Governo exige à banca que negoceie 90 dias antes das execuções
Portugueses apresentaram o ano passado 513 protestos em média no
livro de reclamações. Governo prepara medidas para proteger
consumidores em situação de sobreendividamento. Bancos terão de
negociar 90 adias antes de executar dívidas
Publico, 16-03-12
O Governo quer exigir aos bancos 90 dias de negociação com os clientes
incumpridores antes que aquelas instituições de crédito possam
executar as dívidas nos tribunais. Esta é uma das medidas que o
Ministério da Economia divulga hoje, no Dia Mundial do Consumidor, que
este ano o secretário de Estado que tutela a área, António Almeida
Henriques, dedica ao sobreendividamento.
A Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor prefere não
comentar para já as medidas que diz desconhecer, enquanto uma
responsável do Observatório do Endividamento dos Consumidores se
mostra céptica com medidas que “não irão alterar a realidade
existente”.
O governante releva em linhas gerais algumas propostas do Governo
para
melhorar
a
protecção
do
consumidor
e
aumentar
a
responsabilidade dos bancos na concessão dos créditos e no
acompanhamento ao consumidor endividado. E lembra que premência
do tema se impôs face ao agravamento do incumprimento das famílias
no que respeita aos seus créditos.
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Rua Rodrigues Sampaio, n.º 96, R/C Esq. 1150-281 Lisboa
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Os últimos números do Banco de Portugal contabilizam 140 mil famílias
que não conseguem pagar os empréstimos para compra de casa. Em
Dezembro já representavam 5,8% dos quase 2,5 milhões de clientes
particulares com empréstimos para habitação, uma percentagem que
aumentou face aos 5,2% existentes um ano antes.
“As instituições de crédito passarão a ser obrigadas a realizar uma
detecção precoce e prevenção das situações de risco de incumprimento
contratual de crédito, propondo planos prévios de soluções ao
consumidor”, adianta o Ministério da Economia.
Perante
uma
incumprimento,
situação
todas
de
as
risco
de
instituições
sobreendividamento
de
crédito
ou
passarão
obrigatoriamente a contactar e acompanhar o cliente, fazendo a
apresentação de propostas adequadas à sua situação financeira,
características pessoais e necessidades. Isso irá chamar-se Plano de
Acção para o Risco de Incumprimento. “Este mecanismo coloca na
instituição bancária o dever de conhecer e monitorizar as situações de
risco de incumprimento e de propor antecipadamente um plano de
soluções ao cliente” explica Almeida Henriques que insiste que é preciso
por a tónica do sobreendividamento na prevenção.
Outra medida passa pela criação de mecanismos obrigatórios de
recuperação extrajudicial de créditos.
O Governo pretende estabelecer um período negocial obrigatório de um
mínimo de 90 dias para que os bancos e os clientes cheguem a um plano
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de pagamentos ou uma reestruturação da dívida, em caso de
incumprimento.”Durante este prazo, as instituições de crédito não
poderão resolver os contratos de crédito, bem como instaurar qualquer
acção judicial de condenação”, explica o gabinete do secretário de
Estado Adjunto e do Desenvolvimento Regional num memorando
informativo que será divulgado hoje. O objectivo, diz-se, é que a
recuperação das situações de incumprimento passe tendencialmente a
realizar-se fora dos tribunais.
Apoio aos endividados
Por último, o Governo quer criar uma rede nacional de informação e
apoio ao consumidor endividado, que assentar nas estruturas de apoio
ao consumidor já existentes que passarão a prestar acompanhamento
nesta área. “Vamos lançar um desafio a estas estruturas para que
tenham dentro dos seus quadros pelo menos uma pessoa com formação
na área do sobreendividamento”.
Catarina Frade do Observatório do Endividamento olha para as medidas
agora propostas pelo Governo de forma crítica. Em relação à detecção
precoce de situação de endividamento diz não perceber como será
possível fazê-lo, já que muitas destas situações decorrem de factos
imprevisíveis como odesemprego de um dos membros da família ou a
existência de salários em atraso. Acredita que é preciso forçar os
bancos a aceitarem intervir numa situação de risco quando ainda não
existe incumprimentos.
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“Às
vezes
as
pessoas
vão
ao
banco
explicar
que
ficaram
desempregadas e que estão a viver de poupanças, mas podem deixar de
poder de pagar os seus empréstimos. Muitas vezes a resposta dos
bancos é que não podem fazer nada. Só podem agir quando o
incumprimento se verificar”, exemplifica Catarina Frade. Quanto ao
período negocial de 90 dias a jurista acredita que não trará muitas
mudanças porque os bancos já o aplicam. E insiste que o mais
importante é mudar a relação de forças na negociação da restruturação
das dívidas obrigando à intervenção de uma entidade independente na
mediação entre bancos e clientes. “Qual é a capacidade de uma pessoa
que está com a corda ao pescoço?”, pergunta, insistindo que os 90 dias
não vão mudar esta relação de forças.
Jorge Morgado da DECO prefere não comentar as medidas mas enfatisa
a necessidade de se intervir nas situações de endividamento de forma
preventiva e precoce. Diz que são cada vez menos as situações
decorrentes de comportamentos irresponsáveis dos consumidores e
atira para a crise e para o desemprego crescente o aumento do
incumprimento. “A grande maioria das situações que nos chegam
decorrem do desemprego ou da degradação salarial seja porque há
salários em atraso seja porque as pessoas deixaram de receber
subsídios ou prémios”, explica.
Queixas aumentam
Em cinco anos as queixas na área das comunicações apresentadas no
livro de reclamações e remetidas Autoridade Nacional de Comunicações
(ANACOM) mais do que duplicaram. Em 2007 eram cerca de 18.500
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passando para mais de 44.300 o ano passado. Mais de três quartos dos
protestos são relativos a comunicações electrónicas, a maior parte dos
quais relacionados com problemas dos equipamentos. Os números são
da Direcção-Geral do Consumidor.
Mesmo assim a maior fatia das queixas continua a pertencer aos
estabelecimentos comerciais que estão na tutela da Autoridade de
Segurança
Alimentar
encaminhadas
103.841
e
Económica
reclamações.
(ASAE),
Por
para
dia
onde
os
foram
portugueses
apresentaram em média 513 protestos no livro, ou seja, mais de 187 mil
queixas, um valor mesmo assim inferior aos 198 mil contabilizados em
2008.
No ranking dos protestos as queixas contra instituições de crédito
aparecem em terceiro lugar, com o Banco de Portugal a receber mais de
10 mil reclamações. A maior fatia diz respeito a problemas com
depósitos e contas poupança.
Caso vai a julgamento em Maio
Clientes com livrança executada acusam BCP de “cláusula abusiva”
Zagalo Lima e Alcina Lima não queriam acreditar quando em Março de
2009 receberam uma carta do banco a comunicar que o spread passava
para 6.00. Em 2007, contrataram uma linha de crédito em forma de conta
dinâmica do Millenium BCP, com spread de 3.75, para financiar o
negócio de restauração que abriram no Porto. “Quando li a carta achei-a
inacreditável. Dirigiram-se a mim com um rei a um súbdito e não deram
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explicações, apesar das várias vezes em que pedi”, diz Zagalo Lima,
engenheiro electrotécnico de 69 anos.
Após várias missivas trocadas, o BCP executou a livrança e requer o
pagamento total da conta dinâmica, cujo plafond era de 20 mil euros,
agora com juros. O caso será julgado em Maio nos Juízos de Execução
do Porto. O casal executado opõe-se e acusa o banco de cláusula
abusiva. Só recentemente é que os fiadores da linha de crédito à
empresa Salguidoces, entretanto extinta, descobriram outro percalço.
“O Banco reserva-se ao direito de a qualquer momento alterar as
presentes condições contratuais”. A cláusula, indicada pelo juiz no
despacho saneador do processo ao qual o PÚBLICO teve acesso,
integra o contrato inicial que prevê a possibilidade de o banco alterar a
“percentagem correspondente ao spread acordado”. Contudo, o casal
diz que não a viu. “O que vimos foi um contrato tipo. Ninguém me
chamou a atenção. Só agora percebi que ela existe. É uma cláusula
abusiva e leonina. Assinamos um contrato com um spread e depois o
banco pode mudar. Então para que assinamos o contrato?”, questiona
Zagalo.
O engenheiro recorda que foi o BCP quem “ofereceu dinheiro”. Em Maio
de 2007, o casal recebeu uma carta do BCP a oferecer a “possibilidade
de efectuar de imediato o investimento necessário ao desenvolvimento
do negócio” através da préaprovação de um crédito de 30 mil euros.
Para além do aumento do spread, o banco já tinha comunicado em
Dezembro de 2008, a introdução de comissões de imobilização e de
renovação.
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Ao PÚBLICO, o BCP recusou comentar o caso. Já a DECO, Associação
Portuguesa para a Defesa dos Consumidores, considerou que as
“alterações unilaterais não são, à partida, permitidas”. “Podem existir se
forem feitas por acordo”, disse Ana Sofia Ferreira, do Gabinete jurídico
da DECO, pronunciandose em “abstracto e não sobre o caso particular
derivado de uma actividade empresarial”.
O Banco de Portugal (BdP), a quem os fiadores denunciaram a situação,
não quis comentar o caso. A instituição lembrou que em 2011 divulgou
uma Carta Circular de boas práticas em que sublinha que as alterações
unilaterais
devem
ser
justificadas,
“assentar
numa
relação
de
causalidade” e “obedecer ao princípio da proporcionalidade, evitando a
criação de desequilíbrio injustificado na relação contratual”. Pedro
Sales Dias
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