É importante lembrar que, se por um lado, o texto se ancora no contexto situacional, por meio de um gênero que produz determinado discurso, por outro lado ele diz respeito às relações semânticas e sintáticas que se dão entre elementos no interior do próprio texto. Portanto, um texto tem relações situacionais e co-textuais. As relações ditas co-textuais se dão entre os próprios elementos internos como ocorre, por exemplo, com boa parte das anáforas (elementos de retomada textual). Essas relações se manifestam também na concordância verbonominal, na regência e em todos os aspectos sintáticos e morfológicos em geral. Mas também são reveladas nos aspectos semânticos imediatos e relações entre os enunciados, tais como causa e efeito, sucessão temporal e ligação pelos conectivos. Segundo Marcuschi (2008), não podemos esquecer essas relações porque sem língua não há texto. As relações contextuais se estabelecem entre texto e sua situacionalidade ou inserção cultural, social, histórica e cognitiva (o que envolve conhecimentos individuais e coletivos). Assim, não se pode produzir nem entender um texto considerando-se apenas a linguagem. Afinal, o nicho significativo do texto (e da própria língua) é a cultura, a história e a sociedade. Em tal perspectiva, defendemos a posição de que o texto é a unidade máxima de funcionamento da língua. Não se trata, no entanto, de uma unidade do tipo das unidades formais da língua. Trata-se de uma unidade funcional, que para se constituir como tal não depende de uma extensão pré-definida. Pode ser, portanto, formado por apenas uma palavra(como ocorre em muitas placas de trânsito) ou por várias palavras, agrupadas ou não em seções (como se apresenta em um romance) Texto 1 Texto 2 “Um texto não existe, como texto, a menos que alguém o processe como tal”. (Beaugrande, 1997:13) Beaugrande e Dressler(1981) definem sete critérios textualidade responsáveis pela caracterização do texto como tal: Coesão Coerência Intencionalidade Aceitabilidade Situacionalidade Intertextualidade Informatividade A partir desses sete fatores podemos, segundo os autores, analisar o texto com uma “realidade” e não como uma “virtualidade”. O texto não é, pois, apenas um sistema formal e sim uma realização lingüística a que chamamos de evento comunicativo e preenche condições não meramente formais. A seguir, o exemplo da charge humorística revela perfeitamente os aspectos aqui mencionados. Pautados na definição de texto de Beaugrande (1997), percebe na charge apresentada o que significa produzir um texto como evento, articulando-se três aspectos básicos: 1. Aspectos lingüísticos (o ato de fala verbalmente produzido) 2. Aspectos sociais (a situação sócio-histórica de Ministro da Saúde, no governo de Fernando Henrique, em 2000) 3. Aspectos cognitivos (conhecimentos investidos ) É essa articulação multinível que permite a textualidade. De modo geral, todos os textos articulam-se nesses três níveis, o que significa dizer que o autor e o leitor de um texto não estão isolados, seja no ato de produção, seja no ato de recepção. O quadro a seguir serve para explicitar as relações envolvidas na textualidade, particularmente na esquematização textual. Marcuschi (2008) destaca que tais relações NÃO devem ser vistas como estanques nem tão paralelas. Como ele afirma, tudo aqui se imbrica numa relação muito estreita. Coesão Coerência Intencionalidade Aceitabilidade Situacionalidade Intertextualidade Informatividade Os processos de coesão dão conta da seqüência (superficial) do texto, seja por recursos conectivos ou referenciais; não são simplesmente princípios sintáticos. Constituem os padrões formais para transmitir conhecimentos e sentidos. O fenômeno coesivo pode ser assim dividido: Coesão referencial COESÃO Coesão seqüencial Coesão referencial 1) Não consegui passar o recado para seu pai, pois, quando eu voltei, ele já havia ido embora. (“ele” -> termo anafórico) 2) Lá estava ela, ali parada, minha amiga! (“ela” -> termo catafórico) Notem que, no primeiro exemplo, o pronome “ELE” desempenha função anafórica uma vez que RETOMA a expressão “seu pai”. Já no segundo, vemos o pronome “ELA” exercendo função catafórica, já que se refere a um termo posteriormente expresso – “minha amiga”. Coesão sequencial O Flamengo começou a partida no ataque, enquanto o Botafogo procurava fazer uma forte marcação no meio campo e tentar lançamentos para Victor Simões, isolado entre os zagueiros rubronegros.Mesmo com mais posse de bola, o time dirigido por Cuca tinha grande dificuldade de chegar à área alvinegra por causa do bloqueio montado pelo Botafogo na frente da sua área. No entanto, na primeira chance rubro-negra, saiu o gol. Após cruzamento da direita de Ibson, a zaga alvinegra rebateu a bola de cabeça para o meio da área. Kléberson apareceu na jogada e cabeceou por cima do goleiro Renan. Ronaldo Angelim apareceu nas costas da defesa e empurrou para o fundo da rede quase que em cima da linha: Flamengo 1 a 0. Disponível em: http://momentodofutebol.blogspot.com (adaptado). Convém lembrar, contudo, que certos fenômenos sintáticos que se formam ou se dão na relação entre sentenças independem da correção individual de cada uma das sentenças em si. Isso significa que os fatores concorrentes para a formação de texto são mais amplos que os para a sentença, sendo praticamente impossível oferecer a “gramática textual” de uma língua, pelo menos formalmente. Tem-se, assim, uma grande quantidade de textos aceitáveis como tal, mas não bem-formados de acordo com o sistema formal, como no caso do texto Brasil B, de Josias de Souza. Segundo Beaugrande (1980), a coerência refere-se aos procedimentos pelos quais os elementos do conhecimento são ativados na mente dos interlocutores, formando uma rede veiculadora de sentido. Para Charolles (1983), a coerência pode ser vista como um princípio de interpretação do discurso. A seguir, tem-se um poema de um autor anônimo a partir do qual se pode exemplificar a coerência. Subi a porta e fechei a escada Tirei minhas orações e recitei meus sapatos Desliguei a cama e deitei-me na luz Tudo porque Ele me deu um beijo de boa noite (Autor anônimo) O critério da intencionalidade, centrado basicamente no produtor do texto, considera a intenção do autor como fator relevante para a textualização. Diz respeito à freqüente indagação o que é que o autor deste texto pretende? Uma vez que a intenção do autor também se ajusta ao modo como o texto será visto pelo receptor, esse princípio caminha ao lado do fator de aceitabilidade. A aceitabilidade diz respeito à atitude do receptor do texto (é um critério centrado no interlocutor), que recebe o texto como uma configuração aceitável, tendo-o como coerente e coeso, ou seja, interpretável e significativo. Como vimos antes, a aceitabilidade se dá na medida direta das pretensões do próprio autor, que por vezes sugere ao leitor alternativas estilísticas ou gramaticais que buscam efeitos especiais. (ex. de Grande Sertão: Veredas, Guimarães Rosa) O critério da situacionalidade refere-se ao fato de relacionarmos o evento textual à situação (social, cultural, ambiente etc.) em que ele ocorre. Não só serve para interpretar e relacionar o texto ao seu contexto interpretativo, mas também para orientar a própria produção. A situacionalidade corresponde a um princípio estratégico, pois a partir dele o texto figura como uma ação dentro de uma situação controlada e orientada. A rigor, ela pode ser vista como um critério de adequação textual. Este critério diz respeito às relações entre um dado texto e outros textos relevantes encontrados em experiência anteriores, com ou sem mediação. Há hoje um consenso quanto ao fato de se admitir que todos os textos comungam com outros textos , ou seja, não existem textos que não mantenham algum aspecto intertextual, pois nenhum texto se acha isolado e solitário. Segundo Koch (1991), em sentido amplo, ela é a condição de existência do próprio discurso. A informatividade diz respeito ao grau de expectativa ou falta de expectativa, de conhecimento ou desconhecimento e mesmo incerteza do texto oferecido. O essencial desse princípio é postular que num texto deve ser possível distinguir entre o que ele quer transmitir e o que é possível extrair dele, e o que não é pretendido. Ser informativo significa, pois, ser capaz de dirimir incertezas. Em síntese, os critérios aqui apresentados podem ser assim observados A) dois deles são orientados pelo texto (coesão e coerência) B) dois pelo aspecto psicológico (intencionalidade e aceitabilidade) C) um pelo aspecto computacional (informatividade) D) dois pelo aspecto sociodiscursivo (situacionalidade e intertextualidade). Marcuschi (2008) destaca, enfim, que esses critérios não podem ser transformados em regras constitutivas de texto, em regras que os tornassem eficientes e adequados. Não são, desse modo, princípios de boa formação textual. O importante é observá-los como princípios de acesso ao sentido textual. Daí dizer-se, como Beaugrande (1997), que o texto é um evento comunicativo em que convergem ações lingüísticas, cognitivas e sociais.