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24/07/2015 ­ 05:00
Novos acordos de investimentos no menu
Por Daniel Godinho e Carlos Cozendey
O Brasil assinou recentemente acordos sobre investimentos com Moçambique, Angola, México e Malaui e negocia
com vários outros países. A assinatura destes acordos é um marco para a política comercial do país, e cabe
recordar a longa trajetória que nos trouxe até aqui.
Há cerca de 3 mil acordos tradicionais sobre investimentos, denominados Acordos de Proteção e Promoção de
Investimentos (APPI), assinados por diversos países. Nesse modelo, um investidor pode evitar o Judiciário do
país onde investe e acioná­lo diretamente em arbitragem internacional, recebendo em muitos casos enormes (e
irrecorríveis) indenizações. Nos APPIs, políticas públicas podem ser questionadas por um investidor estrangeiro
mediante o conceito de "expropriação indireta", alegando­se que nova legislação frustrou "legítimas expectativas
de lucro", por isso considerada "medida equivalente à expropriação".
Em 1965, foram lançadas as bases do sistema de proteção aos investidores estrangeiros pela Convenção de
Washington. Essa negociação ocorreu no auge do processo de descolonização, momento em que os investidores
internacionais duvidavam da imparcialidade de sistemas judiciais recém­criados, clamando por sistema de
arbitragem internacional que concedia (apenas a eles) um foro isento de interferências políticas.
Comitê conjunto fortalece os diálogos técnicos entre governos para prevenção de controvérsias
O Congresso brasileiro não ratificou a Convenção, entendendo que concedia privilégios ao investidor estrangeiro,
em detrimento do nacional, e que limitava a autonomia regulatória do Estado. Nos anos 90, o tema voltou à
pauta e foram assinados 14 APPIs pelo Brasil. As discussões no Legislativo retomaram os argumentos que haviam
prevalecido em 1965, e os textos foram retirados do Congresso, ainda durante o Governo FHC, sem prejudicar a
nossa capacidade de atrair investimentos estrangeiros.
Na década seguinte, comprovou­se que o Congresso tinha razão. Os APPIs tradicionais continham obrigações
vagas como "tratamento justo e equitativo" e a vedação a "medidas equivalentes à expropriação". Com base em
interpretações extensivas desses conceitos, multiplicaram­se questionamentos dos investidores a medidas e
políticas adotadas pelos Estados, e alguns casos alcançaram grande repercussão em razão das políticas
questionadas, dos altos custos das arbitragens e de laudos questionáveis. Os próprios defensores desses acordos
passaram a reconhecer problemas e alguns países alteraram seus modelos de acordo, agregando cláusulas que
buscam delimitar as obrigações dos Estados (perceberam que seu espaço regulatório também seria questionado,
afinal de contas, os acordos são recíprocos). Os novos modelos de APPI não resolvem, no entanto, os problemas
fundamentais, como a desconfiança em relação aos tribunais nacionais e a concessão ao investidor estrangeiro de
um tratamento melhor do que ao nacional.
A importância dos investimentos estrangeiros, em complementação aos nacionais, e a progressiva
internacionalização das empresas brasileiras trouxeram o tema dos acordos sobre investimentos de novo à tona.
Era preciso, porém, evitar os problemas dos acordos tradicionais e buscar modelo que realmente procurasse
promover investimentos e atender, pragmaticamente, às necessidades dos investidores brasileiros. Assim, o
governo brasileiro desenvolveu, após consultas com o setor privado, o novo modelo dos Acordos de Cooperação e
Facilitação de Investimentos (ACFI).
O modelo brasileiro parte da concepção de longo prazo de que os Estados devem cooperar para auxiliar a criação e
expansão de investimentos recíprocos. Os ACFIs buscam incentivar esses investimentos por meio da criação de
um ponto focal para investidores (Ombudsman), que centraliza o provimento de informações e a solução de
problemas práticos de empresários, atuando como um importante facilitador na relação entre os investidores e os
governos. Por meio de um comitê conjunto, são fortalecidos os diálogos técnicos entre governos para prevenção de
controvérsias (que tanto prejudicam os negócios) e diretamente com o setor privado, e demais atores, envolvidos
no investimento.
Ao mesmo tempo, em linha com as demandas do setor privado
brasileiro, o ACFI prevê um conjunto de medidas que reduzem a
exposição do investidor a riscos, estabelecendo garantias de não
discriminação (como tratamento nacional), transparência, requisitos
para a expropriação direta (não se prevê expropriação indireta),
compensação em caso de conflitos e cláusulas sobre transferência de
divisas. O modelo não prevê limitação a novas políticas públicas,
desde que não discriminatórias, e todas essas garantias já são
oferecidas pelo Brasil. Caso esses compromissos não sejam respeitados, pode­se recorrer a uma arbitragem entre
Estados ­ previsão existente em vários acordos comerciais de que o Brasil faz parte.
O ACFI também inova ao prever agendas de cooperação e facilitação de investimentos em áreas que contribuam
concretamente para a melhoria do ambiente de negócios. Uma vez identificadas dificuldades, poderão ser
negociados compromissos sobre temas como vistos de negócios ou regulamentação técnica.
Os acordos avançam ainda ao anteverem que as empresas beneficiárias se esforcem em cumprir um conjunto
detalhado de objetivos de responsabilidade social corporativa, baseados em instrumentos internacionais. As
cláusulas são de "melhores esforços", voluntárias como os demais instrumentos internacionais relevantes, mas
estarão em documento com força de lei, podendo ser objeto de debate no comitê conjunto e contribuindo para
manter o alto padrão de comprometimento dos investidores brasileiros com as comunidades locais.
Esperamos que os acordos sobre investimentos "à brasileira" ajudem a criar condições ainda mais favoráveis para
a atração de investimentos no país, além de impulsionar o processo de internacionalização de nossas empresas,
gerando exportações, crescimento econômico e mais empregos no Brasil. Como dizem os ingleses, testa­se o
pudim comendo­o. Por ora, o que se vê à mesa parece muito apetitoso.
Daniel Godinho é secretário de Comércio Exterior/Mdic
Carlos Marcio Cozendey é diretor do departamento de Assuntos Financeiros e Serviços/MRE
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