Hospital AC Camargo
30/08/2012
Portal G1 - SP
Tópico: HOSPITAL AC CAMARGO
Editoria: Ciência e Saúde
Pg: 14:35:00
Principal uso das células-tronco é para testes, dizem cientistas
Tadeu Meniconi
Tecnologia aponta erros antes e acelera desenvolvimento de remédios.
Para colunista do G1, limite do uso é a criatividade humana.
Quando as células-tronco foram usadas em experimentos pela primeira vez, havia grande
expectativa de que elas possibilitassem a criação de diversos órgãos em laboratórios. Os
anos se passaram e esse terreno continua promissor, mas a medicina já identificou uma
função ainda mais importante para essas células – a capacidade de testar novos
medicamentos.
As células-tronco são células em um estágio inicial de desenvolvimento, que têm o potencial
para se transformarem em qualquer célula do corpo humano, desde que devidamente
estimuladas. Por isso, permitem, teoricamente, a produção de órgãos em laboratórios.
Antes de entrar no mercado, um medicamento precisa ser aprovado em várias fases de
testes. Primeiro, a substância é examinada em laboratório, com células isoladas, em
plaquetas. O passo seguinte são os testes em animais. Só então esse medicamento pode
ser testado em humanos, em três fases separadas, cada vez mais abrangentes.
O processo completo não leva menos de dez anos. Muitas vezes, algum problema é
detectado nas etapas finais, e joga por terra todo o investimento. Com as células-tronco, a
simulação fica mais precisa já nos primeiros testes, e essa pesquisa fica mais bem
direcionada desde o início.
“Tem muitas bibliotecas de drogas altamente complexas. Para testar tudo isso em seres
humanos levaria anos. Com células-tronco, você vai descartando o que não deu certo muito
rapidamente, então acho que essa é uma etapa onde a gente vai acelerar o processo”,
explicou Alysson Muotri, pesquisador da Universidade da Califórnia, em San Diego, nos
EUA.
Muotri, que também é colunista do G1, participou nesta quarta-feira (29) de um debate sobre
o assunto no Hospital do Câncer A.C. Camargo, em São Paulo. A mesa ainda contou com a
participação de Mayana Zatz, professora do Instituto de Biociências da Universidade de São
Paulo (USP), uma das principais pesquisadoras do tema no Brasil, e de Marcello Fanelli –
diretor de oncologia clínica do A.C. Camargo.
Zatz e Fanelli concordaram que a principal aplicação das células-tronco já é acelerar as
pesquisas. “As que derem errado nem vão pro modelo animal”, comentou a professora da
USP.
Dificuldades no Brasil
Os pesquisadores reclamaram da dificuldade para encontrar voluntários para os testes
clínicos. Nos Estados Unidos, quem se oferece para participar de exames de um novo
medicamento recebe uma compensação financeira. No Brasil, isso não é permitido.
Segundo Fanelli, um medicamento desenvolvido no país pode levar até dois anos para ser
liberado para testes em humanos. Como existe uma competição internacional, isso pode
colocar os cientistas brasileiros em posição de desvantagem em relação à concorrência.
“Se, por um lado, o procedimento é moroso, no outro, é criterioso e coerente”, ponderou
Fanelli. Os cientistas relataram casos ocorridos em países como a China, em que médicos
cobram por tratamentos ainda não aprovados – o que vai contra a ética das pesquisas –,
explorando o desespero de pacientes de doenças ainda sem cura.
Para eles, a legislação brasileira torna o processo lento até por uma questão cultural. “É
muito da nossa cultura de achar que tem sempre alguém levando vantagem”, afirmou
Alysson Muotri.
No entanto, os cientistas acreditam que é possível melhorar as condições de pesquisa. “O
que eu acho é que nós devemos fazer pressão para que isso aconteça”, disse Mayana Zatz.
Os testes clínicos em humanos são um estágio indispensável do desenvolvimento de
qualquer medicamento, e por isso não poderiam ser substituídos pelo uso das células-tronco.
“Todas as pesquisas são complementares, elas se complementam”, explicou Zatz.
Órgãos
Apesar do destaque dado ao uso das células-tronco em exames, os pesquisadores
lembraram que a produção de órgãos artificiais ainda é, sim, um objetivo importante da
medicina.
“Vai eliminar a fila de transplante para uma série de órgãos se eles conseguirem usar essa
tecnologia”, apontou Muotri, sobre a possibilidade. “Para órgãos como o cérebro, complica,
mas para sistemas mais simples, como a bexiga, acho que vai funcionar”, afirmou.
Segundo ele, já há casos de pesquisadores que aplicam as células-tronco até fora da
medicina, como na tentativa de salvar espécies em extinção. “O limite do uso é a criatividade
humana”, previu.
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