MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão no Estado de São Paulo
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ FEDERAL DA __ª VARA FEDERAL
DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo Procurador Regional
dos Direitos do Cidadão infra signatário, comparece perante Vossa Excelência para, com
fundamento no art. 129, III, da Constituição Federal de 1988, art. 6º, VII, b, da Lei
Complementar nº 75/93 e art. 1º, V, da Lei nº 7.347/85, propor a presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA
em face da EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS – EBCT,
CNPJ nº 34.028.316/0001-03, empresa pública prestadora do serviço postal por outorga
legal, a qual pode ser citada na Diretoria Regional dos Correios São Paulo Metropolitana,
na Rua Mergentales, nº 592 – 23º andar – Bloco II, CEP 05311-900, São Paulo/SP, pelas
razões de fato e direito que passo a expor:
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
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I - DO OBJETO DA AÇÃO
A presente ação tem por objeto a condenação da EBCT na obrigação
de fazer consistente em repassar ao Fundo Nacional Antidrogas - FUNAD todos os
valores recebidos a título de tarifa postal, quando não houver a efetiva prestação do
serviço postal em decorrência da apreensão de drogas. Por consequência, deve ficar a
empresa autorizada a descontar o valor do serviço efetivamente realizado.
II – DA FUNDAMENTAÇÃO FÁTICA
Instaurou-se, por meio da Portaria nº 194, de 18 de março de 2010,
na Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão de São Paulo, o Inquérito Civil nº
1.34.001.004007/2010-37, em anexo, a fim de apurar a destinação dada às tarifas pagas
aos Correios pelos remetentes de drogas após a apreensão dessas por parte dos órgãos
fiscalizadores no Estado de São Paulo.
Verifica-se que é prática recorrente adotada pela EBCT a retenção de
todos os valores recebidos a título de tarifa postal nos casos de apreensão de entorpecentes
enviados pela via postal.
Instada sobre a questão, a empresa-ré alegou que “a tarifa postal
paga pelo remetente de correspondências tem a finalidade de custear as despesas da
empresa” (fl. 21).
Outrossim, aduz que independentemente de ter tido dispêndio com o
envio de encomenda, os valores são retidos, sendo devidos, pois o serviço só não fora
concluído por culpa exclusiva do usuário que utilizou indevidamente o serviço postal ao
enviar drogas.
Alegou que, por se tratar de conduta tipificada, não se poderia falar
em perdimento em favor da União, conforme o art. 60 da Lei nº 11.343/2006, uma vez
que o valor não se configura como instrumento de crime ou proveito auferido com a
prática delituosa (fls. 21/22).
A empresa-ré informa que seu posicionamento tem respaldo judicial,
conforme a decisão procedente proferida em sede de Mandado de Segurança (nº
2009.03.00.028667-0) impetrado em face do MM. Juiz da 10ª Vara Federal Criminal da
Seção Judiciária de São Paulo.
Por fim, a empresa-ré sustenta que “os valores das tarifas pagas
pelos remetentes de drogas por correspondências, constituem tarifa pública, instituída
por lei, […] para o custeio, expansão e melhoramento dos serviços postais sendo
essenciais à sua continuidade.” (fl. 23).
(fl. 40):
Indagada, a Polícia Federal de São Paulo informou, em resumo, que
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"a fiscalização em correspondências no Centro de Distribuição dos
Correios é realizada por Auditores Fiscais da Receita Federal do
Brasil que compõem Equipe de Despacho Aduaneiro nos Correios,
da Inspetoria da Receita Federal em São Paulo.
Uma vez identificada uma correspondência suspeita, os servidores
lavram o chamado Termo de Apreensão de Substâncias
Entorpecentes e Drogas Afins, ou simplesmente TASEDA."
A Superintendência da Receita Federal em São Paulo inquirida sobre
os fatos, informou ter efetuado no ano de 2009, 887 (oitocentos e oitenta e sete)
apreensões de objetos a serem exportados, os quais continham substâncias entorpecentes,
conforme planilha anexada às fls. 45/58.
Oficiada à 10ª Vara Federal Criminal de São Paulo, esta informou o
procedimento adotado por aquele Juízo em casos análogos (fls. 64/66):
"Acolhida a promoção ministerial de arquivamento dos inquéritos
policiais, é decretado o perdimento do valor pago para a remessa
postal, em favor do FUNAD, nos termos do art. 63, §1º, da Lei nº
11.343/2006, bem como é determinado que se oficie à empresa
responsável pela postagem, para que efetue o recolhimento devido,
ficando autorizado o desconto do valor do serviço efetivamente
realizado, devendo esta encaminhar o respectivo comprovante de
depósito ao Juízo.
Havendo recusa por parte da empresa em efetuar o recolhimento do
valor devido em favor do FUNAD, é determinada a expedição de
ofício visando à comunicação do fato à Advocacia Geral da União,
para adoção das providências cabíveis."
Diante dos fatos, da quantia envolvida e do posicionamento
defendido pela EBCT, não resta alternativa a esse Ministério Público Federal senão
socorrer-se ao Poder Judiciário, a fim de obter o devido provimento jurisdicional para que
seja assegurada a correta aplicação da Constituição Federal e da lei no que concerne à
destinação dos recursos ao FUNAD para a prevenção do uso indevido de drogas, a
atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas e a repressão da produção
não autorizada e do tráfico ilícito.
III - DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL
O art. 21, X, da Constituição Federal, enuncia que compete à União
“manter o serviço postal e o correio aéreo nacional.”.
Contudo, o serviço postal é exercido pela Empresa Brasileira de
Correios e Telégrafos – EBCT que o exerce sob outorga legal da União, consoante o art.
2º, da Lei nº 6.538/78 “O serviço postal e o serviço de telegrama são explorados pela
União, através de empresa pública vinculada ao Ministério das Comunicações”.
Verifica-se, pois, que a ré é uma empresa pública federal. Desse
modo, o art. 109, I, da Constituição Federal dispõe que compete à Justiça Federal julgar "I
- as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem
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interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência,
as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;"
(g.n)
Assim, figurando a EBCT no polo passivo, uma vez que se trata de
empresa pública federal, cabe a atuação do Ministério Público Federal e, portanto, a
competência para o processamento e julgamento da demanda é da Justiça Federal.
IV - DA LEGITIMIDADE
PÚBLICO FEDERAL
ATIVA
DO
MINISTÉRIO
A Constituição Federal atribui ao Ministério Público a função
institucional de promover a ação civil pública para a proteção de interesses difusos e
coletivos, inclusive no que diz respeito às medidas que visem garantir o efetivo respeito
dos poderes públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na
Constituição (art. 129, II e III).
Nesse sentido, a Lei Complementar nº 75, de 20 de maio de 1993,
estabelece que é função institucional do Ministério Público da União defender os
interesses sociais e os interesses individuais indisponíveis (art. 5º, I), bem como zelar pelo
patrimônio público e social (art. 5º, III, “b”), promovendo a ação civil pública para a
proteção destes direitos (art. 6º, VII, “b”).
Ainda, a Lei nº 11.343/2006 dispõe acerca do Sistema Nacional
sobre Políticas Públicas sobre Drogas assegurando em seu art. 4º princípios como: “I - o
respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana, especialmente quanto à sua
autonomia e à sua liberdade;” e “III - a promoção dos valores éticos, culturais e de
cidadania do povo brasileiro, reconhecendo-os como fatores de proteção para o uso
indevido de drogas e outros comportamentos correlacionados;”.
Outrossim, o mesmo diploma legal traça em seu art. 5º objetivos a
serem perseguidos como: “I - contribuir para a inclusão social do cidadão, visando a
torná-lo menos vulnerável a assumir comportamentos de risco para o uso indevido de
drogas, seu tráfico ilícito e outros comportamentos correlacionados;”.
Conforme o disposto no art. 63 da Lei nº 11.343/06, os valores ou
bens apreendidos que estejam relacionados às práticas tipificadas na Lei de Tóxicos
devem ser perdidos em favor da União para sua posterior destinação ao Fundo Nacional
Antidrogas.
Sabe-se que o tráfico de entorpecentes constitui um mal que assola a
sociedade, haja vista dar sustentáculo ao vício às drogas, levando o ser humano à
condições degradantes, indignas, as quais prejudicam toda a sociedade, pois o vício
incontrolável resulta na destruição das relações sociais e familiares. Além disso, o tráfico
de drogas dá subsídio à expansão de outras práticas criminosas, tais como lavagem de
capitais, contrabando, extorsão etc.
Portanto, os objetos e valores apreendidos, uma vez perdidos em
favor da União, serão revertidos ao FUNAD onde serão usados para a prevenção do uso
indevido de drogas, a atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas e a
repressão da produção não autorizada e do tráfico ilícito, sendo que todas essas finalidades
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relacionam-se diretamente com o respeito à dignidade da pessoa humana, pois serão
revertidos em programas que visem a recuperação dos dependentes químicos, reinserindoos na sociedade, bem como cumprem alguns dos objetivos da República, quais sejam, a
erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e
regionais (art. 3º, inciso III, da CRFB).
Ademais, tutela-se o patrimônio público, visto que os valores
apreendidos devem ser destinados ao FUNAD e não serem revertidos à EBCT a título de
tarifa postal. Do contrário haverá um prejuízo ao patrimônio público e à sociedade que
deixará de receber quantias as quais serão usadas em programas sociais.
Diante de todo o exposto, resta justificada a legitimidade ativa desse
Parquet Federal ante a função de preservar a dignidade da pessoa humana, garantindo
programas que combatam o uso de drogas no país, bem como seja dada destinação dos
valores arrecadados pela EBCT ao FUNAD, a fim de investir-se em programas sociais.
V - DA LEGITIMIDADE PASSIVA DA RÉ
A EBCT tem legitimidade passiva para figurar nessa demanda, em
razão de ser a responsável pelo serviço postal no país, sendo que as condutas criminosas
de remessa de entorpecentes são praticadas mediante o uso da via postal.
Dessa forma, a empresa-ré retém os valores pagos a título de tarifa
postal pelos remetentes de drogas, deixando de repassar ao FUNAD, sob pretexto de que a
tarifa cobrirá as despesas com a utilização do serviço, independentemente da encomenda
ser entorpecente ou não e ter sido entregue ou não.
Ante o exposto, está demonstrada a legitimidade passiva da ré na
presente demanda.
VI – DA FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
a)Da natureza dos valores
Em primeiro lugar, cabe mencionar que os valores cobrados pela
EBCT para postagem e envio de encomendas tem natureza jurídica de preço público, visto
que decorrem da relação contratual entre o ente público ou quem lhe faça as vezes e o
particular que paga pela prestação de um serviço.
No entendimento de Rodrigo Costa Barbosa: “O preço público e a
tarifa são a remuneração paga pelo usuário por utilizar um serviço público divisível e
específico, regido pelo regime contratual de direito público. É a contraprestação
pecuniária”.1
BARBOSA, Rodrigo Costa, Taxa, Tarifa e Preço Público: distinção e aplicabilidade prática.
Disponível
em
http://www.juspodivm.com.br/i/a/%7BA359D605-2221-45F9-A18EB6DB73DE6B68%7D_7.pdf. Acesso em 31 de maio de 2010, às 15h01.
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Portanto, como a EBCT exerce o serviço postal, sob outorga legal da
União, lhe é reservado o direito de cobrar do particular a realização do referido serviço,
consoante os arts. 32 e 33, § 1º, da Lei nº 6.538/78.
b) Envio de entorpecentes ao exterior
No caso em comento, o serviço postal é utilizado com a única
finalidade de remeter entorpecentes ao exterior, conforme se verifica pela lista da Receita
Federal de fls. 45/58.
A conduta “exportar” constitui um dos 18 (dezoito) verbos-núcleo
do tipo que compõem o crime de tráfico de entorpecentes, previsto no art. 33, “caput”, da
Lei nº 11.343/06. Assim, ao tentar enviar a encomenda ao exterior o agente consuma o
delito, o que permite a prisão em flagrante pelos agentes policiais (art. 302, do Código
Processo Penal).
c)Da não prestação do serviço postal
Segundo as normas que regem os negócios jurídicos, o serviço
postal como tal, será válido quando estiverem presentes os requisitos essenciais elencados
no art. 104 do Código Civil, ou seja, deve o agente ser capaz, o objeto ser lícito, possível e
determinado ou determinável e a forma não ser prescrita ou defesa em lei.
O envio de entorpecentes pela via postal, de plano, acarreta a
nulidade da prestação de serviço postal, uma vez que o objeto é ilícito (entorpecentes) e
essa conduta é vedada em lei, já que constitui crime (art. 33, “caput”, Lei nº 11.343/06).
Além disso, o serviço postal para ser efetivo deve observar a regra
do art. 7º da Lei nº 6.538/78 - recebimento, expedição, transporte e entrega – ou seja,
somente quando a encomenda é entregue no seu destino o serviço terá sido prestado e,
consequentemente, o valor da tarifa será devido à EBCT.
Dessa forma, a apreensão de drogas na encomenda enviada acarreta
a interrupção do respectivo serviço, conforme se observa dos seguintes dispositivos da Lei
nº 6.538/78:
"Art. 10º - Não constitui violação de sigilo da correspondência
postal a abertura de carta:
(...)
III - que apresente indícios de conter valor não declarado, objeto ou
substância de expedição, uso ou entrega proibidos;
IV - que deva ser inutilizada, na forma prevista em regulamento, em
virtude de impossibilidade de sua entrega e restituição.
Parágrafo único - Nos casos dos incisos II e III a abertura será feita
obrigatoriamente na presença do remetente ou do destinatário.
(...)
Art. 13º - Não é aceito nem entregue:
(...)
III - cocaína, ópio, morfina, demais estupefacientes e outras
substâncias de uso proibido;
(...)
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IX - objeto cuja circulação no País, exportação ou importação,
estejam proibidos por ato de autoridade competente.
§ 1º - A infringência a qualquer dos dispositivos de que trata este
artigo acarretará a apreensão ou retenção do objeto, conforme
disposto em regulamento, sem prejuízo das sanções penais
cabíveis."
Não obstante, os fatos trazidos à baila mostram que a fiscalização e
consequente apreensão por parte da Receita Federal do Brasil e da Polícia Federal ocorre
no momento da postagem, ou logo após ela. O que permite dizer, sem dúvidas, que o
serviço postal não chega sequer a ser prestado.
d)Do enriquecimento ilícito
O art. 884 e seguintes do Código Civil tratam do instituto do
enriquecimento ilícito que consiste no acréscimo ao patrimônio de alguém com o
consequente empobrecimento de outrem, sem que entre as ações haja o nexo de
causalidade.
De acordo com Dicionário Jurídico da Academia Brasileira de
Letras Jurídicas, enriquecimento ilícito é "o acréscimo de bens que, em detrimento de
outrem, se verificou no patrimônio de alguém, sem que para isso tenha havido
fundamento jurídico".2
Assim, verifica-se um acréscimo ao patrimônio da EBCT, haja vista
receber os valores pagos a título de tarifa postal, mesmo não prestando o respectivo
serviço e, concomitantemente, um prejuízo da União (FUNAD), que realiza a fiscalização
das correspondências, por meio da Polícia Federal e da Receita Federal.
Cabe mencionar que o serviço postal caracteriza-se como um
contrato de transporte, desse modo o art. 750 do Código Civil é expresso: “A
responsabilidade do transportador, limitada ao valor constante do conhecimento, começa
no momento em que ele, ou seus prepostos, recebem a coisa; termina quando é entregue
ao destinatário, ou depositada em juízo, se aquele não for encontrado”.
Nesse sentido, observa-se que não pode a EBCT apoderar-se do
valor integral das tarifas, sob pena de enriquecimento ilícito, haja vista não ter realizado o
serviço postal até o seu exaurimento.
Portanto, a União (FUNAD) é a legítima destinatária dos valores
ante a competência que a Lei de Tóxicos lhe deu para adquirir a propriedade dos bens,
valores e objetos usados nas práticas criminosas.
Aponta-se que a quantia revertida aos cofres da EBCT é
significativa, tendo em vista o dado supracitado das apreensões da Superintendência da
Receita Federal em São Paulo acerca das 887 apreensões realizadas no ano de 2009.
SIDOU, J. M. Othon. Dicionário Jurídico: Academia Brasileira de Letras Jurídicas. 4. Ed. – Rio de
Janeiro : Forense Universitária, 1997.
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f)Do perdimento em favor da União e da destinação ao FUNAD
Por força do aludido art. 63 da Lei nº 11.343/06, o Juiz, em sentença
de mérito, decidirá sobre o perdimento em favor da União dos produtos, bens ou valores
apreendidos, sequestrado ou declarado indisponível, em razão da prática de crimes,
devendo os mesmos, consoante o § 1º desse artigo, após a decretação do perdimento
serem revertidos diretamente ao FUNAD.
Frise-se que tal disposição normativa tem fundamento constitucional
expresso. Confira-se o teor do art. 243, parágrafo único, da Constituição Federal:
"Art. 243. As glebas de qualquer região do País onde forem
localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas serão
imediatamente expropriadas e especificamente destinadas ao
assentamento de colonos, para o cultivo de produtos alimentícios e
medicamentosos, sem qualquer indenização ao proprietário e sem
prejuízo de outras sanções previstas em lei.
Parágrafo único. Todo e qualquer bem de valor econômico
apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e
drogas afins será confiscado e reverterá em benefício de instituições
e pessoal especializados no tratamento e recuperação de viciados e
no aparelhamento e custeio de atividades de fiscalização, controle,
prevenção e repressão do crime de tráfico dessas substâncias."
Desse modo, os valores com os quais são pagos a tarifa postal,
decorrentes de crime previsto na Lei nº 11.343/06, nos casos em que o serviço postal não
se completou, não são devidos à EBCT, sob pena de enriquecimento ilícito.
Esses valores devem ser perdidos em favor da União para que
possam ser destinados ao FUNAD, a fim de cumprir com o programa de Política Nacional
Antidrogas, permitindo a prevenção de drogas, a reinserção de usuários de drogas na
sociedade, bem como o combate ao tráfico e crimes correlatos, de acordo como art. 64, da
mesma Lei.
Neste sentido é o entendimento jurisprudencial consolidado para
casos análogos (passagens aéreas):
"PENAL. PROCESSO PENAL.TRÁFICO INTERNACIONAL DE
ENTORPECENTES. CONDENAÇÃO. ARTIGO 12, "CAPUT" C.C.
O ARTIGO 18, INCISO I, AMBOS DA LEI Nº 6.368/76. EXTINÇÃO
DA PUNIBILIDADE. PERDÃO JUDICIAL. APELAÇÃO DA
DEFESA QUE SE INSURGE CONTRA A PENA DE PERDIMENTO
DE BENS E PAGAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS.
PERDÃO JUDICIAL QUE NÃO AFASTA A PENA DE
PERDIMENTO DE BENS E VALORES. EFEITO SECUNDÁRIO
DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO
91, INCISO II, ALÍNEA "B", DO CÓDIGO PENAL.PRODUTOS DO
CRIME. FALTA DE DEMONSTRAÇÃO DA REGULAR
PROPRIEDADE DOS BENS. ISENÇÃO DAS CUSTAS
PROCESSUAIS.AUSÊNCIA DE CONDIÇÕES FINANCEIRAS NÃO
DEMONSTRADA. APELAÇÃO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
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1.A sentença recorrida condenou o acusado à pena de 04 (quatro)
anos de reclusão e ao pagamento de 66 (sessenta e seis) dias-multa
como incurso nas penas do artigo 12, "caput", c.c.18, inciso I, da
Lei nº 6.368/76, concedendo-lhe o perdão judicial e declarando
extinta a punibilidade, com fundamento no artigo 107, inciso IX, do
Código Penal c.c. o artigo 13 da Lei nº 9.807/99, bem como
decretou a perda, em favor da União, do valor referente à passagem
aérea e do numerário apreendidos em poder do apelante e o
condenou ao pagamento das custas processuais.
2. As passagens aéreas estão diretamente ligadas ao crime de
tráfico, tendo em vista que esse meio de transporte seria utilizado
para levar a droga ao exterior, enquanto que o numerário
apreendido se destinava a cobrir as despesas que surgiriam durante
a empreitada criminosa, tratando-se, pois, de instrumentos e objetos
utilizados para a prática do crime, sendo de rigor a perda de
perdimento.
3.O apelante sequer demonstrou que os bens não são produtos do
crime, porquanto não colacionou aos autos o contrato de câmbio da
quantia apreendida, tampouco o comprovante de compra da
passagem aérea, mas, ao revés, ao ser interrogado em Juízo,
afirmou ter recebido a quantia apreendida de terceira pessoa na
véspera da viagem ao exterior.
4.A sentença proferida é de natureza condenatória, ainda que
concedido o perdão judicial e a perda de perdimento em favor da
União do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que
constitua proveito auferido pelo agente com a prática do crime
consubstancia um dos efeitos da condenação disposto no artigo 91,
inciso II, alínea "b", do Código Penal.
5. Ausência de demonstração da alegada dificuldade financeira
para a isenção do pagamento das custas processuais. O apelante
constituiu defensor, o que sugere, na falta de prova em contrário, ter
recursos para o pagamento das despesas processuais, não se
podendo presumir o contrário na ausência de provas. 6. Negado
provimento ao recurso."
(TRF-3ª Região, Segunda Turma, ACR 31002, Rel. Des. Federal
HENRIQUE HERKENHOFF, Decisão: 08/07/2009, Publicação:
06/08/2009, pág. 36)
"PENAL - PROCESSO PENAL - HABEAS CORPUS PREVENTIVO
- PACIENTE: DIRETOR DA EMPRESA AÉREA ALITÁLIA LINEE
AEREE ITALIANA - ORDEM JUDICIAL DETERMINATIVA DE
DEPÓSITO DE VALOR PARCIAL DE PASSAGENS AÉREAS AMEAÇA DE PRÁTICA DE CRIME DE DESOBEDIÊNCIA.
I - O valor do trecho de passagem aérea apreendida em poder de
delinquentes presos por tráfico internacional de substância
entorpecente, pertence à União Federal para programas de cunho
assistencial, conforme a Constituição Federal e lei reguladora
ordinária.
II - As passagens aéreas nestes casos são consideradas como meio
utilizado para a prática do delito previsto na Lei nº 6.368/76,
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independentemente do tipo da passagem. Aplicação do art. 91 do
CP.
III - Impossibilidade, entretanto, de se estender a condenação
criminal, onde foi decretado o perdimento das passagens aéreas,
para compelir a terceiros, que não os condenados, a submeterem-se
ipso facto, aos efeitos da condenação.
IV - Necessidade de processo de execução, na órbita civil, para a
cobrança dos valores correspondentes à parte não utilizáveis das
passagens aéreas, munida a União Federal do título executivo
judicial: a sentença condenatória.
V - Ilegalidade caracterizada pela ameaça de crime de
desobediência. violação do princípio constitucional do due process
of law.
VI - Ordem concedida, parcialmente, para desobrigar o depósito,
em favor da União Federal, dos valores correspondentes aos
bilheres aéreos.
VII - unânime."
(TRF-2ª Região, Primeira Turma, HC 9602266635, Rel. Des. Federal
NEY FONSECA, Decisão: 25/09/1996, Publicação: 06/08/2009,
pág. 36)
Portanto, sendo pacífico o entendimento acerca da decretação de
perdimento das passagens aéreas no caso de tráfico transnacional de drogas, não existe
razão para não ser decretada a mesma medida no caso das tarifas postais (ubi eadem ratio
ibi idem jus).
g) Considerações finais
Verifica-se que a alegação de que os valores pagos pelo remetente de
drogas devam ficar com a EBCT não merece prosperar, diante do fato que a Lei de
Drogas tem normas expressas sobre a apreensão de valores e objetos que estejam
relacionados à prática criminosa.
Por fim, para que os valores pagos pudessem ser devidos à EBCT
necessário se faz a total prestação do serviço postal, o que não se observa neste caso.
VII - DO PEDIDO
Vossa Excelência:
Ante todo o exposto, o Ministério Público Federal vem requerer a
a) a citação da EBCT para que responda a presente ação, sob pena de
serem aplicados os efeitos da revelia;
b) a intimação da União para que, querendo, manifeste interesse em
ingressar no polo ativo da presente demanda;
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c) condenação da EBCT na obrigação de fazer consistente em, todo o
território nacional, repassar ao Fundo Nacional Antidrogas - FUNAD os valores recebidos
a título de tarifa postal, quando não houver a efetiva prestação do serviço postal em
decorrência da apreensão de drogas, ficando a empresa autorizada, por conseguinte, a
descontar o valor do serviço efetivamente realizado;
d) a condenação, em caso de descumprimento das obrigações
contidas no provimento final, com fulcro no art. 11 da Lei n° 7.347/85, em multa a ser
fixada pelo prudente arbítrio desse MM. Juízo Federal, para o qual se sugere o valor de R$
1.000,00 (mil reais), para cada tarifa não repassada ao FUNAD;
e) a dispensa do pagamento das custas, emolumentos e outros
encargos, em vista do disposto no art. 18 da Lei n° 7.347/85;
f) embora já tenha apresentado o Ministério Público Federal prova
pré-constituída do alegado, protesta, outrossim, pela produção de prova documental,
testemunhal, pericial e, até mesmo, inspeção judicial, que se fizerem necessárias ao pleno
conhecimento dos fatos, inclusive no transcurso do contraditório que se vier a formar com
a apresentação de contestação; e
g) a condenação da ré nos eventuais ônus de sucumbência cabíveis.
Atribui-se à causa o valor de R$ 1.000,00 (mil reais).
Termos em que,
pede deferimento.
Marília, 20 de setembro de 2010.
JEFFERSON APARECIDO DIAS
Procurador Regional dos Direitos do Cidadão
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