2.3 OS DIFERENTES VEÍCULOS PARA AS OPERAÇÕES DE SECURITIZAÇÃO DE RECEBÍVEIS, p. 32 2.3.1 As Sociedades de Propósito Específico (SPE), p. 33 2.3.2 As Companhias Securitizadoras, p. 35 2.3.3 Os Fundos de Recebíveis, p. 36 2.3.4 As Características da Securitização de Recebíveis, p. 36 3 A ESTRUTURAÇÃO DE UM FIDC, p. 38 3.1 OS AGENTES DA ESTRUTURAÇÃO DE UM FIDC, p. 40 3.1.1 Originadores e Estruturadores, p. 42 3.1.2 Administradores e Gestores, p. 42 3.1.3 Custodiantes, p. 43 3.1.4 Agências Classificadoras de Risco, p. 43 3.1.5 Auditoria Independente, p. 44 3.1.6 Instituição Distribuidora, p. 44 3.1.7 Escritórios de Advocacia, p. 45 3.1.8 Custos da Operação, p.45 3.2 OS DIFERENTES TIPOS DE FIDC, p. 46 3.2.1 FIDC Abertos ou Fechados, p. 46 3.2.2 FIDC Padronizados e FIDC Não Padronizados, p. 47 3.2.3 FIDC Performados ou Não Performados, p. 48 3.3 OS DIFERENTES TIPOS DE COTAS, p. 48 3.3.1 Cotas Seniores com Diferentes Classes, p. 49 3.3.2 Cotas Subordinadas com Diferentes Níveis de Subordinação, p. 49 3.4 OS DIFERENTES TIPOS DE ATIVO-LASTRO DE FIDC, p. 50 3.5 OS DIFERENTES RISCOS DE UM FIDC, p. 51 3.6 AS DIFERENTES FINALIDADES DE UM FIDC, p. 453 4 ANÁLISE DA NORMATIZAÇÃO PERTINENTE AOS FIDC, p. 56 4.1 AUSÊNCIA DE LEGISLAÇÃO ORDINÁRIA, p. 49 4.2 A RESOLUÇÃO CMN Nº 2.907/01, p. 60 4.3 A INSTRUÇÃO CVM Nº 356/01, p. 60 4.4 INSTRUÇÃO CVM Nº 444 (FIDC NP), p. 63 4.5 O USO SUBSIDIÁRIO DA INSTRUÇÃO CVM 400 NAS OFERTAS PÚBLICAS DE DISTRIBUIÇÃO DE COTAS DE FIDC, p. 564 4.5.1 Sobre os Documentos de Divulgação da Oferta: Prospecto, Anúncio de Início de Distribuição, Anúncio de Encerramento de Distribuição e Outros, p. 66 4.5.1.1 Prospecto da Oferta, p. 68 4.5.1.2 Anúncio de Início de Distribuição, p. 68 4.5.1.3 Anúncio de Encerramento de Distribuição, p. 70 4.5.2 Sobre a Possibilidade de Dispensa de Requisitos nos Registros de Funcionamento e de Ofertas Públicas de Distribuição de Cotas de FIDC, p. 70 4.5.3 Sobre a dispensa de Registro de Oferta Pública de Distribuição, p. 72 4.6 O USO SUBSIDIÁRIO DA INSTRUÇÃO CVM Nº 476/09, p. 73 4.7 COTAS DE FIDC COMO VALORES MOBILIÁRIOS, p. 74 5 O MERCADO DE FIDC, p. 76 5.1 DADOS ESTATÍSTICO DO MERCADO DE FIDC, p. 76 5.1.1 Evolução da quantidade de ofertas públicas de distribuição de cotas de FIDC registradas na CVM, entre os anos 2002 e 2009, p. 76 5.1.2 Evolução da quantidade de ofertas públicas de distribuição de cotas de FIDC dispensadas de registro na CVM, entre os anos 2002 e 2009, p. 77 5.1.3 Evolução dos montantes correspondentes às ofertas públicas de distribuição de cotas de FIDC, em moeda corrente nacional entre os anos 2002 e 2009, p. 77 5.1.4 Composição das emissões de cotas de FIDC, por ativo-lastro em porcentagem (comparativo entre 2008 e 2009), p. 78 5.1.5 Participação por classe de investidor de cotas de FIDC em 2009, p. 80 5.1.6 Comentários sobre os dados estatísticos, p. 80 5.2 O FIDC NP DO SISTEMA PETROBRAS, p. 82 5.3 O FIDC FORNECEDORES PETROBRAS – INDUSTRIAL E SERVIÇOS, p. 85 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS, p. 88 6.1 CONCLUSÕES, p. 88 6.2 SUGESTÕES PARA PESQUISAS FUTURAS, p. 93 7 REFERÊNCIAS, p. 94 LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E SÍMBOLO ANDIMA Associação Nacional das Instituições do Mercado Aberto ANBID Associação Nacional dos Bancos de Investimento ANBIMA Associação Brasileira dos Mercados Financeiro e de Capitais BM&F Bolsa de Mercadorias e Futuros BNDES Banco nacional do Desenvolvimento Econômico e Social Bovespa Bolsa de Valores do Estado de São Paulo CBLC Câmara Brasileira de Liquidação e Custódia CDB Certificado de Depósito Bancário CDI Certificado de Depósito Interbancário CMN Conselho Monetário Nacional CPC Comitê de Pronunciamentos Contábeis CVM Comissão de Valores Mobiliários CRI Certificado de Recebíveis Imobiliários FIC-FIDC Fundo de Investimento em Cotas de FIDC FIDC Fundo de Investimento em Direitos Creditórios FIDC NP Fundo de Investimento em Direitos Creditórios Não Padronizado Instrução CVM Instrução normativa emitida pela CVM LSA Lei das Sociedades por Ações (Lei 6.404/76) SA Sociedade por Ações SELIC Sistema Especial de Liquidação e Custódia RESUMO Este trabalho tem o objetivo de apresentar as operações de securitização de recebíveis via FIDC como uma alternativa viável para captação de recursos no mercado de capitais brasileiro, por parte dos diferentes agentes econômicos que dele participam. Para tanto, apresenta um panorama sobre esse tipo de operação, desde a sua origem e evolução nos EUA e no Brasil. O trabalho prossegue apresentando a estrutura de um FIDC, e discorrendo sobre os diferentes agentes econômicos, participantes dessa estrutura, além de analisar a legislação/normatização brasileira para os FIDC, com menção ao esforço realizado pelo órgão regulador brasileiro (a CVM) na evolução do estado da arte desse tipo de fundo. Por fim, apresenta os números (dados estatísticos) desse mercado, juntamente com dois estudos de casos em que empresas, tanto de pequeno e médio porte, quanto de grande porte, como a Petrobras S.A., beneficiam-se da utilização dos FIDC. Palavras Chave: Securitização. Fundos de recebíveis. Direitos creditórios. FIDC. Mercado de capitais. ABSTRACT This study presents securitization in Brazil through FIDC (Fundos de Investimento em Direitos Creditórios, or Securitization Investment Funds) as a proper means for fund raising in brazilian capital markets, accessible by different economic agents. The study initially shows an overview of securitization, its beginning and developments in the US and in Brazil. Then it lays down the basic structure of the FIDC, presents its participants and analyses related laws and regulations, including the role of the brazilian regulator (CVM Comissão de Valores Mobiliários, the Brazilian Securities and Exchange Commission) for the development of such regulations. Finally, the study displays statistic data related to FIDC market, and present two case studies, in which small, medium and big companies, including Petrobras, benefit from the use of FIDC. Key Words: Securitization. Reciveble funds. Credits. Capital market. 1 INTRODUÇÃO Considerando a necessidade de otimização na alocação de recursos para o desenvolvimento de um País, e tendo em vista, ainda, as estruturas política e econômica adotadas no Brasil, o mercado de capitais, desenvolvido para ser uma alternativa na aproximação entre poupadores e tomadores de recursos, tem se mostrado cumpridor de seu propósito, ao longo de seu desenvolvimento. Precisamente, o sucesso do mercado de capitais se dá na medida em que os mais diversos setores da sociedade encontram nele o ambiente propício à satisfação de suas necessidades. Para Carlos Alberto Reis, presidente da CNB: O aumento da competitividade global acelerou a importância do mercado de capitais para a economia em geral e, assim, para os agentes que nele atuam: as empresas, por necessitarem cada vez mais de recursos não-exigíveis para viabilizar investimentos em escala e qualidade para competir com êxito; e os indivíduos, por terem presenciado a falência dos mecanismos públicos de previdência social e precisarem formar poupança de longo prazo num mundo de juros declinantes. Já as instituições financeiras, nesse contexto, necessitam se manter no estado da arte na análise e gerenciamento das carteiras de seus clientes, sob o risco de perdê-los e estas serem absorvidas por outras mais eficientes. (CAVALCANTE; MISUMI; RUDGE, 2005) Falando de sua pujança, Raymundo Magliano Filho, presidente da Bovespa, argumenta que “o mercado de capitais brasileiro vive o que chamamos de „Revolução Silenciosa‟” (ROCCA, 2008). 13 Para tanto, apresenta os seguintes argumentos, em palestra proferida em 5/7/2007: Há quase três anos, o mercado de capitais é o principal financiador das empresas brasileiras, ultrapassando o BNDES. Em 2006, o mercado de capitais financiou cerca de R$ 120 bilhões, contra desembolsos de R$ 52,3 bilhões do BNDES. No primeiro semestre de 2007 (até julho), as captações primárias do mercado de capitais somaram R$ 77,8 bilhões – mais que o dobro dos R$ 31,2 bilhões desembolsados pelo BNDES. (ROCCA, 2008) Na mesma palestra, o então diretor da CVM, Durval José Soledade dos Santos, referindo-se ao sucesso do mercado de capitais brasileiro, argumentou: Para isso, com certeza, contribuiu a iniciativa conjunta da Bovespa, da BM&F, da CBLC, da ANDIMA, em conjunto com o Tesouro Nacional, do banco Central e da CVM, cujo objetivo é atuar junto à comunidade de investidores estrangeiros para divulgar a qualidade de nossos reguladores e nossos sistemas operacionais, a credibilidade de nossos reguladores e nossa capacidade de atender os mais elevados padrões de demanda da continuidade. (ROCCA, 2008) A diversificação dos instrumentos de captação oferecida pelo mercado de capitais contribui em larga escala com o seu sucesso. Tal diversidade, por sua vez, é fruto do espírito criativo e inovador observado num mercado de capitais em constante evolução, a fim de atender às diferentes necessidades dos seus agentes, em cada época da economia. Na esteira dessa evolução, surgiram as operações estruturadas de securitização de recebíveis, oferecendo aos agentes econômicos uma importante fonte alternativa à captação de recursos. Sobre esse tema, Caminha (2007) argumenta: Os agentes econômicos estão sempre inovando na criação de instrumentos voltados ao tráfego negocial, de modo a possibilitar a dinâmica dos mercados, especialmente o financeiro e o de capitais. Com efeito, a autonomia privada permite que, dentro de determinados parâmetros, sejam criadas novas operações derivadas de negócios jurídicos já consolidados e, assim, o direito se renove e cumpra a sua função social. A securitização, operação que iniciou seu desenvolvimento no Brasil na década de 1980, foi exatamente fruto da força inovadora dos agentes econômicos, na busca de instrumentos eficientes de capitação de recursos. 14 Chaves contribui, dizendo: Ao analisar o universo de possibilidades facultadas ao empresário pelo mercado de capitais, constata-se que o homem desafiou a própria criatividade, alçando vôo para além de todas as fronteiras. Não há mais limites para a imaginação. É nesse contexto que se insere a securitização de créditos, operação de desintermediação financeira que proporciona a antecipação do recebimento de recursos a quem desejar, mediante a cessão de créditos a uma entidade adquirente, que emitirá títulos ou valores mobiliários, vinculando o pagamento destes ao recebimento dos créditos cedidos. (CHAVES, 2006, pp. 1 e 2) Considerando ainda o “universo de possibilidades facultadas ao empresário pelo mercado de capitais”, conforme acima referido, bem como a necessidade de os empresários estarem atentos à evolução dos instrumentos oferecidos para captação de seus recursos, a disseminação do tema tratado no presente trabalho contribuirá para o aperfeiçoamento da administração de seus negócios. Nas palavras de Chaves: Percebe-se, pois, que, em virtude da aceleração dos acontecimentos, suscitada pelo que se convencionou chamar de globalização, os empresários deverão estar sempre atentos às novidades, dispostos a agir com rapidez, tomando decisão que atendam melhor à preservação e ao desenvolvimento da empresa. Nesse contexto, não podem ignorar a securitização de créditos, enquanto fonte alternativa à captação de recursos. (CHAVES, 2006, p. 13) Nesse sentido, ao analisarmos o mercado de FIDC, veremos que este instrumento oferece benefícios a grandes companhias, como, por exemplo, as que compõem o sistema Petrobras, que registrou na CVM, em novembro de 20071, o funcionamento do “FIDC-NP do Sistema Petrobras”, cujo objetivo é a securitização de recebíveis exclusivamente detidos por empresas de seu grupo, conforme veremos adiante2, bem como a pequenas e médias empresas, oferecendo-lhes a possibilidade de acesso ao mercado de capitais para captação de seus recursos. 1 2 Disponível em <http://www.cvm.gov.br>. Acesso em 05/12/2008. O “FIDC-NP do Sistema Petrobras” é famoso por ser o maior FIDC em patrimônio líquido do mercado brasileiro. Os direitos creditórios que lastreiam as cotas desse fundo são cedidos unicamente pelas empresas do grupo Petrobras. Além disso, tais empresas são as únicas cotistas desse fundo. O fundo é uma inovação interessante, pois se constitui em maneira de transferência de recursos entre empresas do mesmo grupo econômico, o que não é permitido por outra via. O capítulo 5 do presente trabalho analisa o caso do FIDC-NP do Sistema Petrobras com maiores detalhes. 15 Marcelo Trindade (2005), ex-presidente da CVM, descreve os benefícios das operações de securitização, nos seguintes termos: A securitização oferece às empresas acesso direto aos investidores em um campo antes reservado, exclusivamente, às atividades bancária e de factoring. Além disso, as operações de securitização permitem que ativos financeiros „monetizáveis‟, mas ilíquidos e sem mercado secundário, sejam convertidos em valores mobiliários negociáveis. Por fim, as operações de securitização democratizam o acesso ao mercado de capitais, pois estão disponíveis também a companhias fechadas, e mesmo a sociedades limitadas, que podem não só se beneficiar das qualificações de risco de seus clientes, superiores à sua, como ter uma primeira experiência com o mercado e a disciplina de divulgação de informações. 3 Já o analista Roberto Watanabe faz a seguinte abordagem, especificamente quanto às operações de securitização via FIDC, em relatório divulgado pela empresa Moody‟s Investors Service: As operações de securitização no Brasil têm se beneficiado largamente da introdução dos Fundos de Investimento em Direitos Creditórios ("FIDCs"), popularmente de chamados de „fundos de recebíveis‟. (...) A introdução dos FIDCs, por sua vez, proporcionou com que um grande número de companhias de pequeno e médio porte, pela primeira vez, pudessem acessar o mercado de capitais de forma viável, efetivamente proporcionando uma alternativa ao financiamento bancário, o qual, devido às altas taxas de juros praticadas, ficou proibitivamente caro para este universo de companhias. Os FIDCs também têm se mostrado como uma alternativa para bancos e financeiras de diversificar as suas fontes de captações (os quais tradicionalmente são depósitos e instrumentos de captação como CDBs e CDIs); através dos FIDCs, tais bancos e financeiras podem optimizar o uso do seu balanço, proporcionando uma utilização de seu capital de forma mais efetiva.4 Ainda sobre esse tema, vale mencionar a existência de dois fundos destinados à captalização de pequenas e médias empresas, fornecedoras de produtos e serviços para a Petrobras S.A., denominados: “FIDC Fornecedores Petrobras” e “FIDC Fornecedores Petrobras BR1 – Industrial e Serviços”, os quais obtiveram registros de funcionamento e distribuição de cotas na CVM em 30/03/2006 e 13/12/2006, respectivamente5. 3 Produtos de captação: FIDC: Fundo de Investimento em Direitos Creditórios / Associação Nacional das Instituições do Mercado Financeiro, Câmara de Custódia e Liquidação. – Rio de Janeiro: ANDIMA, CETIP, 2006. 84 p.; (Estudos Ejueciais); 2006. Segundo prefácio. 4 <http://www.moodys.com.br/brasil/pdf/Special_Comment_Brazil_Securitization_2005_Portuguese.pdf>. Acesso em 3/10/2008. 5 Disponível em <http://www.cvm.gov.br>. Acesso em 05/12/2008. 16 Ressalta-se que, diferente do “FIDC-NP do Sistema Petrobras”, já mencionado, os “FIDC Fornecedores Petrobras” e “FIDC Fornecedores Petrobras BR1 – Industrial e Serviços” constituem-se na securitização dos recebíveis devidos pela Petrobras S.A. a seus fornecedores, basicamente pequenas e médias empresas. Quando da expectativa de emissão de cotas dos FIDC cujos cedentes são os fornecedores de produtos e serviços da Petrobras S.A., a revista Capital Aberto publicou artigo, assinado por Simone Azevedo (2004), em que os benefícios de tais operações foram tratados. Além de ressaltar os benefícios estendidos às pequenas e médias empresas, tal artigo menciona ainda os benefícios previstos para a própria Petrobras S.A., grande conglomerado brasileiro, nas palavras de um de seus executivos da área financeira. Assim Simone Azevedo descreve: Investidores interessados em cotas dos chamados Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs), lançamento que invadiu a prateleira de produtos financeiros no ano passado, terão acesso nos próximos meses a uma nova modalidade da categoria. São os FIDCs dedicados a investir em recebíveis de pequenas e médias empresas nacionais que comercializam produtos ou serviços para importantes conglomerados. Ao oferecer baixo risco de inadimplência, o cliente viabiliza o acesso de seus fornecedores a recursos do mercado de capitais e lhes proporciona uma via mais econômica para o financiamento de capital de giro. A expectativa é que os primeiros produtos sejam lançados para aplicações em recebíveis de fornecedores da Petrobras. A companhia foi a primeira a aderir à proposta, inserida como forma de incentivo ao crédito de seus fornecedores no Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás (Prominp), do Ministério de Minas e Energia. (...) Segundo Pedro Augusto Bonesio, gerente executivo de financiamento de projetos da Petrobras, a companhia acredita que, com o apoio ao programa, fortalecerá os fornecedores nacionais, muitas vezes pouco competitivos frente aos estrangeiros por não ter acesso às mesmas facilidades de captação de recursos. Estimulando a competição, e com uma rede de fornecedores mais capacitada financeiramente, a Petrobras espera contar também com preços melhores no médio prazo para os produtos e serviços de que necessita. “É uma tentativa de manter a base de fornecedores competitiva e atuante no mercado brasileiro”, afirma Bonesio.6 Por fim, outro participante do mercado, Raul Motta Jr (2007), então diretor da Focus Securitização argumenta: Talvez a mais importante vantagem da securitização seja a possibilidade de pequenas empresas terem acesso à captação de recursos financeiros a custos competitivos, o que não aconteceria no mercado comum com uma companhia sem histórico de mercado. Esta é uma característica feita sob medida para empresas de 6 Simone Azevedo, em artigo escrito na revista Capital Aberto, ano 1, número 11, de julho de 2004. pp. 22 a 25. 17 países emergentes, como o Brasil. Abre-se, assim, o mercado para a entrada de novos competidores em vários setores econômicos, que conseguem se capitalizar a custos palatáveis.7 Além do presente Capítulo, o trabalho apresenta mais 5 capítulos. O Capítulo 2 esclarece do que se trata a securitização de recebíveis, definindo esses termos, apresentando a história de sua origem nos EUA e no Brasil, bem como mencionando os diferentes instrumentos possíveis nesse tipo de operação. O Capítulo 3, por sua vez, segue com a apresentação da estruturacão de um FIDC especificamente, bem como dos diferentes agentes necessários para sua viabilização. O Capítulo 4 trata da normatização que regula as operações de securitização de recebíveis, via FIDC, com menção aos esforços da CVM para que esse instrumento ganhe força no mercado de capitais brasileiro. Já o Capítulo 5 apresenta diferentes dados estatísticos sobre o mercado de FIDC, que contribuem na análise da força desse mercado, além apresentar o exemplo de dois FIDC, utilizados para finalidades distintas: o FIDC NP do Sistema Petrobras, maior FIDC brasileiro em termos de patrimônio líquido, que visa a otimizar a transferência de liquidez (otimização de caixa) entre as empresas do grupo Petrobras; e o FIDC Fornecedores Petrobras – Industrial e Serviços, que visa ao financiamento das pequenas e médias empresas prestadoras de serviços ou fornecedoras de produtos à Petrobras. O trabalho é concluido com os comentários do Capítulo 6, que ainda sugere dois possíveis rumos para futuras pesquisas sobre o tema em tela. 1.1 OBJETIVO DO TRABALHO Firmado na convicção de que a discussão sobre o tema em tela contribuirá com o desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro é que o presente trabalho tem o objetivo de apresentar as operações de securitização de recebíveis via FIDC, como uma alternativa viável para captação de recursos no mercado de capitais brasileiro, por parte dos diferentes agentes econômicos que dele participam. 7 Artigo escrito por Raul Motta Jr., na revista Custo Brasil – Soluções para o Desenvolvimento, ano 2, número 12, dezembro 2007/janeiro 2008, pp. 46 a 49. 18 A presente pesquisa poderá auxiliar os agentes que compõem a economia brasileira, tanto aqueles que já fazem uso desses tipos de operações estruturadas, quanto outros que ainda não se utilizam das mesmas, disseminando maior conhecimento sobre o tema, e esclarecendo eventuais dúvidas sobre o mesmo. Adicionalmente, a análise poderá contribuir com o trabalho do legislador/regulador, uma vez que pretende apresentar a evolução desse tipo de estrutura, a qual se dá mais por iniciativa dos estruturadores do que por iniciativa dos legisladores ou reguladores. Sobre essa questão, cabe ressaltar que a CVM, a quem cabe disciplinar e fiscalizar esse mercado, nos termos dos arts. 1º e 2º da Lei 6.385/76, publica editais de audiência pública, a fim de que os agentes regulados por ela manifestem suas opiniões sobre as normas a serem emitidas ou alteradas, obedecendo ao que preceitua o inciso I do parágrafo 3º do art. 8º da Lei 6.385/76.8 1.2 JUSTIFICATIVA DA PESQUISA A pesquisa se justifica à medida que os empréstimos bancários, forma comum de captação de recursos para empresas no Brasil, elevam os spreads cobrados e, conseqüentemente os seus custos, forçando, assim, os tomadores de recursos a procurarem conhecer formas alternativas de captação. Considerando que os custos dos empréstimos bancários crescem em função das características de cada empresa tomadora, tendo em vista os riscos oferecidos por elas ou por seus setores de atuação, tais empréstimos podem se tornar inviáveis em alguns casos. Dessa forma, o apelo à poupança popular, através do mercado de capitais brasileiro, mostra-se uma opção bastante atraente, já que elimina a intermediação bancária no fluxo de capital entre os recursos disponíveis e seus tomadores, reduzindo assim os custos da captação das instituições, e os FIDC se apresentam como um instrumento interessante a ser analisado. 8 (1) Os referidos dispositivos da Lei 6.385 dispõem: Art. 1o - “Serão disciplinadas e fiscalizadas de acordo com esta Lei as seguintes atividades: I - a emissão e distribuição de valores mobiliários no mercado; II - a negociação e intermediação no mercado de valores mobiliários; (...) Art. 2o, § 3o - “Compete à Comissão de Valores Mobiliários expedir normas para a execução do disposto neste artigo (...)” Art. 8o. Parágrafo 3o. - “Em conformidade com o que dispuser seu regimento, a Comissão de Valores Mobiliários poder: I - publicar projeto de ato normativo para receber sugestões de interessados; (...)” 19 Além de eliminarem os custos referentes à intermediação bancária, a tomada de recursos via FIDC elimina também os custos referentes aos riscos que uma empresa tomadora representa para o mercado, uma vez que a performance dos ativos que lastreiam os FIDC não dependem do desempenho daquela empresa tomadora, mas daqueles contra quem essa empresas detém créditos a serem recebidos, em função do exercício de seu objeto social.9 9 Um exemplo disso se encontra nos créditos que pequenas empresas, fornecedoras de produtos ou serviços, detém contra grandes grupos. Nesses casos, ao cederem tais créditos como ativos-lastro do FIDC, a performance da carteira do FIDC dependerá da capacidade de pagamento dos grandes grupos, clientes das pequenas empresas, e não das pequenas empresas tomadoras de recursos em si. 2 SECURITIZAÇÃO DE RECEBÍVEIS 2.1 DEFINIÇÕES Chamam-se “securitização de recebíveis” as operações financeiras em que créditos detidos por pessoas físicas ou jurídicas transformam-se em base (lastro) para emissão de valores mobiliários negociáveis no mercado de capitais, tais como: cotas de Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC) ou Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI). Tais créditos são originados por agentes econômicos, como prestadores de serviços ou fornecedores de produtos, os quais são chamados de “originadores dos créditos”, ou simplesmente “originadores”. Ao ceder os seus créditos, mediante contratos de cessão, para algum veículo da securitização10, os seus antigos detentores, também chamados de “cedentes dos créditos”, ou simplesmente “cedentes”, beneficiam-se por conta da antecipação dos recebimentos a que tais créditos fazem jus, além de transferirem riscos, tais como inadimplência ou atraso no pagamento dos créditos, inerentes às suas carteiras de créditos para terceiros investidores que subscreverão os valores mobiliários oriundos das operações de securitização. Cabe observar que nem sempre os cedentes serão os próprios originadores dos créditos. É possível que, após terem originado os créditos, em função do exercício de suas atividades econômicas, os originadores já os tenham vendido para terceiros. Esses terceiros, então, serão os cedentes dos créditos para o FIDC, por exemplo. 10 Veículos da securitização são os instrumentos que tornam possíveis as operações de securitização de recebíveis. Na experiência brasileira, há três veículos de securitização de recebíveis: Sociedades de Propósito Específico (SPE) – em desuso –; Securitizadoras; e Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC). 21 A cessão dos créditos acontece mediante a aplicação de uma taxa de desconto, cujo valor dependerá das características dos mesmos, tais como seus valores de face, seus devedores e seus prazos de vencimento. Uma importante característica a ser observada no crédito cedido é se o mesmo representa um serviço já prestado ou um produto já entregue, casos em que os créditos são caracterizados como “performados”. De outra forma, caso o serviço ainda não tenha sido prestado ou o produto ainda não tenha sido entregue, os créditos são considerados “não performados” ou “a performar”. Como os créditos dizem respeito ao recebimento de valores, duas outras expressões são comumente utilizadas para se referirem aos créditos neste tipo de operação: “recebíveis” e “direitos creditórios”. Vale ressaltar, contudo, que a palavra “recebíveis”, por exemplo, é motivo de polêmica por parte de alguns acadêmicos, o que se verifica, por exemplo, nas seguintes palavras de Chalhub, ao se referir aos Créditos de Recebíveis Imobiliários (CRI)11: O vocábulo recebível é modismo que, a nosso ver, mostra-se absolutamente impróprio para designar o objeto do novo título de crédito, em primeiro lugar, porque já existe, há muito, no vernáculo e na terminologia jurídica, termo que exprime com precisão o objeto do aludido título, que é o termo crédito. Ora, crédito encerra com a mais absoluta precisão o sentido e o alcance do objeto ao qual se pretende emprestar o nome de recebível. Desse modo, nada justifica que se crie um neologismo para substituir o vocábulo crédito, até porque, enquanto crédito tem sentido estrito, delimitado e nítido, recebível, ao contrário, tem acepção elástica e difusa. A nosso ver, é absolutamente inaceitável nominar um título de crédito com neologismo, típico de moda, que, ao contrário do nomen juris já consagrado na terminologia jurídica e econômico-financeira, tem sentido elástico que poderia ensejar a designação das mais variadas situações, lançando incertezas sobre o investidor quanto à natureza do lastro do título. Efetivamente, o objeto do certificado é crédito, e não recebível, pois é crédito que o lastreia. Assim, o título deveria chamar-se certificado de crédito imobiliário. (CHALHUB, 2009) Já a expressão “securitização”, conforme usada para esse tipo de operação no Brasil, foi adaptada do termo inglês "securitization"; e este, por sua vez, é um neologismo derivado de "securities", palavra usada para denominar “valores mobiliários”, naquele idioma. Ranieri (1998) afirma ter sido o primeiro a fazer uso do termo. Em suas próprias palavras: 11 Crédito de Recebível Imobiliário, ou CRI, é um título de dívida emitido por uma companhia chamada de “securitizadora”, que tem seu lastro em créditos imobiliários, nos termos dos arts. 3º, 6º e 7º da Lei 9.514/97, melhor explicitados no item 2.3.2 a seguir. 22 O termo securitização tem uma origem interessante. Sua primeira aparição foi em 1977, numa coluna chamada Heard on the Street, do Wall Street Journal. Ann Monroe, a repórter responsável por escrever a coluna, telefonou-me para saber sobre a subscrição feita pelo Salomon Brother da primeira operação de securitização de créditos imobiliários feita pelo Bank of America. Ela me perguntou que nome eu daria àquela operação, e eu respondi: securitização. Os editores do Wall Street Journal prezam por um bom Inglês, e quando a repórter falou em securitização para o seu editor, ele disse não haver essa palavra naquele idioma. Ele acrescentou que a senhorita Monroe estava fazendo uso de um inglês impróprio, e que havia necessidade de encontrar um termo melhor do que securitização. Então, tarde da noite eu recebi outra ligação da repórter, perguntando pelo nome correto da operação. Eu disse a ela: „Mas eu não conheço nenhuma outra palavra que descreva o que nós estamos fazendo. Você terá que usar essa palavra‟. O Wall Street Journal publicou a coluna com a palavra securitização, sob protesto, esclarecendo tratar-se de um termo inventado por Wall Street, não sendo, assim, uma palavra de verdade. 12 Como se observa, a utilização do nome da operação de securitização de recebíveis não foi gerado e consolidado pelos bancos acadêmicos, mas pelo próprio mercado de capitais que se utiliza de tal objeto. Nessa linha, vale destacar o esclarecimento dado por Raul Motta Jr., então diretor da Focus Securitizadora, ao descrever o surgimento da securitização nos EUA: Tudo começou com a venda de empréstimos hipotecários reunidos na forma de pool e garantidos pelo governo americano. Nesta época, profissionais do mercado financeiro definiram securitização como „a prática de estruturar e vender investimentos negociáveis de forma que seja distribuído entre diversos investidores um risco que normalmente seria absorvido por um só credor‟. Em outras palavras, securitização era a prática de captar recursos no mercado de capitais por meio de emissões de valores mobiliários, substituindo os até então empréstimos bancários. Desta forma, no lugar de dívidas de empréstimos bancários, as empresas transformaram seus passivos em títulos (securities). Outras definições podem esclarecer melhor essa nova concepção de mercado: „É um processo de distribuição de risco através do vínculo de dívida junto a um grupo de ativos e a conseqüente emissão de títulos lastreados neste grupo‟ (Goodam Downes). „A substituição de intermediários financeiros menos eficientes e de alto custo por um mercado de capitais mais eficiente no financiamento de instrumentos de dívida‟ (John Reed).13 12 Livre tradução de: “The term securitization has an interesting origin. It first appeared in a „Heard on the Street‟ collumn of the Wall Street Journal in 1977. Ann Monroe, the reporter responsible for writing the column, called me to discuss the underwriting by Salomon Brothers of the first conventional mortgage passthrough security, the landmark Bank of America issue. She asked what I called the process and, for want of a better term, I said securitization. Wall Street Journal editors are sticklers for good English, and when the reporter's column reached her editor, he said there was no such word as securitization. He complained that Ms. Monroe was using improper English and needed to find a better term. Late on night, I received another call from Ann Moroe asking for a real word. I said, „But I don't know any other word to describe what we are doing. You'll have to use it.‟ The Wall Street Journal did so in protest, noting that securitization was a term concocted by Wall Street and was not a real word.” (RANIERI, Lewis “The Origins of Securitization” in Leon Kendall and Michael Fishman (Editors.) A Primer on Securitization. Cambridge: MIT Press, 2000). 13 Artigo escrito por Raul Motta Jr., na revista Custo Brasil – Soluções para o Desenvolvimento, ano 2, número 12, dezembro 2007/janeiro 2008, pp. 46 a 49. 23 Para a Uqbar, “uma empresa de conhecimento especializada em finanças avançadas”, cuja “missão é transmitir e gerar conhecimento para o mercado financeiro nacional”, conforme a empresa se apresenta, contribui com a definição de securitização nos seguintes termos: A Uqbar entende securitização como uma tecnologia financeira usada para converter uma carteira relativamente homogênea de ativos em títulos mobiliários passíveis de negociação. É uma forma de transformar ativos relativamente ilíquidos em títulos mobiliários líquidos e de transferir os riscos associados a eles para os investidores que os compram. Os títulos de securitização são, portanto, caracterizados por um compromisso de pagamento futuro, de principal e juros, a partir de um fluxo de caixa proveniente da carteira de ativos selecionados.14 Da mesma forma que o uso da expressão “recebíveis” desperta polêmica, a utilização do termo “securitização” também não é pacífica entre os países de língua portuguesa. Para Chalhub: (...) securitização (...) designa as operações pelas quais se vinculam valores mobiliários a determinados direitos creditórios; securitizar uma obrigação (um crédito) é torná-la representável por um título ou valor mobiliário livremente negociável em mercado; securitização é um processo de distribuição de risco mediante emissão de um novo título lastreado por esse conjunto. (CHALHUB, 2009, p. 369) Já em Portugal, por exemplo, a expressão equivalente a “securitização” de uso mais comum é “titularização”, que comunica idéia idêntica, a de converter uma carteira de ativos, que podem ser tanto variáveis quanto sem liquidez, em títulos mobiliários, os quais assumem homogeneidade e liquidez entre participantes do mercado. Falando disso, Caminha argumenta: Ao contrário do que ocorre no Brasil, o termo “titularização”, oriundo da denominação francesa “titrisation”, foi o preferido pela maioria dos autores portugueses. Nesse sentido, Armindo Matias declara que o neologismo securitização é desenraizado e sem qualquer sugestão significativa. O recurso à denominação francesa que conduz ao vocábulo titularização é o que, segundo o citado autor, mais se ajusta à realidade portuguesa, pois a operação pode ser vista como uma verdadeira titularização de crédito. (CAMINHA, 2007, p. 36) 14 Disponível em <http://www.uqbar.com.br/institucional/emque/securitizacao.jsp>. Acesso em 05/11/2008. 24 Chalhub, por sua vez, vai além, citando o “Dicionary of Finance and Investment Terms, by John Downes and Jordan Elliot Goodman, Barron‟s Educational Series”, o qual descreve securitização nos seguintes termos: Do latim securus, o vocábulo foi absorvido pela língua inglesa, na qual, além da própria significação de garantia, incorporou a acepção mais ampla de valor mobiliário. Contemporaneamente, o termo securitização é o processo que designa firmarem-se nos mercados financeiro e de capitais, a partir da prática do mercado financeiro e de investimento dos Estados Unidos, e vêm sendo assimilados de maneira generalizada em todo o mundo, chamando-se „titularización‟, na versão espanhola; „bursatilización‟, no México; „titrisation‟, na França; „titularización‟, no Chile e na Argentina; etc. A Lei nº 9.514/97, seguindo essa tendência, adotou o neologismo securitização. (CHALHUB, 2009, p. 370) De fato, a Lei 9.514, primeiro diploma na legal brasileira a tratar do tema da securitização, mais especificamente à securitização de créditos imobiliários para as emissões de CRI, define esse tipo de operação, nos seguintes termos de seu art. 8º: Art. 8º A securitização de créditos imobiliários é a operação pela qual tais créditos são expressamente vinculados à emissão de uma série de títulos de crédito, mediante Termo de Securitização de Créditos, lavrado por uma companhia securitizadora (...).15 Não obstante as polêmicas em torno das expressões “securitização” e “recebíveis”, ambas serão normalmente usadas no presente trabalho sobre FIDC, visto serem de senso comum no mercado de capitais brasileiro, bem como utilizadas pela legislação brasileira e pelas normas editadas pelos órgãos reguladores do mercado de capitais, conforme veremos adiante no Capítulo 4. 2.2 HISTÓRIA DA SECURITIZAÇÃO 2.2.1 A Origem nos EUA Chaves (2006, p. 3) diz que o surgimento das operações de securitização de recebíveis “foi uma resposta à crise financeira desencadeada pela quebra da Bolsa de Nova Iorque, em 1929”. 15 Disponível em <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 25/11/2009. 25 Ela justifica tal afirmação, mencionando a criação da Comissão de Valores Mobiliários norte-americana, conhecida como Security Exchange Comission (SEC), em 1933, “com o intuito de coibir práticas fraudulentas no mercado de valores mobiliários e de garantir aos investidores o acesso às informações significativas quanto à venda desses títulos”, e prossegue dizendo: (...) o que mais interessava no Governo Roosvelt era a instituição, em 1934, da Federal Housing Administration (FHA), entidade governamental cujo objetivo primordial era, e ainda é, possibilitar que um maior número de pessoas tenha acesso ao financiamento com garantia hipotecária para a aquisição da casa própria, reduzindo os seus custos mediante a prestação de um seguro contra inadimplência. (...) O seu sucesso acabou impulsionando a constituição de associações e sociedades voltadas para o financiamento habitacional, com participação ativa nas operações de securitização de créditos. Dentre essas associações, a primeira a ser instituída foi a Federal National Mortgage Association (FNMA), conhecida como Fannie Mae, em 1938, cujo objetivo inicial era incrementar o mercado secundário de hipotecas residenciais mediante a aquisição de créditos decorrentes de empréstimos hipotecários concedidos pelos mutuantes, garantidos pela FHA. (...) Em 1981, (a Fannie Mae) inaugurou a emissão de valores mobiliários com pagamento vinculado aos créditos hipotecários adquiridos perante os mutuantes. (CHAVES, 2006, pp. 21 e 22) Ainda para Chaves (2006, p. 24), o ano de 1970 foi “significativo na história da securitização dos Estados Unidos”. Segundo ela, em fevereiro de 1970, “a Advantace Corporation Mortgage realizou a primeira emissão de valores mobiliários vinculada a créditos hipotecários e garantidos pela Ginnie Mae16, seguradora da operação”. (CHAVES, 2006, pp. 24 e 25) Cançado e Gracia (2007, p. 13) também colocam o marco inicial das operações de securitização em 1970, nos EUA, quando agências governamentais ligadas ao crédito hipotecário promoveram o desenvolvimento do mercado de títulos lastreados em hipotecas. Segundo os referidos autores, o contexto histórico favoreceu o desenvolvimento desse tipo de operação, com o uso cada vez mais crescente de emissões de valores mobiliários, e o conseqüente decréscimo no uso do sistema bancário como fonte de financiamento na forma de dívida. 16 É Chaves (2006) quem também esclarece que Ginnie Mae é o nome popular dado à Government National Moetgage Association (GNMA), instituição criada quando da cisão da Fannie Mae, pelo Governo norteamericano, em 1968, a qual passou a ser totalmente privada. 26 Suas palavras muito contribuem para a compreensão do contexto que estamos analisando: Na década de 1970, houve enorme transferência de riqueza dos países consumidores de petróleo para os países da Organização de Países Exportadores de Petróleo (OPEP). Parte considerável dessa riqueza foi depositada no sistema bancário norteamericano e europeu. Num processo conhecido como „reciclagem‟, os bancos procuraram tomadores para esse influxo massivo de recursos. Foi nessa época que o endividamento bancário dos países em desenvolvimento como o Brasil cresceu de forma significativa. Embora os principais bancos globais tivessem recebido o consentimento de suas autoridades monetárias para aumentar sua exposição ao risco soberano de países em desenvolvimento, as conseqüências não foram totalmente previstas. Vários desses países em desenvolvimento encontravam-se em dificuldades financeiras, precisando reescalonar suas dívidas repetidamente ao longo de um período prolongado. Foram inúmeras as conseqüências desse processo para os bancos credores, entre as quais merecem destaque: a) a qualidade de suas carteiras de crédito deteriorou-se afetando negativamente suas classificações de risco. Para compensar esse risco, os credores dos bancos demandaram uma remuneração maior; ou seja, aumentou o custo de levantamento de fundos; b) os bancos diminuíram fortemente suas atividades nos países em desenvolvimento e se voltaram para clientes corporativos tradicionais nos seus mercados domésticos. A competição por esses clientes tradicionais, que já era grande, aumentou, forçando para baixo as taxas cobradas. Os bancos ficaram pressionados: de um lado, pelo custo elevado de levantamento de fundos e, do outro lado, pela baixa remuneração dos seus empréstimos; c) preocupados com a saúde do sistema financeiro, os órgãos reguladores das principais economias do mundo iniciaram um processo para exigir das instituições financeiras um maior nível de capitalização. Esse processo, que continua sendo refinado até hoje, é conhecido como o Acordo de Basiléia e define níveis de capitalização de acordo com o risco da carteira de crédito de cada instituição financeira. Em geral, são duas as maneiras de os bancos se enquadrarem: aumentar seu capital ou reduzir o risco de sua carteira de crédito. (CANÇADO; GRACIA, 2007) Os bancos, enfraquecidos financeiramente, precisavam estruturar seu capital nessa nova realidade econômica, em que as concessões de crédito se mostravam cada vez mais caras e escassas. Para tanto, o mercado de capitais se mostrou o ambiente favorável para o aporte dos recursos de que necessitavam, mediante as emissões de títulos de dívidas (como: debêntures ou notas promissórias). Ao realizarem tais emissões de títulos de dívidas, os bancos davam origem às operações consideradas como securitização de seus passivos. 27 Assim Cançado e Gracia (2007, pp. 15 e 16) apresentam esse contexto: Resumindo, na década de 1980, os bancos encontravam-se em uma situação financeira enfraquecida. Os spreads eram apertados e não remuneravam adequadamente seu capital. Ao mesmo tempo os órgãos reguladores exigiam maiores níveis de capitalização. Nesse cenário, os bancos só podiam emprestar para seus tradicionais clientes corporativos a preços elevados. Com o crédito bancário mais escasso e mais caro, a alternativa para os tomadores de recursos foi emitir valores mobiliários no mercado de capitais. De fato, os bancos eram os mais interessados em promover essa alternativa. Eles enxergavam vários benefícios, em especial de repor parte das receitas perdidas com a queda da atividade de empréstimos. Foi nesse contexto que surgiu o mercado de notas promissórias (commercial papers em inglês), dominado pelos bancos comerciais. Securitização foi o termo utilizado para descrever o processo pelo qual empresas que normalmente tomavam empréstimos do sistema bancário passaram a levantar recursos no mercado de capitais por meio de emissões de valores mobiliários. Essas empresas „securitizaram‟ suas dívidas, ou seja, seus passivos passaram a consistir de títulos emitidos no mercado e não mais de empréstimos bancários. Esse primeiro passo iniciou o processo de constante evolução da tecnologia de securitização. (...) O passo seguinte para os bancos foi desenvolver mecanismos para vender parte de suas carteiras de crédito, um processo conhecido como “transferência de risco de crédito”. A tecnologia de securitização, como hoje é conhecida, foi o resultado desse processo. Ela ocorre quando uma instituição de crédito (originador) transfere ativos de seu balanço para terceiros (entidade emissora), os quais financiam a compra destes ativos através da emissão de instrumentos financeiros negociáveis lastreados nestes ativos. Essa transferência, caracterizada pela venda dos ativos, „e realizada sem direito de regresso do crédito ao originador. Pelo que vimos acima, os primeiros valores mobiliários oriundos de operações de securitização não tiveram lastro em créditos constituídos, detidos por agentes econômicos, como será o modelo analisado no presente trabalho. Aquelas operações eram chamadas de securitização porque se constituíam em emissões de valores mobiliários, por meio dos quais seus emissores faziam aportes de capital mediante endividamento próprio junto ao mercado. Em outras palavras: os emissores aumentavam seus passivos, por conta dessas emissões. Dessa forma, por assemelharem-se a empréstimos adquiridos junto a investidores participantes do mercado de capitais, mediante a emissão de valores mobiliários, em que o emissor aumentava suas dívidas, comprometendo seu passivo, tais operações não podiam ser chamadas de securitização de recebíveis. A evolução do modelo primário de securitização com fins de captar recurso para a securitização de recebíveis, tal como analisada neste trabalho, teve como principal motivadora “a transferência dos riscos dos ativos”, nas palavras de Raul Motta Jr. Sobre esse ponto, o autor acrescenta: 28 Como os riscos de investimentos podem ser reduzidos? Se securitização de recebíveis é a transformação de um título cujo valor será recebido num momento futuro em títulos negociáveis para vendê-los a investidores, isso significa que o risco é transferido das empresas. Por outro lado, esses investidores se deparam com a possibilidade de grande rentabilidade com o sucesso dos projetos. Em outras palavras, uma variedade de ativos financeiros e não-financeiros são „empacotados‟ na forma de títulos financeiros negociáveis e então vendidos a investidores. Os fluxos de caixa gerados pelos ativos são usados para pagar o principal e os encargos das securities, além das despesas da operação. As securities são lastreadas por ativos e recebem a denominação de ABS (Asset Backed Securities) ou Securities Lastreadas por Ativos.17 Logo, a securitização de recebíveis foi o passo dado pelas empresas que verificaram ser mais interessante para suas estruturas financeiras a antecipação dos créditos que detinham (securitização de seus ativos) e a transferência dos riscos inerentes a tais ativos, consubstanciados em seus recebíveis. 2.2.2 As Primeiras Operações de Securitização no Brasil Diferentemente do que aconteceu nos EUA, a securitização de recebíveis no Brasil não surgiu por iniciativa do Governo, com a finalidade de alavancagem do crédito imobiliário, visando a estabilidade do seu sistema financeiro habitacional. Por aqui, as primeiras operações de securitização foram realizadas pela iniciativa privada, que se utilizou desse instrumento para captação de recurso, primeiramente no exterior, e posteriormente no mercado brasileiro. Cançado e Gracia (2007, p. 18) argumentam que, no Brasil, as primeiras operações de securitização foram estruturadas de modo que os direitos de crédito, constantes do ativo de um emissor de notas ou títulos, fossem oferecidos como garantia do pagamento das dívidas contraídas pelos referidos títulos emitidos. Nesses casos, os recebíveis eram mantidos no ativo do originador do crédito que, por sua vez, era o próprio emissor do título. O endividamento, conseqüente da emissão, somavase ao seu passivo. O direito de crédito entrava na estrutura da operação apenas como garantia do pagamento da dívida representada pelos títulos emitidos. Como se observa, tal estrutura se assemelha àquela já mencionada neste trabalho, quando, na década de 1980, tanto os bancos norte-americanos, quanto as empresas de outros 17 Artigo escrito por Raul Motta Jr., na revista Custo Brasil – Soluções para o Desenvolvimento, ano 2, número 12, dezembro 2007/janeiro 2008, pp. 46 a 49. 29 ramos naquele país emitiam valores mobiliários no mercado de capitais para captação de seus recursos, substituindo assim o empréstimo bancário pela securitização de seus passivos. Portanto, Cançado e Gracia (2007) consideram que as primeiras operações de securitização no Brasil não eram consideradas como verdadeira securitização de recebíveis, à medida que tais recebíveis eram apenas uma garantia na emissão dos títulos das empresas, e as operações não segregavam, efetivamente, os riscos do originador que, no caso, era o próprio emissor dos títulos de dívida. Por outro lado, os mesmo autores entendem que tais operações já podem ser vistas, em algum nível, como securitização de recebíveis, uma vez que, comentando tais estruturas, referem-se a elas, chamando-as de “securitização parcial de recebíveis”. (CANÇADO; GRACIA, 2007, p. 18) De fato, as primeiras operações de securitização de recebíveis (aquelas que não estão sujeitas ao risco do emissor, uma vez que o lastro de tais operações são créditos devidos por terceiros), realizadas por empresas brasileiras, se deram no começo da década de 1990. Diferentemente do que ocorreu em outros países, tais operações tiveram como principal objetivo a busca de financiamento externo de longo prazo em um período em que o governo brasileiro renegociava a sua dívida externa com os bancos credores. Uma importante observação a ser feita é que essas primeiras operações de securitização, realizadas por empresas brasileiras, tiveram como público-alvo o mercado internacional. O ativo-lastro dessas operações era o fluxo de caixa futuro de créditos que tais empresas brasileiras possuíam contra clientes internacionais. Essa característica dos direitos creditórios que lastreavam as operações possibilitou aos investidores internacionais concluírem que o risco de inadimplência estava mitigado, uma vez que não dependia da capacidade de pagamento das empresas brasileiras. Cançado e Gracia apresentam as primeiras empresas a estruturarem a securitização de seus recebíveis, nos seguintes termos: A primeira operação foi realizada pela Embratel, que „securitizou‟ o fluxo de caixa futuro de créditos que ela teria com a empresa americana AT&T. Como a origem destes créditos dava-se fora do país, investidores internacionais consideravam que o risco de inadimplência desta operação estava mitigado pelo fato de que os recursos não ingressavam no país antes do pagamento da operação de securitização. A mesma lógica foi seguida pela segunda operação realizada, desta vez pela companhia Varig, que „securitizou‟ seus créditos futuros provenientes das vendas de passagens aéreas feitas no exterior e pagas com cartões de crédito. (...) O mercado doméstico de securitização no Brasil tem um histórico modesto. A primeira operação foi realizada em 1994 pela empresa Mesbla Trust, que emitiu debêntures lastreadas em créditos originados pela Mesbla S.A. (rede de loja de 30 departamentos). Além do pioneirismo, essa operação é também importante pelo ocorrido após a emissão dos títulos: a falência da originadora dos créditos. Apesar da desagradável surpresa, o resultado final foi bastante positivo. A segregação dos ativos da entidade emissora em relação aos da originadora foi legalmente validada e os investidores receberam o retorno de seus investimentos de acordo com o programado. Deste período, além da operação da Mesbla Trust, destaca-se a realizada pela Chemical Trust, uma sociedade de propósito específico (SPE) que emitiu debêntures lastreadas nos direitos creditórios de cinco empresas do grupo Odebrecht. As operações de securitização no Brasil ocorreram de forma modesta até a criação de legislação e regulamentação específicas para dois novos tipos de entidades emissoras: as companhias securitizadoras e os fundos de investimento em direitos creditórios (fundos de recebíveis), bem como a introdução de outras normas que visavam à criação e ao aperfeiçoamento dos mecanismos do mercado, bem como à redução e eliminação de vícios de legislação que incidiam sobre tais mecanismos e operações. Antes da criação desses veículos, as operações eram realizadas por SPEs regidas pela Lei das S.A. (CANÇADO; GRACIA, 2007, pp. 18 e 19) Chaves (2006, pp. 30 a 36) apresenta melhor os detalhes da operação realizada pela Mesbla Trust: (...) a securitização de crédito foi introduzida pela iniciativa privada, mais especificamente pelo Grupo Mesbla, que, anos mais tarde, teria o nome de sua principal sociedade, a Mesbla Lojas de Departamentos S/A (Mesbla), estampado nas páginas dos jornais, em virtude das dificuldades financeiras enfrentadas, as quais culminaram na decretação de sua falência. Tratava-se do triste fim de um império que durou mais de 80 anos e que marcou a evolução do varejo no Brasil. Tudo começou no final da década de 1980. Em virtude de consecutivos erros na previsão de suas vendas, a Mesbla acabou estocando mercadorias em excesso e, para custear esse superdimencionamento, foi obrigada a recorrer a empréstimos bancários, submetendo-se a taxas de juros elevadas. A situação tornou-se ainda pior durante o Governo Collor, quando as expectativas do aumento de consumo de produtos e serviços da Mesbla não se concretizaram, ocasionando mais superdimencionamento de estoques. Ao longo do Governo Collor foram tomadas medidas drásticas, que culminaram na falta de liquidez do mercado e no empobrecimento da população assalariada, com raras exceções. Nesse sentido e resgatando um pouco da história brasileira, quem não se lembra da retenção do dinheiro da população depositado em instituições financeiras? As conseqüências dessa e de outras atitudes foram devastadoras para os empresários. No caso da Mesbla não foi diferente. O „sequestro‟ dos recursos financeiros dos brasileiros e o congelamento de salários reduziram o poder de compra do povo, e a Mesbla viu-se sem compradores para os seus produtos e serviços estocados. Disso decorreram novos erros de cálculo quanto aos estoques. Instaurou-se um ciclo vicioso, e o endividamento da Mesbla perante instituições financeiras foi-se tornando cada vez maior. Certo é que a Mesbla precisava reestruturar seu passivo perante as instituições credoras sem que isso implicasse um endividamento ainda maior perante outras pessoas. Foi nesse contexto que surgiu a securitização de créditos, cuja implementação pela Mesbla é apontada como pioneira no Brasil. O procedimento teve início em 1/10/1992, quando foi constituída a sociedade Mesbla Trust de Recebíveis de Cartão de Crédito S/A (Mesbla Trust), com o objetivo de adquirir direitos creditórios provenientes de faturamento de bens vendidos ou de serviços prestados pela Mesbla. 31 O segundo passo foi a realização de uma assembléia geral extraordinária, na qual os acionistas da Mesbla Trust autorizaram a emissão de debêntures com garantia real 18 correspondente ao penhor dos direitos creditórios em questão. Em 1/12/1992, após uma emissão privada, a Mesbla Trust efetuou a sua segunda emissão, equivalente à operação pioneira de securitização de créditos. As etapas da securitização então realizadas pela Mesbla podem ser esquematizadas nos seguintes termos: (...) a) Clientes da Mesbla efetuaram o pagamento de compras ou de prestação de serviços por aquela, mediante a utilização do cartão de crédito Mesbla, administrado pela Presta Administradora de Cartões de Crédito Ltda. (Presta); b) a Presta cedeu, com deságio19, à Mesbla Trust direitos creditórios gerados através de compras de cartão de crédito Mesbla e cadastrados no banco de dados da sociedade; c) A Mesbla Trust emitiu debêntures com garantia real, representada pelo penhor dos direitos creditórios aqui tratados, nomeando, na escritura de emissão, como agente fiduciário dos debenturistas o Morgan Guaranty Trust Company of New York; d) a Mesbla Trust utilizou o dinheiro obtido com a aquisição das debêntures pelos debenturistas para efetuar o pagamento à Presta dos direitos creditórios cedidos. Interessante observar que a securitização descrita acima não teve a participação de alguém que analisasse e classificasse o risco das debêntures, a saber, uma agência de rating. As atividades das agências de rating foram introduzidas no Brasil pela SR Rating Prestação de Serviços Ltda. (SR Rating) em 1/3/1994, oportunidade em que foram emitidas as debêntures da terceira série da segunda emissão da Mesbla Trust. Como mencionado no relatório de classificação de risco elaborado pela SR Rating, tratou-se de lançamento pioneiro, por ter sido submetido “a um rígido processo de avaliação de risco (rating) realizado segundo princípios, critérios e procedimentos similares aos adotados internacionalmente, porém adequados à realidade brasileira.‟ Naquela ocasião, a SR Rating atribuiu às debêntures emitidas pela Mesbla Trust a nota Aaa, que é a mais elevada em termos de crédito, pois, o risco de não-pagamento de juros ou do principal está reduzido a um grau mínimo, dadas as margens excepcionais de proteção e outras garantias oferecidas”. Entretanto, poucos dias antes da liquidação das debêntures emitidas, a qual ocorreria em 1/9/1995, a Mesbla, originadora dos direitos creditórios cedidos para a Mesbla Trust, requereu a sua concordata preventiva, juntamente com outras sociedades do Grupo. Em 22/8/1995, o juiz Paulo César Salomão deferiu o pedido de concordata preventiva de sociedades do Grupo Mesbla, suscitando dúvidas a respeito do pagamento das debêntures securitizadas. A despeito dos temores existentes, os debenturistas foram pagos nos termos previsto na escritura de emissão. De qualquer modo, a associação da primeira securitização de crédito no Brasil a sociedades que entraram em concordata e que posteriormente vieram a falir abalou a credibilidade na utilização desse mecanismo de antecipação de recursos. A história se repetiu pouco tempo depois, com a securitização realizada pela Mappin Trust de Recebíveis S/A (Mappin Trust), em 1/11/1995. Tal securitização visou a reestruturação do passivo da Mappin Lojas de Departamentos S/A, mas não foi capaz de salvá-la da falência, decretada em 29/7/1999. Apesar das dificuldades envolvidas nessas experiências inaugurais, a securitização sobreviveu. E como há sempre alguém disposto a ousar, novas operações foram realizadas no Brasil. 18 O art. 58 da Lei 6.404/76 dispõe sobre as diferentes espécies de debêntures. Debêntures com garantia real são aquelas “garantidas por bens (móveis ou imóveis) dados em hipoteca, alienação e cessão fiduciária, penhor ou anticrese pela companhia emissora, por seu conglomerado, ou mesmo por terceiros” (Fonte: Estudos Especiais – Produtos de Captação – Debêntures, publicado por ANDIMA, ano 2008, Rio de Janeiro, p. 56. (130 p). 19 Chaves esclarece em nota de rodapé que “No prospecto de oferta pública de debêntures, esse deságio foi chamado de taxa de aquisição, cujo objetivo era adequar o rendimento do ativo da Mesbla Trust ao custo de seu passivo, assegurando a solvência da sociedade”. Ainda sobre esse tema, outra expressão conhecida no mercado para esse deságio é “taxa de desconto”, conforme utilizada no presente trabalho. 32 É o caso da securitização de crédito feita pela Bompreço Trust de Recebíveis S/A, em julho de 1996. Àquele tempo, já havia sido publicada a Resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN) n. 2.026, de 24/11/1993, que regulava a cessão de direitos creditórios resultantes de operações comerciais e prestação de serviços com pessoas físicas. Referida resolução foi de importância significativa, pois foi a primeira a fazer menção, no âmbito do mercado de financeiro, à sociedade de objeto exclusivo, mais conhecida na prática como sociedade de propósito específico. Como vemos, as primeiras operações de securitização de recebíveis, estruturadas no Brasil, não tiveram a participação de entidades do Governo, o que poderia ter contribuído com sua consolidação. Da mesma forma, tais operações não sugiram no Brasil como instrumento facilitador de acesso à aquisição de casa própria, a fim de contribuir com a estabilização do sistema financeiro habitacional, fator que, por corresponder a um interesse público, também poderia ter contribuído com sua popularização. Nas palavras de Chaves (2006, p. 30), “tal observação é de suma importância, pois explica, em parte, o fato de a securitização não ter tido no Brasil o mesmo sucesso obtido nos Estados Unidos”. 2.3 OS DIFERENTES VEÍCULOS PARA AS OPERAÇÕES DE SECURITIZAÇÃO DE RECEBÍVEIS Pelo que já foi dito até aqui, observa-se que a estrutura de uma operação de securitização de recebíveis conta com a existência de um agente neutro, cuja única função é adquirir os direitos creditórios que os cedentes possuem contra terceiros, a fim de que tais direitos creditórios se constituam em ativos-lastro para emissão de valores mobiliários junto ao mercado de capitais. Tendo em vista a posição ocupada por tais agentes neutros na estrutura dessa operação, estes recebem o nome de “veículos de propósito específico” (VPE), e se dividem em um dos seguintes institutos: a) sociedade de propósito específico (SPE); b) companhia securitizadora; ou c) fundo de recebíveis, neste caso os FIDC. 33 Referindo-se a tais VPE, Chaves argumenta: Indispensável à realização da securitização no Brasil é a constituição de uma entidade de propósito específico [é como a autora se refere aos VPE], com objeto social exclusivo consistente na aquisição de créditos da originadora, mediante uma contraprestação em dinheiro, obtido com a emissão de títulos ou valores mobiliários. (CHAVES, 2006, p. 136) 2.3.1 As Sociedades de Propósito Específico (SPE) Vale ressaltar que as primeiras operações de securitização de recebíveis, tanto nos EUA quanto no Brasil, conforme mencionadas anteriormente, tiveram SPE como veículo. As SPE, neste caso, são criadas especificamente para possibilitar as operações de securitização. Tais sociedades não desenvolvem outro tipo de operação. São companhias abertas, capazes de acessar o mercado de valores mobiliários, nos termos do art. 4º da Lei 6.404/7620, devendo para tanto, observar as exigências dessa Lei. Esse modelo de securitização por SPE “se presta a diversas finalidades, entre as quais a de dar maior segurança aos investidores, pois, ao invés destes adquirirem um valor mobiliário de emissão da sociedade operadora (originadora), correndo os riscos inerentes a essa pessoa jurídica, que pode conduzir empreendimentos comerciais de diversas naturezas, o valor mobiliário adquirido é de emissão de uma Sociedade de Propósito Específico, SPE, cuja única razão de existir é a de receber de terceiros (regra geral clientes da sociedade originadora) o crédito que possui no seu patrimônio. O risco dos investidores se limita à qualidade dos créditos de que a SPE é titular”.21 O modelo conta com as seguintes etapas básicas22: 1. criação da SPE, uma companhia que tenha como único objetivo a aquisição de direitos creditórios elegíveis (com critérios de seleção bem apurados) através da emissão de debêntures pública e/ou privada; 20 O art. 4o da Lei 6.404/76 dispõe: “Para os efeitos desta Lei, a companhia é aberta ou fechada conforme os valores mobiliários de sua emissão estejam ou não admitidos à negociação no mercado de valores mobiliários.” Disponível em <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 26/3/2010. 21 Disponível em <http://www.pentagonotrustee.com.br/securitizacao.asp>. Acesso em 26/3/2010. 22 Fonte Pentágono S/A DTVM. Disponível em <http://www.pentagonotrustee.com.br/securitizacao.asp>. Acesso em 26/3/2010. 34 2. elaboração dos contratos que tornarão a operação, sob o ponto de vista legal, válida e eficiente, tais como, contrato de cessão de crédito e contratos com prestadores de serviços; 3. elaboração da escritura de emissão de debêntures, se for o caso, com base nos contratos acima referidos, adequando suas condições de remuneração e periodicidade de pagamentos à expectativa dos valores a serem recebidos, conforme a performance dos direitos creditórios; 4. a emissão e distribuição de valores mobiliários, cujo resgate dar-se-á mediante a utilização desse fluxo de caixa; e, 5. a efetiva cessão dos créditos selecionados. Cabe destacar, ainda, que alguns autores utilizam as siglas SPE como Sociedade de Fins Especiais, SPC Special Purpose Company ou SPE Sociedades de Propósito Exclusivo. No âmbito das operações de securitização de recebíveis estruturas no Brasil, a Mesbla Trust, a Mappin Trust e a Bompreço Trust de Recebíveis S/A, acima mencionadas, são exemplo de SPE. Para Chaves: Pode causar estranheza a alguns o emprego da expressão entidade de propósito específico [o que chamamos de VPE neste trabalho], em especial quando se faz alusão às sociedades [às SPE], já que todas são constituídas com uma finalidade, um propósito específico. Melhor seria se a prática tivesse consagrado a utilização da expressão sociedade de objeto exclusivo, prevista na Resolução 2.026/1993 do CMN 23, primeiro normativo no âmbito do mercado financeiro de que se tem notícia a fazer menção às sociedades com objeto exclusivo voltado para a aquisição de direitos creditórios. Entretanto, a influência do Direito norte-americano nesse aspecto foi marcante. Ante a utilização corrente naquele ordenamento jurídico da expressão special purpose company, que, traduzida ipsis litteris significa companhia de propósito específico, acabou-se prestigiando a expressão sociedade de propósito específico. (CHAVES, 2006, pp. 136 e 137) Com o advento de outros veículos de securitização, como as companhias securitizadoras e os FIDC, as SPE caíram em desuso no Brasil, considerando ainda os altos custos impostos na manutenção de uma companhia de capital aberto, registrada na CVM, nos termos da Lei 6.404/76. 23 A Resolução 2.026/1993 do CMN foi revogada pela Resolução 2.493/1998 do CMN. 35 2.3.2 As Companhias Securitizadoras As companhias securitizadoras também se constituem em companhias abertas registradas na CVM, em observação ao disposto na Lei 6.404/76. Diferentemente das SPE, que eram constituídas para uma operação de securitização específica, as companhias securitizadoras realizam varias operações de securitização ao longo de sua existência, fazendo valer os custos de sua manutenção enquanto companhia aberta registrada na CVM, nos termos da Lei 6.404/76. Tais companhias foram criadas, juntamente com o tipo de valor mobiliário que emitem, a saber os Créditos de Recebíveis Imobiliários – CRI, pela Lei 9.514. Assim dispõe o art. 3º da referida Lei: Art. 3º As companhias securitizadoras de créditos imobiliários, instituições não financeiras constituídas sob a forma de sociedade por ações, terão por finalidade a aquisição e securitização desses créditos e a emissão e colocação, no mercado financeiro, de Certificados de Recebíveis Imobiliários, podendo emitir outros títulos de crédito, realizar negócios e prestar serviços compatíveis com as suas atividades. Já os arts. 6º e 7º dessa Lei dispõem, sobre CRI, nos seguintes termos: Art. 6º O Certificado de Recebíveis Imobiliários - CRI é título de crédito nominativo, de livre negociação, lastreado em créditos imobiliários e constitui promessa de pagamento em dinheiro. Parágrafo único. O CRI é de emissão exclusiva das companhias securitizadoras. Art. 7º O CRI terá as seguintes características: I - nome da companhia emitente; II - número de ordem, local e data de emissão; III denominação "Certificado de Recebíveis Imobiliários"; IV - forma escritural; V nome do titular; VI - valor nominal; VII - data de pagamento ou, se emitido para pagamento parcelado, discriminação dos valores e das datas de pagamento das diversas parcelas; VIII - taxa de juros, fixa ou flutuante, e datas de sua exigibilidade, admitida a capitalização; IX - cláusula de reajuste, observada a legislação pertinente; X - lugar de pagamento; XI - identificação do Termo de Securitização de Créditos que lhe tenha dado origem. § 1º O registro e a negociação do CRI far-se-ão por meio de sistemas centralizados de custódia e liquidação financeira de títulos privados. § 2º O CRI poderá ter, conforme dispuser o Termo de Securitização de Créditos, garantia flutuante, que lhe assegurará privilégio geral sobre o ativo da companhia securitizadora, mas não impedirá a negociação dos bens que compõem esse ativo. 24 24 Disponível em <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 26/3/2010. 36 2.3.3 Os Fundos de Recebíveis A estruturação das operações de securitização via fundo de recebíveis, os FIDC, encontra-se detalhada no Capítulo 3 a seguir. 2.3.4 As Características da Securitização de Recebíveis Seguem algumas características básicas observadas nas operações de securitização de recebíveis: a) Segregação do risco do originador: os créditos que lastreiam a operação não são devidos pelo seu originador, mas por terceiros. Dessa forma, os riscos de inadimplência é dos devedores e não dos originadores. Por esse motivo torna-se possível para pequenas e médias empresas obterem sucesso nesse tipo de operação sem que as mesmas tenham a confiança do mercado. A título de exemplo, cita-se o caso do Banco Bonsucesso, em artigo escrito por Soraia Duarte: O Banco Bonsucesso, focado em crédito consignado em folha de pagamento e sediado em Belo Horizonte, também viu a captação por meio de FIDCs um motivo de comemoração. “Para um banco pequeno e pouco conhecido, abrir as portas ao mercado de capitais foi um desafio”, avalia Jorge Lipiani, diretor de captação da instituição. A operação recebeu o rating “AAA”, outorgado pela Moody‟s que, na opinião de Lipiani, motivou a demanda excedente de 120% na primeira colocação. O caso do Bonsucesso ilustra bem um dos aspetos mais glamourosos de um FIDC. Ao centrar as atenções do mercado na carteira de recebíveis e não no desempenho do emissor, o FIDC permite classificações de risco que jamais poderiam ser atingidas se o próprio emissor estivesse sendo avaliado diretamente. A nota concedida pela Moody‟s ao banco mineiro, por exemplo, se equipara ao rating do Bradesco, maior banco de varejo do País.25 b) Diluição do risco da carteira: à medida que a carteira de uma operação de securitização é composta por direitos creditórios devidos por diferentes devedores, tal carteira fica com um risco mais diluído do que se todos esses créditos fossem de um único devedor; 25 Artigo escrito por Soraia Duarte, na Revista Capital Aberto, ano 2, número 18, de fevereiro de 2005. 37 c) Antecipação de receita: a antecipação de receita poderá fortalecer o caixa do cedente do crédito, ou mesmo financiar seus projetos, conforme o interesse de cada agente econômico. d) Desintermediação bancária: essa é uma das primeiras características observadas nesse tipo de operação, à medida que substitui o financiamento bancário, mediante o acesso ao mercado de capitais. Sobre as características apontadas acima, Caminha (2007) acrescenta: Com a securitização, o agente econômico que origina créditos pode diluir os riscos de sua carteira de recebíveis, mesmo que ela seja futura, e adiantar receitas a ela referentes ou financiar projetos, pela emissão de títulos lastreados nessa carteira. Assim, a função econômica da securitização pode ser resumida em três aspectos: mobilizar riquezas, dispersar riscos e desintermediar o processo de financiamento. 3 A ESTRUTURAÇÃO DE UM FIDC Antes mesmo de se dispor de um desenho esquemático explicativo da estruturação de uma operação de securitização de recebíveis, via FIDC, vale apresentar algumas definições utilizadas nessas estruturações, conforme constam do artigo 2º da Instrução CVM 356, com fins de compreender a linguagem utilizada nesse mercado, ressaltando que tais definições se aplicam igualmente ao caso dos FIDC Não Padronizados (FIDC-NP), melhor definidos abaixo. I – direitos creditórios: os direitos e títulos representativos de crédito, originários de operações realizadas nos segmentos financeiro, comercial, industrial, imobiliário, de hipotecas, de arrendamento mercantil e de prestação de serviços, e os warrants, contratos e títulos referidos no § 8º do art. 40, desta Instrução 26; II – cessão de direitos creditórios: a transferência pelo cedente, credor originário ou não, de seus direitos creditórios para o FIDC, mantendo-se inalterados os restantes elementos da relação obrigacional; III – Fundos de Investimento em Direitos Creditórios - FIDC: uma comunhão de recursos que destina parcela preponderante do respectivo patrimônio líquido para a aplicação em direitos creditórios; IV – Fundo de Investimento em Cotas de Fundos de Investimento em Direitos Creditórios - FICFIDC: uma comunhão de recursos que destina no mínimo 95% (noventa e cinco por cento) do respectivo patrimônio líquido para a aplicação em cotas de FIDC; 26 O referido § 8º do art. 40 da Instrução CVM 356 dispõe: “As aplicações do fundo em warrants e em contratos mercantis de compra e venda de produtos, mercadorias e/ou serviços para entrega ou prestação futura, bem como em títulos ou certificados representativos desses contratos devem, sem prejuízo do atendimento das disposições da Resolução CMN no 2.801, de 7 de dezembro de 2000, e do disposto no § 4 o deste artigo contar com garantia de instituição financeira ou de sociedade seguradora, observada, nesse último caso, regulamentação específica da Superintendência de Seguros Privados - SUSEP.” 39 V – fundo aberto: o condomínio em que os condôminos podem solicitar resgate de cotas, em conformidade com o disposto no regulamento do fundo; VI – fundo fechado: o condomínio cujas cotas somente são resgatadas ao término do prazo de duração do fundo ou de cada série ou classe de cotas, conforme estipulado no regulamento, ou em virtude de sua liquidação, admitindo-se, ainda, a amortização de cotas por disposição do regulamento ou por decisão da assembléia geral de cotistas; VII – parcela preponderante: é aquela que excede 50% (cinqüenta por cento) do patrimônio líquido do fundo; VIII – investidor qualificado: é aquele definido como tal pela regulamentação editada pela CVM relativamente aos fundos de investimento em títulos e valores mobiliários27; IX – cedente: aquele que realiza cessão de direitos creditórios para o FIDC; X – custodiante: é a pessoa jurídica credenciada na CVM para o exercício da atividade de prestador de serviço de custódia fungível; XI – cota de classe sênior: aquela que não se subordina às demais para efeito de amortização e resgate; XII – cota de classe subordinada: aquela que se subordina às demais para efeito de amortização e resgate; XIII – séries: subconjuntos de cotas da classe sênior dos fundos fechados, diferenciados exclusivamente por prazos e valores para amortização, resgate e remuneração, quando houver; XIV – amortização: é o pagamento aos cotistas do fundo fechado de parcela do valor de suas cotas, sem redução do seu número.”28 27 Atualmente, a definição de investidor qualificado é dada pelos arts. 108 e 109 da Instrução CVM nº 409/04, nos seguintes termos: “Art. 108. Pode ser constituído fundo de investimento destinado, exclusivamente, a investidores qualificados. Art. 109. Para efeito do disposto no artigo anterior, são considerados investidores qualificados: I – instituições financeiras; II – companhias seguradoras e sociedades de capitalização; III – entidades abertas e fechadas de previdência complementar; IV – pessoas físicas ou jurídicas que possuam investimentos financeiros em valor superior a R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) e que, adicionalmente, atestem por escrito sua condição de investidor qualificado mediante termo próprio, de acordo com o Anexo I; V – fundos de investimento destinados exclusivamente a investidores qualificados; VI – administradores de carteira e consultores de valores mobiliários autorizados pela CVM, em relação a seus recursos próprios; VII – regimes próprios de previdência social instituídos pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou por Municípios. §1º Poderão ser admitidos, como cotistas de um fundo para investidores qualificados, os empregados ou sócios das instituições administradoras ou gestoras deste fundo, expressamente autorizados pelo diretor responsável da instituição perante a CVM. §2º É permitida a permanência, em fundos para investidores qualificados, de cotistas que não se enquadrem nos incisos deste artigo, desde que tais cotistas tenham ingressado até a data de vigência desta Instrução e em concordância com os critérios de admissão e permanência anteriormente vigentes.” (Disponível em <http://www.cvm.gov.br>. Acesso em 06/12/2008.) 28 Disponível em <http://www.cvm.gov.br>. Acesso em 06/12/2008. 40 Isto posto, segue o modelo esquemático, abaixo reproduzido, que, em linhas gerais, ilustra com clareza a estrutura de um FIDC: O FIDC é constituído por um ato do Administrador que, por sua vez, contrata o Gestor da carteira do fundo. Há casos em que o próprio Administrador exerce a função de gestor da carteira. As Originadoras (ou originadores) prestam serviços ou vendem produtos, por exemplo, e se tornam credoras de seus Clientes, os devedores dos créditos. Tais créditos são cedidos ao Fundo, e as Originadoras antecipam o recebimento dos valores a que fazem jus. Já os Investidores, na outra ponta, subscrevem as cotas emitidas pelo Fundo, aportando os recursos que serão utilizados para a aquisição dos créditos oriundos das Originadoras. Ainda como parte dessa estrutura, há o Custodiante, a quem cabe a custódia dos documentos representativos dos créditos; o Auditor, a quem cabe auditar as contas do Fundo, para que tais informações sejam disponibilizadas aos Insvestidores e ao mercado em geral; e a Agência Classificadora de Risco, a quem cabe atribuir grau de risco, tanto ao Fundo, como às emissões de cotas distribuídas publicamente. Os itens a seguir esclarecem melhor o papel de cada agente (player) mencionado acima. 41 3.1 OS AGENTES DA ESTRUTURAÇÃO DE UM FIDC A existência de diferentes agentes, também chamados players, contribui com a qualidade do processo de securitização, à medida que esses, no desempenho de suas funções, exercem regulação e fiscalização uns sobre os outros, num exercício de auto-regulação. Vale notar, ainda, que este é um processo bastante integrado, e as decisões que o envolvem são acordadas, em maior ou menor grau, entre o originador (ou originadores) e o administrador do fundo, quando da estruturação do FIDC, inclusive no que se refere à contratação dos prestadores de serviços, tendo em vista os custos e a avaliação de risco que se pretende atribuir ao fundo. Por outro lado, não há vedação normativa para que os agentes desempenhem mais de uma função, o que é bastante comum nas estruturações de FIDC. Nesse sentido, é recomendada a segregação entre a originadora do crédito e as figuras do custodiante e do administrador da carteira, em função da mitigação de riscos importantes, como os atrelados ao repasse dos recursos ao fundo. Nos casos em que um mesmo agente exerce diferentes funções na estruturação de um FIDC, o risco decorrente dessa operação deve estar explicitado no prospecto da oferta das cotas do FIDC. Da mesma forma, não há vedação normativa para que os agentes adquiram as cotas do FIDC que estruturam29. Tal possibilidade também é considerada como um risco a ser explicitado nos prospectos, a exemplo da redação abaixo, encontrada na seção “Fatores de Risco” do prospecto da oferta pública de distribuição de cotas do Trendbank Multicredit FIDC (p. 55)30: O Gestor, suas Partes Relacionadas ou fundos exclusivos (...) são considerados Investidores Autorizados, podendo participar do Fundo, na qualidade de Cotista. A ocorrência deste evento poderá ensejar conflito de interesse do Gestor, em relação ao papel de gestão da carteira do Fundo e sua qualidade de Cotista, podendo afetar o valor do Patrimônio Líquido do Fundo. Outro risco relacionado aos players diz respeito aos relacionamentos que estes possuem entre si, no exercício de suas atividades comerciais. Como exemplo, destaca-se mais uma vez redação dada no prospecto da oferta pública de distribuição de cotas do Trendbank 29 O art. 36 da Instrução CVM 356 veda a instituição administradora adquirir cotas de um FIDC, em nome do próprio FIDC que administra. 30 Disponível em <http://www.cvm.gov.br>, consultado em 19/9/2009. 42 Multicredit FIDC (p. 56), na seção “Potenciais Conflitos de Interesse e Transações com Partes Relacionadas”: A Instituição Administradora, o Custodiante, o Gestor, suas Pessoas controladoras, sociedades por estes direta ou indiretamente controladas, a estes coligadas ou outras sociedades sob controle comum mantêm relações comerciais com outras Pessoas, inclusive entre si, no curso normal de suas atividades. Essas relações comerciais incluem a estruturação e realização de operações de crédito, operações financeiras, derivativos, investimentos, serviços bancários, seguros, entre outros (...) Além do relacionamento decorrente da presente Oferta, a Instituição Administradora, diretamente ou por meio de sociedades integrantes de seu grupo econômico, no curso normal de suas atividades, presta serviços de administração em relação [a outros] fundos de investimento em direitos creditórios (...), nos quais o Custodiante presta os serviços de custódia. 3.1.1 Originadores e Estruturadores Para formatar toda a operação, os originadores contratam um estruturador, que presta consultoria, auxiliando as empresas na escolha dos recebíveis e dos parceiros, na avaliação dos efeitos da cessão sobre seus balanços (benefícios e custos), e na operacionalização da cessão para o FIDC. 3.1.2 Administradores e Gestores Como será visto melhor no Capítulo seguinte, a administração do FIDC deverá ser efetuada somente por instituições financeiras – incluindo bancos (múltiplos, comerciais ou de investimentos), Caixa Econômica Federal, financeiras, corretoras ou distribuidoras de títulos e valores mobiliários –, que serão responsáveis pela gestão, supervisão, acompanhamento e prestação de informações do fundo aos investidores e ao órgão fiscalizador, entre outras atribuições. A gestão da carteira do fundo poderá ser delegada a pessoas jurídicas, inclusive nãofinanceiras, autorizadas pela CVM. À instituição administradora é facultado, ainda, atuar como gestora de carteira do fundo, desde que seja cadastrada na CVM como administradora de recursos de terceiros. 43 3.1.3 Custodiantes O administrador e os originadores deverão escolher um agente – instituição financeira credenciada na CVM – para efetuar a custódia dos direitos creditórios. As atribuições do custodiante são definidas na norma da CVM. O art. 38 da Instrução CVM 356 dispõe que “[o] custodiante é responsável pelas seguintes atividades: I – receber e analisar a documentação que evidencie o lastro dos direitos creditórios representados por operações financeiras, comerciais e de serviços; II – validar os direitos creditórios em relação aos critérios de elegibilidade estabelecidos no regulamento do fundo; III – realizar a liqüidação física e financeira dos direitos creditórios, evidenciados pelo instrumento de cessão de direitos e documentos comprobatórios da operação; IV – fazer a custódia, administração, cobrança e/ou guarda de documentação relativos aos direitos creditórios e demais ativos integrantes da carteira do fundo; V – diligenciar para que seja mantida, às suas expensas, atualizadas e em perfeita ordem, a documentação dos direitos creditórios, com metodologia preestabelecida e de livre acesso para auditoria independente, agência classificadora de risco contratada pelo fundo e órgãos reguladores; e VI – cobrar e receber, por conta e ordem de seus clientes, pagamentos, resgate de títulos ou qualquer outra renda relativa aos títulos custodiados, depositando os valores recebidos na conta de depósito dos mesmos.” Várias das atividades acima descritas, como cobrança e guarda dos direitos creditórios, são terceirizadas pelo custodiante a outras instituições, inclusive às próprias originadoras, embora ele se mantenha como principal responsável, em observação à norma da CVM. 3.1.4 Agências Classificadoras de Risco Para obter a avaliação de risco do fundo, bem como das classes ou séries de cotas destinadas à oferta pública de distribuição será necessária a contratação de agência classificadora em funcionamento no país, que deverá assegurar a atualização do rating, no mínimo, trimestralmente. A necessidade desse agente na estruturação de um FIDC também advém da Instrução CVM 356, que dispõe, no seu art. 3º, inciso III: “cada classe ou série de cotas de sua emissão destinada à colocação pública deve ser classificada por agência classificadora de risco em funcionamento no País”; e ainda, quando descreve as obrigações do administrador do fundo, 44 no seu art. 34, inciso VIII: “Incluem-se entre as obrigações da instituição administradora (...) providenciar trimestralmente, no mínimo, a atualização da classificação de risco do fundo ou dos direitos creditórios e demais ativos integrantes da carteira do fundo.” 3.1.5 Auditoria Independente O cumprimento das exigências regulamentares também exige a contratação de uma empresa de auditoria independente, que validará os demonstrativos trimestrais do fundo, evidenciando que as operações efetuadas estão em consonância com a política de investimento e os limites de composição e diversificação, bem como que as negociações foram realizadas a taxas de mercado. Nos termos do § 4º do art. 8º da Instrução CVM 356, os demonstrativos trimestrais do fundo devem “ser examinados por ocasião da realização de auditoria independente”. 3.1.6 Instituição Distribuidora A distribuição das cotas do FIDC deverá ser efetuada por uma ou várias instituições integrantes do sistema de distribuição de títulos e valores mobiliários. A formalização da participação dessas instituições se dá mediante contrato firmado com a administradora, que definirá se a distribuição será por “melhores esforços”, quando a instituição distribuidora não tem o dever de colocar todas as cotas do FIDC, ou, alternativamente, por “garantia firme”, quando a instituição tem o dever de distribuir todas as cotas previstas pelo fundo. Neste último caso, quando não houve demanda suficiente das cotas do fundo por parte dos investidores, cabe à instituição intermediária a subscrição e integralização das que restaram. Vale ressaltar que, tendo em vista a natureza das instituições administradoras dos FIDC, já explicitadas acima, estas muitas vezes atuam sozinhas também como distribuidoras. 45 3.1.7 Escritórios de Advocacia Embora não seja uma previsão legal ou normativa, é interessante que a estruturação de um FIDC conte com a contratação de um escritório de advocacia, que assessorará na elaboração dos contratos de cessão, bem como de toda a documentação do fundo, incluindo regulamento e prospecto, respondendo, assim, pela definição da estrutura jurídica do fundo. 3.1.8 Custos da Operação Como se verificou acima, a estruturação de um FIDC e a distribuição das cotas de sua emissão no mercado dependem da participação de diferentes agentes (players). Tais agentes são remunerados pelos serviços que prestam, como não poderia ser diferente, elevando os custos envolvidos nesse tipo de operação. Para efeito de exemplo, segue quadro ilustrativo com os custos de uma oferta pública de distribuição de cotas de FIDC, extraído do prospecto do FIDC Fornecedores Petrobras – Industrial e Serviços. O montante total dessa oferta era de R$ 72.500.000,00. Segue abaixo tabela com o custo máximo da distribuição das Cotas Seniores da 1ª Série: Demonstrativo do custo da Oferta31 Custos Montantes (em R$) Percentual em Relação ao Valor Total da Oferta Despesas de registro na CVM 82.870,00 0,11% Agência Classificadora de Risco 54.000,00 0,07% Assessores legais 70.000,00 0,10% ----------------------- ----------------------- ---------------------- ----------------------- 276.870,00 0,38% Comissão de colocação Impressões, publicações e material Publicitário TOTAL 31 Página 40 do prospecto do FIDC Fornecedores Petrobras – Industrial e Serviços. Disponível em <http://www.cetip.com.br>. Acesso em 05/06/2010. 46 Cabe ressaltar que, além dos custos da distribuição acima mencionados, os prestadores de serviços como o administrador, o gestor, o auditor, a agência de rating, por exemplo, continuam onerando os FIDC durante todo o tempo de sua duração, mesmo que este não esteja com alguma oferta de cotas em curso. Dessa forma, quando se pretende estruturar uma operação de securitização via FIDC, deve-se levar em conta tais custos, os quais devem satisfazer às expectativas de ganho de todos os participantes: cedentes (taxa de desconto pela cessão do crédito ao FIDC), administradores (taxa de administração e performance), gestores de carteira (taxa de serviço e performance) e investidores (rentabilidade das cotas), por exemplo. 3.2 OS DIFERENTES TIPOS DE FIDC As características abaixo descritas são especificadas no regulamento de cada fundo de recebíveis, e determinam sua identidade, diferenciando quanto à possibilidade de resgate de suas cotas, quanto à natureza dos créditos que servem de lastro para o fundo, e quanto às séries e classes de cotas emitidas. 3.2.1 FIDC Abertos ou Fechados Os fundos são classificados em “abertos” ou “fechados”, de acordo com a possibilidade de os investidores solicitarem o resgate das cotas que subscreveram, ou não. Um fundo é chamado de aberto quando possibilita o resgate das cotas pelos investidores. Na definição dada pela Instrução CVM 356, esse tipo de fundo é um “condomínio em que os condôminos podem solicitar resgate de cotas, em conformidade com o disposto no regulamento do fundo”32. Os FIDC fechados, por outro lado, não preveem o resgate de suas cotas por parte dos investidores, a qualquer momento, se não quando do vencimento de cada série ou classe de cotas, ou quando de algum evento de liquidação antecipada. Contudo, é possível que se preveja a amortização das cotas de FIDC fechado, durante o tempo de duração de cada série ou classe. 32 Art. 2o, inciso V. 47 Para a Instrução CVM 356, fundo fechado é “o condomínio cujas cotas somente são resgatadas ao término do prazo de duração do fundo ou de cada série ou classe de cotas, conforme estipulado no regulamento, ou em virtude de sua liquidação, admitindo-se, ainda, a amortização de cotas por disposição do regulamento ou por decisão da assembléia geral de cotistas”33 3.2.2 FIDC Padronizados e FIDC Não Padronizados Nesse caso, o que define cada tipo de FIDC é a natureza dos direitos creditórios que os fundos admitem em suas carteiras. Até a publicação da Instrução CVM 444, em 2006, não havia essa divisão em FIDC “Padronizados” (simplesmente FIDC) e “Não Padronizados” (conhecidos como FIDC NP). A definição de FIDC vinha tão somente do inciso II do art. 2º da Instrução CVM 356, conforme destacado acima, no início deste capítulo. Os FIDC NP surgiram com o advento da Instrução CVM 444, em 2006, sendo definidos nos seguintes termos do seu art. 1º, §§ 1º e 2º: Art. 1º (...) § 1º Para efeito do disposto nesta Instrução, considera-se Não-Padronizado o FIDC cuja política de investimento permita a realização de aplicações, em quaisquer percentuais de seu patrimônio líquido, em direitos creditórios: I – que estejam vencidos e pendentes de pagamento quando de sua cessão para o fundo; II – decorrentes de receitas públicas originárias ou derivadas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como de suas autarquias e fundações; III – que resultem de ações judiciais em curso, constituam seu objeto de litígio, ou tenham sido judicialmente penhorados ou dados em garantia; IV – cuja constituição ou validade jurídica da cessão para o FIDC seja considerada um fator preponderante de risco; V – originados de empresas em processo de recuperação judicial ou extrajudicial; VI – de existência futura e montante desconhecido, desde que emergentes de relações já constituídas; e VII – de natureza diversa, não enquadráveis no disposto no inciso I do art. 2º da Instrução CVM nº 356, de 17 de dezembro de 2001. § 2º Será igualmente considerado Não-Padronizado: I – o FIDC cuja carteira de direitos creditórios tenha seu rendimento exposto a ativos que não os créditos cedidos ao fundo, tais como derivativos de crédito, quando não utilizados para proteção ou mitigação de risco; ou II – o Fundo de Investimento em Cotas de FIDC que realize aplicações em cotas de FIDC-NP. 33 Art. 2o, inciso VI. 48 3.2.3 FIDC Performados ou Não Performados Essas denominações também são atribuídas em função dos créditos que lastreiam as cotas do fundo. Chamam-se “Performados” os créditos originados de contratos mercantis de compra e venda de produtos, mercadorias e/ou serviços já entregues ou prestados quando da cessão desses créditos ao fundo. De outra forma, chamam-se “Não Performados” os créditos originados de contratos mercantis de compra e venda de produtos, mercadorias e/ou serviços para entrega ou prestação futura. Vale destacar que, no caso dos FIDC Não Performados, o risco do originador deve ser considerado, pois caso originador não consiga honrar com a entrega do produto ou com a prestação do serviço que gerou o crédito, este perde sua validade, e a carteira do fundo perde a performance esperada. 3.3 OS DIFERENTES TIPOS DE COTAS As cotas de emissão de um fundo são representativas do seu patrimônio líquido. O valor a que fazem jus dependerá da performance do fundo em honrar seus compromissos para com terceiros, e ainda apresentarem rentabilidade compatível com aquela esperada pelos investidores (cotistas), quando de seus investimentos em cotas do fundo. Cabe destacar que é vedado ao fundo, ou ao seu administrador, “prometer rendimento predeterminado aos condôminos”.34 Esse tipo de fundo oferece aos seus cotistas expectativa de rentabilidade, o que o mercado chama de benchmark, e cujo cumprimento dependerá da performance do fundo, como dito acima. Os FIDC podem emitir mais de um tipo de cotas, que se caracterizarão por diferentes classes e/ou séries. As diferentes classes de cotas se caracterizam pelo grau de subordinação que têm entre si, de modo que as cotas de classe sênior (cotas seniores) “são aquelas que não se subordinam às demais para efeito de amortização e resgate”35, e as cotas de classe 34 35 Inciso VIII do art. 36 da Instrução CVM 356, disponível em <http://www.cvm.gov.br>. Definição dada pelo inciso XI do art. 2º da Instrução CVM 356, disponível em <http://www.cvm.gov.br>. 49 subordinada (cotas subordinadas) “são aquelas que se subordinam às demais para efeito de amortização e resgate”36. 3.3.1- Cotas Seniores com Diferentes Classes As cotas seniores, e apenas estas, podem, ainda, ser divididas em diferentes séries. Nos termos da Instrução CVM 356, séries são “subconjuntos de cotas da classe sênior dos fundos fechados, diferenciados exclusivamente por prazos e valores para amortização, resgate e remuneração, quando houver” (Art. 2º, inciso XIII)37. 3.3.2 Cotas Subordinadas com Diferentes Níveis de Subordinação Dizer que cotas subordinadas “são aquelas que se subordinam às demais para efeito de amortização e resgate” significa dizer que as cotas de classe sênior têm prioridade na remuneração, seja esta proveniente da amortização ou do resgate programados, e que as cotas subordinadas farão jus à amortização ou ao resgate, apenas após ter sido efetivada a amortização ou o resgate das cotas seniores, o que for o caso. Em outras palavras, as cotas subordinadas só farão jus ao recebimento da remuneração esperada, seja por amortização ou resgate, após o fundo ter honrado com o benchmark das cotas seniores. Havendo emissão de mais de uma classe de cotas, o regulamento do fundo deverá dispor sobre a relação mínima entre as cotas subordinadas e as cotas seniores. É o que se depreende da seguinte redação dada na Instrução CVM 356: “O regulamento do fundo deve prever, no mínimo (...) a relação mínima entre o patrimônio líquido do fundo e o valor das cotas seniores, a periodicidade para apuração e divulgação aos cotistas dessa relação e os procedimentos aplicáveis na hipótese de inobservância desse fator”.38 Não há, contudo, qualquer previsão normativa que estabeleça qual deva ser tal relação mínima. Ou seja, essa relação pode ser zero. Nesse caso, o fundo se disporia à emissão de cotas subordinadas, mas não se obrigaria a manter qualquer relação mínima. 36 Definição dada pelo inciso XII do art. 2º da Instrução CVM 356, disponível em <http://www.cvm.gov.br>. Disponível em <http://www.cvm.gov.br> 38 Inciso XV do art, 24 da Instrução CVM 356, disponível em <http://www.cvm.gov.br>. 37 50 O que a norma exige é que essa regra esteja clara no regulamento, pois como se pode observar a expectativa de rentabilidade atribuída às cotas subordinadas será a primeira a sofrer impacto negativo, no caso de má performance do FIDC, por motivos de perda, pré pagamento ou inadimplência dos créditos que lastreiam o fundo. Em outras palavras, as cotas subordinadas oferecem uma espécie de garantia às cotas seniores, motivo pelo qual recebem o apelido de “colaterização” ou “colchão”, ao mesmo tempo em que oferecem às cotas seniores uma melhor classificação de risco, por conta de agências classificadoras. Por esse motivo, muitas estruturações de FIDC contam com duas classes de cotas (seniores e subordinadas), em que a relação mínima é estabelecida no regulamento, e que as cotas subordinadas são destinadas exclusivamente aos cedentes dos créditos. Fazendo dessa forma, os cedentes dos créditos, grandes interessados no sucesso do FIDC, sinalizam aos potenciais investidores que se comprometem com o fundo, subscrevendo cotas de maior risco. Há estrutura de FIDC, no entanto, que apresenta diferentes níveis de subordinação entre as cotas que emitem. Nesse caso, por exemplo, os fundos atribuem os seguintes nomes às cotas de sua emissão: (i) cotas seniores; (ii) cotas subordinadas mezanino; e (iii) cotas subordinadas juniores. Ou, ainda: (i) cotas seniores; (ii) cotas subordinadas mezanino classe A; (iii) cotas subordinadas mezanino classe B; (iv) cotas subordinadas mezanino classe C; etc. Tal diferenciação dependerá do interesse de cada fundo. 3.4 OS DIFERENTES TIPOS DE ATIVO-LASTRO DE FIDC Conforme definição dada acima, direitos creditórios são os direitos e títulos representativos de crédito, originários de operações realizadas em diferentes segmentos da economia, como: financeiro, comercial, industrial, imobiliário, de hipotecas, de arrendamento mercantil e de prestação de serviços, por exemplo. Dessa forma, os FIDC devem ser nomeados de modo que se identifique o seu objetivo, ou seja, o segmento da economia para o qual a parcela preponderante de seu seus recursos seja destinada. 51 Como exemplo, destacam-se os seguintes FIDC: FIDC Matone Empréstimo a Servidores Federais, FIDC OMNI Veículos III, FIDC Satélite Mercantis, FIDC Sabesp I, FIDC V1 Agro, e FIDC NP Pólo Precatório Federal39, entre outros. Nesse sentido vale, ainda, ressaltar a grande quantidade de FIDC que não especifica em qual segmento pretende alocar a parcela preponderante de seus recursos. Por conta disso ganham o nome de FIDC “multi”, como: multisegmentos, multicarteira, multicrédito, etc. São exemplos desses tipos de FIDC: FIDC Multi Recebíveis II, FIDC Multisetorial Empresarial LP, e FIDC NP Msquare Multicarteira40, entre outros. 3.5 OS DIFERENTES RISCOS DE UM FIDC Conforme descritos pela CETIP e ANDIMA41, os riscos de um FIDC variarão com a diversidade de suas estruturações. Entretanto, tais instituições apresentam os seguintes riscos comumente presentes nas operações com FIDC: (i) De crédito: relacionado ao risco de inadimplência ou atraso no pagamento de juros e/ou principal pelos emissores dos ativos, contrapartes das operações do fundo ou devedores dos direitos creditórios, podendo ocasionar a redução de ganhos ou mesmo perdas financeiras até o valor das operações contratadas e não liquidadas. Note-se que o FIDC é uma modalidade de investimento bastante recente, com elevado grau de sofisticação e complexidade, e que envolve riscos inerentes aos direitos creditórios e demais ativos financeiros do fundo. (ii) De liquidez dos recebíveis: relacionado ao risco de falta de demanda pelos ativos integrantes da carteira do fundo, podendo prejudicar o pagamento de amortização e/ou resgates aos cotistas, no que se refere tanto aos valores ou aos prazos pactuados. Como o FIDC apresenta a peculiaridade de se basear em direitos creditórios, para os quais ainda não existe mercado secundário com liquidez no Brasil, os cotistas devem considerar ainda a possibilidade de terem que levar a vencimento os respectivos recebíveis, no caso de uma eventual liquidação antecipada do fundo. 39 Disponível nos site da CVM e da Uqbar: <http://www.cvm.gov.br> e <http://www.uqbar.com.br>, respectivamente. Acesso em 18/3/2010. 40 Disponível nos site da CVM e da Uqbar: <http://www.cvm.gov.br> e <http://www.uqbar.com.br>, respectivamente. Acesso em 18/3/2010. 41 Caderno de Estudos Especiais – FIDC (CETIP/ANDIMA), pp. 28-30. 52 (iii) De liquidez das cotas no mercado secundário: para os fundos fechados, o problema da falta de liquidez relaciona-se também à negociação das cotas no mercado secundário, bastante incipiente, o que pode criar limitações para o investidor que necessitar de liquidez antes do prazo de encerramento do fundo. (iv) De mercado: atrelado a flutuações nos preços dos ativos financeiros da carteira, decorrentes de alterações políticas e econômicas ou de expectativa dos agentes, bem como de fatores relativos aos respectivos emissores, podendo acarretar volatilidade das cotas e perdas aos cotistas. É importante notar que a marcação a mercado dos ativos do fundo poderá ocasionar variação nos respectivos valores e resultar em aumento ou diminuição do valor das cotas. (v) Operacionais: no caso de estruturas em que os pagamentos dos recebíveis transitam pela originadora ou cedente dos créditos, há o risco, não atrelado a eventos de inadimplência, do comprometimento do fluxo de recursos para o fundo, que poderá sofrer perdas, inclusive em função de custos para recuperar os créditos. Também deve ser considerada a possibilidade de ocorrerem falhas nos procedimentos de cadastro, cobrança, fixação da política de crédito e de controles internos pela cedente, o que pode dificultar a cobrança dos recebíveis em caso de inadimplência. Em algumas situações, a própria cedente é responsável pela guarda dos documentos comprobatórios dos créditos, na qualidade de fiel depositária. Esta pode ser uma limitação para a verificação dos direitos de crédito cedidos ao fundo. (vi) De derivativos: refere-se ao risco de distorção de preço entre o derivativo e seu ativo objeto, que pode elevar a volatilidade do fundo e até provocar perdas aos cotistas. Mesmo como forma de proteção das posições à vista, o derivativo pode não representar um hedge perfeito, não se mostrando, portanto, suficiente para evitar perdas à carteira. (vii) De concentração: relacionado à concentração das aplicações do fundo em direitos creditórios de apenas um ou poucos sacados, na medida em que potencializa os efeitos negativos sobre a carteira de eventuais problemas que possam ocorrer na respectiva empresa e/ou segmento. (viii) Descasamento de taxas de juros entre ativo e passivo: refere-se ao descasamento entre a taxa de juro usada como referencial de rentabilidade do fundo e as prefixadas nos contratos de compra e venda dos direitos creditórios a serem 53 adquiridos pelo fundo, que pode resultar em perda de rentabilidade durante o período de maturação dos créditos. (ix) De perdas judiciais: atrelados ao custo de cobrança judicial dos direitos creditórios, bem como ao caráter discricionário da decisão dos julgadores de eventuais ações. Neste sentido, merece atenção a observação dos contratos de cessão, que deverão assegurar a venda definitiva dos direitos creditórios. (x) De problemas com a cedente e/ou eventuais coobrigados: condições econômicas ou de mercado, bem como relativas à gestão empresarial, podem alterar os resultados da cedente, levando-a à falência ou ao fechamento de filiais, e dificultando, inclusive, o pagamento dos direitos creditórios, caso seja efetuado na própria cedente. Considere-se aqui o risco de anulação da cessão dos direitos creditórios atrelada ao período que antecede à falência da empresa cedente (de até 90 dias). (xi) De descontinuidade: relativo ao não cumprimento, pela cedente, do compromisso de originar e ceder direitos de crédito ao fundo, ao longo de sua existência, de modo a assegurar um percentual mínimo das aplicações do fundo em direitos creditórios. Tal evento pode comprometer o prazo de duração previsto para o fundo, mediante liquidação antecipada conforme regulamento, o que reduzirá o horizonte original do investimento. (xii) De natureza específica: existem riscos específicos ligados ao setor ou mesmo à empresa originadora - inclusive no que se refere à estrutura de oferta e demanda – que podem afetar a solvência dos recebíveis e, portanto, o fluxo ou o valor dos pagamentos aos cotistas. 3.6 AS DIFERENTES FINALIDADE DE UM FIDC Ainda conforme descrito por CETIP e ANDIMA, os FIDC são estruturados de formas variadas, visando a alcançar diferentes objetivos, dentre os quais destacam-se os seguintes: Obtenção de financiamento: Empresas de diversos segmentos (comercial, industrial ou de serviço, inclusive financeiro) securitizando sua carteira de recebíveis como forma de 54 captar recursos. O objetivo varia, desde conseguir recursos para abater dívidas e/ou melhorar a estrutura do balanço, até buscar capital de giro para suas atividades operacionais. Financeiras e bancos de pequeno porte têm a alternativa de securitizar suas carteiras de crédito – a exemplo do crédito consignado –, assim como uma empresa não-financeira pode vender direitos a receber de clientes ou de outras empresas de grande porte, tais como redes de supermercados, reduzindo o tempo de giro de seus recursos. Esta alternativa tem sido vista como um aprendizado para as empresas menores que, a partir do relacionamento com consultorias de naturezas diversas, passam a adotar processos operacionais mais sofisticados e lidar com a necessidade de disponibilizar informação – procedimentos comuns em sociedades de capital aberto –, mostrando-se como um embrião de um possível acesso direto ao mercado de capitais. A maior preocupação com a qualidade da carteira de clientes (origem dos recebíveis) também é uma característica de empresas que passam a utilizar um FIDC para captar recursos. Financiamento de fornecedores e clientes: Grande empresa (ou grupo de empresas de um mesmo setor) financiando seus fornecedores de bens e serviços a partir da constituição de um FIDC, com base nos créditos que estes têm contra ela. O objetivo é assegurar aos fornecedores a possibilidade de antecipação dos recursos a um custo mais baixo do que o do crédito bancário, sem alterar o prazo original de pagamento. Além de viabilizar uma redução do custo financeiro dos fornecedores, que no futuro poderá resultar em um recuo dos preços de produtos e serviços fornecidos para a empresa sacada, existe a expectativa de fidelização do fornecedor. Um exemplo desse tipo de finalidade é visto no FIDC Fornecedores Petrobras – Industrial e Serviços, mencionado no item 3.1.8, e apresentado em maiores detalhes no item 5.3 do Capítulo 5. Lógica semelhante pode ser empregada no caso de um FIDC clientes, em que uma grande empresa fornecedora de bens e serviços, tais como matérias-primas, a partir da constituição de um FIDC com direitos de crédito contra clientes, pode conceder prazo de pagamento aos compradores de seus produtos sem abrir mão do recebimento à vista dos recursos equivalentes às suas vendas. Fluxo de caixa: Grupo econômico constitui um FIDC com o objetivo de centralizar a gestão do caixa, reduzir custos financeiros e aumentar a rentabilidade de empresas controladas e coligadas. Neste formato, cujas cotas não são ofertadas em mercado, as 55 empresas com deficiência de caixa vendem seus recebíveis para o fundo, a um custo menor que o da rede bancária, enquanto as que estão superavitárias dentro do conglomerado aplicam seus recursos a taxas mais atrativas do que as de mercado. 4 ANÁLISE DA NORMATIZAÇÃO PERTINENTE AOS FIDC Os FIDC foram criados pela Resolução nº 2.907/01 do Conselho Monetário Nacional (CMN), e são regulados pelas seguintes normas, publicadas pela CVM: Instrução CVM 356, Instrução CVM 444, e subsidiariamente pela Instrução CVM 400 e Instrução CVM 476, no que tange à oferta pública de distribuição das cotas de sua emissão. Desde a sua publicação, em 2001, a Instrução CVM 356 vem sofrendo atualizações, a fim de corresponder à evolução do mercado de FIDC. Até o momento, tais atualizações foram trazidas pelas Instruções CVM no 393/03, no 435/06, no 442/06, no 446/06 e no 458/07. Buscando ainda corresponder à evolução desse mercado, a CVM publicou a Instrução CVM no 444/06 que, diferentemente das Instruções mencionadas anteriormente, esta não se constitui numa alteração da Instrução CVM 356, mas na efetiva criação de um novo fundo de recebíveis, o Fundo de Investimento em Direitos Creditórios Não Padronizados (FIDC-NP), cujas características serão melhores detalhadas no subitem 4.4 a seguir. Vale esclarecer que, quando está para editar uma nova instrução normativa, a CVM divulga edital de audiência pública, a fim de que os participantes do mercado se manifestem, contribuindo com críticas e/ou sugestões. Dessa forma, o órgão regulador procura cumprir o seu papel junto ao mercado de capitais, estando atento às inovações e necessidades desse marcado que regula. Como exemplo, segue o texto dado na introdução ao Edital de Audiência Pública nº 04/2006, cujos objetivos eram as alterações das Instruções CVM 356 e CVM 414 (esta última de CRI), bem como a criação de instrução que viesse o FIDC-NP (a Instrução CVM 444): Objeto: Alteração da Instrução CVM nº 356, de 17 de dezembro de 2001, que dispõe sobre os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios – FIDC, da Instrução CVM nº 414, de 30 de dezembro de 2004, e minuta de Instrução que dispõe sobre a constituição e o funcionamento de FIDC-NP. 57 A Comissão de Valores Mobiliários – CVM submete à Audiência Pública, nos termos do art. 8º, § 3º, inciso I, da Lei nº 6.385 42, de 7 de dezembro de 1976, as minutas de Instrução em anexo, que alteram a Instrução CVM nº 356, de 17 de dezembro de 2001; a Instrução CVM nº 400, de 23 de dezembro de 2003, e a Instrução CVM nº 414, de 30 de dezembro de 2004. Além das alterações propostas para esses normativos, a presente audiência pública abrange também minuta de Instrução que dispõe sobre o funcionamento de Fundos de Direitos Creditórios NãoPadronizados.43 Outro exemplo de esforço por parte da CVM na melhoria do mercado de FIDC, bem como na aproximação com os integrantes desse mercado, foi audiência pública que se encerrou em 26/3/10, que apresentava ao mercado “[m]inuta de Instrução que trata das Normas Contábeis aplicáveis aos Fundos de Investimento em Direitos Creditórios - FIDC, Fundos de Investimento em Cotas de FIDC - FIC-FIDC, Fundos de Investimento em Direitos Creditórios Não Padronizados - FIDC-NP e aos Fundos de Investimento em Cotas de FIDCNP - FIC-FIDC-NP”. Por meio do edital de audiência pública nº 01/0944, a CVM esclarecia: A Minuta de Instrução e a Minuta de Nota Explicativa fazem parte da continuidade do esforço que a CVM vem desenvolvendo no sentido de consolidar as normas e procedimentos contábeis, assim como padronizar as demonstrações financeiras aplicáveis aos Fundos de Investimento nela discriminados, iniciado com a implementação do Plano COFI. Soma-se a esse aspecto o compromisso assumido pela CVM na adoção de práticas contábeis alinhadas com as normas internacionais de contabilidade (IFRS), emitidas pelo International Accounting Standard Board – IASB. Entre outros quesitos, o edital contava, ainda, com a seguinte redação, que mostrava as questões em que a CVM estava especialmente interessada: 6. Questões nas quais a CVM está Especialmente Interessada: A CVM analisará os comentários e sugestões sobre todo o texto das Minutas. No entanto, há certas questões nas quais ela está especialmente interessada: a) estrutura e modelos dos demonstrativos financeiros, assim como dos informes; b) classificação dos ativos componentes da carteira do fundo na categoria mantidos até o vencimento; c) alteração do critério de reconhecimento de perdas por recuperação, passando-se a adotar o critério de fluxo de caixa esperado; d) conteúdo das informações a serem divulgadas nas notas explicativas; e) reconhecimento de receita dos ativos financeiros que compõem a carteira dos FIDC-NP, especificamente os elencados nos incisos I ao V do parágrafo 1º do artigo 1º da Instrução CVM nº 444, de 8 de dezembro de 2006; e f) possibilidade de divulgação diária do valor da cota do fundo. 42 O art. 8º, § 3º, inciso I, da Lei nº 6.385/76 dispõe: “Em conformidade com o que dispuser seu regimento, a Comissão de Valores Mobiliários poderá: I - publicar projeto de ato normativo para receber sugestões de interessados”. (Disponível em <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 06/12/2008). 43 Disponível em <http://www.cvm.gov.br>. Acesso em 06/12/2008. 44 Disponível em <http://www.cvm.gov.br>. Acesso em 20/05/2010. 58 A CVM considera importante que os comentários e as sugestões: a) indiquem o artigo, parágrafo e/ou inciso específicos, assim como a respectiva página aos quais os comentários se referem; b) contenham sugestão(ões) de alternativa(s) a ser(em) considerada(s); c) façam referência às respectivas diretrizes dispostas nos CPC 38, CPC 39 e CPC40, aprovados pela deliberação CVM nº 604, de 19 de novembro de 2009, indicando o local em que se encontram; e d) contemplem exemplos numéricos, se aplicável. Convém lembrar que os comentários e sugestões, para serem melhor aproveitados, devem, pelo menos, ser consistentes com, ou pelo menos não infringirem diretamente, os princípios, práticas e diretrizes dispostos nas normas internacionais de contabilidade (IFRS) emitidas pelo International Accounting Standards Board (IASB). Além de editar e publicar as normas específicas para a constituição e o funcionamento dos FIDC, cabe ainda à CVM regular as ofertas públicas de distribuição de valores mobiliários, bem como suas negociações em bolsa de valores ou mercado de balcão organizado, nos termos dos arts. 19 e 21 da Lei 6.385/76.45 Para tanto, a CVM baixou a Instrução CVM nº 400/03, que “regula as ofertas públicas de distribuição de valores mobiliários, nos mercados primário ou secundário e tem por fim assegurar a proteção dos interesses do público investidor e do mercado em geral, através do tratamento eqüitativo aos ofertados e de registro de ampla, transparente e adequada divulgação de informações sobre a oferta, os valores mobiliários ofertados, a companhia emissora, o ofertante e demais pessoas envolvidas” (art. 1º da Instrução CVM 400). Ainda nos termos dessa Instrução, “toda oferta pública de distribuição de valores mobiliários nos mercados primário e secundário, no território brasileiro, dirigida a pessoas naturais, jurídicas, fundo ou universalidade de direitos, residentes, domiciliados ou constituídos no Brasil, deverá ser submetida previamente a registro na Comissão de Valores Mobiliários – CVM, nos termos desta Instrução” (art. 2º da Instrução CVM 400). Mais recentemente, a CVM baixou a Instrução CVM nº 476/09, datada de 16 de janeiro de 2009, que “dispõe sobre as ofertas públicas de valores mobiliários distribuídas com esforços restritos e a negociação desses valores mobiliários nos mercados regulamentados”, nos termos de seu preâmbulo, as quais “estão automaticamente 45 Assim dispõem os referidos artigos da Lei 6.385/76: art. 19: Nenhuma emissão pública de valores mobiliários será distribuída no mercado sem prévio registro na Comissão. § 5º - Compete à Comissão expedir normas para a execução do disposto neste artigo (...); e art. 21: A Comissão de Valores Mobiliários manterá, além do registro de que trata o Art. 19: I - o registro para negociação na bolsa; II - o registro para negociação no mercado de balcão, organizado ou não. (...) 59 dispensadas do registro de distribuição de que trata o caput do art. 19 da Lei nº 6.385” (art. 6º da Instrução CVM 476). Dessa forma, subsidiariamente ao uso da Instrução CVM 356, no caso dos FIDC, e da Instrução CVM 444, no caso dos FIDC-NP, as cotas desses fundos são distribuídas publicamente, mediante a observação do que preceituam as Instruções CVM 400 e 476. A Instrução CVM 400 também sofreu alterações posteriores, trazidas pelas Instruções CVM no 429/06, 442/06, 472/08 e 482/10. Esta última alterou, ainda, alguns dispositivos da Instrução CVM 476. Dentre tais alterações, aquelas introduzidas pela Instrução CVM 442 são específicas para as ofertas públicas de distribuição de valores mobiliários oriundos de operações de securitização, e visam ao aperfeiçoamento das informações a serem disponibilizadas ao público investidor por meio do prospecto da oferta46, conforme se verá adiante. Os itens seguintes apresentam uma melhor análise das normas atinentes aos FIDC. 4.1 AUSÊNCIA DE LEGISLAÇÃO ORDINÁRIA Diferentemente dos demais veículos de securitização, como as SPE e as Companhias Securitizadoras, não há qualquer legislação ordinária que confira aos FIDC personalidade jurídica. Tal ausência de legislação despertou questionamento por parte de Chaves (2006, p. 30), o qual se traduz nas seguintes palavras: Os fundos de investimento em direitos creditórios, como entidades de propósito específico, desempenham papel primordial na securitização, adquirindo créditos dos originadoras e distribuindo valores mobiliários aos investidores. O exercício dessas atividades daria a entender que os fundos teriam personalidade jurídica ou que, ao menos, seriam regulados por uma legislação ordinária que os aproximasse de entes como a massa falida ou o condomínio edilício. Entretanto, contrariando todas as expectativas, os fundos de investimento em direitos creditórios não passam de entes despersonalizados e não há qualquer 46 O art. 4º da Instrução CVM 442 dispõe: “Fica acrescentado o Anexo III-A à Instrução CVM nº 400/03, na forma do anexo à presente Instrução”. O tema das informações a serem incluídas nos prospectos das ofertas públicas de distribuição de cotas de FIDC será retomado adiante, porém, a título de melhor compreensão do que se pretende dizer, dispõem-se os termos constantes do cabeçalho do referido Anexo III-A: “INFORMAÇÕES ADICIONAIS DO PROSPECTO RELATIVAS A OFERTAS DECORRENTES DE OPERAÇÕES DE SECURITIZAÇÃO”. 60 legislação ordinária que lhes confira capacidade para o exercício, ainda que por meio de seu administrador, de determinados direitos e obrigações. Se os fundos não têm personalidade jurídica, consistindo em mera comunhão de recursos dos investidores, como poderiam ter capacidade para adquirir créditos em nome próprio? Poder-se-ia argumentar favoravelmente à capacidade do fundo citando-se os atos normativos da CVM e do CMN [conforme veremos abaixo] que os regulamentam. De fato, tanto a Resolução nº 2.907/2001 do CMN, quanto a Instrução 356/2001 da CVM, mencionam, claramente, que são os fundos os adquirentes dos direitos creditórios. E não há dúvidas de que a prática acolheu tal posicionamento. Contudo, será que órgãos do Poder Executivo podem invadir a seara do Legislativo, dispondo sobre a capacidade dos fundos de investimento em direitos creditórios? (...) Ademais, para contornar esse obstáculo, sugere-se a criação de uma lei ordinária para os fundos de investimento em direitos creditórios nos moldes daquele existente para os fundos imobiliários, a saber, a Lei nº 8.668/1993. Ali, quem adquire os bens e direitos integrantes do fundo é a instituição administradora, em caráter fiduciário. E, a fim de manter uma separação entre o patrimônio da administradora e o fundo, o aludido Diploma legal estabelece uma sistemática de patrimônio de afetação (...). 4.2 A RESOLUÇÃO CMN Nº 2.907/01 Os FIDC foram criados pela Resolução nº 2.907/01 do CMN, datada de 29/11/2001. A mesma Resolução criou também os Fundos de Investimento em Cotas de FIDC (FICFIDC). Estes últimos não serão objeto de análise nesta pesquisa, embora sejam mencionados algumas vezes. O art. 1º da Resolução CMN 2.901 dispõe: Autorizar a constituição e o funcionamento, nos termos da regulamentação a ser baixada pela Comissão de Valores Mobiliários no prazo máximo de quinze dias contados da data da entrada em vigor desta resolução: I - de fundos de investimento em direitos creditórios, destinados preponderantemente à aplicação em direitos creditórios e em títulos representativos desses direitos, originários de operações realizadas nos segmentos financeiro, comercial, industrial, imobiliário, de hipotecas, de arrendamento mercantil e de prestação de serviços, bem como nas demais modalidades de investimento admitidas na referida regulamentação; II - de fundos de aplicação em quotas de fundos de investimento em direitos creditórios, que devem ter por objetivo a aplicação de recursos em quotas de fundos de investimento em direitos creditórios. 47 4.3 A INSTRUÇÃO CVM No 356/2001 A CVM, no exercício da atribuição conferida pela Resolução CMN 2.907, editou a Instrução CVM 356, datada de 17/12/2001, que “Regulamenta a constituição e o 47 Disponível em <http://www.cnb.org.br/CNBV/resolucoes/res2907-2001.htm>. Acesso em 06/12/2008. 61 funcionamento de fundos de investimento em direitos creditórios e de fundos de investimento em cotas de fundos de investimento em direitos creditórios”, nos termos de seu preâmbulo.48 Nos termos da Instrução CVM 356, a constituição de um FIDC deve ser deliberada por sua instituição administradora (por vezes tratada com a expressão: “o administrador do fundo”) que, no mesmo ato, deve aprovar também o inteiro teor do seu regulamento (art. 7º). Já o seu art. 32 dispõe que “a administração do fundo pode ser exercida por banco múltiplo, por banco comercial, pela Caixa Econômica Federal, por banco de investimento, por sociedade de crédito, financiamento e investimento, por sociedade corretora de títulos e valores mobiliários ou por sociedade distribuidora de títulos e valores mobiliários”. O regulamento do FIDC é o documento que lhe dá identidade, uma vez que esses fundos devem ser regidos pelas disposições constantes do seu regulamento que, por sua vez, deverá ser elaborado em conformidade com a Instrução CVM 356 (art. 5º). Seguem, então, as características mínimas que devem estar dispostas no regulamento para a constituição e o funcionamento dos FIDC, nos seguintes termos do art. 24 da Instrução CVM 356: Art. 24. O regulamento do fundo deve prever, no mínimo, o seguinte: I – forma de constituição, se condomínio aberto ou fechado; II – taxa de administração ou critério para sua fixação; III – taxa de desempenho ou de performance, quando for o caso e critério detalhado sobre a sua cobrança; IV – demais taxas e despesas; V – política de investimento, discriminando inclusive os critérios de elegibilidade dos direitos creditórios; VI – condições para emissão, negociação, amortização e resgate de cotas, prevendo inclusive: a) a eventual existência de mais de uma classe ou série de cotas, hipótese em que devem ser especificadas as características, os direitos e obrigações de cada uma das classes e séries, assegurando-se que as cotas subordinadas somente poderão ser resgatadas após o resgate das cotas seniores, ressalvado o disposto no art. 18-A; b) que, na amortização de cotas de fundos fechados, deverá ser assegurado que as cotas subordinadas somente poderão ser amortizadas após a amortização das cotas seniores, ressalvado o disposto no art. 18B; e c) os critérios de integralização, amortização e resgate em direitos creditórios, observado o disposto no art. 15 desta Instrução. VII – prazo de carência e/ou intervalo de atualização do valor da cota para fins do respectivo resgate, em se tratando de fundo aberto; VIII – prazo de duração do fundo, que deverá ser determinado ou indeterminado; IX – critérios de divulgação de informações aos condôminos; X – informações sobre: a) a natureza dos direitos creditórios a serem adquiridos e dos instrumentos jurídicos, contratos ou outros documentos representativos do crédito; b) descrição dos processos de origem dos direitos creditórios e das políticas de concessão dos correspondentes créditos; e c) descrição dos mecanismos e procedimentos de cobrança dos direitos creditórios, inclusive inadimplentes, coleta e pagamento/rateio destas despesas entre os membros do condomínio, caso assim seja determinado pelo regulamento do fundo. XI – quando for o caso, referência à contratação de terceiros, com a identificação e qualificação da pessoa jurídica contratada, para prestar os seguintes serviços: a) gestão da carteira do fundo; b) consultoria especializada; e c) custódia. XII – possibilidade de nomeação de representante de condôminos, nos termos do art. 31 desta instrução; 48 Disponível em <http://www.cvm.gov.br>. Acesso em 5/2/2009. 62 XIII – metodologia de avaliação dos ativos do fundo. XIV – os procedimentos a serem adotados na hipótese de rebaixamento de classificação prevista no inciso III do art. 3o da presente Instrução; XV – a relação mínima entre o patrimônio líquido do fundo e o valor das cotas seniores, a periodicidade para apuração e divulgação aos cotistas dessa relação e os procedimentos aplicáveis na hipótese de inobservância desse fator; e XVI – os eventos de liquidação antecipada do fundo, assegurando, no caso de decisão assemblear pela não liquidação do fundo, o resgate das cotas seniores, pelo valor das mesmas, aos cotistas dissidentes que o solicitarem. XVII – autorização para que o custodiante faça a verificação do lastro por amostragem, se for o caso, com especificação dos parâmetros relativos à diversificação de devedores, quantidade e valor médio dos créditos, a serem observados para esse fim (art. 38, §1º). §1o A definição da política de investimento deve especificar: I – as características gerais de atuação do fundo, entre as quais os requisitos de composição e de diversificação da carteira, os riscos de crédito e de mercado e os demais riscos envolvidos; II – os segmentos em que o fundo atuará; III – a possibilidade de realização de aplicações que coloquem em risco o patrimônio do fundo; IV – a possibilidade de realização de operações nas quais a instituição administradora atue na condição de contraparte do fundo; V – que as aplicações no fundo não contam com garantia da instituição administradora ou do Fundo Garantidor de Créditos - FGC; VI – os limites para a realização de aplicações do fundo em direitos creditórios da instituição administradora e/ou de sua coobrigação, bem como de seu controlador, de sociedades por ela direta ou indiretamente controladas e de coligadas ou outras sociedades sob controle comum. Cabe ressaltar, contudo, que as características acima deverão observar os demais requisitos constantes da Instrução CVM 356, os quais não serão apresentados neste trabalho, dada a complexidade dos mesmos. A Instrução CVM 356 prevê ainda que os FIDC deverão ter as seguintes características: a) serem constituídos na forma de condomínio aberto ou fechado; b) receberem aplicações, bem como terem cotas negociadas no mercado secundário, somente quando o subscritor ou o adquirente das cotas for investidor qualificado49; c) cada classe ou série de cotas de sua emissão destinada à colocação pública deve ser classificada por agência classificadora de risco em funcionamento no País; e d) valor mínimo para realização de aplicações de R$ 25.000,00 (art. 3º). A exigência de que os FIDC obtenham registro de funcionamento junto à CVM é prevista no art. 8º da Instrução CVM 356, que dispõe: “O funcionamento dos fundos regulados por esta Instrução depende do prévio registro na CVM”, o qual será solicitado mediante pedido protocolado, devidamente acompanhado dos documentos previstos nesse dispositivo. Quanto à necessidade de registro de oferta pública de distribuição de cotas de FIDC, o art. 20 da Instrução CVM 356 dispõe: “[a] oferta pública de distribuição de cotas de fundo fechado será realizada com observância do disposto na Instrução CVM nº 400/03”, o qual 49 A definição de “investidor qualificado” foi dada na nota de rodapé nº 28 acima. 63 também deverá ser solicitado, para cada nova distribuição, mediante pedido protocolado, devidamente acompanhado dos documentos previstos nesse dispositivo, podendo ser “automaticamente concedido no prazo de 5 (cinco) dias úteis após a data de protocolo na CVM” (§1º do art. 20). 4.4 INSTRUÇÃO CVM 444 (FIDC-NP) A Instrução CVM 444 “dispõe sobre a constituição e o funcionamento dos Fundos de Investimento em Direitos Creditórios Não-padronizados – FIDC-NP”, nos termos de seu art. 1º. O que caracteriza um FIDC NP é o tipo de direito creditório que lastreia suas cotas, conforme melhor explicado no Capítulo 3, item 3.2.2 acima. Quando da elaboração da Instrução CVM 444, a CVM publicou o Edital de Audiência Pública nº 04/200650, submetendo a minuta dessa Instrução (sem número à época) aos comentários do mercado. O texto abaixo, extraído daquele Edital, esclarece o que se pretendeu com a edição dessa Instrução que criou os FIDC NP: A minuta em anexo tem por objetivo instituir tratamento regulatório diferenciado para os FIDC que tenham por objetivo realizar aplicações em direitos creditórios que apresentar características especiais (...), que os diferenciam dos direitos creditórios gerados de operações regularmente realizadas nos segmentos financeiro, comercial, industrial, imobiliário, de hipotecas, de arrendamento mercantil e de prestação de serviços (inciso I do art. 2º da Instrução nº 356). A esses direitos creditórios é dada a denominação de “direitos creditórios não-padronizados.” Nessa categoria incluem-se os direitos creditórios que, no entender da CVM, demandam do investidor uma análise mais aprofundada de aspectos jurídicos (como na hipótese em que a validade jurídica da cessão para o FIDC é considerada um fator preponderante de risco), bem como de aspectos operacionais (como no caso de créditos existência futura e montante desconhecido). Vale ressaltar que a Instrução CVM 444 não dispensa a aplicação da Instrução CVM 356 para os fundos que regula. Pelo contrário, em seu art. 2º, há previsão de que, sem o prejuízo de suas especificidades, a constituição e o funcionamento dos FIDC-NP devem ser regidos pelo disposto na Instrução CVM 356. Dessa forma, o funcionamento dos FIDC-NP, tanto abertos quanto fechados, dependerá de prévio registro na CVM, conforme preceitua a Instrução CVM 356, no que couber. 50 Disponível em <http://www.cvm.gov.br>. Acesso em 20/12/2009. 64 Da mesma forma, as ofertas públicas de distribuição das cotas de sua emissão deverão ser registradas na CVM, seguindo as regras da Instrução CVM 400. Ressalta-se, contudo, que a Instrução CVM 444 apresenta requisitos específicos para o registro dos FIDC NP, que vão além das regras constantes na Instrução CVM 356. Como exemplo, a Instrução CVM 444 prevê especificidade para os casos em que os critérios de elegibilidade do FIDC NP possibilitem a aquisição de créditos “decorrentes de receitas públicas originárias ou derivadas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como de suas autarquias e fundações” (aqueles referidos no inciso II do § 1º do art. 1º da Instrução CVM 444 – mencionados no Capítulo 3, item 3.2.2, deste trabalho). No caso acima, é necessário que os pedidos de registro desses fundos sejam instruídos, ainda, com os seguintes documentos: (i) parecer de advogado acerca da validade da constituição e da cessão dos direitos creditórios ao fundo; (ii) parecer do órgão de assessoramento jurídico competente; e (iii) manifestação acerca da existência de compromisso financeiro que se caracterize como operação de crédito, para efeito do disposto na Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, devendo, em caso positivo, ser anexada competente autorização do Ministério da Fazenda, nos termos do art. 32 da referida Lei Complementar51. A manifestação acerca da existência de compromisso financeiro que se caracterize como operação de crédito, para efeito da Lei Complementar 101/00, acima referida, também é exigida para os fundos que preveem o investimento em direitos creditórios cedidos ou originados por empresas controladas pelo poder público. 4.5 O USO SUBSIDIÁRIO DA INSTRUÇÃO CVM 400 NAS OFERTAS PÚBLICAS DE DISTRIBUIÇÃO DE COTAS DE FIDC O uso subsidiário da Instrução CVM 400 nas ofertas públicas de distribuição de cotas de FIDC decorre de dispositivos, constantes das instruções pertinentes aos FIDC e FIDC-NP, bem como da própria Instrução CVM 400. A Instrução CVM 356, própria dos FIDC, dispõe em seu art. 20: “A oferta pública de distribuição de cotas de fundo fechado será realizada com observância do disposto na Instrução CVM nº 400/03”. 51 Observa-se que este procedimento, que exige a necessidade de apresentação dos documentos mencionados nesse parágrafo, difere do procedimento exigido para o registro dos FIDC regulados pela Instrução CVM 356. 65 A redação dada no disposto acima referido já alcançaria os FIDC-NP, uma vez que a Instrução CVM 444 prevê que a constituição e o funcionamento dos FIDC-NP devem ser regidos pelo disposto na Instrução CVM 356, conforme já mencionado. Não obstante, a própria Instrução CVM 444 prevê, em seu art. 5º, que a distribuição pública de cotas dos FIDC-NP, abertos ou fechados, deve ser realizada mediante a apresentação de prospecto, elaborado nos termos da Instrução CVM 400, fazendo, assim, sua própria remissão ao uso subsidiário desta Instrução. Ademais, a própria Instrução CVM 400, usada em ofertas públicas de distribuição de diferentes valores mobiliários, dispõe, no parágrafo único de seu art. 60: Art. 60. (...) Parágrafo único. A presente Instrução aplica-se a toda e qualquer oferta pública de distribuição de valores mobiliários, salvo, quando houver regulação específica, nas disposições relativas a: I - prospecto e seu conteúdo; II - documentos e informações que deverão instruir os pedidos de registro; III - prazos para a obtenção do registro; IV - prazo para concluir a distribuição; e V - hipóteses de dispensas específicas. Ao mesmo tempo, o art. 54 da Instrução CVM 400 dispõe que as condições previstas para a subscrição ou aquisição de valores mobiliários objeto da oferta pública de distribuição são as seguintes, cumulativamente: (i) obtenção do registro da oferta na CVM; (ii) publicação do Anúncio de Início de Distribuição; e (iii) disponibilidade do prospecto definitivo para os investidores. Dessa forma, no caso de ofertas públicas de distribuição de cotas de FIDC, o uso subsidiário da Instrução CVM 400 se aplica nas disposições relativas a: (i) prospecto, anúncio de início e anúncio de encerramento; (ii) declaração de veracidade do ofertante, nos termos do art. 56 da Instrução CVM 400; (iii) prazos para a obtenção do registro, no caso previsto no § 7º do art. 8º da Instrução CVM 35652; e (iv) hipóteses de dispensas de requisitos. 52 O § 7º do art. 8º da Instrução CVM 356 dispõe: “Nos casos a que se refere o §6º deste artigo, o pedido de registro observará os prazos estabelecidos nos arts. 8º a 10 da Instrução CVM nº 400, de 29 de dezembro de 2003”. Já o referido §6º dispõe: “O registro automático referido no §1º deste artigo não se aplica aos fundos: I – que não observarem o disposto no §8º do art. 40 desta Instrução (trata dos créditos não-performados e sem garantia); II – nos quais os custodiantes exerçam a faculdade de que trata o §3º do art. 38 (trata da faculdade de os custodiantes não realizarem a verificação periódica dos ativos-lastro do fundo); e III – que realizem aplicações em direitos creditórios cedidos ou originados por empresas controladas pelo poder público”. Nesses casos, o FIDC não faz jus aos registros de funcionamento e distribuição automáticos, devendo observar os prazos previstos pela Instrução CVM 400. 66 Antes de discorrer sobre os pontos acima mencionados, vale esclarecer que a Instrução CVM 400 define “oferta pública de distribuição de valores mobiliários” como qualquer esforço de venda de tais valores feito ao público, nos seguintes termos de seu art. 3º: Art. 3º. São atos de distribuição pública a venda, promessa de venda, oferta à venda ou subscrição, assim como a aceitação de pedido de venda ou subscrição de valores mobiliários, de que conste qualquer um dos seguintes elementos: I - a utilização de listas ou boletins de venda ou subscrição, folhetos, prospectos ou anúncios, destinados ao público, por qualquer meio ou forma; II - a procura, no todo ou em parte, de subscritores ou adquirentes indeterminados para os valores mobiliários, mesmo que realizada através de comunicações padronizadas endereçadas a destinatários individualmente identificados, por meio de empregados, representantes, agentes ou quaisquer pessoas naturais ou jurídicas, integrantes ou não do sistema de distribuição de valores mobiliários, ou, ainda, se em desconformidade com o previsto nesta Instrução, a consulta sobre a viabilidade da oferta ou a coleta de intenções de investimento junto a subscritores ou adquirentes indeterminados; III - a negociação feita em loja, escritório ou estabelecimento aberto ao público destinada, no todo ou em parte, a subscritores ou adquirentes indeterminados; ou IV - a utilização de publicidade, oral ou escrita, cartas, anúncios, avisos, especialmente através de meios de comunicação de massa ou eletrônicos (páginas ou documentos na rede mundial ou outras redes abertas de computadores e correio eletrônico), entendendo-se como tal qualquer forma de comunicação dirigida ao público em geral com o fim de promover, diretamente ou através de terceiros que atuem por conta do ofertante ou da emissora, a subscrição ou alienação de valores mobiliários.53 E acrescenta no §1º do referido dispositivo: Para efeito desta Instrução, considera-se como público em geral uma classe, categoria ou grupo de pessoas, ainda que individualizadas nesta qualidade, ressalvados aqueles que tenham prévia relação comercial, creditícia, societária ou trabalhista, estreita e habitual, com a emissora. 4.5.1 Sobre os Documentos de Divulgação da Oferta: Prospecto, Anúncio de Início de Distribuição, Anúncio de Encerramento de Distribuição e Outros Quanto aos documentos utilizados para divulgação nas ofertas públicas de distribuição de cotas de FIDC, os mesmos já são previstos no próprio atrt. 8º da Instrução CVM 356: Art. 8o O funcionamento dos fundos regulados por esta instrução depende do prévio protocolo na CVM dos seguintes documentos: (...) II – dois exemplares do prospecto; 53 Disponível em <http://www.cvm.gov.br>. Acesso em 14/12/2008. 67 III – material de divulgação a ser utilizado na distribuição de cotas do fundo; (...) §1o No caso de fundo fechado, a cada distribuição de cotas, devem ser previamente protocolados na CVM também os seguintes documentos: (...) III – minuta do anúncio de início de distribuição a ser publicado, previamente à distribuição de cotas, no periódico utilizado para divulgação das informações do fundo; IV – minuta do anúncio de encerramento de distribuição, que deve ser publicado, após o encerramento da distribuição de cotas, no mesmo periódico mencionado no inciso anterior; e V – qualquer informação adicional que venha a ser disponibilizada aos potenciais investidores. Dos documentos acima elencados, a utilização do prospecto e dos anúncios de início e de encerramento de distribuição não é opcional, mas obrigatória nas ofertas públicas de distribuição de cotas de FIDC, salvo em casos de pedido de excepcionalidade54. No entanto, a Instrução CVM 356 não estabelece, no próprio diploma, forma e conteúdo para tais documentos, mas prevê que “a oferta pública de distribuição de cotas de fundo fechado será realizada com observância do disposto na Instrução CVM nº 400/03” (art. 20). Assim, cabe à Instrução CVM 400 a tarefa de formatar o prospecto e os anúncios de início e de encerramento de distribuição, que serão usados nas ofertas públicas de distribuição de cotas de FIDC, estabelecendo ainda as informações mínimas que tais documentos deverão disponibilizar ao público investidor. No que diz respeito ao prospecto, sua utilização nas ofertas públicas de distribuição de cotas de FIDC já é prevista no art. 5º da Instrução CVM 35655, além do já mencionado art. 8º, em como é condição para o registro de funcionamento de FIDC aberto56 e para o registro de oferta de cotas de FIDC fechado57. 54 São os pedidos de dispensa de requisitos da oferta, nos termos do art. 4º da Instrução CVM 400, assunto que será tratado a seguir com maiores detalhes. 55 O referido art 5o dispõe: “O fundo é regido pelas normas em vigor e pelas disposições constantes do seu regulamento elaborado em conformidade com a presente instrução, devendo divulgar suas principais características junto ao público através de um prospecto elaborado em conformidade com a presente instrução”. 56 Assim dispõe o inciso II do art. 8º da Instrução CVM 356: “O funcionamento dos fundos regulados por esta Instrução depende do prévio registro na CVM. (...) II – 3 (três) exemplares do prospecto, quando se tratar de fundo aberto”. Vale lembrar que FIDC aberto é dispensado de registro de oferta pública de distribuição de cotas de sua emissão, nos termos do art. 21 da Instrução CVM 356, que dispõe: “A distribuição de cotas de fundo aberto independe de prévio registro na CVM, e será realizada por instituições intermediárias integrantes do sistema de distribuição de valores mobiliários.”, observadas as ressalvas dispostas em seus §§ 1º e 2º, conforme já foi tratado acima. 57 Assim dispõe o inciso IV do §1º do art. 20 da Instrução CVM 356: “A oferta pública de distribuição de cotas de fundo fechado será realizada com observância do disposto na Instrução CVM nº 400/03. §1º (...) deverão ser apresentados a cada nova distribuição: IV – 3 (três) exemplares do prospecto”. 68 4.5.1.1 Prospecto da Oferta Nos termos do art. 38 da Instrução CVM 400 “[p]rospecto é o documento elaborado pelo ofertante [no caso dos FIDC, pelo administrador] em conjunto com a instituição líder da distribuição [se houver], obrigatório nas ofertas públicas de distribuição de que trata esta Instrução, e que contém informação completa, precisa, verdadeira, atual, clara, objetiva e necessária, em linguagem acessível, de modo que os investidores possam formar criteriosamente a sua decisão de investimento”. A Instrução CVM 400 prevê ainda que os prospectos deverão conter dados e informações sobre a oferta, os valores mobiliários objeto da oferta e os direitos que lhes são inerentes, terceiros garantidores de obrigações relacionadas com os valores mobiliários objeto da oferta e terceiros que venham a ser destinatários dos recursos captados com a oferta, sem que omitam fatos relevantes, nem contenham informações que possam induzir os investidores a erros.58 Como conteúdo mínimo, os prospectos deverão apresentar as informações e os documentos constantes dos Anexos III e III-A da Instrução CVM 400, no que couber. A CVM poderá ainda exigir do ofertante e/ou da emissora, inclusive com vistas à inclusão no Prospecto, as informações adicionais que julgar adequadas, além de advertências e considerações que entender cabíveis para a análise e compreensão dos prospectos pelos investidores.59 4.5.1.2 Anúncio de Início de Distribuição A obrigação da publicação do Anúncio de Início da oferta pública de distribuição de cotas do FIDC é prevista nos seguintes termos do art. 52 da Instrução CVM 400: Art. 52. A instituição líder deverá dar ampla divulgação à oferta, por meio de Anúncio de Início de Distribuição, nos termos do Anexo IV, publicado nos jornais onde a emissora normalmente publica seus avisos. Parágrafo único. O ofertante poderá fazer a divulgação mencionada no caput através de aviso resumido publicado nos jornais ali mencionados, indicando a página 58 Conforme redação dada nos arts. 39 e 40 da Instrução CVM 400. Disponível em <http://www.cvm.gov.br>. Acesso em 16/12/2008. 59 Conforme redação dada no §2º do art. 39 da Instrução CVM 400. Disponível em <http://www.cvm.gov.br>. Acesso em 16/12/2008. 69 na rede mundial de computadores onde os investidores poderão obter as informações detalhadas e completas. Além disso, o item 7 do Anexo II da Instrução CVM 400 prevê a necessidade de apresentação à CVM de minuta de anúncio de início de distribuição como requisito para o registro de oferta.60 Vale ressaltar, contudo, a previsão normativa para a substituição da publicação do anúncio de início pelo aviso resumido, desde que seja disponibilizado em site documento cujas informações disponíveis correspondam àquelas previstas no Anexo IV da Instrução CVM 400, nos termos do dispositivo supramencionado. No caso dos FIDC, caberá ao administrador do fundo o dever da ampla divulgação da oferta, quando este for o próprio distribuidor das cotas, caso em que não haja outra instituição atuando como líder da distribuição. Cabe observar que o anúncio de início de distribuição funciona também como um marco para a validade do prazo de uma oferta pública de distribuição de cotas de FIDC. Nesse sentido, o caput do art. 17 da Instrução CVM 400 prevê que “o registro de distribuição de valores mobiliários caducará se o Anúncio de Início de Distribuição e o Prospecto (...) não forem divulgados até 90 (noventa) dias após a sua obtenção”. Já o inciso II do art. 9º da Instrução CVM 356, prevê que a CVM poderá determinar a liquidação do FIDC fechado, “quando, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, a contar da data da publicação do anuncio de início de distribuição, não for subscrita a totalidade das cotas representativas do seu patrimônio inicial, salvo na hipótese de cancelamento do saldo não colocado, antes do referido prazo, desde que haja previsão expressa no regulamento nesse sentido”. Vale ressaltar, ainda, a possibilidade de prazo de 180 dias supramencionado ser prorrogado pela CVM, “a seu exclusivo critério”, “em virtude de solicitação fundamentada (...) por outro período, no máximo, igual ao prazo inicial”, nos termos do § 2º do art. 9º da Instrução CVM 356. 60 O Anexo II da Instrução CVM 400 relaciona os “documentos e informações exigidos para registro”. O item 7 desse anexo prevê: “7. minuta do Anúncio de Início de Distribuição, o qual deve conter, no mínimo, as informações previstas no Anexo IV”. O Anexo IV a que o item 7 se refere consta da Instrução CVM 400. 70 4.5.1.3 Anúncio de Encerramento de Distribuição Quanto à elaboração e à publicação do anúncio de encerramento de distribuição, a necessidade de sua apresentação à CVM em forma de minuta como requisito para o registro de oferta é prevista pelo item 8 do Anexo II da Instrução CVM 40061. Além disso, o art. 29 da Instrução CVM 400 dispõe: Art. 29. O resultado da oferta deverá ser publicado, nos termos do Anexo V, tão logo terminado o prazo nela estipulado ou imediatamente após a distribuição da totalidade dos valores mobiliários que dela são objeto, o que ocorrer primeiro. Parágrafo único. Caso a totalidade dos valores mobiliários ofertados seja, até a data de publicação do Anúncio de Início de Distribuição, colocada junto aos investidores através de coleta de intenções de investimento 62, será admitida a substituição deste anúncio pela publicação apenas de Anúncio de Distribuição e Encerramento, o qual deverá conter todas as informações dos Anexos IV e V. 4.5.2 Sobre a Possibilidade de Dispensa de Requisitos nos Registros de Funcionamento e de Ofertas Públicas de Distribuição de Cotas de FIDC A Instrução CVM 356 é silente quanto à possibilidade de dispensar os FIDC de requisitos nela previstos para a concessão do registro de seu funcionamento. De modo diferente, a Instrução CVM 444 prevê tal possibilidade para os FIDC-NP, nos seguintes termos de seu art. 9º. Art. 9º A CVM poderá, a seu critério e sempre observados o interesse público, a adequada informação e a proteção ao investidor, autorizar procedimentos específicos e dispensar o cumprimento de dispositivos da Instrução CVM nº 356/01, para os fundos registrados na forma desta Instrução. § 1º O pedido de dispensa de que trata o caput deste artigo deverá: 61 O item 8 do referido Anexo II prevê: “8. minuta do Anúncio de Encerramento de Distribuição, contendo, no mínimo, as informações previstas no Anexo V”. O Anexo V a que o item 8 se refere consta da Instrução CVM 400.. 62 Há caso em que, antes mesmo da publicação do anúncio de início, o que marcaria efetivamente o início da oferta, o administrador e, se for o caso, a instituição administradora se utilizam de um procedimento chamado de “coleta de intenções”. Isso é muito usado, por exemplo, quando se pretende definir a a expectativa de rentabilidade das cotas junto aos potenciais investidores, ao invés de o administrador do FIDC já fazer a oferta com tal rentabilidade definida previamente. Essa prática também é conhecida no mercado como “procedimento de bookbuilding”. Nesses casos, é possível que, quando do fim da coleta de intenções, os potenciais investidores participantes de tal coleta já tenham assumido o compromisso de subscrição de todas as cotas ofertas. Por isso, a possibilidade de publicação de um único documento que substitua tanto o anúncio de início quanto o anúncio de encerramento da oferta, sem contudo deixar de dar a devida publicidade ao mercado, quanto as características da oferta e quanto ao seu encerramento e resultado. 71 I – identificar o nome do administrador do fundo, demais prestadores de serviços e todas as pessoas envolvidas na operação, não sendo considerado pela CVM pedido fundamentado em situação hipotética; II – limitar-se à questão objeto da dispensa pleiteada, evitando contemplar possíveis situações que podem ocorrer no futuro; III – ser conciso e objetivo, não obstante conter todos os fatos e documentos necessários para se concluir sobre a dispensa. § 2º O requerente deverá emitir sua opinião fundamentada sobre a legalidade do pedido. § 3º A CVM poderá conceder tratamento confidencial para o pedido, desde que solicitado e fundamentado pelo requerente. § 4º Será admitida a apresentação simultânea do pedido de registro de funcionamento dos fundos de que trata esta Instrução e do pedido de dispensa de requisitos para a concessão de registro. Uma vez que a Instrução CVM 356 não prevê tal possibilidade de procedimento diferenciado e/ou dispensa de requisitos, a Instrução CVM 400 é usada subsidiariamente também para tratar de dessa matéria, visto que, quando o administrador de um FIDC solicita o seu registro de funcionamento na CVM, ele o faz combinado com o pedido de oferta pública de distribuição de suas cotas. Nesse sentido, o art. 4º da Instrução CVM 400 prevê: Art. 4º Considerando as características da oferta pública de distribuição de valores mobiliários, a CVM poderá, a seu critério e sempre observados o interesse público, a adequada informação e a proteção ao investidor, dispensar o registro ou alguns dos requisitos, inclusive publicações, prazos e procedimentos previstos nesta Instrução. § 1º Na dispensa mencionada no caput, a CVM considerará, cumulativa ou isoladamente, as seguintes condições especiais da operação pretendida: I - a categoria do registro de companhia aberta (art. 4º, § 3º, da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976); II - o valor unitário dos valores mobiliários ofertados ou o valor total da oferta; III - o plano de distribuição dos valores mobiliários (art. 33, § 3º); IV - a distribuição se realizar em mais de uma jurisdição, de forma a compatibilizar os diferentes procedimentos envolvidos, desde que assegurada, no mínimo, a igualdade de condições com os investidores locais; V - características da oferta de permuta; VI - o público destinatário da oferta, inclusive quanto à sua localidade geográfica ou quantidade; ou VII - ser dirigida exclusivamente a investidores qualificados. §2º O pedido de dispensa de registro ou de requisitos do registro será formulado pelo ofertante, e pela instituição intermediária, se for o caso, em documento fundamentado, nos termos do Anexo I, que conterá as justificativas identificadas pelos requerentes para a concessão da dispensa, aplicando-se na análise os prazos previstos nos arts. 8º e 9º. §3º Fica facultada a apresentação do pedido de registro de distribuição conjunta e simultaneamente ao pedido de dispensa de requisitos de registro. §4º Na hipótese de dispensa de requisitos de registro com base no inciso VII do § 1º, deverá ser, adicionalmente, observado o seguinte: I - o ofertante apresentará à CVM, juntamente com o pedido fundamentado mencionado no § 2º deste artigo, modelo de declaração a ser firmado pelos subscritores ou adquirentes, conforme o caso, da qual deverá constar, obrigatoriamente, que: 72 a) têm conhecimento e experiência em finanças e negócios suficientes para avaliar os riscos e o conteúdo da oferta e que são capazes de assumir tais riscos; b) tiveram amplo acesso às informações que julgaram necessárias e suficientes para a decisão de investimento, notadamente aquelas normalmente fornecidas no Prospecto; e c) têm conhecimento de que se trata de hipótese de dispensa de registro ou de requisitos, conforme o caso, e se comprometem a cumprir o disposto no inciso III deste parágrafo. II - todos os subscritores ou adquirentes dos valores mobiliários ofertados firmarão as declarações indicadas no inciso I deste parágrafo, as quais deverão ser inseridas nos boletins de subscrição ou recibos de aquisição; III - o investidor qualificado que tenha subscrito ou adquirido valores mobiliários com base na dispensa do inciso VII, do § 1º do art. 4º e pretenda vender os valores mobiliários adquiridos ou subscritos a investidor não qualificado antes de completados 18 (dezoito) meses do encerramento da distribuição somente poderá fazê-lo se for previamente obtido o registro de negociação em mercado, a que se refere o art. 21 da Lei nº 6.385, de 1976, salvo se os valores mobiliários adquiridos se enquadrarem nas hipóteses do § 1º do art. 2º desta Instrução; IV - os prazos de análise previstos no § 3º do art. 13. 4.5.3 Sobre a Dispensa de Registro de Oferta Pública de Distribuição Além da previsão de dispensa de requisitos, acima mencionada, a Instrução CVM 400 prevê, ainda, a possibilidade de dispensar a oferta pública de distribuição de valores mobiliários, nos seguintes termos do seu art. 5º: Art. 5º Sem prejuízo de outras hipóteses que serão apreciadas especificamente pela CVM, será automaticamente dispensada de registro, sem a necessidade de formulação do pedido previsto no art. 4º, a oferta pública de distribuição: I - de que trata a Instrução CVM nº 286, de 31 de julho de 1998, que dispõe sobre alienação de ações de propriedade de pessoas jurídicas de direito público e de entidades controladas direta ou indiretamente pelo Poder Público e dispensa os registros de que tratam os arts. 19 e 21 da Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976, nos casos que especifica; II - de lote único e indivisível de valores mobiliários; III - valores mobiliários de emissão de empresas de pequeno porte e de microempresas, assim definidas em lei. Nesses casos, porém, os valores mobiliários dispensados de registro de oferta pública de distribuição ficam impedidos de serem negociados em mercados de bolsa de valores e de balcão, nos termos do art. 2º da Instrução CVM 400: Art. 2º Toda oferta pública de distribuição de valores mobiliários nos mercados primário e secundário, no território brasileiro, dirigida a pessoas naturais, jurídicas, fundo ou universalidade de direitos, residentes, domiciliados ou constituídos no Brasil, deverá ser submetida previamente a registro na Comissão de Valores Mobiliários – CVM, nos termos desta Instrução. 73 §1º Somente poderão ser negociados em bolsa de valores ou mercado de balcão: I - valores mobiliários distribuídos publicamente através de oferta primária ou secundária registrada na CVM; ou II - valores mobiliários que não tenham sido subscritos publicamente, desde que valores mobiliários do mesmo tipo, classe, espécie e série já estejam admitidos à negociação em bolsa de valores ou mercado de balcão. §2º Podem, ainda, ser negociados em bolsa de valores ou mercado de balcão valores mobiliários que não se enquadrem nas hipóteses do § 1º, desde que sejam previamente submetidos a registro de negociação ou a sua dispensa, nos termos do art. 21, incisos I e II, da Lei nº 6.385/76, mediante apresentação de prospecto nos termos desta Instrução. 4.6 O USO SUBSIDIÁRIO DA INSTRUÇÃO CVM Nº 476/09 Mais recentemente, a CVM baixou a Instrução CVM 476 que “dispõe sobre as ofertas públicas de valores mobiliários distribuídas com esforços restritos e a negociação desses valores mobiliários nos mercados regulamentados”, nos termos de seu preâmbulo. Nos termos do seu art. 6º, “as ofertas públicas distribuídas com esforços restritos estão automaticamente dispensadas do registro de distribuição de que trata o caput do art. 19 da Lei nº 6.385, de 1976”. Já a definição e as características de oferta pública com esforço restrito vêm dos arts. 2º e 3º da Instrução CVM 476, abaixo transcritos: Art. 2º As ofertas públicas distribuídas com esforços restritos deverão ser destinadas exclusivamente a investidores qualificados e intermediadas por integrantes do sistema de distribuição de valores mobiliários. Parágrafo único. Não será permitida a busca de investidores através de lojas, escritórios ou estabelecimentos abertos ao público, ou com a utilização de serviços públicos de comunicação, como a imprensa, o rádio, a televisão e páginas abertas ao público na rede mundial de computadores. Art. 3º Nas ofertas públicas distribuídas com esforços restritos: I – será permitida a procura de, no máximo, 50 (cinqüenta) investidores qualificados; e II – os valores mobiliários ofertados deverão ser subscritos ou adquiridos por, no máximo, 20 (vinte) investidores qualificados. Parágrafo único. Fundos de investimento cujas decisões de investimento sejam tomadas pelo mesmo gestor serão considerados como um único investidor para os fins dos limites previstos neste artigo. Dessa forma, os FIDC estruturados em observação à regra prevista na Instrução CVM 476 podem ofertar publicamente as cotas de sua emissão, sem que tal oferta seja registrada na CVM. 74 4.7 COTAS DE FIDC COMO VALORES MOBILIÁRIOS O conceito de valor mobiliário vem do art. 2º da Lei 6.385/76, que dispõe63: Art. 2º. São valores mobiliários sujeitos ao regime desta Lei: I - as ações, debêntures e bônus de subscrição; II - os cupons, direitos, recibos de subscrição e certificados de desdobramento relativos aos valores mobiliários referidos no inciso II; III - os certificados de depósito de valores mobiliários; IV - as cédulas de debêntures; V - as cotas de fundos de investimento em valores mobiliários ou de clubes de investimento em quaisquer ativos; VI - as notas comerciais; VII - os contratos futuros, de opções e outros derivativos, cujos ativos subjacentes sejam valores mobiliários; VIII - outros contratos derivativos, independentemente dos ativos subjacentes; e IX - quando ofertados publicamente, quaisquer outros títulos ou contratos de investimento coletivo, que gerem direito de participação, de parceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros. (grifamos) Quanto à classificação de cotas de FIDC como valores mobiliários, vale mencionar que, de acordo com o entendimento da CVM, tais cotas somente serão consideradas como valores mobiliários quando forem objetos de ofertas públicas de distribuição, nos termos do inciso IX do art. 2º da Lei 6.385/76, não cabendo chamar de valores mobiliários as cotas de FIDC colocadas a investidores, de modo privado. Sobre esse tema, o Colegiado da CVM já se manifestou, em decisão datada de 21/12/2006, no âmbito do Processo CVM nº RJ-2005-2345, nos seguintes termos do voto do relator, o então Presidente Marcelo Fernandez Trindade: (...) A Lei 6.385/76, como se sabe, estabeleceu que „nenhuma emissão pública de valores mobiliários será distribuída no mercado sem prévio registro‟ na CVM (art. 19). Por força da nova redação dada ao art. 2º da mesma lei pela Lei 10.303/01, as cotas de fundos de investimento em valores mobiliários (em qualquer caso, cf. inciso V) e as cotas de outros fundos de investimento, quando ofertadas publicamente (inciso IX), foram incluídas no conceito de valores mobiliários. Daí resulta que toda oferta pública de cotas de fundo de investimento só pode ser realizada após a obtenção de registro perante a CVM. (...) Pelas razões antes expostas, não me parece possível a colocação privada de cotas de fundos regulados pela CVM. Contudo, nas hipóteses em que, no futuro, o registro de distribuição de certas colocações públicas de cotas de fundos de investimento vier a ser dispensado, parece-me que deverão ser aplicadas regras similares àquelas da Instrução 400/03, que admitem a negociação no mercado secundário após o decurso do período de 18 meses. 63 Disponível em <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 11/12/2008. 75 Nada obstante, entendo que na hipótese de tal autorização vir a ser concedida, ela deveria constar de norma genérica aplicável a todos os Fundos Fechados. Finalmente, pelas razões que expus, parece-me que não há, nem necessidade, nem possibilidade, de registro na CVM de fundos de investimento em geral cujas cotas destinem-se à colocação privada, sem prejuízo de que, em busca da segurança jurídica decorrente da existência de regulamentação, ou por qualquer outra razão lícita, os administradores obtenham o registro de fundos junto à CVM, sujeitando-se a todos os ônus inerentes, e não venham a realizar efetivo esforço de colocação pública.64 64 Disponível em <http://www.cvm.gov.br>. Acesso em 12/12/2008. 5 O MERCADO DE FIDC Este capítulo apresenta um panorama do mercado de FIDC, desde 2002, data de constituição do primeiro FIDC, até dezembro de 2009. Os dados apresentados têm como fonte as informações disponíveis nos sites da CVM65 e Uqbar66. Ressalta-se que os dados referentes ao FIDC NP do Sistema Petrobras, mencionado no item 5.2, não entram nas estatísticas gráficas do item 5.1, em função da desproporcionalidade de seu tamanho em relação ao mercado de FIDC, como será melhor explicitado neste trabalho. 5.1 DADOS ESTATÍSTICOS DO MERCADO DE FIDC Os gráficos abaixo mostram a evolução do mercado de securitização via FIDC. 5.1.1 Evolução da quantidade de ofertas públicas de distribuição de cotas de FIDC registradas na CVM, entre os anos 2002 e 2009 80 70 60 50 40 30 20 10 0 2002 2004 2006 2008 Figura 1 - Fonte CVM 65 66 Disponível em <www.cvm.gov.br>. Acesso em 12/4/2010. Publicações editadas pela Uqbar, disponíveis em <www.uqbar.gov.br>. Acesso em 12/4/2010. 77 5.1.2 Evolução da quantidade de ofertas públicas de distribuição de cotas de FIDC dispensadas de registro na CVM, entre os anos 2002 e 2009. No gráfico abaixo, consideram-se as ofertas dispensas de registro, com base no art. 21 da Instrução CVM 356 (fundo de condomínio aberto), no art. 5º da Instrução CVM 400 (lote único e indivisível), e na Instrução CVM 476 (ofertas com esforços restritos). Ressalta-se, portanto, que, até 2008, as dispensas ocorriam apenas com base no art. 5º da Instrução CVM 400 (com o conceito de lote único e indivisível) e no art. 21 da Instrução CVM 356 (conceito de fundo aberto dispensado de registro na CVM), de modo que as colunas referentes aos anos 2002 a 2008 abaixo representam a quantidade dos FIDC dispensados de registro de oferta nessas duas modalidades apenas. Já a coluna representativa do ano 2009 do gráfico abaixo conta também com os números referentes às dispensas de ofertas de cotas de FIDC por conta da aplicação da Instrução CVM 476. Apenas três fundos se utilizaram dessa norma, em ofertas que montam um total de R$ 120.490.644,86, no ano de 2009. 70 60 50 40 30 20 10 0 2002 2004 2006 2008 Figura 2 - Fonte CVM 5.1.3 Evolução dos montantes correspondentes às ofertas públicas de distribuição de cotas de FIDC, em moeda corrente nacional entre os anos 2002 e 2009. Ressalta-se que neste item não foram considerados os montantes referentes às dispensas de registro, pois, pela pesquisa no site da CVM, algumas dessas ofertas são apresentadas com a expressão: “montante não informado”, tornando inadequada a consideração desse parâmetro para a análise do presente trabalho, por motivo de imprecisão. 78 14000 12000 10000 8000 Montante em R$ Milhões 6000 4000 2000 0 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 Figura 3 - Fonte CVM 5.1.4 Composição das emissões de cotas de FIDC, por ativo-lastro em porcentagem (comparativo entre 2008 e 2009) O eixo horizontal representa os diferentes ativos-lastro, e o eixo vertical representa a porcentagem desses ativos nos fundos que emitiram cotas nos respectivos anos. 40 35 30 25 20 15 10 5 0 em porcentagem para 2008 em porcentagem para 2009 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 Figura 4 - Fonte Uqbar No eixo horizontal do gráfico acima são representados os seguintes ativos-lastro, devidamente classificados na tabela a seguir, segundo os critérios adotados pela Uqbar. Ativo-lastro 1- Multiclasse Características Créditos que incluem duas ou mais classes de ativolastro dentre as mencionadas abaixo nesta tabela. 79 2- Recebíveis Comerciais Créditos de curto prazo, geralmente 30 a 90 dias, decorrentes da venda de um bem ou serviço realizado por pessoas jurídicas. Estes ativos são regularmente utilizados por empresas como fonte de geração de capital de giro através de desconto destes junto a instituições financeiras (e.g. desconto de duplicatas ou cheques). 3- Financiamento de Veículos Créditos decorrentes de financiamentos para a aquisição de veículos automotores, tendo como tomador tanto pessoas físicas como jurídicas. 4- Crédito Pessoal Créditos decorrentes de financiamentos para consumo não-específico. Inclui operações de financiamento com e sem consignação em folha de pagamento, cartão de crédito e cheque especial. 5- Setor Público Créditos que têm como devedor o governo federal, estadual ou municipal, ou empresas cuja totalidade do controle acionário é detido pelo poder público, decorrentes da emissão de instrumentos de dívida, assunção e/ou reestruturação de passivos. 6- Crédito Pessoa Jurídica Créditos decorrentes de financiamentos à pessoa jurídica, geralmente têm como finalidade a aquisição de bens (excluindo imóveis e veículos, já pertencentes a outras classes), mas podem incluir outros fins como, por exemplo, comércio exterior, infra-estrutura e desenvolvimento. 7- Prestação de Serviço Público Créditos decorrentes da prestação de serviços públicos (e.g. saneamento básico). 8- Crédito Imobiliário Créditos decorrentes de financiamentos para a aquisição de imóveis residenciais ou comerciais. Inclui operações realizadas no Sistema Financeiro Imobiliário (SFI) e Sistema Financeiro da Habitação (SFH), tendo como tomador tanto pessoas físicas como jurídicas. 9- Recebíveis Educacionais Créditos incluem financiamentos a pessoa física com fins educacionais (e.g. pagamento de empréstimo para cursar uma universidade) e pagamentos decorrentes da prestação de serviços educacionais (e.g. mensalidade escolar). 10- Recebíveis do Agronegócio Créditos decorrentes de financiamentos rural e agroindustrial, tendo como tomador tanto pessoas físicas como jurídicas. Finalidades para estes financiamentos incluem investimento, custeio ou comercialização da produção. 11- Títulos Mobiliários Créditos decorrentes do investimento em valores mobiliários (e.g. debêntures, commercial papers, etc.). 80 12- Direitos Créditos decorrentes da cobrança de direitos trabalhistas ou cobrança de uma patente de produto, processo de produção, marca, etc. para permitir seu uso ou comercialização. 13- Tributos Créditos decorrentes de impostos devidos ao setor público por pessoas físicas e jurídicas. 5.1.5 Participação por classe de investidor de cotas de FIDC em 2009 O gráfico abaixo representa a participação por classe de investidor de cotas de FIDC em 2009. Este também é um gráfico obtido com dados oriundos da Uqbar, que acrescenta o seguinte esclarecimento quanto ao critério utilizado: “Essa estatística está baseada em dados coletados pela Uqbar nos anúncios de encerramento de distribuição, que representaram aproximadamente 59,6% do total emitido no ano [de 2009].” 51% - Fundos de Investimento 15,2% - Instituições financeiras ligados a(os) originador(es) dos créditos 15,0% - Demais instituições financeiras 7,8% - Entidades de previdência privada 5,1% - Instituições intemediárias participantes do consórcio de distribuição 4,1% - Pessoas (físicas ou jurídicas) ligadas ao(s) originador(es) dos créditos 0,8% - Investidores estrangeiros 0,7% - Demais pessoas jurídicas 0,4% - Demais pessoas físicas Figura 5 - Fonte Uqbar 5.1.6 Comentários sobre os dados estatísticos Em que pese parecer não ter havido crescimento nas emissões entre os anos 2005 e 2008, quando se analisa o gráfico constante do item 5.1.1 isoladamente, verifica-se não ser 81 verdadeira essa conclusão, ao se considerar a análise do gráfico constante do item 5.1.2 conjuntamente. O gráfico do item 5.1.2 mostra um forte incremento de emissões de cotas de FIDC dispensadas de registro na CVM, quando se compara o ano 2007 com os anos anteriores. Já no ano 2008, tal incremento é ainda mais significativo, chagando ao dobro da quantidade de emissões de cotas de FIDC dispensadas de registro na CVM, em relação ao ano anterior. Desse modo, observa-se que, quando sobrepostos, os gráficos constantes dos itens 5.1.1 e 5.1.2 apontam para o forte incremento nas operações de securitização via FIDC, à exceção do ano 2009. A exceção quanto ao crescimento observado é verificada no ano 2009, em função da crise iniciada em setembro de 2008 na economia mundial, que se estendeu até o ano seguinte. A referida crise enxugou significativamente a liquidez do mercado, afetando diretamente o mercado de crédito, no qual se encontram as operações de securitização de recebíveis, inclusive via FIDC. O estudo de caso do FIDC NP do Sistema Petrobras, apresentado no item 5.2 a seguir, traz dados estatísticos desse fundo que exemplificam a dimensão da influência da referida crise no mercado de FIDC, bem como a capacidade de recuperação desse mercado, passado o período da crise. Da análise do gráfico constante do item 5.1.4, conclui-se pela absoluta prevalência dos fundos multi recebíveis, conforme já havia sido mencionado no item 3.4. Já, da análise do gráfico constante do item 5.1.5 acima, observa-se ser mínima a participação de investidores pessoas físicas como subscritores de cotas de FIDC, mesmo se considerarmos aquelas ligadas aos originadores dos créditos. A grande predominância de investidores são os fundos de investimentos (51,0%), seguidos de instituições financeiras, essas últimas ligadas (15,2%) ou não (15,0%) aos originadores dos créditos. Da análise acima, observa-se que esse mercado é de baixa pulverização, uma vez que é significativamente baixa a participação de pessoa física. Observa-se, ainda, que instituições, financeiras ou não, ligadas aos originadores subscrevem boa parte das cotas de emissão dos fundos. Sobre esse ponto, vale ressaltar duas características que contribuem para esse fenômeno: (i) as cotas subordinadas, consideradas como uma forma de garantia de performance para as cotas seniores, são subscritas predominantemente pelos próprios cedentes do crédito, ou por empresas ligadas aos mesmos; 82 e (ii) instituições ligadas aos originadores dos créditos que subscrevem as cotas dos FIDC podem estar otimizando a alocação de recursos disponíveis entre as diferentes empresas de um mesmo grupo econômico. Este último fenômeno é encontrado no FIDC NP do Sistema Petrobras, descrito a seguir. 5.2 O FIDC NP DO SISTEMA PETROBRAS O FIDC NP do Sistema Petrobras foi constituído sob a forma de condomínio aberto, e teve seu funcionamento registrado na CVM em 23/11/2007, data em que obteve ainda a dispensa de registro de oferta pública de distribuição de suas cotas, com base no art. 5º da Instrução CVM 400. Como se observará no gráfico abaixo com os dados de seu patrimônio líquido, em comparação com os gráficos apresentados no item 5.1.3, o FIDC NP do Sistema Petrobras é maior do que o próprio mercado de FIDC, considerando a soma de todos os demais FIDC, motivo pela qual não foi considerado na análise estatística da seção 5.1. Nos termos do item 13.1 do seu regulamento “[a]s Cotas serão divididas em duas classes - Seniores e Subordinadas”. Já sobre a quantidade mínima de cotas subordinadas para o funcionamento do fundo, item 14.5 do regulamente prevê: 14.5 A relação mínima admitida entre o Patrimônio Líquido e o valor das Cotas Seniores em circulação será de 100% (cem por cento), observada a necessidade de existência de pelo menos uma Cota Subordinada. Dessa feita, não haverá possibilidade de desenquadramento. A oferta pública de distribuição de suas cotas foi dispensada de registro na CVM, nos termos do art. 5º da Instrução CVM 400, por se destinar exclusivamente a empresas do mesmo grupo econômico, a saber, as empresas do Sistema Petrobras, definidas no regulamento do fundo como sendo a “Petróleo Brasileiro S.A. e empresas por ela controladas, direta ou indiretamente”. 83 Sobre as duas características supramencionadas (o fato de ser fundo aberto e de as cotas serem destinadas exclusivamente a empresas do Sistema Petrobras), o regulamento do fundo dispõe o seguinte, nos seus itens 1.1, 1.1.1 e 2.1: 1.1 O Fundo é uma comunhão de recursos destinada preponderantemente à aquisição de direitos creditórios performados e/ou não-performados originários de operações realizadas por empresas do Sistema PETROBRAS nos segmentos industrial, comercial e de prestação de serviços. O Fundo poderá adquirir direitos creditórios de existência futura e montante desconhecido, emergentes de relações jurídicas já constituídas, ou que venham a ser constituídas futuramente. 1.1.1 Somente empresas do Sistema PETROBRAS poderão investir em Cotas. 2.1 O Fundo é constituído sob a forma de condomínio aberto. Portanto, suas Cotas podem ser resgatadas a qualquer tempo, observados os prazos deste Regulamento, sendo vedada a amortização de Cotas. Já, na seção 10 do regulamento, que trata dos critérios de elegibilidade dos direitos creditórios, o item 10.1 dispõe: 10.1 Os Critérios de Elegibilidade dos Direitos Creditórios a serem adquiridos pelo Fundo são, exclusivamente: i) os Direitos Creditórios sejam cedidos por empresas integrantes do Sistema PETROBRAS; e ii) sejam liquidados por meio de serviço de cobrança bancária prestado no Brasil. Quanto ao resgate das cotas, o regulamento dispõe, nos itens 15.1, 15.2 e 15.2.1, abaixo destacados: 15.1 As Cotas Seniores poderão ser resgatadas a qualquer tempo, no decorrer do prazo de duração do Fundo, mediante solicitação à Instituição Administradora. Na hipótese de a solicitação do resgate ocorrer até as 15h00 de determinado dia útil, o resgate deverá ocorrer na data da solicitação, pelo valor da Cota Sênior apurado na abertura do dia. Na hipótese de a solicitação de resgate ocorrer após as 15h00 de determinado dia útil, ou em data que não seja dia útil, o pagamento do resgate deverá ocorrer no dia útil imediatamente subseqüente, pelo valor da Cota Sênior apurado na abertura da efetiva data do pagamento. 15.2 Os titulares de Cotas Subordinadas poderão solicitar à Instituição Administradora o resgate de suas Cotas. Nessa hipótese a Instituição Administradora deverá enviar comunicação, por carta registrada, a todos os titulares de Cotas Seniores informando sobre o valor do resgate solicitado e o impacto que teria na relação entre o Patrimônio Líquido e o valor das Cotas Seniores. 15.2.1 Caso a totalidade dos titulares de Cotas Seniores não se manifeste contrariamente ao resgate de Cotas Subordinadas no prazo de 5 (cinco) dias úteis contados do recebimento da carta registrada referida no item 15.2 acima, a Instituição Administradora poderá efetuar o resgate solicitado no dia útil imediatamente subseqüente ao decurso de referido prazo. 84 Como se verifica do seu regulamento, o FIDC NP do Sistema Petrobras é um interessante caso em que uma operação de securitização de recebíveis via FIDC é utilizada pelas empresas do Sistema Petrobras, “buscando uma maior eficiência na gestão de caixa das empresas do Grupo Petrobras”67. A otimização dos recursos disponíveis entre as tais empresas acontece segundo o seguinte procedimento, exemplificado em três passos: 1º. a empresa A tem excesso de caixa, e a empresa B precisa fazer caixa; 2º. a empresas A subscreve cotas do fundo (seniores ou subordinadas), mediante pagamento em moeda corrente nacional, e a empresa B subscreve cotas subordinadas do fundo, nesse caso mediante a cessão de seus direitos creditórios; 3º. a empresa B solicita o resgate das cotas que subscrevera, recebendo o pagamento em moeda corrente nacional. Comentando essa operação, a Uqbar acrescenta: (...) o fundo foi estruturado buscando uma maior eficiência na gestão de caixa das empresas do Grupo Petrobrás. (...) Considerando que parte das empresas do grupo são geradoras líquidas de caixa enquanto outras são tomadoras de recursos, o FIDC se posiciona entre estes dois lados, emitindo cotas para o primeiro e comprando recebíveis do segundo. A expectativa é que esta intermediação produza uma eficiência na gestão de caixa do grupo comparativamente às alternativas tradicionais em que bancos comerciais centralizam esta função. 68 Verifica-se a seguir o quadro com a evolução histórica bimestral do patrimônio líquido do FIDC NP do Sistema Petrobras, desde a sua constituição, em novembro de 2007, até dezembro de 2009. Vale destacar que os montantes apresentados abaixo se referem a bilhões de Reais. 67 Publicação Uqbar: Anuário “Finanças Estruturadas 2008”, p. 31. Disponível em <http://www.uqbar.com.br>. Acesso em 14/4/2010. 68 Anuário Uqbar Finanças Estruturadas 2008, p. 31. 85 45 40 35 30 25 20 15 10 5 0 Montante em R$ Bilhões Figura 6 - Fonte CVM No início de seu funcionamento, em novembro de 2008, o patrimônio líquido desse fundo era de R$ 2,236 bilhões. Já em dezembro de 2009, o fundo tinha patrimônio líquido equivalente a R$ 21.777.158.236,25. O saldo de suas aplicações era de R$ 21.782.669.994,55, assim distribuídos: R$ 14.799.610.115,41, em direitos creditórios; e R$ 6.983.059.879,14, em títulos do tesouro nacional, conforme consta de seu Informe Mensal daquele mês.69 Não obstante sua robustez, observa-se que o FIDC NP do Sistema Petrobras também sentiu os sintomas da crise econômica mundial, no segundo semestre de 2008. Para que se tenha uma idéia desse impacto, registra-se que, em maio de 2008 o valor de seu patrimônio líquido era de R$ 18,655 bilhões, ao passo que, em setembro daquele ano, seu patrimônio líquido chegou a R$ 7,388 bilhões. Contudo, sua recuperação foi ainda mais rápida, de modo que em agosto de 2009 seu patrimônio líquido atingiu o valor máximo de R$ 41,052 bilhões, confirmando ser o FIDC NP do Sistema Petrobras um instrumento bem sucedido na otimização da alocação dos recursos disponíveis entre as empresas do Grupo Petrobras. 5.3 O FIDC FORNECEDORES PETROBRAS – INDUSTRIAL E SERVIÇOS Conforme mencionado no prospecto da oferta pública de distribuição de suas cotas, esse FIDC “tem por objeto a captação de recursos para aquisição de Direitos Creditório (...) devidos pela Petrobras, (...) oriundos de contratos de prestação de serviços, compra e venda e/ou fornecimento de bens firmados pela Petrobras com [seus] Fornecedores”. 69 Disponível em <http://www.cvm.gov.br>. Acesso em 6/4/2010. 86 Para melhor entendimento de seu propósito, seguem dados das características do FIDC em tela, bem como dos direitos creditórios que devem lastrear suas cotas: “Forma de constituição O Fundo é constituído sob a forma de condomínio fechado, de modo que suas Cotas somente serão resgatadas ao término do prazo de duração de cada Série ou Classe Mezanino, ou em virtude da liquidação do Fundo. É admitida a amortização das Cotas, conforme disposto no Regulamento ou por decisão da Assembléia Geral. Prazo de duração O Fundo terá prazo de duração indeterminado. O Fundo pode ser liquidado por deliberação da Assembléia Geral. Cada Série e Classe Mezanino terá a duração especificada no respectivo Suplemento. As Cotas Seniores da 1ª Série terão prazo de duração de 4 anos, contados da Data de Subscrição Inicial. Objetivo de investimento O Fundo tem por objetivo proporcionar rendimento de longo prazo aos Cotistas por meio do investimento dos recursos do Fundo na aquisição dos Direitos Creditórios, oriundos de Contratos celebrados entre a Petrobras e os Fornecedores. Política de investimento Após 90 dias contados da Data da Subscrição Inicial, o Fundo deverá manter no mínimo 50% de seu PL em Direitos Creditórios. Aplicação em Direitos Creditórios Os Direitos Creditórios a serem adquiridos pelo Fundo devem necessariamente observar os Critérios de Elegibilidade e as Condições de Cessão. Critérios de Elegibilidade Os critérios de elegibilidade dos Direitos Creditórios a serem adquiridos pelo Fundo são, exclusiva e cumulativamente, os seguintes: i) os Direitos Creditórios devem (a) ser vincendos, (b) ser devidos pela Petrobras, (c) ser oriundos de contratos de prestação de serviços, compra e venda e/ou fornecimento de bens firmados pela Petrobras com Fornecedores; ii) os Direitos Creditórios não poderão ter data de vencimento superior (a) a 24 meses contados da sua data de aquisição pelo Fundo; e (b) ao maior prazo de vencimento de série de Cotas Seniores em circulação, nem data de vencimento inferior a 7 dias contados da respectiva aquisição; iii) poderão ser adquiridos Direitos Creditórios a Performar (a) apenas de Fornecedores que possuam CRCC70 válido, excetuado o disposto no subitem (v) abaixo, e (b) correspondentes a (1) no máximo 50% do fluxo de pagamentos a vencer no cronograma de pagamento previsto no Contrato de que são oriundos, vedada a aquisição da última parcela de um Contrato; e (2) no máximo 75% de cada parcela do Contrato; iv) poderão ser adquiridos Direitos Creditórios Performados correspondentes a no máximo 90% de cada parcela do Contrato de que são oriundos, de acordo com o cronograma de pagamento do respectivo Contrato; 70 Sobre o CRCC, o prospecto do FIDC Fornecedores Petrobras – Industrial e Serviços esclarece – “O Fornecedor que atender a todos os Critérios de Avaliação terá os seus dados colocados à disposição de todas as organizações de compras da Petrobras por meio do Cadastro Corporativo e obterá o Certificado de Registro e Classificação Cadastral - CRCC. O CRCC, durante seu prazo de validade de 1 ano, indica que o Fornecedor está devidamente inscrito no Cadastro Corporativo”. O CRCC atesta a inscrição do Fornecedor no Cadastro Corporativo e discrimina as Famílias de Materiais e as Famílias de Serviços para as quais o Fornecedor está habilitado a fornecer à Petrobras, bem como a nota média obtida em seu Relatório de Avaliação para cada uma delas. O uso indevido do CRCC pelo Fornecedor constitui falta grave, passível de sanções cadastrais, podendo o Fornecedor ser impedido de fornecer materiais ou prestar serviços à Petrobras. 87 v) somente poderão ser adquiridos ou recebidos em garantia Direitos Creditórios a Performar oriundos de Contratos celebrados com Fornecedor que não possua CRCC válido quando o Fornecedor tenha contratado seguro de performance junto às Seguradoras Autorizadas, tenha quitado integralmente o respectivo prêmio, e referido seguro atenda às condições mínimas dispostas no Anexo III do Regulamento, bem como cubra integralmente o valor nominal do respectivo Direito Creditório; (...) vii) a taxa de desconto aplicável ao valor nominal do Direito Creditório a ser adquirido pelo Fundo, para efeito de cálculo do preço de cessão, deve ser igual ou maior a 150% (cento e cinqüenta por cento) da Taxa DI; (...)” Pelo que se pode observar, o FIDC Fornecedores Petrobras – Industrial e Serviços tem uma finalidade muito diferente do FIDC NP do Sistema Petrobras, analisado no item 5.2. O FIDC Fornecedores Petrobras – Industrial e Serviços é um exemplo de utilização desse tipo de operação de securitização de recebíveis, por uma grande empresa, com a finalidade de capitalizar seus fornecedores e prestadores de serviços, que não teriam acesso ao mercado de capitais de outra forma pela natureza ou pelo tamanho de seus negócios. Com esses dois exemplos de FIDC, vemos uma grande empresa, a Petrobras S.A., utilizando-se desse instrumento do mercado de capitais para duas finalidades de natureza distintas. Pelo FIDC NP do Sistema Petrobras, o Grupo Petrobras tem um beneficiamento direto da operação, buscando a capitalização das empresas do próprio Grupo. Já pelo FIDC Fornecedores Petrobras – Industrial e Serviços, essa grande empresa busca possibilitar aos seus fornecedores de produtos e serviços o acesso ao mercado de capitais, a fim que possam se financiar por uma via menos custosa. Dessa forma, a própria Petrobras obtém benefícios próprios, conforme elencados no item 3.6.2 do Capítulo 3. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS 6.1 CONCLUSÕES Primeiramente, ressalta-se o objetivo pretendido com o presente trabalho, qual seja: apresentar as operações de securitização de recebíveis via FIDC como uma alternativa viável para captação de recursos no mercado de capitais brasileiro, por parte dos diferentes agentes econômicos que dele participam, mediante a apresentação de um panorama sobre esse tipo de operação no Brasil. Da análise do teor da presente pesquisa, conclui-se que as operações de securitização de recebíveis via FIDC são alternativa viável para captação de recursos no mercado de capitais brasileiro, sobretudo para as empresas de pequeno e médio portes, que passam a acessar o mercado de capitais por meio desse instrumento de captação. No entanto, a pesquisa mostra, ainda, que grandes grupos econômicos podem se beneficiar desse instrumento financeiro, a fim de adequar a estratégia de formação de caixa das diferentes empresas de um mesmo grupo (coligadas, controladas e controladoras). Quanto ao benefício da utilização dos FIDC por parte das empresas de médio e pequeno portes, essa conclusão parte da análise do Capítulo 1, onde se verificou que tais empresas não possuem facilidade de acessar o mercado de captais, por meio de emissão de títulos próprios, tanto pelo fato de que o tamanho de suas finanças não comporta os custos para se manterem como companhias abertas, quanto pelo fato de que, caso emitissem títulos, os potenciais investidores exigiriam altas taxas de retorno, tendo em vista a atribuição de riscos de inadimplência a tais empresas. Na sequência (Capítulo 2, item 2.4), vimos o Banco Bonsucesso como um exemplo de empresa de pequeno porte que se beneficiou com o advento dos FIDC. Naquela ocasião, um 89 de seus diretores acrescentou: “Para um banco pequeno e pouco conhecido, abrir as portas ao mercado de capitais foi um desafio”. O Capítulo 3, no item 3.4, contribui com esse entendimento de que pequenas e médias empresas se beneficiam desse instrumento para captação de recursos, ao apresentar outros exemplos de FIDC que levam os nomes de seus cedentes, todos de pequeno e médio porte, como: FIDC Matone Empréstimo a Servidores Federais, FIDC OMNI Veículos III, FIDC Satélite Mercantis, FIDC Sabesp I, FIDC V1 Agro, e FIDC NP Pólo Precatório Federal. Já nos dados estatísticos do Capítulo 5, observamos outra característica da força da participação de pequenos e médios grupos econômicos nesse tipo de operação. Trata-se da predominância de direitos creditórios do tipo “multiclasse” (item 5.1.4), como ativos-lastro para a emissão de cotas de FIDC. Em outras palavras, o FIDC que admite diversas classes de ativo-lastro em sua carteira favorece a participação de grupos menores como cedentes de direitos creditórios. As grandes empresas, por sua vez, também se beneficiam desse veículo, não necessariamente para captação de recursos, mas para a realização de estratégias de fluxo de caixa entre empresas do mesmo grupo econômico. Como se verifica nos itens 5.2 e 5.3 do Capítulo 5, a Petrobras é um exemplo de grande empresa que se utiliza dos FIDC para diferentes finalidades, tanto para a adequação do fluxo de caixa entre as empresas do mesmo grupo econômico, quanto para o benefício de seus parceiros comerciais na capitação de recursos, os quais muitas vezes são fornecedores de produtos e serviços de pequeno e médio portes. Cabe ressaltar que, mesmo neste último caso (apresentado no item 5.3), a grande empresa Petrobras também alcança benefício próprio, à medida em que, promovendo meios para o financiamento de seus fornecedores, busca garantir a continuidade do suprimento dos produtos e serviços de que necessita. Ademais, da análise no Capítulo 2, verifica-se que os FIDC surgem como evolução do estado da arte nas operações de securitização de recebíveis. O processo iniciado pelas SPE, e seguido pelas Companhias Securitizadoras, emissoras de CRI, culminou no advento dos FIDC. O surgimento dos FIDC foi catalisado por lacunas anteriormente existentes, e que agora podem ser preenchidas por esse veículo da securitização, como: (i) a necessidade de pequenas e médias empresas acessarem o mercado de capitais; e (ii) grandes empresas utilizarem o mercado de securitização de recebíveis para o desenvolvimento de diferentes estratégias de seus interesses. 90 A presente pesquisa indica, ainda, que o mercado de FIDC teria facilidade de sobreviver a diferentes cenários econômicos, sem negar que os cenários de crise nacional ou mundial afetariam negativamente as operações com tais Fundos, visto que tais cenários afetam diretamente os mercados de crédito e de capitais. Essa conclusão tem como base a análise das características dos FIDC, conforme observadas nos Capítulo 3 e 4. Da análise desses capítulos, verifica-se que tais Fundos se mostram versáteis, favorecendo sua adaptação a diferentes cenários da economia. A versatilidade observada da leitura de tais capítulos encontra-se em pontos como: (i) os FIDC são emissores de custos mais baixos, quando comparados com as SPE, que precisam ser registradas como companhia abertas para emissão de seus valores mobiliários; (ii) os FIDC aceitam como lastro de suas cotas uma grande variedade de direitos creditórios, de diferentes naturezas e setores da economia, diferentemente dos CRI, que só admitem créditos imobiliários como lastro de suas operações; (iii) os FIDC possibilitam diferentes graus de subordinação entre suas cotas, o que, como verifica-se no item 3.3.2 do Capítulo 3, favorecendo a garantia das cotas seniores, e tornando-as mais atraentes a investidores, sobretudo em épocas de aversão ao risco nos mercados de crédito e de capitais; e (iv) os FIDC podem se constituir em condomínios abertos ou fechados, podendo-se adequar às diferentes demandas, encontradas nos diferentes cenários. Vale ressaltar, contudo, que, apesar de os FIDC serem uma via de custo mais baixo, quando comparados com as SPE, por exemplo, estes não se constituem em operações de tão baixo custo assim. Como se verifica no Capítulo 3, há diversos agentes econômicos envolvidos nesse tipo de operação, o que eleva o seu custo. O item 3.1.8 apresenta um exemplo de custo de distribuição de cotas do FIDC Fornecedores Petrobras – Industrial e Serviços, para que se tenha uma idéia de grandeza sobre esse tema. Ademais, os FIDC devem buscar a expectativa de rentabilidade anunciada aos seus investidores. Como se observa, é essa expectativa de rentabilidade anunciada, associada à classificação de risco atribuída ao Fundo e às suas cotas, que atrai os potenciais investidores. Com isso, a solução para que todos os participantes da estrutura sejam remunerados, bem como para que os investidores obtenham os rendimentos esperados, é praticar uma taxa de desconto na aquisição dos créditos cedido compatível com toda essa expectativa de remuneração. A taxa de desconto não será favorável, por exemplo, para Fundos que prevejam baixo patrimônio líquido (PL), ou seja, que tenham um somatório de direitos creditórios de baixo valor. Nesses casos, as taxas de desconto oferecidas pelos FIDC, para a aquisição de diretos 91 creditórios, deverão ser altas, não sendo interessante para os detentores de tais recebíveis cedê-los aos FIDC, uma vez que poderão negociar taxas mais atraentes em outros setores do mercado de crédito, junto a um banco comercial, por exemplo. Em outras palavras, os FIDC só serão interessantes a partir de um determinado tamanho de PL, que possibilite a aplicação de uma taxa de desconto satisfatória na aquisição dos créditos dos tomadores de recursos, e que, mesmo assim, consiga honrar a expectativa de remuneração gerada por cada participante. Quanto às expectativas para esse tipo de operação no mercado brasileiro, a conclusão é que ainda há espaço para o seu crescimento e manutenção, pois, conforme mencionado acima, os FIDC vieram ocupar lacunas outrora existentes no mercado de capitais, além de se adequarem bem a diferentes cenários, o que favorece a expansão desse tipo de operação. O Capítulo 4, por sua vez, contribui com essa conclusão, à medida em que mostra o esforço da CVM em regular a matéria. Desse capítulo, observa-se que as normas estão em constantes modificações, visando adequarem-se à mudança do estado da arte das próprias operações de securitização via FIDC. Tais mudanças são sinais de aquecimento e expansão desse mercado. Já dos gráficos constantes do Capítulo 5, bem como dos dois exemplos de FIDC observados nos itens 5.2 e 5.3 naquele capítulo, concluímos que esse mercado está em franca expansão no Brasil, tendo resistindo à crise econômica mundial iniciada no segundo semestres de 2008, sendo, ainda, uma alternativa para diferentes estratégias empresariais. Olhando para o momento da economia atual, não se encontram motivos significativos que ameacem a contínua evolução desse mercado. Não obstante as conclusões acima, é certo que esse marcado carece de melhorias imediatas, dentre as tais destacam-se: (i) incremento na liquidez das cotas de FIDC, nas negociações secundárias; e (ii) maior transparência na contabilidade e nas carteiras dos fundos de recebíveis. Os dois pontos mencionados acima têm relação estreita entre si. Então vejamos: como se verificou da análise do Capítulo 5, a participação de pessoas físicas e de investidores estrangeiros é baixa nesse mercado, enquanto os fundos de investimento e as instituições financeiras são os principais investidores, com 51,0% e 30,2% de participação, respectivamente. À medida que se incrementar a participação de pessoas físicas e de investidores estrangeiros como cotistas de FIDC, as cotas desses fundos de recebíveis ficarão mais 92 pulverizadas no mercado, favorecendo sua negociação secundária, e incrementando a liquidez das cotas. Vale lembrar que, nos termos da Instrução CVM 356, analisada no Capítulo 4, apenas investidores qualificados podem adquirir cotas de FIDC (inciso II do art. 3º), o que dificulta a participação de pessoas físicas, uma vez que estas somente são consideradas como investidoras qualificadas, quando possuem patrimônio maior do que R$ 300 mil, conforme a definição dada pelo art. 109 da Instrução CVM 409, também mencionado no Capítulo 4 deste trabalho. Quanto à dificuldade de participação dos investidores estrangeiros em FIDC, vale ressaltar que a Lei nº 11.312/200671 isenta tais investidores do pagamento de imposto de renda sobre ganhos oriundos de aplicações em títulos públicos, o que não acontece nos ganhos oriundos de aplicação em cotas de FIDC. Desse modo, os títulos públicos se tornam os concorrentes naturais das cotas de FIDC. Somada a essas peculiaridades, ressalta-se que as carteiras de FIDC são muito variadas em suas composições, além de permitirem que seus ativos, os direitos creditórios, sejam substituídos e/ou removidos, ao longo do tempo de duração de um FIDC. Geralmente, tal procedimento de substituição e/ou remoção fica por conta de decisão da instituição administradora do fundo ou do gestor de sua carteira, de modo que o investidor acaba por não ter uma participação muito ativa nesse quesito. Assim, à medida em que a contabilidade dos FIDC e a composição de suas carteiras ficam mais transparentes para o mercado, o investimento em cotas desse fundo passa a ser mais atraente para o limitado grupo de pessoas físicas. Nesse sentido é que se ressalta mais uma vez o esforço da CVM, observado na audiência pública em curso para a elaboração de normas que visem a padronizar as contas dos FIDC, conforme mencionado no Capítulo 4. Olhando adiante, observam-se alguns fatores estruturais que podem contribuir com o crescimento desse mercado, além da liquidez e transparência mencionadas acima. Fatores como: maior divulgação desse mercado, estabilização da economia, redução da taxa básica de juros e incentivos para investimentos estrangeiros no Brasil, certamente, 71 Assim dispõe o art. 1º Lei 11.312/06: “Art. 1o Fica reduzida a zero a alíquota do imposto de renda incidente sobre os rendimentos definidos nos termos da alínea "a" do § 2o do art. 81 da Lei no 8.981, de 20 de janeiro de 1995, produzidos por títulos públicos adquiridos a partir de 16 de fevereiro de 2006, quando pagos, creditados, entregues ou remetidos a beneficiário residente ou domiciliado no exterior, exceto em país que não tribute a renda ou que a tribute à alíquota máxima inferior a 20% (vinte por cento).” Disponível no site <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 11/6/2010. 93 tornarão os FIDC uma alternativa mais atraente para diferentes finalidades entres os diferentes agentes econômicos nacionais ou estrangeiros. 6.2 SUGESTÕES PARA PESQUISAS FUTURAS Ficam como sugestões para pesquisas futuras as seguintes possibilidade: (i) verificação da influência dos FIDC no mercado de crédito brasileiro; e (ii) verificação das vantagens e desvantagens do mercado de FIDC, enquanto provedor de recursos substituto do mercado de empréstimos bancários, para os diferentes agentes que dele se utilizam, levando em conta ainda o tamanho e o setor de atuação de cada um desses agentes econômicos. 7 REFERÊNCIAS A Primer on Securitization, edited by Leon T Kendall and Michel J. Fishman, Third printing, 1998, Massachusetts Institute of Technology. ASSAF NETO, A.; SILVA, C. A. T. Administração do Capital de Giro. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1997. BANCO DO BRASIL S/A. Disponível em: <http://www.bb.com.br>. BRASIL. Banco Central do Brasil. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br>. ______. Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES. Disponível em: <http://www.bndes.gov.br>. ______. Central de Custódia e de Liquidação Financeira de Títulos - CETIP. Disponível em: <http://www.cetip.com.br>. ______. Comissão de Valores Mobiliários. Disponível em: <http://www.cvm.gov.br>. ______. Presidência da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www. presidencia.gov.br>. CAMINHA, UINIE. Securitização. 2. ed. São Paulo: Editora Saraiva. 2007. 205 p. CANÇADO, Thais Romano; GRACIA, Fábio Gallo. Securitização no Brasil. São Paulo: Editora Atlas. 2007. 126 p. CAVALCANTE, Francisco; MISUMI, Jorge Yoshio; RUDGE, Luiz Fernando. Mercado de Capitais: o que é, como funciona. 6. ed. Rio de Janeiro: Editora Elsevier. 2005. 371 p. CNB. Editora Campus. 95 CHALHUB, M. N. Negócio Fiduciário. 4. ed. Revisada e atualizada. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. 455 p. CHAVES, Natália Cristina. Direito Empresarial – Securitização de Crédito. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2006. COSTA, Roberto Teixeira da. Mercado de Capitais – Uma trajetória de 50 Anos. São Paulo: Editora Imprensa Oficial, 2006. FORTUNA, Eduardo. Mercado Financeiro – Produtos e Serviços. Rio de Janeiro: Editora Qualitymark, 2003. LEMGRUBER, E. F. et al (Org.). Gestão de Risco e Derivativos - Aplicações no Brasil. Rio de Janeiro: Coppead / UFRJ; São Paulo: Atlas, 2001. Produtos de captação: FIDC: Fundo de Investimento em Direitos Creditórios / Associação Nacional das Instituições do Mercado Financeiro, Câmara de Custódia e Liquidação. – Rio de Janeiro: ANDIMA, CETIP, 2006. 84 p.; (Estudos Especiais); 2006. Segundo prefácio. ROCCA, Carlos Antonio (Org.). Revolução no Mercado de Capitais do Brsil. O Crescimento recente é sustentável? (Contribuições apresentadas no I Forum do Mercado de Capitais, realizado na Cidade de São Paulo, em 5 de setembro de 2007). Rio de Janeiro, 2008. 184 p. Elsevier. IBMEC. Editora Campus. SILVA, João Carvalho da. Titularização de Créditos. Coimbra: Almedina, 2003. UQBAR Educação e Informação <http://www.uqbar.com.br>. Financeira Avançada Ltda. Disponível em: