Sérgio Ricardo da Mata, Helena Miranda Mollo & Flávia Florentino Varella (org.). Caderno de resumos & Anais do 2º. Seminário Nacional de História da Historiografia. A dinâmica do historicismo: tradições historiográficas modernas. Ouro Preto: EdUFOP, 2008. (ISBN: 978-85-288-0057-9) História dos intelectuais: um balanço historiográfico Fernando Perlatto* Os intelectuais desempenharam papéis de suma importância no processo da modernização brasileira. Seja atuando em Academias e Institutos, seja na universidade, em partidos ou inseridos no aparelho de Estado, a inteligência brasileira buscou se inscrever na esfera pública, formulando e disputando projetos sobre o futuro da nação. Sintoma desta importância pode ser verificado na centralidade que a temática dos intelectuais vem ganhando no campo das ciências sociais brasileira nos últimos anos, com estudos privilegiando ora questões relativas à morfologia e à composição interna do campo intelectual, ora pesquisas que preferem esmiuçar as modalidades da contribuição deste campo para o trabalho cultural e político. No presente artigo, buscaremos discutir alguns aspectos referentes à constituição do campo da história dos intelectuais, destacando determinados debates que perpassam as obras historiográficas e/ou sociológicas voltadas para a análise dos intelectuais. Além disso, apontaremos para algumas obras exemplares, tanto no plano internacional, quanto no Brasil. História dos intelectuais: um campo em construção A história dos intelectuais tem chamado a atenção de diversos estudiosos nos últimos anos. Pelo fato de ter sido sempre identificada com a história política, ela sofreu durante longo tempo com o processo de suspeição que rondava todas aquelas abordagens a ela relacionadas.1 Contra a hegemonia do estudo do político, a renovação historiográfica – trazida pelo marxismo e pela Escola dos Annales – acusou-o de privilegiar os acontecimentos, a história factual, a narrativa linear, o indivíduo e de se prender à superfície das coisas, sendo elitista e aristocrática. Em oposição, pregava-se a favor de uma história total e vinculada às causas profundas, que não se prendesse aos grandes homens, mas, pelo contrário, que se dedicasse ao estudo do coletivo e das * Mestrando do Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro (IUPERJ). SIRINELLI, J.F. (1996), “Os intelectuais”, In: RÉMOND, René (org.), Por uma história política, Rio de Janeiro, UFRJ, p. 234. 1 1 massas.2 A história dos intelectuais, situando-se no cruzamento da biografia e do político, não escapou aos ataques desferidos contra a história política. O fato dos intelectuais se constituírem como um grupo social de contornos vagos também contribuiu para manter a análise dos mesmos à margem dos estudos historiográficos. A onda dos estudos quantitativos, a obsessão pela análise das massas e o privilégio à longa duração foram fatores que também contribuíram para conduzir ao desterro as análises a eles dedicadas. A pergunta acerca da influência do intelectual sobre determinado acontecimento era considerada uma afronta em um momento no qual o acontecimento era visto de maneira crítica.3 A partir da década de 70 o quadro começou a mudar e a história dos intelectuais passou cada vez mais a chamar a atenção dos historiadores. As transformações ocorridas na historiografia propiciaram a chamada “volta do político”, que trouxe consigo uma maior respeitabilidade e interesse em relação a esta temática.4 A atuação destacada de grandes intelectuais, como Sartre, no decorrer da Guerra Fria, bem como os embates travados acerca de qual seria a função da intelligentsia na sociedade contemporânea, também contribuíram para que os estudiosos voltassem seus olhares para este grupo. Nos anos 80, as condições já estavam reunidas para que a história política dos intelectuais se consolidasse, faltando somente definir seus objetivos e seus métodos. Conforme ressalta Sirinelli: O outono dos maîtres à penser, ou seja, dos grandes líderes intelectuais, fez, portanto, a primavera dos historiadores dos intelectuais, e essa história não foi, daí em diante, apenas a soma das iniciativas de alguns pesquisadores isolados, mas uma disciplina cujos praticantes eram reconhecidos por seus pares.5 Todos os estudos dedicados à sociologia dos intelectuais se deparam com alguns debates. A primeira e mais óbvia discussão que perpassa este campo é aquele que busca compreender quem são os intelectuais. Um estudo a respeito dos intelectuais corre o sério risco de cair no erro da falsa generalização. É um equívoco falar deles como se 2 FALCON, Francisco. (1997), “História e poder”, In: CARDOSO, Ciro Flamarion e VAINFAS, Ronaldo, Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia, Rio de Janeiro, Campus. 3 SIRINELLI, Jean François. Op. cit., p. 234. 4 Sobre o retorno o debate acerca da histórica política e do seu “retorno”, ver: RÉMOND, René (1994), “Por que a história política?”, Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 7, n. 13, pp. 7-19. 5 SIRINELLI, Jean François. Op. cit., p. 240-41. 2 pertencessem a uma categoria homogênea e constituíssem uma massa indistinta. A noção de intelectual possui um caráter polissêmico e polimorfo, sendo difícil estabelecer os contornos deste agrupamento heterogêneo. Surgido no contexto do caso Dreyfus na França no final do século XIX6, o conceito de “intelectual” e qual seria a função deste agente na sociedade sempre foi alvo de amplos debates, envolvendo além dos nomes acima citados, Gramsci, Raymond Aron, Noam Chomsky, Edward Said, Jürgen Habermas, entre outros. Não pretendemos entrar no mérito deste debate, até mesmo porque o conceito tende a variar de acordo com o período a ser abordado pelo pesquisador. Fato é que qualquer abordagem destinada à compreensão dos intelectuais deve procurar apresentar qual conceito está sendo utilizado. Outra discussão que atravessa os estudos sobre os intelectuais diz respeito à autonomia e/ou influência / determinação do contexto econômico e social sobre as obras produzidas. Conforme destaca Heloísa Pontes, podem ser distinguidas duas formas de abordagem no estudo dos intelectuais: a internalista e a externalista. A primeira – herdeira das contribuições teóricas fornecidas pela lingüística cultural, pela semiologia e pelos debates travados no âmbito da história da arte – privilegiaria uma análise interna das obras e dos produtos culturais, que teriam sua inteligibilidade garantida pelo sistema interno de sua produção. A segunda enfatizaria principalmente as condições sociais da produção das obras, dando conta do perfil sociológico dos produtores de bens culturais, intelectuais e simbólicos, de suas representações, ideologias e práticas sociais.7 No campo marxista, este debate mobilizou diversos estudiosos, na medida em que se vincula à discussão em torno da determinação ou não da estrutura sobre a supraestrutura. Diversos autores, como aqueles pertencentes à Escola de Frankfurt – em especial Theodor Adorno –, entre outros, como Georg Lukács, Lucien Goldman, Raymond Williams e E.P. Thompson, dedicaram-se a esta questão, oferecendo alternativas interessantes, que se distanciavam do determinismo puro propugnado pelo que se convencionou denominar como “marxismo vulgar”.8 6 Embora o termo “intelectual” só tenha aparecido no final do século XIX, alguns estudiosos, como Jacques Le Goff, não deixaram de utilizá-lo para analisar períodos precedentes. Ver: LE GOFF, Jacques. (1993), Os intelectuais na Idade Média, São Paulo, Brasiliense. 7 PONTES, Heloísa. (1997), “Círculos de intelectuais e experiência social”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 12, 34: 57-69. 8 Para uma análise interessante sobre este debate no campo marxista, ver: “Idéias, intelectuais, textos e contextos: novamente a sociologia da cultura....”. (2007), BIB. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, v. 41, pp. 53-72. 3 François Dosse propõe que tanto o procedimento internalista – que considera apenas a lógica endógena do conteúdo das obras –, quanto uma abordagem meramente externalista – que se contentaria com explicações puramente externas, contextualizadas das idéias – não dão conta de responderem sozinhas aos desafios colocados pelo estudo da história intelectual, devendo-se o pesquisador pensar junto os dois pólos, ultrapassando, dessa forma, essa falsa alternativa. Segundo ele, o que pode emergir de uma abordagem ao mesmo tempo internalista e externalista é a explicitação das correlações entre o conteúdo exprimido, o dizer, de um lado, e a existência de redes, o pertencimento de geração, a adesão a uma escola, o período e suas problemáticas, de outro.9 Angela Alonso destaca que a discussão contemporânea tem caminhado no sentido de analisar ações e representações como duas dimensões da vida social interdependentes. Para entendê-las, segundo a autora, “é preciso conjugar o estudo da cultura com o complexo de categorias cognitivas e como conjunto de práticas sociais”.10 Embora reconhecendo a autonomia e a originalidade dos intelectuais, é importante ressaltar que eles se movem dentro de um contexto determinado, que influencia, de variadas maneiras, suas reflexões, suas opções e suas produções teóricas. Um outro debate importante que permeia as pesquisas historiográficas / sociológicas voltadas para os intelectuais é aquele que diz respeito à apropriação das idéias vindas de fora pelos intelectuais locais. A idéia da cópia das idéias “estrangeiras” – liberalismo, positivismo, darwinismo, socialismo, etc. – que seriam apropriadas de maneira “deturpada”, “distorcida” e “diluída” está presente em diversos estudos brasileiros e provocou polêmicas importantes no meio acadêmico, como aquela envolvendo Roberto Schwarz e Maria Silvia de Carvalho Franco.11 Conforme destaca Angela Alonso, a relação entre contexto brasileiro e teorias européias é dinâmica, pelo fato de tanto o repertório estrangeiro, quanto a tradição nacional serem fontes intelectuais apropriadas de maneira seletiva em um processo que envolve necessariamente supressão, modificação e recriação. A idéia da exportação a-crítica das idéias pressupõe dois elementos que estão longe de serem verdadeiros: primeiro, 9 DOSSE, François. (2004), História e Ciências Sociais, Bauru, EDUSC, pp.283-311. ALONSO, Angela. (2002), Idéias em Movimento. A Geração de 1870 na crise do Brasil – Império, Rio de Janeiro, Paz e Terra. 11 Ver SCHWARZ, Roberto. Ao vencedor as batatas. (1977), São Paulo, Duas Cidades e FRANCO, Maria Sylvia de Carvalho. (1976) “As idéias estão no lugar”. In: Cadernos de Debate, nº 1, pp. 61-64. 10 4 confere às idéias de fora uma homogeneidade e pureza que elas dificilmente possuem em seu contexto original; segundo, desconsidera o fato de que a recepção e a apropriação das idéias ocorrem de maneira ativa, através de um processo de reelaboração por parte dos sujeitos sociais. Estudos exemplares da sociologia dos intelectuais a) História dos intelectuais internacional Talvez um dos livros mais influentes no campo da historiografia dos intelectuais seja o de Carl Schorske, Vienna fin-de-siècle, publicado em 1979. Em diversos artigos, o autor busca compreender a gênese da cultura a-histórica, prevalecente no nosso século, que teria tido Vienna como um de seus terrenos mais férteis. Os grandes inovadores intelectuais da Vienna no fin-de-siècle romperam, de modo mais ou menos deliberado, seus laços com a perspectiva histórica essencial para a cultura liberal novecentista em que foram gerados. Schorske procura analisar os espaços de sociabilidade, como os salões e cafés, nos quais vários tipos de intelectuais, ao lado de uma elite de profissionais liberais e homens de negócios, compartilhavam idéias e valores. Nesta obra, o autor realiza uma definição ampla e marcante do que deveria ser a história intelectual, visando combinar os procedimentos diacrônico e sincrônico da lógica endógena de um momento, de um corte de tempo concebido a partir de sua transversalidade.12 Duas análises interessantes focalizando um mesmo contexto, embora com perspectivas e resultados diferentes, podem ser observadas nas obras de Michel Löwy e Mary Gluck sobre Georg Lukács e o meio intelectual no qual circulou este importante pensador. Löwy traça um interessante painel da Alemanha no século XIX e XX e dos “círculos” freqüentados por intelectuais como o jovem Lukács, Max Weber, Georg Simmel, Thomas Mann, Ernst Bloch, entre outros, buscando perceber a gênese de uma intelligentsia anticapitalista. O autor está interessado em construir o que ele denomina de “sociologia dos intelectuais revolucionários”, tomando, para tanto, a trajetória e as obras de Lukács, que, com o passar dos anos, transforma-se em um intelectual dedicado 12 SCHORSKE, Carl E. (1998), Vienna Fin-de-Siècle. Política e Cultura. Campinas / São Paulo, Editora da Unicamp / Companhia das Letras. 5 à revolução.13 Gluck, por sua vez, analisa a trajetória do Lukács “pré-Marx”’ e procura investigar o pequeno círculo de artistas e intelectuais formado na Budapeste do fin-desiècle (“Sunday Circle”), visando traçar um retrato de uma geração, tomando como pano de fundo as transformações que ocorriam na Europa na passagem do século.14 Outras obras – como A Vienna de Wittgenstein (1991), de Allan Janik e Stephen Toulmin, Uma modernidad periférica: Buenos Aires 1920 y 1930 (1988), de Beatriz Sarlo e Miradas sobre Buenos Aires. Historia cultural y crítica urbana (2004), de Adrián Gorelik – enveredaram por caminhos semelhantes, ao articularem a compreensão dos espaços de sociabilidade e dos círculos sociais constituídos pelos intelectuais com a análise do contexto e das transformações ocorridas na sociedade de então. b) História dos intelectuais brasileira A história dos intelectuais teve boa acolhida em terras brasileiras e importantes obras relacionadas a esta temática foram aqui produzidas. Conforme destacamos no início deste artigo, a própria dimensão pública conferida à atividade intelectual no Brasil contribuiu para a proliferação de estudos a eles dedicados. Além das obras acima citadas, outras pesquisas foram e vêm sendo desenvolvidas tomando os intelectuais como objeto. Estes trabalhos têm buscado refletir sobre as múltiplas facetas da atividade intelectual, analisando suas revistas, seus espaços de sociabilidade e os complexos laços que envolvem os integrantes de grupos de intelectuais. A obra A construção da ordem / Teatro das Sombras, de José Murilo de Carvalho, é exemplar no que diz respeito a uma análise concernente à intelectualidade e preocupada em articulá-la com uma abordagem contextual mais ampla, ao analisar a participação dos intelectuais vinculados ao Conselho de Estado que atuaram decisivamente no processo de formação do Estado nacional.15 A obra de Daniel Pécaut, Os intelectuais e a política no Brasil (Entre o povo e a nação), influenciou diversos estudos no país. Nesta obra, o autor se vale de argumentos 13 LÖWY, Michael. (1979), Para uma sociologia dos intelectuais revolucionários: a evolução política de Lukács 1909-1929, São Paulo, Lech. 14 GLUCK, Mary. (1985), Georg Lukács and his generation 1900-1918. Cambridge / London, Harvard University Press. 15 CARVALHO, José Murilo de. (1996), A construção da ordem / Teatro das Sombras, Rio de Janeiro, Relume Dumará. 6 doutrinários-politicistas, privilegiando as motivações políticas da intelligentsia, em detrimento do componente classista, apresentando os intelectuais, seguindo a perspectiva mannheimiana, como “uma camada social sem vínculos”. Tomando como objeto de análise a intelligentsia relacionada às Ciências Sociais, ele objetiva demonstrar como este estrato buscou, em diferentes momentos, “organizar” a nação e construir uma identidade nacional.16 Assumindo perspectiva diferenciada, outros estudos – seguindo as pegadas oferecidas por Pierre Bordieu e as inovando – privilegiaram a análise do campo intelectual, com suas singularidades e especificidades. No Brasil, a obra seminal Intelectuais e Classe dirigente no Brasil (1920-1945), de Sérgio Miceli, de 1979, dialoga com a obra de Bourdieu, ao mobilizar em sua análise principalmente argumentos sociológicos com tinturas culturalistas. Nessa obra, Miceli busca elaborar um modelo de argumentação que visa compatibilizar condicionantes ligados às origens sociais àqueles desencadeados pelas transformações em curso no mercado de trabalho intelectual.17 Outros estudos procuraram compreender a construção institucional da atividade científica e intelectual no país, mobilizando para tanto argumentos da alçada organizacional e institucionalista. Uma obra exemplar da mobilização destes argumentos no Brasil é o livro de Simon Schwartzman Formação da comunidade científica no Brasil, publicado em 1979. Neste trabalho, o autor analisa as possibilidades dos diferentes projetos disciplinares (geologia, astronomia, química, medicina, etc.) a partir das modalidades organizacionais adotadas (institutos, escolas, museus, etc.), visando mapear a construção científica e institucional no país.18 Uma outra obra exemplar da sociologia dos intelectuais produzida no Brasil é ISEB: Fábrica de Ideologias, de Caio Navarro de Toledo. Neste trabalho, Toledo busca investigar o projeto intelectual e político dos intelectuais reunidos no Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), que visavam forjar uma ideologia que impulsionasse o desenvolvimento do país. O autor procura evidenciar a pluralidade de versões sobre o nacionalismo e o desenvolvimentismo produzidas entre intelectuais como Hélio 16 PÉCAUT, Daniel. (1990), Intelectuais e a política no Brasil. Entre o povo e a nação, São Paulo, Editora Ática. 17 MICELI, Sergio. (1979), Intelectuais e classe dirigente no Brasil (1920-1945), São Paulo, Difel. 18 SCHWARTZMAN, Simon. (1979), Formação da comunidade científica no Brasil, São Paulo / Rio de Janeiro, Cia. Ed. Nacional / FINEP. 7 Jaguaribe, Vieira Pinto, Nelson Werneck Sodré, Candido Mendes e Guerreiro Ramos, que se distinguiam por possuírem formações teóricas, bem como motivações ideológicas e compromissos políticos distintos, quando não antagônicos.19 O Quinto Século: André Rebouças e a construção do Brasil, de Maria Alice Rezende de Carvalho, também é uma obra fundamental no campo da história dos intelectuais brasileiros. Tomando como atalho a autobiografia de André Rebouças, Maria Alice busca analisar aspectos relevantes do século XIX, caracterizando-o como um momento no qual foram jogados lances decisivos da construção do Brasil, tal qual ele se apresentava então, no seu quinto século. O empreendimento intelectual de Rebouças constitui-se no objeto de uma extraordinária sociologia dos intelectuais, através da atualização disciplinar de uma consciência exasperada que se desprende dos interesses, vistos como particularistas, e se propõe como representante em geral da sociedade.20 Analisando duas publicações ligadas aos serviços de propaganda do regime Vargas – o suplemento “Autores e Livros” do jornal A Manhã e a revista Cultura Política – e visando através delas recuperar a “cultura histórica do período”, o livro História e historiadores: a política cultural do Estado Novo, de Angela de Castro Gomes, também se constitui como uma importante referência para o estudo da história dos intelectuais no Brasil. A autora busca analisar quem eram aqueles considerados historiadores no período, bem como compreender de que maneira era encarado o saber histórico e o lugar da história no discurso estado-novista.21 Angela Alonso, em seu livro Idéias em movimento: a geração de 1870 na crise do Brasil-Império, busca analisar a experiência dos membros do movimento intelectual da geração de 1870 como uma experiência política. A performance política dos agentes é tomada como perspectiva central de análise e os escritos dos intelectuais desta geração são analisadas como formas de intervenção política. Tomando o movimento intelectual da geração de 1870 como um movimento político, a autora busca demonstrar que os intelectuais deste movimento buscavam no repertório político-intelectual europeu 19 TOLEDO, Caio Navarro de. (1974), ISEB: Fábrica de ideologias, 2 ed., São Paulo, Ática. CARVALHO, Maria Alice Rezende de. (1998), O quinto século: André Rebouças e a construção do Brasil, Rio de Janeiro, Revan / IUPERJ / UCAM. 21 GOMES, Angela de Castro (1996), História e Historiadores: A política cultural do Estado Novo, Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas. 20 8 elementos para compor uma interpretação da conjuntura de modo a desvendar linhas mais eficazes de ações políticas, que visassem contestar o status quo imperial.22 O livro Guardiões da razão: Modernistas mineiros, de Helena Bomeny é um estudo exemplar de uma abordagem renovada no campo da sociologia dos intelectuais brasileira. Nesta obra, a autora examina a atuação da primeira geração de modernistas mineiros nas duas primeiras décadas do século XX, quando da construção de Belo Horizonte como nova capital do estado. Bomeny busca contrastar os anseios cosmopolitas e universalistas desses jovens escritores e políticos com as restrições impostas pela experiência de vida na província, com seus horizontes limitados. Em sua análise, tomando como pano de fundo o diálogo mantido entre Mário de Andrade e Carlos Drummond de Andrade, ela procura evidenciar as conturbadas relações existentes entre os modernistas mineiros e seus colegas paulistas, devido às interferências de suas atividades políticas sobre sua produção literária.23 Heloisa Pontes também produziu um estudo antenado com as renovações da sociologia dos intelectuais, em seu livro Destinos Mistos – os críticos do grupo Clima em São Paulo. Nesta obra, a autora busca investigar o perfil social e a experiência cultural do “grupo Clima”. Formado no início de 1939 por jovens estudantes universitários, ele integrava rapazes e moças unidos por fortes laços de amizade e por uma intensa sociabilidade em comum. Desse círculo, fizeram parte Antonio Candido, Décio de Almeida Prado, Paulo Emílio Salles Gomes, Lourival Gomes Machado, Ruy Galvão de Andrada Coelho, Gilda de Mello e Souza, entre outros. Analisando a contribuição que eles deram às mais variadas esferas do mundo cultural – crítica aplicada ao teatro, cinema, literatura e artes plásticas –, a autora busca compreender a inserção dos mesmos no sistema cultural paulista.24 As renovações teóricas e metodológicas trazidas pelo “novo historicismo”, pela lingustic turn e pela influência da hermenêutica encontraram repercussão nos trabalhos de Ricardo Benzaquen de Araújo. Diferenciando-se das perspectivas externalistas, Benzaquen desenvolve uma análise mais próxima da teoria literária, detendo-se no exercício analítico detalhado das fontes textuais e no processo de identidade dos 22 ALONSO, Angela. (2002), Idéias em Movimento. A Geração de 1870 na crise do Brasil – Império, Rio de Janeiro, Paz e Terra. 23 BOMENY, Helena. (1984), Guardiões da Razão, Modernistas Mineiros. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ/Tempo Brasileiro. 24 PONTES, Heloísa. (1998), Destinos Mistos: os críticos do Grupo Clima em São Paulo (1940-1968), São Paulo, Companhia das Letras. 9 produtores. Tendo como referência instrumental a moderna teoria literária (em especial Auerbach), o autor procura combinar uma análise internalista mais consistente com uma discussão a respeito dos processos de subjetivação correntes no mundo ocidental.25 À guisa de conclusão Nos últimos anos, diversas pesquisas têm sido desenvolvidas tomando os intelectuais como objetos de análise. Seja investigando trajetórias individuais, seja analisando “círculos de intelectuais” e seus espaços de sociabilidade – como cafés, clubes e revistas –, estas abordagens vêm procurando evidenciar novas facetas do mundo intelectual. Alguns estudos buscam compreender os intelectuais como estratos da sociedade, capazes de produzir a síntese entre os contrários. Outras, privilegiam uma análise classista ou um enfoque interno do campo intelectual. Ao passo que outras preferem buscar compreender a construção institucional da atividade intelectual. Privilegiando a abordagem interna das obras ou o contexto no qual estão inseridos, fato é que abordagens inovadoras vêm sendo produzidas recentemente no campo da sociologia dos intelectuais. Uma área ainda pouco explorada nos estudos dedicados aos intelectuais no Brasil é aquela que busca analisar o papel desempenhado pelos mesmos na sociedade contemporânea. Diversas transformações recentes – relacionadas às mudanças estruturais na esfera pública, devido aos avanços dos poderes midiáticos, bem como ao processo de institucionalização acadêmica – têm provocado mudanças significativas na figura clássica do intelectual. A dimensão pública historicamente assumida pela intelectualidade brasileira tem sido seriamente afetada por esse processo. Este contexto de transformação ainda merece uma investigação mais detalhada por parte daqueles dedicados ao estudo da sociologia dos intelectuais no Brasil.26 25 ARAÚJO, Ricardo Benzaquen. (1994), Guerra e Paz – Casa Grande & Senzala e a obra de Gilberto Freyre nos anos 30. Rio de Janeiro, Ed. 34 e ARAÚJO, Ricardo Benzaquen. (2004), “Através do espelho: subjetividade em ‘Minha formação’, de Joaquim Nabuco. Revista de Ciências Sociais, São Paulo, 19, 56, pp. 5-13. 26 Sobre este processo, ver: PERLATTO, Fernando. (2008), “A reinvenção do público: intelectuais, democracia e esfera pública”. Revista Eletrônica de Ciências Sociais, Ano 2, Edição 03, Maio de 2008, pp. 213-31. 10