AS PSICOPATOLOGIAS NA CLÍNICA JUNGUIANA “Minha vida foi singularmente pobre em acontecimentos exteriores. Sobre estes não posso dizer muito, pois se me afiguram ocos e desprovidos de consistência. Eu só me posso compreender à luz dos acontecimentos interiores. São estes que constituem a peculiaridade de minha vida.” (Em: Memórias, Sonhos e Reflexões.) Alguns Dados Sobre a Vida de Carl Gustav Jung (Fonte: Silveira, 1971) nasceu na aldeia de Kesswil, na Suíça, aos 26 de julho de 1875; concluiu o curso médico no ano de 1900, aos 25 anos, na Universidade de Basiléia; seu interesse pela Psiquiatria foi despertado pela leitura do Tratado de Psiquiatria de Krafft-Ebing; em 1902 e 1903, Jung esteve em Paris, estudando com Pierre Janet; em 1903, casou-se com Emma Rauschenbach, com quem teve 05 filhos; sua esposa dedicou-se durante longos anos a pesquisas sobre a lenda do Graal; desde 1909 até a morte de Jung, em 1961, Emma residiu na mesma casa, na Seestrasse, 228, às margens do lago de Zurique. A Carreira (Fonte: Silveira, 1971) em 1905, Jung foi nomeado docente na Universidade de Zurique. Alguns anos antes, no Hospital Burghölzli, passara a desenvolver experiências sobre associações verbais com o objetivo de esclarecer a estrutura psicológica da dementia praecox, ou demência dissociativa, nomeada posteriormente por Bleuler como esquizofrenia; tais experiências o conduziram à descoberta e conceituação dos complexos afetivos. Também em 1905, assumiu o posto imediatamente abaixo de Bleuler na hierarquia do hospital; 1907: a partir deste ano, Jung passou a ter contato pessoal com Freud. Em 27/02/1907, Jung visitou Freud em Viena e esta primeira visita prolongou-se por 13 horas de incansável conversa; Jung presenteou Freud com um exemplar de sua publicação A Psicologia da Dementia Praecox: Um Ensaio. A Carreira 1910: fundação da Associação Psicanalítica Internacional, para a qual Jung foi escolhido Presidente (por insistência de Freud). 1912: Jung lança a obra Metamorfoses e Símbolos da Libido (editado posteriormente com o título Símbolos da Transformação), que marcava divergências conceituais profundas que o afastaram do pensamento de Freud (delas, a que mais marcou essa separação foi a dessexualização da libido); julho de 1914: destacam-se duas conferências pronunciadas em Londres - Sobre a compreensão psicológica e Sobre a importância do inconsciente em psicopatologia. 1920: Tipos Psicológicos (pensamento / sentimento, sensação / intuição, introversão / extroversão). A Carreira a paixão por conhecer a alma humana levou Jung a fazer inúmeras viagens, com a intenção declarada de encontrar oportunidades para ver a imagem do europeu refletida nos olhos dos homens de outras culturas. Em 1921, esteve na África do Norte. Entre 1924 e 1925, conviveu com os índios Pueblo da América, no México. Entre 1925 e 1926, esteve no Monte Elgon, na África Oriental (colônia da Inglaterra). algumas das obras de Jung das décadas de 40 e 50: 1940: Psicologia e Religião 1944: Psicologia e Alquimia 1946: Psicologia da Transferência 1946: Misterium Coniunctionis A Carreira 1952: Resposta a Job 1957: Presente e Futuro 1958: Um mito moderno: os discos voadores em 1957, Jung apresentou, no Congresso Internacional de Psiquiatria, em Zurique, um trabalho sobre a esquizofrenia repleto de indicações de intervenção utilizáveis pelo terapeuta na clínica. dentre seus últimos escritos, destacam-se sua autobiografia – Memórias, Sonhos e Reflexões – e o primeiro capítulo de O Homem e seus Símbolos, “Chegando ao Inconsciente”. Estudos Psiquiátricos (Fonte: Silveira, 1971) em 10 de dezembro de 1900, Jung assumiu o posto de segundo assistente no Hospital Burghölzli, em Zurique, cuja direção estava a cargo de Eugen Bleuler; em 1902, passava a primeiro assistente e defendia sua tese de doutoramento: Psicologia e Patologia dos Fenômenos Ditos Ocultos; já era de grande importância para Bleuler e Jung, no início do século XX, a psicologização da psiquiatria, em contraponto a uma mera descrição sintomática dos quadros clínicos apresentados; Estudos Psiquiátricos seus estudos iniciais sofreram fortes influências do associacionismo, teoria que dominava a psicologia da época, segundo a qual a vida psíquica explicar-se-ia pelas combinações e recombinações dos elementos mentais, que entrariam em conexão conforme determinadas leis (contigüidade, semelhança, contraste, etc.). O associacionismo também influenciou a psicologia freudiana, de modo que a associação livre também foi adotada por Freud em sua prática clínica (abandono da hipnose). as experiências sobre associações verbais, no Hospital Burghölzli, levaram Jung a conceituar os complexos afetivos; tais experimentos também levaram à conclusão de que a patologia estudada, chamada então de demência precoce, era um distúrbio de dissociação psíquica; O Paradigma dos Complexos as perturbações nas respostas (transpiração, riso, hesitação, uma frase como resposta, etc.) indicavam que a palavra indutora havia atingido um conteúdo emocional (inconsciente); tais conteúdos seriam “complexos de idéias dotadas de forte carga afetiva”; a afetividade* é a base essencial da personalidade, o elemento que “pulsa” em todas as nossas ações e omissões. As reflexões lógicas adquirem força apenas pelos afetos a elas relacionados. (*termo proposto por Bleuler e designante não apenas de afetos no sentido próprio, mas também de leves sensações e tonalidades afetivas de prazer e desprazer em todas as vivências possíveis). (Jung, 1971/1990). O Paradigma dos Complexos a causa mais freqüente da origem dos complexos é o conflito; admite-se também que choques e traumas emocionais podem, por si sós, ser responsáveis pela sua formação; os complexos são formados por imagens* de situações psíquicas; são constituídos primariamente por um núcleo possuidor de intensa carga afetiva e, secundariamente, estabelecem-se associações com outros elementos afins, cuja coesão em torno do núcleo é mantida pelo afeto comum a seus elementos (Silveira, 1971); são verdadeiras unidades vivas, capazes até mesmo de existência autônoma (este extremo se verifica nas psicoses). (*imagem: expressão concentrada da situação psíquica global.) A Estrutura da Psique A Psique é um sistema energético relativamente fechado, cujo potencial de energia é constante. Assim, a quantidade de energia de que dispõe a psique é constante, apenas variando sua distribuição. Cada processo psíquico possui um valor psicológico: a intensidade da energia agregada a ele. Energia psíquica = libido (agressividade, intelectualidade, apetite sexual,...) A Estrutura da Psique analogia: representação da psique como um vasto oceano (inconsciente) no qual emerge uma pequena ilha (consciente); Inconsciente: compreende inconsciente pessoal e coletivo; é atemporal e aespacial; é uma outra realidade, um plano sutil. Inconsciente Pessoal: camadas mais superficiais, “morada” dos complexos; Inconsciente Coletivo: camadas mais profundas, fundamentos estruturais da psique (substrato psíquico), comuns a todos os homens; nas notas de Jung (ano de 1906), fora registrado o encontro, nos corredores do Burghölzli, com um esquizofrênico paranóide (mania persecutória) que, tentando olhar o sol, piscava as pálpebras e movia a cabeça de um lado para o outro. Inconsciente Coletivo “Ele me tomou pelo braço, dizendo que queria mostrar-me uma coisa: se eu movesse a cabeça de um lado para o outro, o pênis do sol mover-se-ia também e este movimento era a origem do vento”. Quatro anos mais tarde, lendo a recente publicação de manuscritos gregos referentes a visões de adeptos de Mithra*, Jung deparou-se com a seguinte descrição: “E também será visto o chamado tubo, origem do vento predominante. Ver-se-á no disco do sol algo parecido a um tubo, suspenso. E na direção das regiões do ocidente é como se soprasse um vento de leste infinito. Mas se outro vento prevalecer na direção das regiões do oriente, ver-se-á, da mesma maneira, o tubo voltar-se para aquela direção”. * Mithra: religião da Grécia Antiga. Inconsciente Coletivo Tal descoberta se deu no ano de 1910, quando Jung entregava-se apaixonadamente a estudos de arqueologia e mitologia. Em sua obra Memórias, Sonhos e Reflexões, ele conta porque ficara empolgado com esses assuntos. O motivo foi um sonho: “Ele se acha numa casa desconhecida que, no entanto, era sua casa. Uma casa de dois andares. Inicialmente, encontra-se no andar superior, num salão ornado de belos quadros e provido de móveis de estilo século XVIII. Descendo as escadas, chega ao pavimento térreo, onde o mobiliário é medieval e o piso de tijolos vermelhos. Percorre as várias peças, explorando a casa, até deter-se diante de uma pesada porta. Abre-a e vê degraus de pedra que conduzem à adega. Desce e encontra-se num amplo salão abobadado de aspecto muito antigo. Inconsciente Coletivo Suas paredes são construídas à maneira dos romanos e o piso é formado por lages de pedra. Por entre essas pedras descobre uma argola. Puxando-a, desloca-se uma lage, deixando aparecer uma estreita escada. Descendo ainda, vêse numa caverna talhada na rocha. Espessa camada de poeira cobre o solo e, de permeio, entre fragmentos de cerâmica, descobre ossos espalhados e dois crânios humanos.” Para Jung, os sonhos são autodescrições da vida psíquica. Sendo assim, interpretou esse sonho vendo na casa a imagem de sua própria psique. O consciente estava figurado pelo salão do primeiro andar, cujo mobiliário apresentava-se bem de acordo com a formação cultural do sonhador (filosofias dos séculos XVIII e XIX); o pavimento térreo correspondia às camadas mais superficiais do inconsciente. Inconsciente Coletivo Quanto mais descia, mais se aprofundava em mundos antigos, até chegar a uma espécie de caverna pré-histórica. Jung concluiu, aprofundando seus insights acerca desse sonho, e baseado em dados empíricos obtidos na observação clínica, que cada indivíduo trouxe consigo um lastro psíquico onde estão gravados vestígios da história da humanidade em marcas indeléveis: o INCONSCIENTE COLETIVO. Os Sonhos Os sonhos e as fantasias constituem o material psicológico básico de análise na terapia junguiana; sua amplificação* permite ao ego incorporar seu conteúdo. Ao tomar consciência dos conteúdos presentes por trás da simbologia proposta pelo inconsciente pessoal e expressa no sonho, o sonhador passa a vivenciar aquele conteúdo, o que, em quadros não patológicos, provoca uma ab-reação, ou seja, uma descarga da energia psíquica (libido) – ou afetividade, como chamou Bleuler – agregada àquele conteúdo, promovendo o enfraquecimento do complexo ao qual aquelas imagens estavam vinculadas. (*amplificação: alargamento e aprofundamento de uma imagem onírica por meio de associações dirigidas e de paralelos com conteúdos das ciências humanas e da história dos símbolos (mitologia, religião, arte, etc.). Os Arquétipos são possibilidades herdadas para representar imagens similares; são formas instintivas de imaginar; são matrizes arcaicas onde configurações análogas ou semelhantes tomam forma; sua origem é decorrente dos depósitos de impressões superpostas deixadas por certas vivências fundamentais, comuns a todos os humanos, repetidas incansavelmente através de milênios. Vivências típicas – emoções e fantasias suscitadas por fenômenos da natureza, pelas experiências com a mãe, pelos encontros do homem com a mulher e da mulher com o homem, etc. a noção de arquétipo permite compreender porque em lugares e em épocas distantes aparecem temas idênticos nos contos de fadas, mitos, dogmas e ritos de religiões, nas artes, filosofia,... Os Arquétipos a polaridade dos arquétipos é explicada pela presença dos princípios espiritual e instintual na própria essência humana e porque os arquétipos expressam aspectos positivos e negativos da experiência humana coletiva; o arquétipo da mãe, por exemplo, apresenta o pólo da fertilidade, da nutrição, e o pólo do abandono, do sufocamento e da rejeição; cada novo indivíduo possui armazenadas em sua mente, ao nascer, informações relativas a todo o passado da humanidade; tais conteúdos são expressos através da constelação* dos arquétipos. * constelar: entrada em atividade de um arquétipo, fazendo-se presente no cenário psíquico. A Imagem Arquetípica O arquétipo, enquanto virtualidade, funciona como um nódulo de concentração de energia psíquica; quando esta energia, em estado potencial, atualiza-se, toma forma, teremos uma imagem arquetípica. Obras de arte, muitas vezes, expressam imagens arquetípicas: Pinturas que giram em torno do tema mítico do Sol: figuras masculinas de grandes proporções providas de coroas e outros atributos divinos bastante próximos de descrições de Mithra, deus indo-persa, dadas por seus adeptos. Segundo narra o mito, foi Mithra quem instituiu o Sol governador do mundo, entregando-lhe o globo, símbolo de poder que ele próprio trazia na mão direita desde o instante de seu nascimento. Animus e Anima a noção de bissexualidade humana já era encontrada no mito dos Androginos, apresentado por Aristófanes em O Banquete, de Platão; os Androginos eram seres bissexuados, redondos, ágeis e tão possantes que Zeus chegou a temêlos; para reduzir-lhes a força, dividiu-os em duas metades: masculina e feminina. Anima = arquétipo do feminino; princípio feminino no homem; representação psíquica da minoria de genes femininos presentes no genoma do homem; Animus = arquétipo do masculino; princípio masculino na mulher. Expressões Artísticas de Animus e Anima Mona Lisa, segundo a obra de Dmitri Merejkowski “O Romance de Leonardo da Vinci” (trad. brasil. de Breno da Silveira), seria a própria alma do pintor; Extraordinária figuração do animus, na literatura, é Heathcliff, personagem de “O Morro dos Ventos Uivantes”, de Emily Brönte (trad. brasil. de Rachel de Queiroz); o personagem encarna os atributos negativos do animus em toda sua crueza: brutalidade, crueldade, capacidade destruidora. O Processo de Individuação objetivo: realização da totalidade individual, com a integração de todos os aspectos de nossa personalidade originária (Grinberg, 1997). o processo de individuação não consiste num desenvolvimento linear, mas num movimento de circunvolução que conduz a um novo centro psíquico – o self (arquétipo central e organizador do desenvolvimento); quando consciente e inconsciente vêm ordenar-se em torno do self, a personalidade completa-se; o self será, então, o centro da personalidade total; a preliminar será o desvestimento das falsas roupagens da persona; (persona: sistema de adaptação ou a maneira pela qual se dá a comunicação com o mundo; aquilo que não é verdadeiramente, mas o que nós mesmos e os outros pensam que somos). O Processo de Individuação a importância do autoconhecimento e a aceitação e o reconhecimento da sombra; Uroboros: símbolo alquímico recorrente na mitologia, e que representa o processo de transformação psíquica; seu conteúdo também está presente na obra O dragão que devora a si mesmo, de Lambsprinck (1678) – Musaeum Hermeticum, Frankfurt. Este símbolo emerge também em um manuscrito grego do século III a. C. (Jung, 1964, p. 38), e em manuscritos alquímicos (Idade Média). Individuar-se é tornar-se um indivíduo, tornar-se simesmo, ou seja, aquilo que de fato somos. O Processo de Individuação o objetivo final da individuação é a integração de consciência e inconsciente; nossa identidade pessoal livra-se dos invólucros da persona e a personalidade livra-se do poder sugestivo das imagens primordiais, ou seja, da possessão pelos arquétipos; o ego é, então, assimilado ao self; essa integração total do self, embora seja um ideal de perfeição impossível de ser alcançado, deve ser buscado como meta; a individuação não é algo que ocorre passivamente (Grinberg, 1997); exige a colaboração ativa do ego consciente, que deve buscá-la e conquistá-la com empenho, engajamento, paciência e coragem; a individuação é um conceito permeado de significados morais e éticos: qual o tipo de atitude moral necessária em certo momento para lidar com as influências perturbadoras do inconsciente? A Clínica Junguiana das Psicopatologias: Os Complexos Patogênicos / A Neurose uma doença mental é caracterizada por condutas e concepções sob a influência de fatores inconscientes – complexos – que possuem uma grande quantidade de energia psíquica, “têm poder”; um complexo encontra-se em estado patológico quando possui uma libido (energia psíquica) atrelada a sua tonalidade afetiva maior do que a energia psíquica de que dispõe o complexo de ego; quando uma NEUROSE aparece num indivíduo adulto, surge literalmente o mesmo mundo de fantasias da criança; no contexto da neurose, estabelece-se, então, uma relação causal com a existência de fantasias infantis (Jung, 1974/1989); os efeitos patológicos da neurose só aparecem quando o indivíduo se depara com uma situação que ele não é capaz de dominar; A Clínica Junguiana das Psicopatologias: A Neurose a interrupção conseqüente da evolução da personalidade possibilita um desvio para as fantasias infantis que existem de forma latente em todo ser humano, mas que não chegam propriamente a impedir a trajetória normal da personalidade consciente; quando as fantasias alcançam um determinado grau de intensidade, começam a irromper na consciência, gerando um estado de conflito perceptível para o paciente: a cisão em duas personalidades caracteristicamente distintas; tal dissociação já havia sido, de fato, preparada no inconsciente, na medida que a energia não utilizada que escoa da consciência fortalece as propriedades inconscientes negativas, sobretudo os traços infantis da personalidade; as fantasias normais da criança representam a imaginação dos impulsos instintivos e podem ser consideradas como um exercício preliminar das atividades futuras da consciência; A Clínica Junguiana das Psicopatologias: A Neurose as fantasias do neurótico, perturbadas de forma patológica pela regressão da energia (despotencialização do ego), possuem um núcleo do instinto normal que se caracteriza pela capacidade de adaptação; o instinto não é um mero impulso, cego e indeterminado, mas está sempre afinado com uma situação exterior determinada; tal circunstância é que lhe dá sua forma específica e singular; o instinto é original e hereditário, sendo sua forma arcaica (arquetípica) mais antiga que a forma do corpo. o neurótico está, portanto, suscetível à ação dessas matrizes de comportamentos humanos instintivos; estado de autonomia relativa dos complexos (Jung, 1971/1990; Conferência de abril de 1939). a neurose surge quando “(...) se abrem fendas demasiado largas entre consciente e inconsciente (...)” (Silveira, 1971, p. 83). A Clínica Junguiana das Psicopatologias: A Neurose e a Histeria o estado neurótico apresenta o sujeito em desacordo consigo mesmo, envolto numa trama de projeções, confundindo-se, fusionando-se com outros seres e, deste modo, levado a agir em desacordo com suas atitudes normais. a HISTERIA é um estado patológico congênito ou adquirido no qual as emoções são exageradamente fortes; por isso, os doentes são mais ou menos vítimas constantes de suas emoções; entretanto, a histeria em geral só determina a quantidade e não a qualidade das emoções; essa qualidade seria dada pelo caráter do sujeito (Jung, 1971/1994). (estudo publicado em 1906). o que caracteriza a histeria é a existência de um complexo superpoderoso incompatível com o complexo do eu; A Clínica Junguiana das Psicopatologias: A Histeria e a Conversão Histérica os estudos de Pierre Janet demonstram que os efeitos das emoções produzem, nos histéricos, aquele estado de dissociação em que ficam paralisadas a vontade, a atenção e a capacidade de concentração, e em que todos os fenômenos psíquicos superiores são diminuídos em benefício dos inferiores, ou seja, há um deslocamento para o lado dos automatismos, quando fica livre tudo aquilo que estava sob o domínio da vontade; desaparecem a síntese mental e a aquisição de novas lembranças. (publicação: 1907) a conversão histérica seria um fenômeno primitivo da gênese dos sintomas histéricos; segundo Breuer e Freud, toda pessoa tem uma certa medida dentro da qual pode suportar emoções não ab-reagidas e deixar que se acumulem; o que passar disso, leva à histeria; a conversão pode ocorrer por meio de convulsão, paralisia de um membro, distúrbio de consciência, etc. (1907) A Clínica Junguiana das Psicopatologias: A Histeria (estudo publicado em 1907) o conteúdo do delírio histérico é sempre um delírio que evidencia o complexo, ou seja, a emergência de um complexo patogênico autônomo elaborado geralmente sob a forma de satisfação do complexo; as afirmações delirantes em histéricos são deslocamentos: os afetos que as acompanham não pertencem a elas e sim a um complexo reprimido; a desorientação nos histéricos se justifica pelo fato de um complexo patogênico impedir a reprodução do complexo do eu; a maior parte das associações se volta para esse complexo patogênico; as experiências de associações demonstraram que tempos prolongados de reação e falhas de reação surgem em casos de acionamento de complexos; a forte tonalidade afetiva inibe a associação; na histeria, nada vem à mente do paciente nos pontos críticos; A Clínica Junguiana das Psicopatologias: A Histeria / A Demência Precoce Sobre anormalidades de caráter: a histeria não produz um caráter especial, mas exagera as características já existentes; encontramos, por isso, toda espécie de temperamento nos histéricos: existem personalidades egoístas e outras altruístas, criminosos e santos, naturezas sexuais ardentes e outras frias, etc. Numa pessoa histérica com várias personalidades, existe uma colaboração tranqüila entre elas (são todas histéricas); Conferência proferida em Londres, 1911: a DEMÊNCIA PRECOCE inclui todas as condições de caráter alucinatório, catatônico, hebefrênico e paranóico que não apresentam processos característicos de lesão cerebral e não pertencem ao grupo maníaco-depressivo; não existe, na demência precoce, qualquer sintoma que possa ser considerado sintoma orgânico; A Clínica Junguiana das Psicopatologias: Alucinações na Demência Precoce alucinação é simplesmente uma projeção externa de elementos psíquicos; gozam de ubiqüidade (onipresença); a demência precoce nada mais faz do que acionar um mecanismo já previamente formado que funciona, de modo regular e normal, no sonho; as alucinações da histeria e do sonho contêm simbolicamente fragmentos distorcidos do complexo, como é o caso da maioria das alucinações na demência precoce; porém, aqui o simbolismo é muito mais ampliado e se parece mais com o sonho pela sua distorção (Jung, 1971/1990); distúrbios do sono são muito comuns nos dementes precoces; seus sonhos são marcados por uma enorme vivacidade; muitos doentes costumam derivar suas idéias delirantes quase que exclusivamente dos sonhos, aos quais eles atribuem real validade (Jung, 1971/1990); A Clínica Junguiana das Psicopatologias: A Demência Precoce (Jung, 1971/1990) se permitirmos que alguém circule e aja durante o sono, obteremos o quadro clínico da demência precoce; os dementes precoces se queixam continuamente de que os pensamentos lhe são retirados no momento em que querem pensar ou dizer alguma coisa; tal “privação de pensamento” ocorre sob a forma de bloqueio; na demência precoce, encontramos um ou mais complexos que se fixaram de maneira duradoura; uma melhora do estado do paciente ocorre pela atrofia do complexo mais atuante o que, no entanto, provoca uma destruição extensiva de grande parte da personalidade e, no melhor dos casos, os dementes precoces passam a viver com uma mutilação psíquica; A Clínica Junguiana das Psicopatologias: A Demência Precoce um distúrbio da demência precoce é a afetação – maneirismos, excentricidade, mania de originalidade – exemplo: comportamento pretensioso e artificial de algumas pessoas de classe baixa que convivem com pessoas de classes superiores; tais características se mostram na demência precoce especialmente nos casos que encobrem um “delírio de ascensão social” (descrito no Tratado Psiquiátrico de Krafft-Ebing); a afetação também se exprime nos gestos e maneiras de escrever; dementes precoces se caracterizam, em geral, por um modo de escrever bem típico: as indiscutíveis tendências contraditórias de sua psique se exprimem por uma escrita ora oblíqua, ora fluente, ora longa, ora curta e abrupta (Jung, 1971/1990 & 1971/1994); observamos, ainda, bloqueios abruptos – privações de pensamento – e irrupção alucinatória súbita de impulsos excêntricos (Jung, 1971/1990 & 1971/1994). A Clínica Junguiana das Psicopatologias: A Esquizofrenia No estudo publicado em Berlim, 21/04/1928, denominado “Doença Mental e Psique”, Jung definiu a esquizofrenia como a doença de cisão da personalidade, cujo caso mais simples é a paranóia (mania de perseguição); trata-se de uma duplicação simples da personalidade que, nos casos menos graves, ainda consegue manter uma estreita ponte entre a identidade dos “dois eus”; esse tipo de doente se apresenta com uma personalidade aparentemente normal: pode ter um bom emprego, uma posição destacada, sem que se suspeite de nada; entretanto, se for pronunciada a palavra “maçonaria”, por exemplo, sua face jovial pode se transformar, um olhar de dureza insondável pode aparecer, cheio de desconfiança e obstinação humana; a pessoa se transforma, de repente, num animal perseguido, perigoso, ameaçado por inimigos invisíveis: o “outro eu” sobe à tona (Jung, 1971/1990); A Clínica Junguiana das Psicopatologias: A Esquizofrenia na Conferência da Royal Society of Medicine, 04/04/1939, em Londres, Jung retoma a discussão sobre a gênese orgânica ou psíquica das doenças mentais; Bleuler supunha a existência de uma causa orgânica, apontando como o sintoma primário um distúrbio particular no processo de associação; a partir desse ponto de vista, toda desintegração ocorre quando as associações aparecem particularmente mutiladas e desconexas; uma seqüência de pensamentos não é capaz de alcançar um desencadeamento lógico, ou é interrompida por conteúdos estranhos que não foram suficientemente inibidos (conceito de “abaissement”, de Pierre Janet); em quadro de esquizofrenia, o paciente não preserva a unidade potencial da personalidade (o neurótico, ao contrário, consegue mantê-la); A Clínica Junguiana das Psicopatologias: A Esquizofrenia na esquizofrenia, os complexos se tornam fragmentos autônomos e independentes que não se reintegram na totalidade psíquica ou então se interligam, de modo inesperado, como se nada tivesse acontecido; as figuras cindidas possuem nomes e características banais, grotescas, caricaturais, e não colaboram com a consciência do paciente, intrometem-se e perturbam o tempo inteiro, atormentandoo; trata-se visivelmente de um caos de visões, vozes e tipos desconexos, todos de natureza violenta, estranha e incompreensível (Jung, 1971/1990). O delírio primário é real. a disposição esquizóide se caracteriza por afetos abrangentes, nascidos de complexos comuns que, em geral, provocam conseqüências bem mais profundas dos que os afetos neuróticos (Jung, 1971/1990, estudo publicado em 1958). A Clínica Junguiana das Psicopatologias: A Esquizofrenia (ainda no estudo de 1958): tais afetos se caracterizam por formas de associação arcaicas ou primitivas muito próximas dos motivos mitológicos e de suas representações; a freqüente retomada de formas e imagens arcaicas de associação observadas na esquizofrenia forneceu a Jung, pela primeira vez, a idéia de um inconsciente que não consta apenas de conteúdos originários da consciência que se perderam, mas de uma camada ainda mais profunda, dotada de caráter universal, como são os motivos míticos característicos da fantasia humana; são motivos descobertos (e não inventados). Em Símbolos da Transformação: Análise dos Prelúdios de uma Esquizofrenia (Jung, 1973/1989) – o caso de Miss Miller. No prefácio à segunda edição, Jung coloca que o objetivo da obra é “(...) uma análise tão profunda quanto possível de todos os fatores históricos mentais que se reúnem numa fantasia individual involuntária.” (nov/1924). A Clínica Junguiana das Psicopatologias: O Caso Clínico Miss Miller Miss Frank Miller: pseudônimo da paciente Théodore Flournoy, nascida em 1878 no Alabama; Estudou Arte e Literatura; por volta de 1901, proferiu palestras com muito sucesso; por volta de 1907: passou a expressar sua imaginação criativa inconsciente; em 1909 foi institucionalizada: “Caso Clínico Miss Miller” – caso nº 14852 do Denver´s State Hospital; Diagnóstico: personalidade psicopática com traços hipomaníacos; Relato da família: diziam que ela era má, instável, erótica e tagarela. Na entrevista médica inicial com Jung, este lhe diz: “Você está clara, lúcida e indignada por estar aqui”. A Clínica Junguiana das Psicopatologias: A Psicose a psicose é o estado patológico de maior autonomia e independência dos complexos; comportam-se como unidades vivas, e o psicótico não tem a noção da possibilidade de dialogar entre esses conteúdos psíquicos emergentes; o complexo de ego (a consciência), facilitador desse debate entre os outros complexos, é tão fraco no psicótico que rompe-se com o surto; a energia psíquica atrelada às fantasias consteladas por esses complexos patogênicos foge ao controle da consciência; o paciente não possui referências de identidade; a simbologia dos conteúdos coletivos que se manifestam com maior freqüência, quando bem observados pelo psicoterapeuta, servem como reestruturadores do ego; a medicação tem esse efeito sobre a psique do paciente, pois também observa-se um princípio de ego após um “surto medicado”. A Psicoterapia na Clínica Junguiana opção por um método dialético, que consiste em confrontar as averiguações mútuas; isso só se torna possível se o cliente puder apresentar seu material o mais completamente possível, sem ser limitado pelos pressupostos do terapeuta (Jung, 1971/1987). Os símbolos são (re)estruturadores da personalidade. A Ciência do Coletivo “(...) cada célula do nosso corpo é uma parte que está no todo de nosso organismo, mas cada célula contém a totalidade do patrimônio genético do conjunto do corpo, o que significa que o todo está presente também na parte. Cada indivíduo numa sociedade é uma parte de um todo, que é a sociedade, mas esta intervém, desde o nascimento do indivíduo, com sua linguagem, suas normas, suas proibições, sua cultura, seu saber; outra vez, o todo está na parte. Com efeito, ‘tudo está em tudo e reciprocamente’. Nós mesmos, do ponto de vista cósmico, somos uma parte no todo cósmico: as partículas que nasceram nos primeiros instantes do Universo se encontram em nossos átomos. O átomo de carbono necessário para a nossa vida formou-se num sol anterior ao nosso. Ou seja, a totalidade da história do cosmos está em nós, que somos, não A Ciência do Coletivo obstante, uma parte pequena, ínfima, perdida no cosmos. E sem dúvida somos singulares, posto que o princípio ‘o todo está na parte’ não significa que a parte seja um reflexo puro e simples do todo. Cada parte conserva sua singularidade e sua individualidade, mas, de algum modo, contém o todo.” Edgar Morin (1996), em Epistemologia da Complexidade, p. 275. Referências Bibliográficas (I) GRINBERG, Luiz Paulo. (1997). Jung: O Homem Criativo. São Paulo: FTD. JUNG, Carl Gustav. (1987). A Prática da Psicoterapia. Petrópolis: Vozes. (Originalmente publicado em 1971). JUNG, Carl Gustav. (1994). Estudos Psiquiátricos. Petrópolis: Vozes. (Originalmente publicado em 1971). JUNG, Carl Gustav. (1989). O Presente e o Futuro. (Originalmente publicado em 1974). Petrópolis: Vozes. JUNG, Carl Gustav. (1990). Psicogênese das Doenças Mentais. Petrópolis: Vozes. (Originalmente publicado em 1971). JUNG, Carl Gustav. (1989). Símbolos da Transformação: Análise dos prelúdios de uma esquizofrenia. Petrópolis: Vozes. (Originalmente publicado em 1973). JUNG, Carl Gustav e FRANZ, Marie-Louise von [et al.]. (1977). O Homem e seus Símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. (Originalmente publicado em 1964). Referências Bibliográficas (II) MORIN, Edgar. (1996). Epistemologia da Complexidade. Em: SCHNITMAN, Dora Fried. Novos Paradigmas, Cultura e Subjetividade. Trad. Jussara Haubert Rodrigues. Porto Alegre: Artes Médicas, pp. 274-289. NEUBARTH, Barbara Elisabeth. (1997). Relógios sem ponteiros: Desvelando uma história de vida. Em: FONSECA, Tânia M. G. e KIRST, Patrícia G. (Orgs.). Cartografias e Devires: A construção do presente. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2003. SILVEIRA, Nise da. (1971). Jung: Vida e Obra. Rio de Janeiro: José Álvaro Editor. ULSON, Glauco. (1988). O método junguiano. São Paulo: Ática. Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Instituto de Psicologia Curso de Graduação em Psicologia – Disciplina de Psicopatologia I Alexsander Silveira, Eduardo Bente & Luiggia Cestari © 2004, junho. Contatos: [email protected]