EXPOSIÇÃO À RISCOS DE AGROTÓXICOS: APENAS UMA
FALTA DE INFORMAÇÃO DOS AGRICULTORES?
Carmen Verônica B. Almeida
Paulo José Adissi
Grupo de Estudos de Agrotóxicos / Deptº de Engenharia de Produção/Universidade Federal da Paraíba
João Pessoa Cx. Postal: 5045 CEP: 58.051.970 e-mail: [email protected]
ABSTRACT
The form of manipulating pesticides has been exposing the agricultural worker more and
more to risks, provoking several injures in their health. This exhibition is usually linked the
lack of the information on the risks, and to heal this type of problem several campaigns of
safety have been accomplished in Brazil and with little success. This study comes to present
another form of seeing the problem, where the lack of the information is not ignored but lifts
subjective subjects that are behind the form as these pesticides are manipulated. It is
emphasized the identification of these questions and deepen the same ones, intending to
accomplish preventive studies with farmers.
KEY WORDS
pesticides - risks - perception
1.A inserção do agrotóxico na agricultura
Os agroquímicos há muito tempo vêm sendo utilizados em campanhas de saúde pública,
inclusive já existe alguns estudos enfocando os agravos `a saúde dos trabalhadores que
participam destas campanhas, no caso, funcionários da Fundação Nacional de Saúde. Aliás o
uso destes já era feito desde a segunda guerra mundial, como arma química. Na agricultura,
porém, ele chega com a veiculação de aumento da produção, que estava condicionada a
tecnologias mais eficientes de combate a pragas e doenças, as empresas produtora
logicamente, não falariam dos problemas que decorreriam do emprego daquele insumo
químico. No final da década de 50, houve realmente um aumento da produção, mas em
seguida, o declínio devido as características dos produtos (persistência e bioacumulação).
Pouco se falava sobre os impactos desta tecnologia, mas já na década de 60, alguns autores
como Rachel Carson (1962) e Rud (1964), que publicaram respectivamente, Silent Spring e
Pesticides and the Living Landscape (EDWARDS:1993, apud AUGUSTO:1997), alertavam
para os prejuízos que poderiam vir a acontecer no homem e no meio ambiente. A tecnologia
chega ao campo sem que houvesse tempo para que os trabalhadores se preparassem para
incorpora-la. A política de crédito agrícola foi uma das propiciadoras da atual realidade no
campo, no que diz respeito emprego de agrotóxicos e seus problemas. Na década de 70, os
agricultores para obter o crédito agrícola tinham que por obrigação gastar 15% com insumos
químicos. Segundo GARCIA (1996), o seguro agrícola não cobria perdas por pragas se o
agricultor não tivesse feito a compra dos agrotóxicos. É claro que este foi um dos fatos que
garantiu a expansão do uso destes químicos no Brasil, inclusive foi nesta mesma década que
houve um incentivo governamental para implantação de indústrias de agrotóxicos, através do
PNDA - Programa Nacional de Desenvolvimento Agrícola. Daí então, a agricultura jamais
voltou ser a mesma, aquele processo onde o principal insumo era a terra. O agricultor passou a
usar uma tecnologia (entre outras) que ele não tinha aceso às informações de utilização e
muito menos dos danos que ela traria.
2. Os Agrotóxicos e a Exposição dos Agricultores aos Riscos
A exposição dos agricultores aos riscos de agrotóxicos tem sido uma constante em todo meio
rural brasileiro, pelas formas como são utilizados estes agroquímicos. Em pesquisas
desenvolvidas por ADISSI et al (1999), ALMEIDA(2001), GUIVANT (1982) fica claro que
em
todas as atividades
da produção agrícola em que há utilização de agrotóxicos, o
trabalhador se expõe, seja de maneira direta ou indireta. Esta exposição não se limita apenas
ao trabalhador, mas também a sua própria família, o meio ambiente e o consumidor. Os
pesquisadores acima citados observaram que os trabalhadores passam a se expor a partir do
momento em que adquirem o produto, pois é através do balconista da loja que, geralmente,
recebe as orientações, conseqüentemente ocasionando em aquisições e prescrições de uso
inadequadas para os problemas que se encontram em suas lavouras. A forma de estocagem do
agrotóxicos tem se dado em quartos muitas vezes dentro da casa onde moram, havendo até
mesmo um caso onde o trabalhador resolve guardar embaixo da própria cama onde dorme.
Uma questão interessante quanto a isto é que em muitas áreas de produção agrícola,
principalmente no que diz respeito a pequenos produtores, os locais de moradia e de trabalho
se confundem, o que é um problema a mais, pois há uma exposição da família como um todo.
Na preparação da calda onde se coloca água e um veneno, ou mais comumente, vários deles,
os chamados coquetéis, há contato direto das mãos com os venenos, derramamento de calda ao
redor do recipiente onde está sendo preparado, inclusive na própria roupa do trabalhador.
Quando o produto é pó, vê-se claramente que ele é levado pelo vento tanto para o rosto do
trabalhador que está preparando como para o corpo das pessoas que se encontram no mesmo
local. Na atividade de aplicação a situação não é diferente, são feitas em horários quentes, sem
qualquer equipamento de proteção individual, havendo derramamento de calda no corpo do
trabalhador devido a falta de manutenção nos equipamentos de aplicação. Foi detectado,
numa localidade, estudada por ADISSI et al, que eram utilizados pulverizadores furados
ocasionando um vazamento da calda que fica em contato com o corpo do trabalhador enquanto
ele pulveriza. Alguns momentos o bico do pulverizador apresenta-se entupido devido a falta
de manutenção, sendo então feito o desentupimento com a própria boca. Em pesquisa
realizada na grande Natal-RN, ALMEIDA (2001) observou um tipo de aplicação realizada
com as mãos por se tratar de uma mistura sólida. O destino final das embalagens, vem
acontecer geralmente em qualquer local perto do plantio, próximo a ambientes aquáticos ou
nos próprios, como foi constatado por GUIVANT (1982).
Toda esta série de situações gera um quadro de exposição aos agrotóxicos
que tem
ocasionado um grande número de intoxicações agudas detectadas em várias regiões do Brasil.
Em trabalho desenvolvido por AUGUSTO (1997) no município de Camocim de São Félix PE, foi observado que na população de plantadores de tomate, 13% destes já haviam sido
acometidos de intoxicação aguda. A mesma situação se repete em estudo realizado por
ADISSI et al (op. cit.) em Boqueirão-PB, onde 18% de um grupo de 69 horticultores, haviam
passado por situação semelhante a encontrada, inclusive com casos de internamento. Em
pesquisa realizada pela FUNDACENTRO na região sudeste, segundo GARCIA (1998), numa
amostra de 5.143 trabalhadores e produtores rurais, 28% destes referiram intoxicação aguda
causada por agrotóxico pelo menos uma vez.
É bastante preocupante as formas como os trabalhadores rurais vem usando os agrotóxicos,
mesmo variando o tipo de cultura, do veneno, ou até mesmo a região do país, constata-se que a
situação de exposição a riscos é bastante semelhante. Nota-se que há uma carência de
informações muito grande no meio rural, o que é agravado com a pouca escolaridade da
maioria dos agricultores. Observando esta realidade, alguns órgãos procuram fazer um
trabalho preventivo, como a FUNDACENTRO, por ex., através de campanhas de segurança,
atividades educativas e outras.
3. O agricultor, trabalhador sem informação
A linha principal de encaminhamento dos trabalhos conhecidos como preventivos, tem seu
caráter praticamente informativo. Fala-se de riscos, de o uso de epi (equipamento de proteção
individual), problemas para a saúde. São direcionados para suprir lacunas de informações
técnicas e legislativas, e baseiam-se no que vêem no campo a partir de observações diretas do
trabalho agrícola ou de outras técnicas. Ver-se que há uma carência de informações sim, mas
que não é própria dos agricultores, em alguns casos, pode-se ver que é raro, por ex., relacionar
a aproximação de cultivos à ambientes aquáticos e a contaminação destes. Por outro lado,
sabe-se que os trabalhadores tiveram que usar agrotóxicos quase que por uma imposição, mas
eles sabem que usam veneno, e que mata. Então a problemática exige um aprofundamento
maior da questão. Não é possível encontrar uma lista de riscos na fala do trabalhador, tal qual
como técnicos geralmente esperam. É bastante improvável que se encontre uma descrição
científica dos riscos. Seria este um dos pontos que dificulta a realização de atividades
preventivas, o conhecimento do trabalhador sobre os riscos vai aparecer de uma outra forma.
Um fato que acontece com freqüência no meio rural, quando se pensa nessas capacitações,
está relacionado ao pouco cuidado que se tem em respeitar o saber - fazer do trabalhador. O
trabalhador tem uma experiência prática que deve ser considerada, nenhuma prática educativa
vai surtir efeito no momento em que técnicos imponham o seu saber ou supervalorize o
mesmo. Da mesma forma acontece com a formação que se pretenda dar em segurança no uso
de agrotóxicos porque os agricultores desenvolvem coletivamente, nas suas relações de
trabalho, um saber próprio da profissão e defesas psicológicas. Neste sentido, notou-se que ao
se preparar atividades prevencionistas são desconsiderados, alguns aspectos como, os
psicológicos. Estudiosos como AUGUSTO (op.cit), GUIVANT (1994), GARCIA (1996) que
vem discutindo a forma de uso dos agrotóxicos, já apontam a necessidade de estudar a
percepção dos trabalhadores quanto aos riscos de uso de agrotóxicos, para subsidiar práticas
educativas. Então pode-se apontar que o aprofundamento das questões subjetivas dariam uma
melhor visão da problemática, contribuindo para uma melhor concepção de trabalhos de
formação com agricultores, entendendo que não basta estes se basearem numa relação entre
formas incorretas de uso de agrotóxicos e inconsciência dos riscos devido a desinformação
técnica e legislativa do agricultor.
4. A presença da percepção de riscos
Partindo das considerações acima relatadas, procurou-se investigar outros aspectos que
poderiam influenciar as formas "incorretas" de uso de agrotóxicos, que fugissem um pouco da
tradicional afirmação da ignorância dos trabalhadores quanto aos riscos. Neste sentido se
desenvolveu um estudo com horticultores em Natal, sobre percepção de riscos, o qual partiu
do pressuposto de que haveria uma percepção de riscos, e que não era apenas a questão da
falta de informação técnica e legislativa que contribuía para a forma como os trabalhadores
usavam os agrotóxicos. Para realizar esta investigação foram utilizados conceitos da
Psicodinâmica do Trabalho de linha francesa, onde encontra-se presente estudos da dimensão
do trabalho e a subjetividade do trabalhador. Em a " Loucura do trabalho" , DEJOURS (1993),
pesquisador francês, ao falar da (in) consciência dos riscos, ele vai afirmar que a negação
presente muitas vezes no discurso do trabalhador, num maior aprofundamento vai levar a
constatação de defesas psicológicas, que funcionam via negação da realidade percebida e este
tipo de defesa funciona por consenso no coletivo de trabalho. É o que o referido autor e outros
pesquisadores vêm identificando em estudos desenvolvidos com algumas categorias de
trabalho na França. Um estudo onde trata da percepção de olericultores na grande
Florianópolis, GUIVANT (1994) chama a atenção que, mesmo sabendo da nocividade dos
agrotóxicos, os agricultores além de não usarem as recomendações preventivas ainda
provocam o risco.
Imaginar que não há algum conhecimento dos riscos por parte dos trabalhadores é até
ingênuo, pois é ele quem diariamente experiencia o trabalho. É com esse olhar que o estudo
foi realizado com horicultores em Natal, procurando
a percepção dos riscos através da
vivência subjetiva, onde se apresentam os comentários sobre o perigo ou a própria ausência
destes comentários. Para DEJOURS (1992) o comentário é a formulação do pensar do
trabalhador sobre sua própria situação de trabalho e a ausência leva a sinais de um dispositivo
defensivo. No grupo de horticultores estudados pôde-se observar que a presença de sistemas
defensivos organizados coletivamente tanto para se defenderem dos riscos como para se
defenderem do medo. Em meio aos sistemas defensivos encontramos entre aqueles
trabalhadores, as estratégias defensivas, como por ex. é comum entre eles não colocar a lança
do pulverizador contra o vento, o que denota uma forma de se proteger contra os riscos, e para
tal atitude comentam " o bafo pode atingir a boca e daí pode acontecer alguma reação". Estes
mecanismos são estratégias defensivas onde o trabalhador cria novas formas de trabalhar se
prevenindo. Por outro lado encontramos ainda a presença de ideologia ocupacional defensiva,
que evita o trabalhador de ter contato com o medo, nesse caso os trabalhadores assumem
condutas perigosas e comportamentos estranhos, negam o perigo presente na atividade. Tudo
isto acontece com a colaboração do coletivo. Então encontrou-se presente junto aos
agricultores atitudes como, a reutilização de embalagens de agrotóxicos como copos para
tomar água.
Na realidade ver-se que não há uma ausência de conhecimento dos riscos, a percepção destes
se apresentam a partir dos indícios da presença das defesas coletivas que agem defendendo-os
dos risco e por outro lado do medo. A não utilização de recomendações preventivas não
podem ser consideradas como desconhecimento dos riscos, na realidade, por ex. o uso de epi
é a comprovação de que manipulam produtos perigosos e é isto que eles querem afastar. Negar
ou desprezar são informações invertidas da percepção de risco, o que não se relaciona com
desconhecimento dos risco, pelo contrário. no caso de Natal, em alguns momentos encontrouse a negação dos riscos, como o próprio desafio, o domínio do perigo e não o inverso, o que
ficou presente na fala, como também através das observações: uso de cigarros nos momentos
de pulverização, pulverização em horários quentes, a não utilização de epi, uso de embalagens
como copos e outros.
Os procedimentos defensivos evitam o desequilíbrio e a descompensação , inclusive por se
regulamentarem no coletivo. A regularização do sistema defensivo necessita que o núcleo
familiar também se engaje e contribua para sua estabilização. Na prática isto foi constatado,
todas as esposas entrevistadas, no geral, tinham atitudes semelhantes às dos horticultores.
Não se pretende afirmar que o trabalhador não necessite de uma melhor formação para
manipular agrotóxicos, mas que sejam consideradas as defesas do trabalhador, as quais são
estruturadas para suportar o trabalho e a quebra destas podem trazer várias conseqüências para
a saúde mental, e também o saber-fazer do trabalhador, que não pode ser desprezado por
visões técnicas e sim complementados. Estes aspectos devem ser pensados em qualquer
atividade a ser desenvolvida com o intuito de diminuir ou evitar a exposição do trabalhador
aos riscos de uso de agrotóxicos. A não observância de tais fatos leva ao risco de recair em
campanhas de segurança que não trazem resultados significativos por ter uma visão
unidirecional do problema.
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GARCIA, Eduardo Garcia. Segurança e Saúde no Trabalho com Agrotóxicos: contribuição
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(Doutorado em Sociologia Ambiental). Universidade Estadual de Campinas, Campinas.
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do uso de agrotóxicos. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo v.22, n. 82,
abr/jun. 1994.
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