Evangelho segundo S. João 12,1-11. Seis dias antes da Páscoa, Jesus foi a Betânia, onde vivia Lázaro, que Ele tinha ressuscitado dos mortos. Ofereceram-lhe lá um jantar. Marta servia e Lázaro era um dos que estavam com Ele à mesa. Então, Maria ungiu os pés de Jesus com uma libra de perfume de nardo puro, de alto preço, e enxugou-lhos com os seus cabelos. A casa encheu-se com a fragrância do perfume. Nessa altura disse um dos discípulos, Judas Iscariotes, aquele que havia de o entregar: «Porque é que não se vendeu este perfume por trezentos denários, para os dar aos pobres?» Ele, porém, disse isto, não porque se preocupasse com os pobres, mas porque era ladrão e, como tinha a bolsa do dinheiro, tirava o que nela se deitava. Então, Jesus disse: «Deixa que ela o tenha guardado para o dia da minha sepultura! De facto, os pobres sempre os tendes convosco, mas a mim não me tendes sempre.» Um grande número de judeus, ao saber que Ele estava ali, vieram, não só por causa de Jesus, mas também para verem Lázaro, que Ele tinha ressuscitado dos mortos. Os sumos sacerdotes decidiram dar a morte também a Lázaro, porque muitos judeus, por causa dele, os abandonavam e passavam a crer em Jesus. Cromácio de Aquileia (?-407), bispo Sermão 11 “Ela praticou para Comigo uma boa obra” (Mt 26,10) Hoje o Evangelho conta-nos que, estando o Senhor à mesa com Lázaro que ele tinha ressuscitado dos mortos, “Maria, a irmã de Lázaro e de Marta, tomou uma libra de perfume de nardo e ungiu os pés de Jesus”... Esta Maria, lê-se muitas vezes no evangelho, agradou muito a Cristo pela grandeza extraordinária da sua fé. Na passagem precedente, chorando a morte de seu irmão, ela fez com que o Senhor também chorasse; porque ela levou à ternura o autor da ternura. E, estando prestes a ressuscitar Lázaro da morte, o Senhor chora, quando Maria chorava, para mostrar a sua própria ternura e o mérito de Maria... As lágrimas do Senhor mostram-nos o mistério da carne assumida; a ressurreição de Lázaro ilumina a força da sua divindade... Nesta passagem, vede a devoção e a fé desta santa mulher. Os outros estavam à mesa com o Senhor; ela, unge-lhe os pés. Os outros conversavam com o Senhor; ela, no silêncio da sua fé, enxuga-lhe os pés com os cabelos. Os outros apareciam para as honras, ela para o serviço; mas o serviço de Maria teve mais valor aos olhos de Cristo do que o lugar de honra dos convivas. Aliás,... o Senhor disse a seu respeito:”Em verdade vos digo, onde quer que esta Boa Nova seja anunciada, em todo o mundo, repetir-se-á também, em sua memória, o que ela acaba de fazer” (Mt 26,13). Qual foi pois o serviço prestado por esta santa mulher, para que ele seja proclamado no mundo inteiro, e que seja proclamado cada dia? Vede a sua humildade. Ela não começou por ungir a cabeça do Senhor, mas os pés... Ela começou pelos pés para merecer chegar à cabeça, porque “se ela se humilha” como está escrito, “será exaltado, e quem se exaltar será humilhado”(Mt 23,12). Ela humilhou-se para ser exaltada. Cromácio de Aquileia (?-407), bispo Sermão 11 “A casa encheu-se com a fragrância do perfume” Depois de ter ungido os pés do Senhor, esta mulher não os limpou com uma toalha, mas com os próprios cabelos, para melhor honrar o Senhor. […] Qual homem sedento que bebe de uma fonte que cai em cascata, também esta mulher bebeu da fonte da santidade uma graça cheia de delícias, para saciar a fome da sua fé. No sentido alegórico ou místico, porém, esta mulher prefigurava a Igreja, que ofereceu a Cristo a devoção plena e total da sua fé. […] Uma libra é constituída por doze onças. Tal é, pois, a medida do perfume que a Igreja recebeu, qual perfume precioso, dos ensinamentos dos doze apóstolos. Com efeito, nada há tão precioso como os ensinamentos dos apóstolos, que contêm a fé em Cristo e a glória do Reino dos Céus. Além disso, diz o Evangelho que a casa se encheu com a fragrância deste perfume, porque o mundo se encheu com os ensinamentos dos apóstolos. “Por toda a terra caminha o seu eco, até aos confins do universo a sua palavra” (Sl 8, 5). Lemos no Cântico dos Cânticos as palavras que Salomão põe na boca da Igreja: “O teu nome é como perfume derramado” (Cant 1, 3). E com razão é o nome do Senhor designado por “perfume derramado”. Como sabeis, enquanto permanece dentro do recipiente, o perfume conserva em si a força da sua fragrância; mas, a partir do momento em que é derramado, difunde essa fragrância. Da mesma maneira, enquanto reinava no céu com o Pai, o nosso Senhor e Salvador era ignorado pelo mundo, era desconhecido cá em baixo. Mas quando, pela nossa salvação, Se dignou humilhar-Se, descendo do céu para tomar um corpo humano, nessa altura, difundiu por todo o mundo a doçura e o perfume do Seu nome. S. Bernardo (1091-1153), monge cisterciense e doutor da Igreja 10º sermão sobre o Cântico dos Cânticos "A casa ficou cheia com o odor do perfume" "O aroma dos teus perfumes é requintado", lê-se no Cântico dos Cânticos (1,3). Distingo ali várias espécies... Há o pefume da contrição, o da piedade; há também o da compaixão... Há, pois, um primeiro perfume que a alma compõe para seu próprio uso quando, apanhada pela rede de numerosas faltas, ela começa a reflectir sobre o seu próprio passado. Reune então, no cadinho da sua consciência, para os juntar e esmagar, os múltiplos pecados que cometeu; e, na fornalha do seu amor ardente, fá-los cozer no fogo da penitência e da dor... É com este perfume que a alma pecadora deve cobrir os inícios da sua conversão e ungir as chagas recentes; porque o primeiro sacrifício que se há-de oferecer a Deus é o de um coração arrependido. Enquanto a alma, pobre e miserável, não possuir com que compor um unguento mais precioso, não deve neglicenciar preparar aquele, ainda que o faça com vis matériasprimas. Deus não desprezará um coração que se humilha na contrição (Sl 50,19)... Aliás, esse perfume invisível e espiritual não poderá paracer-nos ordinário, se compreendermos que ele é simbolizado pelo pefume que, segundo o Evangelho, a pecadora lançou sobre os pés do Senhor. Com efeito, lemos que "toda a casa ficou cheia daquele odor"... Lembremo-nos do perfume que invade toda a Igreja no momento da conversão de um único pecador; todo o penitente que se arrepende torna-se para uma multidão como que um odor de vida que a desperta para a vida. O aroma da penitência sobe até às moradas celestes uma vez que, segundo a Escritura, "o arrependimento de um só pecador é uma grande alegria para os anjos de Deus" (Lc 15,10). S. Bernardo (1091-1153), monge cisterciense e Doutor da igreja Sermão 12 sobre o Cântico dos Cânticos Espalhar o perfume da compaixão nos pés de Cristo Já vos falei dos dois perfumes espirituais: o da contrição, que se estende a todos os pecados — é simbolizado pelo perfume que a pecadora espalhou nos pés de Jesus: «toda a casa ficou cheia desse cheiro»; há também o da devoção que consolida todas as mercês de Deus... Mas há um perfume que ultrapassa de longe estes dois; chamar-lhe-ei o perfume da compaixão. Compõe-se, com efeito, dos tormentos da pobreza, das angústias em que vivem os oprimidos, das inquietudes da tristeza, das faltas dos pecadores, em resumo, de toda a dor dos homens, mesmo dos nossos inimigos. Estes ingredientes parecem indignos e, contudo, o perfume em que entram é superior a todos os outros. É um bálsamo que cura: «Felizes os misericordiosos, pois alcançarão misericórdia» (Mt 5,7). Assim, um grande número de misérias reunidas sob um olhar compassivo são as essências preciosas... Feliz a alma que cuidou de aprovisionar estes aromas, de neles espalhar o óleo da compaixão e de os pôr a ferver no fogo da caridade! Quem é, no vosso entender, «o homem feliz que tem piedade e empresta os seus bens» (Sl 111,5), inclinado à compaixão, pronto a socorrer o seu próximo, mais contente com dar do que com receber? Quem é esse homem que perdoa facilmente, resiste à cólera, não permite a vingança, e em todas as coisas olha como suas as desgraças dos outros? Quem quer que seja essa alma impregnada do orvalho da compaixão, de coração transbordante de piedade, que se dá inteira a todos, que não é, ela mesma, senão um vaso rachado onde nada é invejosamente guardado, essa alma, tão morta para si mesma que vive unicamente para os outros, tem a felicidade de possuir esse terceiro perfume que é o melhor. As suas mãos destilam um bálsamo infinitamente precioso (cf. Ct 5,5), que não se esgotará na adversidade e que os lumes da perseguição não conseguirão secar. É que Deus lembrar-se-á sempre dos seus sacrifícios. Evangelho segundo S. João 12,12-19: Entrada triunfal de Jesus em Jerusalém: cf.par. Mt 21,1-11; Mc 11,1-11; Lc 19, 29-40. Evangelho segundo S. João 12,20-33. Entre os que tinham subido a Jerusalém à Festa para a adoração, havia alguns gregos. Estes foram ter com Filipe, que era de Betsaida da Galileia, e pediam-lhe: «Senhor, nós queremos ver Jesus!» Filipe foi dizer isto a André; André e Filipe foram dizê-lo a Jesus. Jesus respondeu-lhes: «Chegou a hora de se revelar a glória do Filho do Homem. Em verdade, em verdade vos digo: se o grão de trigo, lançado à terra, não morrer, fica ele só; mas, se morrer, dá muito fruto. Quem se ama a si mesmo, perde-se; quem se despreza a si mesmo, neste mundo, assegura para si a vida eterna. Se alguém me serve, que me siga, e onde Eu estiver, aí estará também o meu servo. Se alguém me servir, o Pai há-de honrá-lo. Agora a minha alma está perturbada. E que hei-de Eu dizer? Pai, salva-me desta hora? Mas precisamente para esta hora é que Eu vim! Pai, manifesta a tua glória!» Veio, então, uma voz do Céu: «Já a manifestei e voltarei a manifestá-la!» Entre as pessoas presentes, que escutaram, uns diziam que tinha sido um trovão; outros diziam: «Foi um Anjo que lhe falou!» Jesus respondeu: «Esta voz não veio por causa de mim, mas por amor de vós. Agora é o julgamento deste mundo; agora é que o dominador deste mundo vai ser lançado fora. E Eu, quando for erguido da terra, atrairei todos a mim.» Dizia isto dando a entender de que espécie de morte havia de morrer. Jesus abre-nos horizontes de eternidade, recorda pregador do Papa Padre Cantalamessa comenta o Evangelho do próximo domingo ROMA, quinta-feira, 30 de março de 2006 (ZENIT.org).- Publicamos o comentário do Evangelho da liturgia eucarística do próximo domingo (V de Quaresma) do padre Raniero Cantalamessa OFM Cap --pregador da Casa Pontifícia--, que na próxima sexta-feira prosseguirá com suas pregações ao Papa e a seus colaboradores da Cúria Romana por ocasião deste tempo litúrgico. *** V Domingo de Quaresma B (Jeremias 31, 31-34; Hebreus 5, 7-9; João 12, 20-33) Se o grão de trigo não morre “Se o grão de trigo não cai na terra e morre, fica só; mas se morre, dá muito fruto”. Não se trata do único ensinamento que Jesus tira da vida dos camponeses. O Evangelho está cheio de parábolas, imagens e idéias que procedem da agricultura, que era em seu tempo (e ainda é para diversos povos) a profissão que ocupa um maior número de pessoas. Ele fala do semeador, do trabalho nos campos, da colheita, do trigo, vinho, azeite, figueira, da vinha… Mas Jesus não se detinha naturalmente no plano agrícola. A imagem do grão de trigo lhe serve para nos transmitir um ensinamento sublime que põe luz, antes de tudo, em seu caso pessoal, e depois também no de seus discípulos. O grão de trigo é, antes de tudo, o próprio Jesus. Como um grão de trigo, Ele caiu em terra em sua paixão e morte, reapareceu e deu fruto com sua ressurreição. O “muito fruto” que Ele deu é a Igreja que nasceu de sua morte, seu corpo místico. Potencialmente, o “fruto” é toda a humanidade --não só nós, os batizados--, porque Ele morreu por todos, todos foram redimidos por Ele, também quem ainda não sabe disso. A passagem evangélica conclui com estas significativas palavras de Jesus: “Eu, quando for elevado da terra, atrairei todos para mim”. Mas a história do pequeno grão de trigo ajuda também, em outro versículo, a entender a nós mesmos e o sentido de nossa existência. Depois de ter falado de trigo, Jesus acrescenta: “Pois aquele que quiser salvar a sua vida vai perdê-la, mas o que perder a sua vida por causa de mim vai encontrá-la” (Mt 16, 25). Cair em terra e morrer não é, portanto, só o caminho para dar fruto, mas também para “salvar a própria vida”, isto é, para seguir vivendo! O que ocorre com o grão de trigo que rejeita cair na terra? Vem algum pássaro e o come, ou se seca ou desfalece em um lugar úmido, ou é moído na farinha, comido e aí termina tudo. Em todo caso, o grão, como tal, não continuou. Se ao contrário é semeado, reaparecerá e conhecerá uma nova vida, como nesta estação vemos que sucedeu com os grãos de trigo semeados no ano passado. No plano humano e espiritual isso significa que se o homem não passa através da transformação que vem pela fé e o batismo, se não aceita a cruz, mas fica agarrado a seu modo natural de ser e a seu egoísmo, tudo acabará com ele, sua vida se encaminha a um esgotamento. Juventude, velhice, morte. Se, ao contrário, crê e aceita a cruz em união com Cristo, então se lhe abre o horizonte de eternidade. Há situações, já nesta vida, sobre as quais a parábola do grão de trigo coloca uma luz tranqüilizadora. Tu tens um projeto que te importa muitíssimo; por ele trabalhaste, havia-se convertido no principal objetivo na vida, e eis aqui que em pouco tempo o vês como caído na terra e morto. Fracassaste; ou talvez te privaste dele e ele foi confiado a outro que recolhe seus frutos. Lembra-te do grão de trigo e espera. Nossos melhores projetos e afetos (às vezes o próprio matrimônio dos esposos) devem passar por esta fase de aparente escuridão e de gélido inverno para renascer purificados e cheios de frutos. Se resistem à provação, são como o aço depois que foi submerso em água gelada e saiu “temperado”. Como sempre, constatamos que o Evangelho não está longe, mas muito perto de nossa vida. Também quando nos fala com a história de um pequeno grão de trigo. Ao final, estes grãos de trigo que caem na terra e morrem seremos nós mesmos, nossos corpos confiados à terra. Mas a palavra de Jesus assegura-nos que também para nós haverá uma nova primavera. Ressurgiremos da morte, e desta vez para não morrer mais. [Traduzido por Zenit] ZP06033020 Cardeal Joseph Ratzinger [Papa Bento XVI] Retiro pregado no Vaticano, 1983 A oração em nome do Filho A oração cristã é uma oração em nome do Filho. Se S. Lucas se contenta em aludir à identidade da oração dos filhos e do Filho, em S. João este elemento essencial torna-se explícito: “Orar em nome do Filho” não é uma simples fórmula, um simples conjunto de palavras. Para nos deixarmos penetrar por este nome, temos de aceitar um processo de identificação, temos de aceitar o caminho da conversão e da purificação, que nos leva a tornarmo-nos filhos, ou seja, à realização do baptismo na constante penitência. Assim respondemos ao convite do Senhor: “Quando Eu for elevado da terra, tudo atrairei a Mim” (Jo, 12, 32). Quando proferimos a fórmula litúrgica “por Cristo, Nosso Senhor”, é toda esta teologia que está presente. Dia após dia, estas palavras convidam-nos a percorrer o caminho da identificação com Jesus, o caminho do baptismo, isto é, da conversão e da penitência. Cardeal Joseph Ratzinger [Papa Bento XVI] "Um só Senhor" «Se morrer dará muito fruto» Ser cristão é, antes de mais e sempre, arrancar-se ao egoísmo que vive exclusivamente para si, para se entrar numa grande orientação inabalável de vida de uns para os outros. No fundo, todas as grandes imagens escriturais traduzem esta realidade. A imagem da Páscoa..., a imagem do Êxodo..., que começa com Abraão e que se torna numa lei fundamental, ao longo de toda a história sagrada: tudo isso é a expressão desse mesmo movimento fundamental que consiste em repudiar uma existência virada sobre si mesma. O Senhor Jesus enunciou esta realidade da maneira mais profunda na comparação do grão de trigo, que mostra simultaneamente que essa lei essencial não só domina toda a História, como marca, desde o princípio, a criação inteira de Deus: «Em verdade vos digo, se o grão de trigo não cair na terra e não morrer, ficará só; mas se ele morrer, dará muitos frutos.» Na Sua morte e Ressurreição, Cristo cumpriu a lei do grão de trigo. Na Eucaristia, no pão de trigo, tornou-se verdadeirament e no fruto cêntuplo (Mt 13,8)de que vivemos ainda e sempre. Mas, no mistério da santa Eucaristia onde continua a ser para sempre Aquele que é verdadeira e plenamente «para nós», convida-nos a entrar, dia após dia, nessa lei que mais não é do que a expressão da essência do amor verdadeiro...: sair de si mesmo para servir os outros. O movimento fundamental do Cristianismo é, em última análise, o simples movimento do amor pelo qual nós participamos no próprio amor criador de Deus. Evangelho segundo S. João 12,24-26. Em verdade, em verdade vos digo: se o grão de trigo, lançado à terra, não morrer, fica ele só; mas, se morrer, dá muito fruto. Quem se ama a si mesmo, perde-se; quem se despreza a si mesmo, neste mundo, assegura para si a vida eterna. Se alguém me serve, que me siga, e onde Eu estiver, aí estará também o meu servo. Se alguém me servir, o Pai há-de honrá-lo. Santo Agostinho (354-430), bispo de Hipona (Norte de África) e doutor da Igreja Sermão 303, para a festa de S. Lourenço "O homem que dá abundantemente aos pobres será justo para sempre" (Sl 111,9) S. Lourenço era diácono em Roma. Os perseguidores da Igreja pediam-lhe que entregasse os tesouros da Igreja; foi para obter um verdadeiro tesouro nos céus que ele sofreu tormentos cuja narrativa não podemos ouvir sem horror: estenderam-no numa grelha em cima do fogo. Contudo, ele triunfou de todas as dores físicas pela força extraordinária que lhe provinha da sua caridade e do socorro daquele que o tornava invencível. "Porque nós somos a sua obra, criados em Cristo Jesus em ordem às boas obras que Deus desde sempre preparou para que as pratiquemos" (Ef 2,10). Eis o que provocou a cólera dos perseguidores... Lourenço disse: "Tragam-ne carroças onde eu possa pôr os tesouros da Igreja". Trouxeram-lhe as carroças; encheu-as de pobres e devolveu-lhas, dizendo: "Aí estão os tesouros da Igreja." Nada é mais verdadeiro, meus irmãos; nas necessidades dos pobres encontram-se as maiores riquezas dos cristãos, se compreendermos bem como fazer dar fruto aquilo que nós possuimos. Os pobres estão sempre connosco; se lhes confiarmos os nossos tesouros, nunca os perderemos. Santo Agostinho (354-430), bispo de Hipona (norte de África) e doutor da Igreja Sermão 206 (atrib.) “Foi o fogo do teu amor, Senhor, que permitiu ao diácono São Lourenço permanecer fiel” (Colecta) O exemplo de São Lourenço encoraja-nos a dar a vida, ilumina a fé, atrai a devoção. Não são as chamas da fogueira, mas as chamas de uma fé viva, que nos consomem. O nosso corpo não foi queimado pela causa de Jesus Cristo, mas a nossa alma é transportada pelos ardores do seu amor […], o nosso coração arde de amor por Jesus. Não foi o próprio Salvador que disse, acerca deste fogo sagrado: “Vim lançar fogo sobre a terra; e que quero Eu senão que ele já se tenha ateado?” (Lc 12, 49)? Cléofas e o companheiro experimentaram os seus efeitos quando diziam: “Não estava o nosso coração a arder cá dentro, quando Ele nos falava pelo caminho e nos explicava as Escrituras?” (Lc 24, 32). Foi também graças a este incêndio interior que São Lourenço permaneceu insensível às chamas do martírio; arde em desejo de estar com Jesus, e não sente a tortura. Quanto mais cresce nele o ardor da fé, menos sofre a tortura. […] A força do braseiro divino que tem aceso no coração acalma as chamas do braseiro ateado pelo carrasco. Santo Agostinho (354-430), bispo de Hipona (Norte de África) e doutor da Igreja Sermão para a festa dos mártires "Se morrer, dará muito fruto" Os feitos gloriosos dos mártires, que são em toda a parte o ornamento da Igreja, permitem-nos compreender por nós mesmos a verdade do que cantamos: "Grande preço tem aos olhos do Snhor a morte dos seus santos" (Sl 115,15). Na verdade, ela tem grande preço aos nossos olhos e aos olhos daquele por quem morreram. Mas o preço de todas essas mortes é a morte de um Único. Quantos mortos resgatou Ele, apenas com a sua morte? Com efeito, se não tivesse morrido, o grão de trigo não se teria multiplicado. Ouvistes o que Ele dizia quando se aproximava da sua paixão, isto é, quando se aproximava da nossa redenção: "Se o grão de trigo caído na terra não morre, fica só; mas, se morre, dá muitos frutos". Quando o seu lado foi aberto pela lança que o feria, o que dali brotou é o preço do universo (cf Jo 21,34). Os fiéis e os mártires foram resgatados; mas a fé dos mártires deu as suas provas, o seu sangue disso é testemunha. "Cristo deu a sua vida por nós; também nós devemos dar a nossa vida pelos irmãos" (1Jo 3,16). Noutro passo está dito: "Quando te sentas a uma mesa magnífica, repara bem no que te servem, porque é preciso que faças o mesmo" (cf. Pr 23,1). É uma mesa magnífica esta em que comemos com o próprio Senhor do banquete. Ele é o anfitrião que convida, mas é também o alimento e a bebida. Os mártires deram atenção ao que comiam e bebiam, para poderem dar outro tanto. Mas como poderiam dar outro tanto, se Aquele que construiu a primeira despensa não lhes tivese dado os meios com que o fazer? É isso que nos recomenda o salmo onde está esta palavra que cantamos: "Grande preço tem aos olhos do Senhor a morte dos seus santos". São Máximo de Turim (?-c. 420), bispo Sermão 40 São Lourenço, como um grão lançado à terra À primeira vista, um grão de mostarda é pequeno, vulgar e desprezível; não tem sabor, não exala cheiro, não deixa presumir doçura. Depois de ser triturado, contudo, difunde o seu odor próprio, dá mostras do seu vigor, tem um gosto de chama e queima com ardor tal, que a gente se espanta por encontrar tão grande fogo em grão tão pequeno. […] Assim também a fé cristã parece, à primeira vista, pequena, vulgar e frágil; não demonstra o seu poder, não faz alarde da sua influência. Mas, depois de ter sido triturada por várias provas, dá mostras do seu vigor, faz brilhar a sua energia, exala a chama da sua fé no Senhor. O fogo divino fá-la vibrar com um fulgor tal que, ardendo ela própria, aquece os que dela partilham, como disseram Cléofas e o companheiro quando o Senhor conversou com eles após a Paixão: “Não estava o nosso coração a arder cá dentro, quando Ele nos falava pelo caminho e nos explicava as Escrituras?” (Lc, 24, 32) […]. Podemos comparar o santo mártir Lourenço ao grão de mostarda; triturado por múltiplas torturas, mereceu diante de toda a terra a graça de um martírio glorioso. Enquanto habitava o seu corpo, era humilde, ignorado e vulgar; depois de ter sido torturado, rasgado e queimado, difundiu sobre os fiéis de todo o mundo o bom odor da sua nobreza de alma. […] Visto de fora, este mártir ardia nas chamas de um tirano cruel; mas era consumido do interior por uma chama maior, a chama do amor de Cristo. Bem pode o ímpio rei juntar a lenha e acender uma fogueira intensa, que São Lourenço, no ardor da sua fé, já não sente essas chamas. […] Os sofrimentos deste mundo já não têm poder sobre ele; a sua alma habita no céu. Evangelho segundo S. João 12,44-50. Jesus levantou a voz e disse: «Quem crê em mim não é em mim que crê, mas sim naquele que me enviou; e quem me vê a mim vê aquele que me enviou. Eu vim ao mundo como luz, para que todo o que crê em mim não fique nas trevas. Se alguém ouve as minhas palavras e não as cumpre, não sou Eu que o julgo, pois não vim para condenar o mundo, mas sim para o salvar. Quem me rejeita e não aceita as minhas palavras tem quem o julgue: a palavra que Eu anunciei, essa é que o há-de julgar no último dia; porque Eu não falei por mim mesmo, mas o Pai, que me enviou, é que me encarregou do que devo dizer e anunciar. E Eu bem sei que este seu mandato traz consigo a vida eterna; por isso, as coisas que Eu anuncio, anuncio-as tal como o Pai as disse a mim.» Orígenes (c. 185-253), presbítero e teólogo Homilias sobre o Génesis «Eu, a Luz, vim ao mundo para que aquele que crê em mim não permaneça nas trevas” Cristo é «a luz do mundo» (Jo 8,12) e ilumina a Igreja com a Sua luz. E, tal como a lua recebe a sua luz do sol a fim de iluminar também ela a noite, assim a Igreja, recebendo a sua luz de Cristo, ilumina também todos aqueles que estão na noite da ignorância ... É pois Cristo «a verdadeira luz que ilumina todo o homem ao vir a este mundo» (Jo 1,9), e a Igreja, recebendo a Sua luz, torna-se ela própria luz do mundo «iluminando aqueles que caminham nas trevas» (Rm 2,19), segundo estas palavras de Cristo aos seus discípulos: «Vós sois a luz do mundo» (Mt 5, 14). De onde se conclui que Cristo é a luz dos apóstolos, e os apóstolos, por sua vez, a luz do mundo. Santo Anselmo (1033-1109), monge, bispo, doutor da Igreja Meditações "Eu vim ao mundo para que aquele que acreditar em mim não permaneça nas trevas" Ó bom Mestre, Jesus Cristo, eu estava sem nenhum socorro, não pedia nada, não pensava mesmo nisso e a tua luz iluminou-me na minha noite... Tiraste de mim o fardo que me esmagava, afastaste os que me atacavam, chamaste-me por um nome novo (Ap 2,17), parecido ao teu, o nome de cristão. Estava desfeito e tu me ergueste. Disseste-me: "Confiança, eu te resgatei, eu que dei a vida por ti. Se quiseres prender-te a mim, escaparás ao mal e ao abismo para onde corres, conduzir-te-ei ao meu Reino..." Sim, Senhor, fizeste tudo por mim! Eu estava nas trevas e não o sabia..., descia para o abismo da injustiça, tinha escorregado na miséria do tempo para cair mais baixo ainda. E, na hora em que me encontrava sem socorro, tu me iluminaste. Sem que mesmo eu te pedisse, deste-me a tua luz. Na tua luz, vi o que eram os outros e o que eu sou...; deste-me confiança na minha salvação, tu que deste a vida por mim... Reconheço-o, oh Cristo, devo-me inteiramente ao teu amor! Catecismo da Igreja Católica § 238, 240-242 "Quem me vê, vê Aquele que me enviou" A invocação de Deus como "Pai" é conhecida em muitas religiões. A divindade é muitas vezes considerada "pai dos deuses e dos homens". Em Israel, Deus é chamado Pai enquanto Criador do mundo. Deus é Pai, mais ainda, em razão da Aliança, e do dom da Lei a Israel, seu "filho primogênito" (Ex 4,22). É também chamado Pai do rei de Israel. Muito particularmente Ele é "o Pai dos pobres", do órfão e da viúva que estão sob sua proteção de amor. Jesus revelou que Deus é "Pai" num sentido inaudito: não o é somente enquanto Criador, mas é eternamente Pai em relação a seu Filho único, que só é eternamente Filho em relação a seu Pai: "Ninguém conhece o Filho senão o Pai, e ninguém conhece O Pai senão o Filho, e aquele a quem o Filho o quiser revelar" (Mt 11,27). É por isso que os apóstolos confessam Jesus como "o Verbo" que "no início estava junto de Deus" e que "é Deus" (Jo 1,1), como "a imagem do Deus invisível" (Cl 1,15), como "o resplendor de sua glória e a expressão do seu ser" (Hb 1,3). Na esteira deles, seguindo a Tradição apostólica, a Igreja, no ano de 325, no primeiro Concílio Ecumênico de Niceia, confessou que o Filho é "consubstancial" ao Pai, isto é, um só Deus com Ele. O segundo Concílio Ecuménico, reunido em Constantinopla em 381, conservou esta expressão em sua formulação do Credo de Niceia e confessou "o Filho Único de Deus, gerado do Pai antes de todos os séculos, luz de luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não criado, consubstancial ao Pai".