Artigos INDICADORES DE TENDÊNCIA DA INFLAÇÃO* Carlos Coimbra** Pedro Duarte Neves** 1. INTRODUÇÃO O Índice de Preços no Consumidor (IPC), produzido mensalmente pelo Instituto Nacional de Estatística, é o indicador mais utilizado para analisar a evolução do nível de preços. Existe, contudo, um conjunto de razões para que, ocasionalmente, a evolução do IPC possa não traduzir da melhor forma possível a tendência geral dos preços. Com efeito, alguns produtos alimentares têm apresentado, num passado recente, uma grande volatilidade, com efeito significativo no IPC. Adicionalmente verifica-se que para alguns bens e serviços do IPC as alterações de preços são pouco frequentes, embora em magnitude considerável quando isso acontece. Nestas circunstâncias, a evolução do IPC tenderá a reflectir o comportamento irregular de alguns bens e serviços, não constituindo, necessariamente, a melhor forma de identificar a tendência da inflação. O objectivo deste estudo é discutir as propriedades de um conjunto de indicadores de tendência de inflação, desenvolvidos com a preocupação de limitar os efeitos de alterações de preços da natureza das referidas anteriormente. O desenvolvimento de indicadores de tendência de inflação é justificado por duas razões principais. Em primeiro lugar, a leitura de indicadores menos sujeitos a perturbações erráticas no comportamento de alguns preços permite um melhor acompanhamento da tendência da inflação, não confundindo perturbações pontuais e temporárias com a tendência ge* As opiniões expressas no artigo são da inteira responsabilidade dos autores e não coincidem necessariamente com a posição do Banco de Portugal. ** Departamento de Estatística e Estudos Económicos. Banco de Portugal / Boletim económico / Março 1997 ral de evolução dos preços. Em segundo lugar, o conjunto de técnicas econométricas disponíveis para a previsão da inflação não permite, naturalmente, prever perturbações pontuais na evolução do IPC. Desta forma, com o objectivo de antecipar a trajectória futura dos preços, será mais recomendável tomar como variável a prever um indicador de tendência de inflação. Este estudo contém cinco secções adicionais. Na secção 2, procede-se a uma análise das características da distribuição mensal das taxas de variação homóloga dos diversos bens e serviços incluídos no IPC. Com base na caracterização desta distribuição, são propostos na secção 3 um conjunto de indicadores de tendência de inflação. A análise do comportamento destes indicadores, no período em análise, necessita de uma medida de referência para a inflação. Esta medida é proposta na secção 4. Na secção 5, avalia-se o comportamento dos indicadores de tendência de inflação, de acordo com um conjunto relativamente amplo de critérios. Finalmente, na secção 6, são apresentadas as principais conclusões. 2. DISTRIBUIÇÃO SECCIONAL DO IPC O IPC é muito afectado pelo comportamento errático de alguns preços. Com efeito, os preços de alguns produtos alimentares apresentam uma grande volatilidade, perturbando, por vezes de forma significativa, a evolução do IPC. Existe também um conjunto de itens do IPC para os quais se verificam actualizações pouco frequentes de preços, mas com um impacto não negligenciável no IPC. 23 Artigos A análise da distribuição seccional do IPC, entendida como uma análise estatística da distribuição mensal da taxa de variação homóloga dos diversos bens e serviços incluidos neste índice, permite ilustrar estes dois aspectos. Em particular, serão estudadas a dispersão, assimetria e abas da distribuição. Para o efeito considera-se o período Janeiro de 1992-Dezembro de 1996, utilizando informação referente às 99 categorias elementares do IPC, o nível mais desagregado publicado pelo Instituto Nacional de Estatística. A escolha de um período de análise relativamente curto é justificada pela alteração de base do IPC em Janeiro de 1991. A utilização da taxa de variação homóloga do IPC como objecto de estudo em detrimento, por exemplo, da taxa de variação em cadeia, é justificada pelo facto de constituir uma forma relativamente simples de corrigir as flutuações de natureza sazonal. a) Dispersão A evidência empírica a nível internacional aponta para uma relação positiva entre taxa de in(1) flação e dispersão dos preços relativos . Num processo de desinflação, como o verificado em Portugal nos últimos anos, torna-se relevante identificar se, para além da redução da inflação, se verifica também uma menor dispersão dos preços re(2) lativos. O desvio-padrão pode ser utilizado para a análise da dispersão das variações homólogas do IPC. A evolução desta estatística é apresentada no gráfico 1, sendo confrontada com a evolução da taxa de variação homóloga do IPC. A partir de 1993, verifica-se uma tendência para a redução da dispersão das variações dos preços, apesar de se notarem perturbações significativas no primeiro trimestre de 1995 e no primeiro semestre de 1996. O gráfico 1 ilustra, de uma forma clara, que estes aumentos na dispersão seccional do IPC transmitiram alguma irregularidade à evolução da taxa de variação homóloga do IPC. Uma análise mais desagregada, a partir da divisão entre transaccionáveis e não transaccioná(3) veis , facilita a interpretação deste comportamen(1) Veja-se, por exemplo, Grier e Perry (1996). (2) No cálculo do desvio-padrão cada item do IPC é ponderado pelo respectivo peso. 24 to. Com efeito, o desvio-padrão da distribuição seccional dos não transaccionáveis apresenta uma tendência clara de redução, a partir do início de 1993. Já no que se refere aos transaccionáveis, a redução não só não é tão acentuada, como se tornam mais evidentes as perturbações na dispersão relativa das variações homólogas de preços. Uma análise mais fina permite associar aquelas perturbações com a evolução do preço de alguns produtos alimentares. b) Assimetria Uma foma adicional de caracterizar uma distribuição consiste na análise da assimetria. O gráfico (4) 2 apresenta uma medida de assimetria da distribuição das taxas de variação homóloga dos diversos itens do IPC. Registe-se que os altos valores do coeficiente de assimetria verificados no primeiro trimestre de 1995 e nos primeiros quatro meses de 1996 estão associados a perturbações já referidas na evolução do IPC. A análise do grau de assimetria da distribuição seccional do IPC oferece indicações importantes. A assimetria será tanto maior quanto mais afastadas estiverem as principais medidas de localização (5) central (média, mediana e moda) . As distribuições de preços são geralmente assimétricas positivas, no sentido em que é mais provável que se verifiquem grandes crescimentos de preços do que grandes reduções de preços. O sinal da medida de assimetria determina o sinal de assimetria da distribuição. No período considerado, verificou-se uma predominância de assimetria positiva na distribuição do IPC. Esta característica é particularmente nítida na distribuição seccional dos não transaccionáveis. O grau de assimetria é consideravelmente maior para os transaccionáveis do que para os não transaccionáveis. A assimetria negativa do IPC, verificada até meados de 1993 e nos (3) Para a definição dos bens e serviços incluídos nas categorias transaccionáveis e não transaccionáveis ver Nascimento (1990). (4) A medida de assimetria considerada corresponde ao quociente m3/m23/2, sendo m3 o terceiro momento em relação à média e m2 o segundo momento em relação à média. (5) Numa distribuição assimétrica positiva verifica-se que média>mediana>moda; no caso contrário, tem-se uma distribuição assimétrica negativa. Banco de Portugal / Boletim económico / Março 1997 Artigos Gráfico 1 Gráfico 2 DISPERSÃO DO IPC ASSIMETRIA DO IPC Taxas de variação homóloga Índice de Preços no Consumidor Taxas de variação homóloga Índice de Preços no Consumidor 16 12 12 10 8 14 (esc. dir.) 10 (esc. dir.) 10 6 12 8 8 4 10 (esc. esq.) 6 2 4 0 6 8 4 6 -2 2 4 (esc. esq.) 2 -4 0 2 Jan 92 Jan 93 Jan 94 Jan 95 -6 Jan 96 0 Jan 92 Desvio padrão Jan 93 IPC (t.v.h.) Jan 94 Jan 95 g1=m3/m2^(3/2) Jan 96 IPC (t.v.h.) Transaccionáveis Transaccionáveis 16 12 10 12 8 14 10 10 (esc. dir.) 12 (esc. dir.) 6 (esc. esq.) 8 8 4 10 6 8 2 6 0 4 4 6 -2 2 4 2 0 Jan 92 Jan 93 Jan 94 Desvio padrão Jan 95 -6 0 Jan 92 Jan 96 2 (esc. esq.) -4 Jan 93 Transaccionáveis (t.v.h.) g1=m3/m2^(3/2) 12 (esc. dir.) 14 Jan 95 Jan 96 Transaccionáveis (t.v.h.) Não transaccionáveis Não transaccionáveis 16 Jan 94 10 10 12 8 (esc. dir.) 10 6 12 8 8 4 10 6 8 6 2 (esc. esq.) 4 0 6 -2 2 4 2 -4 2 Jan 92 4 (esc. esq.) 0 Jan 93 Jan 94 Desvio padrão Jan 95 Jan 96 Não transaccionáveis (t.v.h.) primeiros meses de 1996, reflecte a assimetria negativa dos transaccionáveis. O sinal da medida de simetria é importante na caracterização da distribuição seccional do IPC. Banco de Portugal / Boletim económico / Março 1997 0 -6 Jan 92 Jan 93 Jan 94 g1=m3/m2^(3/2) Jan 95 Jan 96 Não transaccionáveis (t.v.h.) Com efeito, uma assimetria positiva (negativa) significativa corresponde a uma situação em que a variação homóloga do IPC é superior (inferior) à tendência de crescimento da generalidade dos pre- 25 Artigos ços, sendo esta entendida, em termos gerais, como o ritmo de variação de preços para o qual se verifica uma maior frequência. O gráfico 2 indica assim que, no primeiro trimestre de 1995, a taxa de variação homóloga do IPC se encontrava acima da tendência de crescimento da generalidade dos preços enquanto, nos primeiros meses de 1996, se verificou exactamente o contrário. Gráfico 3 ACHATAMENTO Taxas de variação homóloga Índice de Preços no Consumidor 70 12 60 10 (esc. dir.) 50 8 c) Caracterização das abas 40 6 A média é uma medida de localização central sensível a observações extremas. O conceito de peso das abas constitui uma forma de caracterizar uma distribuição, indicando se é mais ou menos provável a ocorrência de valores extremos. Uma distribuição terá abas pesadas (distribuição leptocúrtica) se se verificar uma maior concentração de observações na aba da distribuição do que na da distribuição normal. Nesse caso, a probabilidade de se verificar uma observação extrema é maior do (6) que no caso da distribuição normal . Uma distribuição com abas pesadas levanta problemas para inferência e estimação, já que observações extremas podem ocorrer com relativa frequência, levantando alguns problemas à utilização da média como medida de localização central. O gráfico 3 apresenta uma medida de caracteri(7) zação das abas da distribuição do IPC , correspondendo um valor positivo a uma distribuição com abas pesadas. A distribuição seccional do IPC é caracterizada por ter abas pesadas, confirmando resultados encontrados para outros países (Bryan e Cecchetti, 1994). A distribuição dos transaccionáveis apresentou, no período amostral, abas mais pesadas do que a dos não transaccionáveis. Podem ilustrar-se graficamente (gráfico 4) as principais características da distribuição seccional do IPC através da apresentação de uma sequência de figuras box-and-whiskers-plot, com exclusão de (8) observações extremas , apresentada no gráfico 4. A exclusão das observações extremas é justificada pelo facto de a magnitude de algumas variações (6) A distribuição T de Student com 5 graus de liberdade constitui um exemplo de uma distribuição com abas pesadas; a distribuição uniforme contínua constitui um exemplo de uma distribuição com abas leves. (7) A medida de achatamento é dada por m4/m22-3, sendo m4 o quarto momento em relação à média. 26 30 4 20 (esc. esq.) 2 10 0 0 Jan 92 Jan 93 Jan 94 achat=m4/m2^(2)-3 Jan 95 Jan 96 IPC (t.v.h) Transaccionáveis 12 (esc. esq.) 40 10 30 (esc. dir.) 8 20 6 10 4 0 2 0 -10 Jan 92 Jan 93 Jan 94 achat=m4/m2^(2)-3 Jan 95 Jan 96 Transaccionáveis (t.v.h.) Não transaccionáveis 12 25 20 10 (esc. dir.) 15 8 10 6 4 5 (esc. esq.) 2 0 0 -5 Jan 92 Jan 93 Jan 94 achat=m4/m2^(2)-3 Jan 95 Jan 96 Não transaccionáveis (t.v.h.) (8) Uma variação homóloga de preços pode ser considerada discrepante, extrema ou outlier se não se situar no intervalo [FL-1.5 dF;FU+1.5 dF], sendo FL e FU os quartis inferior e superior, respectivamente, e dF o intervalo inter-quartis. Este critério corresponde à definição de outlier moderado. Veja-se Murteira (1993). Banco de Portugal / Boletim económico / Março 1997 Artigos Gráfico 4 BOX-AND WHISKERS PLOT COM EXCLUSÃO DE OBSERVAÇÕES EXTREMAS 30 25 20 15 10 5 0 -5 -10 -15 Jan 92 Jan 93 Jan 94 Jan 95 a) IPC excluindo observações discrepantes Para cada mês são identificadas variações homólogas de preços consideradas como discrepantes. Uma variação homóloga de preços é considerada extrema ou discrepante se não se situar no intervalo [F -1.5 d ;F +1.5 d ], sendo F e F os L F U F L U quartis inferior e superior, respectivamente, e d o F (9) intervalo inter-quartis . Os bens ou serviços para os quais foi registada uma variação homóloga de preço considerada discrepante são eliminados do IPC do mês em causa, sendo então calculada uma taxa de variação homóloga dos restantes bens e serviços. Jan 96 b) Média aparada discrepantes de preços ser considerável, o que tornaria difícil a leitura do box-and-whiskers-plot. A interpretação do gráfico 4 é a seguinte: o ponto central corresponde à mediana; o ponto inferior (superior) do segmento de recta para cima (baixo) da mediana corresponde ao terceiro (primeiro) quartil, enquanto o ponto superior (inferior) corresponde ao valor adjacente superior (inferior), definido como o valor máximo (mínimo) da distribuição desde que não corresponda a uma observação discrepante. A redução do intervalo inter-quartis, definido como a distância entre o primeiro e o terceiro quartis, ilustra a redução da dispersão; o facto de a mediana não estar equidistante dos primeiro e terceiro quartis ilustra o ponto da assimetria; finalmente, a amplitude dos segmentos de recta que ligam o terceiro (primeiro) quartil ao valor adjacente superior (inferior) indicam a existência de abas pesadas. 3. INDICADORES DE TENDÊNCIA DE INFLAÇÃO A caracterização da distribuição seccional das variações homólogas dos preços mostra que o IPC pode ser afectado pela evolução irregular dos preços de alguns bens e serviços, podendo não reflectir apropriadamente a tendência geral de evolução dos preços. Nesta secção são apresentados indicadores que foram desenvolvidos com o objectivo de identificar tendências gerais na evolução dos preços. Banco de Portugal / Boletim económico / Março 1997 (10) As médias aparadas são obtidas a partir da eliminação de uma dada percentagem das maiores e das menores variações de preços. Assim, por exemplo, a média aparada a 10 por cento corresponde ao cálculo da média de 80 por cento das observações centrais do IPC, eliminando as menores e maiores subidas de preços. Excluindo, para cada mês, os itens correspondentes às observações extremas, definidas de acordo com este critério, o IPC pode ser recalculado. A utilização de médias aparadas para analisar a evolução da inflação é proposta em Bryan e Cecchetti (1994) e Cecchetti (11) (1996) . No caso de distribuições com abas pesadas, a média aparada é um estimador mais eficiente para a média do universo do que a média amostral usual. c) Mediana ponderada A mediana ponderada consiste a um caso particular da família das médias aparadas, correspondendo à média aparada a 50 por cento. Para se obter esta medida, ordenam-se, para cada mês, os bens e serviços do IPC de acordo com as respectivas taxas de variação homóloga, calculando-se a respectiva mediana. Esta mediana é referida como (9) Este critério corresponde à definição de outlier moderado. Veja—se Murteira (1993). (10) Veja-se, por exemplo, Murteira (1993). (11) Este indicador é publicado regularmente por alguns Bancos Centrais, como o Banco de Inglaterra. 27 Artigos ponderada, já que cada bem ou serviço é ponderado pelo respectivo peso no IPC. A utilização da mediana ponderada é proposta em Bryan e Cec(12) chetti (1994) e Cecchetti (1996) . d) Inflação subjacente Nascimento (1990) apresenta uma aplicação do conceito de inflação subjacente para Portugal. À semelhança do que é procedimento comum para a generalidade dos países da OCDE, esta medida de inflação subjacente é obtida a partir do IPC excluindo os produtos alimentares não transformados e os produtos energéticos. A justificação para este procedimento decorre da grande volatilidade dos preços deste tipo de bens devido a choques exógenos. A generalidade dos Bancos Centrais europeus calcula indicadores de inflação subjacente, com uma definição muito semelhante à referida. e) IPC excluindo os bens transaccionáveis alimentares Esta medida é obtida a partir do IPC excluindo os bens transaccionáveis alimentares. Como já foi referido, grande parte da irregularidade do IPC resulta do comportamento dos preços de alguns produtos alimentares, o que justifica o cálculo deste indicador. f) Primeira componente principal O método das componentes principais é uma técnica de análise estatística que permite obter, a partir das taxas de variação homóloga dos itens elementares do IPC, um conjunto de combinações lineares destas taxas que são designadas por com(13) ponentes principais . A aplicação da técnica de componentes principais pode ser interpretada como uma forma de captar a tendência geral dos preços, em particular a partir da estimação da primeira componente principal. A ideia subjacente à utilização desta técnica é a de considerar que a variação de preço de cada item do IPC reflectirá não só factores específicos mas também o comporta(12) Ver nota 11. (13) Para descrição deste método veja-se, por exemplo Chatfield e Collins (1986). 28 mento geral dos preços. No caso do IPC, a primeira componente principal explica cerca de 57 por cento da variação total das taxas de variação homóloga dos itens do IPC. Uma análise dos pesos estimados para cada item do IPC indica que, em termos gerais, a primeira componente principal atribui pesos maiores a bens e serviços com menor volatilidade no período amostral, a componentes não alimentares do IPC e a itens do IPC não sujei(14) tos a controlo administrativo . A apresentação gráfica dos indicadores a) a f) é feita no gráfico 5, sendo comparada com a evolu(15) ção da taxa de variação homóloga do IPC . A generalidade dos indicadores de tendência apresenta uma evolução menos irregular do que a do IPC. Este aspecto é particularmente nítido para a média aparada e para a primeira componente principal. Registe-se, em particular, que a subida da taxa de variação homóloga do IPC no início de 1995 reflecte o comportamento errático de algumas componentes, o que não se nota no comportamento daqueles dois indicadores de tendência. Da mesma forma, a forte redução da taxa de variação homóloga do IPC, no primeiro trimestre de 1996, reflectiu comportamentos anómalos de alguns bens e serviços, não constituindo, no entanto, uma tendência tão pronunciada de redução do crescimento dos preços. 4. MEDIDA DE REFERÊNCIA PARA A INFLAÇÃO Na secção anterior foram descritos alguns indicadores de tendência de inflação. As características da distribuição seccional do IPC, discutidas na secção 2, constituem a principal justificação para a forma de cálculo daqueles indicadores. Uma análise das propriedades destes indicadores poderá ser feita de duas formas. Uma delas consiste na comparação da evolução do IPC, em períodos de parti- (14) A utilização da primeira componente principal levanta a questão prática da mudança de escala a efectuar à primeira componente principal, de forma a apresentá-la na mesma unidade de medida do IPC. Esta questão será abordada na secção 5. (15) No gráfico 5 apresenta-se a média aparada a 10 por cento. Os autores deste estudo procederam a uma análise para uma grande variedade de médias aparadas (a 5, 10, 20, 25 e 30 por cento), o que não alterou, no entanto, as principais conclusões apresentadas na secção 6. Banco de Portugal / Boletim económico / Março 1997 Artigos Gráfico 5 INDICADORES DE TENDÊNCIA Taxas de variação homóloga Índice de Preços no Consumidor 14 14 12 12 IPC excluindo observações discrepantes 8 Média aparada 10 Em percentagem Em percentagem 10 IPC 6 8 IPC 6 4 4 2 2 0 0 Jan 92 Jan 93 Jan 94 Jan 95 Jan 92 Jan96 Jan 94 Jan 95 Jan96 14 14 12 12 Mediana ponderada Inflação subjacente 10 Em percentagem 10 Em percentagem Jan 93 IPC 8 6 8 6 4 4 2 2 0 IPC 0 Jan 92 Jan 93 Jan 94 Jan 95 Jan 92 Jan96 14 Jan 93 Jan 94 Jan 95 Jan96 14 12 12 IPC excluindo transaccionáveis alimentares 10 Em percentagem Em percentagem 10 8 IPC 6 CP1 ajustada 8 6 4 4 2 2 0 0 Jan 92 IPC Jan 93 Jan 94 Jan 95 Jan96 cular irregularidade deste, com a evolução nesse período dos indicadores de tendência. Este ponto foi ilustrado no final da secção anterior. Uma forma alternativa consiste na análise do comportamento dos indicadores de tendência face a uma medida de referência para a inflação. Banco de Portugal / Boletim económico / Março 1997 Jan 92 Jan 93 Jan 94 Jan 95 Jan96 No período em análise, a evolução do IPC foi caracterizada por alguma irregularidade, para o qual contribuíram factores de natureza diversa. Assim, em 1992, verificou-se uma alteração considerável na estrutura de tributação indirecta em Portugal. No que respeita ao IVA, foi eliminada a taxa zero, passando os bens e serviços que dela be- 29 Artigos Gráfico 6 MEDIDAS DE REFERÊNCIA PARA A INFLAÇÃO Índice de Preços no Consumidor 10 9 8 med19 Em percentagem 7 6 5 escala temporária resultante da alteração fiscal de 1992. Um processo alternativo consiste na utilização de medidas de localização central menos afectadas por valores extremos. Neste estudo opta-se pelo cálculo da mediana de variações homólogas do IPC, para um horizonte temporal de 19 me(16) ses . Assim a mediana de 19 termos, apresentada no gráfico 6, referente a Janeiro de 1996, por exemplo, consiste na mediana amostral das taxas de variação homóloga do IPC no período Abril de 1995-Outubro de 1996. 4 3 2 IPC 1 5. COMPORTAMENTO DOS INDICADORES DE TENDÊNCIA DE INFLAÇÃO NO PERÍODO 1992-1996 0 Jan 92 Jan 93 Jan 94 Jan 95 Jan96 neficiavam a ser tributados a uma taxa reduzida de 5 por cento. A anterior taxa de 8 por cento foi abolida, passando alguns dos bens e serviços por ela abrangidos para a nova taxa de 5 por cento. Os restantes passaram para a taxa normal, que se alterou de 17 para 16 por cento. Verificou-se, também em 1992, um aumento significativo na tributação sobre o tabaco. Esta alteração na tributação indirecta teve efeitos visíveis na evolução da taxa de variação homóloga do IPC. Em Janeiro de 1995, a taxa normal do IVA subiu de 16 para 17 por cento. Conforme também já foi referido, o preço de alguns produtos alimentares apresentou um comportamento muito irregular no início de 1995 e no primeiro semestre de 1996. Esta conjugação de acontecimentos contribuiu para a já referida irregularidade na evolução do IPC no período em análise. No período considerado, podem identificar-se dois tipos de perturbações sobre a evolução do IPC. Como reflexo da alteração da fiscalidade indirecta em 1992, o nível do IPC alterou-se de uma forma mais ou menos permanente. Pelo contrário, as irregularidades na evolução do IPC resultantes de perturbações específicas em alguns preços foram, na generalidade dos casos, rectificadas posteriormente. Um processo de alisamento do IPC baseado no cálculo de médias móveis, tendo a propriedade de eliminar o efeito do segundo tipo de factores, teria o inconveniente de alisar no tempo a mudança de 30 Nesta secção analisa-se o comportamento das medidas de tendência descritas na secção 3, no período Janeiro de 1992-Dezembro de 1996. As alterações importantes que a estrutura do IPC tem sofrido, com mudanças de base em 1976, 1983 e 1991 constituem a principal razão para se utilizar um período temporal relativamente curto. Privilegia—se, desta forma, a possibilidade de se trabalhar com uma classificação consistente das classes do IPC, em detrimento de um período temporal mais dilatado, para o qual se pudesse identificar mais adequadamente as propriedades empíricas dos indicadores de tendência de inflação. O comportamento das medidas de tendência é analisado em relação à medida de referência de inflação apresentada na secção anterior. Os critérios são os seguintes: existência e magnitude de enviesamento, indicações de tendência dos preços e avanço ou desfasamento de indicações sobre esta tendência. a) Enviesamento A generalidade dos indicadores de tendência apresenta indicações de enviesamento, em relação à medida de referência para a inflação, como se pode ver no quadro 1. Assim, a inflação subjacente e o IPC sem transaccionáveis alimentares apresentam, no período amostral, um crescimento de preços superior em cerca de 1.3 e 0.8 pontos percen(16) As principais conclusões deste estudo não são alteradas com a utilização de diferentes medidas de referência para a inflação. Banco de Portugal / Boletim económico / Março 1997 Artigos tuais, respectivamente, ao da medida de referência para a inflação. Este resultado reflecte o facto de tanto os produtos alimentares como os produtos energéticos terem registado crescimentos de preços inferiores ao do da generalidade dos restantes bens e serviços. Pelo contrário, a mediana, a média aparada e o IPC com exclusão de observações extremas apresentaram um menor crescimento de preços do que a medida de referência para a inflação, reflectindo a já referida predominância de assimetria positiva na distribuição do IPC. b) Indicações de tendência Para analisar a aproximação dos indicadores de tendência à medida de referência da inflação po(17) dem ser utilizadas diferentes medidas . Neste estudo são apresentados os resultados referentes ao Erro Quadrático Médio, definido como EQM = 2 S (Y -Tend ) /n , sendo Y o valor de uma dada met t t dida de tendência no período t e Tend o valor da t medida de referência no período t. O enviesamento não deverá constituir razão suficiente para exclusão de um indicador. Com efeito, um indicador que, por exemplo, sobrestimasse regularmente a inflação em 1 ponto percentual daria indicações acertadas sobre pontos de viragem da trajectória de inflação. Como se sabe, o EQM pode ser apresentado como uma soma da variância do erro médio e do quadrado do respectivo desvio médio do indicador de tendência em rela(18) ção à medida de referência da inflação . Uma forma de tentar evitar que a utilização do EQM, como critério de escolha entre as medidas de referência de inflação, prejudicasse um indicador com as propriedades acima referidas, consiste em transformar as variáveis de forma a atribuir—lhes a mesma média da medida de referência da inflação. Um procedimento deste tipo seria necessário, de qualquer forma, para proceder a uma mudança de escala da primeira componente principal que, por construção, tem média nula. O procedimento escolhido neste estudo consiste na realização de regressões pelo método dos Mínimos Quadrados Ordinários, usando como variável dependente a medida de referência para a tendência de inflação apresentada na secção 4 e como variável independente cada um dos indicadores de tendência de inflação. Os valores estimados desta equação correspondem a uma mudança de escala dos indicadores de tendência de inflação. Este procedimento ad-hoc assegura que, por construção, a média dos indicadores de tendência de inflação e da medida de referência da inflação sejam iguais no período de estimação. Nestas circunstâncias, a média aparada e a primeira componente principal apresentam o menor EQM, como se pode ver no quadro 1. A mediana ponderada (17) Foram também consideradas, para além do EQM, o desvio-padrão da distribuição dos desvios em relação à tendência, o desvio absoluto médio do indicador de tendência em relação à medida de referência de inflação e o desvio absoluto médio entre os desvios em relação à tendência. As conclusões não são alteradas com a utilização destes diferentes critérios (18) Ou seja, o EQM=DP2+ENV2 , sendo DP o desvio-padrão da distribuição dos desvios em relação à tendência e ENV o enviesamento médio no período amostral. Quadro 1 Desvio médio IPC . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . IPC excluindo observações discrepantes . . . . . . . . . . . . . . . . . Média aparada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Mediana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Subjacente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . IPC exc. transacionáveis alimentares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Primeira componente principal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 0.089 0.380 0.327 0.186 -1.317 -0.809 EQM r 0.152 0.206 0.069 0.108 0.158 0.139 0.097 0.573 0.479 0.616 0.467 0.398 0.415 0.582 Notas: Desvio médio: desvio médio entre a taxa de variação homóloga do IPC e a taxa de variação homóloga de cada um dos indicadores de tendência. EQM: Erro quadrático médio. r: coeficiente de correlação linear simples entre variações mensais da taxa de variação homóloga do IPC e de cada uma das medidas de tendência. Banco de Portugal / Boletim económico / Março 1997 31 Artigos Gráfico 7 ERRO QUADRÁTICO MÉDIO Sem observações discrepantes 1,0 Índice de Preços no Consumidor 1,0 0,9 0,9 0,8 0,8 0,7 0,7 0,6 0,6 0,5 0,5 0,4 0,4 0,3 0,3 0,2 0,2 0,1 0,1 0,0 0,0 -3 -2 -1 0 1 2 -3 3 -2 -1 Avanço/Atraso Média aparada (10 por cento) 1,0 0 Avanço/Atraso 1 2 3 1 2 3 Mediana 1,0 0,9 0,9 0,8 0,8 0,7 0,7 0,6 0,6 0,5 0,5 0,4 0,4 0,3 0,3 0,2 0,2 0,1 0,1 0,0 0,0 -3 -2 -1 0 Avanço/Atraso 1 2 -3 3 -1 0 Avanço/Atraso Subjacente 1,0 -2 Sem transaccionáveis alimentares 1,0 0,9 0,9 0,8 0,8 0,7 0,7 0,6 0,6 0,5 0,5 0,4 0,4 0,3 0,3 0,2 0,2 0,1 0,1 0,0 0,0 -3 -2 -1 0 1 2 -3 3 -2 -1 0 1 2 3 Avanço/Atraso Avanço/Atraso Primeira componente principal 1,0 0,9 0,8 0,7 0,6 0,5 0,4 0,3 0,2 0,1 0,0 -3 -2 -1 0 1 2 3 Avanço/Atraso Nota: (-) significa um avanço de medida de tendência em relação à inflação. 32 Banco de Portugal / Boletim económico / Março 1997 Artigos Gráfico 8 CORRELAÇÃO DE INDICAÇÕES DE ACELERAÇÃO/ABRANDAMENTO DOS PREÇOS (LEADS E LAGS) 1,0 1,0 Índice de Preços no Consumidor 0,9 0,9 0,8 0,8 0,7 0,7 0,6 0,6 0,5 0,5 0,4 0,4 0,3 0,3 0,2 0,2 0,1 0,1 Sem observações discrepantes 0,0 0,0 -3 -2 -1 0 Avanço/Atraso 1 2 -3 3 Média aparada (10 por cento) 1,0 -2 -1 0,9 0,8 0,8 0,7 0,7 0,6 0,6 0,5 0,5 0,4 0,4 0,3 0,3 0,2 0,2 0,1 0,1 0,0 1 2 3 1 2 3 Mediana 1,0 0,9 0 Avanço/Atraso 0,0 -3 -2 -1 0 1 2 3 -3 -2 Avanço/Atraso 0 Avanço/Atraso Subjacente 1,0 -1 Sem transaccionáveis alimentares 1,0 0,9 0,9 0,8 0,8 0,7 0,7 0,6 0,6 0,5 0,5 0,4 0,4 0,3 0,3 0,2 0,2 0,1 0,1 0,0 0,0 -3 -2 -1 0 1 2 -3 3 -2 -1 Avanço/Atraso 0 Avanço/Atraso 1 2 3 Primeira componente principal 1,0 0,9 0,8 0,7 0,6 0,5 0,4 0,3 0,2 0,1 0,0 -3 -2 -1 0 1 2 3 Avanço/Atraso Nota: (-) significa um avanço da medida de tendência em relação à inflação. Banco de Portugal / Boletim económico / Março 1997 33 Artigos encontra-se no lugar seguinte. A inflação subjacente, o IPC sem transaccionáveis alimentares e o IPC com exclusão de observações discrepantes, não parecem apresentar grandes vantagens em relação ao IPC. Uma outra forma de analisar a aproximação das medidas de tendência à medida de referência de inflação consiste no cálculo de coeficientes de correlação linear simples entre as variações da taxa de variação homóloga, entre dois meses consecutivos, das medidas de tendência e da medida de referência de inflação. Avalia-se, desta forma, a correlação entre as indicações de abrandamento e aceleração dos preços apresentadas pelos indicadores de tendência e pela medida de referência da inflação. A média aparada e a primeira componente principal apresentam correlações superiores às do próprio IPC, como se pode ver no quadro 1. A mediana e o IPC excluindo observações extremas apresentam correlações inferiores às do IPC, mas superiores às da inflação subjacente e do IPC sem (19) transaccionáveis alimentares apresentam . c) Avanço ou atraso dos indicadores Uma característica desejável de um indicador de tendência consiste na possibilidade de apresentar indicações avançadas da evolução futura da inflação. Os critérios referidos na alínea anterior constituem uma boa forma de avaliar as propriedades de avanço ou de atraso dos indicadores de tendência em análise. O gráfico 7 apresenta a evolução do critério EQM para diferentes períodos de avanço e de atraso. De acordo com este critério, os indicadores considerados dão indicações contemporâneas sobre a evolução da inflação. O IPC com exclusão de observações discrepantes apresenta uma ténue indicação de avanço de um período. Este tipo de análise pode ser feito também com o coeficiente de correlação linear simples entre as variações da taxa de variação homóloga, entre dois meses consecutivos, das medidas de tendência e da medida de referência de inflação. A generalidade dos indicadores apresentados apresenta uma associação mais forte para indicações contemporâ- neas, como se pode ver no gráfico 8. A inflação subjacente e, embora em menor grau, o IPC sem transaccionáveis alimentares comportam-se como indicadores atrasados da tendência de inflação. 6. CONCLUSÕES As principais conclusões deste estudo são as seguintes: i) a distribuição seccional das taxas de variação homóloga do IPC é geralmente assimétrica, por vezes positiva por outras negativamente, tem abas pesadas e apresenta uma proporção significativa de variações extremas de preços. Nestas condições, a taxa de variação homóloga do IPC não constitui sempre uma medida adequada da tendência geral de preços; ii) o IPC sem transaccionáveis alimentares e a inflação subjacente não acompanharam tão bem a trajectória de referência de inflação como outros indicadores e retratam, com algum desfasamento, a evolução da inflação; iii) o IPC com exclusão de observações discrepantes e a mediana ponderada apresentam algumas características desejáveis. No entanto, os testes efectuados indicam que são piores indicadores de tendência do que a média aparada e a primeira componente principal. Registe-se, a título de curiosidade, que o IPC com exclusão de observações discrepantes apresenta algumas indicações, embora ténues, de se tratar de um indicador com um avanço de um mês; iv) entre os indicadores considerados, a média aparada e a primeira componente principal constituem os indicadores mais apropriados da tendência geral dos preços, de acordo com os critérios utilizados na secção 5. (19) Pode demonstrar-se que as correlações calculadas são iguais quer se usem os indicadores de tendência ou a sua transformação linear resultante do procedimento ad-hoc utilizado para mudança de escala. 34 Banco de Portugal / Boletim económico / Março 1997 Artigos REFERÊNCIAS Bryan, Michael F. e Stephen G. Cecchetti (1994), “Measuring core inflation”, em Monetary Policy, editado por N. Gregory Mankiw, University of Chicago Press for NBER, pp. 195-215. Cecchetti, Stephen G. (1996), “Measuring short-run inflation for central bankers”, NBER working paper 5786. Chatfield, C. E A.J. Collins (1986), Introduction to multivariate analysis, Chapman and Hall. Grier, Kevin B. E Mark J. Perry (1996), “Inflation, inflation uncertainty, and relative price dispersion: Evidence from bivariate GARCH-M models”, Journal of Monetary Economics, 38, 391-405. Murteira, Bento J. F. (1993), Análise Exploratória de Dados, McGraw-Hill Nascimento, Teresa (1990), “Indicadores de inflação”, Boletim Trimestral do Banco de Portugal, vol. 12, nº 4, Dezembro de 1990. Banco de Portugal / Boletim económico / Março 1997 35