Campinas RMC Entretenimento Nacional Mundo Esporte Gente CAMPINAS, 9 DE SETEMBRO DE 2014 Capa Esporte Home Entretenimento Perfil Tv Correio Blogs Colunistas Especiais Motor Turismo Região Metropolitana Arquivos Colunistas CORREIO POPULAR XEQUE-MATE Surpresa! O Deus menino 23/12/2013 - 05h00 | Recomendar 0 Tweet 0 Quem primeiro percebe são os poetas. Isso se deve ao fato de que os seus olhos são diferentes. Por isso eles veem as coisas ao revés. Poesia são as coisas vistas ao contrário. Não é coisa de pensamento, é coisa da visão. Quando as pessoas, ao ouvir um poema, dizem que não entenderam e pedem explicações, é porque elas puseram o poema no lugar errado, no lugar onde moram os pensamentos. Mas um poema não é para ser pensado na cabeça. É para ser visto com os olhos. Os poetas, por terem olhos diferentes, veem também diferente. Veem o mundo ao contrário. A verdade deles é o oposto à verdade dos adultos. Os adultos pensam assim: as crianças nada sabem, quem sabe são os adultos; por isso as crianças aprendem e os adultos ensinam; infância é ponto de partida; a condição adulta é o destino, ponto de chegada. Os adultos querem andar para a frente. Progredir. Evoluir. Os poetas sabem que a alma não deseja ir para frente. A alma é movida pela saudade. A saudade não deseja ir para a frente. Ela deseja voltar. Andar para frente pode ser um equívoco. Aforismo de Eliot: “Numa terra de fugitivos aquele que anda na direção contrária parece estar fugindo”. Por vezes andar para frente é ficar cada vez mais longe. Os adultos andam para frente. Os poetas parecem andar para trás. Os adultos dizem que eles estão fugindo. Mas não. Como os salmões, que deixam o mar e voltam às nascentes de águas cristalinas onde nasceram, os poetas desejam voltar às suas origens. É lá que mora a verdade que os adultos esqueceram. Fogem da loucura da vida adulta. Buscam reencontrar a simplicidade da infância. Acho que é isso que Eliot queria dizer quando ele escreveu: “E, ao final de nossa longa exploração, chegaremos finalmente ao lugar de onde partimos e o conheceremos então pela primeira vez”. “Meu Deus, me dá cinco anos, me dá a mão, me cura de ser grande...” A Adélia Prado está doente. Doente de ser grande. Ser grande é estar doente. E doença precisa ser tratada. Se não for tratada vira loucura. Para se curar adultite é preciso tomar chá de infância, virar criança de novo... Para isso bom é ler a poesia do Manoel de Barros. Manoel de Barros é uma criança. Quem lê o que ele escreve vira criança. Ele brinca com as palavras. “O que eu queria era fazer brinquedos com as palavras. Fazer coisas desúteis. Eu queria avançar para o começo. Chegar ao acriançamento das palavras.” Em busca do lugar de onde se partiu... A poesia do Manoel de Barros anda para trás, para longe da loucura do mundo adulto. Para isso ele não mede palavras: “Preciso de atrapalhar as significâncias. O despropósito é mais saudável que o solene. Para limpar as palavras de alguma solenidade — uso bosta. Nasci para administrar o à-toa, o em vão, o inútil. Prefiro as máquinas que servem para não funcionar: quando cheias de areia, de formiga e musgo — elas podem um dia milagrar de flores. Também as latrinas desprezadas que servem para ter grilos dentro — elas podem um duia milagrar violetas. Senhor, eu tenho orgulho do imprestável”. Um homem como esse é um perigo em qualquer reunião de adultos sérios e responsáveis. Bernardo Soares, uma das entidades-Fernando Pessoa, é explícito: os adultos são burros, as crianças são inteligentes. “Sim, julgo às vezes, considerando a diferença hedionda entre a inteligência das crianças e a estupidez dos adultos, que somos acompanhados na infância por um espírito da guarda, que nos empresta a própria inteligência astral, e que depois, talvez com pena, mas por uma lei alta, nos abandona, como as mães animais às crias crescidas, ao cevado que o nosso destino”. Discordo só num ponto: a inteligência astral não nos abandona em decorrência de uma lei mais alta. Ela nos abandona por ser incompatível com a adultice. A inteligência adulta é grave. Faz afundar. A inteligência infantil é leve. Faz levitar. O Natal é um poema. Nele Deus se revela como criança. O Deus adulto é terrível: grave, sério, não ri, não dorme, seus olhos estão sempre abertos e nem mesmo têm pálpebras, jamais esquece, e registra tudo nos seus livros de contabilidade que serão abertos no Dia do Juízo para o acerto final de contas. O Deus adulto dá medo. Nele não há amor. Isso nada tem a ver com uma criança: criança é esquecimento, riso, brinquedo, um eterno começo... Não é por acaso que o Menino Jesus tenha fugido do Deus adulto. Prefiro o Deus criança. No colo de um Deus criança eu posso dormir tranquilo. TAGS | rubem alves, correio popular, colunista, opinião Como Anunciar | Como Assinar | Fale Conosco | Termo de Uso | Expediente