Resultados da assistência ao parto de gestantes de baixo risco em Hospitais “Galba” e Hospitais “Típicos”: um estudo comparativo com pesquisa de viabilidade de randomização Diniz, Simone G.(1) ([email protected]) - Camilla Alexsandra Schneck (2); Nadia Zanon Narchi (3) et al. 1Faculdade de Saúde Pública , (2) Escola de Enfermagem (3) Escola de Artes, Ciências e Humanidades Universidade de São Paulo USP Brasil – Financiamento: Fundo Nacional de Saúde Ministério da Saúde Contexto • O Brasil é um país de renda média, com cobertura universal de saúde. Parto institucionalizado >98% • Altas taxas de intervenção no parto, e quase metade de todos os nascimentos por cesárea, mais de 80% no setor privado. • A mortalidade materna não mostra melhora importante nos últimos 15 anos • Políticas de mudança do modelo (humanização, práticas baseadas em evidências) incluiu o apoio a centros de nascimento foi criado em 2000, enfrentando muita resistência. Contexto • Pesquisas mostram excelentes resultados maternos e infantis em centros de nascimento (Lana e Campos, 2006, Schneck, 2006, Koifman, 2007, Georgetti, 2009, Riesco e cols, 2009). • Pressões políticas contra os centros de parto normal e à assistência ao parto normal por enfermeiras e obstetrizes. • Necessidade de produzir “evidência local” • Esta é a primeira pesquisa comparativa sobre os resultados maternos e infantis para o parto de baixo risco em centros de parto normal público brasileiro e hospitais no Brasil. Desenho da pesquisa Estudo retrospectivo com dados de prontuários em amostra aleatorizada de 277 PBR em cada um de 3 serviços em 2006 • Centro de parto perihospitalar (CPN), • Hospital que recebeu o prêmio Galba de Araújo por proposta humanizada (Hospital Galba, HG), • Hospital considerado típico do SUS (HT). Dois locais: São Paulo e Belo Horizonte. Aqui apresentaremos apenas São Paulo. Componente qualitativo • Foram feitas observação de plantões • Foram conduzidos grupos focais com profissionais, gestantes e puérperas, para conhecer suas experiências e opiniões sobre os procedimentos. • A partir deste componente, foi construído um questionário para estudo prospectivo com as puérperas (não aprovado). Objetivos da pesquisa • Comparar a frequência de procedimentos na assistência ao parto e seu impacto sobre a integridade corporal materna, na assistência ao parto normal em parturientes de baixo risco (PBR, definido como “elegível para parto em CPN” ), em três serviços do SUS na cidade de São Paulo. • Conhecer a opinião das mulheres sobre os diferentes procedimentos e desfechos. Mudança na interpretação da anatomia e fisiologia Superação da noção de que é benéfico para a mulher ou para a criança a abertura cirúrgica de um orifício genital (vulvar/episiotomia ou uterino/abdominal/cesárea) Os modelos de atenção à saúde materna: promoção da integridade corporal como objetivo Devem levar em consideração as mudanças de paradigma na assistência ao parto, reduzindo o uso desnecessário de intervenções como a cesárea e a episiotomia, e prevenindo lesões perineais. Debate acadêmico x direitos das mulheres e crianças Tais mudanças são baseadas tanto em evidências científicas quanto na promoção da saúde e dos direitos das mulheres, entre eles o direito à integridade corporal. Débora Vieira e Bianca Zorzam em campo A pesquisa fez um programa de treinamento em pesquisa para alunas de graduação em Obstetrícia da USP, que colheram os dados e participaram da análise Atendimento a Gestantes de Baixo Risco Hipótese da pesquisa CPN Hospital Galba CPN •Menos intervenções •Menor sobretratamento •Maior satisfação •Indicadores de saúde iguais Hospital Típico Típicos •Mais intervenções •Maior sobretratamento •Menor satisfação •Indicadores de saúde iguais Resultados • Os resultados maternos e neonatais foram acima da média brasileira, dado o fato de que estes são gestações de baixo risco. • Atípico para o Brasil, muito baixa taxa de cesárea (<5% nesta amostra, HG 18% do total). • Houve um gradiente claro e consistente de taxas mais baixas de sobretratamento (em CPN, maiores nos HT) para a maioria das variáveis. Indicadores sintéticos • Integridade corporal = sem ferida cirúrgica no pós-parto (sem lacerações >1º. grau, episiotomia ou cesárea) • Presença de acompanhantes • Uso de ocitocina (e outros procedimentos para acelerar o parto) • Procedimentos invasivos em recémnascidos vigorosos Frequência de integridade corporal = sem ferida cirúrgica no pósparto (sem lacerações >1º. grau, episiotomia ou cesárea) 70 67,5 65,1 58,9 60 50 34,9 40,6 40 31,7 30 20 10 0,6 0,3 0 CPN íntegro e primeiro grau Galba episiotomia e segundo grau Típico terceiro e quarto grau Resultados • O desfecho de IC foi encontrado em 65,1% das mulheres no CPN, 19,5% no HT (p<0,001) e 58,1% no HG. • A frequência de episiotomia foi de 22,3% no CPN, e de 66,9% no HT (p<0,001), sendo de 33,6% no HG. • Nos três serviços, a cesárea foi utilizada em menos de 5% da população de PBR. • A freqüência de procedimentos que elevam o risco de dano perineal, como a posição de litotomia, os puxos dirigidos e a manobra de Kristeller, seguiu um gradiente sendo maior no HT e menor no CPN, com o HG em posição intermediária (observação de pantões). • Nos grupos focais, as mulheres relataram grande sofrimento físico associado à episiotomia e sua sutura, e as dificuldades no pós-parto. Sua prevenção foi ainda mais valorizada pelas que tiveram experiências com e sem o procedimento. Recomendação Promoção da integridade corporal /genital Os serviços do SUS podem e devem preservar a integridade corporal materna, por meio de procedimentos simples e efetivos, reduzindo assim: • a perda sanguínea, • o sofrimento físico (dor e desconforto ao sentar, amamentar, ir no banheiro, sono), • o sofrimento emocional da experiência do parto (prevenção da depressão e da TEPT) • melhor transição parental para as mulheres (sentimento de competência, auto-estima) • Esta pesquisa: 2/3 a ¾ das mulheres Acompanhantes no parto A presença de acompanhantes no parto (AP), é associada a melhores desfechos maternos e neonatais, entre eles: • maior satisfação materna com o processo do parto (efeito ainda maior se peridural não está disponível) • trabalhos de partos mais curtos, • taxas mais baixas de partos operatórios, • menor demanda por analgesia, • menor frequência de Apgar abaixo de 7 nos 1os. 5 minutos. Apesar garantida por lei nacional desde 2005, dados da PNDS/06 mostram que apenas 16,2% das mulheres exerceram este direito, e no SUS apenas 9,5%. Acompanhantes no parto (registrados) 120 99 90 60 24,1 30 0 CPN Galba Típico Resultados • O registro da presença de AP foi irregular, sendo ausente no HT. O registro de acompanhante precisa ser estimulado. • O CPN tem uma política de convidar o AP, que esteve presente em 99% dos partos. • No HG, o AP era aceito, e sua presença registrada em 55% dos partos. • No HT, a presença de acompanhantes não era permitida e não havia registro. Resultados • Observação dos serviços mostrou que mesmo quando não permitido excepcionalmente tal presença acontecia (parentes de funcionários p.ex.). • Nos grupos focais com gestantes e puérperas, praticamente todas sabiam da lei, porém não exigiam seu cumprimento por medo de retaliação por parte dos profissionais. • Todas as participantes preferiam o parto com AP (não necessariamente marido) e chegavam a mudar de hospital por este motivo. • A opinião dos profissionais sobre a presença de AP tendia e refletir posição dos serviços. Acompanhantes: recomendações • O SUS tem que informar as mulheres ativamente: carteira/agenda/cartão da gestante e informação no pré-natal • Não há justificativa para os serviços do SUS negarem a mulheres e crianças este benefício à saúde física e emocional, consagrado pelas evidências científicas e pela legislação do próprio SUS. • A presença de AP poderia contribuir para uma melhor experiência física e emocional do parto, promovendo a saúde, o bem-estar e os direitos das mulheres, e melhorar o envolvimento dos pais e familiares. • Implementar / Melhorar o registro! Ocitocina • No Brasil, pouca atenção é dada ao potencial iatrogênico de drogas no parto (segurança dos pacientes) • Uma das drogas mais importantes é a ocitocina, para a indução ou aceleração do parto. • Em 2008, a droga entrou para a lista das 12 drogas mais associadas a erros médicos graves nos EUA • É a droga mais associada a resultados perinatais adversos, e envolvida em metade dos litígios contra gineco-obsteras. • CLARK SL, SIMPSON KR, KNOX GE, GARITE TJ. Oxytocin: new perspectives on an old drug. Am J Obstet Gynecol. Am J Obstet Gynecol. 2008 Jul 28; : 18667171 Ocitocina • • • • Confirmando recomendações anteriores, alertas recentes recomendam*: meios não-farmacológicos de aceleração o uso seletivo da droga, em doses baixas protocolos controlados, tanto por razões de segurança quanto por aumentar a dor da parturiente, demandando o uso de analgesia. Pouco se sabe sobre seu uso no SUS CLARK S, BELFORT M, SAADE G, HANKINS G, MILLER D, FRYE D, MEYERS J. Implementation of a conservative checklist-based protocol for oxytocin administration: maternal and newborn outcomes. Am J Obstet Gynecol. 2007 Nov;197(5):480.e1-5 Resultados O uso da ocitocina para a indução ou aceleração do parto foi registrado em • 3,24% das PBR no CPN, • 34,64% no HG, e • 86,50% no HT (p<0,00), refletindo mais as rotinas institucionais do que critérios clínicos individualizados. • O registro tem qualidade aceitável. Resultados • Na observação, vimos pouco controle sobre o gotejamento do soro com ocitocina (preocupante). • Os profissionais reconhecem que a ocitocina torna o parto mais doloroso, e sua relação com a “descompensação” das PBR (associado à “paciente urrando”). • As mulheres têm opiniões muito negativas sobre “o soro”, compartilham entre elas estratégias de como evitá-lo (internação tardia, ir a serviços que não usem de rotina) e como “desligar o soro” já instalado. Recomendações: ocitocina • Se o uso da ocitocina no SUS é mais baseado em rotinas institucionais que nas evidências sobre segurança e bem-estar materno e neonatal: liderança nos serviços, protocolos. • O uso seletivo e monitorado deve ser promovido. • O uso de procedimentos não-invasivos, não farmacológicos de aceleração do parto deve ser estimulado (posturas verticais, deambulação, uso de chuveiro e banheira, acompanhantes, bola, etc) Resultados dos recém-nascidos Apgar no 5º. minuto 120 100 99,2 99,6 90 60 30 0,7 0,3 0 Galba CPN 1a6 ≥7 Típico Recepção do RN vigoroso Evidências científicas sobre segurança e efetividade a recepção imediata de recémnascidos vigorosos (RNV): • prevenção da perda de calor, • verificação do estabelecimento adequado da respiração do neonato, e • promoção do contato precoce do pele a pele com a mãe e da amamentação. Entretanto, mesmo após a mudança nas recomendações para a assistência, persistem condutas invasivas e potencialmente danosas, como a aspiração gástrica e de vias aéreas dos RNV Recepção do RN vigoroso 120 96,2 93,9 91,1 86,1 90 60 30 21,1 8,3 0,7 4,3 0,3 4,6 9,6 1,6 0 CPN Galba Típico apiração vias aéreas aspiração gástrica oxigênio nasal oxigênio com pressão positiva Recepção do RN vigoroso • O uso da aspiração gástrica (AG) foi de 0,73% dos RN nascidos no CPN, 86,12% no HG, e 93,96% no HT (p<0.000). • A aspiração de vias aéreas (AVA) foi de 8,36% dos RN nascidos no CPN, 91.10% no HG, e 96,23% no HT (p<0.000), • Os dados refletem mais as rotinas institucionais do que critérios clínicos individualizados. • Na opinião dos profissionais, suas condutas refletem as rotinas dos serviços e sua formação, porém se declaram abertos a eventuais mudanças. Recepção do RN vigoroso • O uso de procedimentos desnecessários e potencialmente danosos como a aspiração gástrica e de vias aéreas em recém-nascidos vigorosos deve ser prevenido, • Esta prevenção se faz através da promoção de mudanças de protocolos em direção a uma prática mais orientada pelas evidências de efetividade e de segurança dos RN. Restrição de alimentos recomendação Cochrane: refeições leves, conforme o desejo da mulher 90 63,9 60 30 14,7 0,3 0 CPN Galba Típico Limites do estudo • Qualidade do registro “previsto” • Invisibilidade de efeitos e desfechos relevantes (apenas na observação) • Associação, não necessariamente causalidade • Apenas efeitos de curtíssimo prazo (até 72 horas) • Necessidades de estudos longitudinais, colaborativos, incluindo os CPN intrahospitalares, que orientem e monitorem as mudanças no SUS Saúde perinatal – visível e invisível Visível (apesar de problemas de sub-registro): Mortalidade Morbidade grave (near-miss, mais recente) Pouco visível (na associação com desfechos negativos) Integridade corporal e lesões associadas aos procedimentos (cesárea, episiotomia, fórceps etc.) Uso de medicamentos (ocitocina, anestesia etc.) Acompanhantes (presença ou proibição) Promoção do bem-estar materno Invisíveis (sem registro) Manobras Descolamento de membranas, redução de colo Kristeller (pressão fúndica) Experiências traumáticas (violência, TEPT, depressão) Efeitos dos procedimentos (médio prazo) sobre a relação mãe-bebê amamentação, sexualidade etc. Conclusões e recomendações A atenção ao parto em Centros de Parto Normal é seguro para mães e bebês, utiliza menos procedimentos desnecessários e tem grande aceitação pelas mulheres. Estes serviços poderiam estar amplamente disponíveis, como parte da atenção primária, em uma rede hierarquizada, como uma prioridade no SUS. Urgente necessidades de estudos longitudinais, colaborativos, incluindo os CPN intra-hospitalares, que orientem e monitorem as mudanças de modelo no SUS Foto: Paulo Batistuta