PERCEPÇÃO DOS AGRICULTORES SOBRE O PAPEL FUNCIONAL DA BIODIVERSIDADE: ESTUDO DE CASO SOBRE A POLINIZAÇÃO DO MARACUJÁ Msc. Ana Maria Rocha de Almeida – UFBA - [email protected] 1. INTRODUÇÃO Esta proposta de projeto está inserida no contexto de um projeto mais amplo que prevê a realização de um plano de manejo para polinizadores de fruteiras em áreas de plantação de maracujá do Médio São Francisco. Com um intuito de facilitar a participação dos diversos setores envolvidos na elaboração do plano de manejo, este projeto visa instituir um espaço de diálogo com os vários grupos locais relacionados com a produção do maracujá. A linguagem proposta no projeto aborda os fenômenos ecológicos sobre o ponto de vista funcional e deriva de um campo de pesquisa ecológica recente. Este campo de pesquisa surgiu na ecologia nas últimas duas décadas e deteve-se na investigação do papel funcional da biodiversidade. O desenvolvimento deste campo de pesquisa, a também chamada “ciência da biodiversidade”, está intimamente relacionado à necessidade de prover respostas confiáveis, capazes de balizar a tomada de decisão sobre a preservação da biodiversidade. Este caráter prático do conhecimento gerado nesta área é constantemente ressaltado como um ponto positivo de ligação entre a “ciência” da ecologia e a “ciência” da conservação da natureza e é este o principal motivo da sua utilização neste projeto. • O modelo do maracujá O Brasil é o maior produtor mundial de maracujá (Passiflora edulis Sims) com produção de 330 mil toneladas e área de aproximadamente 33 mil hectares. A Bahia é o principal produtor, com cerca de 77 mil toneladas, sendo o maracujá-amarelo a variedade mais cultivada no mundo e responsável por mais de 95% da produção do Brasil (IBGE, 2002, http://www.ibge.gov.br/). O maracujazeiro é uma planta trepadeira, de clima tropical e sub-tropical, que é dependente de polinização cruzada, ou seja, uma planta de maracujá não produz frutos se as suas flores não forem polinizadas com pólen de outra planta. Os principais polinizadores naturais são abelhas do gênero Xylocopa, conhecida popularmente como mamangava. A polinização manual é feita nos períodos de maior floração utilizando-se dedeiras de flanela e tocando-se de leve e ligeiramente as flores de plantas alternadas. • O papel funcional da biodiversidade Há aproximadamente duas décadas, cientistas têm concentrado atenção nas conseqüências da perda de biodiversidade atualmente documentada e, após o estabelecimento da Convenção para a Diversidade Biológica, em 1992, esses trabalhos tornaram-se parte integrante da literatura ecológica. O propósito deste recente programa de pesquisa – “Biodiversity-Ecosystem Functioning Program” (BEFP) - é entender a relação entre a perda de biodiversidade e a manutenção das taxas de processos ecossistêmicos. Uma grande quantidade desses estudos concentra-se em avaliar as relações da diversidade biológica e os “serviços ecossistêmicos”1, introduzindo um acentuado viés antropocêntrico à discussão. As principais hipóteses atualmente estudadas, no BEFP, são: 1. As espécies são primariamente redundantes – neste caso, a perda de biodiversidade resultaria em pequena ou nenhuma alteração nas taxas dos processos ecossistêmicos, visto que as outras espécies presentes seriam capazes de suprir funcionalmente esta perda. Sob este aspecto, a conservação dos “serviços ecossistêmicos” poderia ser alcançada através da proteção de uma lista predeterminada de espécies fundamentais para a realização desses “serviços”. 2. As espécies são primariamente singulares – neste caso, a perda de puçás espécies acarretaria profundas mudanças nas taxas dos processos ecossistêmicos, prejudicando, com isso, o 1 Entendemos como “serviços ecossistêmicos” todo processo ou entidade ecossistêmica que ofereça bens de consumo ao homem. Assim, ao pensar em “serviço ecossistêmico” estamos pensando em todos os benefício que o ecossistema pode oferecer ao homem e que deles dependa a nossa subsistência. oferecimento dos “serviços ecossistêmicos”. Neste caso, todas as espécies seriam fundamentais para a manutenção dos “serviços” e toda perda de espécies significaria redução na oferta dos mesmos. 3. O impacto das espécies é dependente do contexto – segundo esta hipótese, as espécies podem ser tanto singulares quanto redundantes a depender de outros fatores ecossistêmicos. Esta parece ser uma situação mais próxima da encontrada nos ambiente reais, porém acaba por nos levar à incapacidade de prever o impacto da perda de biodiversidade nos diversos ecossistemas, dificultando, assim, o estabelecimento de estratégias gerais para a conservação da diversidade biológica. Este referencial teórico será aqui utilizado para acessar o conhecimento local a respeito do papel do polinizador natural nas culturas de maracujá, e para entender o valor atribuído a estes organismos no rendimento da cultura. Um esquema geral dos fatores relacionados à produtividade das plantações de maracujá e as suas interrelações está apresentado na Figura 01. Os componentes marcados de vermelho são aqueles de maior relevância para este projeto e serão os mais enfocados nas abordagens com a população local. Polinização natural (serviço ecossistêmico) Polinização manual > 10ha pop. mamangava 2-3 pessoas: 1ha/tarde mamangava Produtividade outras espécies população de polinizadores rendimento: rendimento: 60-80% frutificação ??????? (projeto) espécies singulares fatores de interferência espécies redundantes espécies dependentes de contexto Figura 01 – Esquema geral das possíveis relações entre os elementos estudados: produtividade; rendimento das polinizações natural e manual, o papel funcional dos polinizadores e os possíveis fatores de interferência do sistema. 2. OBJETIVOS 1. Identificar a percepção dos agricultores a respeito do papel funcional dos polinizadores 1.1. Identificar, na visão dos agricultores, os fatores de interferência no desempenho da função de polinização 2. Valorar o serviço ecossistêmico prestado pelos polinizadores, do ponto de vista dos agricultores 2.1. Determinar a relação entre o papel funcional dos polinizadores naturais e o valor do serviço ecossitêmico prestado 2.2. Determinar a relação entre os fatores de interferência e o valor do serviço ecossistêmico prestado pelos polinizadores naturais 3. METODOLOGIA MOMENTO 1 MOMENTO 2 INTERVENÇÃO 2 6 8 t (meses) • MOMENTO 1: Passo 1. Serão realizadas entrevistas semi-estruturadas, após consentimento informado, em uma amostra de cada um dos setores envolvidos com a produção do maracujá. Passo 2. Será realizada observação participante da atividade dos diversos grupos locais e das suas relações com a produção do maracuá. • INTERVENÇÃO: Workshops, Oficinas e Reuniões com os diversos grupos locais. • MOMENTO 2: Os passos 1 e 2 serão repetidos após as intervenções e os resultados dos momentos 1 e 2 serão quantitativamente e qualitativamente comparados. • Categorias gerais de análise das dados: Os dados das entrevistas serão analisados conforme as categorias criadas a partir dos três direcionamentos principais, listados abaixo. Algumas categorias serão estabelecidas previamente e novas categorias podem ser criadas durante a coleta de dados, caso seja necessário. DIRECIONAMENTO 1:.Percepção dos agricultores sobre o papel funcional dos polinizadores do maracujá. DIRECIONAMENTO 2:. Percepção dos agricultores sobre os fatores de interferência (o papel do contexto) no desempenho da função de polinização. DIRECIONAMENTO 3:. Percepção dos agricultores sobre o valor dos serviços prestados pelos polinizadores. 1.Gerar informações a respeito da percepção dos agricultores sobre a polinização natural, seus custos e conseqüências: 1.1. sensibilizar o agricultor a respeito do declínio dos polinizadores; 1.2. sensibilizar o agricultor sobre o valor do serviço prestado pelo polinizador; 1.3. sensibilizar o agricultor a respeito dos fatores de interferência na polinização natural. 2. Estabelecer um “canal” de diálogo entre o conhecimento produzido pelo projeto e o conhecimento dos agricultores. Todos estes resultados visam, em última análise, IDENTIFICAR A “VISÃO DE MUNDO” dos indivíduos relacionados à produção do maracujá a respeito da polinização e dos processos ecossistêmicos associados a este cultivo. Este é, segundo acreditamos, o primeiro passo para o estabelecimento de um canal de diálogo entre os ecólogos e a comunidade local, possibilitando, dessa forma. a elaboração de um PLANO DE MANEJO verdadeiramente PARTICIPATIVO.