7º Encontro Anual da ANDHEP
Direitos Humanos, Democracia e Diversidade.
23 a 25 de maio de 2012, UFPR, Curitiba (PR)
Grupo de Trabalho - Desenvolvimento, Meio ambiente
e Territorialidades
Agrobiodiversidade e Desenvolvimento sustentável: a agricultura como
mecanismos de efetivação dos direitos humanos dos agricultores
Paulo Brasil Dill Soares (UFRRJ) – Autor
Andreza A. Franco Câmara (UFRRJ) – Coautora
Agrobiodiversidade e Desenvolvimento sustentável: a agricultura como mecanismos
de efetivação dos direitos humanos dos agricultores
Paulo Brasil Dill Soares*
Andreza A. Franco Câmara**
O desenvolvimento econômico nas atividades dos agricultores com sustentabilidade
será alcançado mediante um crescimento econômico quantitativo e qualitativo que
possibilite a manutenção e aumento por muito tempo através do conjunto de bens e valores
socioeconômicos, ambientais e culturais. A implementação de técnicas alternativas de
produção do tipo agricultura biodinâmica, agricultura biológica, agricultura natural e
agricultura orgânica como um projeto político nacional baseado em experiências de
desenvolvimento humano e nas especificidades territoriais locais para a inclusão social da
população economicamente marginalizada pelos meios de produção da revolução verde.
Objetiva-se examinar práticas e tecnologias de agricultura sustentável difundindo no Brasil
os sistemas agroecológicos para elevar a ocupação terras com atividades de produção.
Palavras-chaves: Desenvolvimento sustentável; Agrobiodiversidade; Técnicas agrícolas
sustentáveis; Direitos humanos dos agricultores.
Introdução
O desenvolvimento econômico nas atividades dos agricultores com sustentabilidade
será alcançado mediante um crescimento econômico quantitativo e qualitativo que
possibilite a manutenção e aumento por muito tempo através do conjunto de bens e valores
socioeconômicos, ambientais e culturais. Pretende-se com a implementação de técnicas
alternativas de produção do tipo agricultura biodinâmica, agricultura biológica, agricultura
natural e agricultura orgânica (DAROLT, 2000, p. 20) que representam um conjunto de
normas bem definidas para a produção e comercialização determinadas e aceitas
internacionalmente seja nos países de origem anglo-saxã, germânica e latina a adoção de
um projeto político nacional baseado em experiências de desenvolvimento humano e nas
especificidades territoriais locais para fazer a inclusão social da população economicamente
marginalizada pelos meios de produção da revolução verde para incorporá-los ao processo
produtivo nacional.
*
SOARES, Paulo Brasil Dill. Professor Assistente no Curso de Direito da UFRRJ/ITR. Doutorando
pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Informação Agropecuária da UFRRJ.
Mestre em Direito pela UNESA. Pesquisador cadastrado no CNPQ.
**
CÂMARA, Andreza A. Franco. Professora Assistente no Curso de Direito da UFRRJ/ITR.
Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da UFF. Mestre em Direito da
Cidade pela UERJ. Pesquisadora cadastrada no CNPQ.
O presente trabalho aborda conceitualmente a dinâmica da inovação decorrente do
conhecimento tecnológico apropriado na agricultura, com base nos instrumentos jurídicos de
proteção da propriedade industrial e dos direitos de autor e outros que se relaciona aos
conhecimentos tradicionais. Assim entendidos como fundamentais para a preservação
ambiental; desenvolvimento sustentável da agricultura e da segurança alimentar; da
medicina tradicional e outras fontes de cuidados da saúde. Tratando a da inovação na
agricultura a partir das fontes de conhecimentos: complexos, fragmentados, superpostos e
complementares. Objetiva-se examinar práticas e tecnologias de agricultura sustentável
difundindo no Brasil os sistemas agroecológicos (Lei n°. 10.831/2003; MAPA Instrução
Normativa n°. 007/1999) para elevar a ocupação terras que 2005 eram de 803.180 h/a com
atividades de produção orgânica (LERNOUD; PIOVANO, 2005, p. 131).
A agricultura sustentável será obtida a partir de uma ação local junto aos agricultores
familiares, mantendo-os a salvo e autônomos em relação ao domínio do capital e do poder
instituído, fortalecendo o poder local pelo aumento da rentabilidade obtida através da
utilização de técnicas de produção consideradas sustentáveis acima referidas. O
conhecimento poderá ser tratado como um ativo mensurável na atividade agrícola que
merece ser protegido por meios jurídicos e por outras estratégias de mercado.
Constata-se a necessidade de proteção à propriedade intelectual como mecanismo
de garantia dos direitos legais estimulando os investimentos no desenvolvimento científico e
tecnológico, à aproximação e interpenetração entre ciência e tecnologia. Tais fatores fazem
parte da “economia do conhecimento” e do ambiente chamado de “mundo pró-patente”
(Tang; et al., 2001), articulado com a capacidade de codificação de conhecimento gerado
em novas áreas e nas tradicionais e mesmo derivadas da fusão de conhecimentos,
justificando o aumento dos registro da propriedade intelectual (Castelo, 2000).
Utilizaremos como metodologia a revisão de literatura e a análise dos dados
divulgados por órgãos de fomento da agricultura referentes aos grupos principais de fontes
de inovação e difusão. Partindo da premissa de que as relações no mundo dos negócios
possuem diversas exigências para que a interação entre parceiros ocorra em condições
mínimas de equilíbrio entre as partes envolvidas sendo a competência tecnológica apenas
uma entre outras.
A gestão não deve ser entendida como uma questão privada devendo mobilizar a
formulação de políticas públicas de propriedade intelectual para ampliar os ganhos sociais
associados ao desenvolvimento científico e tecnológico. Conclui-se que as estratégias de
desenvolvimento sustentável devem ser elaboradas nos eixos local e regional considerando
os paradigmas agroecológicos, considerando a importância da proteção jurídica para
preservar a posição de mercado das instituições de geração de conhecimento técnico e
científico, que passa a deter ativos que as qualificam como agentes de trocas com os
demais atores econômicos.
Neste artigo propõem-se ainda a análise das interfaces entre os direitos dos
agricultores e a agrobiodiversidade1, por meio do Tratado Internacional sobre Recursos
Fitogenéticos para Alimentação e Agricultura, datado de 2004 e ratificado no Brasil em 2008,
em especial o art. 9º da norma internacional que regula os direitos dos agricultores2.
1. Histórico do processo tecnológico na agricultura
O processo de evolução tecnológica na agricultura decorreu de práticas voltadas ao
melhoramento das técnicas agrícolas correntes atenuando os efeitos das restrições
ambientais desta atividade mediante a obtenção de alimentos em quantidade e com
qualidade nos padrões nutricionais e de sustentabilidade por meio do artificialismo do
ambiente natural nas em todas as sociedades.
O processo de inovação na agricultura caracterizou-se por tecnologias, como rotação
de culturas e integração entre atividades de produção vegetal e animal, que respeitavam o
ambiente ao procurarem superar as limitações ecológicas para a atividade agrícola, a partir
da utilização inteligente das próprias leis da natureza, até a chamada Segunda Revolução
Agrícola, ocorrida nos séculos XVIII e XIX, mediante a disseminação do sistema de rotação
que ficou conhecido como “Norfolk”, condado britânico que originou o sistema. Este
processo teve sua lógica modificada, passando-se, de maneira geral, a considerar não ser
1
Santilli (2009) considera que os direitos dos agricultores vai além do acesso à agrobiodiversidade,
estendendo-se para “direitos à terra e à reforma agrária, à segurança alimentar, à participação
política, às políticas públicas de apoio à agricultura sustentável, entre outros”.
2
De acordo com o Preâmbulo do Tratado Internacional sobre Recursos Fitogenéticos para
Alimentação e Agricultura as contribuições passadas, presentes e futuras dos agricultores em todas
as regiões do mundo são destinadas a conservação, melhoramento e na disponibilidade desses
recursos constituem a base dos direitos do agricultor. Cabendo a presente norma
em seu art. 9° a regulação dos direitos dos agricultores. “Artigo 9º – Direitos dos agricultores: 9.1 As
Partes Contratantes reconhecem a enorme contribuição que as comunidades locais e indígenas e os
agricultores de todas as regiões do mundo, particularmente dos centros de origem e de diversidade
de cultivos, têm dado e continuarão a dar para a conservação e para o desenvolvimento dos recursos
fitogenéticos que constituem a base da produção alimentar e agrícola em todo o mundo. 9.2 As
Partes Contratantes acordam que a responsabilidade de implementar os direitos dos agricultores, no
que diz respeito aos recursos fitogenéticos para a alimentação e a agricultura, é dos governos
nacionais. De acordo com suas necessidades e prioridades, cada Parte Contratante deve, conforme o
caso e sujeito a sua legislação nacional, tomar medidas para proteger e promover os direitos dos
agricultores, inclusive:a) a proteção dos conhecimentos tradicionais relevantes para os recursos
fitogenéticos para a alimentação e a agricultura; b) o direito de participar de forma equitativa na
repartição dos benefícios derivados da utilização dos recursos fitogenéticos para a alimentação e a
agricultura; e c) o direito de participar na tomada de decisões, a nível nacional, sobre questões
relativas à conservação e à utilização sustentável dos recursos fitogenéticos para a alimentação e a
agricultura.9.3 Nada no presente artigo será interpretado no sentido de limitar qualquer direito que os
agricultores tenham de conservar, utilizar, trocar e vender sementes ou material de propagação
conservado nas propriedades, conforme o caso e sujeito às leis nacionais”.
necessário seguir as regras ecológicas, a partir do século XIX, em decorrência da difusão
dos conhecimentos da química agrícola.
A caraterística ambientalmente agressiva da então chamada agricultura moderna era
um mal necessário, que podia ser moderado com algumas práticas conservacionistas se
comparada com as regras ecológicas básicas de gestão da natureza as quais passaram a
ser vistas como desnecessárias à prática agrícola (Romeiro, 1996).
Com a agricultura moderna a pesquisa e o desenvolvimento dos sistemas de
produção foram orientados para a incorporação de pacotes tecnológicos de aplicação
universal cujo objetivo era elevar ao máximo o rendimento dos cultivos, entretanto, as
situações ecológicas eram radicalmente distintas.
A “Revolução Verde”, representada pelas variedades selecionadas, agroquímicos e
irrigação, era neutra sob a ótica da escala técnica, mas os relativamente elevados
investimentos necessários para a adoção do pacote tecnológico e considerando o fato de
que os recursos econômicos são escassos nos países pobres, o resultado esperado foi se
tornando realidade, ou seja, as elites agrícolas foram os beneficiários. Ocorreu no Brasil e
no resto do mundo subdesenvolvido o aumento da preocupação com o que seria
tecnologicamente apropriado para a pequena produção familiar. E a exclusão dos
agricultores pobres pela "barreira à entrada", representada pelos investimentos mínimos
necessários, levou a uma alteração na postura das agências internacionais de pesquisa
agropecuária.
Estabeleceu-se o consenso de que para a grande maioria dos agricultores pobres a
adoção dessas tecnologias não seria possível no curto e médio prazo sendo importante
oferecer alternativas, apropriadas ou intermediárias, para a melhoria dos sistemas
produtivos que fossem financeiramente acessíveis a esses produtores que lhes permitissem
iniciar uma trajetória de capitalização para, no médio e no longo prazo pudessem adotar os
pacotes tecnológicos mais eficientes.
Passou-se a pesquisar alternativas de adaptação das variedades às restrições de
cada ecossistema agrícola: variedades resistentes à seca, doenças, baixa fertilidade e/ou
toxidez dos solos, fixação de nitrogênio atmosférico, em vez de adaptar o ecossistema
agrícola às variedades de alta capacidade produtiva, por meio de investimentos elevados
em agroquímicos e irrigação sem abandonar a busca de simplificação do ambiente agrícola
como forma de maximizar a produtividade.
No Brasil e no mundo, surgiram movimentos de agricultura alternativos ao
convencional apregoando que a solução não estava em alternativas parciais, mas no
rompimento com a monocultura e o redesenho dos sistemas de produção de forma a
minimizar a necessidade de insumos externos à propriedade, se opunham ao uso abusivo
de insumos agrícolas industrializados, a dissipação do conhecimento tradicional e a
deterioração da base social de produção de alimentos. A partir desses movimentos surgiram
correntes de atuação com diversas denominações para diferentes sistemas de produção
(Assis, 1993) empregados em diferentes condições ambientais, apresentando resultados
satisfatórios do ponto de vista ecológico, agronômico, econômico e social. (Almeida, 1998;
Assis, 1993; Carmo et al., 1988; Carmo e Magalhães, 1999; Darolt, 2000; Ndiaye et al.,
1999). Como resultado houve a intensificação do reconhecimento de modelos agrícolas que
considerassem a importância das diferentes interações ecológicas para a produção agrícola.
Na década de 1970 surgiu a agroecologia3, para estabelecer uma base teórica para
os diferentes movimentos de agricultura não convencional tem por objetivo a redução do
artificialismo no ambiente natural da agricultura apresentando uma série de princípios e
metodologias de estudo, análise, direção, desenho e avaliação dos agroecossistemas,
utilizado enfoque científico, e ferramentas, teorias e hipóteses, que permite trabalhar no
âmbito dos agroecossistemas e no desenvolvimento de sistemas agrícolas complexos e
diversificados. A agroecologia objetiva compreender o funcionamento de agroecossistemas5
complexos, e as diferentes interações presentes, tendo como princípio a conservação e a
ampliação da biodiversidade dos sistemas agrícolas para produzir autorregulação e,
consequentemente, sustentabilidade.
A agricultura é uma atividade que rompe com a estabilidade da natureza que está
intimamente ligada à diversidade, ao estabelecer uma simplificação do ecossistema original
e a consequência maior conforme afirma Romeiro (1996), é a perda da capacidade de
autorregulação natural, fazendo com que o equilíbrio e a estabilidade da agricultura, passem
a depender de uma permanente interferência do homem.
A agroecologia como forma de atingir a sustentabilidade, enfatiza a importância dos
parâmetros agronômicos, ecológicos e as questões socioeconômicas, resgatando o fato de
que a agricultura é um processo ecológico e social fazendo com que o desenvolvimento
tecnológico esteja inserido num processo para ser alcançado o desenvolvimento rural que
atenda às demandas sociais e econômicas.
2. Sistemas agroecológicos de produção no Brasil
A agroecologia se adequa mais facilmente à realidade de sistemas de organização
familiar da produção agrícola que possuem estruturas de produção diversificadas e com um
nível de complexidade desejado, sem prejuízo das atividades de supervisão e controle do
3
Segundo Assis e Romeiro (2002, p. 68) a agroecologia “é uma ciência desenvolvida a partir da
década de 1970, como consequência de uma busca de suporte teórico para as diferentes correntes
de agricultura alternativa que já vinham se desenvolvendo desde a década de 1920. Surge como
resposta aos críticos destes movimentos por uma nova agricultura integrada ao meio ambiente, que
os definiam como uma tentativa retrógrada de volta ao passado na agricultura”.
processo de trabalho consoante a analise dos seus princípios teóricos. Para
os
grandes
produtores patronais a agricultura orgânica com base agroecológica é viável, mas, as
dificuldades são maiores no que se refere à regra de diversificação desse sistema. Os
grandes produtores patronais fazem a adoção de tecnologias que visam sempre aos ganhos
imediatos de produtividade, independentemente do modo de produção que se caracteriza
pela adoção intensiva do pacote da “Revolução Verde”, dificultando, para estes agricultores,
a mudança para sistemas orgânicos de produção devido a perdas iniciais de produtividade
que representam importante componente do custo deste processo de conversão.
Verifica-se que o custo de conversão, para a agricultura orgânica com bases
agroecológicas, é maior para agricultores com padrão inicial de produtividade mais elevado
de acordo com Assis (2002) e os agricultores patronais apresentam maiores possibilidades
no que se refere à recuperação da produtividade com aprendizado do manejo orgânico e da
capacidade de investimento do agricultor para recondicionamento do solo e da planta ao
novo sistema de produção, condições presentes, de forma mais favorável, neste estrato
socioeconômico de agricultores que possuem maiores facilidades de acesso à informação e
padrão de capitalização.
Considerando que "Revolução Verde" se deu, em geral, de forma bem menos
intensiva, ou mesmo não ocorreu, no caso da produção familiar de produtores simples de
mercadorias ou semi-assalariados com frágil inserção no mercado ou produtores de
subsistência a redução inicial de produtividade tem seu peso reduzido, posto que para este
modo de produção, e na adoção de tecnologias agroecológicas intensivas em mão-de-obra,
mas pouco intensivas em capital, pode determinar ganhos de produtividade e redução do
risco econômico da atividade agrícola.
Quando se analisa o componente custo de conversão para a agricultura orgânica
com bases agroecológicas estamos tratando do acréscimo na demanda por trabalho que se
observa quando da adoção deste sistema de produção e onde a produção agrícola é
baseada na mão-de-obra familiar, o custo não é em geral percebido em virtude de não
representar desembolso financeiro, diferentemente da produção empresarial em que este
componente de custo tem grande peso na conversão.
É possível observar que os consumidores se disponibilizam a pagar preços mais
elevados no mercado de produtos orgânicos em razão da percepção de que existem
eventuais custos de produção superiores para os fornecedores de produtos agroecológicos,
mas, não se pode negar que os custos elevados se constituem em barreira à entrada no
processo de transição para modelos agroecológicos de produção, dificultam uma resposta
mais efetiva da maioria dos fornecedores e produtores agrícolas tradicionais.
Os consumidores brasileiros são protegidos nessa condição pela Constituição
Federal de 1988, nos artigos 5º, inciso XXXII, e 170, inciso V, bem como pela Lei nº 8.078,
de 11 de setembro de 1990, como nos lembra SOARES (2000, p. 42).
Na verdade, se verifica é que o sobrepreço se deve a questões de oferta e procura
presentes em um mercado diferenciado, composto por consumidores com limites em sua
disposição a pagar, estabelecidos a partir do atendimento a exigências de padrões de
consumo, que não se restringem à produção orgânica em si, referindo-se também a
questões relacionadas a tamanho, cheiro e aparência em geral, trata-se de um mercado
especializado, que apresenta restrições à entrada de agricultores que não possuam uma
boa organização.
Considerando que agricultura familiar segue padrões que fogem à lógica de mercado
de máxima eficiência econômica, e trilham o caminho do ótimo e satisfatório possível, não
visa atender às necessidades de satisfação e desejo subjetivadas na lógica dessa forma de
produção e não aos padrões de demandas fixados pelo mercado consumidor.
Os modelos agroecológicos de produção podem ser a opção de desenvolvimento
para a agricultura familiar que em razão do custo, não utilizam o pacote agroquímico,
encontramos dentro deste modelo os produtores simples de mercadoria e semiassalariados, conforme descritos por Payés (1993).
Como já observado nesse caso, a baixa capacidade de investimento não representa
uma barreira à entrada, pois a readequação tecnológica ocorre via introdução de práticas
que requerem basicamente a reorientação do trabalho, entretanto, no que diz respeito à
maior dificuldade de acesso a informações, percebe-se a necessidade de atuação estatal
como facilitador neste processo.
A proteção dos direitos dos agricultores é uma forma de justiça equilibrada entre os
detentores de germoplasma vegetal, os agricultores que vivem nos centros de diversidade
dos cultivos agrícolas, nos países do hemisfério sul e aqueles que são detentores da
biotecnologia agrícola, sediados em países do hemisfério norte.
A propriedade intelectual entre nós pode ser na forma de propriedade industrial
como no caso das patentes, indicações geográficas e registros de marcas e desenhos
industriais, ou como sendo os direitos de autor de softwares, músicas e obras de arte e
literárias e ainda na forma de proteções sui generis que incluem cultivares, transgênicos e
conhecimentos
tradicionais.
As
variedades
vegetais
obtidas
por
melhoramento,
convencionais ou transgênicas, são protegidas no País desde 1997 pela Lei de Proteção de
Cultivares, Lei nº 9.456/97. Também chamada de “direito de melhoristas”, essa proteção é
feita por meio da outorga de um certificado que reconhece a propriedade intelectual sobre
uma nova variedade vegetal. Dessa maneira, o detentor pode cobrar royalties sobre os
cultivares comercializados, garantindo o retorno sobre o investimento na pesquisa.
Os direitos de propriedade intelectual recompensam os detentores de patentes e os
melhoristas estimulando-os a desenvolver novas variedades comerciais E mesmo que as
inovações sejam na verdade a última etapa de conhecimentos acumulados ao longo de
milênios por gerações anteriores, não compensação ou apoio aos agricultores para que
continuem a conservar e utilizar, de forma sustentável, os recursos da agrobiodiversidade.
O fundamental é reconhecer que os direitos dos agricultores sendo protegidos
garantem a conservação dos recursos fitogenéticos e dos conhecimentos tradicionais
garantido a segurança alimentar atual e futura em beneficio de todos, garantindo-lhes o
empoderamento e a melhoria das suas condições de vida digna.
A estratégia de proteção dos direitos dos agricultores é uma forma de garantir que os
direitos dos melhoristas não inviabilizem as práticas agrícolas locais, como guardar,
reutilizar, trocar e vender sementes, já que os seus direitos não se limitam ao chamado
“privilégio do agricultor”, que é apenas uma isenção ao direito de melhorista, que permite
aos agricultores utilizar sementes de variedades protegidas sem a autorização do melhorista
em determinadas situações. Por meio da biotecnologia moderna, é possível desenvolver
culturas que não produzam sementes germináveis ou que produzam sementes estéreis com
genes específicos desativados. Gene Use Restriction Technology - GURT (Tecnologia de
Restrição no Uso do Gene) inclui uma gama de tecnologias empregadas, destinadas a
limitar o uso ou propagação de um material genético específico.
A tecnologia de sementes estéreis é um tipo de GURT na qual as sementes
produzidas por essa cultura não germinarão. Denominada "tecnologia terminator" na
imprensa popular, muitos expressaram preocupação de que as sementes estéreis
pudessem representar uma ameaça à sobrevivência de pequenos agricultores em países
em desenvolvimento, pois há séculos, esses produtores têm salvado sementes para cultivar
na próxima safra.
Cabe ao Estado brasileiro a difusão deste modo de produção, desempenhando um
papel fundamental, estabelecendo políticas públicas específicas, nas diferentes hierarquias
de poder seja federal, estadual e municipal, e nas áreas de crédito, pesquisa e extensão,
procurando abrir mercados, fomentar a produção e apoiar a organização autônoma de
agricultores familiares, público este que apresenta maior potencial de inserção em um
processo de desenvolvimento rural sustentável que tenha como mote tecnológico práticas
agroecológicas.
3. O desenvolvimento sustentável e sua implementação
O crescimento econômico é uma condição essencial para atingir o desenvolvimento
econômico
conhecido
como
desenvolvimentistas
que
considera
poder
elevar
indefinidamente o nível de riqueza material. Na crise da década de 1980 surgiu a visão
crítica à ideia de que o crescimento econômico seria condição suficiente para o
desenvolvimento econômico, percebendo-se que o crescimento econômico por si só podia
ser extremamente excludente explicitando custos não contabilizados dos processos
produtivos como o ecológico.
Percebemos que é necessário conciliar o crescimento econômico, justiça social e
conservação dos recursos naturais e o estabelecimento dessa interdependência favorece a
igualdade de oportunidades, possibilitando um aumento do número de pessoas com uma
maior formação intelectual, e a consequente maximização do crescimento econômico.
Buscamos um desenvolvimento baseado no crescimento econômico qualitativamente
distinto com a manutenção ou aumento, ao longo do tempo, do conjunto de bens
econômicos, ecológicos e socioculturais.
O desenvolvimento sustentável tem como eixo central a melhoria da qualidade de
vida humana dentro dos limites da capacidade de suporte dos ecossistemas sendo
necessário visar à harmonia e à racionalidade. As pessoas são beneficiários e instrumentos
do processo para o alcance do sucesso desejado e na questão ambiental observamos que
as populações mais pobres são as mais atingidas pela degradação ambiental, em razão do
desprovimento de recursos e da falta de informação e são também agentes da degradação.
As ações desenvolvimentistas devem priorizar investimentos e programas que
tenham como lastro tecnologias e projetos comunitários que procurem sempre despertar a
solidariedade e a mobilização por objetivos comuns nos grupos envolvidos. As pessoas são
sujeitos ativos no processo de desenvolvimento, que não é um fim em si mesmo, mas meio
de se obter a melhoria de qualidade de vida para diferentes populações, especialmente as
mais pobres, respeitando-se as características étnico-culturais, com o resgate históricocultural das formas de relacionamento dos seres humanos entre si e com o meio ambiente
nas diferentes sociedades como forma de definir o padrão de bem-estar adequado.
O processo de globalização4 se caracteriza pela padronização da produção, que, no
caso da agricultura, como afirma Silva (1998), se estende em direção ao consumo e
uniformização, como analisa Assis (2003), ela ocorre a partir de determinantes locais, na
medida em que os atores globais determinam suas estratégias de atuação global em razão
de vantagens ou desvantagens locacionais. E as decisões de alocação do capital global
ocorrem pela busca da homogeneização, mas as decisões capitalistas são motivadas por
4
Segundo Sérgio Buarque (2008, p. 34) a globalização é um “processo acelerado de
internacionalização do capital com conotações muito particulares que resultam de dois fatores
básicos: a natureza e intensidade da revolução científica e tecnológica – que transforma as bases da
competitividade internacional, com redução das distâncias físicas e quebra das barreiras e fronteiras
territoriais – e a integração dos mercados de bens e serviços (incluindo tecnologia e informação) e de
capital, com a formação de megablocos econômico-comerciais”.
características locais. Segundo Buarque (2008, p. 35) a globalização não é apenas uma
etapa de expansão internacional do capital, mas consagra-se como a “implantação e difusão
de um novo paradigma de desenvolvimento, que altera os padrões de concorrência e
competitividade e revoluciona as condições de acumulação de capital e as bases das
vantagens competitivas das nações e regiões”.
Percebe-se que a questão ambiental apresentarem-se de forma cada vez mais
global, com sua formação em condicionantes locais, determinando que as iniciativas de
controle que se pretendam eficientes tenham seu início exatamente pela busca de formas
de remover essas condicionantes. Sérgio Buarque (2008, p. 37-8) considera que o a
contraface do processo de globalização acarreta a “valorização do local e da diversidade,
como diferencial de qualidade e competitividade” pelo fato da cultura ser um “processo
permanente de criação e recriação nos espaços”. E o processo coordenado de
autodescobrimento das diferentes localidades de uma nação, que leve a investimentos em
infraestrututuras que favoreçam o desenvolvimento humano local, podem tornar-se ao
mesmo tempo um atrativo aos fluxos internacionais de fatores.
Observamos que os acordos de integração regional buscam facilitar o acesso mútuo
aos mercados internos, mas criam-se anteparos comuns contra a concorrência dos atores
globais, como forma de permitir ganhos de economia de escala e vantagens comparativas
intrabloco, e se os ganhos serem relevantes, é possível que o regionalismo estimule os
investimentos globais, porém agora em outras bases. (Assis, 2003).
Em 1980 foi cunhada a expressão “direitos dos agricultores” por Pat Mooney e Cary
Fowler, dois ativistas da organização não governamental Rural Advancement Foundation
International (Rafi, mais tarde ETC Group), enfatizando o relevante papel desempenhado
pelos agricultores na conservação e o desenvolvimento dos recursos genéticos agrícolas
com sementes e saberes agrícolas. Não devemos entender os saberes tradicionais como
um degrau abaixo dos da ciência que sai das universidades. O "savoir faire" agrícola é
resultado da experiência secular não sendo de grande relevância se a praticidade pode ser
hoje demonstrada. O desejável é o diálogo em que a pesquisa e a ciência estejam
colaborem sobre o mesmo plano paritário. A Rural Advancement Foundation International
defendeu o reconhecimento dos direitos dos agricultores perante a Comissão de Recursos
Fitogenéticos da FAO em 1986 através da equidade norte-sul e compensação pelos direitos
de propriedade intelectual dos melhoristas sobre as variedades de plantas, que já existiam e
eram assegurados legalmente.
Os direitos dos agricultores foram reconhecidos formalmente, pela primeira vez, em
1989, quando a Conferência da FAO adotou a Resolução 5/89, que reconhece os direitos
dos agricultores como “direitos provenientes das contribuições passadas, presentes e
futuras dos agricultores para a conservação, o desenvolvimento e a disponibilização dos
recursos fitogenéticos, particularmente aqueles dos centros de origem/diversidade”. Esses
direitos foram conferidos à comunidade internacional, como guardiã, em favor das presentes
e futuras gerações de agricultores, e a fim de assegurar todos os benefícios aos agricultores
e apoiar a continuidade de suas contribuições para o desenvolvimento da agricultura. A
Resolução 5/89 foi adotada como um anexo ao Compromisso Internacional sobre Recursos
Fitogenéticos, juntamente com a Resolução 4/89, que reconheceu os direitos de
propriedade intelectual dos melhoristas de plantas (pesquisadores que desenvolvem novas
variedades de plantas), previstos na Convenção para a Proteção das Obtenções Vegetais.
Dois anos depois, a Conferência da FAO adotou uma nova resolução (03/91), que
estabeleceu um fundo internacional para apoiar programas voltados para a conservação e a
utilização dos recursos fitogenéticos, sobretudo nos países em desenvolvimento. Esse fundo
recebeu poucas contribuições voluntárias e nunca se materializou. O reconhecimento dos
direitos dos agricultores foi meramente formal.
Na Conferência de Nairobi, no Quênia, que aprovou o texto final da Convenção sobre
a Diversidade Biológica (CDB), em 1992, foi adotada a Resolução nº 3, em que a “realização
dos direitos dos agricultores” é apontada como uma das principais questões a serem
enfrentadas. A Convenção sobre Diversidade Biológica não menciona explicitamente os
direitos dos agricultores, mais estabelece, em seu artigo 8 (j), que os conhecimentos,
inovações e práticas de comunidades locais e populações indígenas devem ser respeitadas
e a aplicação de tais conhecimentos deve ser incentivada mediante a aprovação e
participação de seus detentores e a repartição de benefícios com as comunidades locais e
indígenas.
Em 1996 o Plano Global de Ação para a Conservação e Utilização Sustentável dos
Recursos Fitogenéticos para Alimentação e Agricultura, adotado por 150 países em Leipzig,
na Alemanha, previu, entre os seus objetivos de longo prazo, a “realização dos direitos dos
agricultores, no âmbito nacional, regional e internacional”2.
Em 1999 um estudo do Conselho Econômico e Social sobre o direito à alimentação,
submetido à Comissão de Direitos Humanos da ONU, sustentou que os direitos dos
agricultores deveriam ser tratados e promovidos como uma parte integrante do direito
humano à alimentação, já que “o nosso futuro suprimento de comida, e a sua
sustentabilidade, depende de que tais direitos (dos agricultores) sejam estabelecidos com
firmeza”.
4. O desenvolvimento sustentável e as políticas públicas voltadas ao meio rural
O poder público terá ação incentivadora se apoiar a análise completa da situação e
exerça a função de difusão ampliada da agroecologia, percebendo a importância do
planejamento de estratégias e políticas públicas que permitam implementar uma proposta
de desenvolvimento rural sustentável, fazendo uma mudança de foco nas estratégias de
desenvolvimento rural, historicamente utilizadas no Brasil, conforme afirma Ehlers (1996). O
equívoco já ocorreu em outros países em desenvolvimento, onde as propriedades patronais
foram consideradas mais adequadas para a implantação do padrão convencional, tendo a
agricultura familiar sido relegada a plano secundário referentemente ao incentivos e ao
acesso a crédito agrícola em condições favoráveis.
Para ser implantado o desenvolvimento rural sustentável devemos construir uma
lógica econômica e social que estimule o de múltiplas formas a agricultura familiar,
fundamental na reprodução de conhecimentos e modos de vida tradicionais como sendo um
indicador
econômico-social
de
sustentabilidade.
Autores
diverso
compartilha
do
entendimento como (Sachs, 2000, 1993, 1986a e 1986b) de que existe a necessidade da
humanidade definir seu limite de produção e consumo dentro
de uma nova ordem de
organização social cujo centro de decisões seja ditado pelo poder econômico em conjunto
com outros segmentos que possam exercer um controle social eficiente sobre esse tema.
A Conferência de Estocolmo, realizada de 1972, forneceu a Sachs (1986a) os
princípios do ecodesenvolvimento, base de qualquer projeto para se evitar o crescimento
imitativo, pois, as soluções podem ser encontradas localmente ou adaptadas às realidades
locais já que a imitação pura e simples tem provocado desigualdades sociais e degradação
ambiental. As políticas devem ser construídas a partir da articulação das decisões locais e
das demandas sociais e no Brasil devem propiciar o incremento e distribuição da renda e
dos meios de produção a contingentes maiores da população que carecem de inclusão
social no cenário atual.
4.1. As políticas agrícolas no Brasil
Retomando o caso brasileiro se observa que historicamente, o processo de
desenvolvimento ocorrido no País ocorreu pela forma da expansão da fronteira agrícola
(Furtado, 1963 e 1975) apoiada na agricultura patronal com acesso a terra que foi o
pressuposto básico dessa política. A reforma agrária se constitui como uma política
fundamental para o desenvolvimento rural sustentável no Brasil, com inclusão de pessoas
que viviam à margem da sociedade e reanimando economias locais. (Romeiro, 1994; Veiga,
2000).
As primeiras experiências de crédito rural no Brasil datam dos anos 30, no entanto,
entre 1940 e 1960, as principais políticas nesse sentido acabaram transferindo recursos do
setor agrícola para os outros setores da economia, caracterizando a lógica do
desenvolvimento econômico brasileiro, qual seja, a de estabelecer uma direção rumo à
urbanização. Pela falta de programas de investimento na agricultura verificou-se um período
de crise de produtos e inquietação urbana, quando nos anos 50 ocorreram aumentos
sucessivos de preços dos produtos agrícolas, culminando com uma crise de abastecimento
de alimentos em 1959 (SPOLADOR, 2001; MEYER et al., 1977).
A partir dos anos 60 o Ministério da Fazenda e o Banco Central criaram de medidas
com o objetivo de estimular a produção agrícola brasileira, fortalecendo a situação financeira
dos produtores rurais e propiciando a adoção de tecnologia moderna no setor rural.
A Lei 4.829 de 1965 foi criada com esse objetivo, estabelecendo que 10% dos
depósitos a vista dos bancos comerciais deveriam ser alocados aos empréstimos agrícolas.
A resolução 260 do mesmo ano alterou esse valor para 15% e garantiu que as taxas de
juros cobradas nos empréstimos rurais seriam limitadas a 75% das taxas cobradas nos
empréstimos comerciais. O crédito foi o aumento dos recursos para financiar o crédito rural,
bem como o maior interesse das instituições financeiras em conceder os empréstimos.
O Banco do Brasil S/A, que passou a ser responsável por 90% dos empréstimos
concedidos, tornando o crédito rural mais acessível aos pequenos produtores (SPOLADOR,
2001). Para que este instrumento de política agrícola cumpra efetivamente seu papel
fundamental na difusão da agroecologia, é necessário que este crédito de custeio esteja
vinculado à utilização de práticas agroecológicas, servindo de estímulo a que um número
maior de agricultores orgânicos certificados não se restrinja a uma prática de produção
orgânica em que o mote seja apenas a substituição de insumos convencionais por
orgânicos.
Uma etapa importante no processo de transição de uma produção convencional para
uma produção agroecológica é a substituição de insumos convencionais por orgânicos, mas
deve garantir a sustentabilidade do sistema agrícola em suas dimensões econômicas,
sociais, ecológicas e agronômicas. E além desse crédito de custeio se exige investimentos
para a conversão para a agricultura orgânica, assistência técnica habilitada em agroecologia
e à viabilização de canais de comercialização para uma produção agrícola diversificada via
mercado local, voltados a atender, num processo de desenvolvimento rural sustentável, às
demandas de agricultores familiares, simples produtores de mercadorias ou semiassalariados com frágil inserção no mercado ou produtores de subsistência.
Quanto às questões relativas à pesquisa e extensão rural, não podem ser esperados
resultados a curto prazo, na medida em que as mudanças não devem ocorrer somente em
nível institucional, pois a atuação, neste caso, deve ocorrer não só visando ao
estabelecimento de linhas de trabalho que priorizem a mudança do paradigma tecnológico
atualmente em voga na agricultura brasileira, de um enfoque agroquímico para um enfoque
agroecológico, mas acima de tudo deve-se trabalhar em busca de uma mudança de atitudes
dos técnicos envolvidos em pesquisa e extensão rural nas instituições públicas.
Os serviços de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) tiveram suas raízes
nos Estados Unidos no inicio do século XX quando a agricultura escravista deu lugar a um
modelo mercantil e capitalista. No Brasil, a primeira experiência foi no município de Santa
Rita do Passa Quatro, em São Paulo, baseado no modelo americano do “Cooperative
Extension Service”, em 1948. No mesmo ano o governo de Minas Gerais criou a Associação
de Crédito e Assistência Rural (ACAR). No RS, a ASCAR foi criada em 1955. Em 1956 foi
criada a ABCAR (Associação Brasileira de Crédito e Assistência Rural). Nas décadas de 70
e 80 do século passado os serviços tiveram grande impulso com a criação do Sibrater e a
Embrater. O governo federal chegou a participar com 80% dos custos dos serviços nos
estados da federação. O Governo Federal determinou a extinção da EMBRATER em 1990.
A Extensão Rural é um serviço de assessoramento a agricultores, suas famílias,
seus grupos e organizações, nos campos da tecnologia da produção agropecuária,
administração rural, educação alimentar, sanitária, ecológica e associativismo. No entanto,
ao longo da história, este serviço passou a exercer um papel ainda mais relevante ao se
transformar no principal meio de ligação de políticas públicas e o meio rural. Políticas de
Assistência Social, de Pesquisa Agropecuária, de Saúde, Crédito Rural e outras chegam ao
meio rural através da Extensão Rural.
A Lei 12.188, 11 de janeiro de 2010 instituiu Política Nacional de Assistência Técnica
e Extensão Rural para a Agricultura Familiar e Reforma Agrária – PNATER e o Programa
Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural na Agricultura Familiar e na Reforma
Agrária – PRONATER, e, ainda, altera a Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, um
importante passo para a concretização desta mudança legislativa será o estabelecimento
das diversas experiências práticas de produção agroecológica de sucesso, aliado ao de
ONGs com atuação na área de fomento de práticas agroecológicas, como referências que
possibilitem a disseminação gradual, entre os técnicos das instituições públicas de pesquisa
e extensão rural, da ideia de viabilidade da agroecologia como instrumento para viabilizar
programa de desenvolvimento rural sustentável, especialmente entre pequenos agricultores
familiares.
4.2. As políticas agroambientais e desenvolvimento sustentável
O conceito de desenvolvimento sustentável é resultado da conscientização dos
problemas ambientais e sociais e das ações políticas em torno do tema. Ignacy Sachs na
década de 1970 difundiu a ideia do desenvolvimento sustentável ao mesmo tempo que as
lideranças mundiais discutiam uma noção de desenvolvimento humano por meio do
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) que adota a concepção de
desenvolvimento humano como
um processo abrangente de expansão do exercício do direito de escolhas
individuais em diversas áreas: econômica, política, social ou cultural.
Algumas dessas escolhas são básicas para a vida humana, as opções por
uma vida longa e saudável, ou por adquirir conhecimento, ou por um padrão
de vida decente, são fundamentais para os seres humanos . (Pnud, 1998,
p. 35)
Buarque (2008, p. 58) considera que para o desenvolvimento ampliar as
potencialidades pessoais é necessário a melhoria nas condições de educação, treinamento,
saúde, habitação, ambiente e alimentação com políticas de “melhoria de condições de vida,
e que permita que as pessoas tomem parte ativa, participando das decisões que influenciam
suas vidas”. Considerando esse ideário, alguns poucos países que podem apresentar
planos e processos que permitam integrar suas políticas agrícolas e ambientais dentro do
marco geral do desenvolvimento sustentável, segundo Almeida (2001), e raros são os casos
que as políticas são basicamente orientadas para a mitigação dos efeitos mais nocivos da
agricultura convencional.
A construção de um processo de desenvolvimento que seja efetivamente sustentável
via retomada do crescimento econômico convencional combinado com medidas de proteção
ou conservação do meio ambiente e contabilização de custos ambientais, cobrança de
custos de restauração etc. segundo Rattner (1992) representa uma ilusão ou mistificação.
O estabelecimento de uma política ambiental, focada na agroecologia como
ferramenta a auxiliar no incremento de processo de desenvolvimento agrícola sustentável,
pode ocorrer por meio de incentivo ou instrumento econômico, e se caracteriza por
mecanismos de mercado que afetam o cálculo de custos e benefícios do agente econômico
em relação ao meio ambiente, influenciando suas decisões ou por mecanismos de
regulação direta, também conhecidos como políticas de comando e controle, na medida em
que determinam uma intervenção direta sobre a ação ambiental dos agentes econômicos.
Existe um padrão ambiental que deve ser seguido, caso contrário, aplicam-se as
penalidades previstas, sendo a multa a mais usual, as políticas de comando e controle
impõem modificações no comportamento dos agentes sendo os agentes econômicos que
degradam o meio ambiente tratados legalmente como "ecodeliquentes", não lhes sendo
dada chance de escolha. (Almeida, 1997).
O poder de escolha se mantém com os responsáveis pelo dano ambiental que
procuram internalizar os custos ambientais nas atividades econômicas, como forma de
influenciar os agentes responsáveis pelo dano ambiental a modificarem o padrão de uso dos
recursos ambientais. Os meios utilizados são os que geram gastos para o agente regulador,
no caso o Estado, ou que geram recursos do tipo subvenções, incentivos fiscais ou
empréstimos subsidiados concedidos com o intuito de incentivar os agentes econômicos a
adotarem o padrão ambiental fixado. A outra forma de atuação é na forma de taxas e tarifas
ou via comercialização de licenças de poluição estabelecimento de um ônus pela poluição.
Tendo como referência os mecanismos de regulação direta, Assis e Arezzo (1997)
propõem o uso da cobrança do custo ambiental dos insumos agrícolas industrializados
como ferramenta de política que vise estimular a adoção, pelos agricultores, de práticas
inerentes a sistemas orgânicos de produção e seu incremento favorece, indiretamente, a
difusão de práticas agroecológicas ao restringir o uso de agroquímicos e internalização no
custo ambiental de sua produção em seu preço final. Para uma difusão eficiente dos
sistemas agroecológicos de produção, com base em mecanismos de política pública, é
fundamental influir no comportamento social, econômico e político da sociedade.
5. Desenvolvimento rural sustentável e a Política Nacional de Assistência Técnica e
Extensão Rural para a Agricultura Familiar e Reforma Agrária
A Lei n°. 12.188/10 que institui a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão
Rural para a Agricultura Familiar e Reforma Agrária (PNATER) e o Programa Nacional de
Assistência Técnica e Extensão Rural na Agricultura Familiar e na Reforma Agrária
(PRONATER) se destaca pelo princípio da agricultura de base ecológica como enfoque
preferencial para o desenvolvimento de sistemas de produção sustentáveis, com a
consagração de um projeto político nacional voltado à promoção do desenvolvimento rural
sustentável, compatível com a utilização adequada dos recursos naturais e com a
preservação do meio ambiente, a gratuidade, qualidade e acessibilidade aos serviços de
assistência técnica e extensão rural, a adoção de metodologia participativa, com enfoque
multidisciplinar, interdisciplinar e intercultural, buscando a construção da cidadania e a
democratização da gestão da política pública, a equidade nas relações de gênero, geração,
raça e etnia e a contribuição para a segurança e soberania alimentar e nutricional, conforme
estabelece o art. 3° da citada lei, promovendo o desenvolvimento humano e as
potencialidades locais.
Os objetivos da PNATER estão previstos no art. 4° da lei, sendo eles: a promoção do
desenvolvimento rural sustentável, o apoio às iniciativas econômicas que promovam as
potencialidades e vocações regionais e locais, o estímulo e o crescimento da produção, a
qualidade e a produtividade das atividades e serviços agropecuários e não agropecuários,
inclusive agroextrativistas, florestais e artesanais, além da melhoria da qualidade de vida de
seus beneficiários, o desenvolvimento de ações voltadas ao uso, manejo, proteção,
conservação e recuperação dos recursos naturais, dos agroecossistemas e da
biodiversidade, com incentivo a produção sustentáveis a partir do conhecimento científico,
empírico e tradicional. Além do desenvolvimento e a apropriação de inovações tecnológicas
e organizativas adequadas ao público beneficiário e a integração deste ao mercado
produtivo nacional.
O desenvolvimento rural sustentável deve ocorrer no plano regional e local onde será
possível se interpor o controle social legitimamente instituído à capacidade de influência do
grande capital, desde que as lideranças locais estejam articuladas entre si, de modo a
garantir a autonomia em relação ao domínio do capital ou do poder instituído tendente a
revigorar o poder conservador das classes dominantes locais. Significa pensar e agir
localmente articulando os diferentes atores sociais, pois, como afirma Moreno (1997) essa
prática pode nos levar a formulação de projeto político nacional calçado na disseminação de
experiências baseadas no desenvolvimento humano e nas potencialidades locais, que
incorporem ao processo produtivo a população excluída.
Os assentamentos da reforma agrária no norte do Brasil demonstram um fato notório
de que a inclusão social do agricultor é fator determinante do seu sucesso na atividade. O
transporte, a saúde, a educação e a energia elétrica precisam de soluções concretas para
que as comunidades possam produzir e escoar sua produção e comprar insumos para
continuar vivendo condignamente em suas localidades. Devido às precárias condições de
conservação, as estradas vicinais que ligam as rodovias aos assentamentos, não
asseguram a mínima garantia de que os produtos da agricultura familiar cheguem aos
consumidores da sede do município com a mesma qualidade que saem da área de
produção. A lógica da complexidade presente nas sociedades camponesas tradicionais,
integrando propostas agroecológicas com outras voltadas ao desenvolvimento da agricultura
familiar, favorece a conciliação entre a complexidade desejada e a supervisão e controle do
processo de trabalho na agroecologia reforçando a proposta de ação local como alternativa
para o desenvolvimento sustentável.
.
Considerações finais
Os direitos dos agricultores são reconhecidos pelo Tratado Internacional sobre os
Recursos Fitogenéticos para a Alimentação e a Agricultura, em seu preâmbulo, no artigo 9º,
dedicado especificamente ao seu reconhecimento, e em outros dispositivos do tratado que
tratam da conservação e do uso sustentável dos recursos fitogenéticos (arts. 5º e 6º). A
responsabilidade pela viabilização dos direitos dos agricultores compete aos países, por
meio da aprovação de leis nacionais. Com a entrada em vigor do tratado internacional no
Brasil, o país deve reformular não só a sua legislação de acesso aos recursos fitogenéticos
como as demais leis agrícolas que tem conexão com direitos dos agricultores de guardar,
usar, trocar e vender sementes.
O processo de adoção de sistemas agroecológicos de produção não pode ser
considerado como dependente exclusivamente da decisão do agricultor, devendo ser levado
em consideração o contexto sócio-político em que o processo com a aproximação entre
produtores, comerciantes e consumidores locais, amplia o espectro de pessoas envolvidas e
comprometidas o desenvolvimento sustentável.
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