ADEQUABILIDADE DAS TERRAS PARA O CULTIVO DE ERVA-MATE NA PERCEPÇÃO DOS AGRICULTORES
ADEQUABILIDADE DAS TERRAS PARA O
CULTIVO DE ERVA-MATE NA PERCEPÇÃO
DOS AGRICULTORES
Adequateness land for the yerba mate cultivation in the agriculturists perception
SILVA, C. A.
DALMOLIN, R. S. D.
PEDRON, F.A.
ten CATEN, A.
Recebimento: 12/03/2012 – Aceite: 08/10/2012
RESUMO: Este artigo enfatiza a adequabilidade das terras para o cultivo da
erva-mate, Ilex paraguariensis St Hil, com o objetivo de confrontar o predito na literatura agronômica com a percepção dos produtores de erva- mate,
considerando-se especialmente os seguintes indicadores-chave: altitude,
cor, declividade, fertilidade, profundidade, textura, quantidade de cascalhos/
pedregulhos, percentual de sombreamento, umidade do solo e respectivos parâmetros pedoambientais, preestabelecidos como ideais ao cultivo da espécie.
Para a realização deste estudo, foram utilizadas metodologias compatíveis com
as de outros autores, na forma de pesquisa participante e nomotética quanto
à participação dos agricultores na validação dos resultados, com destaque
para alguns trechos dos depoimentos (unidades significativas) capazes de
responder à problemática pesquisada. A participação dos agricultores permitiu
estabelecer relações entre a nomenclatura por eles utilizada e o descrito no
sistema pedológico, possibilitando sistematizar o saber local e relacioná-lo
com o conhecimento científico.
Palavras-chave: Conhecimento popular. Conhecimento científico. Erva-mate.
ABSTRACT: This article emphasizes the suitability of land for the cultivation
of yerba mate Ilex paraguariensis St. Hil. with the objective of comparing the
predicted agronomic literature with the perception of producers of yerba mate,
especially considering the following key indicators: height, color, slope, fertility, depth, texture, amount of gravel / pebbles, percentage of shade, moisture
soil and their preset parameters pedoambientais as ideal for the cultivation
PERSPECTIVA, Erechim. n.135, p. 27-40, setembro/2012
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Carlos Antônio da Silva - Ricardo Simão Diniz Dalmolin - Fabricio de Araújo Pedron - Alexandre ten Caten
of the species. To conduct this study used methodologies proposed by other
authors in the form of participant research and nomothetic regarding the participation of agriculturist in the validation of results by assisted conception
nomothetic methodology and posted excerpts of testimonies (meaningful
units) capable of responding to the problems investigated. The participation of
agriculturist allowed to establish relations between the nomenclature used by
them and confront it as described in pedological system, enabling systematize
local knowledge and relates it with scientific knowledge.
Keywords: Knowledge popular. Scientific knowledge. Yerba mate.
Introdução
A utilização do saber popular e da experiência casual dos agricultores, em estudos
científicos, não é comum. Entretanto, é necessário interagir com tais conhecimentos,
levando-se em consideração parâmetros
utilizados pelos agricultores na construção
de suas práticas no espaço e no tempo. Dessa
forma, permitindo uma comparação entre
a visão técnica e a empírica, buscando-se
pontos similares.
Nesse sentido, Casalinho et al. (2007) sugerem abordagens que transcendem o campo
da disciplinaridade e do saber, exclusivamente acadêmico, passando o pesquisador a
questionar o paradigma vigente e a considerar
o agricultor como ator e parceiro no processo
decisivo.
Stocking e Murnoghan (2001); Andrews
et al. (2002) e Hellin et al. (2006) avaliaram
como interessante a participação dos agricultores em pesquisas, o que proporciona
interação na medida em que o próprio agricultor é parte do processo de geração do
conhecimento. Lobo (2005) afirmou que a
capacidade de observação dos agricultores
pode ser aproveitada nos processos de investigação, trabalhando-se com indicadores que
possam ser mensurados por eles mesmos em
suas propriedades.
28
Na pesquisa participante, a construção
do conhecimento fica enriquecida com os
depoimentos empíricos, obtidos nos relatos
de (PEREIRA, et al., 2003; FREIRE, 1981;
RIBEIRO e BARBOSA, 2006).
Para agilizar o processo de construção desses conhecimentos, é necessário
um método que estabeleça relações entre
conhecimento científico e conhecimento
empírico dos agricultores, valorizando-os
e resgatando-os para a construção de novos
conhecimentos a partir da complementação
de saberes. A participação dos produtores de
erva-mate na identificação de atributos pedoambientais, a partir de suas práticas sobre a
adequabilidade dos solos para essa cultura,
constitui objetivo principal desta pesquisa.
Material e métodos
Para a realização deste estudo, foram
utilizadas metodologias conforme Petersen
(1996); Geilfus (1997); Pereira (2003) quanto
à participação dos agricultores na validação
dos resultados e auxiliadas pela concepção
metodológica nomotética proposta por Martins e Bicudo (1989) e Diaz Vargas (2001)
e com adaptação da proposta metodológica
de Nicholls e Altieri (2004) e com o uso de
indicadores-chave do solo: altitude, cor, declividade, fertilidade, profundidade, textura,
quantidade de cascalhos/pedregulhos, percentual de sombreameto e umidade.
PERSPECTIVA, Erechim.n.135, p. 27-40, setembro/2012
ADEQUABILIDADE DAS TERRAS PARA O CULTIVO DE ERVA-MATE NA PERCEPÇÃO DOS AGRICULTORES
Para participar da pesquisa, o agricultor
deveria cultivar parcela mínima de 2ha,
considerando-se uma densidade populacional
de 2.200 plantas por ha (EMPRABA, 2005).
Atenderam a esse critério 53 produtores.Concomitantemente com os indicadores-chave
citados acima, utilizou-se a satisfação do
seguinte critério: estar ativo na condição de
agricultor e cultivar parcela mínima de dois
hectares contínuos de erva-mate na propriedade, fração que corresponde em média a
2.200 pés plantados por hectare (Adaptado
de EMBRAPA, 2005). Nesse critério, na área
estudada, enquadraram-se cinquenta e três
produtores de erva-mate.
Com o objetivo de identificar a percepção
dos agricultores, quanto à adequabilidade
pedoambiental, procedeu-se à coleta de
informações com uso de entrevistas semiestruturadas (MARTINS e BICUDO, 1989); à
coleta de informações por meio da utilização
de questionário, com perguntas semiabertas,
conforme proposto por Martins e Bicudo
(1989), permitindo ao entrevistado inserir
direcionamentos próprios na opção “outras”.
O instrumento de pesquisa permitiu
obterem-se informações socioeconômicas
e de percepção de uso do solo no cultivo da
erva-mate.
A análise ideográfica, que consiste em
sistematizar o conteúdo significativo coletado, permite efetuar um confronto entre o
coletado e o relatado, cientificamente, com a
efetivação de um quadro e uma matriz como
forma de validar o saber popular.
Resultados e Discussão
Características socioeconômicas dos
participantes
A pesquisa revelou que a estrutura básica
da família consiste no casal (responsável
por todas as atividades realizadas dentro das
unidades, em muitos casos devido à saída
PERSPECTIVA, Erechim. n.135, p. 27-40, setembro/2012
do campo dos jovens, para trabalharem em
atividades do setor secundário ou terciário,
na sede do município).
A situação acima é comentada por Spanevello (2008), quando diz que, enquanto
nas gerações anteriores, praticamente todos
os filhos desejavam permanecer no estabelecimento familiar como sucessores, hoje a
questão sucessória dá lugar a outra dimensão:
assegurar a permanência de, pelo menos,
um filho para ser o sucessor. A dinâmica
sucessória atual da agricultura familiar vem
ganhando destaque devido a duas questões
principais; a primeira está relacionada ao
fato de a maioria dos estabelecimentos permitirem a instalação de, apenas, um filho
para evitar sua inviabilidade econômica.
A segunda indica que as possibilidades de
permanência dos filhos na atividade agrícola
variam de acordo com as condições econômicas e sociais oferecidas pelos agricultores.
Conforme essas condições, os pais podem ou
não contar com seus filhos para sucederem
ao estabelecimento.
No município em estudo, ficou evidente
a sucessão familiar em muitas propriedades,
sob a forma de herança, usucapião, partilha,
entre outras figuras jurídicas que indicam o
regime de uso e posse, geralmente cabendo
ao filho mais velho a permanência na propriedade. Um estudo realizado por Lovato
et al. (2008) aponta que a faixa etária dos
produtores situa-se entre 40 a 60 anos, similar
ao encontrado neste estudo.
Nos diálogos, percebe-se que as atividades agrícolas são muitas e árduas, tendo que
ser desempenhadas quase que exclusivamente pelo casal.
A falta de mão de obra, não somente voltada ao cultivo/colheita da erva-mate, mas para
as mais diversas atividades agropecuárias, é
um problema constante na maioria das propriedades rurais. Especificamente em relação
à erva-mate, esta representa cerca de 10,9%
do custo total de implantação do erval.
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Carlos Antônio da Silva - Ricardo Simão Diniz Dalmolin - Fabricio de Araújo Pedron - Alexandre ten Caten
Quanto ao nível de escolaridade dos
agricultores entrevistados, encontraram-se,
na mesma propriedade, desde alfabetizados
apenas, até membros com nível médio de
ensino (15,09%). Mais de 60% dos entrevistados têm somente Ensino Fundamental
e pertencem ao sexo masculino. Percentuais
próximos aos encontrados por Lovatto et al.
(2008), em dois grupos de agricultores pesquisados. No primeiro, o percentual era de
61% e, no segundo grupo, 85%. Segundo a
Secretaria Estadual de Educação-RS (2008),
60% da população apresenta o Ensino Médio,
estando acima do encontrado neste estudo.
As características fundiárias variam de
2 a 50 ha (Tabela 1). Situação encontrada
também nos demais municípios que formam
a Microrregião Geográfica de Erechim,
caracterizada pela presença da pequena propriedade. Estratificação fundiária diferente,
entretanto, da encontrada na maior parte da
metade sul do Estado gaúcho, onde mais de
60% da área é ocupada por propriedades
acima de 500 hectares (TEIXEIRA, 2005).
Nas demais regiões do Estado, a média está
entre 50 a70 hectares (IBGE, 2005).
Tabela 1 - Estrutura fundiária das propriedades
Área (ha)
02 – 10
11 – 20
21 – 30
31 – 40
41 – 50
Total
Propriedades na classe
(%)
7,55
39,62
22,64
9,43
20,75
100,0
As propriedades apresentam, em sua
maioria, boa infraestrutura, caracterizandose o novo cenário rural com luz elétrica,
acesso à água potável, destino adequado de
resíduos domiciliares, eletroeletrônicos, etc.
Silva (1997) confirmou que essa situação
faz parte do novo rural brasileiro, onde há
um transbordamento do mundo urbano para
30
o espaço que, tradicionalmente, era definido
como rural. Assim, os confortos do urbano
atingem o rural.
O município pesquisado tem o cultivo de
soja (Glicine max (L.) Merr.), processado
mecanicamente.
A Figura 1 e a Tabela 2 apresentam a
estratificação das culturas no município de
Erechim e a distribuição respectivamente.
Estratificação das culturas
Produtores
60
50
40
Soja
Milho
30
Feijão
Erva mate
20
10
0
0-10
1
11-20
2
21-30
3
31-40
41-50
4
5
ha
Figura 1 - Estratificação das culturas de soja, milho, feijão
e erva-mate em Erechim (março 2011).
Tabela 2 - Distribuição das culturas nas propriedades
(março 2011)
Culturas
Soja
Milho
Trigo
Feijão
Erva-mate
Total
Distribuição nas
propriedades (%)
23,26
34,25
11,44
9,47
21,58
100,00
A mecanização agrícola, encontrada nas
grandes culturas anuais, não está presente nos
ervais. A poda, principal forma de colheita da
erva-mate, é efetuada manualmente ou com
o uso de facão e tesoura de corte, ocupando
mão de obra sazonal, isto é, em épocas de
safras de erva-mate aparecem pequenos
grupos de podadores, trabalhadores braçais
que encaram a tarefa de modo rudimentar.
Estudos feitos pela EMBRAPA (2006)
mostraram que produção resultante da poda
de formação, realizada no segundo ano,
amortiza 24,8% do custo total de implantação
(ano 1) e manutenção (ano 2) do erval. Em
PERSPECTIVA, Erechim.n.135, p. 27-40, setembro/2012
ADEQUABILIDADE DAS TERRAS PARA O CULTIVO DE ERVA-MATE NA PERCEPÇÃO DOS AGRICULTORES
estudos sobre custos, produtividade e renda
de sistemas de cultivo da erva-mate solteira
com mecanização, uso de fertilizantes e boa
tecnologia, realizada por Montoya (1999) e
Rodigheri (1997), a participação da poda de
formação e de colheita na amortização da implantação da cultura, foram de 3,5% a 4,3%,
respectivamente. O melhor intervalo entre
colheitas é o de 18 meses, sendo o inverno o
período mais adequado.
Na área estudada, é comum ocorrer a
poda sem muita atenção aos períodos mais
adequados a essa prática, bem como é comum
a não observância no intervalo das colheitas,
na maioria dos casos. Podas após agosto não
são recomendadas, e nem mesmo a de safrinha (dezembro a fevereiro), quando maiores
quantidades de nutrientes seriam exportadas.
Os agricultores da área em estudo parecem desconhecer essas recomendações, visto
que há, em muitos casos, um desfacelamento
quase que completo das folhas dos ervais
durante o período de safras, e até mesmo
fora deles, uma vez que alguns ervais são
utilizados como salvaguardas da liquidez
econômica da propriedade. Havendo necessidade de regular as finanças, apela-se à poda,
a qualquer tempo.
Na quase totalidade das propriedades
visitadas, são praticadas limpezas dos ervais
com capinas frequentes sem, entretanto, apresentar revolvimento do solo, que, segundo
Venialgo (1995), tanto na implantação do
erval quanto nos cultivos anuais intercalares,
só se justifica quando se faz necessário à recuperação da estrutura do solo. Segundo os
agricultores, a limpeza do erval é importante:
“Ele fica forte, daí não dá broca”.
Embora a presença da erva-mate na
Região remonta a mais de sessenta anos,
o tempo médio de atividade dos agricultores entrevistados, nessa área está em torno
de vinte anos. O mesmo período é válido
para o tempo de implantação dos ervais no
município, fato que indica a devastação dos
PERSPECTIVA, Erechim. n.135, p. 27-40, setembro/2012
ervais nativos. No Rio Grande do Sul, os
primeiros registros estatísticos oficiais, sobre
a produção e/ou produtividade da erva-mate,
somente aconteceram nos primeiros anos da
década de setenta.
Atualmente, a comercialização da ervamate é feita às ervaterias do próprio município e cuja coleta terceirizada, muitas vezes,
se dá às expensas do produtor.
Com relação à atividade bovina, não há
grande predomínio do rebanho na maioria das
propriedades onde é cultivada a erva-mate.
E, quando presente, a atividade está voltada
à produção leiteira, suficiente, tão-somente,
para enfrentamento dos gastos domésticos.
Diferentemente do que ocorre no Estado,
especialmente na fronteira oeste, onde a
presença bovina na economia é mais significativa, influenciada pelo processo histórico
de colonização.
O rendimento médio do erval é de 450600 arrobas/ha-1 a cada 18 a 24 meses (Tabela
3), muito próximo do indicado pela Sociedade Brasileira de Ciência do Solo (2004).
Tabela 3 - Rendimento do erval na visão dos agricultores
Erva-mate
(arrobas ha-1)
200-300
301-400
401-500
501-600
601-700
Total
Propriedades na
classe (%)
9,43
30,18
41,51
17,00
1,88
100,00
De um modo geral, pode-se observar
que as famílias apresentaram dificuldade
em fornecer dados econômicos de suas atividades, tanto quanto aos aspectos de custos
de produção como de retorno econômico.
Também, segundo os agricultores, não está
sendo possível formar lastro monetário
para garantir capital de giro. Praticamente,
as atividades são para fins de subsistência
31
Carlos Antônio da Silva - Ricardo Simão Diniz Dalmolin - Fabricio de Araújo Pedron - Alexandre ten Caten
uma vez que, para os pequenos agricultores,
a aplicação dos conhecimentos e opiniões
sobre solos, culturas, clima, mercados, pragas e suas interações na decisão do que será
mais rentável produzir na propriedade, não
passa, apenas, por uma questão de escolha
simples, mas tem uma conectividade com
a operacionalização das atividades a fim de
lograr mínima sustentabilidade econômica
da propriedade.
Concluída a caracterização socioeconômica das propriedades, faz-se, a seguir, a
apresentação dos consensos ou divergências
entre o parâmetro bibliográfico e a percepção
dos agricultores quanto ao solo ideal para o
cultivo da erva-mate.
Das inferências feitas, pode-se afirmar
que muitos agricultores percebem a interação
entre determinadas características do solo e
as influências recíprocas entre este e a ervamate, podendo-se citar alguns parâmetros
que conferem adequabilidade ao cultivo,
tais como:
a) A coloração vermelha do solo e com
profundidade variando entre 50 a 100cm.
94% dos agricultores indicaram essa condição, afirmando: “Onde tiver terra vermelha,
é mais forte, mais dá erva-mate”.
Na concepção dos agricultores, a profundidade é o indicativo de boa fertilidade, significativa acidez; capaz de manter a umidade
desejada pela espécie: “Sendo terra vermelha,
é só corrigir um pouco a acidez (mais da
metade da acidez) ela vem bem”.
Tomando por base a exigência da ervamate, Resende (1994), Oliveira e Rotta
(1985) relataram a ocorrência esparsa de
erva-mate em solos rasos, preferindo solos
medianamente profundos (Cambissolos) a
profundos (Latossolos). Bisso e Salet (1998)
também concordaram com o tipo de solo
adequado ao cultivo da erva-mate: Latossolo
Vermelho. Prat Kricun et al(1995) afirmaram a mesma condição em solos argentinos,
32
dizendo que a erva-mate prefere os solos
colorados (vermelhos).
b) Quanto à textura, 96,22% dos agricultores indicaram o nível médio (entre 15
e 35% de argila), como condição ideal ao
cultivo da erva-mate. O mesmo parâmetro é
considerado por Oliveira e Rotta (1985) como
o adequado, corroborando com a resposta
dos agricultores que afirmaram, ainda, que
a mesma é raramente encontrada em solos
arenosos (abaixo de 15% de argila).
c) A condição de posterno (evitar sol
forte à tarde) indicativo de sombreamento
ocasionado por declividade a Oeste, preferencialmente. Afirmam os agricultores: “É
melhor pegar sol da manhã do que da tarde”.
Pes et al. (1995) determinaram o comportamento da Ilex paraguariensis, em área
experimental, com Pinus sp.; bracatinga e
capoeira indicando que à medida que aumentava o sombreamento nos consórcios,
aumentava também a área foliar. Assim, o
sombreamento passa a ser relevante, especialmente, nos primeiros anos de vida do
erval, principalmente pela competição por luminosidade, conforme relatou Mazuchowski
(2004). Segundo esse autor, os aspectos relevantes de condição ambiental mais adequada
à erva-mate verificam-se nos sombreamentos
a 50% e 70%. As maiores alturas de plantas
foram verificadas nas condições crescentes
de sombreamento, tendendo à redução pelo
aumento da luminosidade ambiental.
Carvalho (2003) indicou que a erva-mate
é uma planta encontrada em ambientes sombreados, crescendo espontaneamente em subbosques de pinhais. Oliveira e Rotta (1985)
acrescentaram, ainda: a imbuia (Ocotea porosa), o cedro (Cedrela fissilis), o pau-marfim
(Balfourodendron riedelianum), a canjarana
(Cabralea canjerana), o alecrim (Holocalyx
balansae), o pinho-bravo (Podocarpus sp),
as mirtáceas, as lauráceas e leguminosas que
originam ambientes sombreados favoráveis
ao seu desenvolvimento.
PERSPECTIVA, Erechim.n.135, p. 27-40, setembro/2012
ADEQUABILIDADE DAS TERRAS PARA O CULTIVO DE ERVA-MATE NA PERCEPÇÃO DOS AGRICULTORES
Na visão dos agricultores, em relação à
condição de sombreamento, há coincidência
entre os saberes acadêmico e popular, pois
afirmam: “Quanto menos sol a planta pegar
mais a folha fica verde. Se ficar lustra ela
vai dar amarga. Não dá cor com muito sol.
A erva fica amarela na cuia. É aconselhável,
também, proteger as mudas com sombreamento no lado leste e oeste, no primeiro ano”.
O sombreamento tem conectividade
com umidade do solo, condição intrínseca
à espécie – envolve uma “terra fresca”, com
presença de água, por caracterizar o ambiente
como suficientemente úmido. A expressão
umidade média aparece em 73% das respostas dos entrevistados e é coincidente com a
afirmação de Oliveira e Rotta (1985) de que
a erva-mate vegeta preferencialmente em
solos úmidos e permeáveis, não ocorrendo
em solos hidromórficos, nem em solos que
possuem deficiência hídrica.
Carpanazzi et al. (1985) destacaram que,
entre os fatores físicos mais relevantes ao
crescimento da erva-mate, está a capacidade de retenção de água, e que tanto a falta
quanto o excesso desta são situações desfavoráveis ao desenvolvimento da erva-mate.
Em determinadas condições, a queda de
folhas tem sido creditada ao encharcamento
dos solos. A assertiva anterior é referendada
por Medrado et al. (2000) quando afirmaram
que a cultura não suporta solos compactados
ou encharcados. Oliveira e Rotta (1985)
reforçaram a afirmação acima e dizem que a
erva-mate vegeta preferencialmente em solos
com umidade mais permeável (características
dos solos de regiões em que o clima atuante
é o Cfb - temperado sem estação seca), solos
ligeiramente úmidos.
A compactação e a umidade se interrelacionam e, de certa forma, são intrínsecas
à condição de profundidade, cuja principal
característica está em ser um “solo fofo”,
que apresenta “facilidade para se trabalhar a
terra” segundo os agricultores, e cuja penePERSPECTIVA, Erechim. n.135, p. 27-40, setembro/2012
tração do arado ou da enxada, e até mesmo
da “máquina de plantar milho”, não sofre
grande resistência, complementam.
d) Fertilidade - em mais de 40% das respostas, a indicação foi média. Nesse sentido,
um dos pontos mais comentados pelos agricultores foi a qualidade do solo e respectiva
aptidão, o que demonstra o entendimento
das características do solo que atendem às
exigências nutricionais da espécie estudada, e
que estão diretamente ligadas à produtividade
do erval. Segundo os agricultores, a vegetação natural que ocorre nas áreas mais planas,
indica melhor fertilidade, sendo recomendada
para o cultivo da espécie. Nesse item estão
presentes as inter-relações entre relevo, profundidade e condição de fertilidade mínima
exigida pela espécie.
Da Croce (2003) e Oliveira e Rotta (1985)
afirmaram que a erva-mate é frequente em
solos com baixo teor de nutrientes trocáveis,
sendo tolerante a solos de baixa fertilidade
natural e alto teor de alumínio. Mazuchowski
(1991) e Medrado (2004) corroboram com os
autores acima, ao afirmarem que a espécie
vegeta bem em solos com pH baixo.
Ainda com relação à fertilidade, Dedecek
(1997) complementa: “a espécie ocorre naturalmente em solos profundos, bem drenados,
ácidos ou ligeiramente ácidos, argilosos e
muito intemperizados”.
e) Declividade/relevo – pode-se perceber
que complexas associações formam a paisagem na área de estudo. De acordo com 34%
dos agricultores, a localização ideal do erval
aponta declividades entre 0-5%. Enquanto
que 66% dos entrevistados consideram que
a meia encosta e a várzea (declividades entre 5 – 12%) são os locais indicados para a
implantação dos ervais.
As considerações acima se aproximam da
afirmação, feita por Scherer (1997), de que a
declividade da área de cultivo de erva-mate
não deve ultrapassar 3 a 4%.
33
Carlos Antônio da Silva - Ricardo Simão Diniz Dalmolin - Fabricio de Araújo Pedron - Alexandre ten Caten
A correlação entre os indicadores cor/
declividade/umidade aparece associada à
adubação. Isso fica evidente na fala dos
agricultores:
Terra vermelha com ajuda de adubo
(cama de aviário, suíno...). Ter sombra
à tarde. Tem que escolher um lugar que
não seja muito violento o morro para
conservar a adubação, se não quando dá
enxurrada leva tudo embora. Aumenta
o custo porque tem que adubar mais
freqüente. Solo vermelho, se não adubar
é sofrido para a planta. Se tiver muito
pedregulho não produz bem.
f) Estrutura/Compactação – Segundo os
agricultores, a condição ideal é: “terra que
se ‘esbruga’ (que se desmancha facilmente
quanto manuseada na mão, macia”), terra
solta. Ou inadequada “quando não se desmancha na mão”, isto é, com agregados
firmes, de estrutura consistente. Ao se referirem à compactação, afirmam: “isso é ruim
ao cultivo da espécie”. Esse indicador pode
ser interpretado como presença de terra seca,
dura, que racha, sem cobertura vegetal, e
como consequência perda de umidade.
Como anteriormente reportado por Venialgo (1995), a condição indicada como
adequada, quanto à estrutura e à compactação, facilita a infiltração de água no solo, o
que contribuirá com a manutenção do nível
de umidade para a espécie. Medrado et al.
(2000), ao estudarem o solo adequado ao cultivo da erva-mate, indicam que a espécie não
suporta solos compactados, encharcados ou
pedregosos, devido a 80% do seu sistema radicular concentrar-se na camada superficial.
g) Matéria orgânica - no relato dos agricultores aparecem considerações como: “Que
tenha adubo da natureza e não fique nua para
segurar a água. Era mato, porque dá bem, a
terra é boa, daí escolhemos ai para plantar
erva-mate”.
34
A presença da matéria orgânica é atributo
recomendável por Lourenço (1998), indicando o uso do material residual, proveniente de
capinas ou de roçada das entrelinhas do erval,
como cobertura morta. O autor ressaltou,
entretanto, que a adição de adubos em ervamate pode ser inócua em solos compactados
ou encharcados, com pequena porosidade e
aeração. Furtini Neto et al. (2000) afirmaram
que a maioria dos solos para plantios florestais apresenta baixa fertilidade natural, que
pode ser traduzida em termos de baixos valores de bases (Ca, Mg, K) e de P disponível,
baixa capacidade de troca de cátions e, algumas vezes, alta saturação por alumínio. Solos
distróficos ou álicos também apresentam
baixa reposição natural de nutrientes, através
da intemperização de minerais primários.
Atualmente, têm aumentado as restrições
às aplicações de agroquímicos, devido ao
dano residual ao ambiente e aos maiores custos. Isso foi demonstrado por Dedecek et al.
(2000), quando analisaram perdas de solo por
erosão hídrica, em diferentes condições nas
entrelinhas nos ervais, sendo maiores quando
se realizou a capina o ano todo (10,21mg ha-1)
do que os terrenos onde o controle das invasoras foi feito com herbicida (0,28mg ha-1).
Com relação às condições climáticas mais
adequadas ao desenvolvimento da espécie, a
temperatura atmosférica foi indicada como
importante. Afirmaram os agricultores:
Deve ser um lugar que não bata muito
sol. Ele destrói mais o erval do que o
inverno. A sombra é boa porque dá qualidade para a erva. Daí tem que cuidar o
lugar para que 25% das folhas têm que
ficar na sombra na parte da tarde quando
foi podada. O galho velho protege do sol
melhor do que o novo. Tem que proteger
da geada quando é nova, e evitar que o
broto novo também sofra com ela, por
isso, cuidar a época da poda.
Vieira et al. (2003) constataram que as
diferenças microclimáticas dos sistemas
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ADEQUABILIDADE DAS TERRAS PARA O CULTIVO DE ERVA-MATE NA PERCEPÇÃO DOS AGRICULTORES
agroflorestais e dos monocultivos podem
ser evidenciadas pelos valores de temperaturas máximas e mínimas absolutas, e pela
amplitude de variação desses parâmetros. A
radiação solar foi o parâmetro que exerceu
maior influência na área foliar e na produção
de fitomassa da erva-mate. Os efeitos microclimáticos influenciaram o crescimento
das plantas de erva-mate, independente do
estágio de desenvolvimento. Da Croce (2003)
disse que a erva-mate preferencia os tipos
climáticos Cfa e Cwa da classificação de
Köppen. A temperatura média anual é de 20
a 23ºC e a precipitação média anual em torno
de 1500mm. Indicou, ainda, o inverno como
a melhor época para o plantio definitivo, de
preferência no final da estação, em virtude
de, nesse período, a planta encontrar-se em
repouso vegetativo. As condições climáticas
apresentadas pelo autor estão presentes na
área em estudo.
Com relação às altitudes preferenciais, os
níveis indicados pelos agricultores variam
de 400 a 1000m. Segundo Da Croce (2003),
a erva-mate vegeta preferencialmente nas
altitudes entre 500 a 1500m, parâmetros compatíveis com os encontrados nesse estudo.
Segundo Nicholls e Altieri (2004), muitos
agricultores possuem seus próprios indicadores para estimar a qualidade do solo.
Por exemplo, alguns reconhecem plantas
como indicadoras de solo ácido ou de solo
pouco fértil; outros reconhecem minhocas
como indicativo de terra “gorda”. Muitos
desses indicadores são específicos para cada
propriedade e alteram-se de acordo com o
conhecimento dos agricultores.
As plantas indicadoras de condições propícias ao cultivo de determinada espécie são
pouco exploradas pela ciência convencional;
porém, esse conhecimento é intrínseco à natureza do agricultor. O convívio diário com
o ambiente de trabalho molda sua percepção
sobre qualidade do solo, agregando mais esse
identificador. Eis um exemplo colhido:
PERSPECTIVA, Erechim. n.135, p. 27-40, setembro/2012
Se tem samambaia é bom para plantar
erva-mate. A terra tem que ser solta, não
liguenta aí dá. Na época foi terra de mato
derrubado não produtiva para lavoura,
cultivava mandioca para aproveitar o
espaço. Onde dá mandioca ali também
dá erva-mate. Usar terra vermelha com
algumas árvores no meio para fazer
sombra, só que tem que cair as folhas
no inverno (tipo uva japão). Com eucalipto junto dá gosto na erva, a indústria
não gosta muito. Só não pode plantar
eucalipto junto porque dá cheiro na erva.
Com relação ao uso de plantas indicadoras
de atributos de solo em sistemas de cultivo de
Ilex paraguariensis, estudos feitos por Piaia
(2009), no Rio Grande do Sul, apontaram
correlações significativas com a Mimosa
escabrella (bracatinga), destacando-se, entretanto, a associação negativa de Cyperus sp e
Aristida longiseta com pH, justificando sua
presença em situações de baixo pH. A espécie
Iresine diffusa apresentou uma associação
positiva com manganês, também associada
ao baixo pH.
Ainda privilegiando a percepção dos agricultores, a presença de formiga é indicadora
de prejuízo ao erval, pois são espreitadoras
do período de brotação, podendo, por vezes,
avariar significativamente o erval novo.
Junqueira et al. (2001) afirmaram que a
ocorrência de formigas (Hymenoptera: Formicidae) na erva-mate deve-se à exploração
dos recursos proporcionados por outros insetos (homópteros), que nidificam as galerias
deixadas pelo cerambicídeo, H. betulinus.
Quando se perguntou ao produtor por
que escolheu determinado local para a implantação do erval, as respostas, segundo as
convergências nomotéticas, mais significativas foram:
Naquela época (de implantação do erval)
não tinha trator então plantava erva no
plano, agora a gente trocou de lugar e
planta na ladeira. “Antigamente era mais
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Carlos Antônio da Silva - Ricardo Simão Diniz Dalmolin - Fabricio de Araújo Pedron - Alexandre ten Caten
recosta não entrava com máquina, daí
colocamos erva-mate ai. Na época era
de mato perto de estrada e por ser solo
vermelho colocamos a erva-mate ai.
Diante das afirmações de alguns agricultores, pode-se perceber que a implantação do
erval não necessitou de uma escolha técnica
ou de significativa relevância. Apenas o espaço que, no momento, servia por ociosidade.
Doravante, os estudos técnicos denotam que
a escolha do local não fora o mais adequado,
ao menos para boa parte dos entrevistados.
Para a pergunta, Qual seria o local ideal
na opinião dos agricultores? as respostas mais
evidenciadas foram:
Tem que ter bastante terra (fundo), senão
não vinga a muda depois. Onde tenha
um pouco de sombra ajuda e também
tem que ter terra vermelha. Não plantar
em lugar que tenha ‘lage’ muito perto
da terra e nem perto de sangas, pois, o
gosto fica forte. Depende também da
muda, pois plantei nos morros e não
vingou, abandonei. No plano também
não desenvolveu. O que sei é que tem
que ter terra vermelha. O solo tem que
ser profundo por causa da raiz, daí não
enrola e as mudas têm que ser de boa
qualidade e plantar igual como ela está
no viveiro, fazer um ‘x’ onde ela pega sol
lá e depois na lavoura plantar do mesmo
lado. Se tiver condição de adubar ‘a ouro
e fio’ gasto muito, mas daí vem melhor.
As terras por aqui são quase todas iguais.
Tem que cuidar o ‘posterno’ (sombra na
parte da tarde).
Praticamente reafirmaram as ponderações
feitas durante o transcorrer das entrevistas.
Tão lógico parece, que, ao se referirem à
prática nos ervais, suas respostas são redundantes haja vista o domínio empírico que têm
daquilo que fazem há vários anos: cultivar
erva-mate. Sabem os agricultores quais as
condições para melhor desenvolvimento da
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espécie; entretanto, prendem-se ao fato de
que a planta tende a adaptar-se, resultado
futuro de não rendimento satisfatório e decepção com o erval.
Com relação ao desenvolvimento do trabalho a campo, cabe ressaltar a colaboração
direta da maioria dos agricultores, auxiliando
na visita às propriedades, o que sobremaneria
facilitou a execução do estudo. Também é
importante registrar que os agricultores são
sujeitos importantes nesse processo, auxiliando na inter-relação entre o conhecimento
científico e o popular.
Neste momento, é oportuno resgatar o
ponto de vista de Andrews et al. (2002), quando diz que a adequabilidade de uso para uma
determinada cultura, sob o ponto de vista dos
agricultores, é um processo de aprendizagem
para todos os envolvidos, tanto pesquisadores
como agricultores.
Considerações Finais
A contribuição dos agricultores nesse
estudo foi de extrema importância para validação do trabalho. A participação de forma
simples e espontânea serviu para estabelecer
relações entre a nomenclatura utilizada por
eles e o descrito no sistema pedológico,
possibilitando sistematizar o saber local e
relacioná-lo com o conhecimento científico.
Constatou-se que a escolha do local mais
adequado, para o plantio de erva-mate, depende quase que totalmente do produtor que,
na maioria dos casos, tem utilizado áreas
consideradas impróprias ao cultivo, o que
remete à necessidade de acompanhamento
técnico constante e imprescindível. É possível afirmar que os modos de construção do
conhecimento sobre solos para erva-mate, do
técnico e do agricultor, são mais consensuais
do que conflitantes.
PERSPECTIVA, Erechim.n.135, p. 27-40, setembro/2012
ADEQUABILIDADE DAS TERRAS PARA O CULTIVO DE ERVA-MATE NA PERCEPÇÃO DOS AGRICULTORES
AUTORES
Carlos Antônio da Silva - Msc UFSM. Professor da URI Campus Erechim. E- mail: scarlos@
uri.com.br
Ricardo Simão Diniz Dalmolin - Dr. UFSM. Professor do Departamento de Solos da Universidade Federal de Santa Maria- UFSM. E-mail: [email protected]
Fabricio de Araújo Pedron - Dr. UFSM. Professor do Departamento de Solos da Universidade
Federal de Santa Maria – UFSM. E-mail: [email protected]
Alexandre ten Caten - Dr.UFSM. Professor do Instituto Federal Farroupilha Campus Júlio de
Castilhos. E- mail: [email protected]
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