Corpo: Matriz da Sexualidade e Relações de Gênero Profa. Ms. Lucélia Bassalo UEPa/UNAMA Nov /2006 A sexualidade, enquanto possibilidade e caminho de alongamento de nós mesmos, de produção de vida e de existência, de gozo e boniteza exige de nós essa volta crítico-amorosa, essa busca de saber de nosso corpo. Não podemos estar sendo, autenticamente, no mundo e com o mundo se nos fecharmos medrosos e hipócritas aos mistérios de nosso corpo ou se os tratarmos, aos mistérios, cínica e irresponsavelmente (Paulo Freire, 1993). Primeiras reflexões: Partimos do pressuposto foucaultiano de que existe atualmente e desde a modernidade, uma produção discursiva sobre o corpo e o sexo, com a finalidade de torná-lo útil e controlável. A psicologia, a medicina, entre outros criam discursos e a escola incorpora estas interpretações. A escola a partir dos PCN’S foi chamada a realizar uma ação neste campo: sexualidade. Contudo os profissionais da educação se vêem diante das seguintes perguntas: O que é sexualidade? Sexo e sexualidade são a mesma coisa? Qual a diferença entre Educação Sexual e Orientação Sexual? A escola tem que falar de sexualidade? Por quê? O que é Corpo como matriz da sexualidade? O que são as relações de gênero? O que é sexualidade? Sexo e sexualidade são a mesma coisa? Sexo: Refere-se à determinação biológica, ao sexo genético, ou seja, no nascimento já se é macho ou fêmea (com exceção dos hermafroditas que são casos raros). Sexualidade: É um conjunto de leis, costumes, regras e normas variáveis no tempo e no espaço, é um fenômeno socialmente construído. A sexualidade é desenvolvida ao longo do processo educativo global, e envolve o conjunto dos fenômenos da vida sexual, conjugando fatores biológicos, psicológicos e culturais. Inscreve no indivíduo, símbolos e representações sociais, construídos ao longo dos anos que o orienta, tanto no que se refere às relações que mantém com o mundo, como implica na visão que tem de si, como homem e mulher de uma determinada sociedade. A sexualidade se manifesta de diversas maneiras e está relacionada a escolha sexual, às práticas sexuais (variações do ato sexual) e a identidade sexual (homem e mulher), por conseguinte expressando o afeto, a sensualidade, a eroticidade de cada pessoa, que ao mesmo tempo que é sua é também reflexo da sociedade em que vive. Entretanto também há aspectos individuais na construção do ser sexual que há em cada pessoa que dizem respeito a suas experiências, sua religião, suas preferências, seu desenvolvimento biológico, e a seus desejos. Contudo os aspectos individuais não se resumem em si mesmos, pois se conjugam ao aspecto coletivo, de tal forma, que o desejo sobre determinado aspecto muitas vezes está relacionado com os padrões de beleza, sensualidade e erotismo da sociedade em que está imerso. Qual a diferença entre: Educação Sexual e Orientação Sexual? A Educação Sexual Faz parte do processo educacional mais amplo. Na medida em que os indivíduos aprendem a ser e estar no mundo, também obtém as informações sobre as formas de exercerem a sua sexualidade. Tem origem nos anos 20. Nos anos 30 se desenvolve com a criação do Círculo Brasileiro de Educação Sexual, presidido por José de Albuquerque. Tem uma preocupação higienista, de controle do corpo, para que este seja sadio e produtivo. A Orientação Sexual Está ligada ao trabalho pedagógico da escola já que constitui-se num processo de intervenção planejado, intencional e sistemático. Recebeu esta denominação a partir do trabalho do GTPOS (Campinas/SP). Eclodiu apenas mais recentemente na história social do país com a inclusão da orientação sexual como tema transversal nos Parâmetros Curriculares Nacionais. Logo: Educação Sexual é um processo social. Orientação sexual é uma intervenção pedagógica na área da educação sexual. Pode ser feita nas escolas, hospitais, ou outras instituições que trabalhem com informação e formação em sexualidade. Desafio da Orientação Sexual: Ultrapassar o senso comum que norteia a abordagem sobre sexualidade promovendo uma reflexão atual, crítica, pertinente e com fundamentação teórica. A escola tem que falar de sexualidade? Por quê? Não só porque os PCNs recomendam; Não só porque o assunto está nos corredores, atitudes, conversas, assuntos e polêmicas da escola; Não só porque a sexualidade é uma dimensão do desenvolvimento humano; Mas sobretudo para garantir os direitos sexuais das crianças e adolescentes. E o que são os Direitos Sexuais? “Direitos sexuais são um elemento fundamental dos direitos humanos. Eles englobam o direito a uma sexualidade prazerosa, que é essencial em si mesma e, ao mesmo tempo, um veículo fundamental de comunicação e amor entre as pessoas. Os direitos sexuais incluem o direito a liberdade e autonomia e o exercício responsável da sexualidade” (Plataforma de Ação de Beijing, 1995) Crianças e Adolescentes tem Direitos Sexuais? A criança e o adolescente são considerados desde a Constituição Federal de 88 e do ECA (1990), como sujeito de direitos, ao mesmo tempo que se reconheceu as dificuldades de garantir um ambiente justo e protetor para o desenvolvimento integral e integrado. Os direitos sexuais são inerentes, portanto, as crianças e adolescentes. Quais são os Direitos Sexuais das crianças e adolescentes relacionadas a escola? O Direito à informação baseada no conhecimento científico: Acesso de todas as classes sociais a informações geradas através de processos científicos e éticos. O Direito à educação sexual compreensiva: Desde o nascimento o indivíduo deve ter acesso a educação que considere a dimensão sexual na sua formação em todas as instituições sociais (escola). O que é Corpo como matriz da sexualidade? Os corpos são construções sociais: Assim como a arquitetura, o urbanismo, o vestuário, os objetos, os corpos são lugares de inscrição da cultura. Cada gesto aprendido e internalizado revela trechos da história da sociedade a que pertence (Cf.SOARES, 2001) Segundo Soares (2001) Os corpos são educados por toda a realidade que os circunda (com o que convivem, pelas relações que se estabelecem, por atos de conhecimento). O corpo foi estudado no contexto médico-científico com o objetivo de controlar, dominar, dirigir suas potencialidades. O corpo educado é o retrato da sociedade. Para controlar era preciso normalizar estabelecendo o que era anormal ou desviante em oposição ao correto/sadio. Ex: A maioria dos preconceitos, mitos e tabus relacionam-se à concepção de um “tipo ideal” (jovem, do gênero masculino, branco, cristão, heterossexual, belo, produtivo, física e mentalmente perfeito) O que são as relações de gênero? Ninguém nasce com um corpo neutro. O corpo tem uma história e, portanto, nada tem de neutro. É no corpo que o social investe símbolos e os materializa. Nascemos com corpos diferenciados sexualmente e nossas identidades são criadas, mantidas ou transformadas através de instituições, práticas e discursos. Antes mesmo do nascimento e até nos planos dos futuros pais só existem duas possibilidades culturais de compreensão do ser que será gerado: menino ou menina? É no processo de formação educacional mais amplo (incluindo-se a dimensão sexual) que as crianças vão apreendendo os significados de ser mulher e homem em nossa sociedade. O gênero é “um elemento constitutivo de relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos e é uma forma primária de dar significado as relações de poder”. (SCOTT, 1995, p. 86) Gênero é a construção social dos sujeitos masculinos ou femininos. “Não se nasce mulher, torna-se mulher” (Simone de Beauvoir). As relações de gênero são as relações entre o homem e a mulher, no que envolve ser feminino e masculino. Ressaltamos que: Para Moreno (1999) a sociedade que vivemos é androcêntrica. O androcentismo • “consiste em considerar o ser humano do sexo masculino como o centro do universo, como a medida de todas as coisas, como o único observador válido de tudo o que ocorre em nosso mundo, como o único capaz de ditar as leis de impor a justiça, de governar o mundo” (MORENO,1999, p.23) . Uma sociedade androcêntrica supervaloriza o homem (poder) e desvaloriza a mulher. Para Moreno (1999): A escola tem consolidado o sexismo, e, portanto as relações de poder baseadas nas distinções de sexo. O sexismo é um preconceito baseado nas diferenças de sexo, que tem nas mulheres seu objeto preferencial. No corpo, portanto: A sexualidade se manifesta refletindo o contexto histórico e social em que está inserida. É atravessado pelas concepções de ser masculino e feminino de cada sociedade e, Ao estabelecer relações entre os gêneros, pode basear-se na dominação ou na igualdade.