Desconstrução
Monica Baumgarten de Bolle
Economista, PhD pela London School of Economics
(Artigo publicado no O Globo a Mais de 18 de setembro de 2014)
Foi com grande consternação, mas sem surpresa alguma, que li matéria publicada
pelo jornal Valor Econômico sobre os artistas e intelectuais que apoiam a reeleição da
Presidente-candidata. Com tristeza, vi, novamente, parte relevante da classe artística
nacional, gente que já contribuiu tanto para a música, o teatro, a literatura, entregar-se de
corpo e alma a um projeto “sonhático” em que o pesadelo da realidade se impõe. A
“Primavera dos Brasileiros”, o que é a “Primavera dos Brasileiros”?
A Petrobras, falida, destroçada pela sanha de poder desse grupo que se instalou
em Brasília em 2003 para nunca mais sair – ou, assim gostariam. Petrolão, mensalão,
risco de apagão. Espirradeiras e espinhos crescem no adubo da “Primavera dos
Brasileiros”. “Os brasileiros não se importam com a corrupção, não de verdade”, disseme um amigo próximo. Se a expressão máxima da cultura nacional tolera tudo isso e
muito mais, ele está certo, tão desconcertantemente certo que dá vontade de não ouvir
mais uma música, não abrir sequer um livro dos sonháticos que acreditam, como crianças
ingênuas, na fantasia criada pelo PT. “Vá ao teatro, mas não me chame”, como dizia a
camiseta. Sobretudo se for para assistir a alguma peça encenada por artistas primaveris.
Os brasileiros não se comovem com a corrupção. O que comove os brasileiros? A
falta de crescimento e a inflação descuidada por certo não incomodam os artistas e
intelectuais da primavera – eles hão de receber recursos do governo mesmo que a
economia continue empacada. Ficam profundamente emocionados com a redução da
desigualdade do País, essa alardeada por gente que perdeu o sentido de honestidade
intelectual, que atribui a si o feito de sucessivos governos, que não reconhece que a
história da diminuição da desigualdade brasileira é uma história incompleta. História que
corre o risco de murchar com a economia desgovernada e com ações do Estado que a
prejudicam diretamente – os tributos regressivos, a falta de cuidado com a inflação, os
generosos empréstimos dos bancos públicos que ameaçam a estabilidade fiscal e o bolso
do contribuinte brasileiro. Aliás, diz pesquisa do IPEA, a concentração de renda voltou a
aumentar nos últimos anos.
Onde está o bom senso da classe artística brasileira? O julgamento racional dos
intelectuais? Parece que “Tropeçou no céu como se fosse um bêbado / Flutuou no ar
como se fosse um pássaro / E se acabou no chão feito um pacote flácido / Agonizou no
meio do passeio público / Morreu na contramão atrapalhando o tráfego”.
Download

Desconstrução Monica Baumgarten de Bolle Foi com grande