Universidade do Sul de Santa Catarina Instituições de Direito Público e Privado Disciplina na modalidade a distância Universidade do Sul de Santa Catarina Instituições de Direito Público e Privado Disciplina na modalidade a distância Palhoça UnisulVirtual 2011 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 1 02/03/12 09:48 Créditos Universidade do Sul de Santa Catarina | Campus UnisulVirtual | Educação Superior a Distância Avenida dos Lagos, 41 – Cidade Universitária Pedra Branca | Palhoça – SC | 88137-900 | Fone/fax: (48) 3279-1242 e 3279-1271 | E-mail: [email protected] | Site: www.unisul.br/unisulvirtual Reitor Ailton Nazareno Soares Vice-Reitor Sebastião Salésio Heerdt Chefe de Gabinete da Reitoria Willian Corrêa Máximo Pró-Reitor de Ensino e Pró-Reitor de Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação Mauri Luiz Heerdt Pró-Reitora de Administração Acadêmica Miriam de Fátima Bora Rosa Pró-Reitor de Desenvolvimento e Inovação Institucional Valter Alves Schmitz Neto Diretora do Campus Universitário de Tubarão Milene Pacheco Kindermann Diretor do Campus Universitário da Grande Florianópolis Hércules Nunes de Araújo Secretária-Geral de Ensino Solange Antunes de Souza Diretora do Campus Universitário UnisulVirtual Jucimara Roesler Equipe UnisulVirtual Diretor Adjunto Moacir Heerdt Secretaria Executiva e Cerimonial Jackson Schuelter Wiggers (Coord.) Marcelo Fraiberg Machado Tenille Catarina Assessoria de Assuntos Internacionais Murilo Matos Mendonça Assessoria de Relação com Poder Público e Forças Armadas Adenir Siqueira Viana Walter Félix Cardoso Junior Assessoria DAD - Disciplinas a Distância Patrícia da Silva Meneghel (Coord.) Carlos Alberto Areias Cláudia Berh V. da Silva Conceição Aparecida Kindermann Luiz Fernando Meneghel Renata Souza de A. Subtil Assessoria de Inovação e Qualidade de EAD Denia Falcão de Bittencourt (Coord.) Andrea Ouriques Balbinot Carmen Maria Cipriani Pandini Assessoria de Tecnologia Osmar de Oliveira Braz Júnior (Coord.) Felipe Fernandes Felipe Jacson de Freitas Jefferson Amorin Oliveira Phelipe Luiz Winter da Silva Priscila da Silva Rodrigo Battistotti Pimpão Tamara Bruna Ferreira da Silva Coordenação Cursos Coordenadores de UNA Diva Marília Flemming Marciel Evangelista Catâneo Roberto Iunskovski Auxiliares de Coordenação Ana Denise Goularte de Souza Camile Martinelli Silveira Fabiana Lange Patricio Tânia Regina Goularte Waltemann Coordenadores Graduação Aloísio José Rodrigues Ana Luísa Mülbert Ana Paula R.Pacheco Artur Beck Neto Bernardino José da Silva Charles Odair Cesconetto da Silva Dilsa Mondardo Diva Marília Flemming Horácio Dutra Mello Itamar Pedro Bevilaqua Jairo Afonso Henkes Janaína Baeta Neves Jorge Alexandre Nogared Cardoso José Carlos da Silva Junior José Gabriel da Silva José Humberto Dias de Toledo Joseane Borges de Miranda Luiz G. Buchmann Figueiredo Marciel Evangelista Catâneo Maria Cristina Schweitzer Veit Maria da Graça Poyer Mauro Faccioni Filho Moacir Fogaça Nélio Herzmann Onei Tadeu Dutra Patrícia Fontanella Roberto Iunskovski Rose Clér Estivalete Beche Vice-Coordenadores Graduação Adriana Santos Rammê Bernardino José da Silva Catia Melissa Silveira Rodrigues Horácio Dutra Mello Jardel Mendes Vieira Joel Irineu Lohn José Carlos Noronha de Oliveira José Gabriel da Silva José Humberto Dias de Toledo Luciana Manfroi Rogério Santos da Costa Rosa Beatriz Madruga Pinheiro Sergio Sell Tatiana Lee Marques Valnei Carlos Denardin Sâmia Mônica Fortunato (Adjunta) Coordenadores Pós-Graduação Aloísio José Rodrigues Anelise Leal Vieira Cubas Bernardino José da Silva Carmen Maria Cipriani Pandini Daniela Ernani Monteiro Will Giovani de Paula Karla Leonora Dayse Nunes Letícia Cristina Bizarro Barbosa Luiz Otávio Botelho Lento Roberto Iunskovski Rodrigo Nunes Lunardelli Rogério Santos da Costa Thiago Coelho Soares Vera Rejane Niedersberg Schuhmacher Gerência Administração Acadêmica Angelita Marçal Flores (Gerente) Fernanda Farias Secretaria de Ensino a Distância Samara Josten Flores (Secretária de Ensino) Giane dos Passos (Secretária Acadêmica) Adenir Soares Júnior Alessandro Alves da Silva Andréa Luci Mandira Cristina Mara Schauffert Djeime Sammer Bortolotti Douglas Silveira Evilym Melo Livramento Fabiano Silva Michels Fabricio Botelho Espíndola Felipe Wronski Henrique Gisele Terezinha Cardoso Ferreira Indyanara Ramos Janaina Conceição Jorge Luiz Vilhar Malaquias Juliana Broering Martins Luana Borges da Silva Luana Tarsila Hellmann Luíza Koing Zumblick Maria José Rossetti instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 2 Marilene de Fátima Capeleto Patricia A. Pereira de Carvalho Paulo Lisboa Cordeiro Paulo Mauricio Silveira Bubalo Rosângela Mara Siegel Simone Torres de Oliveira Vanessa Pereira Santos Metzker Vanilda Liordina Heerdt Gestão Documental Patrícia de Souza Amorim Poliana Simao Schenon Souza Preto Karine Augusta Zanoni Marcia Luz de Oliveira Mayara Pereira Rosa Luciana Tomadão Borguetti Gerência de Desenho e Desenvolvimento de Materiais Didáticos Assuntos Jurídicos Márcia Loch (Gerente) Bruno Lucion Roso Sheila Cristina Martins Desenho Educacional Marketing Estratégico Rafael Bavaresco Bongiolo Carolina Hoeller da Silva Boing Vanderlei Brasil Francielle Arruda Rampelotte Cristina Klipp de Oliveira (Coord. Grad./DAD) Roseli A. Rocha Moterle (Coord. Pós/Ext.) Aline Cassol Daga Aline Pimentel Carmelita Schulze Daniela Siqueira de Menezes Delma Cristiane Morari Eliete de Oliveira Costa Eloísa Machado Seemann Flavia Lumi Matuzawa Geovania Japiassu Martins Isabel Zoldan da Veiga Rambo João Marcos de Souza Alves Leandro Romanó Bamberg Lygia Pereira Lis Airê Fogolari Luiz Henrique Milani Queriquelli Marcelo Tavares de Souza Campos Mariana Aparecida dos Santos Marina Melhado Gomes da Silva Marina Cabeda Egger Moellwald Mirian Elizabet Hahmeyer Collares Elpo Pâmella Rocha Flores da Silva Rafael da Cunha Lara Roberta de Fátima Martins Roseli Aparecida Rocha Moterle Sabrina Bleicher Verônica Ribas Cúrcio Reconhecimento de Curso Acessibilidade Multimídia Lamuniê Souza (Coord.) Clair Maria Cardoso Daniel Lucas de Medeiros Jaliza Thizon de Bona Guilherme Henrique Koerich Josiane Leal Marília Locks Fernandes Gerência Administrativa e Financeira Renato André Luz (Gerente) Ana Luise Wehrle Anderson Zandré Prudêncio Daniel Contessa Lisboa Naiara Jeremias da Rocha Rafael Bourdot Back Thais Helena Bonetti Valmir Venício Inácio Gerência de Ensino, Pesquisa e Extensão Janaína Baeta Neves (Gerente) Aracelli Araldi Elaboração de Projeto Maria de Fátima Martins Extensão Maria Cristina Veit (Coord.) Pesquisa Daniela E. M. Will (Coord. PUIP, PUIC, PIBIC) Mauro Faccioni Filho (Coord. Nuvem) Pós-Graduação Anelise Leal Vieira Cubas (Coord.) Biblioteca Salete Cecília e Souza (Coord.) Paula Sanhudo da Silva Marília Ignacio de Espíndola Renan Felipe Cascaes Gestão Docente e Discente Enzo de Oliveira Moreira (Coord.) Capacitação e Assessoria ao Docente Alessandra de Oliveira (Assessoria) Adriana Silveira Alexandre Wagner da Rocha Elaine Cristiane Surian (Capacitação) Elizete De Marco Fabiana Pereira Iris de Souza Barros Juliana Cardoso Esmeraldino Maria Lina Moratelli Prado Simone Zigunovas Tutoria e Suporte Anderson da Silveira (Núcleo Comunicação) Claudia N. Nascimento (Núcleo Norte- Nordeste) Maria Eugênia F. Celeghin (Núcleo Pólos) Andreza Talles Cascais Daniela Cassol Peres Débora Cristina Silveira Ednéia Araujo Alberto (Núcleo Sudeste) Francine Cardoso da Silva Janaina Conceição (Núcleo Sul) Joice de Castro Peres Karla F. Wisniewski Desengrini Kelin Buss Liana Ferreira Luiz Antônio Pires Maria Aparecida Teixeira Mayara de Oliveira Bastos Michael Mattar Vanessa de Andrade Manoel (Coord.) Letícia Regiane Da Silva Tobal Mariella Gloria Rodrigues Vanesa Montagna Avaliação da aprendizagem Portal e Comunicação Catia Melissa Silveira Rodrigues Andreia Drewes Luiz Felipe Buchmann Figueiredo Rafael Pessi Gerência de Produção Arthur Emmanuel F. Silveira (Gerente) Francini Ferreira Dias Design Visual Pedro Paulo Alves Teixeira (Coord.) Alberto Regis Elias Alex Sandro Xavier Anne Cristyne Pereira Cristiano Neri Gonçalves Ribeiro Daiana Ferreira Cassanego Davi Pieper Diogo Rafael da Silva Edison Rodrigo Valim Fernanda Fernandes Frederico Trilha Jordana Paula Schulka Marcelo Neri da Silva Nelson Rosa Noemia Souza Mesquita Oberdan Porto Leal Piantino Sérgio Giron (Coord.) Dandara Lemos Reynaldo Cleber Magri Fernando Gustav Soares Lima Josué Lange Claudia Gabriela Dreher Jaqueline Cardozo Polla Nágila Cristina Hinckel Sabrina Paula Soares Scaranto Thayanny Aparecida B. da Conceição Conferência (e-OLA) Gerência de Logística Marcelo Bittencourt (Coord.) Jeferson Cassiano A. da Costa (Gerente) Logísitca de Materiais Carlos Eduardo D. da Silva (Coord.) Abraao do Nascimento Germano Bruna Maciel Fernando Sardão da Silva Fylippy Margino dos Santos Guilherme Lentz Marlon Eliseu Pereira Pablo Varela da Silveira Rubens Amorim Yslann David Melo Cordeiro Avaliações Presenciais Graciele M. Lindenmayr (Coord.) Ana Paula de Andrade Angelica Cristina Gollo Cristilaine Medeiros Daiana Cristina Bortolotti Delano Pinheiro Gomes Edson Martins Rosa Junior Fernando Steimbach Fernando Oliveira Santos Lisdeise Nunes Felipe Marcelo Ramos Marcio Ventura Osni Jose Seidler Junior Thais Bortolotti Carla Fabiana Feltrin Raimundo (Coord.) Bruno Augusto Zunino Gabriel Barbosa Produção Industrial Gerência Serviço de Atenção Integral ao Acadêmico Maria Isabel Aragon (Gerente) Ana Paula Batista Detóni André Luiz Portes Carolina Dias Damasceno Cleide Inácio Goulart Seeman Denise Fernandes Francielle Fernandes Holdrin Milet Brandão Jenniffer Camargo Jessica da Silva Bruchado Jonatas Collaço de Souza Juliana Cardoso da Silva Juliana Elen Tizian Kamilla Rosa Mariana Souza Marilene Fátima Capeleto Maurício dos Santos Augusto Maycon de Sousa Candido Monique Napoli Ribeiro Priscilla Geovana Pagani Sabrina Mari Kawano Gonçalves Scheila Cristina Martins Taize Muller Tatiane Crestani Trentin Gerência de Marketing Eliza B. Dallanhol Locks (Gerente) Relacionamento com o Mercado Alvaro José Souto Relacionamento com Polos Presenciais Alex Fabiano Wehrle (Coord.) Jeferson Pandolfo 02/03/12 09:48 Raphael Lima de Abreu João Claudio Righetto Moreira Deisi Cristini Schveitzer Lauro Jose Ballock Flávio Nodari Monteiro Zuleika Kalinka Schlemmer Instituições de Direito Público e Privado Livro didático Design instrucional Marcelo Mendes de Souza 1a edição revista Palhoça UnisulVirtual 2011 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 3 02/03/12 09:48 Copyright © UnisulVirtual 2011 Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por qualquer meio sem a prévia autorização desta instituição. Edição – Livro Didático Professor Conteudista Raphael Lima de Abreu João Claudio Righetto Moreira Deisi Cristini Schveitzer Lauro Jose Ballock Flávio Nodari Monteiro Zuleika Kalinka Schlemmer Design Instrucional Marcelo Mendes de Souza Assistente Acadêmico Aline Cassol Daga (1a ed. rev.) Projeto Gráfico e Capa Equipe UnisulVirtual Diagramação Patrícia Fragnani de Morais Frederico Trilha (1a ed. rev.) Revisão Ortográfica B2B 341 I47 Instituições de direito público e privado : livro didático / Raphael Lima de Abreu . [et al.] ; design instrucional Marcelo Mendes de Souza ; [assistente acadêmico Aline Cassol Daga]. – 1. ed. rev. – Palhoça : UnisulVirtual, 2011. 289 p. : il. ; 28 cm. Inclui bibliografia. 1. Direito público. 2. Direito privado. I. Abreu, Raphael Lima de. II. Moreira, João Claudio Righetto. III. Schveitzer, Deisi Cristini. IV. Ballock, Lauro Jose. V. Monteiro, Flávio Nodari. VI. Schlemmer, Zuleika Kalinka. VII. Souza, Marcelo Mendes de. VIII. Daga, Aline Cassol. Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Universitária da Unisul instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 4 02/03/12 09:48 Sumário Apresentação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7 Palavras dos professores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9 Plano de estudo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11 UNIDADE 1 - O Estado. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17 UNIDADE 2 - O Direito. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51 UNIDADE 3 - O Direito Constitucional. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75 UNIDADE 4 - Noções de Direito Civil. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 109 UNIDADE 5 - Noções básicas de Direito Penal. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 137 UNIDADE 6 - O Direito e a Administração Pública. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 227 Para concluir o estudo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 277 Referências. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 279 Sobre o professor conteudista. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 283 Respostas e comentários das atividades de autoavaliação. . . . . . . . . . . . . . 285 Biblioteca Virtual. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 289 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 5 02/03/12 09:48 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 6 02/03/12 09:48 Apresentação Este livro didático corresponde à disciplina Instituições de Direito Público e Privado. O material foi elaborado visando a uma aprendizagem autônoma e aborda conteúdos especialmente selecionados e relacionados à sua área de formação. Ao adotar uma linguagem didática e dialógica, objetivamos facilitar seu estudo a distância, proporcionando condições favoráveis às múltiplas interações e a um aprendizado contextualizado e eficaz. Lembre-se que sua caminhada, nesta disciplina, será acompanhada e monitorada constantemente pelo Sistema Tutorial da UnisulVirtual, por isso a “distância” fica caracterizada somente na modalidade de ensino que você optou para sua formação, pois na relação de aprendizagem professores e instituição estarão sempre conectados com você. Então, sempre que sentir necessidade entre em contato; você tem à disposição diversas ferramentas e canais de acesso tais como: telefone, e-mail e o Espaço Unisul Virtual de Aprendizagem, que é o canal mais recomendado, pois tudo o que for enviado e recebido fica registrado para seu maior controle e comodidade. Nossa equipe técnica e pedagógica terá o maior prazer em lhe atender, pois sua aprendizagem é o nosso principal objetivo. Bom estudo e sucesso! Equipe UnisulVirtual. 7 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 7 02/03/12 09:48 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 8 02/03/12 09:48 Palavras dos professores Caro(a) aluno(a): Seja bem-vindo(a) à disciplina de Instituições de Direito Público e Privado. Daniel Defoe escreveu uma história há muito lembrada, cujo personagem principal, Robinson Crusoé, náufrago perdido em uma ilha, sobrevive vinte e oito anos sozinho, até a chegada de outro personagem, o Sexta-feira. O convívio destes dois, naturalmente, faz surgirem regras, isto porque o Direito é um fenômeno social que se manifesta sempre que há o convívio de duas ou mais pessoas. E, a exemplo do que acontecia com o personagem de Defoe, não havia Direito, não havia regras de convivência anteriormente à chegada de outro indivíduo, o Sexta-feira. A sobrevivência do primeiro personagem de Defoe dependia, é claro, da vontade de seu criador, que a explicava pela resistência física e psicológica de Robinson Crusoé, pela esperança e inteligência e pelas circunstâncias da natureza. A partir do momento em que este personagem encontra outro indivíduo e com ele estabelece um convívio, vão-se delineando indicadores de como o Direito surge naturalmente, pelo convívio. E, ressalte-se, anteriormente ao surgimento do Estado. Ao longo da história, o Direito tornou-se a ciência através da qual a humanidade busca a solução para a problemática entre a distribuição do poder estatal e da justiça, uma forma de construir um Estado e, ao mesmo tempo, fazê-lo respeitar e garantir os direitos individuais fundamentais. instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 9 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina O Direito Civil e o Direito Penal datam de séculos, e o Direito Constitucional, mais recente (século XVIII – Constituição Estadunidense), abriu caminho para o estudo e desenvolvimento do Estado Democrático e de Direito. Há na doutrina mais atual uma linha de estudos que busca delinear um modelo de Estado denominado Constitucional como resultado da evolução do Estado Democrático de Direito. Os conteúdos estudados na disciplina Instituições de Direito Público e Privado são fundamentais para auxiliar o aluno a compreender o surgimento e a evolução do Direito e do Estado, bem como a evolução das relações sociais e políticas entre os indivíduos, e, deles, com o Poder Estatal. Caro(a) aluno(a), desejamos que o estudo da disciplina Instituições de Direito Público e Privado possa despertar ou desenvolver em você as habilidades necessárias para atuar na construção da democracia brasileira. Bem-vindo(a) e bons estudos. 10 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 10 02/03/12 09:48 Plano de estudo O plano de estudos visa a orientá-lo no desenvolvimento da disciplina. Ele possui elementos que o ajudarão a conhecer o contexto da disciplina e a organizar o seu tempo de estudos. O processo de ensino e aprendizagem na UnisulVirtual leva em conta instrumentos que se articulam e se complementam, portanto, a construção de competências se dá sobre a articulação de metodologias e por meio das diversas formas de ação/mediação. São elementos desse processo: o livro didático; o Espaço UnisulVirtual de Aprendizagem (EVA); as atividades de avaliação (a distância, presenciais e de autoavaliação); o Sistema Tutorial. Ementa O Estado. O Direito. O Direito Constitucional. Noções de Direito Civil. Noções básicas de Direito Penal. O Direito e a Administração Pública. instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 11 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina Objetivos Geral: Fornecer suporte teórico que auxilie o(a) aluno(a) na interpretação da relação entre o Estado e os indivíduos e as relações jurídicas entre eles, para ajudá-lo(a) a identificar e conhecer quais são as instituições de direito público e privado que influenciam no seu dia a dia. Específico: Apresentar as teorias do surgimento do Estado, as principais transformações ocorridas a partir do Estado Medieval até o modelo de Estado Democrático de Direito. Identificar o Direito como Justiça e como norma positiva. Delinear o Direito Constitucional, o Direito Civil e o Direito Penal. Estabelecer a relação entre o Direito e a Administração Pública. Carga Horária A carga horária total da disciplina é 60 horas-aula, 4 créditos. Conteúdo programático/objetivos Veja, a seguir, as unidades que compõem o livro didático desta disciplina e os seus respectivos objetivos. Estes se referem aos resultados que você deverá alcançar ao final de uma etapa de estudo. Os objetivos de cada unidade definem o conjunto de conhecimentos que você deverá possuir para o desenvolvimento de habilidades e competências necessárias à sua formação. Unidades de estudo: 6 12 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 12 02/03/12 09:48 Instituições de Direito Público e Privado Unidade 1: O Estado (8h/a) Esta unidade procura delinear as teorias do surgimento do Estado até a atual concepção de Estado Democrático e de Direito, qual seja, aquele cujo fundamento é a participação popular e em que a lei será o instrumento garantidor de direitos e deveres individuais, bem como servirá para organizar o Estado e limitar o seu poder. Ao final do estudo desta unidade, você estará apto(a) a compreender a atual relação entre o Estado Democrático de Direito e os indivíduos. Unidade 2: O Direito (10 h/a) Nesta unidade, você conhecerá o Direito – o Direito como norma, como força normativa, impositiva de direitos e deveres, portanto, como instrumento que consolida direitos e garantias individuais e, ao mesmo tempo, é limitador e organizador do Estado, fortalecendo o Estado Democrático de Direito. Finalizando-a, você estará apto(a) a compreender o surgimento e a existência do Direito como ciência e como fenômeno natural numa sociedade, bem como compreender o Direito como justiça. Unidade 3: O Direito Constitucional (12 h/a) Nesta unidade, você conhecerá o Direito Constitucional. Ao final do estudo desta unidade, você estará apto(a) a identificar como o Direito Constitucional se tornou o principal documento político avalizador de direitos e garantias individuais, inclusive o direito de organizar e limitar o poder do Estado, para a realização do bem comum. Unidade 4: Noções de Direito Civil (10 h/a) Nesta unidade, você terá, através de breve delineamento histórico, uma ideia da evolução da lei civil no mundo. Ao final desta unidade, você deverá estar apto(a) a identificar as principais instituições de direito privado existentes no Brasil e a abrangência de nosso Direito Civil. 13 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 13 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina Unidade 5: Noções básicas de Direito Penal (10 h/a) Apresenta-se, nesta unidade, a origem e evolução do Direito Penal, desde a fase da vingança privada até o atual modelo de punição Estatal, passando pela divisão do Código Penal Brasileiro em parte geral, de conteúdo orientador, e parte especial, com delineamento dos tipos penais e especial destaque para os crimes contra a Administração Pública. Ainda, como guardião dos princípios mais importantes da ordem econômica, tais como a vida, a liberdade e a propriedade. Ao final da unidade, você estará apto(a) a compreender a função e a razão de existência do Direito Penal numa sociedade. Unidade 6: O Direito e a Administração Pública (10 h/a) Nesta unidade, você vai conhecer o Direito Administrativo e suas relações com a sociedade e com outros ramos do Direito. Ao final desta unidade, você vai conhecer os princípios gerais de Direito Administrativo, assim como conceituar Administração Pública, conhecer os princípios que regem sua atividade e conhecer as entidades que a compõem. 14 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 14 02/03/12 09:48 Instituições de Direito Público e Privado Agenda de atividades/ Cronograma Verifique com atenção o EVA, organize-se para acessar periodicamente a sala da disciplina. O sucesso nos seus estudos depende da priorização do tempo para a leitura, da realização de análises e sínteses do conteúdo e da interação com os seus colegas e tutor. Não perca os prazos das atividades. Registre no espaço a seguir as datas com base no cronograma da disciplina disponibilizado no EVA. Use o quadro para agendar e programar as atividades relativas ao desenvolvimento da disciplina. Atividades obrigatórias Demais atividades (registro pessoal) 15 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 15 02/03/12 09:48 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 16 02/03/12 09:48 UNIDADE 1 O Estado Raphael Lima de Abreu (Agradecimento à colaboração de Myriam Righetto) Objetivos de aprendizagem Conhecer o conceito de Estado, suas finalidades e as teorias sobre o seu surgimento. Entender a evolução do modelo antigo até a atual 1 concepção de Estado Democrático e de Direito. Compreender a atual relação entre o Estado Democrático de Direito e os indivíduos. Seções de estudo Seção 1 O Estado, conceito e finalidade Seção 2 Seção 3 Teorias do surgimento originário e derivado do Estado A consolidação do Estado Moderno Seção 4 O Constitucionalismo instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 17 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina Para início de estudo Nesta unidade, estudaremos o Estado. Na busca pela justiça, dar a cada um o que é seu, o homem adotou as regras, normas, leis e constituições como forma de atender a este interesse individual. O Direito, portanto, pode ser entendido como resultado natural do convívio humano, de se viver em grupo, e, muitas vezes, por questões de sobrevivência, existindo, antes mesmo que o Estado, como, por exemplo, nas aldeias e clãs primitivos. Em tempos primórdios da humanidade, clãs e aldeias detinham certa organização e, em decorrência, o poder, sobrepujando seus membros notadamente pela força e, mesmo, punindo-os. Podiam banir alguém do convívio do grupo por exemplo, o que, em muitos casos, significava uma sentença de morte, pois a vida na Terra já se apresentou muito difícil para o homem. Quando o homem conhecido como Moisés conduziu o povo israelita à Terra Prometida, detinha real liderança, fundamentada na fé de seus membros, e isto lhe conferia poder para dizer, em nome de Deus, quais caminhos o grupo seguiria até chegar lá. Outras formas de exercer o poder do grupo surgiram ao longo da história, ao ponto de os Parlamentos se anteciparem ao surgimento do Estado. Os conselhos de anciãos, de nobres, de religiosos e daqueles que, de alguma maneira, podiam interferir no exercício do poder de criar regras exerciam o Poder do grupo: suas decisões tornavam-se, deste modo, regras. E é assim que, comprovadamente, antes do surgimento do Estado, já havia o Direito. Pelo Direito, as sociedades, as famílias reunidas ou um determinado povo em um dado território acabaram criando ou reconhecendo a necessidade de haver um ente que exercesse o poder do grupo, capaz de distribuir justiça para todos de maneira democrática. Vale dizer: os integrantes do grupo podem participar do exercício e do controle deste Poder. Como exemplo, destaca-se o fato de que uma das funções dos Parlamentares é a de fiscalizar o uso do Poder, evitando abusos. Essa é a prova 18 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 18 02/03/12 09:48 Instituições de Direito Público e Privado de que o sistema democrático permite o exercício do Poder de governar os demais, conforme o interesse do povo, dos indivíduos que o compõem. Fustel de Coulanges destaca que o que movimenta os indivíduos são os interesses, e, segundo Sahid Maluf, “são eles que fazem as instituições e que decidem sobre a maneira pela qual uma comunidade se organiza politicamente”. As instituições ajudam a formar um Estado sólido, justamente por força da participação popular, da igualdade, e é através dela que os interesses individuais e coletivos, conforme o autor esclareceu, criam e decidem os rumos de instituições. Ou seja: o Poder do Estado emana do povo, sempre foi assim, embora muitas vezes tal fosse desvirtuado ou mal utilizado. De qualquer maneira, a força principal é o elemento humano, uma vez que não há Estado sem povo. No Brasil de hoje, o reconhecimento da origem do poder do Estado está na Constituição Federal de 1988. Após passar por um regime militar que cerceou direitos e garantias individuais, na contramão da democracia, o país positivou em sua lei mais importante e de maior hierarquia que o poder emana do povo e em seu nome será exercido. O modelo estatal pode ter evoluído a partir do agrupamento de famílias e clãs, por força da fé, isto que é explicado mais pela metafísica, ou, simplesmente, evoluído como a história, em níveis diferentes em determinados territórios, mas, em comum, na busca desse modelo capaz de distribuir justiça para todos, ao menos como um ideal, como é o conceito de Estado. Karl Schmidt diz que “o conceito de Estado não é um conceito geral válido para todos os tempos, mas é um conceito histórico concreto, que surge quando nascem a ideia e a prática da soberania, o que só ocorreu no século XVII”. Defendendo que o Estado só existiu após a reunião de certas características presentes nas sociedades políticas está Giorgio Balladore Pallieri, que indica precisamente o ano em que o Estado nasceu e aduz que “a data oficial em que o mundo ocidental se apresenta organizado em Estados é a de 1648, ano em que foi assinada a paz de Westfália”. Unidade 1 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 19 A paz de Westfália, que o autor indica como o momento culminante na criação do Estado, e que muitos outros consideram o ponto de separação entre o Estado Medieval e o Estado Moderno, foi consubstanciada em dois tratados, assinados nas cidades westfalianas de Munster e Onsbruck. Pelos tratados de Westfália, assinados em 1648, foram fixados os limites territoriais resultantes das guerras religiosas, principalmente da Guerra dos Trinta Anos, movida pela França e seus aliados contra a Alemanha. A França, governada então pelo Rei Luiz XIV, consolidou por aqueles tratados inúmeras aquisições territoriais, inclusive a Alsácia. A Alemanha, territorialmente prejudicada, beneficiouse, entretanto, como todos os demais Estados, pelo reconhecimento de limites dentro dos quais teria poder soberano. 19 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina Atualmente, o Estado é uma realidade inegável e consolidada, razão pela qual é preciso conhecê-lo e estudá-lo, aperfeiçoando-o para que ele proporcione o crescente desenvolvimento do seu povo. As teorias que explicam seu surgimento podem ser classificadas em formação originária e derivada. Seção 1 - O Estado, conceito e finalidade O Estado moderno pode ser entendido como a sociedade jurídica ou politicamente organizada. Daí decorre, por lógico, que, antes do surgimento do Estado, o ser humano precisou aprender a viver em coletividade, interagindo conforme as necessidades e interesses e organizando-se socialmente. O desenvolvimento do homem deu-se de diversas formas, com destaque para o período que segue as primeiras grandes descobertas, tais como a manipulação e a produção do fogo, as armas de caça, a agricultura, as estratégias de caça em grupo, a orientação para navegação, entre outras muitas, algumas descritas na obra “O Macaco Nu” (2003), de Desmond Morris, e pelo historiador Jaime Pinsky, com “As primeiras civilizações”. Tudo isso demonstra como o ser humano vem evoluindo rapidamente, e que a organização social tem primordial influência nisso. O Estado encontra nas suas origens, com todos os seus elementos, muitas semelhanças com os passos seguidos pelo homem na organização social. A sociedade pode ter-se organizado segundo duas teorias: a primeira considera isto um fato natural, ou seja, consequência espontânea do convívio; já a segunda teoria aposta num acordo de vontades como fator determinante para a organização social. Como fato natural, o surgimento do Estado ter-se-á dado em decorrência da evolução histórica, em razão da evolução natural das famílias. Ou, não excludentemente, como resultante da violência (governo dos vencedores sobre os vencidos). Também 20 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 20 02/03/12 09:48 Instituições de Direito Público e Privado poderia ter-se originado nos meandros da economia. Ainda: seria fruto de um acordo de vontades (esta corrente defende o contrato social como precursor do Estado). Essas teorias de surgimento do Estado são também divididas em modo originário e derivado. Os modos originários são os classificados como de ordem natural de surgimento. Os modos de origem derivada são classificados como fruto de um acordo de vontades. Como exemplo da origem derivada, pode-se apontar o surgimento de um novo Estado pelo seu fracionamento ou pela união de um com outro ou mais Estados, como a extinta União Soviética. Essa classificação ajuda a compreender o modelo do Estado que se estuda, partindo-se da análise do seu surgimento, a finalidade com que ele foi criado e as bases em que ele se fundamenta. Veja, então, prezado(a) aluno(a), que, antes mesmo da organização política da sociedade, o ser humano primeiro organizou o seu convívio e deu solução, pelo Direito, para a problemática dos conflitos inerentes às relações sociais. Daí decorre, logicamente e cronologicamente, que o Estado surge depois da sociedade e depois do Direito. O Direito tornou-se, ao longo da história, a forma de solucionar os conflitos de interesses entre os particulares, e de resolver o problema do abuso do poder. No Estado de Direito, a lei é a forma pela qual o Estado se organiza politicamente. Caso se trate de um Estado Democrático, há participação popular no governo e na distribuição do poder estatal. De outro modo, trata-se de um Estado Democrático de Direito, a lei garante a participação popular no exercício do poder e, ao mesmo tempo, organiza e limita este mesmo poder. Unidade 1 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 21 21 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina Tradicionalmente, os direitos dos indivíduos são amparados pelo Direito, uma vez que, como veremos, surgiu ou foi descoberto pelo homem para ajudar na ordem social e proporcionar a justiça, funcionando como instrumento de pacificação social, pois o homem não vive sozinho, seja por razões da sua natureza e condição humana, seja por impulso de interesses ou vontades. A doutrina identifica ao menos três elementos essenciais do Estado: povo, território, e soberania. O estudo da soberania é um dos temas mais polêmicos, seja no âmbito interno do Estado, seja em relação a outros Estados internacionais. O atual modelo de Estado brasileiro contém esses três elementos. A população pode ser nacional, como no Brasil, ou plurinacional, como na Grã-Bretanha. Quanto ao seu território, ele pode ser central, sem contato com o mar, ou marítimo. O governo soberano, por seu turno, representa a autonomia política do Estado para sua população e para outros Estados. O governo é, pois, o mandatário do Poder de exercer a soberania, outorgada pelo seu povo e por isso exercida conforme seu interesse. Entenda-se por soberania o poder do Estado de autodeterminação perante outros Estados e de ditar regras e aplicar sanção no contexto das relações sociais. O(a) aluno(a) deve perceber que o indivíduo e seus interesses são a fonte e a razão do atual poder estatal, e que assim o foi desde o seu surgimento. Alerta-se, porém, que nem sempre o Estado serviu para atender os interesses do seu povo, mas de indivíduos ou pequenos grupos, como nos Estados totalitários e nos absolutos. 22 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 22 02/03/12 09:48 Instituições de Direito Público e Privado O conceito de Estado de Jellinek, adotado por Paulo Bonavides, aponta que o Estado “é a corporação de um povo, assentada num determinado território e dotada de um poder originário de mando”. Por esse conceito, comprova-se como é necessária a existência de indivíduos para a formação de um Estado e como é necessário que eles trabalhem em cooperação, ou seja, participem do surgimento e da organização do Estado. O povo é, portanto, elemento essencial para a formação de um Estado, bem como é de grande importância a participação popular. A participação popular pode-se dar, por exemplo, através do voto e da participação em audiências e consultas públicas, bem como diretamente, para organizar e assumir as funções desse Estado, seja como mandatário ou como funcionário público. Ao final do conceito, Bonavides apresenta o elemento poder originário de mando. Eis aquele que, nesse primeiro momento de estudo mais nos interessa, pois a forma pela qual o homem atribuiu o Poder Estatal ajuda a entender a origem e a justificativa do surgimento do Estado. Norberto Bobbio, na obra “Estado, Governo, Sociedade – Para uma teoria geral da política”, disse que a palavra Estado firmou-se e difundiu-se em virtude da influência da obra de Maquiavel, “O Príncipe”, que utilizou o termo com as seguintes palavras: “Todos os estados, todos os domínios que imperaram e imperam sobre os homens, foram e são repúblicas ou principados”. Porém, sempre conforme Bobbio, isso não significa necessariamente que a palavra Estado tenha sido introduzida por Maquiavel. Ainda, segundo Bobbio, no ano de quatrocentos (século XV) e quinhentos (século XVI), o termo “status”, que significava situação, já havia sido utilizado no sentido moderno de Estado, ou seja, como sinônimo de máxima organização de um grupo de indivíduos sobre um território, em virtude de um poder de comando. Sendo assim, Maquiavel apenas aplicou em sua teoria uma expressão conhecida, isso porque, nos séculos XV e XVI, havia a civitas, a polis e a res publica, que os romanos designavam como o conjunto das instituições políticas de Roma. Unidade 1 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 23 A expressão civitas correspondia à cidadania do romano, ou seja, o direito e o dever que o cidadão tinha de participar da vida política, uma vez que ele está inserido na polis, ou seja, na cidade que representava o início da organização estatal moderna, e que a soma desses elementos ajuda a compor a coisa pública, a res publica, conjunto de instituições que interessam ao grupo social e político. 23 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina Não só Maquiavel, como também outros autores da época, que estudaram o Estado e escreveram sobre ele, utilizaram-se de um conceito já conhecido na época. O(a) aluno(a) deve considerar que, desde a Grécia antiga, com Platão, até os dias de hoje, o conceito de Estado é objeto de estudo e discussão. Também é verdade que o Estado tem a característica de transformar-se constantemente, delineando-se aos interesses individuais. Pode-se concluir, a partir dessas duas premissas, que o conceito de Estado acompanhe essas transformações, mas sempre considerando sua existência como algo também verdadeiro, ou existente de fato numa sociedade. A participação popular na formação e transformação do Estado tem suas peculiaridades, visto que, na democracia grega, a participação popular limitava-se ao cidadão e, além disso, havia escravos e as mulheres tinham sua participação política limitada. Na Roma antiga também havia diferenciação entre os indivíduos que poderiam participar da política. Se considerarmos que um grupo social organizado politicamente através de um poder de mando é um Estado, é possível imaginar um Estado primitivo formado pela união de grupos vencedores e vencidos, pelo qual a perspectiva dos sujeitos que o formam é bem diferente da que possuíam os que viveram em Atenas, na Grécia antiga, berço da democracia. O conceito de Estado deve ser entendido conforme sua época, segundo lembrava Karl Schmidt, pois, na história da humanidade, existiu o Estado absoluto, o Estado liberal, comunista, socialista, nazista. Há o Estado Democrático de Direito, o Estado Ditatorial e um possível Estado Constitucional. A clareza no surgimento e na consolidação do Estado é tarefa árdua, motivo pelo qual Bobbio ressalta: “Daí a fortuna do termo ‘Estado’, que, através de modificações ainda não bem esclarecidas, passou de um significado genérico de situação para um significado específico de condição de posse permanente e exclusiva de um território e de comando sobre os seus respectivos habitantes”. 24 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 24 02/03/12 09:48 Instituições de Direito Público e Privado Seção 2 - Teorias do Surgimento Originário e Derivado do Estado Como dissemos anteriormente, indivíduos reunidos em torno de interesses específicos conferiram o poder do grupo a uma entidade fictícia, a qual só existia na sua inteligência e no consenso obtido, mas que era exigível pelo direito eleito pelo coletivo, pelo interesse comum a todos. Mas, quando foi, provavelmente, que surgiu a primeira forma de Estado? Pode parecer difícil imaginar que, nos primórdios da humanidade, quando a linguagem era limitada, o homem primata debatesse sobre como organizar o Poder e o seu uso, mas, a partir do convívio de duas ou mais pessoas, o direito pode surgir e, a partir daí, criam-se regras para o melhor convívio daqueles que se submetem a elas. Dizemos que há a possibilidade de nascer o Direito, pois, em um grupamento de homens em que a única forma de solução de conflito é a violência, se não há o Direito, mas há a autotutela, ou seja, aquele que é mais forte sobrepuja o mais fraco e toma o bem da vida para si, tenha ele direito de tê-lo, ou não. A aceitação das leis de um determinado lugar ajuda a visualizar a possibilidade de debates entre grupos de chefes de clãs, ou de religiosos, ou de grupamentos de homens que rapidamente evoluíram. Após a chamada revolução neolítica, quando melhorou sua técnica de construção de armas, o homem tornou-se agricultor e deixou de ser nômade, fixando-se à terra sempre mais. Com isso, os contornos do Estado tornaram-se mais evidentes, principalmente a questão do território. Entretanto não só de terra se faz um Estado: é preciso também o povo organizado em torno de um governo soberano. Unidade 1 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 25 25 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina Não há consenso doutrinário sobre uma única teoria que explique de maneira completa e inequívoca o surgimento do Estado. Apresentaremos alguns modelos mais recorrentes na doutrina, um sobre a formação originária (teoria da origem familial, contratual, econômica, violenta; e a origem no desenvolvimento interno da sociedade), bem como dois modelos de origem derivada do Estado (fracionamento e união de Estados). Uma certeza você pode ter: a razão pela qual existe o Estado é o indivíduo, muito embora ele já tenha se sustentado pela fé e religião, ou pelo uso da força, ou se submetido à vontade de reis déspotas e tiranos. Porém, no processo democrático moderno, não mais se aceita esse tipo de inversão de interesses, onde o Estado existe por outra razão diferente daquela fundamental, a de atender os interesses individuais. Dizemos surgimento originário por ser o primeiro, pois, antes dele, não haveria qualquer tipo de organização social e política que se assemelhasse ao Estado, você já sabe. São ambas as teorias, formação natural e formação contratual, surgimentos originários, cuja principal diferença reside na causa da formação, pois, na primeira hipótese, não há um conjunto de atos voluntários para a criação do Estado, enquanto que, na segunda hipótese, o acordo de vontades de alguns homens determinaria esse surgimento. Em relação à formação natural do Estado, pode ter tido origem histórica, familial ou violenta, enquanto que a formação do Estado contratual pode ter tido origem no contrato social ou de origem econômica. Para a teoria da formação natural, uma das hipóteses aponta que a família, célula da sociedade, foi a precursora do Estado, em alguns casos a partir da reunião de várias famílias, ora pelo crescimento de uma única família, a qual, acumulando grande patrimônio, acaba por organizar o poder. Leciona Darcy Azambuja: 26 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 26 02/03/12 09:48 Instituições de Direito Público e Privado As mais antigas teorias sobre a origem do Estado vêem nele o desenvolvimento e a ampliação da família. Baseiam-se essas teorias, hoje adotadas por poucos autores, nas tradições e mitos de civilizações antiqüíssimas. Mas, há um evidente equivoco em identificar a origem da humanidade com a origem do Estado. (AZAMBUJA, 1941). É certo que a ampliação e organização das famílias, em determinado lugar na Terra, deu origem a um modelo primitivo de Estado. Entretanto, conforme leciona Azambuja, esta hipótese não deve ter-se confirmado de modo universal, ocorrendo somente em regiões isoladas do planeta. Para demonstrar por que a hipótese de surgimento do Estado pela família acabou sendo uma das menos aceitas, esclarece Azambuja: Sociedade humana e sociedade política não são termos sinônimos. Exatamente quando o homem, pela maioridade, se emancipa da família, é que, de modo consciente e efetivo, passa a intervir na sociedade política. Esta tem fins mais amplos do que a família, e, nos Estados modernos, a autoridade política não tem sequer analogia com a autoridade do chefe de família. O Estado, além disso, é sempre a reunião de inúmeras famílias. Os novos Estados que se têm constituído em períodos recentes, como os Estados americanos, não foram o desenvolvimento de uma só família, mas de muitas. Segue a mesma linha de raciocínio e com mesmo fundamento a teoria de surgimento do Estado pela origem patriarcal e matriarcal. Diz respeito, pois, à teoria meramente conjetural, sem confirmação histórica, muito embora haja quem sustente a existência de um modelo primário de Estado nas lideranças tribais e religiosas antes do ano zero, ou seja, antes de Cristo. Destaca-se, porém, que, na Antiguidade, as razões religiosas davam razão e fundamento para a existência do Estado, legitimando o poder do governante, como por exemplo, do Faraó no Egito antigo. Unidade 1 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 27 27 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina Outra causa que pode ter determinado o surgimento do Estado foi a violência, ou atos de força ou de conquista. Não é difícil imaginar que, nos primórdios da civilização, o uso da força não encontrava limites e que ela era frequentemente utilizada para a solução de conflitos. Entenda-se por conflito toda disputa entre indivíduos por um mesmo bem da vida, seja ele um alimento, um abrigo ou o resultado de uma caça. Pela teoria da causa violenta de surgimento do Estado, com algumas variações na doutrina, temos que os povos mais fortes venciam ou sobrepujavam outro povoado ou grupo mais fraco, resultando numa conjunção de dominantes e dominados, a qual originou o Estado. De fato, há uma teoria de surgimento do Estado que o explica dessa maneira, ou seja, da necessidade de organizar a conjunção de grupos sociais de maior força que, por tal razão, venciam e conquistavam grupos sociais mais fracos. Dalmo de Abreu Dallari assim descreve essa teoria: “Com pequenas variantes, essas teorias sustentam, em síntese, que a superioridade de força de um grupo social permitiu-lhe submeter um grupo mais fraco, nascendo o Estado dessa conjunção de dominantes e dominados”. Dentre os defensores dessa teoria, figura Franz Oppenheimer, que afirma que o Estado foi criado para regular as relações entre vencedores e vencidos e acrescenta que essa dominação teve por finalidade a exploração econômica do grupo vencido pelo vencedor. Teoria muito semelhante é a de Ludwig Gumplowicz. As teorias que consideram o Estado como nascido da violência e da força são quase contemporâneas das teorias contratuais. Bodin, jurista filósofo, por exemplo, admitia que “o Estado ou nasce da convenção ou da violência dos mais fortes”. Mas, sem dúvida, é no pensamento político contemporâneo que as doutrinas da origem violenta do Estado adquiriram foros de verdades científicas. Quase todos os sociólogos, inspirados nas ideias de Darwin, veem na sociedade política o produto da luta pela vida; nos governantes, a sobrevivência dos mais aptos; na estrutura jurídica dos Estados, a organização da concorrência. 28 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 28 02/03/12 09:48 Instituições de Direito Público e Privado O darwinismo político seria a expressão científica do maquiavelismo, pois, insensivelmente, inclui no conceito de força não só violência, mas também a astúcia. Gumplowicz diz que “O Estado é um fenômeno social, produto de ações naturais, de que a primeira é ‘a subjugação de um grupo social por outro grupo e o estabe1ecimento, pe1o primeiro, de uma organização que lhe permite dominar o outro’”. Oppenheimer quase que reproduz as palavras de Gumplowicz, quando diz: O Estado é, inteiramente quanto a sua origem e quase inteiramente quanto a sua natureza durante os primeiros vestígios de existência, uma organização social imposta por um grupo vencedor a um grupo vencido, organização cujo único objetivo é regular a dominação do primeiro sobre o segundo, defendendo sua autoridade contra as revoltas internas e os ataques externos. [...] E esta dominação não teve jamais outro fim senão o da exploração econômica do vencido pelo vencedor. Nenhum Estado primitivo, em toda a história universal, teve origem diversa. Lester Ward expressa as mesmas teorias, afirmando que [...] o Estado nasce com a conquista de um grupo pelo outro e com o progresso que constitui a escravização e não mais a destruição do vencido pelo vencedor. Organiza-se assim a ordem política, fruto dos interesses econômicos do vencedor e de resignação do vencido. Cornejo apresenta os mesmos argumentos e os resume nesta frase sugestiva: “A sobrevivência ideal do companheiro dá origem ao mito; a sobrevivência real do inimigo dá origem à organização política.” Destaca-se que a primeira forma de solucionar conflitos decorrentes do convívio social foi a força, e isso foi classificado pela doutrina do Direito como autotutela. Unidade 1 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 29 29 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina Ainda há nas leis brasileiras algumas hipóteses de autotutela, como a legítima defesa. Entretanto é cediço que este modelo de solução de conflitos desfavorece o mais fraco, o qual, mesmo detentor do direito de ter algo, é desrespeitado por não conseguir, sozinho, sobrepujar a violência que sofre. Poder atribuído a uma autoridade para aplicar a lei nos casos concretos, aos litígios, e punir quem as infrinja em determinada área; área territorial dentro da qual se exerce esse poder; Vara; Alçada, competência. Atividade do Poder Judiciário ou de órgão que a exerce. Refere-se também à área geográfica abrangida por esse órgão. Fonte: <http://www.centraljuridica. com/dicionario/g/1/l/j/dicionario_ juridico/dicionario_juridico.html>. Acesso em 03 fev. 2011. Para evitar esse tipo de injustiça e evitar a barbárie foi que se configurou a necessidade de um ente com força de exigir o respeito aos direitos dos indivíduos. Isto foi resolvido através da jurisdição, que é o poder e o dever do Estado de resolver os conflitos, proporcionando paz social. Já, quanto ao modo originário de formação histórica do Estado, este se confunde com a própria evolução social, uma vez que, à medida que a sociedade se organiza politicamente em um determinado território sob o governo de um ou de poucos, submetendo todos os demais ao poder desse grupo, a presença do Estado se manifesta, segundo a teoria da origem natural. Acontece que essa organização política ocorreu em diversos momentos diferentes na história e, em determinadas épocas, sua força foi relativizada. Os Faraós egípcios, por exemplo, dominavam o Egito antigo, ou seja, havia uma fonte de comando e de ordem, pela qual os demais deveriam submeter-se. Já, na Idade Média, período em que havia o feudalismo como fundamento econômico e social, o poder do rei era relativizado, na medida em que os senhores feudais possuíam poder de mando e de punição sobre as pessoas que viviam sob o seu domínio. Com isso, demonstra-se que a formação histórica do Estado não é linear, pois, na época do feudalismo, por exemplo, o poder estatal estava limitado pelo poder da propriedade privada. Há na doutrina uma espécie de classificação denominada de evolução histórica do Estado, a qual considera os modos originários anteriormente descritos como o conteúdo dessa teoria, bem como os modos derivados, como a união de dois Estados ou o fracionamento de um em dois ou mais. O filósofo Platão, em “Diálogos”, no Livro II de “A República”, esclarece que: 30 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 30 02/03/12 09:48 Instituições de Direito Público e Privado Um Estado nasce das necessidades dos homens; ninguém basta em si mesmo, mas todos nós precisamos de muitas coisas [...] como temos muitas necessidades e fazem-se mister numerosas pessoas para supri-las, cada um vai recorrendo à ajuda deste para tal fim e daquele para tal outro, e quando esses associados e auxiliares se reúnem todos numa só habitação, o conjunto dos habitantes recebe o nome de cidade ou Estado. A partir deste pensamento, Dalmo de Abreu Dallari busca demonstrar que a divisão do trabalho, integrada pelas diversas atividades profissionais, justificaria o motivo econômico do Estado. Dallari destaca que, dentre as teorias que sustentam a origem do Estado por motivos econômicos, a de maior repercussão foi a de Marx e Engels. Eles escreveram a obra “A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado”, na qual, além de negar que o Estado tenha nascido com a sociedade, Engels afirma que “ele é antes um produto da sociedade, quando ela chega a determinado grau de desenvolvimento”. No capítulo do livro de Marx e Engels dedicado à gens grega, após tratar da deterioração do anterior harmônico convívio social em razão da acumulação e diferenciação de riquezas entre os indivíduos e dos males a ela consequentes, lê-se que: Faltava apenas uma coisa: uma instituição que não só assegurasse as novas riquezas individuais contra as tradições comunistas da constituição gentílica; que não só consagrasse a propriedade privada, antes tão pouco estimada, e fizesse dessa consagração santificadora o objetivo mais elevado da comunidade humana, mas também imprimisse o selo geral do reconhecimento da sociedade às novas formas de aquisição da propriedade, que se desenvolviam umas sobre as outras – a acumulação, portanto, cada vez mais acelerada das riquezas: uma instituição que, em uma palavra, não só perpetuasse a nascente divisão da sociedade em classes, mas também o direito de a classe possuidora explorar a não-possuidora e o domínio da primeira sobre a segunda. E essa instituição nasceu. Inventou-se o Estado. (MARX;ENGELS). Unidade 1 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 31 31 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina Dois aspectos se destacam dessa teoria. O primeiro é que, por ela, o Estado foi criado como instrumento manejado pela burguesia para a exploração do proletariado; e a segunda, que o Estado pode ser extinto a qualquer tempo, uma vez que seria uma criação artificial para atender o interesse de uma minoria. Até o momento, você pôde perceber que os modos originários de surgimento do Estado tanto podem ser decorrência natural do convívio humano, como pode também ter sido fruto da criação do homem. Neste diapasão, portanto, apresentamos outra teoria de surgimento do Estado, qual seja, a da origem contratual. Que o Estado surgiu do convívio social, isso pouco se questiona. O fundamento da origem contratual do Estado leva em consideração que o homem, livremente, intencionou a criação de um ente fictício o qual receberia o encargo de mandatário do poder do grupo. Sabe-se que a manifestação da vontade é um elemento essencial nos contratos, pelo que se pode deduzir que o contrato social, que pode ter criado o Estado, teria sido o resultado da manifestação da vontade do povo, o qual, por várias razões, decidiu pela outorga do exercício do Poder oriundo do grupo social, a uma pessoa, ou a um conselho delas. Esta teoria não é nova. Aristóteles e Epicuro, dentre outros filósofos da Escolástica, notadamente Santo Tomás, entendiam que a sociedade política se originou de uma convenção entre os membros da sociedade humana. Entenda nessa hipótese a sociedade política como o conceito de Estado. A teoria da origem contratual do Estado encontra força na obra de Hobbes, Spinosa, Grotius, Puffendorf, Tomasius, Locke e Rousseau. Com estes autores, o contrato social ganha primordial relevância. Hobbes afirmava que [...] ante a tremenda e sangrenta anarquia do estado de natureza, os homens tiveram que abdicar em proveito de um homem ou de uma assembléia os seus direitos 32 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 32 02/03/12 09:48 Instituições de Direito Público e Privado ilimitados, fundando assim o Estado, o Leviatã, o deus mortal, que os submete à onipotência da tirania que eles próprios criaram. Para Spinosa, “os homens se viram forçados a pôr termo ao estado de natureza mediante um contrato, com que criaram o Estado, abdicando nele todos os direitos, menos o de pensar, de falar e de escrever”. Em Grotius “os homens, levados pela simpatia recíproca, associaram-se por um pacto voluntário”. Puffendod pensa que “o motivo do contrato foi o receio dos homens maus, por parte dos homens bons”. Locke, por seu turno, baseia o contrato, e portanto o Estado, no consentimento de todos, que desejavam criar um órgão para fazer justiça e manter a paz. Tomasius adota os mesmos pontos de vista, mas acha que a causa do contrato é o amor nacional. Ocorre que, para a teoria de Rousseau, o contrato social deveria ser geral, unânime e fundado na igualdade entre os homens, e essa igualdade nunca é plenamente alcançada. Outro aspecto a ser considerado é o fato de que, se o Estado nada mais é do que um contrato social, seria possível a qualquer um sair desse contrato, o que sem dúvidas resultaria numa crise social ou até mesmo na volta da anarquia. Para Rousseau, o problema da sua teoria era: “Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja com toda a força comum a pessoa e os bens de cada associado e pela qual cada um, unindo-se a todos, não obedeça no entanto senão a si mesmo e permaneça tão livre como antes”. As releituras da teoria do contrato social como origem do Estado terminam por revolver os mesmos argumentos do filósofo de Genebra, que, por seu turno, ainda não resolveram as críticas que essa teoria ainda recebe e que permanecem sem solução. Unidade 1 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 33 33 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina A teoria marxista trouxe também sua contribuição para as teses sobre a origem do Estado. Aquela teoria é formada pelo que Marx disse, pelo que disseram que ele disse, e foi muito, e pelo que muitos socialistas acharam que ele deveria ter dito, e foi muito mais. Por isso mesmo, pouco antes de morrer, Marx teria dito a famosa frase: “Eu não sou marxista...” A economia como fator determinante do aparecimento do Estado foi tema abordado por Engels, companheiro de Marx, que, na obra Origens da Família, da Propriedade privada e do Estado, afirmou: Como o Estado surgiu da necessidade de pôr fim à luta de classes, mas surgiu também no meio da luta de classes, normalmente o Estado e a classe dominante economicamente mais poderosa, que, por seu intermédio, se converte também em classe politicamente mais forte, adquire novos meios para submeter e explorar a classe oprimida. No tocante aos modos derivados de formação do Estado, a doutrina classificou a união de dois ou mais Estados como uma hipótese possível, como ocorreu com a antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, a extinta URSS, e pela cisão de um Estado e formação de outro, como ocorreu com a República Oriental do Uruguai, que, até o século XIX, integrava o território brasileiro. É importante lembrar que os blocos econômicos, como a União Europeia, não formam um Estado na concepção atual, por não possuírem um governo central, mas tão somente um conjunto de tratados internacionais pelos quais os Estados signatários se obrigam, podendo, entretanto, sair dele, com fundamento na sua soberania e poder de autodeterminação. 34 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 34 02/03/12 09:48 Instituições de Direito Público e Privado Seção 3 - A Consolidação do Estado Moderno Para entendermos como a forma moderna de Estado consolidou-se, é preciso estudar as transformações ocorridas desde o Estado medieval até o movimento constitucionalista, com destaque para a criação do Estado norte-americano e a Revolução Francesa. 3.1 Do Estado absolutista ao liberal O marco do início da Idade Média foi a queda do Império romano do Ocidente, sediado em Roma, no século V. Após sucessivas crises econômicas, em muito motivadas pela falta de escravos, bem como por causa do declínio de seu prestígio político, devido a seu enfraquecimento militar e invasões de povos bárbaros aos seus domínios, o antigo Império Romano foi vencido. Os povos germanos (do Norte da Europa), os hunos (da Ásia), os vândalos (da África) além de húngaros e vikings (da Europa oriental) atacaram diversos pontos dos domínios romanos e, no ano de 476, Odoacro, rei de um desses povos invasores, derrubou o imperador de Roma. Desde então, os diversos povos antes conquistados por Roma passaram a se organizar em reinos, condados e povoados isolados, para se protegerem dos ataques dos estrangeiros. Esse isolamento alcançou a economia, transformando o modo de produção no que os historiadores batizaram de feudalismo, principalmente motivados pela subsistência e proteção, notadamente da população mais pobre, que vivia de trabalhos no campo. Poder, naquela época, significava a posse de armas e o comando de soldados. O estabelecimento dessa proteção dos mais poderosos aos pobres, em troca da lealdade, foi adotado pelos povos germanos, os quais passaram a dominar grande parte do extinto Império Romano do Ocidente. Com o passar dos séculos, os camponeses foram tornando-se cada vez mais dependentes desses senhores. Assim, os trabalhadores do campo, além de entregarem os produtos que Unidade 1 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 35 35 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina cultivavam aos seus protetores, passaram a dar-lhes suas terras e oferecerem seus serviços para outras atividades. Com isso, grande parte dos camponeses se tornou servo. Esse modelo perdurou durante séculos e marcou a Idade Média, que foi transformada, após a guerra dos trinta anos, marco da transição da Idade Média para a Moderna. O século XVI teve como uma de suas manifestações mais profundas o processo de reformas religiosas, responsável por quebrar o monopólio exercido pela Igreja Católica na Europa e pelo advento de uma série de novas religiões as quais, embora cristãs, fugiam aos dogmas e ao poder imposto por Roma: as chamadas religiões protestantes. Mais do que apenas um movimento religioso, as reformas protestantes inseriram-se no contexto mais amplo, que marcou a Europa a partir da Baixa Idade Média, expressando a superação da estrutura feudal tanto em termos da fé como também em seus aspectos sociais e políticos. Da mesma forma, não se pode considerar as reformas religiosas como um processo que se iniciou no século XVI. Ao contrário, elas representaram o transbordamento de uma crise que já vinha manifestando-se na Europa desde o início da Baixa Idade Média, fruto da inadequação da Igreja à nova realidade, marcada pelo declínio do mundo feudal, pelo crescimento do comércio e da vida urbana, pela centralização do poder político nas mãos dos reis e pelo advento de uma nova camada social, a burguesia. Também não se pode deixar de lado a influência do Renascimento Cultural, no sentido de ter rompido o monopólio cultural exercido pela Igreja Católica na Idade Média. O Renascimento teve o efeito de possibilitar a aceitação de conceitos e de visões de mundo diferentes daqueles impostos pela Igreja Católica, ao quebrar o quase monopólio intelectual que a Igreja exercia na Idade Média. 36 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 36 02/03/12 09:48 Instituições de Direito Público e Privado Num certo aspecto, as Reformas Protestantes são filhas do Renascimento, e representaram, como este, uma adequação de valores e de concepções espirituais às transformações pelas quais a Europa passava -- nos campos econômico, social e cultural. Para contra-atacar esses movimentos contrários aos seus interesses, a igreja católica promoveu a contrarreforma, culminando na Guerra dos 30 anos. Entre 1618 e 1648, na Europa, este conflito, como anotado anteriormente, marcou a transição do feudalismo para a Idade Moderna. A Guerra dos 30 anos envolveu uma série de países em volta da região onde hoje está a Alemanha, e teve como elemento catalisador as disputas religiosas decorrentes das reformas protestantes do século XVI. As causas dessa guerra incluem a luta pela afirmação do poder de monarquias europeias, com disputas territoriais e conflitos pela hegemonia. As causas da Guerra dos Trinta Anos também passam pelos problemas da aliança da dinastia dos Habsburgo e do Sacro Império Romano-Germânico com a Igreja Católica. Essa aliança de religião com Estado, uma herança medieval, não mais se adaptava a um mundo no qual o poder das monarquias nacionais era cada vez mais forte. A vinculação entre o Império e a Igreja fazia com que os ideais de independência política tivessem um viés religioso, como é o caso da Boêmia, palco dos episódios que se constituíram no estopim do conflito. Por que aconteceu a Guerra? Unidade 1 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 37 37 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina As tensões religiosas cresceram na Alemanha no último quarto do século XVI. Durante o reinado de Rodolfo II, a ação católica foi extremamente agressiva. Foram destruídas várias igrejas protestantes, além de se tomar uma série de medidas contra a liberdade de culto. Contra essas atitudes, foi fundada em 1608 a União Evangélica. Em resposta, foi fundada, no ano seguinte, a Liga Católica – o que permite imaginar que um conflito não demoraria a aparecer. Na região checa da Boêmia, havia um impasse: a maioria da população era protestante, mas o rei, Fernando II, era católico. Fernando II era da dinastia dos Habsburgo, também duque da Estíria e da Áustria e futuro imperador do Sacro Império. Fervoroso católico, educado pelos jesuítas e herdeiro da aliança entre os Habsburgo e o papado, Fernando reprimiu violentamente os protestantes, destruindo templos e impondo o catolicismo como única religião permitida no reino. Os Defensores da Fé, ramo boêmio da União Evangélica, lideraram a reação a Fernando. Invadiram o palácio real em 23 de maio de 1618, e atiraram os defensores do rei pela janela do segundo andar, episódio conhecido como a "Defenestração de Praga", considerado o marco inicial da guerra. Período palatino-boêmio (1618-1624) Comandados pelo conde Matias von Thurn, s protestantes obtiveram algumas vitórias, estendendo a revolta para outras regiões. A cidade de Viena (hoje capital da Áustria), centro do poder Habsburgo, foi sitiada em 1619. A coroa da Boêmia foi entregue a Frederico V, líder da União Evangélica e eleitor do Palatinado (território administrado por conde palatino). É preciso lembrar que os protestantes não eram um grupo único. Havia divergências entre luteranos e calvinistas, o que enfraqueceu os protestantes e abriu espaço para a contraofensiva católica. 38 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 38 02/03/12 09:48 Instituições de Direito Público e Privado Em 8 de novembro de 1620, um exército da Liga Católica, liderado pelo germânico João T'Serklaes Von Tilly, venceu os protestantes na Batalha da Montanha Branca. Após essa vitória, muitos rebeldes foram condenados à morte e todos perderam seus bens. O protestantismo foi proibido nos domínios imperiais e a língua checa substituída pela alemã. Em 1623, Fernando II da Germânia, imperador desde 1619, com a ajuda da Espanha e da região alemã da Baviera, conquistou o Palatinado de Frederico V. A coroa da Boêmia, até então escolhida por voto, tornou-se hereditária dos Habsburgo. No final de 1624, o Palatinado, entregue a Maximiliano I, duque da Baviera, era novamente católico. Com isso, teve fim o primeiro período conhecido como Palatino-Boêmio. Período dinamarquês (1624-1629) Esta segunda fase da guerra, que ficou conhecida como período dinamarquês, marcou o início da internacionalização do conflito. Fernando II quis obrigar os protestantes a devolverem as propriedades católicas que haviam sido tomadas. Contra essa medida, os protestantes pediram ajuda a Cristiano IV, rei da Noruega e da Dinamarca e também detentor do ducado de Holstein, no Sacro Império. Protestante e interessado em obter territórios e reduzir o poder Habsburgo sobre seus domínios em Holstein, Cristiano declarou guerra contra os Habsburgo, contando com o apoio de guerreiros holandeses. Cabe lembrar que a Holanda, recém independente do ramo espanhol dos Habsburgo, era predominantemente protestante. Mas a ação militar holandesa, de 1625 a 1627, acabou derrotada. Em 1629, foi publicado o Édito da Restituição, um documento que anulava todos os direitos protestantes sobre as propriedades católicas expropriadas a partir da Paz de Augsburgo. Em 22 de maio de 1629, o rei Cristiano aceitou o Tratado de Lübeck, que o privava de mais alguns territórios germânicos, significando o fim da Dinamarca como potência europeia. O imperador Fernando II alcançou o auge de seu poder. Unidade 1 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 39 39 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina Período sueco (1630-1635) O terceiro período da guerra, chamado de período sueco (1630 a 1635), marcou o início da ação do Cardeal Richelieu, ministro de Luis XIII e verdadeiro governante da França. Apesar de ligado à Igreja Católica, o Cardeal Richelieu queria barrar o avanço dos Habsburgo na Europa, o que o fez ficar do lado dos protestantes. Richelieu convenceu o rei da Suécia, Gustavo Adolfo, a atacar o império de Fernando II. Gustavo Adolfo queria o domínio sobre o Sund, estreito que separa o mar do Norte e o mar Báltico e que garante controle comercial e estratégico da região. Para tanto, era necessária a obtenção de uma ilha ao norte da Dinamarca, dominada pelos Habsburgo. Depois de uma série de vitórias contra as forças imperiais entre 1630 e 1632, Gustavo Adolfo morreu na batalha de Lutzen. Seus sucessores não tiveram o mesmo sucesso. Derrotados definitivamente na Baviera, em 1634, os suecos tiveram que se retirar do território alemão. O fracasso da tentativa de usar os suecos para derrubar os Habsburgo levou o Cardeal Richelieu a colocar a França diretamente na guerra. Período francês (1635-1648) Em 1635, a França declarou guerra aos Habsburgo, iniciando o quarto e último período, chamado justamente de período francês. O cardeal (católico) Richelieu, que chegou a apoiar protestantes para derrubar a dinastia Habsburgo, abriu guerra contra a Espanha, a Áustria e outros domínios dos Habsburgo dentro da Europa. Richelieu defendia que o Estado deveria pautar-se por parâmetros políticos, e não religiosos. Era partidário também do princípio da razão de Estado, fundamental nas relações internacionais da Europa moderna. Com o apoio dos Países Baixos, da Suécia e das regiões protestantes alemãs, Richelieu chegou a mobilizar um exército de mais de cem mil homens. Além de aniquilar o poder dos Habsburgo, seu objetivo era consolidar a França como principal potência continental europeia. 40 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 40 02/03/12 09:48 Instituições de Direito Público e Privado Entre 1635 e 1644, os franceses e seus aliados impuseram uma séria de derrotas aos Habsburgo em todos os seus núcleos de poder na Europa, tornando sua posição insustentável. Já em 1645, representantes do Império de Fernando II da Germânia tentaram negociações de paz. As hostilidades estenderam-se até 1648, quando o cerco sueco a Praga e francês a Munique, além da ameaça de ataque a Viena, levaram o imperador a capitular. Os termos de paz foram impostos pelos vencedores no chamado Tratado de Vestfália ou Paz de Vestfália, de 1648. Entre as consequências, o tratado, que marcou o fim da guerra, deu independência aos Países Baixos (sob domínio espanhol) e marcou princípios de acordos entre os países, utilizados até pela diplomacia e pelo direito internacional. Também fortaleceu a importância do poder temporal (político, não religioso) nos Estados e a diminuição da presença de Igreja nas monarquias europeias. Após esse período, pensadores iluministas patrocinados pela burguesia defendiam a menor interferência do Estado na vida privada, notadamente em suas atividades empresariais, emoldurando seu discurso numa tela de respeito a direitos individuais. A Revolução inglesa transformou a sociedade na Europa, de rural para urbana, com grande concentração da população nas cidades, mais próximo das novas indústrias, que, após o surgimento do tear e da máquina a vapor, tornou-se o principal motor da economia naquele continente. Aparece, com grande prosperidade, a figura do empresário, do industrial dono de grande capital, detentor, portanto, de uma influência perceptível ao Estado, boa ou má. O fato é que surge a burguesia. A exploração do trabalho da mulher e da criança bem como as longas e exaustivas jornadas de trabalho caracterizaram esse processo de transformação da economia e dos modos de produção. Surgia o proletariado, a classe trabalhadora. A alta tributação dos reis, o desrespeito aos direitos fundamentais, como a vida, a liberdade, a propriedade, a família, bem como a ilimitada interferência do Estado absolutista nas Unidade 1 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 41 41 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina relações individuais, motivaram fundamentalmente a Revolução Francesa, pela qual restaram consagrados três princípios fundamentais; a liberdade, a igualdade e a fraternidade. A Revolução Francesa, juntamente com a Carta de Direitos na Inglaterra, que limitava o poder do rei em tributar, motivou outro movimento, cuja teoria teria aplicação universal: o constitucionalismo. Criavam-se na Europa as teorias de divisão do poder estatal em executivo, legislativo e o judiciário, divisão consagrada por Montesquieu e adotada pela maioria dos Estados modernos, como o Brasil, Estados Unidos da América, França, Portugal, dentre vários outros. Por essa teoria, para evitar os abusos decorrentes da concentração do poder na mão de uma só instituição, ou de uma só pessoa, o poder estatal deveria ser dividido em três grandes atribuições: a de criar leis para um poder, chamado de legislativo, a de julgar conforme essas leis para outro poder, denominado judiciário, e a de governar, atividade atribuída ao que se chamou de executivo. Esses três poderes juntos formam o poder estatal, e, pela teoria de Montesquieu, haveria interferência de um poder no outro, com destaque para a finalidade de fiscalização do exercício dos demais poderes. 3.2 A tripartição do Poder e o Estado Democrático de Direito Foi fundamentalmente em Montesquieu que a doutrina de divisão do poder em três atividades se consolidou, ao ponto de, nos Estados Democráticos, essa divisão ser comumente adotada. 42 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 42 02/03/12 09:48 Instituições de Direito Público e Privado O Brasil teve em 1824 sua primeira Carta Política, outorgada por D. Pedro I, adotando conceitos liberais do Velho Continente ao instituir por aqui a monarquia constitucional. Contudo, a estruturação dos poderes do Estado ao adicionar o Poder Moderador desequilibrava o jogo de forças, colocando nas mãos do Imperador a função de árbitro dos demais Poderes. Desse modo, prestigiava a Carta Política do período os preceitos elaborados por Benjamin Constant, mais consentâneos com as forças políticas aqui presentes. Na Inglaterra dos séculos XII e XIII, o rei João Sem-Terra teve que ceder à pressão de cavaleiros, nobres e religiosos, limitando os tributos, fato que ficou marcado na história como a primeira Carta Política. Vimos que a guerra dos 30 anos, selada no período conhecido como Paz da Vestfália, transformou o mapa da Europa e deu início à fase do Estado nação, das monarquias nacionais, inaugurando o que hoje se concebe por Estado Moderno e consolidando os princípios basilares do direito internacional. Na França do século XVIII, aconteceu a Revolução Francesa, que defendia os direitos individuais, a liberdade, a igualdade e a derrubada da tirania dos monarcas em toda a Europa. Seus ideais iluministas alcançaram o novo continente antes mesmo da tomada da Bastilha — prisão parisiense que guardava presos políticos da época — com as treze Colônias promulgando sua Constituição, consagradora das liberdades, inovando através do presidencialismo, mantendo a divisão tripartite dos Poderes e determinando o respeito do Estado aos direitos individuais. Na França, um triunvirato foi criado para governar no período de transição, porém as ações dos revolucionários não saíram como planejadas; tendo Napoleão Bonaparte assumido o consulado e o comando do exército, emerge na Europa um novo período de escaladas militares. Unidade 1 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 43 43 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina Devastada, a Europa precisava ser reconstruída, e a Democracia conseguiu se consolidar em boa parte da Europa ocidental. Influenciados pelo pensamento marxista, outras nações se fundamentaram no socialismo e no comunismo como forma de governo, e o período que seguiu a II Grande Guerra Mundial ficou conhecido como Guerra Fria, numa corrida armamentista e de propaganda de guerra que influenciou o cinema, a cultura, a política e a vida de todos no planeta. O primeiro momento de Estado Democrático no Brasil foi a partir da proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, até o golpe militar de 1964, retornando a ser democrático a partir da Constituição de 1988 até hoje. Veja que o processo de consolidação da divisão do poder em três esferas, o executivo, o legislativo e o judiciário, é um tema recente na história da humanidade, porém a Democracia como forma de governo já vem do Estado antigo, na Grécia e Roma. Seção 4 - O Constitucionalismo Foi nos Estados Unidos que o constitucionalismo encontrou supedâneo, uma vez que, a partir da Constituição estadunidense, se criaram os Estados Unidos da América. Pela Constituição, seria possível criar-se um novo Estado, de acordo com princípios superiores, que se sustentam nos direitos individuais fundamentais e no pacto federativo, ou seja, pela união de vários estados-membros em torno de uma Federação. A participação popular é o fundamento do Estado Democrático, o qual, por ter na ordem legal o seu fundamento, é um Estado de Direito, ou seja, o estabelecimento da ordem e da paz social ocorre pela força das leis, e não pela simples vontade de um monarca ou um ditador. 44 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 44 02/03/12 09:48 Instituições de Direito Público e Privado Entenda-se por constitucionalismo o movimento pelo qual se cria um novo Estado a partir de um único texto legal e político, chamado Constituição, que organiza a distribuição do poder estatal, bem como estabelece a transitoriedade no exercício desse poder e, ao mesmo tempo, confere garantias, ou seja, ferramentas legais para a exigência dos direitos individuais fundamentais. Leciona Jorge Miranda, na obra Manual de Direito Constitucional, que: A origem formal do constitucionalismo está ligada às Constituições escritas e rígidas dos Estados Unidos da América, em 1787, após a Independência das 13 Colônias, e da França, em 1791, a partir da Revolução Francesa, apresentando dois traços marcantes: organização do Estado e limitação do poder estatal, por meio da previsão de direitos e garantias fundamentais. (MIRANDA). E o que é o Estado Democrático de Direito? Vimos que o Estado é a sociedade politicamente organizada em um determinado território e com governo soberano. Porém é possível haver um regime ditatorial em um determinado Estado que desrespeita direitos individuais fundamentais. Ainda assim, mesmo violando direitos do povo, o Estado existe. A participação popular, portanto, pode ser afastada, sem que, com isso, o Estado deixe de existir. Para garantir que esse tipo de exceção não ocorra é que existe o Estado de Direito, de modo que somente através da lei o Estado se movimente e, quando o fizer, seu objetivo seja o bem comum, a paz social e o respeito aos direitos individuais fundamentais. Importante destacar que houve, e ainda há na história da humanidade, governos que manipularam a ordem jurídica vigente e tomaram pela força as rédeas do poder estatal, tal como aconteceu no golpe militar de 01.04.1964, no Brasil, pelo qual o regime militar da época, valendo-se de atos institucionais, revogou direitos e atribuiu poderes cada vez mais amplos ao Unidade 1 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 45 O(a) aluno(a) pode e deve procurar entender o real significado da palavra revolução, para opinar com clareza e fundamento sobre o golpe militar de 1964, pois o regime militar da época fundamentava suas ações na defesa da Constituição de 1946, porém, após uma série de modificações legais através dos atos institucionais a ordem constitucional, esta Constituição foi totalmente subvertida, ao ponto de, em 1967, ser editada uma nova carta política. 45 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina regime, ao ponto de ter sido revogado o habeas corpus, pelo ato institucional nº 5, período em que mais se prenderam e em que mais desapareceram pessoas neste país. Entretanto, no Estado Democrático, isso não deve ocorrer, uma vez que o seu fundamento é a participação popular, seja diretamente através do voto, ou até mesmo como representante do povo, como mandatário. A democracia teve seu berço na Grécia antiga e pressupõe a participação do homem na vida política do seu Estado, na época, a polis. A grande maioria dos Estados ocidentais vive a democracia, ainda que, para muitos, não signifique um sistema perfeito. Democracia tem origem na palavra grega que significa o governo do povo, demo (povo), cracia (governo). Portanto, no modelo de Estado Democrático, é indispensável a participação popular. Entende-se por Estado de Direito aquele em que a lei determina o comportamento estatal e em que também, pela lei, são garantidos direitos aos indivíduos. Assim, num Estado Democrático de Direito, é preciso haver a participação popular e, somente por meio das leis, se estabelecerem direitos e deveres, tanto para os indivíduos quanto para o Estado. Anteriormente, vimos que a construção de um novo Estado pode acontecer e, modernamente, é o que ocorre através da edição de um texto político denominado Constituição. A revogação de uma Constituição já existente ou a criação de uma inédita conduz, basicamente, ao mesmo resultado técnico: ser considerada a precursora de toda a nova ordem política e jurídica do Estado. 46 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 46 02/03/12 09:48 Instituições de Direito Público e Privado Daí nasce a fonte jurídica do Estado de Direito, pois é a Constituição o texto legal mais importante e superior de um Estado, razão pela qual deve buscar anotar a afirmação do novo Estado, dos direitos individuais fundamentais, organizar o poder, consagrar o regime democrático e buscar a justiça para todos, conforme a Constituição. Este seria, em tese, o Estado Constitucional de Direito. Síntese Rapidamente, e para fixar os conteúdos desta unidade, reprisamos o conteúdo que abarcou o Estado a partir de teorias que explicam o seu possível surgimento, delineamos algumas situações pelas quais o Estado sofreu modificações significativas até o ponto em que ele se organizou pelo Direito e, através da participação popular, tomou um rumo democrático e que vem confirmando a tradição constitucionalista estadunidense de organização do poder estatal e de garantia dos direitos individuais fundamentais. Unidade 1 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 47 47 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina Atividades de autoavaliação 1) Explique a principal diferença entre o surgimento originário e derivado do Estado. 2) Como vimos nesta unidade, há vários modelos para se explicar o surgimento do Estado. Cite e explique no mínimo três destes modelos. 3) Liste os tipos de surgimento derivado do Estado. 48 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 48 02/03/12 09:48 Instituições de Direito Público e Privado Saiba mais Livros: AZAMBUJA, Darcy. Teoria geral do estado. 26. ed. Rio de Janeiro: Globo, 1941. BOBBIO, Norberto. Estado governo sociedade: para uma teoria geral da política. 13. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2007. DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado. São Paulo: Saraiva, 2003. GALEANO, Eduardo. De pernas pro ar: a escola do mundo ao avesso. Trad. Sergio Faraco. Porto Alegre: L&PM, 1999. MALUF, Sahid. Teoria geral do estado. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1990. MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2002. PALLIERI, Giorgio Balladore. A doutrina do estado. Coimbra: Coimbra, 1969. ROUSSEAU, Jean-Jacques. Os devaneios do caminhante solitário. Trad. Julia da Rosa Simões. Porto Alegre: L&PM, 2008. SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Consituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, 152p. SCHMITT, Carl. The concept of political. Trad. George Schwab. Chicago: Chicago University Press, 2007. Filmes: A Guerra do Fogo (La Guerre du feu, 81, FRA/CAN) Getúlio Vargas (1974) Lamarca (1994) Pra frente Brasil (1983) O que é isso, companheiro? Unidade 1 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 49 49 02/03/12 09:48 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 50 02/03/12 09:48 UNIDADE 2 O Direito Raphael Lima de Abreu (Agradecimento à colaboração de Myriam Righetto) Objetivos de aprendizagem Compreender o Direito como norma, como força normativa, impositiva de direitos e deveres, portanto, como instrumento garantidor de direitos e deveres individuais, limitador e organizador do Estado. 2 Identificar o surgimento e a existência do Direito como ciência e como fenômeno natural numa sociedade. Delinear as fontes do direito e a sua divisão.. Seções de estudo Seção 1 O Direito, Conceito e Finalidade Seção 2 O Jusnaturalismo e o Positivismo Jurídico Seção 3 As Fontes do Direito Seção 4 A Divisão do Direito instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 51 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina Para início de estudo Nesta unidade, estudaremos o Direito como instrumento de realização do bem comum, da paz social, como pacificador e solucionador dos conflitos inerentes ao convívio social, uma vez que a resistência ao direito de outrem é uma constante nos povos. Desta forma, você deverá compreender que o Direito tornou-se, ao longo dos anos, uma maneira de distribuir justiça, além de ser uma ciência cujo objeto de estudo não se limita à lei. Para tanto, você conhecerá o conceito e as finalidades do Direito, bem como algumas escolas que influenciam essa ciência e as fontes que alimentam e revitalizam este importante instituto social. Finalmente, você verá que o Direito, para ser mais bem estudado, foi dividido em dois grandes grupos, denominados de público e privado, os quais, por sua vez, também possuem divisões. Ao final desta unidade, você deverá estar apto(a) a delinear o conceito de Direito, suas finalidades, escolas de influência, suas fontes e divisão. Seção 1 - O Direito, Conceito e Finalidade Como dissemos na unidade 1, o Direito surge antes mesmo do Estado, uma vez que decorre naturalmente do convívio social. Como ciência, o Direito é mais recente e tornou-se o principal instrumento social de pacificação e de solução do litígio (conflito de interesses qualificado pela resistência de uma parte para a entrega do bem da vida a outra parte), uma de suas principais funções e finalidades. É fato que haverá litígio sempre que alguém desrespeitar o direito de outrem, e que isso decorre do convívio social. Quando há desrespeito ao direito de alguém, nasce para o titular do bem da vida violado o direito subjetivo de, perante o órgão judiciário competente, exigi-lo do violador. 52 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 52 02/03/12 09:48 Instituições de Direito Público e Privado A atividade desenvolvida pelo Poder Judiciário de solucionar os conflitos conforme a lei denomina-se jurisdição, que, além de constituir um dever do Estado, é também um poder a ele conferido, pela lei, de punir os indivíduos que desrespeitarem o ordenamento jurídico vigente. Segundo analisamos na unidade 1, o Estado assumiu o poder do grupo social de proporcionar a paz social e o desenvolvimento da sociedade. Vimos que, nos primórdios da civilização, entre os homens que se organizavam em grupos, porém sem organização política, não havia o Estado. Então, o uso da força para a solução dos litígios era uma medida comum, embora injusta, uma vez que não dava a cada um o que é seu, não se observava o direito natural dos indivíduos, tampouco qualquer convenção social estabelecida ao resolver a quem era dado o bem da vida em discussão. Em razão da comprovada deformidade da autotutela como forma de solução de conflitos, desenvolveu-se a autocomposição, pela qual a solução de um litígio dá-se pela concessão recíproca. A autocomposição pode ser obtida pela negociação, arbitragem e pela conciliação. Podemos destacar que os acordos judiciais homologados, muito embora sejam classificados como sentenças, são meramente homologatórias da vontade das partes. O Juiz analisa caso a caso, a legalidade do ato, muitas vezes acompanhado do órgão ministerial, e confere a outorga estatal daquele negócio jurídico. Estes acordos não são decorrentes de litígios, como ocorre, por exemplo, nas separações judiciais consensuais, quando o casal concorda em não mais permanecer junto e, de comum acordo, pede ao Juiz que declare a constituição do novo estado civil de cada um para separados judicialmente e que se expeça mandado de averbação dessa declaração nos assentos civis dos separandos. Nesta ação, ambos são requerentes, o cônjuge varão e o virago. A conciliação é uma das espécies mais conhecidas de autocomposição e amplamente utilizada pelo Poder Judiciário no Brasil, uma vez que o processo civil brasileiro prevê a tentativa de conciliação na primeira audiência diante do Juiz-Estado, bem como a promoção dela durante o andamento do processo. Unidade 2 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 53 53 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina Conforme vimos anteriormente, o Estado surgiu da necessidade do homem de sobreviver e da sua organização social e política, e coube a esse Estado assumir o poder oriundo do grupo socialmente e politicamente organizado para a realização do bem comum, da paz social. Conforme veremos, o Direito não se limitou a dar solução para os conflitos individuais, mas também a legitimar e limitar o poder estatal, garantindo os direitos individuais fundamentais. É preciso compreender que o homem e a sua condição humana fundamentam o Estado e o Direito. O Direito é dinâmico por excelência; está em constante transformação. Ele é fruto da sociedade, pois, conforme o famoso brocardo jurídico, onde houver sociedade haverá o direito. Mas não deve ser confundido com a lei, uma vez que se trata de uma ciência humana, cujo objeto de estudo é, dentre outros, a lei, mas também e principalmente, o problema da justiça. Admitido que as formas mais rudimentares e toscas de vida social já implicam um esboço de ordem jurídica, é necessário desde logo observar que durante milênios o homem viveu ou cumpriu o Direito, sem se propor o problema de seu significado lógico ou moral. É somente num estágio bem maduro da civilização que as regras jurídicas adquirem estrutura e valor próprios, independente das normas religiosas ou costumeiras e, por via de conseqüência, é só então que a humanidade passa a considerar o Direito como algo merecedor de estudos autônomos. (REALE, 2005, p. 2.) Miguel Reale destaca que o Direito é um fato ou fenômeno social, e que o Direito é concebido dentro da sociedade e nunca fora dela. O Direito corresponde à exigência social de um convívio ordenado, com solidariedade. Santi Romano concebeu o Direito como a realização de convivência ordenada. 54 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 54 02/03/12 09:48 Instituições de Direito Público e Privado Dante Alighieri definiu o Direito como “uma proporção real e pessoal, de homem para homem, que, conservada, conserva a sociedade; corrompida, corrompe-a”. O conceito introduz o termo relação de proporção, ou seja, uma expressão de medida. Isto porque o Direito é uma medida, a de Justiça. Também é possível perceber que o Direito regula relações entre os indivíduos, relações pessoais, e, quando há uma coisa entre essas relações, elas podem conter natureza real. Esse entendimento de Dante sofreu influência dos ensinamentos aristotélico-tomistas e também de jurisconsultos romanos, como Cícero, que dizia que se deve conhecer o homem perfeitamente, sua natureza humana, para daí então conhecer o Direito.Veja também que o conceito de Dante não prevê o Estado como elemento, muito embora o Direito se utilize da força como instrumento de coação, pois essa força foi tutelada para o Estado e já existia antes dele, com o grupo social organizado. O sistema de regras de uma sociedade, assim como a forma de aplicá-lo, pode ser um dos vocábulos de Direito. O Direito pode ser estudado sob várias óticas: política e direito, direito e moral, direito e estado, direito e sociologia, direito e economia. Isto ocorre em função da grande permeabilidade que o Direito tem como ciência e, principalmente, como fato social. Mas, como esclarece Miguel Reale (2005, p. 63): “História do Direito, Sociologia Jurídica e Ciência do Direito são três campos de conhecimento distintos, que se constituem sobre a base de uma experiência humana, que é o Direito como fato de convivência ordenada.” E complementa: “quando nos referimos à luta, aos embates em favor do Direito, estamos empregando a palavra Direito em sentido axiológico, como sinônimo de ‘Justiça’” (2005, p. 65). Unidade 2 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 55 55 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina O Direito pode ter, segundo Reale (2005), o significado de ordenamento jurídico ou sistema de normas ou regras jurídicas, que traça aos homens determinadas formas de comportamento, conferindo-lhes possibilidades de agir; e, ainda, o significado de ciência que estuda as leis e a jurisprudência. ju.ris.pru.dên.cia sf (lat jurisprudentia) 1 Ciência do Direito e da legislação. 2 Maneira especial de interpretar e aplicar as leis. 3 Doutrina assentada pelas decisões das autoridades competentes, ao interpretarem os textos pouco claros da lei ou ao resolverem casos por esta não previstos. J. euremática: a que se ocupa dos euremas. Fonte: <http://michaelis.uol. com.br/moderno/portugues/ index.php?lingua=portuguesportugues&palavra=jurisprudência>. Acesso em: 03 fev. 2011. A dificuldade em definir em qual sentido se está usando o vocábulo Direito não deve constituir empecilho para o seu entendimento, muito embora isso ocorra comumente. Como ciência, o Direito deve manter uma unidade, característica anotada por Miguel Reale. Esta unidade do Direito, que o autor classificou como unidade fim, trabalha voltada para alcançar finalidades irredutíveis para todos, ou seja, o bem comum. O Direito pode ser dividido em objetivo e subjetivo e em duas grandes áreas de conhecimento, o Público e o Privado, com suas ramificações. Podemos entender o Direito Público como um ramo do Direito que se preocupa em estudar as matérias em que predomina o interesse público, como as leis penais, tributárias, processuais. Já o Direito Privado trata das matérias que essencialmente cuidam das relações entre os particulares, mas que, nem por isso, desinteressam ao Estado, como, por exemplo, no inventário, uma vez que a Fazenda Pública deve receber o imposto devido pela transmissão de eventual patrimônio do de cujus. Para Maria Helena Diniz (1991, p. 8), “O Direito objetivo é o complexo de normas jurídicas que regem o comportamento humano, de modo obrigatório, prescrevendo uma sanção no caso da sua violação.” O Direito subjetivo, no dizer de Goffredo Telles Jr. (1981, p. 289), é a permissão dada por meio de norma jurídica, para fazer ou não fazer alguma coisa, para ter ou não ter algo, ou ainda, a autorização para exigir, por meio dos órgãos competentes do poder público ou por meio de processos legais, em caso de prejuízo causado por violação de norma, o cumprimento da norma infringida ou a reparação do mal sofrido. 56 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 56 02/03/12 09:48 Instituições de Direito Público e Privado A potencialidade do indivíduo em exigir, ou não, o seu direito violado é uma faculdade que assiste a ele, isto que a doutrina denominou como facultas agendi. A lei assegura o direito, mas não obriga seu titular a exigi-lo de terceiros. Como exemplo desse fim comum, podemos apontar a garantia dos direitos individuais fundamentais, que, comumente, consta dos objetivos do Estado e do Direito, tanto assim que a Constituição Federal de 1988 positivou esses direitos e os elevou à categoria de cláusula pétrea – isto significa que eles não podem ser revogados em hipótese alguma da Constituição, sendo garantida a perpetuidade deles enquanto viger a atual carta política. Outras garantias estão previstas no artigo 5º da Constituição Federal de 1988, como o habeas corpus, que garante o direito de liberdade, o do devido processo legal e do contraditório nos processos administrativos e judiciários, a garantia de não ter seus bens expropriados sem o suporte de uma sentença de que não caiba mais recurso, que garante o direito de propriedade, entre outras garantias que ajudam o indivíduo a buscar no Estado amparo para o respeito aos seus bens da vida. A realização do bem comum ou da justiça, entendida como dar a cada um o que é seu conforme as determinações da lei, passa pelo respeito aos direitos individuais fundamentais. Na ótica da doutrina moderna, este fato alcança gerações ou ondas de evolução de quarta dimensão, ou quarta geração, pois, conforme anotado anteriormente, o Direito está em constante evolução, e os direitos individuais fundamentais objeto da Revolução Francesa cresceram, alcançando outros direitos deles decorrentes. Como exemplo de direitos alcançados, podemos citar o direito ao meio ambiente sustentável, à informação, à democracia, dentre outros tantos – mas, em virtude da enorme velocidade com que o mundo se transforma, torna-se impossível relacionar um a um. Outros elementos podem ser associados ao bem comum, como a moral, os bons costumes, a ética, etc. Unidade 2 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 57 57 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina Conforme veremos a seguir, ocorre que, principalmente por causa do Positivismo, o Direito é muitas vezes entendido como sinônimo de lei, o que não é verdade. Em última análise, em todas as relações ocorridas na sociedade há interesse do Estado, que, segundo demonstramos, é incumbido historicamente de proporcionar o desenvolvimento do grupo social que o criou. Miguel Reale (2005) trouxe à baila uma teoria elucidativa sobre o entendimento do Direito, que ele denominou de teoria tridimensional do Direito. Antes de explicá-la, porém, é importante tecer alguns comentários. Conceituar o Direito é quase impossível. Sobre esta dificuldade concordam os mais renomados doutrinadores. Ocorre que o fenômeno jurídico apresenta-se com características as quais podem perfeitamente ser objeto de estudo, sem que a falta de um conceito anterior lhe prejudique as conclusões. Um aspecto que sempre se destaca é a questão normativa do Direito, uma vez que ele regula as relações impondo regras, e, portanto, normatizando as condutas. Outro aspecto comum do Direito é que ele regula fatos, especialmente fatos com repercussão na sociedade, no grupo como um todo. Estes fatos ocorridos são analisados pela sociedade, que lhes confere uma dimensão axiológica, ou seja, valorativa, proporcionalmente. Sobre este aspecto, Miguel Reale (2005) ensina que se trata do valor, um dos pilares em que se estrutura o Direito. Assim, por essa teoria, um determinado fato ocorre numa determinada sociedade ou grupo, que o julga e lhe confere certo valor, do qual surge a nova regra, característica do Direito. Trata-se da teoria do fato, valor e norma, nessa ordem de acontecimentos. É a regra do dever ser. Aqui importa entender que a lei anota em si mesma qual o destinatário do dever ou da obrigação que ela impõe, sujeitando-o a uma penalidade no caso de descumprimento. 58 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 58 02/03/12 09:48 Instituições de Direito Público e Privado Este aspecto também é de suma importância para entender o Direito, pois de nada adiantaria criar regras de conduta, se ninguém as respeitasse. Para tanto, existe a espada da justiça: a coação. Quando o Estado tomou para si o dever e o poder de solucionar os conflitos individuais, ele também assumiu o poder de impor suas decisões, obrigando, pela sua força, o cumprimento dos seus julgamentos. Sem a coação seria pouco provável que o sujeito violador de um direito reparasse os prejuízos que causou, impulsionado pela simples sentença desprovida de instrumentos coercivos. A coação, no mais das vezes, pode ser a aplicação de uma sanção prevista em lei, desde que o Estado tenha instrumentos legais para fazer cumprir suas decisões. Lembre que o Estado precisa encontrar limites para que não usurpe sua finalidade de atender o interesse comum, violando direitos. Justamente, a lei tem essa função limitadora da aplicação das sanções e penalidades. O Estado só age em conformidade com a lei, presumindo-se que seus atos são legítimos, praticados sempre em prol do interesse público. Também, o Estado só é possível e lícito fazer aquilo que a lei determina, sob pena de invalidade do ato praticado. A lei determina um dever ser para o indivíduo. Se ele não respeitá-lo, sofrerá as penalidades que a lei determina. O indivíduo, portanto, age conforme sua vontade, enquanto que o Estado somente age de acordo com a lei. Na última unidade deste livro, vai ser-lhe apresentado, de maneira mais aprofundada, o tema princípio da legalidade, previsto na Constituição Federal de 1988, no artigo 37, o qual trata da administração pública no Brasil, explicando melhor este movimento estatal, bem como outros princípios aplicáveis, como o da publicidade, da moralidade, da eficiência e da impessoalidade. Unidade 2 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 59 59 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina A seguir, apresentaremos outros elementos que ajudam a compor a grande fonte do Direito, composta de leis, conforme anotado, mas também dos usos e costumes, herança da Civil Law, dos princípios gerais de direito, da jurisprudência, muito utilizada na Roma antiga, com forte influência do Jusnaturalismo, e os grandiosos estudos científicos que foram denominados doutrina. Mas, antes disso, teceremos algumas considerações sobre o que é o Jusnaturalismo e o Positivismo Jurídico. Seção 2 - O Jusnaturalismo e o Positivismo Jurídico O Jusnaturalismo, de jus, ou ius, que significa Direito, e naturalis, sinônimo de natural, é também conhecido como Direito Natural, ou seja, aquele dado pela natureza ou que é de ordem divina. O Direito Natural é entendido sob duas óticas distintas: uma, que se sustenta no transcendental; e outra, denominada transcendente. Essa última se distingue da primeira por entender que o Direito Natural é fruto do desenvolvimento histórico, enquanto que a primeira defende a natureza divina desse direito. Miguel Reale (2005) explica as diferenças da seguinte maneira: Segundo os adeptos da primeira, - que, atualmente, se filiam sobretudo à Filosofia tomista -, haveria, acima do Direito Positivo e independente dele, um conjunto de imperativos éticos, expressão não apenas da razão humana (como sustentam os jusnaturalistas do século XVIII, cuja concepção era a de um Direito Natural como pura exigência da razão) mas também da razão divina. O Direito Natural, acorde com a doutrina de Santo Tomás de Aquino, repete, no plano da experiência social, a mesma exigência de ordem racional que Deus estabelece no universo, o qual não é um caos, mas um cosmos. À luz dessa concepção, a lei positiva, estabelecida pela autoridade humana competente, deve se subordinar à lei natural, que independe do legislador terreno e se impõe a ele como um conjunto de imperativos éticos indeclináveis, dos quais se inferem outros ajustáveis às 60 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 60 02/03/12 09:48 Instituições de Direito Público e Privado múltiplas circunstâncias sociais. Desse modo, haveria duas ordens de leis, uma dotada de validade em si e por si (a do Direito Natural) e outra de validade subordinada e contingente (a do Direito Positivo). Sabemos que a Revolução Francesa reforçou o entendimento de que somente as leis refletem os anseios da Nação, razão pela qual o Positivismo Jurídico, ou seja, estabelecer-se em textos legais o direito e as formas de exigi-lo, ganhou força no final do século XIX e início do XX. Miguel Reale (2005) destaca o pensamento Kantiano, pelo qual o Direito Natural tem conteúdo valorativo, e, assim, sofre variações ao longo da história, sem que, com isso, perca sua essência e forma, que são constantes e representam, em última análise, a coordenação harmônica das liberdades iguais segundo uma lei universal de liberdade. Contudo, para Miguel Reale, esse entendimento destoa do dele, e argumenta: Pensamos que a experiência jurídica pressupõe determinadas constantes valorativas ou axiológicas – como, por exemplo, a do valor originário da pessoa humana – , sem as quais a história do Direito não teria sentido. Como se vê, se aceitamos a concepção transcendental do Direito Natural, não colocamos o problema em meros termos lógico-formais, mas, antes, em termos axiológicos, nem estabelecemos uma sinonímia entre princípios gerais de direito e princípios de Direito Natural. A experiência histórica demonstra que há determinados valores que, uma vez trazidos à consciência histórica, se revelam ser constantes ou invariantes éticas inamovíveis que, embora ainda não percebidas pelo intelecto, já condicionavam e davam sentido à práxis humana. (REALE, 2005). Um rápido exercício mental nos coloca numa situação bastante provável de, antes de o Estado surgir e antes mesmo de se ter um Direito sistematizado, as regras de convívio certamente continham uma carga valorativa fortemente influenciada pelo Direito Natural. E, de todos esses valores, o da pessoa humana certamente teve o maior significado e influência. Unidade 2 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 61 61 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina Como exemplo, podemos citar o respeito à vida humana, uma vez que os homens primatas caçavam animais para alimentação, mas não caçavam, salvo casos muito isolados, outros seres humanos com esse mesmo intuito. Daí Miguel Reale (2005) sustentar a teoria de que a pessoa é o valor fonte do Direito. E conclui: São essas constantes ou invariantes axiológicas que, a nosso ver, formam o cerne do Direito Natural, delas se originando os princípios gerais de direito, comuns a todos os ordenamentos jurídicos. Desses princípios resultam outros, não por mera inferência lógica, mas em virtude de exigências de ordem prática, à medida que a Ciência Jurídica vai recortando, na realidade social e histórica, distintas esferas de comportamentos, aos quais correspondem distintos sistemas de normas. O Positivismo Jurídico, como dito anteriormente, prioriza o processo legislativo, ou seja, a elaboração das leis através de processo específico para esse fim, comumente desenvolvido pelo Poder Legislativo, mas, não raro, também pelo Executivo, como nas Medidas Provisórias, pelas quais os anseios do povo e da Nação restam positivados, ou seja, transformados em lei. Contudo Caio Mario da Silva Pereira define o Direito Positivo como: “conjunto de princípios que pautam a vida social de determinado povo em determinada época”. Preferimos pensar dessa maneira, uma vez que positivar o Direito seria o mesmo que referendar a validade, eficácia e existência de determinadas regras jurídicas, sejam elas leis aprovadas mediante processo legislativo específico para esse fim, como também as regras oriundas da jurisprudência e dos costumes, como ocorre na Inglaterra e ocorreu na Roma antiga. Para Capitant, na obra Introduction à l’Étude du Droit Civil, o direito positivo é aquele “que está em vigor num determinado povo, e compreende toda disciplina da conduta, abrangendo as leis votadas pelo poder competente, os regulamentos, as disposições normativas de qualquer espécie”. 62 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 62 02/03/12 09:48 Instituições de Direito Público e Privado O Positivismo Jurídico foi adotado no Brasil, na forma anotada por Caio Mário da Silva Pereira e Capitant, uma vez que há possibilidades de, na lacuna da lei, o Juiz-Estado aplicar a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito para fundamentar a sua decisão. Dentre os pensadores que defendiam o Direito Natural, destaca-se Santo Tomás de Aquino, o qual, na obra “Summa Theologiae”, na Prima Secundae, Quaestio 91, sustenta que há três espécies de leis: [...]a lex aeterna, que governa o mundo, e é inacessível ao comum dos mortais; a lex naturalis, perceptível pela razão do homem, porém ditada pela expressão divina; e a lex humana, que tende à perfeição na medida em que se aproxima da lex naturalis. Neste mesmo diapasão, Hugo Grocio, para quem o Direito Natural é o paradigma das leis do homem, uma vez que, para ele, o legislador tão somente interpreta o Direito Natural através da sua atividade legislativa ou jurisprudencial, na hipótese dos julgados. Assim, a lei criada pelo homem é o veículo da lei natural. Ressalta-se ter havido na história do Direito um autor que buscou, através do Positivismo, realizar um sistema jurídico totalmente autônomo e completo, que, em tese, se sutentaria por si só. Hans Kelsen, na obra Teoria Pura do Direito, influencia vários outros escritores e estudiosos do Direito para a escola do Direito positivo, ou seja, do Direito estabelecido em lei. Entretanto, para esse pensador, as decisões dos tribunais, que se denominam jurisprudência, também fazem parte desse sistema positivado, razão pela qual o Direito poderia ser considerado uma ciência autossuficiente. Ronald Dworkin, na obra “O Império do Direito”, busca a mesma completude, com a diferença de que o seu trabalho se desenvolve num sistema jurídico denominado Common Law, o qual se fundamenta nos usos e costumes e que, por isso, sofre enorme influência dos princípios gerais de Direito e da jurisprudência. Unidade 2 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 63 63 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina 2.1 A Common Law e a Civil Law Existem nos países ocidentais dois grandes tipos de ordenamento jurídico: um, de tradição romana; e outro, de tradição anglosaxônica. No primeiro tipo de ordenamento, há o predomínio do processo legislativo, uma vez que vige o Positivismo Jurídico. No segundo, os usos e costumes é que significam a expressão da vontade de todos, pois, no primeiro, esta função cabe à lei; é a Civil Law. Leciona Miguel Reale que: Além dessa tradição, que exagera e exacerba o elemento legislativo, temos a tradição dos povos anglo-saxões, nos quais o Direito se revela muito mais pelos usos e costumes e pela jurisprudência do que pelo trabalho abstrato e genérico dos parlamentos. Trata-se, mais propriamente, de um Direito misto, costumeiro e jurisprudencial. Se, na Inglaterra, há necessidade de saber-se o que é lícito em matéria civil ou comercial, não há um Código de Comércio ou Civil que o diga, através de um ato de manifestação legislativa. O Direito é, ao contrário, coordenado e consolidado em precedentes jurisprudenciais, isto é, segundo uma série de decisões baseadas em usos e costumes prévios. Já o Direito em vigor nas Nações latinas e latino-americanas, assim como também no restante da Europa continental, funda-se, primordialmente, em enunciados normativos elaborados através de órgãos legislativos próprios. (REALE). No Brasil, caracteriza nosso ordenamento jurídico a tradição romanística, predominante nos países latinos e germânicos, herança da Revolução Francesa e do Contrato Social, pela qual a única manifestação autêntica da Nação são as leis através do processo legislativo democrático. Há, entretanto, uma hierarquia de normas, sendo que a Constituição é a mais importante e superior, e as demais devem orientar-se por ela, sob pena de, sendo contrárias, serem consideradas inconstitucionais e perderem sua validade. 64 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 64 02/03/12 09:48 Instituições de Direito Público e Privado A Civil Law inicialmente se destinava à regulação da vida civil. Ocorre que o seu sucesso, aliado ao Positivismo Jurídico, ou seja, transformar em lei, pela edição de um texto legal, a garantia do exercício pelo seu titular de um bem da vida, desencadeou um sistema de processo legislativo, que restou por regulamentar outros ramos da vida dos indivíduos. Assim, por exemplo, criaram-se leis para regular a forma de constituição de uma empresa, leis que tratam de títulos de crédito, chegando ao ponto de regular outros ramos do direito, como o penal, o trabalhista, previdenciário, etc. Desta maneira, a Civil Law terminou por fomentar a normatização da vida em sociedade, o que explica a grande atividade legislativa no país, pois há Poder Legislativo nas três esferas da Federação; a Câmara Municipal nos Municípios, as Assembleias Legislativas nos Estados e no Distrito Federal e o Senado e Câmara dos Deputados no âmbito Federal. Segundo vimos na unidade 1, o Poder estatal foi dividido em três grandes funções, sendo que uma delas é a função legislativa, conferida ao Poder Legislativo, exercido pelas casas anteriormente enumeradas. Por outro lado, podemos dizer também que a Commom Law tem seu fundamento no reconhecimento do direito comum, dito consuetudinário, ou seja, aquele praticado cotidianamente pelas pessoas em dada comunidade, e reconhecido pelo Poder Judiciário através da jurisprudência. Este último sistema é utilizado atualmente pela Inglaterra e pelos Estados Unidos da América. Perceba que, mesmo nestes países, há leis para um grande número de situações, entretanto os costumes ditam, sobremaneira, as decisões dos tribunais e, em muitos casos, decisões anteriores são muito mais consideradas que uma lei positivada. Unidade 2 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 65 65 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina Seção 3 - As Fontes do Direito Aqui, trata-se de fonte, tal qual uma nascente de onde brota água, porém, como fonte científica, o seu produto não é o líquido indispensável à vida, mas o conhecimento. Assim, a nascente, aquilo que alimenta o Direito e o transforma, denomina-se fonte. As fontes do Direito são de origem estatal, oriundas da sua própria atividade, seja jurisdicional, ao aplicar a lei ao caso concreto nos litígios nos Tribunais, ou pela elaboração de textos normativos, vale dizer, decorrentes do processo legislativo. Assim, as fontes estatais do Direito são a lei, desde a Constituição até os decretos legislativos, bem como a jurisprudência. A jurisprudência é entendida como o resultado dos julgamentos dos Tribunais Estaduais ou Federais, dos Tribunais Superiores, como o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça. também são consideradas jurisprudências, as decisões dos juízes de primeiro grau. Aqui você pode concluir que a jurisprudência é muito ampla e, como fonte de Direito, dada a sua variedade, pode acabar mais confundindo que esclarecendo uma divergência. Se, por um lado, isto é verdade, é preciso considerar a carga valorativa das decisões dos Tribunais, proferidas por uma câmara composta de três desembargadores, também juízes, porém em fase bem mais avançada na carreira, o que faz, na maioria dos casos, resolver a lide com mais justiça. É preciso, contudo, entender que a jurisprudência nada mais é que o resultado das decisões emanadas pelo Poder Judiciário, a quem compete julgar conforme a lei -- essa, fonte primária do Direito. É na lei que o homem busca a realização da justiça e, se o Poder Judiciário decidir as lides em desrespeito à lei, estará julgando injustamente. 66 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 66 02/03/12 09:48 Instituições de Direito Público e Privado A Lei de Introdução ao Código Civil prevê, em seu artigo 4°, que: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”. Esta previsão traz para o ordenamento jurídico brasileiro a hipótese de o juiz decidir uma lide de acordo com os princípios gerais do Direito, por analogia com outros ordenamentos jurídicos de outros países, bem como pelos usos e costumes; porém, somente na hipótese de lacuna na lei, ou seja, se a lei for omissa, se ela não enfrentou ou previu aquela situação geradora de um conflito de interesses, que precisa ser resolvido pelo magistrado. Importante salientar que a tarefa de interpretação da lei, tanto para o magistrado julgador, como para os advogados que representam os seus clientes perante o Judiciário, é muito auxiliada pela doutrina. Os costumes, a analogia, os princípios gerais de Direito, a jurisprudência e a doutrina podem ser considerados fontes do Direito, na medida em que é daí que o Direito se alimenta. Em que pese o Direito ser um instrumento de justiça, enquanto ciência ele precisa de fontes de estudo, portanto, para a ciência do Direito, essas fontes comumente são as anteriormente enumeradas. Há, como fonte do Direito, no caso de lacuna da lei -- ou, até mesmo, para fundamentar a decisão do magistrado -- , a técnica de comparação entre a situação real apresentada ao juiz e matérias de leis de outros países. Referimo-nos ao Direito Comparado. Não é o mesmo que a analogia, uma vez que, neste caso (da analogia), a comparação é feita dentro do ordenamento jurídico do país, ou seja, o magistrado faz uma interpretação do caso concreto, tendo também como razão de seu convencimento uma lei que não foi destinada para o caso que ele está julgando, mas que, devido a similaridades, é utilizada como reforço do fundamento da decisão magistral. Unidade 2 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 67 67 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina Por exemplo: ao decidir sobre o pedido de uma mulher para o afastamento do cônjuge do lar, ainda que ela não tenha sido vítima de agressão, o juiz justifica sua decisão argumentando que, além das medidas cautelares previstas no Código de Processo Civil, bem como no Código Civil, há a Lei Maria da Penha, que ampara o afastamento do lar comum, do marido que agride a mulher. Podemos perceber que o fundamento dado pelo magistrado, nesse caso, poderia estar calcado somente nas medidas cautelares do Código de Processo Civil, uma vez que não houve agressão e a aplicação da Lei Maria da Penha reste prejudicada. Porém, com intuito de bem fundamentar a sua decisão, o juiz também utilizou a analogia para convencer da sua decisão os sujeitos envolvidos no processo. No contexto do direito comparado, entretanto, se aplicado o mesmo exemplo acima, o juiz também apresentaria textos legais de outros países para fundamentar sua decisão. Seção 4 - A Divisão do Direito Didaticamente e por razões de facilitação do estudo, o Direito foi dividido em dois grandes ramos: o público e o privado. Isso não significa, necessariamente, que o Direito só pode ser ou um ou outro. Nada disso: na verdade um dos conceitos defendidos para classificar os ramos do direito em público ou privado leva em consideração a prevalência do interesse na área regulada pela lei, ou seja, se prevalece o interesse privado ou o público. 68 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 68 02/03/12 09:48 Instituições de Direito Público e Privado Para facilitar o entendimento desse conceito, apontamos um exemplo: uma separação de um casal é uma relação de direito privado, porém, por se tratar da desconstituição de uma família, há interesse do Estado na solução dessa nova relação jurídica que haverá após a separação. Assim como há prevalência do interesse público nos crimes cometidos contra a vida, uma vez que a repercussão na sociedade do atentado contra a vida transforma o cotidiano das pessoas e causa insegurança, perturba a paz social. Porém há outros conceitos que dividem os ramos do direito em público ou privado. Em última análise, há interesse público envolvido no direito. É através do direito e das leis que o homem aprendeu a viver em grupo e a organizar politicamente o poder oriundo desse agrupamento. Dessa relação intrínseca, podemos dizer que há interesse público no respeito às leis, sejam elas de natureza privada ou pública. A questão, pois, parece não ser de fácil solução, razão pela qual apresentaremos alguns dos conceitos mais aceitos na doutrina, que ajudam sobremaneira na identificação dos ramos do direito e na sua classificação em público ou privado. O primeiro conceito que apresentamos já foi aventado anteriormente e diz que é de direito público o ramo do direito em que houver predominância do interesse público; já nos ramos do direito em que há prevalência dos interesses privados, o direito seria privado. A crítica da doutrina para essa divisão reside no fato de que é muito difícil definir com exatidão qual interesse predomina em cada caso. Assim, essa teoria acabou sendo aperfeiçoada. Surgiu daí, então, a teoria pela qual a divisão do direito poderia ser determinada pela destinação que se dá ao texto legal, ou seja: se ele se destina a regular relações privadas, o direito seria privado; se regulasse relações públicas, seria direito público. Porém, quando um ente público for parte numa relação de compra e venda, por exemplo, houve dúvida se esse negócio jurídico seria de direito público ou privado. Unidade 2 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 69 69 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina Várias outras explicações surgiram. Tentaremos, assim, resumi-las. O direito público é um direito de subordinação, o direito privado é um direito de cooperação. Para o direito público, o tratamento entre as partes envolvidas é diferente, uma vez que um deles é o Estado, o qual exige a observância das normas de direito público pelo indivíduo, como por exemplo, a exigência do voto para o maior de dezoito anos. No direito privado presume-se a igualdade das partes e o caráter de volitividade envolvido na relação jurídica havida entre eles. 4.1 O Direito Público O direito público pode ser dividido em interno e externo. Podemos considerar como ramo integrante do direito público interno o direito administrativo, através do qual se disciplina o exercício de atos administrativos praticados por poderes estatais. São também considerados ramos do direito público interno: o direito tributário, aquele que reúne normas que correspondam, direta ou indiretamente, à instituição, arrecadação e fiscalização de tributos; o direito processual, ou seja, aquele que rege a forma que os atores das ações judiciais (autor e réu, por seus advogados, e o juiz personificando o Estado) estarão obrigados a observar para a solução de litígios; e por último, o direito penal, comumente conhecido como o conjunto de normas que determinam certas condutas como criminosas, punindo-as com sanções (pena). Compõem o direito público externo o direito internacional público e o direito internacional privado, sendo que o primeiro cuida do conjunto de normas consuetudinárias e é fruto de convenções internacionais que regem as relações entre Estados e 70 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 70 02/03/12 09:48 Instituições de Direito Público e Privado organismos internacionais; já o segundo, o direito internacional privado, trata das regulamentações entre os Estados e os cidadãos pertencentes a outros Estados, buscando solução para a problemática da aplicação da lei no espaço. 4.2 O Direito Privado Esta divisão do direito privado reúne alguns dos ramos mais comuns na vida das pessoas: o direito civil, que cuida das relações entre os particulares no âmbito de sua vida civil, como o casamento, os alimentos, os contratos, a sucessão, entre outras áreas dentro do mesmo ramo. Além desse, faz parte do direito privado o direito comercial, pelo qual se disciplina a atividade negocial do comerciante e de qualquer pessoa, física ou jurídica, com destino a fins de natureza econômica, habitual e com lucro. Por último, podemos dizer que o direito do trabalho também se insere no direito privado, uma vez que essencialmente regulamenta as relações entre patrão e empregado. Unidade 2 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 71 71 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina Síntese O Direito é um fenômeno social que surge independentemente da vontade humana, pois é fruto da necessidade de se pacificarem as relações em sociedade, uma vez que este convívio é indispensável para o desenvolvimento da humanidade. Dessa maneira, tem-se que o Direito como ciência é de primordial importância para que cada vez mais se possa ter um sistema que proporcione a realização do bem comum. Eis para que serve o Direito: para realizar o bem comum, garantir o respeito aos direitos individuais e também para organizar o funcionamento do Estado. É preciso, pois, haver justiça, razão pela qual o homem criou dois grandes sistemas de ordenamento, a Commom Law e a Civil Law. Como toda ciência, o Direito tem suas fontes, de onde o jurista busca explicações para os fenômenos sociais que envolvem conflitos em torno de um bem. Desta forma, por questões de didática e para melhor apresentar a matéria, dividiu-se o Direito em duas grandes áreas, a saber, a do Direito Público e a do Direito Privado, compostas pelos diversos ramos do direito, conforme anteriormente aduzido. 72 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 72 02/03/12 09:48 Instituições de Direito Público e Privado Atividades de autoavaliação 1) Segundo as teorias apresentadas, explique que surgiu antes: se o Direito ou o Estado. 2) Segundo vimos nesta unidade, Miguel Reale propõe uma divisão para os campos do Direito. Apresente esta divisão e comente-a à luz do conteúdo estudado. 3) Explique a unidade fim do Direito. Unidade 2 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 73 73 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina Saiba mais Livros: DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1991. DWORKIN, Ronald. O império do direito. São Paulo: Saraiva, 2005. FERRAZ, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito. São Paulo: Atlas, 1988. ______. A ciência do direito. São Paulo: Atlas, 1977. GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução à ciência do direito. Rio de Janeiro: Forense, 1959. KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2000. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1976. REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. São Paulo: Saraiva, 2005. TELLES JR., Goffredo. O direito quântico. 5. ed. São Paulo: Max Limonad, 1971. Legislação: Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 - Lei de Introdução ao Código Civil (19 artigos) Filme: Manderlay (Lars Von Trier) 74 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 74 02/03/12 09:48 UNIDADE 3 O Direito Constitucional Deisi Cristini Schveitzer Objetivos de aprendizagem Compreender as principais teorias constitucionais: Sieyès, Lassale e Hesse. Identificar as características da Constituição. 3 Visualizar a constituição e a hierarquia do ordenamento. Conhecer quais são os princípios, as garantias fundamentais e os direitos individuais e coletivos previstos na CRFB/88. Seções de estudo Seção 1 As teorias constitucionais (Sieyès, Lassale e Hesse) Seção 2 A Constituição e suas características instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 75 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina Para início de estudo Como o próprio nome revela, Direito Constitucional é correlativo à palavra Constituição. Necessário, portanto, determinar em um primeiro momento o que é uma Constituição, com base nas principais teorias constitucionais. É que tal compreensão facilitará a formulação de conceitos. Para tanto, você conhecerá as teorias de Sieyès, Lassale e Hesse. Esta unidade também pretende identificar as características da Constituição. Aqui, você analisará as classificações conhecidas da teoria geral do direito. Compreendidos o conceito e as características da Constituição, será possível visualizar a hierarquia constitucional. O segundo momento reserva-se para a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Você conhecerá os princípios, as garantias fundamentais e os direitos individuais e coletivos. Bons estudos! Seção 1 - As teorias constitucionais (Sieyès, Lassale e Hesse) 1.1 Conceito de Direito Constitucional e Constituição O Direito Constitucional é um ramo do Direito Público Interno e tem por objeto o estudo da Constituição. Como definimos acima, o Direito Constitucional pertence, na divisão clássica do direito, ao ramo público, sendo ele o próprio cerne do Direito Público Interno, cujo objeto é a própria organização básica do Estado. Orlando de Almeida Secco (2008, p. 349) conceitua o Direito Constitucional como o ramo que 76 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 76 02/03/12 09:48 Instituições de Direito Público e Privado [...] regula a estrutura fundamental do Estado e determina as funções dos respectivos órgãos. As suas normas referem-se à organização fundamental do Estado e regem a estruturação e o funcionamento dos seus órgãos, além das relações mantidas com os cidadãos. A acepção do Direito Constitucional como ciência é a de conhecimento sistematizado da organização jurídica fundamental do Estado (FERREIRA FILHO, 2008, p. 16). Direito Constitucional é a ciência que propicia o conhecimento da organização fundamental do Estado, denominando-se Direito Constitucional Positivo quando a análise recai sobre as normas fundamentais vigentes. Quanto à sua natureza, o Direito Constitucional é considerado o núcleo do direito público fundamental. (CHIMENTI et al., 2006, p. 2). A partir dos conceitos elencados, conclui-se que o Direito Constitucional é relativo à Constituição. E o que é Constituição? A palavra “Constituição” possui diversos significados, variando, portanto, a área de estudo do Direito Constitucional. Em um sentido muito amplo, em uma linguagem comum, constituição significa a particular estrutura de qualquer coisa. Esta acepção não é própria a qualquer ramo científico, ou seja, aplica-se a todo grupo, a toda sociedade, a todo Estado. A constituição de uma mesa, a constituição do corpo humano, a constituição de um livro, a constituição de um conjunto de normas. Em um sentido primário, Chimenti et al. (2006, p. 1) ensina que “a Constituição é a Lei Fundamental ao Estado e ao seu povo, ditando ao primeiro os limites de atuação como forma de proteger ou tutelar o segundo”. Unidade 3 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 77 77 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina Quando aplicada ao Estado, a palavra Constituição designa a sua organização fundamental total, quer social, quer política, quer jurídica. Seguiremos, então, com as principais teorias constitucionais, cuja compreensão facilitará o entendimento dos conceitos de Constituição. 1.2 As Teorias Constitucionais (Sieyès, Lassale e Hesse) O que interessa nesta seção é compreender a constituição como a organização fundamental total. Para Emmanuel Joseph Sieyès (1986), a Constituição é uma obra do consentimento dos homens, gerada pela vontade do povo, expressão coletiva da liberdade natural de cada um de seus integrantes. O povo, porque é livre, tem o poder de estabelecer o contrato social, tem o poder de constituir (e limitar) o poder, tem o poder constituinte. Figura 3.1 – Emmanuel Joseph Sieyès defendia a preservação da liberdade e dos direitos naturais. Fonte: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Emmanuel_Joseph_Siey%C3%A8s>. Formada a sociedade pelo livre acordo entre os homens, é necessário que estes se sujeitem a um poder, a fim de que os objetivos comuns sejam realizados. Este poder, no entanto, deve ser constituído pelos homens integrados em sociedade. Esta 78 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 78 02/03/12 09:48 Instituições de Direito Público e Privado “constituição” não importa apenas na organização do Governo, mas também na sua limitação, para a preservação da liberdade e dos direitos naturais. Para a teoria de Ferdinand Lassale (1988, p. 22), a “Constituição é um pacto juramentado entre o rei e o povo, estabelecendo os princípios alicerçais da legislação e do governo dentro de um país”, ou, tratando-se de um país republicano, “A Constituição é a lei fundamental proclamada pela nação, na qual se baseia a organização do Direito Público do País”. Para Lassale, a Constituição não passa de um “pedaço de papel” (ein stück Papier). A sua capacidade de regular e de motivar está limitada à sua compatibilidade com a Constituição real. Esse pedaço de papel deverá sucumbir diante dos fatores reais de poder dominante no país. Para o autor, as questões constitucionais não são questões jurídicas, mas questões políticas, pois expressam as relações de poder nele dominantes. (LASSALE, 1988). Figura 3.2 – Ferdinand Lassale via a constituição como “um pedaço de papel”. Fonte: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Ferdinand_Lassalle>. Agora, faça uma pausa e reflita sobre as palavras de Ferdinand Lassale abaixo: Unidade 3 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 79 79 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina “De nada serve o que se escreve numa folha de papel se não se ajusta à realidade, aos fatores reais e efetivos do poder.” (LASSALE, Ferdinand. O que é uma Constituição; trad. Hiltomar Martins Oliveira. Belo Horizonte: Ed. Líder, 2002. p.68). O que é organização jurídica fundamental? Para Kelsen (2000), a Constituição é a organização jurídica fundamental, imposta pelo Estado, que dita o modo de elaboração de todas as demais normas jurídicas. Na mesma linha, Konrad Hesse (1998, p. 37) conceitua a Constituição como a “a ordem jurídica fundamental de uma comunidade ou o plano estrutural para a conformação jurídica de uma comunidade, segundo certos princípios fundamentais”. Nas palavras de Ferreira Filho (2008, p. 11), a Constituição “[é] o conjunto de regras concernentes à forma do Estado, à forma do governo, ao modo de aquisição e exercício do poder, ao estabelecimento de seus órgãos, aos limites de sua ação”. Saiba mais sobre as teorias que fundamentam o conceito de Constituição lendo o capítulo 1 do livro: MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártineres; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2008 1.3 Classificação das Constituições Constituição material e formal É formada pelo conjunto de regras materialmente constitucionais. Essas regras formam a constituição material do Estado, sejam elas escritas ou não; sejam de elaboração solene, ou não (FERREIRA FILHO, 2008). 80 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 80 02/03/12 09:48 Instituições de Direito Público e Privado As regras materialmente constitucionais não se encontram necessariamente no texto constitucional. Há, no ordenamento jurídico, normas que não estão inseridas na Constituição, e sim em lei ordinária, por exemplo, e são materialmente constitucionais. Na constituição formal, as regras estão inseridas no texto constitucional, ou seja, são introduzidas na Constituição. Neste sentido, Bastos (1990, p. 43) esclarece que a constituição: “seria um conjunto de normas legislativas que se distinguem das não-constitucionais em razão de serem produzidas por um processo legislativo mais dificultoso, vale dizer, um processo formativo mais árduo e mais solene”. Constituição escrita e não escrita Na constituição escrita temos as regras codificadas em um único texto, sendo, portanto, a lei maior de um Estado. É aquela promulgada por órgão competente. A constituição não escrita é também denominada de constituição costumeira ou consuetudinária. Sua característica principal é não estar aglutinada em um texto solene. Pode dizer-se que Constituições escritas são aquelas que foram promulgadas pelo órgão competente. Constituições não escritas ou consuetudinárias são aquelas que a prática ou o costume sancionaram ou impuseram. (GONZÁLEZ apud BONAVIDES, 2003, p. 85). Constituição imutável, rígida, flexível e semirrígida As constituições imutáveis não podem ser alteradas, fazendo parte da história. As rígidas somente podem ser modificadas por um processo de reforma mais complicado e solene. São também denominadas condicionais. Unidade 3 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 81 81 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina Em contrapartida, as flexíveis ou não condicionadas não exigem nenhum requisito especial de reforma. Nas semirrígidas, algumas regras constitucionais podem ser alteradas por um processo legislativo ordinário. Constituições codificadas e constituições legais As classificações constituições codificadas e constituições legais são pertinentes às constituições escritas. As constituições codificadas estão inseridas num só texto. As constituições legais se apresentam em vários textos. Constituições codificadas são aquelas que se acham contidas inteiramente num só texto, com os seus princípios e disposições sistematicamente ordenados e articulados em títulos, capítulos e seções, formando em geral um único corpo de lei. (BONAVIDES, 2003, p. 87). Constituições outorgadas e constituições populares Nas constituições outorgadas não há participação popular. São impostas pelo poder. ”São exemplos de Constituição outorgada a carta de Luís XVIII restaurando, em 1814, a monarquia francesa; a Constituição imperial brasileira de 25 de março de 1824, outorgada por D. Pedro I; o chamado Estatuto Albertino de 1848, na Itália, que teve vigência por um século; a Constituição japonesa de 1889; as Constituições da Etiópia de 1931 e 1955; e a Constituição da Arábia Saudita, de 1950” (BONAVIDES, 2003, p. 89). As constituições populares ou democráticas ou conhecidas também por promulgadas são caracterizadas por ter, em sua elaboração, representantes do povo. Neste sentido, Paulo Bonavides (2003, p. 90) ensina que “São aquelas que exprimem em toda a extensão o princípio político e jurídico de que todo governo deve apoiar-se no consentimento dos governados e traduzir a vontade soberana do povo”. 82 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 82 02/03/12 09:48 Instituições de Direito Público e Privado Como exemplo temos as constituições brasileiras de 1891, 1934, 1946 e 1988 como promulgadas e as constituições brasileiras de 1824, 1937 e 1967, consideradas outorgadas. Constituição-garantia, constituição-balanço e constituição-dirigente A constituição-garantia visa a liberdade, limitando o poder. A constituição-balanço descreve e registra a organização política estabelecida, refletindo no presente. Já a constituição-dirigente estabeleceria um plano para dirigir uma evolução política, ou seja, anunciaria um ideal a ser concretizado. (FERREIRA FILHO, 2008, p. 14). 1.4 A Constituição e a hierarquia do ordenamento jurídico O ordenamento jurídico é o conjunto de normas existentes em um determinado Estado, com o objetivo de organizar e disciplinar as relações jurídicas estabelecidas entre os indivíduos que integram a sociedade. Secco (2009, p. 43) fornece um conceito amplo de ordenamento jurídico como sendo o sistema de legalidade do Estado: É a organização e disciplinamento da sociedade através do Direito. É a parte do Ordenamento Social que restabelece a ordem e a segurança, o equilíbrio, enfim, das relações intersubjetivas, pelo Direito, neste compreendidas não só as normas jurídicas como todas as demais fontes componentes do sistema de legalidade do Estado. A Constituição se configura como a lei maior, a norma suprema, com posição superior ao resto do ordenamento jurídico. Significa que a Constituição se coloca no vértice do sistema jurídico do país, a que confere validade, e que todos os poderes estatais são legítimos na medida em que ela os reconheça e na proporção por ela distribuídas. (SILVA, 1992, p. 82). Unidade 3 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 83 83 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina À luz da teoria da Estrutura Escalonada da Ordem Jurídica, de Hans Kelsen (2000), é possível concluir que a norma que regula a produção é a norma superior; a norma produzida segundo as determinações daquela é a norma inferior. Essa teoria remete a uma pirâmide do ordenamento jurídico, podendo ser vislumbrada como na figura a seguir. Constituição Federal Leis complementares; leis ordinárias; leis delegadas; decretos legislativos e resoluções; medidas provisórias. Decretos regulamentares e outras normas de hierarquia inferior, tais como portarias, circulares, etc. Figura 3.3 – Pirâmide do ordenamento jurídico. Fonte: Elaborado pelo autor, 2009. Seção 2 - A Constituição e suas características Nesta seção, você vai conhecer os Direitos e as garantias fundamentais, individuais e coletivos, elencados no art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 84 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 84 02/03/12 09:48 Instituições de Direito Público e Privado Necessário se faz distinguir direitos e garantias. Na lição de Dezen Júnior (2006, p.15), “Direito é o que a Constituição Federal atribui ou assegura; garantias são os instrumentos de defesa dos Direitos”. Para Mendes (2008, p. 268), “as garantias fundamentais asseguram ao indivíduo a possibilidade de exigir dos Poderes Públicos o respeito ao direito que instrumentalizam”. Como exemplo das diferenças mencionadas, é possível citar que ao Direito de locomoção (inciso XV) corresponde a garantia da ação de habeas corpus (inciso LXVIII). O art. 5° da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, ao longo dos seus 78 incisos, enumera os principais direitos e garantias fundamentais, individuais e coletivos. São principais, porque não se trata de uma relação taxativa. O parágrafo 2° do mesmo artigo reza que os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios ou até dos tratados internacionais dos quais o Brasil faz parte. 2.1 Princípio da Igualdade ou Princípio da Isonomia O princípio da igualdade ou da isonomia está consagrado no caput do art. 5º da Constituição (BRASIL, CF, 2008): Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...] (grifo nosso). Segundo este princípio, todas as pessoas são iguais e terão tratamento absolutamente igual pelas leis brasileiras, mas terão tratamento diferenciado na medida de suas diferenças. (DEZEN JÚNIOR, 2006). Unidade 3 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 85 85 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina O Art. 37, VIII, menciona que a lei deverá tratar de maneira desigual os deficientes físicos e não deficientes em concurso público. 2.2 Príncipio da Legalidade ou da Autonomia de Vontade O Inciso II consagra esse princípio, determinando que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (BRASIL, CF, 2008). Somente a lei poderá impor às pessoas um dever de fazer ou deixar de fazer, ou seja, um dever de abstenção ou prestação. 2.3 Direito à Vida Direito à vida é o direito que a pessoa tem de não ter seu processo vital interrompido. O direito à vida abrange o direito de não ser morto (direito de não ser privado da vida de maneira artificial; direito de continuar vivo), o direito a condições mínimas de sobrevivência e o direito a tratamento digno por parte do Estado. (CHIMENTI, 2006, p. 57). Sendo a vida condição para o exercício de todos os direitos, é considerada o direito fundamental. São exemplos decorrentes do direito de não ser morto (ou de continuar vivo) a proibição da pena de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX (art. 5º XLVII, a), e o direito de nascer e sobreviver, previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente, nos arts. 7º e 8º. 86 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 86 02/03/12 09:48 Instituições de Direito Público e Privado 2.4. Proibição da Tortura O inciso III da Constituição reza que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante” (BRASIL, CF, 2008). Este dispositivo tem como finalidade proteger a dignidade da pessoa contra atos que poderiam atentar contra ela. O tratamento desumano difere do tratamento degradante. O primeiro é aquele que se tem por contrário à condição de pessoa humana, e o segundo, quando aplicado, diminui a condição de pessoa humana e sua dignidade. Pode-se definir tortura como o “sofrimento psíquico ou físico imposto a uma pessoa, por qualquer meio” (DEZEN JÚNIOR, 2007, p. 33). A lei n° 9.455, de 7/4/1997 definiu tortura como sendo o constrangimento a alguém, mediante o emprego de violência ou grave ameaça, física ou psíquica, causando-lhe sofrimento físico ou mental. 2.5 Direito de Opinião, Direito de Resposta e Direito de Expressão O direito de livre manifestação de pensamento, sendo vedado o anonimato, está assegurado no inciso IV. (BRASIL, CF, 2008). É o direito que a pessoa tem de exprimir, por qualquer forma e meio, o que pensa a respeito de qualquer coisa. Exige, porém, que a pessoa que exerça este direito se identifique. A identificação proporcionará ao prejudicado o direito de defender-se, disciplinado no inciso V: “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem” (BRASIL, CF, 2008). Na visão de Ferreira Filho (2008, p. 301): A manifestação mais comum do pensamento é a palavra falada, pela qual alguém se dirige a pessoa ou pessoas presentes para expor o que pensa. Essa liberdade é consagrada pelo art. 5º., IV e V. Na verdade, é ela uma das principais de todas as liberdades humanas por ser a Unidade 3 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 87 87 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina palavra uma das características fundamentais do homem, o meio por que este transmite e recebe as lições da civilização. A liberdade de palavra, todavia, não exclui a responsabilidade pelos abusos sob sua capa cometidos. Já o direito de expressão consiste na livre manifestação de sentimentos e de criatividade, abolindo o poder público de controlar a produção de filmes, peças, teatros, livros, músicas, artes, textos em jornais e revistas e outros. O inciso IX diz expressamente que não poderá haver censura ou licença.(BRASIL, CF, 2008). É importante compreender que censura significa a ação governamental, de ordem prévia, centrada sobre o conteúdo de uma mensagem. A proibição da censura concentra-se em impedir que as ideias e fatos que o indivíduo pretende divulgar tenham de passar, antes, pela aprovação de um agente estatal. (MENDES, 2008). 2.6 Direito de Locomoção O direito de locomoção em tempo de paz está assegurado no inciso XV. É a conhecida liberdade de ir, vir e ficar, que termina onde atenta contra o bem geral. Para Ferreira Filho (2008, p. 301), o direito de locomoção “Consiste em poder o indivíduo deslocar-se de um lugar para outro, ou permanecer cá ou lá, segundo lhe convenha ou bem lhe pareça”. Esse direito não é absoluto, pois o indivíduo terá que observar as exigências legais. O governo federal limita a quantidade de moeda estrangeira que as pessoas podem adquirir, oficialmente, para viagens ao Exterior. 2.7 Direito de Reunião e de Associação O direito de reunião é regulado no inciso XVI, e o direito de associação, nos incisos XVII a XXI.(BRASIL, CF, 2008). A diferença fundamental entre eles é a permanência, pois uma reunião é momentânea e a associação é mais duradoura. 88 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 88 02/03/12 09:48 Instituições de Direito Público e Privado A reunião significa um agrupamento de pessoas, organizado mas descontínuo, para intercâmbio de ideias ou tomada da posição comum. Se o agrupamento adota laços duradouros, passa da reunião para a associação. (FERREIRA FILHO, 2008). 2.8 Direito à Informação e Direito de Informação Pública O inciso XIV assegura a todos o acesso à informação, sendo resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional (BRASIL, CF, 2008). É o direito de passar, receber e buscar informações, ou seja, o direito de informar, de se informar e de ser informado. Já o direito de informação pública, disciplinado no inciso XXXIII, garante a todos o direito de receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo determinado em lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.(BRASIL, CF, 2008). As informações são requeridas administrativamente pelo direito de petição, previsto no inciso XXXIV (BRASIL, CF, 2008). Este direito decorre sem o pagamento de taxas. Interesse coletivo é aquele que interessa a um grupo determinado e reconhecido por interesses comuns. Encontra remédio constitucional no mandado de segurança. (DENZEN JÚNIOR, 2007, p. 64). Interesse geral é o interesse de todo o grupo social, sem distinção por segmentos ou setores. É defensável por mandado de segurança. 2.9 Direito à Intimidade, à Vida Privada, à Honra e à Imagem Estes direitos aparecem em bloco no inciso X, assegurando à pessoa o direito de indenização por danos materiais ou morais, caso sejam violados. O Direito à intimidade ou à vida privada consiste na faculdade que o indivíduo tem de obstar a intromissão de pessoas estranhas na sua vida privada e familiar. Decorre deste direito a proteção à casa, consagrando-a como abrigo inviolável do morador, em conformidade com o inciso XI. Unidade 3 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 89 89 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina A casa poderá ser penetrada, se houver consentimento do morador, ou, sem consentimento, nos casos de flagrante delito, de prestação de socorro e de acidente, a qualquer momento do dia ou da noite. Também poderá, durante o dia, haver o ingresso em casa alheia, se por determinação judicial. Qualquer pessoa mantém a sua intimidade, em qualquer lugar onde se encontre, pois ela significa a esfera mais íntima, mais subjetiva e mais profunda do ser humano, com as suas concepções pessoais, seus gostos, seus problemas, seus desvios, sua taras. (DEZEN JÚNIOR, 2007, p. 40). Já a vida privada, para Dezen Júnior (2007, p. 40), tem conotação diversa: “é a forma de externar a intimidade, que acontece em lugares onde a pessoa esteja ou se sinta protegida da interferência de estranhos, como a casa onde mora”. A proteção aos sigilos de correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, constatados no inciso XII, é fundamentada no direito à intimidade e à vida privada da pessoa. Saiba mais sobre as interceptações telefônicas, conhecendo a Lei nº. 9.296, de 1996. A honra consiste no direito de não ser a pessoa ofendida ou lesada em sua dignidade pessoal ou consideração social. O direito à imagem consiste no direito de a pessoa não ver seu retrato exposto em público, sem o seu consentimento. (BASTOS, 1990, p. 181). Há situações especiais, tratadas como exceções à regra. Veja alguns exemplos: Pessoas em lugares públicos, como estádios de futebol ou parques, se filmadas ou fotografadas, como parte do todo, não podem pedir indenização. Por estarem em lugar público, estão renunciando, naquele momento, à preservação da sua imagem. Um outro exemplo comum é a divulgação do retrato de um criminoso procurado pelas autoridade policiais. 90 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 90 02/03/12 09:48 Instituições de Direito Público e Privado 2.10 Liberdade de Profissão O inciso XIII dispõe que “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer” (BRASIL, CF, 2008). É a possibilidade de escolha livre pela pessoa do trabalho, ofício ou profissão que irá executar ou exercer. Se, por ventura, a lei estabelecer requisitos e qualificações necessárias para o exercício de determinadas profissões, a pessoa terá que atendê-los para poder exercê-las. 2.11 Direito de Propriedade Vários dispositivos da Constituição disciplinam o direito de propriedade. No âmbito do art. 5º é tratado nos incisos XXII a XXXI.(BRASIL, CF, 2008). Diniz (2007, p. 126) define o direito de propriedade na esfera civil como sendo: O direito que a pessoa física ou jurídica tem, dentro dos limites normativos, de usar, gozar e dispor de um bem, corpóreo ou incorpóreo, bem como de reivindicá-lo de quem injustamente o detenha. Já, na esfera constitucional, Bastos e Martins (1989, p. 118-119) ensinam: O conceito constitucional de propriedade é mais lato do que aquele de que se serve o direito privado. É que, do ponto de vista da Lei Maior, tornou-se necessário estender a mesma proteção, que, no início, só se conferia à relação do homem com as coisas, à titularidade da exploração de inventos e criações artísticas de obras literárias e até mesmo a direitos em geral que hoje não o são, na medida em que haja uma devida indenização de sua expressão econômica. Unidade 3 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 91 91 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina O inciso XXIII trouxe uma evolução ao direito de propriedade, ao mencionar que “a propriedade atenderá a sua função social” (BRASIL, CF, 2008). Por função social, entende-se que: a propriedade, além de direito da pessoa, é também um encargo contra essa, que fica constitucionalmente obrigada a retribuir, de alguma forma, ao grupo social, um benefício pela manutenção e uso da propriedade. (DEZEN JÚNIOR, 2007, p. 54). 2.12 Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição ou do Amplo Acesso à Jurisdição É a faculdade da pessoa lesionada ou ameaçada de lesão, por meio da ação própria, ver o seu direito apreciado pelo Poder Judiciário. Este direito de ação está previsto no inciso XXXV, colocando de forma clara que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (BRASIL, CF, 2008). 2.13 Proibição de Juízo ou Tribunal de Exceção, Princípio do Juiz Natural ou Princípio do Juiz Legal, Direito ao Júri, Princípio da Anterioridade da Lei Penal e Limites à Retroatividade da Lei O inciso XXXVII alega que “não haverá juízo ou tribunal de exceção” (BRASIL, CF, 2008). Esta norma considera inconstitucional juízos ou tribunais criados para julgar um fato após esse fato ter ocorrido, ou em juízos ou em tribunais cujo funcionamento não seguem as leis processuais. O princípio do Juiz Natural, elencado no inciso LIII, complementa a proibição do juízo ou tribunal de exceção mencionando que “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente” (BRASIL, CF, 2008). “Importa na garantia do autor do ilícito penal só poder ser processado e julgado perante órgão do Poder Judiciário, dotado das garantias próprias à magistratura” (DALABRIDA, 2006, p. 17). 92 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 92 02/03/12 09:48 Instituições de Direito Público e Privado O Direito ao Júri é reconhecido no inciso XXXVIII, que prevê sua existência e competência, assegurando à pessoa do acusado a plenitude de defesa, o sigilo das votações, a soberania dos veredictos e a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida. (BRASIL, CF, 2008). O júri surgiu no Direito brasileiro com o Decreto Imperial de 18.06.1822 e destinava-se exclusivamente a julgar os crimes de imprensa. (MENDES, 2008, p. 578). O inciso XXXIX informa que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal” (BRASIL, CF, 2008). Trata-se do princípio da anterioridade da lei. No direito penal, a lei sempre retroage para beneficiar o réu. Tal benefício também é garantia legal constitucional prevista no inciso XL, ou seja, “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu” (BRASIL, CF, 2008). Trata-se, portanto, de limites à retroatividade da Lei. 2.14 Princípio do Devido Processo Legal. Princípio do Contraditório. Princípio da Prova Lícita. Princípio da Presunção de Inocência. Proteção Constitucional quanto à prisão e ao inquérito O princípio do devido processo legal está inserido no inciso LIV, onde se menciona que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (BRASIL, CF, 2008). Deste princípio decorre o princípio do contraditório e da ampla defesa, encontrados no inciso LV, estabelecendo que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (BRASIL, CF, 2008). O princípio do contraditório é o direito de resistência da pessoa ao que outra pretende, de discordar de pretensão de terceiros. Unidade 3 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 93 93 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina Fulano de tal pretende cobrar uma dívida de Ciclano de Tal. Ciclano de Tal, o alegado devedor, tem o direito de, judicialmente, negar-se a pagar, trazendo as provas que justificam a não obrigação. O princípio da prova lícita decorre do princípio do contraditório e é assegurado no inciso LVI, dando à pessoa o direito de produzir, em seu favor, todos os meios de provas admitidas pelo direito brasileiro. (BRASIL, CF, 2008). No exemplo anterior, Ciclano de Tal poderá provar com um recibo de pagamento da suposta dívida, assinado pelo Fulano de Tal. A presunção de inocência está determinada no inciso LVII: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (BRASIL, CF, 2008). O princípio ampara qualquer pessoa que seja investigada em inquérito policial, réu em processo penal ou simplesmente suspeito. É conhecido popularmente pela seguinte frase: “Ninguém será considerado culpado até que se prove o contrário”. A Proteção Constitucional quanto à prisão e ao inquérito, inserida no inciso LVIII, tem por finalidade a liberdade da pessoa, exceto nos casos previstos em lei. 2.15 Princípio da não extradição Para Rezek (2008, p. 197), “extradição é a entrega, por um Estado a outro, e, a pedido deste, de pessoa que em seu território deva responder a processo penal ou cumprir pena”. O inciso LI proíbe a extradição de brasileiros natos e naturalizados, salvo no caso de crime comum cometido antes da naturalização ou comprovado envolvimento com tráfico de drogas. Já, no inciso LII, a extradição do estrangeiro é proibida quando configure crime político ou de opinião. (BRASIL, CF, 2008). 94 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 94 02/03/12 09:48 Instituições de Direito Público e Privado 2.16 Proibição da Prisão Civil Na prisão civil, a pessoa é presa para ser pressionada a fazer alguma coisa, a cumprir uma obrigação que deveria ter cumprido e não o fez. (DEZEN JÚNIOR, 2007, p. 110). A regra geral da proibição da prisão civil está no início do inciso LXVII, que proíbe a prisão por dívida, trazendo, em seguida, duas exceções, ou seja, quando ocorre inadimplemento voluntário e inescusável do responsável pela obrigação alimentícia e do depositário infiel. (2008, p. 197). Súmula no. 309 do STJ: o débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores à citação e as que vencerem no curso do processo. Súmula no. 304 do STJ: é ilegal a decretação da prisão civil daquele que não assume expressamente o encargo de depositário judicial. Súmula no. 305 do STJ: é descabida a prisão civil do depositário quando, decretada a falência da empresa, sobrevém a arrecadação do bem pelo síndico. EDITORA SARAIVA. Vade Mecum Saraiva. Obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração da Antonio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. 7. ed. São Paulo : Editora Saraiva, 2009. 2.17 Habeas Corpus A garantia ao Habeas corpus está elencada no inciso LXVIII (BRASIL, CF, 2008): [...] conceder-se-á “habeas-corpus” sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder. Unidade 3 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 95 95 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina O Habeas corpus protege a liberdade, mas desde que cerceada por ato de ilegalidade ou abuso de poder. Então, não é toda violência ou coação que faz emergir o direito ao habeas corpus, sendo próprio do Estado utilizar a violência e a coação como meios assecuratórios da ordem jurídica. O que não se admite é a ilegalidade e abuso do poder na utilização da violência ou coação. (BASTOS, 1990). 2.18 Habeas Data Ação que garante ao interessado o acesso a informações atinentes à sua pessoa, constante de registro ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público, bem como de retificação desses dados. Fonte: <http://www. mundodosfilosofos.com.br/latim. htm#H>. Acesso em: 03 fev. 2011. A concessão do Habeas data está prevista no inciso LXXII (BRASIL, CF, 2008): Conceder-se-á “habeas-data”: a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público; b) para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo. Com a leitura do inciso, tem-se, na alínea “a”, que a pessoa poderá ter acesso a informações a seu respeito, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público. Já, na alínea “b”, que a pessoa poderá ter acesso à retificação de dados. 2.19 Mandado de Segurança O mandado de segurança está previsto no inciso LXIX (individual) e no inciso LXX (coletivo). Hely Lopes Meirelles (1991) conceitua mandado segurança como sendo o meio constitucional posto à disposição de toda pessoa física ou jurídica, órgão com capacidade processual, ou universalidade reconhecida por lei, para proteger direito individual ou coletivo, próprio, líquido e certo, não amparado por 96 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 96 02/03/12 09:48 Instituições de Direito Público e Privado habeas corpus, lesado ou ameaçado de lesão, por ato de qualquer autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça. O mandado de segurança é remédio específico contra a violação de direito, líquido e certo pelo poder público, onde não cabe habeas corpus ou habeas data. (FERREIRA FILHO, 2008). 2.20 Mandado de Injunção O inciso LXXI prevê a utilização pela pessoa do mandado de injunção “sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania” (BRASIL, CF, 2008). Verificam-se dois requisitos para o mandado de injunção, ou seja, a falta de norma reguladora e a impossibilidade de exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. 2.21 Ação Popular O objetivo da Ação Popular é anular ato lesivo ao patrimônio público ou aos bens de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural. O autor desta ação está isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência, salvo se comprovada má-fé. O inciso LXXIII prevê, de forma clara, o objetivo e os requisitos da ação popular: [...] qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência. (BRASIL, CF, 2008). Unidade 3 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 97 97 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina Saiba mais sobre a ação popular consultando a Lei nº 4.717, de 1965. Síntese Nesta unidade, você aprendeu que o conceito de Direito Constitucional é correlativo a Constituição, sendo ela objeto do seu estudo. Você viu que a palavra “Constituição” designa a organização fundamental total de um Estado, quer social, quer política, quer jurídica. Você pôde estudar que, para a teoria de Sièyes, somente a Nação teria o poder de elaborar uma Constituição (sentido jurídico). Já, na teoria de Lassale, se a Constituição escrita não se coadunar com os fatores reais de poder, não passará de uma folha de papel (sentido político). Justificando o entendimento social, Hesse afirma que a Constituição é a lei fundamental de uma comunidade. Você aprendeu, também, que as constituições são classificadas em material e formal; escrita e não escrita; imutável, rígida, flexível e semirrígida; codificada e legal; outorgada e popular; constituiçãogarantia, constituição-balanço e constituição-dirigente. Com relação à hierarquia do ordenamento jurídico, você estou aqui que a Constituição se configura como a lei maior, a norma suprema de um Estado, com posição superior às demais normas. Aprendeu ainda, os direitos e garantias fundamentais, individuais e coletivos, elencados no art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Saiba mais sobre os direitos e as garantias fundamentais, individuais e coletivos, consultando o art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 98 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 98 02/03/12 09:48 Instituições de Direito Público e Privado Atividades de autoavaliação 1) Nesta unidade, você estudou o Direito Constitucional e as diversas formas de se conceituar este direito. Com base na leitura desta unidade, explique o que é Direito Constitucional. 2) Analise todas as formas de classificação das constituições e classifique a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 3) Nesta unidade, você estudou a teoria da Estrutura Escalonada da Ordem Jurídica, de Hans Kelsen, assim como a pirâmide do ordenamento jurídico, que remete a ela. Explique por que a Constituição de um Estado está no vértice da pirâmide estrutural do ordenamento jurídico. Unidade 3 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 99 99 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina Saiba mais Não esgotamos o conteúdo do Direito Constitucional. Para aprofundar seus estudos, sugiro a leitura dos seguintes livros: BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 1990. BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1989. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. CHIMENTI, Ricardo Cunha et al. Curso de direito constitucional. 3. ed. São Paulo : Saraiva, 2006. DALABRIDA, Sidney Eloy. Direito processual penal. Florianópolis: OAB/SC, 2006. DEZEN JÚNIOR, Gabriel. Direito constitucional básico: uma abordagem introdutória à Constituição Brasileira. Brasília: Vestcon, 2006. DEZEN JÚNIOR, Gabriel. Direito constitucional: Constituição Brasileira comentada e interpretada. 12. ed. Brasília: Vestcon, 2007. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das coisas. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 34. ed. São Paulo : Saraiva, 2008. HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha. Trad. Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1998. KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Trad. João Baptista Machado. 6. ed. São Paulo : Martins Fontes, 2000. 100 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 100 02/03/12 09:48 Instituições de Direito Público e Privado LASSALE, Ferdinand. O que é uma Constituição? trad. Hiltomar Martins Oliveira. Belo Horizonte: Ed. Líder, 2002. LASSALE, Ferdinand. A essência da Constituição. trad. Walter Stonner. Rio de Janeiro: Líber Juris, 1988. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 16. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1991. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. REZEK, Francisco. Direito internacional público: curso elementar. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. SECCO, Orlando de Almeida. Introdução ao estudo do direito. 11. ed. Rio de Janeiro : Lúmen Júris, 2008. Art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1998 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante; IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e às suas liturgias; Unidade 3 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 101 101 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina VII - é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva; VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei; IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença; X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial; XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal; (Vide Lei nº 9.296, de 1996) XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer; XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional; XV - é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens; XVI - todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente; XVII - é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar; XVIII - a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento; XIX - as associações só poderão ser compulsoriamente dissolvidas ou ter suas atividades suspensas por decisão judicial, exigindo-se, no primeiro caso, o trânsito em julgado; 102 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 102 02/03/12 09:48 Instituições de Direito Público e Privado XX - ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado; XXI - as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente; XXII - é garantido o direito de propriedade; XXIII - a propriedade atenderá a sua função social; XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição; XXV - no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano; XXVI - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento; XXVII - aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar; XXVIII - são assegurados, nos termos da lei: a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas; b) o direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras que criarem ou de que participarem aos criadores, aos intérpretes e às respectivas representações sindicais e associativas; XXIX - a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País; XXX - é garantido o direito de herança; XXXI - a sucessão de bens de estrangeiros situados no País será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos Unidade 3 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 103 103 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina brasileiros, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do “de cujus”; XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor; XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado; (Regulamento) XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder; b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal; XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito; XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada; XXXVII - não haverá juízo ou tribunal de exceção; XXXVIII - é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: a) a plenitude de defesa; b) o sigilo das votações; c) a soberania dos veredictos; d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida; XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal; XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu; XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais; XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei; 104 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 104 02/03/12 09:48 Instituições de Direito Público e Privado XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem; XLIV - constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático; XLV - nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido; XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação ou restrição da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos; XLVII - não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis; XLVIII - a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado; XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral; L - às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação; LI - nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de Unidade 3 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 105 105 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei; LII - não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião; LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente; LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos; LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória; LVIII - o civilmente identificado não será submetido a identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei; LIX - será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal; LX - a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem; LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei; LXII - a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada; LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado; LXIV - o preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial; LXV - a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária; LXVI - ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança; 106 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 106 02/03/12 09:48 Instituições de Direito Público e Privado LXVII - não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel; LXVIII - conceder-se-á “habeas-corpus” sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder; LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por “habeas-corpus” ou “habeas-data”, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público; LXX - o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por: a) partido político com representação no Congresso Nacional; b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados; LXXI - conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania; LXXII - conceder-se-á “habeas-data”: a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público; b) para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo; LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência; LXXIV - o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos; LXXV - o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença; LXXVI - são gratuitos para os reconhecidamente pobres, na forma da lei: Unidade 3 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 107 107 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina a) o registro civil de nascimento; b) a certidão de óbito; LXXVII - são gratuitas as ações de “habeas-corpus” e “habeasdata”, e, na forma da lei, os atos necessários ao exercício da cidadania. LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) § 1º - As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. § 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. § 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) (Decreto Legislativo com força de Emenda Constitucional) § 4º O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) 108 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 108 02/03/12 09:48 UNIDADE 4 Noções de Direito Civil João Cláudio Righetto Moreira (Agradecimento à colaboração de Myriam Righetto) Objetivos de aprendizagem Conhecer a história e evolução do Direito Civil no Brasil, desde as primeiras leis na época do império até o Código Civil de 1916 e sua posterior atualização em 2002. 4 Compreender o Direito Civil e seus conceitos básicos, a Lei de Introdução ao Código Civil e a estrutura do Código Civil. Seções de estudo Seção 1 Introdução ao estudo do Direito Civil Seção 2 Lei de Introdução ao Código Civil Seção 3 Temas relevantes no Direito Civil instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 109 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina Para início de estudo Nesta unidade, estudaremos o Direito Civil, através da análise de seus conceitos básicos. O Direito Civil no Brasil caminhou a passos curtos devido à complicada transição entre o regime imperial e a república democrática. Somente em 1916, surgiu o primeiro Código Civil Brasileiro, que, posteriormente, foi substituído pelo Código Civil de 2002, tendo em vista as necessárias atualizações que decorreram das grandes transformações sociais do século XX, em especial, da promulgação da Constituição Federal de 1988. Ao fim do estudo desta unidade, será possível compreender o Direito Civil como regulador das relações jurídicas entre as pessoas. Para alcançar este objetivo, analisaremos a estrutura do Código Civil, que se divide em parte geral e parte especial. Na primeira parte, encontram-se as normas genéricas do Direito Civil, que se aplicam inclusive a outras matérias do Direito quando necessário; na parte especial, estão os institutos do Direito Civil, tais como o Direito das Obrigações, o Direito das Coisas, o Direito das Empresas, o Direito de Família e o Direito das Sucessões, cada um deles contendo normas específicas para os casos concretos nas relações jurídicas entre particulares, como, por exemplo, os contratos, casamentos, etc. Analisaremos também alguns temas de maior destaque no Direito Civil, como os princípios, a capacidade civil dos sujeitos de direito, a boa-fé nas relações jurídicas e a manifestação da vontade como elemento essencial do Direito Civil. 110 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 110 02/03/12 09:48 Instituições de Direito Público e Privado Seção 1 - Introdução ao estudo do Direito Civil Nesta seção, abordaremos as noções básicas do Direito Civil, matéria que pertence ao ramo do direito privado e, portanto, cuida das relações jurídicas entre membros da sociedade, sejam elas relações familiares, patrimoniais ou obrigacionais. O Direito Civil é uma matéria extensa, complexa, que tem grande importância na ciência do Direito, no entanto este livro não se destina ao aprofundamento nas instituições do Direito Civil, situação que demandaria um livro inteiro dedicado ao tema. Desta forma, através das breves considerações que faremos a seguir, você estará apto(a) a entender as noções básicas do Direito Civil e, assim, identificar as relações jurídicas regidas pelo Direito Civil e as normas a elas aplicadas. A introdução ao estudo do Direito Civil se inicia pela abordagem e identificação do seu conteúdo, bem como pela análise da evolução histórica deste ramo do direito. 1.1 A evolução do Direito Civil brasileiro Durante o período em que o Brasil foi colônia de Portugal, vigoravam no país, assim como em Portugal, as chamadas Ordenações Filipinas. Nos reinados de Felipe I e Felipe II, as Ordenações Filipinas foram compiladas, tendo sido publicadas em 1603 em Portugal e aplicadas no Brasil a partir do início do século XVII, vigorando até algum tempo depois da data da independência do Brasil, em 1822. A partir da independência, formou-se no Brasil uma assembleia constituinte com a missão de elaborar a primeira constituição brasileira. Esta assembleia, em 1823, definiu que as Ordenações Filipinas continuariam a ser aplicadas, até que se instituísse um Código Civil brasileiro, passando a sofrer alterações por leis e decretos brasileiros. Unidade 4 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 111 111 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina Em 1824, foi promulgada a Constituição Imperial, que determinou expressamente a organização de um Código Civil, o que levaria ainda muitos anos até acontecer. Em 1858, foi aprovada a primeira consolidação das leis civis, ou seja, uma reunião das leis civis esparsas então existentes. Teixeira de Freitas foi o autor desta Consolidação das Leis Civis. A partir desta experiência com a Consolidação das Leis Civis, Teixeira de Freitas foi contratado pelo Governo Imperial para apresentar um projeto de Código Civil, que foi chamado por seu autor de Esboço. Entretanto este Esboço não foi aceito pelo Governo Imperial, mas teve grande influência no Código Civil argentino, que o tomou como embasamento. Durante o período Imperial ainda existiram outras tentativas de elaboração do Código Civil, todas fracassadas. Somente após a proclamação da República, o tão esperado Código Civil brasileiro saiu do Papel. Em 1899, o então Presidente da República, Campos Sales, nomeou Clóvis Beviláqua para a tarefa de produzir e apresentar um Código Civil. O projeto de Código Civil de Clóvis Beviláqua foi apresentado ainda em 1899, mas foi aprovado somente após 16 anos de intensos debates, tendo sido promulgado em 1916 e passado a vigorar em janeiro de 1917. Após a longa espera desde a proclamação da independência em 1822, o Brasil passou enfim a possuir um Código Civil. As intensas mudanças sociais ocorridas no século XX reclamaram a atualização do Código Civil de 1916, que passava a ficar obsoleto em determinados pontos e era constantemente modificado por leis esparsas em pontos específicos. Em 1967, uma comissão de renomados juristas foi encarregada pelo governo de apresentar um projeto de atualização do Código Civil. Em 1972, esta comissão apresentou um Anteprojeto do novo Código Civil. No ano de 1984, foi encaminhado ao Congresso um projeto de lei complementar, baseado neste Anteprojeto. Após anos de discussões e emendas, principalmente aquelas que adaptaram o Código à Constituição Federal de 1988, o novo Código Civil brasileiro foi publicado em 2002 e entrou em vigor em janeiro de 2003. 112 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 112 02/03/12 09:48 Instituições de Direito Público e Privado Uma das importantes alterações ocorridas com o novo Código Civil foi a alteração da maioridade civil de 21 anos para 18 anos. 1.2 Conteúdo do Direito Civil O Direito Civil trata das relações jurídicas entre particulares. É o direito comum a todas as pessoas e está presente, mesmo sem que se note, em todas as manifestações de vontade que gerem alguma relação entre membros da sociedade. O Direito Civil nos países em que o Direito se baseia no sistema legal da Civil Law, como vimos na unidade 2, é materializado através do Código Civil, que se divide em Parte Geral e Parte Especial. A primeira parte consiste em regras gerais aplicáveis a todo o Código Civil e, inclusive, em outros ramos do Direito; a segunda parte trata mais detalhadamente de temas específicos como, por exemplo, as obrigações contratuais e as relações familiares. Analisaremos a seguir esta divisão do Código Civil com o objetivo de conhecer melhor a legislação que estrutura o Direito Civil. 1.3 A parte geral do Código Civil A parte geral do Código Civil define normas relativas: aos sujeitos de direitos, ao objeto de direito e aos fatos jurídicos. Estas normas representam conceitos e princípios básicos aplicáveis a todo o Direito Civil e a outros ramos do Direito. Os sujeitos de direito são as pessoas. A parte geral do Código Civil identifica estas pessoas através dos conceitos de pessoa natural e pessoa jurídica, definindo regras para que estas pessoas Unidade 4 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 113 113 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina sejam sujeitos de direito nas relações jurídicas, tais como a capacidade ou incapacidade para a realização válida de certos atos ou negócios jurídicos. Os objetos de direito são os bens jurídicos, ou seja, aquilo que se pretende obter em determinada relação particular entre os indivíduos da sociedade. O Código Civil estabelece normas sobre estes bens jurídicos, como, por exemplo, a conceituação dos bens móveis ou imóveis, fungíveis e consumíveis, divisíveis e indivisíveis, singulares e coletivos, principais ou assessórios e, por fim, os bens públicos ou particulares. Os fatos jurídicos em sentido amplo são a representação legal das relações jurídicas em si, ou seja, a classificação de todo e qualquer ato praticado através da manifestação de vontade humana, ou que, mesmo sem manifestação de vontade humana, gere algum efeito jurídico. O Código Civil divide estes fatos jurídicos em: negócios jurídicos, atos jurídicos lícitos, atos ilícitos, fato jurídico em sentido estrito, prescrição e decadência. Os três primeiros -- negócios jurídicos, atos jurídicos ilícitos e atos ilícitos --, decorrem de manifestação de vontade humana, e os três últimos -- fato jurídico em sentido estrito, prescrição e decadência--, são fatos que independem da manifestação da vontade humana. 114 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 114 02/03/12 09:48 Instituições de Direito Público e Privado Negócios jurídicos são aqueles em que os sujeitos que participam da relação jurídica manifestam uma vontade a qual visa atingir uma finalidade negocial que esteja em conformidade com a lei, como, por exemplo, a realização de uma compra e venda. Os atos jurídicos lícitos são aqueles que, apesar de conterem manifestação de vontade humana, geram efeitos não buscados por seu sujeito, mas decorrentes da lei. Por exemplo, quando se descobre um tesouro por acaso, mesmo que a intenção não fosse receber uma parte deste tesouro, a lei assim o determina. Os atos ilícitos também decorrem de manifestação de vontade humana contrária a uma norma de Direito, causando prejuízo a outra pessoa, como no caso do descumprimento contratual. Após esta breve análise do negócio jurídico, do ato jurídico lícito e do fato jurídico em sentido estrito, analisaremos os fatos jurídicos que não decorrem da vontade humana: trata-se dos fatos jurídicos em sentido estrito. Além disso, analisaremos a prescrição e a decadência. Os fatos jurídicos em sentido estrito são aqueles que produzem efeitos jurídicos, mas decorrem tão somente da natureza. Nesta categoria se enquadram, entre outros, o nascimento e a morte. Por fim, temos a prescrição e a decadência, dois institutos complexos no Direito Civil, que tratam da extinção de direitos por inércia de seu titular em certo prazo de tempo: enquanto a prescrição extingue o direito de se exercer uma determinada ação judicial, a decadência fulmina o próprio direito. O resultado prático de um e outro é o mesmo, mas, no primeiro, o sujeito do direito fica impedido de exercê-lo e, no segundo, o direito deixa de existir, extinguidos os efeitos da relação jurídica. Unidade 4 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 115 115 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina 1.4 A parte especial do Código Civil A parte especial do Código Civil estabelece normas sobre questões específicas, abordando os principais institutos do Direito Civil, a saber: o direito das obrigações, o direito das coisas, o direito das empresas, o direito de família e o direito das sucessões. O Direito das Obrigações aborda a obrigação do cidadão, sujeito de direito, frente a um dever jurídico patrimonial, ou seja, um dever jurídico que pode ser financeiramente avaliado. Segundo Caio Mário da Silva Pereira (1998, p.05), “obrigação é vínculo jurídico em virtude do qual uma pessoa pode exigir de outra prestação economicamente apreciável”. Nas obrigações, existe um vínculo jurídico entre os sujeitos que dela participam: um será o sujeito ativo (credor); e o outro, o sujeito passivo (devedor). Nas relações obrigacionais, o devedor deverá sempre satisfazer alguma prestação que é devida pelo credor. As prestações nas obrigações se dividem em três espécies: obrigação de dar, obrigação de fazer e obrigação de não fazer. Na primeira espécie, a obrigação de dar, o devedor deve entregar ao credor algo economicamente mensurável, como, por exemplo, dinheiro, um carro, uma casa, quitação de uma conta, etc. 116 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 116 02/03/12 09:48 Instituições de Direito Público e Privado Na obrigação de fazer, o credor pode exigir do devedor a prestação de algum serviço, tal como a realização de uma pintura, a construção de uma casa, entre outros trabalhos que se caracterizem como prestação de serviço. A última espécie é a obrigação de não fazer, que significa o direito que o credor tem de exigir que o devedor deixe de realizar certo ato, como, por exemplo, não cortar uma árvore, não vender um produto de uma determinada marca, e qualquer outra obrigação que consista em uma prestação negativa. No livro II da Parte Especial, o Código disciplina o Direito das Empresas, inovação do Código Civil de 2002, pois, anteriormente, o Direito das Empresas era abordado pelo Código Comercial, que teve toda a primeira parte revogada pelo novo Código Civil, o qual também revogou praticamente todas as leis comerciais esparsas. A parte referente ao Direito das Empresas no Código Civil conceitua a figura do empresário e a capacidade para exercer esta atividade, define as regras legais para a criação, funcionamento e extinção das sociedades empresariais, bem como estipula os direitos e deveres dos sócios destas sociedades. O código de 2002 conceitua o empresário da seguinte forma: Artigo 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa. A sociedade empresarial forma uma pessoa jurídica que existe autonomamente em relação aos sócios que a compõem, possui personalidade jurídica e patrimônio próprio. Há ainda o Direito das Coisas, que é a parte do Código que trata das relações jurídicas entre as pessoas e as coisas, ou seja, a forma de uma determinada pessoa adquirir e exercer um direito sobre alguma coisa, chamado de direito real. Unidade 4 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 117 A reunião de mais de uma pessoa com o objetivo de exercer atividade empresarial forma uma sociedade empresarial; o Código Civil define as formas de sociedade e seu funcionamento. 117 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina O Código Civil divide o Direito das Coisas em posse e propriedade. Muito embora a posse seja também um dos elementos da propriedade, o código trata dela em separado, porque também pode existir de forma autônoma à propriedade. O artigo 1.196 do Código Civil define o possuidor como “todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade”. A posse é, portanto, uma espécie de exteriorização da propriedade, que pode ser exercida pelo proprietário ou por um terceiro. A propriedade é o direito de usar, gozar e dispor de uma coisa livremente. O Código Civil define regras para aquisição, manutenção e proteção da propriedade. Excepcionalmente, a propriedade pode ter um ou mais de seus elementos, tais como o uso e o gozo, deslocados da esfera de direito do proprietário, como, por exemplo, no usufruto, no penhor ou na hipoteca, formando-se o denominado direito real sobre coisa alheia. Já, o Direito de Família no Código Civil trata do casamento, suas formalidades e repercussões patrimoniais. Trata também das relações de parentesco, da união civil estável e dos institutos de proteção dos incapazes, como a tutela e a curatela. O casamento é a união legal entre um homem e uma mulher que buscam constituir uma família. Para tanto, a lei civil prevê todas as formalidades imprescindíveis para a realização do casamento e os regimes patrimoniais que poderão ser adotados pelos cônjuges, bem como define seus direitos e deveres. A união estável é o reconhecimento legal de uma entidade familiar baseada na convivência contínua e duradoura entre o homem e a mulher. Com este reconhecimento, busca-se garantir os direitos dos companheiros mesmo sem a realização formal de um casamento. 118 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 118 02/03/12 09:48 Instituições de Direito Público e Privado Muito embora o Código Civil fale expressamente em homem e mulher, cada vez mais os tribunais brasileiros vêm reconhecendo o direito à união estável entre pessoas do mesmo sexo. As relações de parentesco são aquelas que decorrem de vínculo de consaguinidade, adoção ou afinidade. Afinidade é o vínculo que se estabelece entre um cônjuge e os parentes do outro. A definição jurídica destas relações serve de base para regras de todo o Direito de Família, como, por exemplo, alguns impedimentos para casamento, ou, ainda, para definição dos critérios de sucessão patrimonial por morte, que o Código Civil trata em separado como Direito das Sucessões. Ainda na parte destinada ao Direito de Família, o código trata da tutela, curatela e ausência, que são institutos de proteção. A tutela é a responsabilidade conferida pela lei para que uma pessoa cuide de um menor e administre seus bens, em substituição ao Poder Familiar que, de modo geral, é exercido pelos pais. A curatela é um instituto similar à tutela, no entanto se aplica aos casos de incapacidade civil por enfermidade ou doença mental que impeçam exercer os atos da vida civil. Seção 2 - Lei de Introdução ao Código Civil O Decreto Lei 4.657/42, denominado Lei de Introdução ao Código Civil, trata na verdade da introdução a todas as leis. É uma espécie de lei que define a regras a serem observadas por todo o ordenamento jurídico brasileiro. Unidade 4 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 119 119 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina Muito embora tenha este nome, a Lei de Introdução ao Código Civil não é parte integrante do Código Civil. Trata-se de uma norma autônoma, que vincula toda a ordem jurídica. A Lei de Introdução, diferentemente da maioria das leis, não aborda as relações jurídicas em si, mas a forma como as leis agem sobre estas relações jurídicas, determinando como aplicar as normas jurídicas a um determinado caso concreto. Entre as normas definidas na Lei de Introdução, analisaremos aquelas de maior importância para o nosso estudo. Entre elas, estão a formas de aplicação e interpretação e integração das normas, bem como as disposições sobre a vigência da lei no tempo e no espaço. 2.1 Aplicação das normas As leis trazem conceitos abstratos, que podem enquadrar-se em diversas situações da vida: estas situações são chamadas no Direito de caso concreto. Quando uma determinada norma contida em uma lei é aplicada a um caso concreto, ocorre a chamada subsunção, que significa o enquadramento de uma norma a uma situação específica. Entre a norma e o caso concreto, encontra-se o juiz, que, representando o Estado, aplica uma determinada norma ao caso que lhe foi apresentado, com o objetivo de usar as leis para resolver os conflitos decorrentes da vida em sociedade. A aplicação de um conceito abstrato a um caso concreto é feita através da interpretação das normas, como veremos adiante. A vida em sociedade está em constante mudança, sendo impossível para o legislador criar uma lei que traga em seus conceitos abstratos as soluções para todos os conflitos resultantes da vida social. 120 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 120 02/03/12 09:48 Instituições de Direito Público e Privado Nestes casos, não é possível a subsunção entre a lei e o caso concreto. Quando isto ocorre, identificam-se as chamadas lacunas da lei, que podem ser preenchidas através dos critérios de integração das normas, objeto da Seção 2.4 deste estudo. 2.2 Interpretação das normas Interpretar uma norma é descobrir o seu sentido, o seu alcance, a possibilidade de sua aplicação ao caso concreto. Para Silvio Rodrigues (2002, p.34), “a norma funciona como premissa maior de um silogismo, e a hipótese sub judice, como premissa menor, decorrendo inevitavelmente a conclusão”. Dependendo da fonte que interpreta a norma, ela pode ser considerada: autêntica, doutrinária ou jurisprudencial. Autêntica é aquela que deriva do próprio legislador, que, em ato subsequente à edição da lei, declara expressamente qual é o seu sentido. Doutrinária é a interpretação apresentada nos livros pelos estudiosos do Direito. Jurisprudencial é a interpretação dada pelos juízes. Para o bom resultado da interpretação das normas, existem técnicas de interpretação, que podem variar de acordo com a necessidade de quem busca interpretar o sentido de uma norma e sua possível aplicação a um caso concreto. Entre estas técnicas, estão a gramatical, a lógica, a sistemática, a histórica e a teleológica. A interpretação gramatical se baseia nas regras da linguística. Através do exame dos termos usados na norma, busca-se o significado das palavras, a pontuação utilizada, etc. Unidade 4 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 121 121 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina Na interpretação lógica, o que se busca é o sentido e o alcance da norma através do raciocínio lógico. A sistemática busca a interpretação através da harmonização da norma em análise com outras normas existentes no ordenamento jurídico. A interpretação histórica busca o momento que precedeu a criação da norma, ou seja, o momento histórico em que ocorreu o processo legislativo e, portanto, os motivos que levaram à edição de determinada norma. Já, a interpretação teleológica, também conhecida como sociológica, busca enquadrar a norma no contexto social atual, pois as exigências legais da sociedade mudam constantemente. Esta interpretação deriva de comando direto da Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto Lei 4.657/42), a qual determina em seu artigo 5º que “na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”. 2.3 Integração das normas As relações jurídicas existentes na vida em sociedade são tantas e tamanhas que, não raramente, encontra-se em primeira análise a ausência de uma norma jurídica a qual se enquadre ao caso concreto apresentado, surgindo assim as lacunas da lei. Quando se identifica uma lacuna na lei, é necessário lançar mão da integração das normas, o que pode ocorrer através da aplicação da analogia, dos usos e costumes e dos princípios gerais do Direito, de acordo com o que determina o artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil. A analogia é a aplicação de outra norma que rege um caso semelhante ou de um conjunto de normas dos quais se extraem elementos que possibilitem a aplicação do direito ao caso concreto. Para aplicação da analogia, é necessário que o caso sub judice não esteja diretamente previsto em nenhuma norma jurídica, que o caso não contemplado por uma norma tenha uma relação de semelhança com norma aplicável a outro caso. 122 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 122 02/03/12 09:48 Instituições de Direito Público e Privado Os costumes são as repetições de uma determinada conduta que, com o tempo, passa a ser considerada uma prática aceita pelo Direito. Na integração das lacunas através do uso dos costumes, deve-se sempre esgotar primeiramente a possibilidade de aplicação da analogia, para, somente depois, usar um costume como forma de norma que poderá ser considerada apta a resolver uma determinada ausência de norma aplicável ao caso concreto. Os princípios gerais do Direito são normas genéricas, que podem estar positivadas, isto é, escritas em um texto legal, ou não. Os princípios gerais do Direito podem ser buscados na própria história do Direito, sua evolução, na jurisprudência dos tribunais, nos textos dos estudiosos do Direito, etc. Em resumo, os princípios gerais do Direito são o próprio espírito do Direito e das leis e orientam não só a integração das lacunas como o próprio processo de criação das leis. 2.4 Vigência da lei no tempo A Lei de Introdução ao Código Civil fixa as regras da vigência das normas jurídicas no tempo, em outras palavras, quando elas nascem, a partir de quando geram efeitos e quando elas morrem. A promulgação de uma lei declara o seu nascimento, mas a lei só passa a gerar efeitos após a publicação. Os efeitos da lei, entre eles a obrigatoriedade de cumprimento, não se iniciam, em regra, no exato dia de sua publicação, pois o artigo 1º da Lei de Introdução determina que “salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada”. Desta forma, se a lei determinar especificamente em seu texto a data que passa a vigorar, esta regra é a que valerá. Se a lei nada disser, aplica-se a regra dos 45 dias após a publicação da Lei de Introdução ao Código Civil. Unidade 4 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 123 123 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina As leis podem também ter caráter temporário, hipótese em que o seu texto definirá expressamente a data em que passa a vigorar e a data em que deixa de existir. Se o período de vigência da lei for indeterminado, ela existirá até que outra a modifique ou a revogue. A modificação pode ser feita por uma lei posterior que declare que um ou mais artigos de uma lei passam a vigorar com outra redação. A Revogação é o ato de tornar uma norma sem efeito através da retirada de sua obrigatoriedade. Esta revogação pode ser expressa ou tácita, quando é expressa a lei posterior declara que alguns dos dispositivos ou a totalidade da lei velha está extinta. Será tácita a revogação quando uma lei posterior regular a mesma matéria tratada na lei anterior. Caso haja incompatibilidade entre as duas, a lei anterior considera-se revogada. 2.5 Vigência da lei no espaço A soberania das nações prevê que suas leis serão aplicadas de acordo com as fronteiras de cada território, isto se chama princípio da territorialidade. No entanto este princípio não é absoluto, havendo casos em que uma lei pode ser aplicada, excepcionalmente, fora de seu território original. Quando isto ocorre, denomina-se princípio da extraterritorialidade. Pelo princípio da territorialidade, a norma aplica-se em todo o território nacional, considerados ainda como território as embaixadas, os consulados, navios e aviões de guerra, entre outros territórios que são denominados territórios fictos. As nações soberanas têm permitido exceções para a aplicação em seus territórios de uma lei estrangeira, o que permite uma convivência mais pacífica entre as nações no plano das relações internacionais. 124 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 124 02/03/12 09:48 Instituições de Direito Público e Privado No Brasil, a Lei de Introdução ao Código Civil adota a doutrina da territorialidade moderada, isto é possui regras relativas ao princípio da territorialidade, mas define também, expressamente, casos em que se deve respeitar a lei estrangeira, desde que não ofenda a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes. Seção 3 - Temas relevantes no Direito Civil O estudo desta unidade é voltado à compreensão das noções básicas do Direito Civil. Vimos até agora, através de uma breve análise, a evolução do Direito Civil no Brasil, o Código Civil e sua divisão em parte geral e parte especial, bem como a Lei de Introdução do Código Civil e a forma como ela regulamenta o funcionamento das leis. Nesta terceira seção, separamos entre os inúmeros institutos de Direito Civil alguns temas relevantes que merecem uma análise em separado, pois são temas que influenciam todo o Direito Civil. Entre estes temas relevantes para o Direito Civil, analisaremos os princípios norteadores, a capacidade dos sujeitos de direito, a manifestação da vontade e, a boa-fé como princípio basilar das relações civis. 3.1 Princípios norteadores Os princípios norteadores são aqueles que baseiam todo o Direito Civil, desde a prática legislativa até a interpretação e aplicação do Direito Civil. São princípios norteadores: o da personalidade, o da autonomia da vontade, o da liberdade de estipulação negocial, o da propriedade individual, o da intangibilidade familiar, Unidade 4 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 125 125 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina o da legitimidade da herança e o da solidariedade social. O princípio da personalidade declara que todo homem é sujeito de direitos e deveres. Trata-se de evolução histórica do direito, que, em tempos não tão remotos, abrigava no ordenamento jurídico situações injustas como, por exemplo, a escravidão. A importância da garantia do direito à personalidade é tanta que o Código Civil estampou o princípio da personalidade em seu artigo 1º, declarando expressamente que “toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”. O artigo 2º ainda especifica quando se adquire o direito à personalidade, ao declarar que “a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”. Assim, o nascimento com vida determina o início da personalidade civil, momento em que a pessoa passa a ter direitos e ser sujeito de deveres na sociedade, com a ressalva de que, mesmo antes do nascimento, a lei resguarda os direitos do nascituro. O princípio da autonomia da vontade reconhece que a pessoa tem o poder de praticar ou se abster de praticar determinados atos de acordo com a sua vontade. Já a autonomia da vontade só encontra obstáculo na lei. Quando uma lei determina certa conduta para os membros da sociedade, esta conduta deve ser seguida, pois a Constituição Federal, no artigo 5º, inciso XVII, dispõe que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Desta forma, respeitados os limites da lei, toda pessoa tem autonomia de manifestar a sua vontade de praticar ou se abster de praticar certos atos. O princípio da liberdade de estipulação negocial está intimamente ligado à própria autonomia da vontade, pois, respeitados os limites legais, cabe a cada pessoa decidir se tem interesse, ou não, de realizar um determinado negócio jurídico referida na permissão da lei para que cada pessoa outorgue direitos e aceite deveres que busquem uma finalidade negocial. 126 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 126 02/03/12 09:48 Instituições de Direito Público e Privado Ninguém pode, portanto, ser obrigado a assinar um contrato de compra e venda ou a realizá-lo de uma forma que não queira, pois o princípio da liberdade de estipulação negocial defende a livre escolha em realizar, ou não, determinado negócio. O princípio da propriedade individual é aquele que garante a toda pessoa o direito de, através de seu trabalho, adquirir bens móveis e imóveis, os quais passam a compor, a constituir seu patrimônio e exteriorizar a personalidade de cada um. O princípio da intangibilidade familiar é aquele que reconhece a família como núcleo central da sociedade brasileira e, portanto, um reflexo da própria pessoa. Este princípio protege a entidade familiar e seus indivíduos, garantindo a necessidade da existência de direitos e deveres mútuos entre seus membros. O princípio da legitimidade da herança, também conhecido como direito de testar, é aquele que garante a cada pessoa a liberdade de transmitir para seus herdeiros, sejam eles legítimos ou testamentários, os bens que compõem seu patrimônio após o falecimento, desde que respeitados os limites do direito das sucessões previstos na parte especial do Código Civil. O princípio da solidariedade social é aquele que busca harmonizar os interesses do indivíduo com os interesses da sociedade, através da função social da propriedade e dos negócios jurídicos. É no princípio da solidariedade social que se justifica a necessidade da função social da propriedade. Significa que, embora toda pessoa possa adquirir uma propriedade, de acordo com o princípio da propriedade individual, esta deve estar em consonância com os limites legais da função social da propriedade, com o objetivo de “que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas” (Lei 10.406, artigo 1.229, § 1º). Unidade 4 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 127 127 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina 3.2 Capacidade dos sujeitos A capacidade jurídica de um sujeito é a aptidão de gozar e exercer direitos, é a exteriorização do direito de personalidade. A capacidade jurídica, como já dissemos, é adquirida com o nascimento com vida, de acordo com artigo 1º do Código Civil, momento em que a pessoa passa a possuir o direito de personalidade. Assim, toda e qualquer pessoa possui capacidade jurídica de gozar de seus direitos. Muito embora toda pessoa tenha capacidade jurídica de gozo de direitos, nem todos possuem capacidade jurídica de exercício, também chamada de capacidade de agir ou capacidade de fato. A capacidade de exercício está ligada a certas condições como, por exemplo, a idade ou o estado de saúde. Os que não possuem capacidade de exercício, ou que têm esta capacidade reduzida, são chamados de incapazes. Os chamados incapazes são os menores de idade ou os portadores de alguma deficiência que impeça a pessoa de exercitar, por si mesma, as atividades civis. Os incapazes somente podem exercer seus direitos através da assistência ou representação de outra pessoa. A incapacidade pode ser absoluta ou relativa. Os absolutamente incapazes são aqueles que são afastados completamente do exercício de qualquer ato da vida civil. Para exercer estes direitos é necessária a presença de um representante legal, que, em geral, é o pai ou a mãe, se estiverem no exercício do poder familiar. Se o incapaz for menor e não tiver os pais para representá-lo, deverá ser-lhe nomeado um tutor que o representará. Se o incapaz for maior de idade, o seu representante legal será um curador. 128 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 128 02/03/12 09:48 Instituições de Direito Público e Privado O Código Civil define quem são os absolutamente incapazes: Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: I - os menores de dezesseis anos; II - os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos; III - os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade. Todas as pessoas elencadas no artigo 3º do Código Civil ficam proibidas de exercer qualquer ato da vida civil, tais como assinar um contrato, casar, acionar a justiça, entre outros. Sem a presença de um representante legal, estes atos são nulos, ou seja, como se jamais tivessem existido. Já os relativamente incapazes possuem uma restrição menor que os absolutamente incapazes. Eles não podem exercer certos atos da vida civil ou a forma de praticá-los deverá obedecer a um procedimento específico determinado pela lei, por exemplo, os maiores de dezesseis anos e menores de 18 anos podem ser parte em um processo cível na justiça, mas devem ser assistidos por seu representante legal. O Código Civil estabelece quem são os relativamente incapazes: Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer: I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; II - os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido; III - os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo; IV - os pródigos. Unidade 4 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 129 129 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina A diferença de tratamento entre os absolutamente incapazes e os relativamente incapazes reside no fato de que, no primeiro caso, a lei considera que a pessoa não possui qualquer discernimento que a autorize a tomar decisões sobre os atos da vida civil, somente podendo exercer atividade jurídica através da representação legal. No segundo caso, a pessoa possui somente o discernimento reduzido e, portanto, não se afasta totalmente da atividade jurídica, pode exercê-la, desde que assistida. 3.3 A boa-fé objetiva como princípio basilar das relações jurídicas A vida em sociedade exige certos comportamentos que busquem o respeito do espaço de cada cidadão e a harmonização entre os membros da sociedade que, cada vez mais, apresenta uma pluralidade de culturas, costumes e formas de pensamento. Somente através desta harmonização é possível o convívio social. A boa-fé objetiva é uma regra de conduta, é o dever que cada pessoa tem de agir de acordo com um padrão social recomendado, como a lealdade, a retidão, a honestidade, levando em consideração também os interesses da outra pessoa com a qual desenvolve uma relação jurídica. A jurista Judith Martins Costa (1999, p. 411) define da seguinte forma a boa-fé objetiva: “É um modelo de conduta social, arquétipo ou standard jurídico, segundo o qual cada pessoa deve ajustar sua própria conduta de acordo com aquilo que um modelo de ser humano ideal, certo, honesto e probo faria no caso concreto”. Antes do advento do Código Civil de 2002, a boa-fé objetiva já era aplicada pela jurisprudência dos tribunais que buscavam inspiração nas doutrinas dos estudiosos do Direito. Mas, somente a partir do Código de Defesa do Consumidor de 1990, a boa-fé objetiva apareceu no ordenamento jurídico brasileiro, através do artigo 4º, inciso III, o qual dispõe que: 130 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 130 02/03/12 09:48 Instituições de Direito Público e Privado Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170 da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores. No entanto, esta norma se refere apenas às relações de consumo, e não às relações jurídicas em geral. Somente a partir de 2002, a boa-fé objetiva passou a integrar o ordenamento jurídico brasileiro na forma escrita, vinculando todas as relações jurídicas civis. A boa-fé objetiva, expressamente prevista em lei, foi introduzida no Código Civil de 2002, em seu artigo 113, que declara: “os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”; e, também, no artigo 422, ao dispor que “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.” Com base nestes dois artigos, o princípio da boa-fé se torna uma norma que condiciona as relações jurídicas civis, desde o início destas relações até a interpretação das normas ou cláusulas contratuais que a elas se referem, representando um verdadeiro princípio basilar das relações jurídicas. 3.4 Caráter volitivo do Direito Civil Como vimos no início deste estudo, o Direito Civil faz parte do Direito Privado, no qual predomina, primeiramente, o interesse dos sujeitos envolvidos na relação jurídica. Por tratar destes interesses, o Direito Civil está intimamente ligado à manifestação de vontade das partes. Unidade 4 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 131 131 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina O caráter volitivo do Direito Civil possuía caráter absoluto nas relações jurídicas de direito privado. No entanto a vontade do sujeito de direito sofreu uma limitação a partir do Código Civil de 2002, com a adoção de uma ordem mais voltada para o social. No Direito das Obrigações, em especial no estudo dos contratos, a vontade sempre foi definida como de livre manifestação, no entanto, atualmente, as manifestações de vontade encontram um limite tanto na função social do contrato quanto na adoção do princípio da boa-fé objetiva, pois, segundo o Código Civil de 2002, a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social, e deve respeitar os princípios da probidade e boa-fé. Estes limites sociais impostos não afastam, entretanto, a autonomia da vontade. Toda manifestação de vontade no Direito Civil continua a ser livre, mas com a ressalva de respeito aos limites legais, como a função social e a boa-fé. O ser humano deve ter o direito e a capacidade de estabelecer relações jurídicas de acordo com a sua vontade, pois esta é a base do direito privado. Muito embora tenha sofrido limitações de ordem social, a vontade do sujeito de direito ainda define o caráter preponderante das relações jurídicas privadas. Esta manifestação de vontade possui várias formas de exteriorização, conforme define Silvio de Salvo Venosa (2003, p. 402): Não há necessidade de que a vontade atue de uma ou outra forma. Sua exteriorização pode ser de forma verbal ou escrita, ou até por gestos ou atitudes que revelam uma manifestação de vontade. Não há dúvida, contudo, de que é na palavra, escrita ou falada que encontramos o grande manancial de declarações de vontade. Nota-se, portanto, que a manifestação de vontade não precisa ser exteriorizada de uma forma específica: não existe uma norma rígida para que o sujeito de uma relação jurídica declare sua vontade, basta que seus atos revelem de forma inequívoca o objetivo a ser alcançado. Mas, em alguns casos, a lei determina expressamente a forma pela qual deve ocorrer esta manifestação, pois a natureza da relação jurídica pode exigir uma determinada formalidade. 132 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 132 02/03/12 09:48 Instituições de Direito Público e Privado Desta forma, o Direito Civil traz em sua essência um forte caráter volitivo, explicitado no princípio norteador da autonomia da vontade. As relações jurídicas de direito provado são, em síntese, um acordo de vontades, o ajustamento entre a manifestação de vontade de uma parte com a manifestação de vontade da outra parte, ambos em busca de objetivos que se complementam, dentro dos limites legais. Síntese Com este estudo, vimos que o Direito Civil tem evoluído, embora lentamente, a partir da fundação da República, com o objetivo de atender as alterações sociais ocorridas desde então. No início da República, muitas foram as tentativas de reunir os principais pontos do Direito Civil em um Código, no entanto, somente em 1916, entrou em vigor o primeiro Código Civil Brasileiro, elaborado a partir de um projeto do jurista Clóvis Bevilaqua. No ano de 2003, entrou em vigor o chamado “Novo Código Civil”, que cumpriu a missão de adaptar a legislação civil aos novos tempos e, em especial, às normas constitucionais de 1988. Identificamos o conteúdo do Direito Civil, que trata das relações jurídicas entre particulares, um direito comum a todas as pessoas. Vimos também como se divide a estrutura do Código Civil. Na Parte Geral, encontramos as normas genéricas que se aplicam a todo o Direito Civil e, inclusive, a outros ramos do Direito. Na Parte Especial, vimos as divisões em Direito das Obrigações, o Direito das Coisas, o Direito das Empresas, o Direito de Família e o Direito das Sucessões, referindo-se cada uma destas partes às normas específicas de determinadas relações jurídicas entre os particulares. Por fim, dedicamos uma atenção maior a alguns temas de grande relevância no Direito Civil. Entre estes temas, estão os princípios norteadores a capacidade dos agentes, a boa-fé objetiva e o caráter volitivo do Direito Civil. Os princípios norteadores são aqueles que baseiam todo o Direito Civil, desde a prática legislativa até a Unidade 4 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 133 133 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina interpretação e aplicação do Direito Civil. A capacidade dos agentes refere a capacidade jurídica de uma pessoa para gozar e exercer os seus direitos. A boa-fé objetiva é a definição de uma forma de conduta nas relações jurídicas em busca de uma maior harmonia na convivência em sociedade. O caráter volitivo do Direito Civil trata da importância da manifestação da vontade nas relações jurídica, uma vez que, sendo ramo do Direito Privado, os interesses dos particulares devem ser analisados de acordo com o querer interno, a vontade de cada sujeito na realização de uma determinada relação jurídica. Atividades de autoavaliação 1) Como vimos nesta unidade, o Direito Civil é uma matéria extensa, complexa, que tem grande importância na ciência do Direito. Aponte e comente o principal objetivo do Direito Civil. 134 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 134 02/03/12 09:48 Instituições de Direito Público e Privado 2) A Lei de Introdução ao Código Civil fixa as regras da vigência das normas jurídicas no tempo, em outras palavras, quando elas nascem, a partir de quando geram efeitos e quando elas morrem. Partindo desta definição, explique se a Lei de Introdução ao Código Civil regulamenta apenas questões de Direito Civil. 3) Como estudamos, os chamados incapazes são os menores de idade ou os portadores de alguma deficiência que impeça a pessoa de exercitar, por si mesmo, as atividades civis. Os incapazes podem exercer seus direitos através da assistência ou representação de outra pessoa. Explique a diferença básica entre incapacidade absoluta e incapacidade relativa. Unidade 4 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 135 135 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina Saiba mais DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil: Vol. I. 16 ed. São Paulo: Saraiva, 2002. BRASIL. Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro. Publicado no Diário Oficial da União, Brasília-DF. BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Publicada no Diário Oficial da União, Brasília-DF. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Publicada no Diário Oficial da União, Brasília-DF. GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995. MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: Vol. 1. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: Vol. I1. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. RODRIGUES, Silvio. Direito civil: parte geral. 30.ed. Rio de Janeiro: Saraiva, 2002. VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: parte geral. 3.ed. São Paulo: Atlas, 2003. 136 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 136 02/03/12 09:48 UNIDADE 5 Noções básicas de Direito Penal Lauro Jose Ballock Objetivos de aprendizagem Conceituar institutos. Direito Penal e seus principais Compreender Analisar os princípios constitucionais penais. 5 institutos relevantes do Direito Penal. Entender o Direito Penal e sua aplicação como forma de controle social. Identificar os crimes previstos no Código Penal, que ocorrem com maior frequência, com ênfase aos crimes contra a administração pública. Seções de estudo Seção 1 Considerações preliminares sobre o Direito Penal Seção 2 Princípios constitucionais penais Seção 3 Institutos relevantes do Direito Penal Seção 4 Crimes de maior frequência e relevância Seção 5 Crimes contra a administração pública instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 137 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina Para início de estudo Caro(a) aluno(a), você está iniciando a Unidade 5, que trata de noções básicas de Direito Penal e Processual Penal. Neste estudo, serão apresentados alguns institutos essenciais destes ramos do Direito, de forma extremamente resumida, em face dos limites inerentes à própria disciplina. Serão abordados os conceitos de infração penal, crime e contravenção, os princípios constitucionais penais, examinando-se institutos relevantes do Direito Penal, com o objetivo de compreender o Direito Penal em si e sua utilização como forma de controle social. Analisaremos, ainda, alguns crimes previstos no Código Penal, aqueles que ocorrem com maior frequência, com ênfase nos crimes contra a Administração Pública. Não se esqueça de que a violência decorrente da criminalidade impõe a intervenção do Estado para preservar a paz social, pois é vedada a reação individual da vingança privada; e, ainda, para evitar, por meio da aplicação das penas, a reincidência daqueles que já praticaram crimes. Assim, esta unidade analisa as leis penais, especialmente o Código Penal, principal lei usada pela Polícia, pelo Ministério Público e pelo Poder Judiciário, entre outros órgãos integrantes do controle social formal, para limitar a violência que decorre da prática de crimes, colocando em risco a paz e a harmonia social. Seção 1 - Considerações preliminares sobre o Direito Penal Você sabe o que é Direito Penal? Obviamente, todos já ouvimos falar nele. Tente conceituá-lo com suas palavras no espaço abaixo. 138 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 138 02/03/12 09:48 Instituições de Direito Público e Privado Provavelmente, você emitiu seu conceito a partir de seu conhecimento pessoal, de suas experiências anteriores, das leituras sobre a violência divulgadas todos os dias pelos meios de comunicação social. Essa noção pode ser denominada de senso comum. Todavia é indispensável o estudo do Direito Penal sob o enfoque científico. Sob este ponto de vista, o Direito Penal decorre de lei, de regra, de convenção social de conduta, que delimita padrões de comportamento aceitos e cuja violação constitui infração penal. Você concorda com essa ideia? Lembre-se de que o Direito Penal é normativo, isto é, define em norma legal (lei em sentido estrito) condutas proibidas e comina penas cabíveis em caso de sua prática. O Direito Penal deve ser analisado sob vários enfoques, mas nos interessa neste livro didático apenas analisá-lo sob a ótica social e formal. Conceito social do Direito Penal – “O Direito Penal constitui um instrumento estatal de controle social formal, oriundo de lei, que comina sanções graves (penas ou medidas de segurança) para coibir as condutas desviantes, nocivas à sociedade, porque são ofensivas a bens jurídicos relevantes para a pacífica convivência humana” (GOMES, 2003, p. 13). Unidade 5 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 139 139 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina Conceito formal do Direito Penal – “O Direito Penal é o conjunto de leis que definem como infração penal (crime ou delitos e contravenções penais) aquelas condutas que configuram ofensa grave a bens jurídicos relevantes, cominando a respectiva sanção (pena ou medida de segurança) proporcional à gravidade da lesão, em face da relevância do bem jurídico protegido” (GOMES, 2003, p. 14). Função do Direito Penal Em síntese, é correto afirmar que o Direito (entendido como a norma jurídica) existe com o objetivo de regular as relações entre as pessoas e com o intuito de assegurar a convivência harmônica e a paz social. (DOWER, 2006, p. 3-4; FÜHRER e MILARÉ, 2005, p. 32; MARTINS, 2006, p. 4; SILVA, 2003, p. 1). Não poderia ocorrer de modo diverso com o Direito Penal, que, para concretizar sua finalidade precípua de garantir a convivência harmônica e a paz social, segundo Gomes (2003, p. 20-21), procura cumprir as quatro seguintes importantes missões: 1ª) proteger bens jurídicos mais relevantes (vida, integridade física, liberdade individual, sexual, etc.), possuindo caráter fragmentário e subsidiário; 2ª) conter ou reduzir a violência estatal, para evitar o excesso na punição imposta pelo Estado, impedindo que a resposta ao delito praticado pelo infrator seja mais violenta do que a própria decorrente do crime em si; 3ª) prevenir a vingança privada, que constitui medida de exceção, como na legítima defesa, uma vez que o Estado assumiu o monopólio da Justiça, aí implícita a tarefa de punir o infrator penal; e 4ª) servir como garantia para todos os envolvidos no conflito e no processo penal, com respaldo nos princípios, direitos e garantias constitucionais vigentes. 140 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 140 02/03/12 09:48 Instituições de Direito Público e Privado Contudo não se pode confundir as missões do Direito Penal com suas funções reais. Acerca das funções reais do Direito Penal, Gomes (2003, p. 22) assim leciona: [...] quando se indaga sobre as funções do Direito Penal o que se pretende saber é qual o papel efetivo, real, na sociedade. O mais legítimo que o Direito Penal desempenha (ou deveria desempenhar) é o instrumental, leia-se, o de servir de instrumento para a tutela (fragmentária e subsidiária) dos bens jurídicos mais relevantes (vida, integridade física etc.) e mesmo assim contra os ataques mais intoleráveis (contra as ofensas que efetivamente perturbam a convivência social). Portanto a função do Direito Penal é proteger os bens jurídicos mais relevantes para resguardar, como a vida, a integridade física, a liberdade, o patrimônio, além de outros. Em face de seu caráter fragmentário, o Direito Penal só deve intervir quando houver ofensa a bens essenciais para a subsistência da vida em sociedade e em caso de ofensas intoleráveis a esses bens. Em razão de seu caráter subsidiário, o Direito Penal só deve ser utilizado quando outros ramos do direito (como o Direito Civil ou o Direito Administrativo) não forem adequados para resolver o conflito decorrente da ofensa aos bens jurídicos essenciais por ele protegidos. O Direito Penal, assim, exerce uma forma de controle social: define as condutas proibidas e comina penas específicas para cada delito, com a finalidade de regular as relações entre as pessoas e assegurar a convivência harmônica e a paz social. No caso concreto, quando ocorre ofensa ao bem jurídico penalmente protegido e o juiz impõe punição àquele que praticou a conduta proibida por lei. Mas o que é controle social? Quem o exerce? Unidade 5 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 141 141 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina Controle social é a forma como a sociedade responde, formal ou informalmente, às condutas e às pessoas consideradas como desviantes ou problemáticas. Por isso, o Direito Penal é um peculiar meio de controle social formal, exercido pelo Estado (Polícia, Poder Judiciário e Ministério Público), para resolver conflitos oriundos de infrações penais que ofendem os direitos e interesses individuais de forma grave (BITENCOURT, v. 1, 2007, p. 1). Paralelamente ao controle social formal, pode coexistir o controle social informal, exercido por família, escola, mídia, religião, moral, etc. Quanto aos bens jurídicos relevantes, que constituem objeto do Direito Penal, destacam-se, por meio da definição das infrações penais, dentre outros, os direitos à vida, à integridade física, à liberdade e ao patrimônio. Assim, por exemplo, para proteção da vida humana, foram definidos crimes como homicídio, aborto e infanticídio; para garantia da integridade física, delitos de lesões corporais; para resguardar a liberdade, crimes como sequestro e cárcere privado, constrangimento ilegal, estupro e atentado violento ao pudor; para assegurar o patrimônio particular, crimes como furto, roubo, extorsão, apropriação indébita e estelionato; para garantia do patrimônio público, delitos como peculato, sendo este um dos principais crimes contra a administração pública. Contudo a reprovação da conduta depende não apenas do desvalor do fato, mas, também, do comportamento consciente ou negligente do seu autor. Por isso, o desvalor material do resultado só pode ser proibido na medida em que o desvalor da ação se evidencie. 142 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 142 02/03/12 09:48 Instituições de Direito Público e Privado Como exemplo, se você matar alguém em legítima defesa, cometeu um fato que é definido como crime de homicídio. No entanto, nesta hipótese, sua conduta não é considerada criminosa, pois você agiu contra agressão injusta de outrem, que pretendia tirar a sua vida, circunstância que o(a) autoriza a se defender, legitimamente, desde que use moderadamente dos meios disponíveis para sua defesa. Mais adiante, esta e outras hipóteses serão analisadas adequadamente, quando do estudo dos institutos mais relevantes da parte geral do Direito Penal. Fontes do Direito Penal A fonte principal do Direito Penal é o Código Penal. Além do Código Penal, porém, há outras leis penais especiais ou complementares, criadas em leis específicas, definindo fatos considerados crimes não previstos expressamente no Código Penal. Como exemplos de crimes previstos em leis especiais, podemos citar: a) crimes de responsabilidade (Lei nº 1.079/1950); b)crimes de abuso de autoridade (Lei nº 4.898/1965); c) crimes de responsabilidade dos Prefeitos e Vereadores (Decreto-Lei nº 201/1967); d)crimes contra o Sistema Financeiro Nacional (Lei nº 7.492/1986); e) crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo (Lei nº 8.137/1990); f) crimes relacionados às licitações (Lei nº 8.666/1993); g)crimes de tóxicos (Lei nº 11.343/2006). Unidade 5 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 143 143 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina O Código Penal vigente O Código Penal vigente foi editado pelo Decreto-Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940, tendo sido alterado, substancialmente, em sua parte geral, pela Lei nº 7.209, de 11 de julho de 1984, bem como por outras leis esparsas, que alteraram tanto a sua parte geral quanto a sua parte especial. Apesar de ter sido editado na época da ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas, o Código Penal vigente “mostrou-se de boa técnica, redação clara e concisa, estrutura harmônica”(COSTA JÚNIOR, 2008, p. 23). Contudo, como sua edição ocorreu há mais de meio século, muitas de suas normas se tornaram obsoletas, caindo algumas em desuso, outras tendo sido revogadas de forma expressa, como os crimes de adultério e de sedução. Divisão do Código Penal O Código Penal está dividido em duas partes: a parte geral e a parte especial. A parte geral do Código Penal, que define regras gerais, subdivide-se em oito títulos, a saber: Título I — Da aplicação da lei penal Título II — Do crime Título III — Da imputabilidade penal Título IV — Do concurso de pessoas Título V — Das penas Título VI — Das medidas de segurança Título VII — Da ação penal Título VIII — Da extinção da punibilidade 144 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 144 02/03/12 09:48 Instituições de Direito Público e Privado O art. 12 do CP determina que “As regras gerais deste Código aplicam-se aos fatos incriminados por lei especial, se esta não dispuser de modo diverso”. Portanto as regras dispostas na parte geral se aplicam a todos os crimes, inclusive aos definidos em leis penais especiais, se estas não dispuserem diversamente sobre o assunto. A parte especial do Código Penal define os crimes e comina as penas específicas, subdividindo-se em onze títulos, a saber: Título I — Dos crimes contra a vida Título II — Dos crimes contra o patrimônio Título III — Dos crimes contra a propriedade imaterial Título IV — Dos crimes contra a organização do trabalho Título VI — Dos crimes contra os costumes Título VII — Dos crimes contra a família Título VIII — Dos crimes contra a incolumidade pública Título IX — Dos crimes contra a paz pública Título X — Dos crimes contra a fé pública Título XI — Dos crimes contra a administração pública Como foi dito acima, há leis penais especiais que definem crimes não previstos no Código Penal, podendo conter regras específicas diversas da parte geral do Código Penal. Nesta unidade, interessa-nos estudar os crimes contra a administração pública, subdivididos nos cinco capítulos que integram o Título XI, a saber: Capítulo I — Dos crimes praticados por funcionário público contra a administração em geral Capítulo II — Dos crimes praticados por particular contra a administração em geral Unidade 5 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 145 145 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina Capítulo II-A — Dos crimes praticados por particular contra a administração pública estrangeira Capítulo III — Dos crimes contra a administração da justiça Capítulo IV — Dos crimes contra as finanças públicas Além disso, também interessa o estudo dos crimes contra a ordem tributária (Lei nº 8.137/1990) e o estudo dos crimes relacionados às licitações (Lei nº 8.666/1993), porque se interligam aos objetivos do curso. A seguir serão expostos alguns conceitos preliminares, antes da abordagem dos princípios constitucionais penais, como introdução essencial ao estudo do direito penal. Conceito de infração penal (crime ou delito e contravenção penal) Infração penal é uma conduta humana prevista na lei como crime ou como contravenção penal. A diferença básica entre crime e contravenção penal é que, no crime, a violação do bem jurídico protegido é mais grave, pelo que a pena cominada é mais severa do que na contravenção penal, que constitui uma infração de menor potencial ofensivo. Esta noção está expressa, taxativamente, no art. 1º da Lei de Introdução do Código Penal (Decreto-Lei nº 3.914/1941), nestas palavras: Art. 1º. Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ Decreto-Lei/Del3914.htm >. Podemos ver, deste modo, que os elementos diferenciadores entre crime e contravenção foram definidos, especificamente, em relação às penas cominadas, sendo mais severas para os crimes 146 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 146 02/03/12 09:48 Instituições de Direito Público e Privado e menos rigorosas para as contravenções, pois os bens jurídicos protegidos pelas contravenções são menos relevantes do que os protegidos pelos crimes. Eis alguns exemplos de crimes mais comuns: lesão corporal (art. 129 do CP); homicídio (art. 121 do CP); furto (art. 155 do CP); roubo (art. 157 do CP); estelionato (art. 171 do CP); ameaça (art. 147 do CP); violação de domicílio (art. 150 do CP); e estupro (art. 213 do CP). Entre as contravenções mais conhecidas, incluem-se: vias de fato (art. 21 da LCP); perturbação do trabalho ou sossego alheio (art. 42 da LCP); vadiagem e mendicância (arts. 59 e 60 da LCP); importunação ofensiva ao pudor (art. 61 da LCP); e embriaguez (art. 62 da LCP). Feitas estas considerações preliminares, serão examinados com os detalhes mais relevantes os pontos eleitos para o presente estudo sintético do Direito Penal, iniciando com o exame dos princípios constitucionais penais. Seção 2 - Princípios constitucionais penais Neste livro didático, interessa o estudo de alguns princípios relevantes, que servem como alicerces fundantes para o Direito Penal, constituindo garantia constitucional que pode estar expressa ou implícita. Segundo Mello (1995, p. 476-477), princípio é o alicerce fundamental do sistema de leis, que lhe assegura harmonia. Por isso, a violação do princípio é mais grave do que a ofensa a qualquer norma, pois corrói a estrutura e derruba as vigas mestras que sustentam o próprio sistema normativo. Unidade 5 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 147 147 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina Rocha (1999, p. 50) destaca a supremacia dos princípios sobre todas as outras normas jurídicas, inclusive aquelas de nível constitucional, porque representam a essência do modelo constitucional acatado. Esclarece que esta prevalência decorre da especialidade jurídicoconstitucional de sua natureza e função. Por isso, para Rocha (1999, p. 58-59), a inconstitucionalidade de uma norma que desrespeite um princípio fundamental da Carta Política é de tal monta que, “nesta hipótese, a inconstitucionalidade nunca será apenas de uma norma - aquela na qual se põe expressamente o princípio -, mas de toda a Constituição, pois não se implode a base de uma construção sem ameaçá-la em sua inteireza”. Feitas estas considerações essenciais acerca do conceito e da supremacia dos princípios, serão abordados sucintamente alguns princípios constitucionais relevantes para nosso estudo. 1) Princípio da Legalidade ou da Reserva Legal O art. 1º do Código Penal dispõe que “Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal”. Semelhante previsão consta do inciso XXXIX do art. 5º da Constituição Federal, cujo teor estabelece que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. É relevante esclarecer entende-se o termo “lei” é em sentido restritivo, sendo vedada a definição de novos crimes e a cominação de penas por meio de “medidas provisórias”, proibição estabelecida na letra “b” do inciso I do § 1º do art. 62 da CF. 2) Princípio da Proibição da Analogia in malam partem Segundo Bastos Júnior (2006, p. 25), “A analogia não é forma de interpretação, mas de integração da lei. Consiste em aplicar-se a um fato não previsto pelo legislador uma norma destinada a regular casos semelhantes.” 148 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 148 02/03/12 09:48 Instituições de Direito Público e Privado Como corolário do princípio da legalidade, este princípio proíbe o enquadramento legal “por semelhança”, para criar crimes ou aplicar penas mais severas, pois viola o princípio da legalidade. Todavia é permitido utilizar a analogia in bonam partem no direito penal, ou seja, para favorecer o réu. Neste sentido, exemplo específico é dado por Capez (2004, p. 36), conforme você pode ver abaixo: Art. 128, II, do CP Nenhuma norma Aborto em gravidez decorrente de estupro. Aborto em gravidez decorrente de atentado violento ao pudor. ANALOGIA = aplicação do art. 128, II, do CP à hipótese de aborto em gravidez decorrente de atentado violento ao pudor. Quadro 5.1: Art.128, II, do CP Fonte: Capez, 2004. 3) Princípio da Anterioridade da Lei O princípio da anterioridade da lei também é corolário do princípio da legalidade e exige que a vigência da lei que cria determinado delito ocorra antes da prática do crime, pois, até aquele momento, o fato é atípico. De igual modo, quando certa lei comina pena mais severa, ou tratamento mais rigoroso ao condenado, também é indispensável que sua entrada em vigor aconteça antes da prática da conduta que motivou a aplicação da pena. 4) Princípio da Irretroatividade da Lei Penal mais Severa A lei penal que cria um novo crime ou agrava o seu tratamento (exemplo: a nova lei aumenta a pena de crime já definido) não se aplica a fatos praticados antes da sua entrada em vigor. Ao contrário, se a nova lei beneficiar de qualquer forma o agente, ela será aplicada, ainda que o fato tenha sido praticado antes da sua entrada em vigor (art. 2º do CP e inciso XL do art. 5º da CF). Unidade 5 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 149 149 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina Deste princípio decorrem as quatro hipóteses de conflitos de leis penais no tempo: 1ª) abolitio criminis: quando a nova lei suprime normas incriminadoras anteriormente existentes, ou seja, o fato deixa de ser crime, como ocorreu em relação aos crimes de sedução e adultério, que foram revogados pela Lei nº 11.106, de 28 de março de 2005; 2ª) novatio legis incriminadora: quando a lei incrimina fatos anteriormente lícitos; 3ª) novatio legis in pejus: quando a lei nova modifica o regime penal anterior para aumentar a pena, o que prejudica o sujeito; 4ª) novatio legis in mellius: quando a lei nova modifica o regime anterior para reduzir a pena, o que beneficia o sujeito, incidindo, inclusive, na execução penal, como prevê a SUMULA 611 do Supremo Tribunal Federal, determinando que, “Transitada em julgado a sentença condenatória, compete ao juízo das execuções a aplicação da lei mais benigna”. 5) Princípio da Intervenção Mínima Segundo o princípio da intervenção mínima, o Estado só deve utilizar o Direito Penal quando todos os outros meios não conseguirem prevenir a conduta ilícita, o que implica evitar a criação desnecessária de tipos penais. Segundo Gomes (2003, p. 109), “O princípio da intervenção mínima possui dois aspectos relevantes: (a) fragmentariedade; e (b) subsidiariedade.” Segundo Gomes (2003, p. 109), o caráter fragmentário deste princípio implica que a tutela por meio do Direito Penal deve ser aplicada: a) tão-somente para proteger os bens jurídicos mais relevantes; e b)exclusivamente em relação aos ataques mais intoleráveis. 150 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 150 02/03/12 09:48 Instituições de Direito Público e Privado Gomes (2003, p. 109-110) cita ainda uma decisão do TJSP, esclarecendo o caráter subsidiário: “O Direito penal, de outro lado, é subsidiário, isto é, só tem lugar quando outros ramos do Direito não solucionam satisfatoriamente o conflito. O Direito penal, em suma, é Direito de ultima ratio (TJSP, AC 113.999-3, rel. Luiz Betanho)”. 6) Princípio da Lesividade ou da Ofensividade Para Batista (1999, p. 91), “Este princípio [da lesividade] transporta para o terreno penal a questão geral da exterioridade e alteridade (ou bilateralidade) do direito”. Isso sempre implica que o Direito coloca face a face, no mínimo, dois sujeitos (alteridade). Além disto, a conduta de um sujeito deve ofender o direito de outro, isto é, para merecer uma sanção penal, a conduta do sujeito ativo (autor do crime) deve lesionar o direito de outra pessoa (sujeito passivo ou vítima do crime), não sendo puníveis as condutas puramente internas (exterioridade). Batista (1999, p. 91-96) cita quatro principais funções do princípio da ofensividade, a seguir indicadas e examinadas resumidamente: 1ª) proibir a incriminação de uma atitude interna: isso significa que ninguém pode ser punido pela cogitação (pensamento em cometer um crime), porque, embora imoral e pecaminosa a intenção, enquanto a conduta não tem início, por si só, a cogitação não tem o condão para causar lesão ou perigo concreto de lesão a terceiro; 2ª) proibir a incriminação de uma conduta que não exceda o âmbito do próprio autor: isto implica que somente pode ser punido quem causa lesão ou perigo concreto de lesão a bens de terceiros, como ocorre em relação à tentativa de suicídio, que não é punido, assim como a autolesão, sendo esta punível apenas quando provocar outros danos materiais a terceiros ou se houver intenção de fraude contra seguradora; 3ª) proibir a incriminação de simples estados ou condições existenciais: equivale à vedação do chamado direito penal do autor, ou seja, ninguém pode ser punido pelo que é, mas, tão-somente, em razão de sua conduta ou de um fato lesivo Unidade 5 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 151 151 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina ao direito, levando-se em conta que o direito existe para regular a conduta humana e não a pessoa humana, como decorrência de sua periculosidade. Deste modo, mesmo que alguém seja tachado como perigoso, se não cometer um fato que seja definido em lei como crime, não lhe pode ser responsabilizado, pois não é lícito penalizar pelo “ser”, mas, sim, em face de “fazer algo proibido por lei” ou “deixar de fazer algo que a lei determina que faça”; 4ª) proibir a incriminação de condutas desviadas que não afetem qualquer bem jurídico: isto quer dizer que somente condutas que causem dano a bem jurídico de terceiro podem ser incriminadas. Isso significa que o Direito Penal só está legitimado para intervir sobre condutas que implicam dano ou ameaça significativa aos bens jurídicos essenciais à coexistência. 7) Princípio da Insignificância ou da Bagatela O princípio da insignificância ou da bagatela significa que o Direito Penal não se preocupa com bagatela ou ofensa irrisória ao bem jurídico penalmente protegido. Só deve ser aplicado em caso de perturbações mais graves. Para Gomes (2003, p. 110), o Direito Penal não deve se preocupar com ataques ínfimos ou irrisórios aos bens jurídicos protegidos, com fundamento na sua fragmentaridade e como manifestação do princípio da intervenção mínima, com o qual, porém, não se confunde. 8) Princípio da Culpabilidade Consoante ensina Jesus (2005, p. 11), o princípio da culpabilidade quer dizer que só é possível a imposição de pena a quem cometeu um crime (fato típico e antijurídico), desde que tenha agido com dolo ou culpa, e merece juízo de reprovação, por ser capaz penalmente, pois o juiz, ao operar mentalmente o juízo de reprovabilidade (culpabilidade), deve avaliar se o sujeito é imputável, isto é, se podia agir de modo diverso e tinha potencial consciência da antijuridicidade (sabia que sua conduta era contrária ao direito). 152 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 152 02/03/12 09:48 Instituições de Direito Público e Privado O juízo de culpabilidade constitui fundamento e medida da pena e impede a adoção da responsabilidade penal objetiva (aplicação de pena sem dolo, culpa e culpabilidade). 9) Princípio da Responsabilidade Pessoal, ou de Pessoalidade ou Personalidade da Pena Este princípio decorre do inciso XLV do art. 5º da Constituição Federal, segundo o qual “nenhuma pena passará da pessoa do condenado [...]”. Isto significa que a pena só pode ser imposta se o agente praticou uma conduta típica agindo com dolo ou culpa e que ninguém, nem mesmo um parente próximo, pode ser punido por um fato cometido por outrem. Como esclarece Gomes (2003, p. 112), “não existe no Direito penal responsabilidade coletiva, societária ou familiar (leia-se: não há a responsabilidade por fato de outrem). Cada um responde pelo que fez, na medida da sua culpabilidade. Ninguém pode ser punido no lugar de outra pessoa, mesmo porque a pena não pode passar do condenado (CF, art. 5º, inc. XLV)”. 10) Princípio da Humanidade Conforme entendimento de Jesus (2005, p. 11), mesmo condenado, o réu não perde sua condição como pessoa humana, devendo ser tratado como tal, pois isto é reconhecido pelo princípio no inciso III do art. 1º e em diversos incisos do art. 5º, da Constituição Federal, cuja leitura é essencial. São relevantes, especialmente, os incisos III (proíbe a tortura, o tratamento desumano ou degradante), XLVII (veda as penas de morte, de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento e cruéis) e XLIX (assegura o respeito à integridade física e moral dos presos). Unidade 5 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 153 153 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina 11) Princípio da Proporcionalidade da Pena O princípio da proporcionalidade da pena tem como objetivo impedir a imposição de penas excessivas: a pena deve ser proporcional à culpabilidade do agente e à gravidade do fato, pois a liberdade constitui um valor fundamental do Estado de Direito, o que impõe a aplicação do princípio da proibição de excesso no Direito Penal. Barros (2002, p. 92) afirma que o princípio da proporcionalidade serve como garantia especial para limitar a intervenção estatal aos casos de estrita necessidade, para que esta intervenção ocorra de forma adequada e na justa medida, assegurando a máxima eficácia e a otimização dos direitos fundamentais conflitantes. 12) Princípio do Estado de Inocência O princípio do estado de inocência, também denominado princípio da presunção de inocência, encontra fundamento no inciso LVII da Constituição Federal, determinando que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Isto significa que, antes de a sentença condenatória transitar em julgado (dela não cabe mais qualquer recurso), é vedado impor prisão ao acusado da prática de crime com característica de execução antecipada de pena. 13) Princípio da Igualdade Todos aqueles que cometem determinado crime, em condições e situação análogas, devem ser tratados igualmente, sem discriminação, consoante estabelece o caput do art. 5º do CP, bem como o inciso XLI do art. 5º da CF. Com tal princípio, segundo Gomes (1999, p. 65), “O que se pretende, em suma, particularmente no que concerne às penas e medidas alternativas, é vedar as diferenciações arbitrárias, as 154 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 154 02/03/12 09:48 Instituições de Direito Público e Privado discriminações absurdas, pois o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência do próprio conceito de Justiça”. 14) Princípio de Individualização da Pena Conforme Luisi (2003, p. 52), o princípio da individualização da pena também possui previsão expressa na Constituição Federal vigente, especificamente no art. 5°, inciso XLVI, ocorrendo em três etapas: a legal; a judicial; e a executória ou administrativa. Por isso, segundo Boschi (2000, p. 60-61), na esfera do Direito Penal democrático e contemporâneo, a individualização da pena permite às partes acompanhar o procedimento da acusação e da defesa, pois o réu tem o direito de saber por quais motivos foi condenado e como cada circunstância influiu na pena que lhe foi aplicada. Aos interessados em aprofundar o estudo dos princípios constitucionais penais, é recomendada a leitura de obras de autores específicos, sugerindo-se, dentre outros autores mais conhecidos, os seguintes: Batista (1999, p. 61-105), Gomes (2003, p. 108-121), Lopes (1999, p. 76-107) e Luisi (2003, p. 17-56). Seção 3 – Institutos relevantes do Direito Penal Nesta seção, a concisão exigida pela disciplina impõe o exame de apenas alguns institutos mais relevantes do Direito Penal, relativos à teoria do crime, sem esgotar a matéria, que é muito mais ampla. Unidade 5 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 155 155 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina Conceito de crime O crime, sob o aspecto formal, “é um fato típico e antijurídico” (Bastos Júnior, 2006, p. 44). Sob o aspecto material, “é toda ação ou omissão humana que lesa ou expõe a perigo de lesão bens jurídicos penalmente tutelados” (Masson, 2009, p. 157). Todo crime pressupõe: 1º) sujeito ativo: autor do fato definido como crime (fato típico e antijurídico); 2º) sujeito passivo: vítima do crime ou quem sofre as consequências da prática delituosa, que é o titular do bem jurídico protegido, embora, de maneira geral, o Estado seja tido como sujeito passivo da maioria dos crimes; 3º) capacidade penal: significa que o autor do fato é titular de direitos e obrigações na esfera penal, ou seja, pode ser responsabilizado por seus atos; 4º) objeto, que pode ser jurídico (objeto jurídico do crime é o bem ou interesse protegido pela norma penal, como, por exemplo, a vida em relação ao crime de homicídio) ou material (objeto material do crime é o objeto jurídico sobre o qual recai a conduta criminosa, como, por exemplo, a vida da pessoa que é a vítima real do crime no caso concreto); 5º) punibilidade: consequência jurídica do crime, decorrente da violação da norma penal, que suscita para o Estado o direito de punir o autor do fato (sujeito ativo da infração penal). Seguem abaixo alguns conceitos de institutos penais relacionados ao conceito de crime e ao estudo teórico do crime. Fato Típico: é a conduta humana, positiva (ação) ou negativa (omissão), que provoca um resultado e que está definida em lei como infração penal. É a conduta que se ajusta adequadamente aos elementos descritos no tipo penal. 156 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 156 02/03/12 09:48 Instituições de Direito Público e Privado Masson (2009, p. 196) aponta os elementos componentes do fato típico, mas fixa as diferenças entre os elementos do fato típico nos crimes materiais consumados em relação aos fatos típicos nos demais crimes (tentados, formais e de mera conduta), conforme o quadro abaixo. Conduta Fato típico nos crimes materiais consumados Resultado naturalístico Relação de causalidade Tipicidade Conduta Fato típico nos demais crimes (tentados, formais e de mera conduta) Tipicidade Figura 5.1: Diferença entre fatos típicos nos crimes materiais consumados e nos demais crimes.Fonte: Masson (2009, p. 196). Conduta: para Andreucci (2008, p. 44), “é o comportamento humano consistente em uma ação ou omissão, consciente e voltada a uma finalidade (teoria finalista da ação)”. Formas de conduta: A conduta pode se dar de duas formas: a) ação: é a atuação humana positiva (fazer alguma coisa) com um fim determinado (exemplo: alguém dispara seu revólver contra outro, com a intenção de matá-lo); b) omissão: é a ausência de comportamento (deixar de fazer alguma coisa que lhe cabia fazer), a inatividade (exemplo: uma enfermeira deixa de ministrar remédio ao doente, para que este morra em decorrência da falta do medicamento indispensável). Unidade 5 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 157 157 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina Classificação dos crimes quanto ao resultado: a) crimes materiais; b)crimes formais; e c) crimes de mera conduta. Crime material: é essencial a ocorrência de um resultado externo à ação, ambos (ação e resultado) descritos na lei, que se destaca lógica e cronologicamente da conduta, sendo conhecido como resultado naturalístico. Como exemplo, no crime de homicídio (art. 121 do CP), o resultado naturalístico é a morte da vítima (necessário à consumação). Crime formal: é aquele que se faz consumado independente do resultado e prescinde de manifestação naturalística, uma vez que o tipo penal prescreve apenas a conduta e não traz como necessário o resultado pretendido pelo agente. Como exemplo podemos citar o crime de ameaça (art. 147 do CP), que se consuma quando a vítima toma conhecimento da ameaça, independente de sua intimidação (RT 719/439), bastando que a ameaça seja idônea a atemorizar. Crime de mera conduta: a lei descreve uma conduta, sem indicar um resultado naturalístico, cuja verificação é impossível. Não há se falar em dano material, a lei presume o perigo independente de sua existência real. Como leciona Pimentel (1975, p. 64), “Crime de mera conduta é aquele em que a ação ou omissão bastam para constituir o elemento material (objetivo) da figura típica penal”. Como exemplo, podemos citar o crime de violação de domicílio (art. 150 do CP), ou seja, a entrada em casa alheia sem autorização. 158 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 158 02/03/12 09:48 Instituições de Direito Público e Privado Relação de causalidade ou nexo de causalidade: é a relação de causa e efeito que liga a conduta ao resultado naturalístico. Deste modo, pode-se afirmar que determinada conduta produziu o resultado. Como exemplo, se alguém coloca a mão no fogo, ela vai queimar. Como consequência óbvia, há o nexo causal físico entre a conduta (colocar a mão no fogo) e o resultado (queimadura ocasionada). Como regra geral, o art. 13 do Código Penal prevê, taxativamente, que “O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido”. Isto implica que, se não for provado que o resultado é decorrência lógica de certa conduta, não se pode atribuir responsabilidade à pessoa que a praticou quando esta conduta não tem relação de causa e efeito com o resultado. Em relação à conduta do agente, há causas: a) absolutamente independentes da conduta do agente; ou b)relativamente independentes da conduta do agente. Isto significa que, paralelamente à conduta do agente (por exemplo: “A” efetuou um disparo contra “B”, acertando levemente o seu braço), podem ocorrer causas (ou concausas) absolutamente independentes ou relativamente independentes. Importa saber se o agente que efetuou o disparo responde, ou não, pelo resultado ocorrido. Concausas absolutamente independentes da conduta do agente: as concausas (ou causas paralelas) absolutamente independentes da conduta do agente podem ser ainda: a) preexistentes à conduta do agente; b)concomitantes à conduta do agente; e c) supervenientes à conduta do agente. Unidade 5 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 159 159 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina Concausa preexistente à conduta do agente: Bastos Júnior (2006, p. 47) cita o seguinte exemplo: Afrísio, acometido de infarto agudo do miocárdio, é transportado para um hospital em um táxi, que, no caminho, é abalroado pelo automóvel dirigido por Zenóbio, que invadira imprudentemente a via preferencial. Na colisão, Afrísio sofre lesões leves, mas vem a falecer exclusivamente em conseqüência do infarto. — O infarto é causa preexistente absolutamente independente da conduta de Zenóbio, que só poderá responder pelo que causou (lesão corporal culposa). Concausa concomitante à conduta do agente: Bastos Júnior (2006, p. 47) cita o seguinte exemplo: Pretendendo matar Juca, Teco serve-lhe bebida a que previamente misturava veneno. Nesse exato momento, Juca é atingido e morto por uma bala perdida, disparada de um morro próximo. — O tiro é causa concomitante absolutamente independente. Teco responde por tentativa de homicídio. Concausa superveniente à conduta do agente Bastos Júnior (2006, p. 47) cita o seguinte exemplo: Chico Bento desentende-se com Zé Bernardo, na venda do vilarejo, e aplica-lhe alguns socos, de que resultam lesões corporais leves. Aborrecido, este se retira para sua residência, mas, no caminho, é atacado por um touro bravo, que fugira de uma fazenda próxima, sofrendo, então, ferimentos dos quais resultou incapacidade permanente para o trabalho. — É de toda evidência que o ataque do touro é uma causa superveniente absolutamente independente da agressão de Chico Bento, que só responderia por lesão corporal leve (art. 129, “caput”), desde que Zé formulasse a representação instituída pela lei nº 9.099/95. 160 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 160 02/03/12 09:48 Instituições de Direito Público e Privado Concausa que “por si só” causou o resultado: é aquela que inaugura um novo curso causal, que é de responsabilidade de outra pessoa ou que decorre da própria natureza. Exemplo: “A”, vítima de disparo de arma de fogo, efetuado por “B”, com dolo de homicídio, sofre lesão grave, é operada e posta fora de perigo imediato. Sua recuperação é satisfatória, mas, acometida de infecção hospitalar, vem a falecer. Neste caso, ocorreu concausa que, só por si, produziu o resultado. Portanto “B” só responde pelo resultado anterior (tentativa de homicídio). Concausa que “por si só” não causou o resultado: é aquela que não provoca um novo curso causal e acha-se na mesma linha de desdobramento físico da conduta do agente; não é concausa que “por si só” causou o resultado. Exemplo: “A”, vítima de disparo de arma de fogo, efetuado por “B”, com dolo de homicídio, morre em virtude de infecção causada por esse ferimento, ou morre no momento da cirurgia, que foi bem feita, porque “A” não resistiu ao ferimento; neste caso, não ocorreu concausa que só por si produziu o resultado. Logo, nessa hipótese, “B” responde pelo resultado morte (homicídio consumado). Tipo penal: de acordo com Silva (2005, p. 1401), “Tipo penal é o modelo legal de comportamento proibido, compreendendo o conjunto de características objetivas e subjetivas de determinado delito. Em síntese, é a descrição legal de um fato que a lei proíbe ou ordena”. Tipicidade ou adequação típica: é o enquadramento do fato decorrente da conduta humana (positiva ou negativa) à norma penal, com todas as características objetivas e subjetivas definidas abstratamente pelo legislador para o modelo legal. Unidade 5 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 161 161 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina Exemplos: se “João matou Pedro”, esta conduta se amolda perfeitamente no crime de homicídio, prevista no art. 121 do CP, que define a norma penal incriminadora. Todavia, se “João tentou matar Pedro”, esta conduta se amolda no crime de homicídio, prevista no art. 121 do CP, que define a norma penal incriminadora, mas é indispensável analisar a hipótese da tentativa, prevista no inciso II do art. 14 do CP e seu parágrafo único, que contém causa de diminuição da pena, neste caso. Estrutura do tipo penal: segundo Masson (2009, p. 240), o tipo penal é composto de um núcleo (verbo que define uma conduta) e elementos (objetivos, subjetivos e normativos). Em um quadro, eis a representação dessa estrutura: TIPO PENAL = Núcleo (verbo) + Elementos + Circunstâncias (somente para as figuras qualificadas ou privilegiadas) Objetivos Subjetivos Normativos Figura 5.2: Estrutura do tipo penal. Fonte: Masson (2009, p. 240). Elementos objetivos do tipo: referem-se à materialidade da infração penal, como a forma de execução (mediante fraude, que qualifica o crime de furto: inciso II do § 4º do art. 155 do CP), tempo (durante o repouso noturno, que constitui causa de aumento da pena no crime de furto: § 1º do art. 155 do CP) e lugar (lugar ermo, que constitui causa de aumento da pena no crime de abandono de incapaz: inciso I do § 3º do art. 133 do CP). Elementos subjetivos do tipo: referem-se ao estado anímico do sujeito, ao fim especial da conduta ou ao estado de consciência do agente em relação a determinada circunstância, como a intenção do agente de transmitir moléstia venérea (§ 1º do art. 130 do CP). 162 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 162 02/03/12 09:48 Instituições de Direito Público e Privado Elementos normativos do tipo: integram figura típica. Sem estes elementos não há o fato típico a que se referem. São evidenciados por expressões como: indevidamente (para configuração do crime de violação de correspondência: art. 151 do CP); sem justa causa (para configuração do crime de violação de segredo profissional: art. 154 do CP); funcionário público (para configuração do crime de peculato: art. 312 do CP); coisa alheia móvel (para configuração do crime de furto: art. 155 do CP), etc. Elementares e circunstâncias do crime: Já foi visto anteriormente o conceito de crime como “fato típico e antijurídico”. Isto significa que (1º) o fato típico e (2º) a antijuridicidade são os dois requisitos do crime. A falta de qualquer um deles torna o fato lícito, ou seja, sua presença é necessária (essencial ou indispensável) para a configuração do tipo penal. Elementares ou elementos essenciais do crime: são elementos que constituem o delito, sem os quais a conduta punível não configura infração penal. Os elementos essenciais do crime podem ser genéricos ou específicos. Elementos genéricos do crime: são o fato típico e a antijuridicidade, relativos ao conceito de crime, e estão presentes em todos os delitos. Exemplo: não há crime sem fato típico (isto é, sem prévia definição legal da conduta proibida, como “matar alguém”, no homicídio) e se este fato não for antijurídico (isto é, a prática da conduta não é contrária ao direito, como ocorre na legítima defesa do agente, em relação ao homicídio). Elementos específicos do crime: são características básicas que integram algumas condutas ilícitas e, desta maneira, fixam os elementos essenciais específicos de certos crimes. Esses fatores, que servem para configurar um tipo penal e distingui-lo de outros, são denominados elementares do crime, ou elementos constitutivos essenciais específicos do crime. Sua ausência pode suscitar a atipicidade absoluta (isto é, o fato não constitui delito), ou a atipicidade relativa (com a descaracterização do crime, surgindo outro delito em seu lugar). Unidade 5 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 163 163 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina Exemplo de atipicidade absoluta Para haver crime de prevaricação (art. 319 do CP), é indispensável que o autor do delito seja “funcionário público”; isto é, sem a presença dessa qualidade pessoal do autor, não subsiste o crime de prevaricação. Assim, não há prevaricação do particular por retardar o andamento de processo, pois é crime que só pode ser praticado por “funcionário público”. Isto é, a exclusão da elementar “funcionário público” impede a sanção penal do autor do fato, pois não há prévia definição da conduta como crime quando praticado por particular. Nesta hipótese, com a exclusão da elementar “funcionário público”, o fato deixa de ser crime, ocorrendo o fenômeno da atipicidade absoluta. Exemplo de atipicidade relativa Para haver crime de peculato (art. 312 do CP), é imprescindível que o autor do delito seja “funcionário público”; isto é, sem a presença dessa qualidade pessoal do autor, não subsiste o crime de peculato. No entanto, no caso do particular se apropriar de dinheiro de que tem a posse em razão da profissão, não há crime de peculato, mas o CP, no art. 168, define o crime de apropriação indébita, cujo autor pode ser o particular, isto é, não se trata de crime cujo sujeito ativo deve ser “funcionário público”. Nesta hipótese, com a exclusão da elementar “funcionário público”, o fato não deixa de ser crime, mas incide sua desclassificação para outro crime, ocorrendo o fenômeno da atipicidade relativa. Circunstâncias do crime ou elementos não essenciais do crime: são fatores acidentais, ou seja, que não são essenciais ou elementares do crime, mas que interferem na aplicação da pena. Quando associadas à figuras típicas básica ou fundamental, sua função é aumentar ou diminuir as consequências jurídicas, influenciando, como regra, na pena imposta ao réu. As circunstâncias do crime são elementos acidentais, mas não essenciais, porque podem estar, ou não, presentes na caracterização de um crime. Diferença entre elementar e circunstância do crime: uma elementar distingue-se de uma circunstância pelo processo de exclusão, como nos exemplos acima analisados em relação à atipicidade absoluta ou relativa acima. expostas. 164 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 164 02/03/12 09:48 Instituições de Direito Público e Privado Se a exclusão de certo fator (ser funcionário público) descaracteriza o fato como crime (atipicidade absoluta no crime de prevaricação), ou faz surgir outro crime por desclassificação (atipicidade relativa no crime de peculato), este fator é uma elementar. Se o fator excluído não impede a caracterização do crime, é uma circunstância do crime. Jesus (2005, p. 157) leciona que a circunstância é mero acessório, e não elemento essencial para a existência do delito. Sua existência, ou não, não desconfigura o crime. Como exemplo, Jesus cita o crime de furto, descrito no art. 155 do CP, como a conduta de “subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel”. O autor ainda esclarece que, na falta do elemento normativo “coisa alheia”, ou seja, se é própria a coisa móvel subtraída, o fato não será típico, pois se trata de elementar do crime. No entanto o § 1º do art. 155 prevê causa de aumento da pena se o crime é cometido “durante o repouso noturno”. Contudo o “repouso noturno” não constitui elementar do crime de furto, pois, se o crime for cometido em período diverso, não há desconfiguração do delito. Por isso, o “repouso noturno” é circunstância do furto, e não seu elemento essencial, eis que subsiste o crime, mesmo que o furto não tenha sido praticado “durante o repouso noturno”. As circunstâncias do crime constam em diversas disposições sobre aplicação de pena, na parte geral e na parte especial do CP e também em leis esparsas, enquanto as elementares integram os tipos penais em sua definição legal. Como exemplo, a conduta “matar alguém”, que compõe o tipo básico do homicídio (caput do art. 121 do CP) e contém as elementares do crime. Os tipos derivados do homicídio privilegiado (§ 1º do art. 121 do CP = motivo de relevante valor moral ou social...) ou do homicídio qualificado (§ 2º do art. 121 do CP = motivo torpe, motivo fútil, traição...) constituem circunstâncias que são elementos acidentais do tipo derivado, mas não são elementares do crime de homicídio, e sim simples circunstâncias dele, apenas previstas num tipo derivado. São dados acidentais, uma vez que sua existência ou inexistência não altera a definição do crime como homicídio. Unidade 5 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 165 165 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina Crime consumado e crime tentado: A definição de crime consumado e crime tentado consta do art. 14 do CP e seu parágrafo único, nestes termos: Art. 14 - Diz-se o crime: I - consumado, quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal; II - tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente. Logo, há consumação do delito quando o fato praticado abrange a descrição completa da conduta proibida definida no tipo penal. Isto significa que o agente realizou todos os elementos que integram a definição legal. Assim, se o ladrão subtrai para si o automóvel de outrem, ocorreu a consumação do crime de furto, pois houve a subtração de coisa alheia móvel para si, o que integraliza a definição legal do crime de furto, expressa no art. 155 do CP (“Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel”). Iter criminis ou etapas do crime: O trajeto do fato delituoso, no crime consumado, compõe-se de quatro etapas: a) cogitação; b)atos preparatórios; c) atos de execução; e d)consumação. Jesus (2005, p. 331) cita exemplo em que destaca as várias etapas, nestas palavras: “O agente, com intenção de matar a vítima (cogitação), adquire um revólver e se posta de emboscada à sua espera (atos preparatórios), atirando contra ela (execução) e lhe produzindo a morte (consumação)”. 166 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 166 02/03/12 09:48 Instituições de Direito Público e Privado a) Cogitação: esta etapa, como regra, não é punida, porque se passa no foro íntimo da pessoa e não tem relevância criminal. Nesta etapa, o agente apenas concebe a ideia da prática do crime. b)Atos preparatórios: são aqueles situados fora da esfera de cogitação do agente, mas ainda não configuram o início da execução do crime. Em regra, os atos preparatórios também não são puníveis, exceto quando estes, por si sós, configurem atos de execução de infrações penais autônomas, como no crime de quadrilha ou bando, assim definido no CP: “Art. 288. Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes”. Na fase dos atos preparatórios ainda não começou a agressão ao bem jurídico. Exemplos: no homicídio, a compra da arma e o deslocamento até o local do crime; no furto, a obtenção dos petrechos necessários à subtração. c) Atos de execução ou executórios: são aqueles realizados com o intuito de cometer o crime, dando início à integração dos elementos da definição legal do crime. Consubstanciam ataque ao bem jurídico. Nesta fase, o agente realiza a conduta descrita no núcleo do tipo e o crime já se torna punível. Por exemplo, no homicídio, os disparos de tiros contra a vítima constituem atos executórios e são puníveis, mesmo que o agente não tenha êxito em sua intenção. d)Consumação: ocorre com a integração de todos os elementos que estão descritos no tipo penal. Como exemplo, o crime de homicídio se consuma apenas se a vítima efetivamente falecer. Unidade 5 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 167 167 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina No quadro a seguir, eis a representação das etapas ou do iter criminis: 1ª etapa Cogitação > 2ª etapa Preparação Fase interna > 3ª etapa Execução > 4ª etapa Consumação Fase externa Figura 5.3: Etapas do crime, ou iter criminis. Fonte: Masson (2009, p. 297). Tentativa: o crime é tentado quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente. A trajetória do fato delituoso, no crime tentado, desenvolve-se em três etapas: a) início da execução; b)a não consumação; e c) interferência de circunstância alheia à vontade do agente. Elementos da tentativa: são três, a saber: a) a ação que se caracteriza por início da execução – atos executórios; b)a interrupção da execução por circunstâncias alheias à vontade do agente, que pode dar-se em qualquer momento antes da consumação; c) dolo – vontade, intenção do agente na prática do delito. Pena da tentativa: de acordo com o parágrafo único do art. 14 do CP, “Salvo disposição em contrário, pune-se a tentativa com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de um a dois terços”. A diminuição da pena levará em conta o caminho percorrido e, quanto mais próximo o agente chegar da consumação, menor será a redução, e vice-versa. 168 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 168 02/03/12 09:48 Instituições de Direito Público e Privado Por exemplo: na tentativa de homicídio, a redução da pena será maior se não ocorrer lesão à vítima do que naquela em que esta sofre lesão e na proporção da gravidade dos ferimentos: lesão leve, grave ou gravíssima. Este critério é fruto de construção jurisprudencial e demonstra bom senso. Desistência voluntária e arrependimento eficaz: Ambos os institutos estão previstos no art. 15 do CP, que assim dispõe: “O agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou impede que o resultado se produza, só responde pelos atos já praticados”. Elementos da desistência voluntária e do arrependimento eficaz: a) início da execução; b)não consumação; c) interferência da vontade do próprio agente. A distinção da desistência voluntária e do arrependimento eficaz com a tentativa encontra-se no terceiro elemento: vontade do agente. Exemplo: ocorre desistência voluntária quando o agente ministra veneno à bebida da vítima, mas, arrependido, depois a impede de ingeri-la; há arrependimento eficaz no caso em que o agente ministra veneno à bebida da vítima e a induz a ingeri-la, mas, depois que a vítima ingeriu a bebida envenenada, o agente se arrepende e a socorre, levando-a ao hospital, e consegue salvá-la. O quadro abaixo sintetiza a distinção entre desistência voluntária e arrependimento eficaz e estabelece a comparação destes dois institutos com a tentativa. Unidade 5 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 169 169 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA O agente interrompe a execução Equivale à tentativa inacabada, pois a execução não chega ao final ARREMPEDIMENTO EFICAZ A execução é realizada inteiramente, e, após, o resultado é impedido Equivale à tentativa perfeita ou crime falho, pois se encerra a atividade executória EM AMBOS OS CASOS A CONSUMAÇÃO NÃO SE PRODUZ EM RAZÃO DA VONTADE DO PRÓPRIO AGENTE TENTATIVA NA TENTATIVA, A CONSUMAÇÃO NÃO OCORRE POR CIRCUNSTÂNCIAS ALHEIAS À VONTADE DO AGENTE Quadro 5.2: Distinção entre desistência voluntária e arrependimento eficaz. Fonte: Carvalho (2008, p. 2). Arrependimento posterior: previsto no art. 16 do CP, este instituto constitui causa de diminuição da pena decorrente da prática de ato reversível, caracterizado pela reparação do dano ou restituição da coisa, por vontade própria do agente. No arrependimento posterior, o agente já consumou o delito, mas pratica um ato reversível, caracterizado pela reparação do dano ou restituição da coisa. Diferença entre o arrependimento posterior e o arrependimento eficaz: No arrependimento eficaz, o agente já esgotou os atos de execução, mas ainda não atingiu a consumação e, em razão de um ato reversível, praticado voluntariamente, impede a sua consumação. No arrependimento posterior, o crime já foi consumado, e o agente, por vontade própria, repara o dano ou restitui a coisa. Neste último caso, a lei veda sua aplicação aos crimes cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa e exige que a reparação do dano ou restituição da coisa ocorra antes do recebimento da denúncia ou queixa. 170 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 170 02/03/12 09:48 Instituições de Direito Público e Privado Exemplo de arrependimento posterior: “Inocência, empregada de Mimosa, furtou jóias da patroa e as levou para sua casa. Dois dias depois, com medo das conseqüências, confessou o crime e devolveu as jóias. Deverá ter redução da pena. Os motivos da devolução são irrelevantes” (Bastos Júnior, 2006, p. 63). Crime impossível: conforme dispõe o art. 17 do CP, é aquele crime que, pela ineficácia total do meio empregado ou pela impropriedade absoluta do objeto material, é impossível de se consumar. Exemplo de ineficácia absoluta do meio: alguém, querendo envenenar seu inimigo, ministrar-lhe açúcar em vez de veneno. Exemplos de impropriedade absoluta do objeto: a) certa mulher, julgando-se grávida, pratica manobras abortivas; b) matar um cadáver (somente pode ser vítima de homicídio o ser humano com vida). No crime impossível, existe a exclusão da própria tipicidade, e não a causa de isenção de pena. O nosso código adotou a teoria de que não se pune a tentativa. Crime doloso: conforme o inciso I do art. 18 do CP, o crime será “doloso quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo”. Dolo: é o elemento subjetivo do tipo; é a vontade de concretizar as características objetivas do tipo. Como lecionam Führer e Führer (2005, p. 33) “O dolo consiste no propósito de praticar o fato descrito na lei penal. Crimes dolosos são crimes intencionais”. O quadro a seguir mostra resumidamente os elementos do dolo: Unidade 5 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 171 171 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina Consciência da conduta e do resultado Elementos do crime doloso Consciência da relação causal objetiva entre a conduta e o resultado { Momento intelectual Vontade de realizar a conduta e de produzir o resultado { Momento volitivo Figura 5.4: Elementos do crime doloso. Fonte: Adaptado de Jesus (2005, p. 289). Espécies de dolo: embora a classificação das espécies de dolo seja mais ampla, nesta sintética abordagem serão analisadas comparativamente apenas as seguintes espécies: a) dolo direto e dolo indireto (dolo alternativo e dolo eventual); b)dolo de dano e dolo de perigo; e c) dolo genérico e dolo específico. Dolo direto ou determinado: é intenção do agente provocar um resultado certo, esperando que ele aconteça. Exemplo: alguém encontra um inimigo na rua e, intencionalmente, descarrega seu revólver contra ele, com intenção de matá-lo. Dolo indireto ou indeterminado: não há vontade do agente em causar um resultado preciso ou exato. Subdivide-se em dolo alternativo e dolo eventual. Dolo alternativo: a vontade do agente é alternativa, com opção entre resultados entre dois ou mais resultados distintos, como, por exemplo, matar ou ferir. 172 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 172 02/03/12 09:48 Instituições de Direito Público e Privado Dolo eventual: o agente não quer o resultado, mas conscientemente aceita o risco de pr oduzi-lo. Segundo Führer e Führer (2005. p. 34), “No dolo eventual o agente prevê o resultado de sua conduta e não deseja diretamente esse resultado. Mas diz para si mesmo: ’seja como for, dê no que der, eu não deixo de agir‘. O resultado para ele é indiferente, mas não o afasta da conduta. Se ocorrer o dano, diz ele, tanto pior para a vítima”. Dolo de dano: é a vontade de produzir um dano efetivo a um bem jurídico. Dolo de perigo: é a vontade de expor um bem jurídico a perigo de lesão. Dolo genérico: é a vontade de praticar a conduta sem uma finalidade específica. Dolo específico ou dolo com intenção ulterior: é a vontade de praticar a conduta, visando a uma finalidade específica. Crime culposo: conforme o inciso II do art. 18 do CP, o crime será “culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia”. Para Masson (2009, p. 261): Crime culposo é o que se verifica quando o agente, deixando de observar o dever subjetivo de cuidado, por imprudência, negligência ou imperícia, realiza voluntariamente uma conduta que produz resultado naturalístico indesejado, não previsto nem querido, mas objetivamente previsível, e excepcionalmente previsto e querido, que podia, com a devida atenção, ter evitado. Culpa é elemento subjetivo do tipo penal que decorre da inobservância do dever de atenção e cuidado. Para a análise desse dever de atenção e cuidado, deve-se levar em consideração uma pessoa comum, dotada de discernimento e prudência. O crime culposo possui os elementos expostos no quadro a seguir. Unidade 5 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 173 173 02/03/12 09:48 Universidade do Sul de Santa Catarina Conduta voluntária Violação do dever objetivo de cuidado Resultado naturalístico involuntário Elementos do crime culposo Nexo causal Tipicidade Previsibilidade objetiva Ausência de previsão Figura 5.5: Elementos do crime culposo. Fonte: Masson (2009, p. 261). Conduta voluntária: Os crimes culposos se relacionam com a modernidade, como os delitos de trânsito, os acidentes aéreos e outros decorrentes do progresso. Nessa conduta, o agente se limita a praticar uma conduta perigosa, aceita e desejada por ele, mas sem a intenção de cometer um delito. Como exemplo de conduta desse tipo, pode-se citar a direção de veículo em excesso de velocidade, da qual se origina um homicídio culposo ou uma lesão corporal culposa na direção de veículo automotor (CTB, artigos 302 e 303, respectivamente). Violação do dever objetivo de cuidado: este dever tem por finalidade regular a vida em sociedade, com paz e harmonia no convívio social, exigindo conduta que seja consentânea com o ordenamento jurídico, para evitar a produção de danos a terceiros. Por isso, se o agente descumpre o seu dever objetivo de cuidado, e sua conduta culposa viola uma norma definidora de um crime culposo, torna-se típica e o sujeita à sanção penal decorrente de seu comportamento contrário ao direito. As modalidades de culpa são a imprudência, a negligência e a imperícia, que Führer e Führer (2005, p. 35) assim definem: 174 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 174 02/03/12 09:49 Instituições de Direito Público e Privado A negligência é a displicência, o relaxamento, a falta de atenção devida, como não observar a rua ao dirigir um carro. Imprudência é a conduta precipitada ou afoita, a criação desnecessária de um perigo, como dirigir um carro com excesso de velocidade. Imperícia é a falta de habilitação técnica para certas atividades, como não saber dirigir direito um carro (MAXIMILIANUS C. A. FÜHRER e outro, na obra citada, p. 34). Resultado naturalístico involuntário: há necessidade da produção do resultado naturalístico, como a morte no crime de homicídio culposo na direção de veículo automotor (CTB, art. 302), mas este resultado não é desejado pelo agente, pelo que o crime culposo não admite tentativa. Nexo causal: embora o resultado não seja desejado pelo agente, a sua conduta perigosa tem relação de causa e efeito com o resultado, como ocorre, por exemplo, na lesão corporal culposa na direção de veículo automotor, provocada por motorista que dirigia em excesso de velocidade e atropela um pedestre. Tipicidade: é indispensável que o fato esteja definido na lei penal como crime. Exemplos: homicídio culposo (§ 3º do CP); lesão corporal culposa (§ 6º do art. 129 do CP); e peculato culposo (§ 2º do art. 312 do CP). Se o fato não estiver definido como crime culposo na norma penal, será penalmente irrelevante. Por exemplo, não existe a figura do furto culposo, por falta de previsão legal expressa, pois, de acordo com o parágrafo único do art. 18 do CP, a regra é que somente podem ser punidos os crimes dolosos, só sendo puníveis as condutas culposas em caráter excepcional, isto é, nos casos expressamente previstos em lei. Previsibilidade objetiva: é a possibilidade de o homem comum antever o resultado produzido nas circunstâncias em que o agente realizou a conduta. Hungria (1955, p. 185) elucida o conceito de previsibilidade objetiva lecionando que Unidade 5 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 175 175 02/03/12 09:49 Universidade do Sul de Santa Catarina Existe previsibilidade quando o agente, nas circunstâncias em que se encontrou, podia, segundo a experiência geral, ter-se representado, como possíveis, as conseqüências do seu ato. Previsível é o fato cuja possível superveniência não escapa à perspicácia comum. Por outras palavras: é previsível o fato, sob o prisma penal, quando a previsão do seu advento, no caso concreto, podia ser exigida do homem normal, do homo medius, do tipo comum de sensibilidade ético-social. Ausência de previsão: para que a conduta seja aceita como culposa, é essencial que o agente não tenha previsto o resultado objetivamente previsível. Culpabilidade Conceito de culpabilidade: é o juízo de censura ou reprovação que incide em relação à conduta proibida realizada pelo autor do crime (fato típico e antijurídico) e que tem como fim a aplicação da sanção penal adequada para o caso. Deste modo, a culpabilidade é pressuposto ou circunstância anterior indispensável para a imposição de pena ao autor de um delito. Isto significa que, para existência do crime, basta o fato típico e antijurídico, mas, para a aplicação da pena, como consequência do crime, é condição essencial à avaliação da culpabilidade do agente, de sua capacidade para responder, ou não, pelo fato. Elementos da culpabilidade: de acordo com o sistema adotado pelo Código Penal vigente, a culpabilidade apresenta três elementos, especificados no quadro abaixo. Imputabilidade Elementos da culpabilidade Potencial consciência da ilicitude Exigibilidade de conduta diversa Figura 5.6: Elementos da culpabilidade. Fonte: Elaborado pelo autor (a partir de diversas referências), 2009. 176 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 176 02/03/12 09:49 Instituições de Direito Público e Privado Sucintamente, eis uma ideia acerca de cada um desses elementos: Imputabilidade: corresponde à capacidade psíquica de o agente entender o caráter ilícito de sua conduta e de determinar-se conforme esse entendimento, relacionando-se com sua maturidade e com seu grau de sanidade psíquica ou mental. Logo, para ser considerado imputável o agente, no momento da conduta, este deve saber que seu comportamento é contrário ao direito e ter consciência que não deveria praticar a conduta proibida. Exceções: são inimputáveis os menores de 18 anos (por expressa previsão legal) e os doentes mentais com incapacidade absoluta. Consciência potencial da ilicitude: significa que, no momento do fato, o autor tem condições de saber que estava praticando uma conduta contrária ao direito, ou seja, um ato antijurídico. Isto não implica a obrigatoriedade de o agente saber qual o dispositivo legal que está violando, mas a consciência da antijuridicidade, ou seja, que sua prática é vedada por lei. Exigibilidade de conduta diversa: é relevante analisar se, nas circunstâncias, seria exigível que o acusado agisse de forma diversa. Não haverá pena se, nas circunstâncias, foi impossível para o acusado agir de outra forma. Exemplo disso ocorre na coação irresistível prevista no art. 22 do CP, como no seguinte exemplo, citado por Bastos Júnior (2006, p. 103): Investigando vultoso furto em depósito de importante loja de departamentos, a polícia averiguou que a ação dos ladrões havia sido facilitada pelo encarregado da segurança. É que a filha dele havia sido seqüestrada pelos ladrões, que ameaçaram matá-la se o pai não cooperasse com eles. É óbvio que, em tais circunstâncias, não se poderia exigir que o pai agisse de forma diversa, pois havia promessa da prática de mal grave contra a filha do segurança da loja. Excludentes de culpabilidade ou dirimentes: são causas que excluem a pena, sem excluir o crime. Elas excluem a culpabilidade e diferem das excludentes da antijuridicidade, que excluem a ilicitude e, como decorrência, o fato não é crime. Unidade 5 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 177 177 02/03/12 09:49 Universidade do Sul de Santa Catarina No Código Penal, as dirimentes revelam-se, geralmente, pelas expressões: é isento de pena, não é punível, etc. As dirimentes podem excluir a pena (culpabilidade) por três fundamentos: pela inimputabilidade, pela ausência de conhecimento do ilícito e pela inexigibilidade de conduta diversa. Além da menoridade penal, no quadro abaixo, resumidamente, constam hipóteses de dirimentes ou excludentes da culpabilidade em face de seus três elementos, já citados no quadro anterior: Imputabilidade Doença mental Desenvolvimento mental retardado Desenvolvimento mental incompleto Embriaguez acidental completa Excludentes dos elementos da culpabilidade Potencial consciência da ilicitude Exigibilidade de conduta diversa Erro potencial de proibição inevitável (ou escusável) Coação moral irresistível Obediência hierárquica à ordem não manifestamente ilegal Figura 5.7: Excludentes dos elementos de culpabilidade. Fonte: Masson (2009, p. 425). Excludentes da imputabilidade Doença mental: essa expressão abrange problemas patológicos, em sentido amplo, inclusive aqueles vinculados às doenças originadas em decorrência da toxicologia, incluídas alterações mentais ou psíquicas que retiram a capacidade do ser humano para entender o caráter ilícito de sua conduta e de determinar-se de acordo com esse entendimento. Desenvolvimento mental incompleto: Menoridade penal (art. 228 da CF, art. 27 do CP e art. 104 do ECA) e silvícolas não integrados à vida em sociedade, por desconhecer as regras sociais. 178 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 178 02/03/12 09:49 Instituições de Direito Público e Privado Desenvolvimento mental retardado: é o caso de pessoas cujo desenvolvimento mental está defasado em relação a outras pessoas de sua idade biológica, pelo que, sua doença mental a torna incompatível de conviver adequadamente no meio social, porque é relativamente ou inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Embriaguez: constitui a intoxicação intensa produzida no ser humano, provocada pelo álcool ou por substância de efeito análogo, que pode retirar parcial ou totalmente a capacidade do agente. A imputabilidade penal será excluída somente quando decorrer de caso fortuito ou de força maior e for absoluta, isto é, quando se trata de embriaguez plena ou completa, que elimina inteiramente a capacidade do agente para entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Excludentes de potencial consciência de ilicitude Nesta hipótese, a excludente é o erro de proibição escusável, invencível ou inevitável. Erro de proibição: é a errada compreensão da lei, o que leva o agente a supor que a conduta proibida seja lícita. Erro de proibição escusável, invencível ou inevitável: o agente, em face de sua condição pessoal, mesmo que se esforçasse ou empregasse diligência ordinária, não tem capacidade para compreender que a sua conduta é ilícita. Este erro exclui a culpabilidade (caput do art. 21 do CP). Exemplo: um credor, pessoa humilde e com nenhum conhecimento de leis, ao ser avisado de que seu devedor está se mudando para outra cidade, ingressa clandestinamente na residência do devedor e subtrai móveis no valor da dívida, acreditando que sua conduta seja lícita, fazendo justiça com as próprias mãos (art. 345 do CP). Unidade 5 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 179 179 02/03/12 09:49 Universidade do Sul de Santa Catarina Erro de proibição inescusável, vencível ou evitável: o agente, em face de sua condição pessoal, com esforço ou emprego de diligência ordinária, teria capacidade para compreender que a sua conduta é ilícita. Este erro não exclui a culpabilidade, mas a pena deve ser reduzida de um sexto a um terço (§ 1º do art. 21 do CP). No quadro abaixo, Masson (2009, p. 461) traz a diferença entre erro de tipo e erro de proibição. Causa Efeitos Erro de tipo Erro de proibição O agente desconhece a situação fática, o que lhe impede o conhecimento de um ou mais elementos do tipo penal. Não sabe o que faz. O agente conhece a realidade fática, mas não compreende o caráter ilícito da sua conduta. Sabe o que faz, mas não sabe que viola a lei penal. Escusável: exclui o dolo e a culpa; e Escusável: exclui a culpabilidade; e Inescusável: exclui o dolo, mas Inescusável: não afasta a permite a punição por crime culposo, se previsto em lei. Escusável: “Tício”, que está acampando Exemplos numa floresta, sente o perigo atrás de uma árvore; pensando que se trata de um urso, atira e mata. Só então percebe que é “Mélvio”, disfarçado de urso. (Barros, 2006, p. 115). Inescusável: “Tício” está acampando numa floresta. De repente, atira em direção a um barulho, pensando que é um animal. Na verdade, é “Mélvio”, que estava se aproximando de acampamento. (Barros, 2006, p. 116). culpabilidade, mas permite a diminuição da pena, de 1/6 a 1/3. Escusável: Constitui erro escusável a comercialização de rifa sem conotação de prática profissional reiterada e perniciosa (TAMG, RJTAMG 52/386). (Delmanto, 2007, p. 88). Inescusável: “o agente agride a mulher quando esta confessa estar lhe traindo, na suposição de que existiria legítima defesa da “honra conjugal”. (Delmanto, 2007, p. 87). Quadro 5.3: Diferença entre erro de tipo e erro de proibição. Fonte: Masson (2009, p. 461). Excludentes de exigibilidade de conduta diversa Há duas causas excludentes da exigibilidade de conduta diversa: 180 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 180 02/03/12 09:49 Instituições de Direito Público e Privado a) coação moral irresistível; e b)obediência hierárquica. Na sequência serão apresentados os conceitos, requisitos e efeitos de ambas. Segundo Jesus (2005, p. 493), “Coação é o emprego da força física ou da grave ameaça contra alguém, no sentido de que faça alguma coisa, ou não”, subdividindo-se em coação física e coação moral, que o mesmo autor assim define: Coação física é o emprego de força bruta tendente a que a vítima (coato) faça alguma coisa, ou não. Ex.: o sujeito, mediante força bruta, impede que o guarda ferroviário combine os binários e impeça uma colisão de trens. Coação moral é o emprego de grave ameaça contra alguém, no sentido de que realize um ato, ou não. Ex.: o sujeito constrange a vítima, sob ameaça de morte, a assinar um documento falso. Coação moral irresistível: é a única que exclui a culpabilidade. Conforme Masson (2009, p. 466), na coação moral, o coagido realiza a conduta criminosa por medo, meio usado pelo coator para atingir o resultado ilícito desejado. Assim, a intimidação vicia a vontade do coagido, retirando a exigência legal de agir de maneira diferente, o que exclui a culpabilidade, em face da inexigibilidade de conduta diversa. Na coação física irresistível, a vontade do coagido é suprimida totalmente, atuando ele como mero instrumento do crime a serviço do coator, o que exclui a conduta e, como consequência, o próprio fato típico praticado pelo coagido. Além disso, a coação pode ser resistível ou irresistível. Esta depende de certos requisitos e possui efeitos diversos daquela. Masson (2009, p. 486 e 487) resume os requisitos da coação moral irresistível conforme quadro a seguir. Unidade 5 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 181 181 02/03/12 09:49 Universidade do Sul de Santa Catarina Ameaça do coator, ou seja, promessa de um mal grave e iminente, o qual o coagido não é obrigado a suportar; Inevitabilidade do perigo na posição em que se encontra o coagido; Requisitos Caráter irresistível da ameaça; Presença de ao menos três pessoas envolvidas. Figura 5.8: Requisitos da coação moral irresistível. Fonte: Masson (2009, p. 486-487). Eis exemplo extraído de Bastos Júnior (2006, p. 103), que esclarece o instituto da coação moral irresistível e justifica a ausência de culpabilidade, por inexigibilidade de conduta diversa, em face da ameaça direta e iminente a sua vida: “O gerente de uma casa de câmbio abre o cofre do estabelecimento sob ameaça do revólver do assaltante, possibilitando o acesso a elevada importância em dólares, ali depositada”. Quanto aos efeitos da coação, Masson (2009, p. 468) os resume segundo o quadro abaixo. Coação Física O fato é atípico em virtude da ausência de vontade, e o coagido não responde por crime algum. Moral irresistível Exclui a culpabilidade, pois o coagido age com vontade, embora esta seja viciada. Não há concurso de pessoas. Moral resistível Não exclui a culpabilidade, mas o coagido tem direito a uma atenuante genérica. Há concurso de pessoas. Figura 5.9: Requisitos da coação moral irresistível. Fonte: Masson (2009, p. 468). Obediência hierárquica: é causa excludente da culpabilidade baseada na inexigibilidade de conduta diversa, decorrente da conduta de funcionário público subalterno que comete um fato típico em cumprimento de ordem emitida por superior hierárquico, a qual não é manifestamente ilegal. 182 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 182 02/03/12 09:49 Instituições de Direito Público e Privado Masson (2009, p. 486 e 487) resume os requisitos da obediência hierárquica de acordo com o quadro abaixo. Ordem não manifestamente ilegal: ao menos aparentemente a ordem deve fazer o funcionário acreditar em sua licitude. Ordem originária de autoridade competente. Requisitos Relação de direito público. Presença de três pessoas: o mandante da ordem (superior hierárquico), seu executor (subalterno) e a vítima do crime por este praticado. Cumprimento estrito da ordem. Figura 5.10: Requisitos da obediência hierárquica. Fonte: Masson (2009, p. 486-487). Em síntese, a partir da lição de Masson (2009, p. 471), os efeitos da obediência hierárquica podem ser resumidos como estabelecido no quadro a seguir. Se o subalterno sabe que a ordem é ilegal Ordem ilegal > Se o subalterno sabe que a ordem é ilegal > Se a ordem não é manifestamente ilegal e o subalterno desconhecia o vício > Se a ordem não é manifestamente ilegal e o subalterno entende legal .................................................. > Exclusão da ilicitude em razão do estrito cumprimento do dever legal Se a ordem não é manifestamente ilegal e o subalterno desconhecia o vício Se a ordem não é manifestamente ilegal e o subalterno entende legal Obediência hierárquica Ordem legal Figura 5.11: Efeitos da obediência hierárquica. Fonte: Masson (2009, p. 471). Unidade 5 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 183 183 02/03/12 09:49 Universidade do Sul de Santa Catarina Antijuricidade Antijuridicidade ou ilicitude é a relação de contrariedade entre a conduta de alguém e o ordenamento jurídico, configurando um fato típico, que suscita uma lesão a um bem jurídico penalmente protegido ou a exposição deste bem a perigo de lesão. No âmbito do Direito Penal, para que um fato seja ilícito, preliminarmente, deve-se efetuar a análise da tipicidade, porque, se não houver a definição desse fato como delito, por óbvio, ele também não será antijurídico ou ilícito. No Direito Penal, há causas que excluem a ilicitude ou antijuridicidade. Previstas na parte geral e na parte especial do Código Penal, recebem denominações diversas, sendo as mais comuns excludentes de ilicitude e excludentes de antijuricidade. Sua previsão na parte geral e na parte especial do CP suscitou sua divisão em causas genéricas ou gerais e causas específicas ou especiais. Como causas específicas ou especiais de exclusão de ilicitude, podem ser citadas as relativas aos crimes de aborto (art. 128 do CP), de injúria e difamação (art. 142 do CP), de constrangimento ilegal (inciso I do § 3º do art. 146 do CP), de violação de domicílio (incisos I e II do § 3º do art. 150 do CP) e de furto de coisa comum (§ 2º do art. 156 do CP). As causas genéricas ou gerais de exclusão de ilicitude (art. 23 do CP) estão sintetizadas no quadro abaixo. Estado de necessidade Causas genéricas ou gerais de exclusão da ilicitude Legítima defesa Estrito cumprimento do dever legal Exercício regular de direito Figura 5.12: Causas genéricas ou gerais de exclusão de ilicitude. Fonte: Elaborado pelo autor com base no art. 23 do CP, 2009. 184 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 184 02/03/12 09:49 Instituições de Direito Público e Privado Estado de necessidade: Segundo Delmanto (2007, p. 95), estado de necessidade “é a situação de perigo atual, não provocado voluntariamente pelo agente, em que este lesa bem de outrem para não sacrificar direito seu ou alheio, cujo sacrifício não podia ser razoavelmente exigido”. Exemplos: a) a invasão de domicílio alheio para salvar as pessoas que lá se encontram em perigo, em ocasião de incêndio ou desastre; e b) o náufrago que, para se salvar, se apodera do único colete salva-vidas, o que provoca a morte de outros companheiros que se afogam no mar. Os requisitos do estado de necessidade são cumulativos e estão elencados no caput e § 1º do art. 24 do CP. Para Masson (2009, p. 364-370), a verificação se dá em dois momentos distintos, conforme se vê quadro abaixo e na análise subsequente. Perigo atual Perigo não provocado voluntariamente pelo agente Requisitos do estado de necessidade Situação de necessidade + Fato necessitado Ameaça a direito próprio ou alheio; e Ausência do dever legal de enfrentar o perigo Inevitabilidade do perigo por outro modo; e Proporcionalidade Figura 5.13: Causas genéricas ou gerais de exclusão de ilicitude. Fonte: Masson (2009, p. 364-370). Perigo atual: é aquele que está acontecendo e expõe o bem jurídico a uma situação de dano provável. A doutrina e a jurisprudência admitem, porém, o perigo iminente, que é aquele que está prestes a ocorrer. O perigo deve ser real ou efetivo, mediante comprovação de sua ocorrência no caso concreto. Unidade 5 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 185 185 02/03/12 09:49 Universidade do Sul de Santa Catarina Este perigo pode decorrer de fato natural (inundação, terremoto, etc.), de animais irracionais (ataque de cão bravio) ou de atividade humana (direção de veículo em excesso de velocidade pelo motorista que atropelou um transeunte, no momento em que está prestando socorro à vítima em situação de emergência). Perigo não provocado voluntariamente pelo agente: se o agente agiu com dolo, não pode invocar o estado de necessidade, pois causou a situação de perigo voluntariamente, o que indica dolo. Logo, no caso de agir com culpa (negligência, imprudência ou imperícia), o agente poderá invocar o estado de necessidade, como no exemplo do motorista que está socorrendo uma vítima em situação de emergência. Ameaça a direito próprio ou alheio: significa que o agente pode agir para evitar lesão a bem jurídico seu (estado de necessidade próprio) ou de terceiro (estado de necessidade de terceiro), não sendo necessário qualquer tipo de relação entre eles. Todavia o bem deve ser legítimo, isto é, ser reconhecido pelo ordenamento jurídico. Deste modo, o preso não pode matar o carcereiro, alegando seu direito a liberdade, pois o preso conserva apenas os direitos não atingidos pela perda da liberdade (art. 38 do CP). Ausência do dever legal de enfrentar o perigo: não pode invocar o estado de necessidade para a proteção de seu bem jurídico o agente que tenha o dever legal de enfrentar a situação de perigo. Por exemplo, o bombeiro que se recusa a enfrentar o fogo para salvar vítimas de um incêndio, ou o policial que se recusa a perseguir malfeitores, sob pretexto de que pode ser alvejado por arma de fogo (§ 2º do art. 13 do CP, combinado com o § 1º do art. 24 do Código Penal). Inevitabilidade do perigo por outro modo: a conduta em estado de necessidade deve ser absolutamente essencial para afastar o perigo. Se, por outro modo, o agente puder evitar o perigo, sem prejuízo a bem alheio, deve optar por esta solução. 186 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 186 02/03/12 09:49 Instituições de Direito Público e Privado Como no caso de ataque por animal bravio, em que é fácil ao agente pular uma cerca para se livrar do perigo, sem matar o animal, pois não estará autorizado a matar o animal. Proporcionalidade: deve ser feita uma ponderação de bens e valores para aferir a incidência do estado de necessidade, estabelecendo uma proporção entre o interesse ameaçado e o interesse sacrificado. Além disso, o dano ocasionado ao bem sacrificado deve ser o menor possível, pois também constitui interesse legítimo do terceiro. Como exemplo de ponderação lógica, a vida humana possui maior valor do que o patrimônio. Legítima Defesa Legítima defesa é a reação visando a repelir injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem, mediante uso moderado dos meios necessários (art. 25 do CP). Segundo Masson (2009, p. 379-383), os requisitos cumulativos da legítima defesa constam do art. 25 do CP e se subdividem em dois blocos distintos, conforme se vê no quadro abaixo e na análise subsequente. Requisitos da legítima defesa Agressão + Reação Injusta; Atual ou iminente; e Contra direito próprio ou alheio. Emprego dos meios necessários; e Uso moderado de tais meios. Figura 5.14: Requisitos da legítima defesa. Fonte: Masson (2009, p. 379-383). Unidade 5 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 187 187 02/03/12 09:49 Universidade do Sul de Santa Catarina Agressão injusta: neste contexto, agressão significa ação ou omissão humana que causa lesão ou expõe a perigo de lesão o bem ou interesse protegido pelo ordenamento jurídico. Para que a legítima defesa seja viável, deve haver agressão injusta, ou seja, de natureza ilícita, contrária ao direito, com violação à lei, sem justa causa. Ressalta-se, ainda, que a reação à agressão oriunda de pessoa inimputável não impede o reconhecimento da legítima defesa e que a agressão por animais não enseja legítima defesa, mas pode suscitar situação de estado de necessidade. Agressão atual ou iminente: agressão atual é aquela que está ocorrendo, isto é, que já se iniciou e está em andamento, ameaçando o bem jurídico. Como exemplo, quando a vítima é atacada com golpes de faca. Agressão iminente é aquela que está prestes a ocorrer. Como exemplo, o agressor anuncia à vítima que pretende matá-la e avança em sua direção com uma faca na mão. Agressão a direito próprio ou alheio: a ameaça pode ser dirigida contra bem jurídico do agente ou de terceiro, autorizando o agente a repelir injusta agressão a direito seu (legítima defesa própria) ou de outrem (legítima defesa de terceiro), não sendo necessária qualquer relação entre eles. Reação com os meios necessários: o agente somente se encontra em legítima defesa quando usa os meios necessários a repelir a agressão, isto é, aqueles meios disponíveis para garantir a sua defesa, sem, contudo, abusar do seu direito, escolhendo, sempre que possível, o uso do meio menos lesivo. Diversamente do estado de necessidade, no qual o agente deve fugir do perigo, na legítima defesa a possibilidade de fuga não obriga o agente a fugir para escapar do ataque injusto, pois o direito não pode se curvar a uma situação ilícita, forçando a vítima da agressão injusta a agir covardemente, quando pode se defender. Uso moderado dos meios necessários: o agente está autorizado a agir sem abuso ou excesso, ou seja, deve usar, tão-somente, os meios necessários com moderação e até quando sua reação 188 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 188 02/03/12 09:49 Instituições de Direito Público e Privado tenha êxito para cessar a agressão injusta. A proporcionalidade da reação também implica o uso de meios necessários, pois não se justifica matar uma pessoa pelo simples fato de ter sido verbalmente ofendido por ela. Estrito cumprimento do dever legal Estrito cumprimento do dever legal: previsto no inciso III do art. 23 do CP, ocorre quando o agente comete um fato típico em razão de estar cumprindo um dever imposto por lei, de caráter penal, ou não. Neste caso, há uma conduta típica, mas esta não é ilícita. Como exemplo, cita-se a conduta do policial que viola domicílio onde está ocorrendo um delito (inciso XI do art. 5º da CF e inciso II do § 3º do art. 150 do CP), ou emprega a força indispensável no caso de resistência ou tentativa de fuga do preso (art. 284 do CPP). A excludente incide quando há dever imposto por lei, em sentido genérico, que abrange regulamento, decreto ou qualquer ato emanado do Poder Público, que tenha caráter geral. Estão excluídas da proteção legal as obrigações morais, sociais, religiosas, etc. Como exemplo, um padre não está autorizado a invadir domicílio para espantar maus espíritos. Há possibilidade de reconhecimento do estrito cumprimento do dever legal àqueles que ajudam o funcionário público a cumprir seu dever de ofício, como ocorre com o particular que auxilia um policial a arrombar a porta de uma casa para cumprir mandado de busca e apreensão. Neste caso, tanto o policial quanto o particular estarão acobertados por esta excludente. Unidade 5 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 189 189 02/03/12 09:49 Universidade do Sul de Santa Catarina Exercício regular de direito Exercício regular de direito: previsto no inciso IV do art. 23 do CP, ocorre quando o agente comete um fato típico em razão de estar praticando uma conduta que a lei autoriza, ou, como adverte Bastos Júnior (2006, p. 125-126), “não seria lógico que a prática de ato permitido pela lei constituísse ilícito penal”, citando como exemplos do exercício regular de direito, dentre outros, a prisão em flagrante por particular (art. 301 do CPP), o desforço imediato no esbulho possessório (§ 1° do art. 1.210 do CC), o penhor legal (art. 1.470 do CC). Outras hipóteses de exercício regular de direito são a correção dos filhos pelos pais, o exercício da profissão como dentista (arrancar dentes) ou médico (efetuar cirurgia com o consentimento do ofendido) e a violência desportiva (lutas como o boxe e o vale-tudo). Excesso punível nas causas excludentes de ilicitude: o parágrafo único do art. 23 do CP prevê a punição pelo excesso doloso ou culposo. Há excesso quando o agente extrapola os limites traçados pela lei, como no caso do agente que, depois de repelida a injusta agressão por legítima defesa, continua a ofender o bem jurídico do terceiro. Ou ainda, no caso de estado de necessidade, em que o agente continua atuando, mesmo depois de afastar o perigo atual, causando lesão desnecessária a bem jurídico de terceiro. Concurso de pessoas A prática de um crime não exige que a ação ou omissão seja praticada por mais do que uma pessoa. Aliás, é mais comum a conduta delituosa provir de uma só pessoa. Todavia o delito pode ser cometido por duas ou mais pessoas, desde que todas concorram para a consumação do resultado. Concurso de pessoas equivale à cooperação de duas ou mais pessoas para a execução de uma infração penal (crime ou contravenção penal). O concurso de pessoas pode ser necessário ou eventual, pois há delitos que exigem a concorrência de pessoas para a sua caracterização. Em consequência, Jesus (2005, p. 405) classifica os crimes em duas categorias: 190 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 190 02/03/12 09:49 Instituições de Direito Público e Privado monossubjetivos, que podem ser cometidos por um só sujeito (exemplo: crime de homicídio — art. 121 do CP), em que o concurso de pessoas é eventual; e plurissubjetivos, que exigem pluralidade de agentes para a sua prática (exemplo: crime de rixa — art. 137 do CP), nos quais o concurso de pessoas é necessário. Crimes de concurso necessário (ou crimes plurissubjetivos ou plurilaterais): há crimes em que a pluralidade de agentes (coautores ou partícipes) é essencial para a própria caracterização da figura típica, isto é, sem a presença de mais de um agente o crime não existe, como no caso do crime de quadrilha ou bando (art. 288 do CP). Crimes de concurso eventual (ou crimes eventualmente plurissubjetivos): na maioria dos crimes, a pluralidade de agentes é prescindível, isto é, o crime pode ser cometido por apenas um agente, mas, excepcionalmente, nada impede que mais de uma pessoa concorra para a sua realização, como no caso do crime de furto qualificado pelo concurso de pessoas (inciso IV do § 4º do art. 155 do CP). Culpabilidade dos agentes no concurso de pessoa: não é indispensável que todos os agentes sejam culpáveis, isto é, dotados de culpabilidade. Como exemplos: a) Nos crimes plurissubjetivos ou plurilaterais ou de concurso necessário, como rixa (art. 137 do CP), entre os rixosos pode haver um ou mais agentes inimputáveis, assim como, no crime de quadrilha ou bando (art. 288 do CP), entre os quadrilheiros pode haver um ou mais agentes inimputáveis, como ocorre no envolvimento habitual de menores com o tráfico de drogas. b) Nos crimes de concurso eventual ou crimes eventualmente plurissubjetivos, como os crimes de furto qualificado pelo concurso de pessoas (inciso IV do § 4º do art. 155 do CP) e de roubo qualificado pelo concurso de pessoas (inciso II do § 2º do art. 157 do CP), os quais se configuram ainda que um ou mais dos agentes sejam inimputáveis. Unidade 5 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 191 191 02/03/12 09:49 Universidade do Sul de Santa Catarina Requisitos do concurso de pessoas: ver quadro abaixo. pluralidade de agentes e de condutas; relevância causal das condutas para a produção do resultado; Requisitos do concurso de pessoas vínculo subjetivo; unidade de infração penal para todos os agentes; existência de fato punível. Figura 5.15: Requisitos do concurso de pessoas. Fonte: Adaptado de Masson (2009, p. 474). Pluralidade de agentes e de condutas: segundo Masson (2009, p. 474-475), pluralidade de agentes e de condutas implica a obrigatoriedade da cooperação de pelo menos duas pessoas e, em consequência, de no mínimo duas condutas penalmente relevantes para a prática do delito. Essas condutas podem ser principais (coautoria) ou, então, pode uma ser principal (autor) e outra acessória (participação). Relevância causal das condutas para a produção do resultado: para que haja relação de causa e efeito, é imprescindível que a conduta dos agentes seja relevante para a consumação do resultado ou para a prática do fato, vale dizer, para a relevância causal é necessário que a contribuição seja anterior ou simultânea à consumação do delito, pois, se for posterior à consumação, pode configurar outro delito. Masson (2009, p. 476) cita exemplo esclarecedor, nestas palavras: Em tema de concurso de pessoas, a contribuição pode até ser concretizada após a consumação, desde que tenha sido ajustada anteriormente. Exemplo: “A” se compromete, perante “B”, a auxiliá-lo a fugir e a escondê-lo depois de matar “C”. Será partícipe do homicídio. Contudo, se, somente depois da morte de “C”, se dispuser a ajudá-lo a subtrair-se da ação da autoridade pública, não será partícipe do homicídio, mas autor do crime de favorecimento pessoal (CP, art. 348). 192 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 192 02/03/12 09:49 Instituições de Direito Público e Privado Vínculo subjetivo: também denominado como concurso de vontades, este requisito pressupõe a colaboração para a produção do mesmo resultado. Não é indispensável que o ajuste entre as pessoas que concorrem para o mesmo crime seja anterior, bastando que a cooperação seja consciente e voluntária, de forma que o coautor ou partícipe adere à vontade de outrem para a prática do delito, como se vê no exemplo abaixo, citado por Masson (2009, p. 477): Imagine o seguinte exemplo: “A” fala pelo telefone celular a um amigo que, na saída do trabalho, irá matar “B” com golpes de faca. “C”, desafeto de “B”, escuta a conversa. No final do expediente, “B” percebe que será atacado por “A” e, mais rápido, consegue fugir. “A”, todavia, o persegue, e consegue alcançá-lo, provocando sua morte, graças à ajuda de “C”, que derrubou “B” dolosamente, circunstância ignorada por “A”. Nesse caso, “C” será partícipe do crime de homicídio praticado por “A”. Unidade de infração penal para todos os agentes: este princípio estabelece a regra de que todos os agentes (coautores ou partícipes) respondem pelo mesmo crime. Como exemplo, Bastos Júnior (2006, p. 146) cita a hipótese em que vários indivíduos, os quais integram a “gangue do karatê”, agridem uma vítima, espancando-a até a morte. Neste caso, todos os integrantes da gangue, como coautores, responderão pelo crime de homicídio. Existência de fato punível: este princípio exige que, no mínimo, tenha ocorrido o início da execução, sem o que o fato não será punível, considerando que o art. 31 do CP é taxativo, prevendo que “O ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado”. Como exceção, o mero ajuste, determinação ou instigação e auxílio só são puníveis como delitos autônomos, como, por exemplo, no crime de quadrilha ou bando (art. 288 do CP). Unidade 5 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 193 193 02/03/12 09:49 Universidade do Sul de Santa Catarina Formas de concurso de pessoas: há duas formas do concurso de pessoas. São elas: 1. a coautoria; e 2.a participação. Autoria: é a realização da conduta principal definida no tipo penal. Autor: é quem executa a conduta típica definida no tipo penal. Exemplo: agente esfaqueia a vítima até matá-la. A figura típica diz “matar alguém”, neste caso, o agente efetivamente matou, realizando todas as elementares descritas no modelo incriminador. Coautoria: é a realização da conduta principal definida no tipo penal por mais do que uma pessoa. Há mais do que um executor do crime. Coautor: é aquele que colabora, juntamente com outras pessoas, para a prática da conduta principal descrita no tipo penal. Exemplo: caso da “gangue do karatê” acima citado. Participação: equivale à conduta do agente que, sem realizar a conduta principal descrita no tipo, concorre para a sua realização. Sua conduta consiste na realização de atos diversos daqueles praticados pelo autor, não executando a conduta descrita pelo preceito do tipo penal. Partícipe: é aquele que concorre de qualquer modo para a realização do crime, praticando atos diversos dos do autor. Exemplo: agente segura a vítima, enquanto o autor principal desfere os golpes de faca. Como não realizou a conduta principal, ou seja, não matou, inexiste correspondência direta entre ela e o tipo do art. 121. No entanto responderá pelo art. 121, pois contribuiu de qualquer modo para a sua realização. 194 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 194 02/03/12 09:49 Instituições de Direito Público e Privado O quadro abaixo representa as formas de participação. Induzimento: o agente incute ou faz nascer na mente do autor principal o intento criminoso. Moral Instigação: o agente reforça, estimula ou incita a ideia criminosa já existente na mente do autor principal. Formas de participação Auxílio ou cumplicidade: o agente auxilia Material materialmente na execução do crime (exemplos: vigiar a rua enquanto o autor furta os bens do veículo ou emprestar arma ao autor principal para a prática do delito). Figura 5.16: Formas de participação. Fonte: Elaborado pelo autor, 2009. DIFERENÇAS ENTRE COAUTORIA E PARTICIPAÇÃO COAUTORIA PARTICIPAÇÃO O coautor é igual a um autor. Exerce função secundária, dependente do autor ou coautor. Exerce papel determinante na prática do crime. Realiza ação diversa da descrita no tipo penal, embora concorra para algum resultado. Todos atuam de forma cooperada, há um acordo em comum entre os coautores. Como decorrência, na coautoria não existe colaboração unilateral. Há colaboração unilateral, isto é, pode ser exercida sem que o autor principal consinta ou saiba do auxílio prestado, como no caso da empregada que deixa aberta de propósito a porta da casa do patrão, para facilitar a ação do ladrão, que sabe estar rondando a casa. Quadro 5.4: Diferenças entre coautoria e participação. Fonte: Elaborado pelo autor, 2009. Unidade 5 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 195 195 02/03/12 09:49 Universidade do Sul de Santa Catarina Formas de autoria A autoria do delito pode ocorrer por uma única pessoa, ou com a colaboração de outra pessoa, a qual, às vezes, nem sabe que está cometendo um delito, ou que o está cometendo juntamente com outra pessoa. A doutrina apresenta, em regra, três formas de autoria: 1. Autoria mediata: ocorre quando o autor (mediato) realiza a conduta típica por meio de outra pessoa (autor imediato). Neste caso, o responsável pelo crime será o autor mediato, enquanto o autor imediato age sem culpabilidade ou sem dolo ou culpa. 2.Autoria colateral: segundo Jesus (2005, p. 423), há autoria colateral quando os agentes realizam atos que se destinam à produção do mesmo evento (crime), sem que um tenha ciência da conduta do outro, isto é, não existe vínculo subjetivo entre eles. Como exemplo, se “A” e “B” ficam de tocaia, com o objetivo de matar “C” com tiros de revólver, mas nenhum dos dois conhece a intenção do outro. Se ambos atiram na vítima “C” e esta vem a falecer unicamente em razão dos ferimentos provocados pela arma de “A”, este responderá por homicídio doloso consumado, ao passo que “B” responderá por tentativa de homicídio, considerando que o art. 29 do CP dispõe que “Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”. 3. Autoria incerta: segundo Jesus (2005, p. 433), “Dá-se autoria incerta quando, na autoria colateral, não se apura a quem atribuir a produção do evento”. Com base no mesmo exemplo anterior, ou seja, se “A” e “B” ficam de tocaia, com o objetivo de matar “C” com tiros de revólver, mas nenhum dos dois conhece a intenção do outro. Se ambos atiram na vítima “C” e esta vem a falecer, mas não foi possível apurar se a morte decorreu dos ferimentos provocados pela arma de “A”, ou da arma de “B”, ambos responderão por tentativa de homicídio, em respeito ao princípio in dubio pro reo (na dúvida em favor do réu). 196 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 196 02/03/12 09:49 Instituições de Direito Público e Privado Há que se atentar, todavia, para duas hipóteses distintas de incerteza: 1. quando há ajuste ou cooperação consciente entre os participantes; e 2.quando não há ajuste. Dependendo da hipótese, a solução será distinta. Solução na primeira hipótese: se há ajuste ou cooperação consciente entre os participantes, não há autoria incerta e todos são considerados autores ou partícipes, porque todos concorreram com suas vontades para o resultado, ainda que não se consiga averiguar se o disparo que causou a morte de “C” partiu da arma de “A” ou da arma de “B”. Solução na segunda hipótese: se não há ajuste, pois cada um agiu por sua conta, ocorre autoria colateral, situação em que não se sabe qual dos agentes causou o resultado, ou seja, da arma de qual autor partiu o tiro letal. Neste caso, se não for viável conhecer ao certo se o disparo que causou a morte de “C” partiu da arma de “A” ou da arma de “B”, na dúvida não se poderá condenar nenhum dos dois por homicídio consumado, respondendo ambos, contudo, por tentativa de homicídio. Circunstâncias incomunicáveis De acordo com o art. 30 do CP, “Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime”. Neste contexto, é oportuno relembrar os conceitos de elementares e circunstâncias, bem como analisar o conceito de condições de caráter pessoal. Elementares: são dados essenciais da conduta criminosa, que integram a descrição legal da figura típica. Por exemplo, no homicídio, as elementares são “matar” e “alguém”. Sem sua presença, o crime de homicídio não existe. Portanto matar um animal não configura o crime de homicídio. Unidade 5 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 197 197 02/03/12 09:49 Universidade do Sul de Santa Catarina Circunstâncias: são fatores associados ao tipo básico, que têm como função aumentar ou diminuir a pena, mas não são imprescindíveis para a configuração do delito. Exemplo: no homicídio, cujas elementares são “matar” e “alguém”, o motivo de relevante valor moral ou social (§ 1º do art. 121 do CP) ou o motivo fútil (inciso II do § 2º do art. 121 do CP) são circunstâncias do crime, pois sua ausência não impede a classificação do delito como homicídio. Condições de caráter pessoal: são qualidades inseparáveis do sujeito e que o seguem em qualquer situação, independentemente da prática de um crime. Como exemplo, a reincidência, a condição inerente à idade menor do que 21 anos, o grau de parentesco com a vítima, etc. Segundo o Código Penal, como regra, as circunstâncias e condições de caráter pessoal não se comunicam aos coautores ou partícipes. A comunicabilidade das circunstâncias e condições de caráter pessoal, como exceção, somente ocorre quando elementares do crime, isto é, quando integram a descrição da figura típica. Como exemplo, sem a condição pessoal de funcionário público do autor, não há crime de peculato (art. 312 do CP), ainda que possa subsistir o crime de apropriação indébita (art. 168 do CP), o qual pode ser cometido por particular. Dessa forma, excepcionalmente, se um particular conhece a condição pessoal de funcionário público do coautor do delito de peculato e a ele se associa para a apropriação de dinheiro que o funcionário público detém em razão do cargo, deverá responder, igualmente, pelo crime de peculato, pois aquela condição pessoal é elementar deste delito, conforme se verifica com a simples leitura da definição legal, nestes termos: 198 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 198 02/03/12 09:49 Instituições de Direito Público e Privado Art. 312. Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio. Portanto as circunstâncias e condições de caráter pessoal somente se comunicam quando há prévio conhecimento do coautor ou do partícipe e são elementares do crime. Sanções penais As sanções penais se subdividem de acordo com o quadro abaixo. Reclusão Privativas de liberdade Detenção Prisão simples (LCP) Prestação pecuniária Perda de bens e valores Penas Restritivas de direitos Prestação de serviços à comunidade Interdição temporária de direitos Limitação de final de semana Sanção penal Multa Medidas de segurança Detentiva Internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico Restritiva ou não detentiva Sujeição a tratamento ambulatorial Figura 5.17: Sanções penais. Fonte: Adaptado de Masson (2009, p. 525). Unidade 5 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 199 199 02/03/12 09:49 Universidade do Sul de Santa Catarina A pena restritiva de direitos de interdição temporária se subdivide da seguinte maneira: I — proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de mandato eletivo; Interdição temporária de direitos II — proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, de licença ou autorização do poder público; III — suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo; IV — proibição de frequentar determinados lugares. Quadro 5.5: Interdição temporária de direitos Espécies de regime para cumprimento das penas privativas de liberdade: Fechado (art. 34 do CP) Semiaberto (art. 35 do CP) Aberto (art. 36 do CP) Especial (art. 37 do CP) Regime disciplinar diferenciado (art. 52 da LEP) Progressão de regime de cumprimento da pena privativa de liberdade: é a passagem de um regime mais rigoroso para um menos severo. Regressão de regime de cumprimento da pena privativa de liberdade: é a passagem de um regime menos severo para um mais rigoroso. REQUISITOS PARA A PROGRESSÃO DE REGIME NOS CRIMES COMUNS Cumprimento de 1/6 da pena no regime anterior (art. Requisitos objetivos: 112 da LEP) Nos crimes contra a Administração Pública, é obrigatória a reparação do dano causado ou a devolução do produto do ilícito praticado, com os acréscimos legais (§ 4º do art. 33 do CP) Requisitos subjetivos Mérito = bom comportamento carcerário (art. 112 da LEP) Quadro 5.6: Requisitos para a progressão de regime nos crimes comuns 200 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 200 02/03/12 09:49 Instituições de Direito Público e Privado REQUISITOS PARA A PROGRESSÃO DE REGIME NOS CRIMES HEDIONDOS Cumprimento de 1/6 da pena no regime anterior Requisitos objetivos: Requisitos subjetivos (art. 112 da LEP): antes da entrada em vigor da Lei nº 11.464/2007. Cumprimento de 2/5 da pena no regime anterior, se primário; ou de 3/5 da pena, se reincidente (§ 2º do art. 2º da Lei nº 8.072/1990): depois da entrada em vigor da Lei nº 11.464/2007. Mérito = bom comportamento carcerário (art. 112 da LEP) Quadro 5.7: Requisitos para a progressão de regime nos crimes hediondos Substituição da pena privativa de liberdade: consiste na aplicação de pena de outra espécie em lugar de pena privativa de liberdade (reclusão ou detenção), dependendo de requisitos objetivos e subjetivos. É o que se chama aplicação de penas alternativas. O quadro abaixo contém os requisitos necessários para essa substituição. Crime doloso, quando Requisitos objetivos Natureza do crime cometido sem violência ou grave ameaça à pessoa; ou Crimes culposos Quantidade da pena aplicada Substituição da pena privativa de liberdade Crimes dolosos: pena privativa de liberdade aplicada não superior a 4 anos; Crimes culposos: qualquer que seja a pena aplicada Requisitos subjetivos Não ser reincidente específico em crime doloso e ser socialmente recomendável a aplicação da pena substitutiva. Princípio da suficiência = a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social, a personalidade, os motivos e as circunstâncias do crime indicarem que a substituição é suficiente. Figura 5.18: Substituição da pena privativa de liberdade. Fonte: Adaptado de Masson (2009, p. 703). Unidade 5 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 201 201 02/03/12 09:49 Universidade do Sul de Santa Catarina Suspensão da pena privativa de liberdade (SURSIS): significa que o réu, preenchidos os requisitos legais, tem direito a ter sua pena suspensa, submetendo-se a condições fixadas judicialmente, durante o período de prova fixado pelo juiz. Se cumpridas as condições impostas, sem ocorrer revogação da suspensão, passado este período, terá sua pena considerada extinta. Veja no quadro abaixo os requisitos para a suspensão condicional da pena. REQUISITOS PARA A SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA Objetivos Natureza da pena A pena deve ser privativa de liberdade. Quantidade da pena aplicada A pena privativa de liberdade concreta, efetivamente aplicada na sentença condenatória, não pode ser superior a dois anos. Que a pena privativa de liberdade não tenha sido substituída por outra espécie de pena. Réu não reincidente em crime doloso, salvo se a condenação anterior foi exclusivamente a pena de multa. Subjetivos A culpabilidade, os antecedentes, a conduta social, a personalidade do réu, os motivos e as circunstâncias do crime autorizem a suspensão. Figura 5.19: Requisitos para suspensão condicional da pena. Fonte: Adaptado de Masson (2009, p. 729). Livramento condicional da pena: significa que o réu, preenchidos os requisitos legais, tem direito a ser liberado, submetendo-se a condições fixadas judicialmente, durante o período de prova, que corresponde ao tempo restante da pena, e, cumpridas as condições impostas, sem ocorrer revogação do livramento condicional, passado este período, terá sua pena considerada extinta. 202 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 202 02/03/12 09:49 Instituições de Direito Público e Privado Veja no quadro abaixo os requisitos para o livramento condicional da pena. REQUISITOS PARA O LIVRAMENTO CONDICIONAL DA PENA Condenação a pena privativa de liberdade igual ou superior a 2 anos. Reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo. Objetivos Mais de um terço da pena, se o réu for primário e possuir bons antecedentes. Cumprimento de parte da pena Mais de metade da pena, se o réu for reincidente em crime doloso. Mais de dois terços da pena, se o réu for condenado por crimes hediondos, ou equiparados, desde que não seja reincidente específico. Comprovado comportamento satisfatório durante a execução da pena. Bom desempenho no trabalho que lhe foi atribuído. Subjetivos Aptidão para prover a própria subsistência por meio de trabalho honesto. Prova da cessação da periculosidade para os condenados por crime cometido mediante violência ou grave ameaça a pessoa. Figura 5.20: Requisitos para o livramento condicional da pena. Fonte: Elaborado pelo autor, 2009. Efeitos da condenação: conforme Masson (2009, p. 745), “Efeitos da condenação são todas as conseqüências que, direta ou indiretamente, atingem a pessoa do condenado por sentença penal transitada em julgado”. Unidade 5 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 203 203 02/03/12 09:49 Universidade do Sul de Santa Catarina Como pressupostos para a aplicação dos efeitos da condenação, Masson (2009, p. 745) cita a “existência de uma sentença penal condenatória com transito em julgado”, explicando o seu conceito, nestas palavras: Sentença penal condenatória é aquela proferida em regular ação penal, impondo pena ao envolvido (autor, coautor ou partícipe) em um crime ou contravenção penal. Transitada em julgado é a decisão judicial que não mais comporte recurso. Como efeito principal da condenação, ocorre a imposição de pena (privativa de liberdade, restritiva de direito ou pecuniária), dependendo do fato e sua gravidade, ou a imposição de medida de segurança, se o agente for inimputável ou semi-imputável. Como efeitos penais, há a reincidência e outros, cujo exame é relegado a plano secundário em face da limitação de páginas imposta ao presente estudo. Contudo é relevante a análise de alguns efeitos extrapenais da condenação relacionados ao exercício da função pública (considerada em sentido amplo), conforme se vê no quadro abaixo. EFEITOS DA CONDENAÇÃO RELACIONADOS AO EXERCÍCIO DA FUNÇÃO PÚBLICA Genéricos Tornar certa a obrigação de reparar o dano causado pelo crime (inciso I do art. 91 do CP). A perda de cargo, função pública ou mandato eletivo, para os crimes: a) Específicos quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública (alínea “a” do inciso I do art. 92 do CP); e b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos nos demais casos (alínea “b” do inciso I do art. 92 do CP). Suspensão dos direitos políticos enquanto durar a execução (inciso III Fora do CP do art. 15 do CF). Perda do mandato de Deputado ou Senador em decorrência de condenação criminal em sentença transitada em julgado (inciso VI do art. 55 da CF). Perda de cargo, emprego, função ou mandato eletivo (art. 83 da Lei nº 8.666/1993). Quadro 5.8: Efeitos extrapenais da condenação relacionados ao exercício da função pública. Fonte: Elaborado pelo autor a partir do art. 91 e 92 do CP, 2009. 204 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 204 02/03/12 09:49 Instituições de Direito Público e Privado Chegamos ao final da Seção 3, com a análise superficial de alguns institutos relevantes para o entendimento do Direito Penal. Você viu que o Direito penal é o ramo do Direito que define as infrações penais (crimes e contravenções penais) e que nem sempre a prática de uma conduta humana prevista na lei é considerada ilícita, pois há situações que excluem a ilicitude, o que torna tal conduta lícita, ou protegida pelo Direito. Como exemplos, lembre-se do dentista que extrai um dente do paciente que está com fortes dores e precisa de sua ajuda profissional, ou do médico que faz uma cirurgia indispensável para tentar salvar a vida de um paciente em situação de perigo. Nestas circunstâncias, seria justo que o dentista, ou o médico, respondesse por crime? Sem a previsão legal do exercício regular dessas profissões, como excludente de ilicitude, nos exemplos citados o dentista e o médico seriam criminosos, não obstante terem ajudado os seus pacientes. Por isso, a existência das excludentes de ilicitude. Para complementar nosso brevíssimo estudo, em face das particularidades da disciplina, analisaremos, por último, tãosomente, algumas condutas consideradas criminosas pela lei, restringido a abordagem a alguns crimes contra a administração pública, que são mais relevantes e frequentes, permitindo uma visão das principais particularidades e das penas aplicáveis aos criminosos. Seção 4 - Crimes de maior frequência e relevância Nesta seção, serão analisados alguns delitos não funcionais, considerados relevantes para a sociedade, embora outros também sejam importantes, mas a abrangência do estudo apenas permite o exame de poucos crimes. Unidade 5 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 205 205 02/03/12 09:49 Universidade do Sul de Santa Catarina Homicídio (art. 121 do CP): É a morte de um homem injustamente praticada por outro. Somente o ser humano pode ser vítima do homicídio, pois sua definição legal contém duas elementares, a saber: “matar” e “alguém”. Pode ser executado tanto por ação (desfecho de tiros, facadas) ou omissão (babá que deixa de alimentar criança, enfermeiro que não ministra os remédios essenciais para o paciente), quando o agente tem o dever jurídico de impedir a morte. No homicídio, como regra, há o dolo, isto é, a vontade do agente em praticar o crime ou assumir o risco da morte. O homicídio pode ser simples (caput do art. 121 do CP), privilegiado (§ 1º do art. 121 do CP), qualificado (§ 2º do art. 121 do CP) e culposo (§ 3º do art. 121 do CP). Infanticídio (art. 123 do CP): ocorre quando a mãe mata o próprio filho durante o parto ou logo após, sob a influência do estado puerperal. Estado puerperal é o conjunto de perturbações psicológicas e físicas sofridas pela mulher em face do fenômeno do parto (RT 548:348). Este crime possui algumas elementares, cuja ausência desclassifica o crime para o de homicídio, ainda que este seja mais severamente punido. Estes elementos essenciais são: a “mãe” (como autora), o “próprio filho” (como vítima) e o “estado puerperal” (como perturbação que afeta a capacidade de entendimento da mãe). Constragimento ilegal (art. 146 do CP): o inciso II do art. 5º da CF dispõe que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Assim, obrigar alguém, mediante violência ou grave ameaça, a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa fora dos casos previstos em lei constitui crime de constrangimento ilegal. É indispensável que a vítima possua capacidade de autodeterminação, que significa liberdade de vontade, no sentido de fazer o que bem entenda. Para que ocorra o crime são necessários os seguintes requisitos: a) imposição de fazer ou não fazer alguma coisa; b) emprego da violência, grave ameaça ou outro meio apto a reduzir a capacidade de resistência do sujeito passivo (vítima); 206 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 206 02/03/12 09:49 Instituições de Direito Público e Privado c) ilegitimidade da imposição; d)efetiva consecução do fim do agente; e) vontade de constranger a vítima. Sequestro e cárcere privado (art. 148): consiste na privação da liberdade de locomoção da vítima. É delito permanente, isto é, perdura a consumação enquanto o ofendido estiver submetido à privação de sua liberdade de locomoção, o que permite a prisão do autor em flagrante. No sequestro, embora a vítima seja submetida à privação da faculdade de locomoção, tem maior liberdade de ir e vir. No cárcere privado, a vítima vê-se submetida à privação de liberdade em recinto fechado. O sequestro é o gênero e o cárcere privado a espécie, ou, por outras palavras, o sequestro (arbitrária privação ou compressão da liberdade de movimento no espaço) toma o nome tradicional de cárcere privado quando exercido em qualquer recinto fechado, não destinado à prisão pública. Violação de domicílio (art. 150 do CP): segundo o inciso XI do art. 5º da CF, “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”. Assim, constitui crime a conduta de o agente ingressar na casa alheia (inclusive pátio) sem a permissão de quem de direito. O objetivo do artigo é assegurar a tranquilidade doméstica. Para o CP, domicílio é a moradia (casa, barraca, maloca, gruta, apartamento, vagão, trailer, etc.). Furto (art. 155 do CP): Furto é a subtração, para si ou para outrem, de coisa alheia móvel. Subtrair significa tirar, retirar de outrem bem móvel, sem a sua permissão, com o fim de assenhoramento definitivo. Implica a retirada do bem sem o consentimento do possuidor ou proprietário. Se a coisa não for “alheia”, mas própria, não há crime de furto. Unidade 5 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 207 207 02/03/12 09:49 Universidade do Sul de Santa Catarina Roubo (art. 157 do CP): O roubo é crime complexo, constituído pela soma de dois fatos que individualmente constituem crimes. São eles: furto + constrangimento ilegal, ou furto + lesão corporal leve ou grave, ou morte quando houver. A diferença entre o furto e o roubo é que este exige, para sua configuração, o emprego de grave ameaça ou de violência contra a pessoa, que não incidem naquele. Extorsão (art. 158 do CP): É um crime de constrangimento ilegal, com o fim especial do agente, que é a vontade de auferir vantagem econômica. A ofensa à pessoa é o meio executório para auferimento da vantagem patrimonial. Não é apenas a coisa móvel que está amparada, mas a coisa imóvel, pois o agente pode obrigar a vítima a assinar uma escritura pública, por meio da qual ela lhe transfere uma propriedade imóvel. Outro exemplo, obrigar a vítima a não propor uma ação judicial contra o agente. A diferença entre a extorsão e o constrangimento ilegal está em que a extorsão é uma espécie do gênero “constrangimento ilegal” (art. 146 do CP). Se a vantagem almejada for apenas moral, haverá constrangimento ilegal. Caso o intuito do agente seja auferir vantagem econômica, haverá crime de extorsão. Você sabia que a Lei nº 11.923, de 17/04/2009 criou o delito de “sequestro relâmpago”, acrescentando o § 3º ao art. 158 do CP? Extorsão mediante sequestro (artigo 159 do CP): consiste na privação da liberdade da vítima tendo por fim a obtenção de vantagem, como condição ou preço do resgate. Consuma-se com o sequestro, ou seja, com a privação da liberdade da vítima, independentemente da obtenção da vantagem econômica. Basta comprovar a intenção do criminoso em obter a vantagem como condição ou preço de resgate, o que se faz mediante as negociações entre o sequestrador e os parentes da vítima. Não comprovada essa intenção, o crime poderá ser outro (sequestro ou cárcere privado, etc.). 208 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 208 02/03/12 09:49 Instituições de Direito Público e Privado Você sabia que a maior pena prevista no Código Penal é para o delito de extorsão mediante sequestro de que resulta morte (§ 3º do art. 159 do CP), e que esta pena, agora, também se aplica ao delito de “sequestro relâmpago”, se resulta morte? Apropriação indébita (art. 168 do CP): significa fazer sua a coisa de outrem, invertendo o título de posse, como se proprietário fosse. O agente tem legitimamente a posse ou a detenção da coisa, a qual é transferida pelo proprietário de forma livre e consciente, mas, no momento posterior, inverte esse título, passando a agir como se fosse dono. Estelionato (art. 171 do CP): é o uso de meio fraudulento para enganar a vítima, ou mantê-la sob engano existente, visando a vantagem ilícita, que pode ser para si ou para outrem. No conto premiado, enganando a vítima, e o criminoso recebe o dinheiro. Entre as fraudes existentes, há a emissão de cheque sem fundos, que pode ser cometida por intermédio de duas condutas. De acordo com o inciso VI do § 2º do CP, as duas condutas são: 1ª) emitir cheque, sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado (exemplo: sei que meu saldo bancário é menor do que o valor do cheque emitido para pagamento a vista); 2ª) frustrar o pagamento de cheque emitido (exemplo: emito um cheque para pagamento a vista, mas, mediante fraude, retiro a quantia antes do saque pelo credor ou dou contraordem de pagamento). Receptação (art. 180 do CP): ocorre quando o agente adquire, recebe, oculta, transporta, etc., em proveito próprio ou alheio, coisa produto do crime. Pressupõe a prática de um crime anterior. Se for contravenção, o fato é atípico. A receptação é crime autônomo, que se caracteriza ainda que desconhecido ou isento de pena o autor do crime antecedente ou pressuposto, de que veio a coisa. Não há necessidade que exista inquérito ou procedimento judicial anterior, mas é necessário que se identifique o delito antecedente, com prova segura da origem criminosa do objeto. Unidade 5 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 209 209 02/03/12 09:49 Universidade do Sul de Santa Catarina Estupro (art. 213 do CP): consiste em obrigar mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça. O criminoso só pode ser homem (o marido também pode ser sujeito ativo contra a esposa). Contudo a mulher também pode ser sujeito ativo no caso de participação (instigação, induzimento ou auxílio). Para a caracterização, exige-se a conjunção carnal. Ou seja, para sua consumação, deve haver cópula (penetração do pênis na vagina da vítima), completa ou incompleta. A violência se traduz a vias de fato, lesão corporal ou morte e grave ameaça. Só a mulher pode ser vítima deste delito. O estupro constitui uma forma de constrangimento ilegal com o fim especial de manter a conjunção carnal. Atentado violento ao pudor (art. 214 do CP): consiste no constrangimento da vítima para a prática de ato libidinoso diverso da conjunção carnal, como o coito oral, anal, toques lascivos, entre outros. O atentado violento ao pudor constitui uma forma de constrangimento ilegal com o fim especial de praticar ato libidinoso diverso da conjunção carnal. Assédio sexual (art. 216-A): consiste no ato de “Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função”. (Fonte: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ Decreto-Lei/Del2848.htm). Quadrilha ou bando (art. 288 do CP): Incrimina-se a associação (aliarem-se) de mais de três pessoas (no mínimo quatro), de forma estável e permanente, para o fim (dolo específico) de cometer vários crimes. Consuma-se no momento em que o criminoso se associa, mesmo que nenhum crime seja praticado pelo bando. Falsificação de documento público (art. 297 do CP): O crime é falsificar, no todo ou em parte, qualquer documento público, ou alterar documento público verdadeiro. Falsificar indica a contrafação, isto é, a formação total ou parcial do documento. 210 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 210 02/03/12 09:49 Instituições de Direito Público e Privado Não deve haver supressão de palavras, números, letras, etc. Se isso ocorrer, incide a norma do art. 305 do CP (supressão de documento). Nos dois casos, a falsificação há de ser idônea a iludir terceiro. Se for grosseira, perceptível à primeira vista, inexiste o delito em face de ausência da potencialidade lesiva do comportamento. Falsidade de documento particular (art. 298 do CP): O crime é falsificar, no todo ou em parte, documento particular ou alterar documento particular verdadeiro. Documento é o escrito elaborado por um autor certo, que manifesta a narração de fato ou a exposição de vontade, possuindo importância jurídica. Requisitos do documento: forma escrita – não abrange fotografias, cópias não-autenticadas, pinturas, gravuras. Escrito aposto em coisa móvel; autor determinado – escrito anônimo (sem autoria certa, sem assinatura) não configura documento; conter manifestação de vontade ou exposição de fato; relevância jurídica. Falsificação ideológica (art. 299 do CP): O crime é omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante. As condutas são as seguintes: omitir declaração que deveria constar; inserir nele declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita; fazer inserir nele declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita. Na primeira, há omissão, o sujeito não menciona. Na segunda, o sujeito insere declaração inverídica (pessoalmente) – falsidade imediata. Na terceira, o sujeito atua por meio de terceiro, induzindo-o a inserir no documento – falsidade mediata. Falsidade de atestado médico (art. 302 do CP): A conduta criminosa é a do médico que, no exercício da sua profissão, dá atestado falso. Assim, o crime é fornecer o médico atestado falso. Pode ser também referente a fatos diversos como a morte, causa de uma moléstia, causa de morte, os efeitos de uma doença ou lesão física, etc. Unidade 5 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 211 211 02/03/12 09:49 Universidade do Sul de Santa Catarina Seção 5 – Crimes contra a administração pública Os crimes contra a administração pública envolvem: os crimes praticados por funcionário público contra a administração em geral (arts. 312 a 327), os crimes praticados por particular contra a administração em geral (arts. 328 a 337-A), os crimes praticados por particular contra a administração pública estrangeira (art. 337-B a 337-D), os crimes contra a administração da justiça (arts. 338 a 359) e os crimes contra as finanças públicas (arts. 359-A a 359-H). Todavia, no contexto do Código Penal, bem como em leis penais especiais, há outros delitos que são considerados crimes contra a administração pública, como aqueles relacionados às licitações (Lei nº 8.666/1993), crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo (Lei nº 8.137/1990), crimes de abuso de autoridade (Lei nº 4.898/1965), etc. No presente estudo, entretanto, apenas serão examinados alguns crimes previstos no Código Penal. Crimes praticados por funcionário público contra a administração em geral Crimes funcionais: são os que só podem ser cometidos por pessoas que exercem funções públicas. Classificação: delitos funcionais próprios e delitos funcionais impróprios. Crimes funcionais: são crimes que somente podem ser praticados por determinada classe de pessoas, os funcionários públicos, pois sua ausência descaracteriza o delito, tendo em vista que a condição pessoal de ser funcionário público constitui elemento essencial do crime. 212 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 212 02/03/12 09:49 Instituições de Direito Público e Privado Crimes funcionais próprios: segundo Gonçalves (2005, p. 114), “São aqueles cuja exclusão da qualidade de funcionário público torna o fato atípico”. Exemplo: prevaricação — provado que o sujeito não é funcionário público, o fato torna-se atípico. Crimes funcionais impróprios: consoante Gonçalves (2005, p. 115), “Excluindo-se a qualidade de funcionário público, haverá desclassificação para crime de outra natureza. Ex.: peculato — se provado que a pessoa não é funcionário público, desclassifica-se para furto ou apropriação indébita”. Peculato (art. 312 do CP) a) Peculato-apropriação (1ª parte do caput do art. 312 do CP); Tipos de peculato b) Peculato-desvio (2ª parte do caput do art. 312 do CP); c) Peculato-furto (§ 1º do art. 312 do CP); d) Peculato culposo (§ 2º do art. 312 do CP). Quadro 5.9: Crimes de peculato O objeto jurídico é a proteção da Administração Pública, tanto no aspecto patrimonial (preservação do erário), quanto moral (garantia da probidade dos agentes públicos). A forma mais comum de conduta é a apropriação de bens e valores da administração pública, ou que estejam sob responsabilidade da administração pública, praticada por funcionário público. Ressalta-se que o crime só pode ser cometido por funcionário público. Neste caso, o Estado é a vítima, ou, sendo o bem particular sob responsabilidade da administração pública (Ex: veículo apreendido), também o proprietário ou possuidor. O objeto material é a coisa sobre que recai a conduta do funcionário público: dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel de natureza pública ou privada. Assim, o objeto material é o mesmo do furto e da apropriação indébita. É necessário que a coisa seja pública ou que, sendo particular, esteja sob guarda da administração pública. Unidade 5 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 213 213 02/03/12 09:49 Universidade do Sul de Santa Catarina Contudo a prestação de serviço que não configura coisa móvel não integra a figura típica. Por isso não constitui peculato o fato de o funcionário público utilizar-se de outrem, também funcionário público, para a realização de atividade em proveito próprio (chamada peculato-uso), embora tal conduta possa caracterizar ato de improbidade administrativa (inciso IV do art. 9º da Lei nº 8.429/1992). Peculato-apropriação: o funcionário público se apropria de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo. Exemplos: o tesoureiro de uma repartição se apropria de dinheiro que está em seu poder; o chefe do almoxarifado se apropria de bens móveis cuja posse detém; o policial ou carcereiro se apropria de bens do preso que estão sob guarda da administração pública. Peculato-desvio: o funcionário público desvia dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, em proveito próprio ou alheio. Exemplos: o funcionário empresta dinheiro da administração pública de que tem guarda (mesmo que seja devolvido posteriormente com juros e correção monetária); conscientemente, o funcionário efetua pagamentos pela administração pública (dinheiro público) por serviço não efetuado, ou mercadoria não entregue, ou em valor a maior, apropriando-se do recurso ou da verba que era destinada para tais pagamentos, integral ou parcialmente. Peculato-furto: o funcionário público vale-se de facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário, embora não tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, para subtraí-lo, ou concorre para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio. Exemplo: o servidor público ingressa no almoxarifado da repartição pública e subtrai para si pneus novos destinados a veículos oficiais, ou, dolosamente, deixa a porta da repartição aberta para que terceiro efetue a subtração. 214 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 214 02/03/12 09:49 Instituições de Direito Público e Privado Peculato culposo: o funcionário público concorre culposamente para o crime de outrem, em decorrência da inobservância do seu dever de cuidado. Exemplo: funcionário público deixa o cofre da repartição aberto e se ausenta do local, situação que dá ensejo ao furto de dinheiro por outro funcionário em face do dinheiro ficar a vista. Peculato-estelionato (art. 313 do CP): o funcionário se apropria de dinheiro ou qualquer utilidade que recebeu por erro de outrem, aproveitando-se do cargo. Segundo Jesus (2001, p. 134), o erro pode versar sobre: 1. a coisa que é entregue ao funcionário (Ex.: entregar um objeto diverso daquele que deveria ser entregue); 2.a pessoa a quem é feita a entrega (Ex.: entregar para o funcionário “A”, quando deveria entregar ao funcionário “B“; e 3.a obrigação a ser cumprida. Exemplo: o entregador deixa quantidade maior do que a que devia entregar. Em qualquer hipótese, é relevante que o funcionário receba o produto entregue equivocadamente em face de seu exercício funcional e que não tenha provocado o erro do terceiro, que deve ser espontâneo. Concussão (art. 316 do CP): o funcionário, mesmo fora dela, ou antes de assumi-la, exige, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, vantagem indevida. A vantagem pode ser patrimonial ou econômica, presente ou futura, beneficiando o próprio agente ou terceiro. Exemplo: policial que exige dinheiro para permitir o funcionamento de prostíbulos, ou que exige quantia para liberação de preso em flagrante. Unidade 5 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 215 215 02/03/12 09:49 Universidade do Sul de Santa Catarina Corrupção passiva (art. 317 do CP): o funcionário público, ainda que fora da função, ou antes de assumi-la, solicita ou recebe vantagem indevida, em razão da função pública ou aceita promessa de tal vantagem. É essencial que o ato tenha relação com o exercício funcional. A consumação do crime acontece com a solicitação, ou recebimento, ou a aceitação da promessa para a prática de ato regular ou ato ilícito. Prevaricação (art. 319 do CP): o funcionário retarda ou deixa de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou o pratica contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal. Exemplos: “Secretário da Câmara Municipal que se omitiu em ato que devia praticar para atender interesse de amigos políticos” (RT 223/379); “Funcionário que por sua tolerância permite que seus amigos pesquem em local proibido” (RT 412/296); “Funcionário público que por comodismo (e raiva) se recusa a atender durante o horário normal de expediente os contribuintes que desejavam recolher, tempestivamente, seus débitos fiscais” (RT 397/286); “Médico, chefe do centro de saúde, que retarda expedição de atestado de óbito em face da animosidade com autoridade policial” (RT 520/367). Crimes praticados por particulares contra a administração em geral São aqueles crimes praticados por particulares contra a administração pública. Resistência (art. 329 do CP): consiste na oposição ativa à realização de ato legal de funcionário público competente, mediante violência ou grave ameaça. O dispositivo busca resguardar o agente do poder público de quem, mediante violência física ou ameaça, tenta impedir a execução de ato legítimo. Essa resistência pode atingir, também, a quem esteja prestando auxílio ao funcionário para o cumprimento de seu dever legal. 216 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 216 02/03/12 09:49 Instituições de Direito Público e Privado Desacato (art. 331 do CP): consiste na ofensa, humilhação ou agressão ao funcionário público, que pode ocorrer por qualquer palavras, gestos, gritos, vias de fato, agressões físicas, etc., qualquer ato que signifique menosprezo ou desprestígio. Todavia é necessário que a ofensa seja realizada contra o funcionário público: 1. no exercício da função pública (ocasional, isto é, na ocasião ou momento do exercício da função). Ex: xingar o delegado de polícia que está na Delegacia de Polícia no exercício de sua função pública; ou 2.em virtude da função (causal, ou seja, por causa da função pública. Ex: o delegado de polícia que está no restaurante e é xingado por terceiro que o ofende em face da prisão do irmão ocorrida anteriormente). Corrupção ativa (art. 333 do CP): o particular oferece ou promete vantagem indevida a funcionário público para que pratique, omita ou retarde ato da sua competência, “Oferecer, prometer vantagem indevida a funcionário público para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício”. Ex.: “Pede-lhe que dê um jeitinho”. Se, no caso, houver exigência de funcionário, tipifica a concussão (art. 316 do CP). A vantagem indevida deve ser endereçada ao funcionário, não a terceiro como parente e amigo. O delito pode ser realizado por interposta pessoa. Mesmo que o funcionário venha a repelir a oferta, há crime. Não há crime, se o sujeito der ao funcionário pequenas gratificações ou fizer doações em agradecimento a comportamento funcional seu. E, ainda, não se trata de qualquer funcionário, mas aquele que tem o dever de ofício de realizar, ou não, o ato. Também, não há corrupção ativa, se a vantagem for oferecida ou prometida ao funcionário depois de sua conduta funcional, pois o comportamento deve ser realizado no futuro, para que se faça, não porque se fez. A vantagem deve ser indevida. E a promessa possível de se realizar. Unidade 5 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 217 217 02/03/12 09:49 Universidade do Sul de Santa Catarina Exemplo: não há crime, se a promessa for uma viagem ao sol, ao céu, ao inferno. Neste caso, pode haver prevaricação do funcionário público. Crimes contra a administração da justiça Até agora foram analisados alguns crime praticados por funcionários públicos e por particulares contra a administração pública. A seguir serão examinados alguns crimes contra a administração da justiça. Denunciação caluniosa (art. 339 do CP): consiste em “Dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente”. (Fonte: http://www.planalto.gov. br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm). Dar causa significa provocar. Essa provocação pode ser 1. direta (o próprio agente apresenta a notícia crime à autoridade policial ou judiciária: verbalmente ou por escrito); ou 2.indireta (por outro meio, como carta, telefonema anônimo, gestos, rádio, telegrama, televisão, colocação de entorpecente ou objeto furtado na bolsa de alguém, recado à autoridade). Falso Testemunho ou Falsa Perícia (art. 342 do CP): consiste em “Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral”. (Fonte: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/DecretoLei/Del2848.htm). Testemunha é pessoa chamada a depor. Perito é a pessoa com conhecimento técnico chamada a auxiliar o juiz. 218 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 218 02/03/12 09:49 Instituições de Direito Público e Privado Contador é o perito que faz cálculo. Tradutor é a pessoa chamada para verter um texto de uma língua para outra. Intérprete é a pessoa chamada para auxiliar o juiz na tomada de depoimento daquele que não fala a língua nacional, ou não pode, por outro meio expressá-la, como os surdos-mudos. Juízo arbitral é uma forma, alternativa ao Poder Judiciário, visando a resolver conflitos por meio da qual um (ou mais de um) juiz arbitral decide(m) e emite(m) sentença com força legal sobre o objeto da controvérsia. Não há delito se a testemunha nega a verdade para não se incriminar. É irrelevante para existência do crime, que o falso testemunho tenha influído na decisão da causa. Corrupção ativa de testemunha, perito, tradutor ou intérprete (art. 343 do CP): consiste na conduta de “Dar, oferecer ou prometer dinheiro ou qualquer outra vantagem a testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete, para fazer afirmação falsa, negar ou calar a verdade em depoimento, perícia, cálculos, tradução ou interpretação”. (Fonte: http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm). O fim protegido é a garantia da efetividade da justiça por meio de prova colhida regularmente, para impedir que alguém, indevidamente, seja beneficiado em prejuízo de terceiros que agem de boa-fé no decorrer do processo. Dos crimes contra as finanças públicas Consoante Gonçalves (2005, p. 216-217), a Lei nº 10.028/2000 inseriu o Capítulo VI do Título XI do CP, definindo os crimes contra as finanças públicas, com oito artigos (art. 359-A a art. 359-H). O objetivo foi resguardar as finanças públicas contra a ação de maus administradores, cujas condutas causam enorme endividamento ao Estado e transferem aos seus sucessores a responsabilidade pelo seu pagamento. Unidade 5 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 219 219 02/03/12 09:49 Universidade do Sul de Santa Catarina Portanto estes crimes foram criados com o objetivo de tornar eficaz a Lei Complementar nº 101/2000, denominada Lei de Responsabilidade Fiscal. Os fatos típicos têm como objetividade jurídica assegurar a probidade administrativa no que se refere às finanças públicas. No quadro abaixo constam os dispositivos relativos às infrações penais definidas na Lei nº 10.028/2000, que, logo depois, merecerão breves considerações sobre cada conduta típica. DENOMINAÇÃO JURÍDICA DEFINIÇÃO LEGAL DO CRIME E PENAS Contratação de operação de crédito Art. 359-A. Ordenar, autorizar ou realizar operação de crédito, interno ou externo, sem prévia autorização legislativa: Pena – reclusão, de 1 (um) a 2 (dois) anos. Parágrafo único. Incide na mesma pena quem ordena, autoriza ou realiza operação de crédito, interno ou externo: I – com inobservância de limite, condição ou montante estabelecido em lei ou em resolução do Senado Federal; II – quando o montante da dívida consolidada ultrapassa o limite máximo autorizado por lei. Inscrição de despesas não empenhadas em restos a pagar Art. 359-B. Ordenar ou autorizar a inscrição em restos a pagar, de despesa que não tenha sido previamente empenhada ou que exceda limite estabelecido em lei: Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos. Assunção de obrigação no último ano do mandato ou legislatura Art. 359-C. Ordenar ou autorizar a assunção de obrigação, nos dois últimos quadrimestres do último ano do mandato ou legislatura, cuja despesa não possa ser paga no mesmo exercício financeiro ou, caso reste parcela a ser paga no exercício seguinte, que não tenha contrapartida suficiente de disponibilidade de caixa: Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos. 220 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 220 02/03/12 09:49 Instituições de Direito Público e Privado Ordenação de despesa não autorizada Art. 359-D. Ordenar despesa não autorizada por lei: Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos. Prestação de garantia graciosa Art. 359-E. Prestar garantia em operação de crédito sem que tenha sido constituída contragarantia em valor igual ou superior ao valor da garantia prestada, na forma da lei: Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano. Não cancelamento de restos a pagar Art. 359-F. Deixar de ordenar, de autorizar ou de promover o cancelamento do montante de restos a pagar inscrito em valor superior ao permitido em lei: Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos. Aumento de despesa total com pessoal no último ano do mandato ou legislatura Art. 359-G. Ordenar, autorizar ou executar ato que acarrete aumento de despesa total com pessoal, nos cento e oitenta dias anteriores ao final do mandato ou da legislatura: Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos. Oferta pública ou colocação de títulos no mercado Art. 359-H. Ordenar, autorizar ou promover a oferta pública ou a colocação no mercado financeiro de títulos da dívida pública sem que tenham sido criados por lei ou sem que estejam registrados em sistema centralizado de liquidação e de custódia: Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos. Quadro 5.10: Dispositivos relativos às infrações penais definidas na Lei nº 10.028/2000. Fonte: Elaborado pelo autor, 2009. Chegamos ao final de mais uma unidade. O objetivo era abordar os princípios penais de maior relevância, alguns institutos essenciais para o estudo do Direito Penal, finalizando com alguns crimes contra a administração pública. O importante é que você saiba identificar os crimes mais comuns, previstos no Código Penal, que ocorrem no dia-a-dia. Mas é necessário que faça leituras complementares e consulte o Código com as leis especiais penais, para aprofundar seus conhecimentos. Unidade 5 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 221 221 02/03/12 09:49 Universidade do Sul de Santa Catarina Síntese Esta unidade abordou noções de Direito Penal, que traz o aspecto da legalidade como base, pois só há crime se houver lei que defina a conduta como crime e, somente há pena, se houver uma lei estabelecendo a sanção penal. Assim, viver em sociedade é realizar diversas condutas como trabalhar, comer, correr, comprar, pagar, cumprimentar, ajudar, entre tantas outras. Algumas prejudicam a vida em sociedade e põem em risco a segurança pública, como, por exemplo, matar alguém, que é crime de homicídio, ou subtrair coisa alheia móvel para si ou para outrem, que é furto. Você estudou, também, os princípios mais importantes relacionados ao Direito Penal, os seus institutos mais relevantes, alguns dos principais crimes que acontecem no dia-a-dia e que são previstos no CP, com ênfase para os crimes contra a Administração Pública, aprendeu os conceitos de crime e de infração penal, além de analisar de perto os comportamentos perigosos e que violam a lei penal. As sucintas noções do Direito Penal permitirão a você (aluno,a) ter uma ideia geral sobre os crimes e a função do Direito Penal, que somente deve ser usado quando outros ramos do Direito não conseguem resolver os conflitos sociais ocorrentes no dia-a-dia. 222 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 222 02/03/12 09:49 Instituições de Direito Público e Privado Atividades de autoavaliação 1) Tício, Diretor de uma empresa estatal, determina a seu subordinado Lívio que, em seu nome, fosse pegar uma encomenda que lhe seria entregue pelo empresário Fúlvio. Ao chegar à empresa, Lívio recebeu das mãos de Fúlvio um pacote lacrado, cujo conteúdo desconhecia, no qual havia certa quantia em dinheiro, oferecida por Fúlvio para Tício, sob a promessa de favorecimento ao filho de Fúlvio, que estava concorrendo a cargo público. Lívio entregou o pacote a Tício. Nesta hipótese, diga se Lívio, Tício e Fúlvio cometeram algum crime. Em caso positivo, aponte o crime cometido por Lívio, Tício e Fúlvio e explique-o, tendo em vista o conteúdo estudado nesta unidade. 2) Qual das alternativas contém a elementar do crime de furto? a) ( ) Subtração durante o repouso noturno. b) ( ) Ser o agente primário e pequeno valor da coisa furtada. c) ( ) Subtração de coisa alheia móvel. d) ( ) Rompimento de obstáculo para a subtração. e) ( ) Concurso de pessoas para a subtração. Unidade 5 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 223 223 02/03/12 09:49 Universidade do Sul de Santa Catarina 3) Investigando vultoso assalto a banco, a polícia averiguou que a ação da quadrilha havia sido facilitada por Josué, tesoureiro do banco. Restou comprovado, contudo, que os ladrões haviam submetido a esposa e as duas filhas do tesoureiro a cárcere privado e ameaçavam matá-las, se ele não lhes entregasse a quantia de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais). Em face das ameaças, Josué, pela manhã, depois de abrir o cofre e distribuir dinheiro aos diversos caixas, leva um saco contendo o valor exigido pela quadrilha. Nesta situação, Josué cometeu algum crime pelo qual deverá sofrer a imposição de pena? Sim, ou não? Por quê? 224 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 224 02/03/12 09:49 Instituições de Direito Público e Privado Saiba mais ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Manual de direito penal. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2008. BARROS, Francisco Dirceu. Código penal: parte geral: comentado e exemplificado com sua interpretação doutrinária e jurisprudencial. Niterói, RJ: Impetus, 2006. BARROS, Susana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle da constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. 2.ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2000. BASTOS JÚNIOR, Edmundo José de. Código penal em exemplos práticos. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2006. BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. 4.ed. Rio de Janeiro: Revan, 1999. BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de direito penal – parte geral. 11.ed. São Paulo: Saraiva, 2007. BRASIL. Código penal atualizado. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil atualizada. CARVALHO, Paulo Calgaro de. Resumo Nº 5 — de DP I, 2008. COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Curso de direito penal. 9.ed. São Paulo: Saraiva, 2008. FÜHRER, Maximilianus Cláudio Américo e FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto. Resumos de direito penal. 25.ed. São Paulo: Malheiros, 2005. GOMES, Luiz Flávio (Org.). Código penal, código de processo penal, legislação penal e processual penal, constituição federal. 10.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: parte geral, introdução. v.1. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. Unidade 5 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 225 225 02/03/12 09:49 Universidade do Sul de Santa Catarina GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: parte geral, teoria constitucionalista do delito. v. 3. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. GOMES, Luiz Flávio. Penas e medidas alternativas à prisão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal: parte especial. v.4, 11.ed. São Paulo: Saraiva, 2001. JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal: parte geral. v.1, 28.ed. São Paulo: Saraiva, 2005. LOPES, Maurício Antonio Ribeiro. Princípios políticos do direito penal. 2.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003. MASSON, Cleber. Direito penal esquematizado: parte geral. São Paulo: Método, 2009. MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 6.ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1995. ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. O princípio da dignidade da pessoa humana e a exclusão social. Revista Interesse Público, 4, 1999. SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 2005. SILVA, E. L. História das penas. Revista Jurídica Consulex, ano V, n. 104, 15 de maio de 2001, p. 12-13. 226 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 226 02/03/12 09:49 UNIDADE 6 O Direito e a Administração Pública Flávio Nodari Monteiro e Zuleika Kalinka Schlemmer Objetivos de aprendizagem Compreender o que é Direito Administrativo e suas relações com a sociedade e com outros ramos do direito. Conhecer os princípios gerais de Direito Administrativo. 6 Conceituar Administração Pública, conhecer os princípios que regem sua atividade e conhecer as entidades que a compõem. Compreender a desconcentração e a descentralização administrativas. Identificar as diferenças entre agente público, servidor público e empregado público. Conhecer os crimes contra a Administração Pública e as consequentes sanções. Seções de estudo Seção 1 Seção 2 Seção 3 Seção 4 Seção 5 Seção 6 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 227 O Direito Administrativo: noção, princípios gerais, estrutura e peculiaridades A Administração Pública As pessoas jurídicas púbicas: de direito público e de direito privado Organização administrativa: órgãos, cargos e agentes públicos Previsão Constitucional da Administração Pública: seus princípios e as competências da União, Estados e Municípios Crimes contra a Administração: a improbidade administrativa (Lei 8429/92) e a responsabilidade fiscal (LC. 101/00) 02/03/12 09:49 Universidade do Sul de Santa Catarina Para início de estudo A presente unidade pretende fornecer conhecimentos sobre o Direito Administrativo, entendido como o ramo do Direito Público que disciplina a atividade da Administração Pública e os sujeitos e objetos a ela relacionados. Portanto serão também fornecidos conhecimentos acerca de Administração Pública e suas atividades. A importância do estudo do Direito Administrativo reside na própria importância que a Administração Pública adquire nos dias de hoje, tendo em vista que suas relações com as pessoas físicas ou jurídicas de qualquer natureza são constantes e imprescindíveis nas sociedades modernas. É por isso que a absoluta maioria dos concursos públicos para qualquer cargo exige conhecimentos sobre o Direito Administrativo, e é por isso também que a iniciativa privada preza profissionais com estes conhecimentos. A partir de agora, portanto, você será convidado(a) a realizar o estudo do Direito Administrativo, refletir sobre a onipresença do Estado e de sua Administração na vida dos seres humanos e, se possível, contribuir para o aperfeiçoamento destas relações e para o aprimoramento da sociedade. Seção 1 - O Direito Administrativo: noção, princípios gerais, estrutura e peculiaridades 1.1 Conceito, estrutura e peculiaridades O Direito Administrativo é, talvez, depois do Direito Constitucional, a disciplina jurídica de Direito Público mais importante ou, no mínimo, mais extensa, embora de criação recente. Em si, o Direito Administrativo só começou a ser estudado de forma específica a partir de meados do século XIX, 228 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 228 02/03/12 09:49 Instituições de Direito Público e Privado quando se consolidou como o conjunto sistemático de preceitos obrigatórios a serem obedecidos por autoridades de todos os níveis, no resguardo de direitos de particulares, protegidos pela possibilidade de uso de remédios jurisdicionais. (MEDAUAR, 2008, p. 36). O Direito Administrativo não é de fácil conceituação, devido à abrangência da matéria tratada por esse ramo da ciência jurídica e à falta de critérios uniformes adotados pelos administrativistas. Veja abaixo alguns conceitos formulados pelos mais autorizados autores. Justem Filho (2006, p. 1) fornece um conceito bem amplo, e define o Direito Administrativo como sendo: “Administrativistas” é a expressão utilizada pela literatura jurídica para designar os juristas que se dedicam ao estudo do Direito Administrativo. [...] o conjunto das normas jurídicas de direito público que disciplinam as atividades administrativas necessárias à realização dos direitos fundamentais e a organização e o funcionamento das estruturas estatais e não estatais encarregadas de seu desempenho. Já, para Hely Lopes Meireles (2003, p.38), em um conceito clássico, o Direito Administrativo é o conjunto harmônico de princípios jurídicos que regem os órgãos, os agentes e as atividades públicas tendentes a realizar concreta, direta e imediatamente os fins desejados pelo Estado. Para Cretella Jr. (2000, p. 30), Direito Administrativo é “o ramo do direito público interno que regula a atividade e as relações jurídicas das pessoas públicas e a instituição de meios e órgãos relativos à ação dessas pessoas”. A partir destes conceitos fornecidos, é possível concluir que o Direito Administrativo tem íntima conexão com a noção de atividade, pois destaca a natureza procedimental da atuação do Estado. Desta forma, podemos dizer que o Direito Administrativo, entre outras tarefas, regula as relações entre administrados e administradores, disciplinando a atividade da Administração. Unidade 6 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 229 229 02/03/12 09:49 Universidade do Sul de Santa Catarina O Direito Administrativo rege toda e qualquer atividade de administração, de gestão da “coisa pública”, provenha ela do Poder Executivo, do Poder Legislativo ou do Poder Judiciário, quando os órgãos destes poderes estiverem atuando como administradores de seus serviços, de seus bens, ou de seu pessoal. Mas toda a atuação destes poderes, principalmente do Poder Legislativo e do Poder Judiciário, pode ser considerada atividade de administração e, portanto, sujeita à disciplina Direito Administrativo? A resposta é negativa. É que, paralelamente à função precípua do Legislativo - elaboração das leis - e do Judiciário - aplicação das leis -, esses Poderes exercem funções tipicamente administrativas, quando gerenciam o aparelho estatal que lhes é atribuído como instrumento para o exercício de suas funções típicas. Como exemplo destas funções tipicamente administrativas, podemos citar o processo administrativo para demissão de servidor público ou a exigência de licitação para a aquisição de bens e serviços por estes Poderes. No nosso ordenamento jurídico não existe um “código administrativo”, como existe o Código Civil ou o Código Tributário Nacional. O Direito Administrativo não está codificado, ele é formado pelo conjunto de vários textos legais sobre matérias específicas, como, por exemplo, licitações e contratos administrativos (Lei 8.666/93) e concessões e permissões de serviço público (Lei 8.987/95), sem que formem um todo unificado em um Código, em uma única lei. Contudo estes textos devem obedecer fielmente às diretrizes constitucionais, que lhes fornecem certa sistematicidade e uma estrutura própria, passando a ser entendidos como a normatização específica das regras constitucionais gerais relativas à Administração Pública, para cada campo de sua atividade. O Direito Administrativo costuma ter, para fins didáticos, a seguinte estrutura (MEIRELLES, 2003): 230 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 230 02/03/12 09:49 Instituições de Direito Público e Privado Noções gerais sobre Direito Administrativo e seus princípios; Administração Pública; Poderes administrativos; Atos administrativos; Contratos administrativos; Serviços públicos; Servidores públicos; Domínio público; Intervenção na propriedade e no domínio econômico; Responsabilidade civil da Administração; Controle da Administração; Organização Administrativa Brasileira. Esta estrutura, com pequenas alterações, é seguida por muitos autores, como Telles (2000) e Medauar (2008). As pequenas distinções que fazem são as seguintes: criar capítulo próprio para o Processo Administrativo, para o Poder de Polícia e para tratar a licitação de forma específica, retirando-a da análise geral dos contratos da Administração. Se o Direito Administrativo não possui um diploma legal unificado, surge para ele certa dificuldade no estudo, no conhecimento e na aplicação sistemática de suas regras. Com isto, aumenta a importância dos princípios que o informam, pois, nas palavras de Medauar (2008, p. 37), tais princípios “atuam como fios a ligar os diversos institutos” e traduzem, de modo genérico, os valores jurídicos de um ordenamento. Os princípios jurídicos representam os valores estruturais da sociedade e do ordenamento jurídico, podendo estar implícitos ou expressos nas normas. Eles norteiam a correta interpretação das normas. Como o nome diz, são o ponto de partida na atividade do intérprete. Unidade 6 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 231 231 02/03/12 09:49 Universidade do Sul de Santa Catarina Na visão de Nunes (2005, p. 185): Na verdade o princípio funciona com um vetor para o intérprete. E o jurista, na análise de qualquer problema jurídico, por mais trivial que ele possa ser, deve, preliminarmente, alçar-se ao nível dos grandes princípios, a fim de verificar em que direção eles apontam. Os princípios apresentam enorme relevância no âmbito do Direito Administrativo. Não só como instrumento de interpretação e de aplicação uniforme das regras esparsas, mas também porque a atividade administrativa traduz o exercício de poderes-deveres, o que significa a obrigatoriedade do fim a ser atingido. Desta forma, em inúmeras oportunidades, as regras não estabelecem a conduta exata a ser adotada. Esta escolha dependerá das circunstâncias, o que não equivale a consagrar a liberdade para o agente público escolher como bem entender. Nessas situações, pode haver alguma liberdade de autonomia quanto ao meio a adotar, e os princípios serão o instrumento normativo adequado para evitar escolhas inadequadas (JUSTEN FILHO, 2006, p. 53). 1.2. Princípios de Direito Administrativo A seguir, serão desenvolvidos dez princípios de Direito Administrativo, entre os mais apontados pela literatura administrativista brasileira. Contudo a enumeração abaixo não é absoluta, podendo existir outras, dependendo do campo da atividade da Administração Pública. Para o elenco dos princípios, adotamos a posição de Rosa (2003). Os princípios referentes à Administração Pública serão vistos em seção específica. 1.2.1. Supremacia do interesse público Por supremacia do interesse público devemos entender que, “no confronto entre o interesse particular e o interesse público, prevalecerá o segundo” (ROSA, 2003, p. 17). 232 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 232 02/03/12 09:49 Instituições de Direito Público e Privado A justificativa do princípio reside na aceitação da Administração Pública como representante do interesse coletivo, que é superior ao interesse individual. Como ensina Meirelles (2003, p. 47): Enquanto o Direito Privado repousa sobre a igualdade das partes na relação jurídica, o Direito Público assenta em princípio inverso, qual seja, o da supremacia do Poder Público sobre os cidadãos, dada a prevalência dos interesses coletivos sobre os individuais. Dessa desigualdade originária entre a Administração e os particulares resultam inegáveis privilégios e prerrogativas para o Poder Público, privilégios e prerrogativas que não podem ser desconhecidas nem desconsideradas pelo intérprete ou aplicador das regras e princípios desse ramo do Direito. As desapropriações de áreas no entorno da BR-101 em Santa Catarina para a sua duplicação demonstram que o interesse da Administração, representando o interesse da coletividade (segurança, conforto, desenvolvimento), supera os interesses individuais dos antigos proprietários das terras expropriadas. Esta supremacia, contudo, tem limites e não pode afrontar injustificadamente direitos fundamentais. 1.2.2. Princípio da indisponibilidade Muito parecido com o princípio da legalidade, que será estudado entre os princípios da Administração Pública, o princípio da indisponibilidade diz que “os bens, as verbas, o interesse público, considerados de forma mais abrangente, são indisponíveis” (TELLES, 2000, p. 54). Com isto, afirma-se que o Administrador não dispõe da coisa pública, sendo apenas seu gestor, devendo cuidá-la observando o interesse público, conforme as diretrizes legais (ROSA, 2003). Unidade 6 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 233 233 02/03/12 09:49 Universidade do Sul de Santa Catarina O Administrador Público não deve contratar funcionários, compras ou vendas ao seu puro arbítrio. Deve seguir o interesse público conforme as prescrições legais, realizando concursos para contratação de pessoal, licitações para compra e venda, e observando autorizações para alienação de patrimônio estatal. 1.2.3. Princípio da continuidade A atividade administrativa, por ser de interesse público, não pode sofrer paralisações (ROSA, 2000). O princípio da continuidade busca garantir, portanto, a não interrupção de serviços de segurança, saúde, transporte, etc. Em visão específica, leciona Bittencourt: Consiste o princípio da continuidade na impossibilidade de interrupção do regular desempenho do serviço público, uma vez que este se apresenta como a forma pela qual o Poder Público executa atribuições essenciais ou necessárias aos administrados. (BITTENCOURT, 2005). Para conhecimento mais profundo da extensão deste princípio, sugerimos a leitura da Lei 7.783, de 1989, que disciplina os serviços públicos por ela considerados essenciais. 1.2.4. Princípio da autotutela O princípio da autotutela é a evidência da “prerrogativa da Administração de se autofiscalizar, em todos os sentidos” (TELLES, 2000, p. 55). À luz deste princípio, a Administração Pública pode rever seus atos, revogando-os ou anulando-os. A súmula 473 do Supremo Tribunal Federal, aprovada em sessão plenária em 1969, assim dispõe: A ADMINISTRAÇÃO PODE ANULAR SEUS PRÓPRIOS ATOS, QUANDO EIVADOS DE VÍCIOS QUE OS TORNAM ILEGAIS, PORQUE DELES NÃO SE ORIGINAM DIREITOS; OU REVOGÁ-LOS, POR MOTIVO 234 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 234 02/03/12 09:49 Instituições de Direito Público e Privado DE CONVENIÊNCIA OU OPORTUNIDADE, RESPEITADOS OS DIREITOS ADQUIRIDOS, E RESSALVADA, EM TODOS OS CASOS, A APRECIAÇÃO JUDICIAL. 1.2.5. Princípio da especialidade O princípio da especialidade impõe que a Administração Pública, através de seus órgãos, persiga sem desvios os seus objetivos. Cada órgão público, sob pena de desvio de atividade, deve realizar especificamente as tarefas para as quais foi criado. É desvio de atividade que afronta o princípio da especialidade um órgão estatal previdenciário destinar-se especificamente ao planejamento urbano. 1.2.6. Presunção de legitimidade A atuação da Administração Pública deve ser considerada adequada ao interesse público e à lei. Trata-se da presunção de legitimidade, que batiza o presente princípio. Como ensina Hely Lopes Meirelles (2003): Essa presunção, embora relativa ( juris tantum), acompanha toda a atividade pública, dispensando a Administração da prova de legitimidade de seus atos. Presumida esta, caberá ao particular provar o contrário, até demonstrar cabalmente que a Administração Pública obrou fora ou além do permitido em lei. (MEIRELLES, 2003, p. 48). Como visto, esta presunção não é absoluta. O particular pode, a qualquer momento, provar a atividade ilegal da Administração. Contudo não é a ilegalidade que deve ser presumida, mas sim a legalidade. 1.2.7. Princípio da razoabilidade O princípio da razoabilidade indica que a atuação administrativa deve guardar coerência e adequação com os objetivos a que se propõe. Na lição de Meirelles (2003, p.91): Unidade 6 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 235 235 02/03/12 09:49 Universidade do Sul de Santa Catarina [...] pode ser chamado de princípio da proibição do excesso, que, em última análise, objetiva aferir a compatibilidade entre os meios e os fins, de modo a evitar restrições desnecessárias ou abusivas por parte da Administração Pública, com lesão aos direitos fundamentais. É também chamado, em uma visão mais restrita, de princípio da adequação dos meios aos fins. 1.2.8. Princípio da proporcionalidade Normalmente conjugado com o Princípio da Razoabilidade, o Princípio da Proporcionalidade impõe ao Administrador a adoção somente dos meios necessários para a obtenção de certos fins. Em outras palavras, impõe ao gestor público a reflexão econômica e parcimoniosa, “banindo-se medidas abusivas ou de qualquer modo com intensidade superior ao estritamente necessário” (ROSA, 2003, p. 22). Em uma feliz metáfora muito repetida pela literatura jurídica, podemos dizer que “não se caçam passarinhos com canhões”. 1.2.9. Princípio da motivação O princípio da motivação pode ser entendido como derivação do princípio da presunção de legalidade. Se a Administração Pública age com a presunção da legitimidade de seus atos, deve prestar contas previamente de sua atuação, justificando à sociedade as razões de sua atuação. Lei 9.784/94, art. 2º: “A Administração Pública obedecerá, dentre outros, os princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência”. Este é o sentido do Princípio da Motivação. Segundo ROSA, “a indicação dos pressupostos de fato e dos pressupostos de direito, a compatibilidade entre ambos e a correção da medida encetada compõem obrigatoriedades decorrentes do princípio” (ROSA, 2003, p. 22). 1.2.10. Princípio da Segurança Jurídica Citado muitas vezes em textos legais, como no exemplo do artigo 2º da lei que regula o processo administrativo no âmbito federal, o princípio da segurança jurídica visa conferir estabilidade às relações com a Administração Pública, preservando a boa-fé dos administrados. 236 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 236 02/03/12 09:49 Instituições de Direito Público e Privado As repercussões práticas mais citadas deste princípio são: a) a proibição da Administração Pública de suspender surpreendente e injustificadamente relações jurídicas com os administrados; e b)a atribuição de possibilidade à Administração Pública para manter alguns atos, mesmo eivados de vícios formais, em benefício da estabilidade de uma situação que a ordem social já acredita consolidada, perfeita e adequada. Como exemplifica o Advogado da União Alexandre Costa Lima Neto, fazendo referência à hipótese de recebimento de valor por servidor de quantia paga a título de vício desculpável na interpretação de norma jurídico-administrativa: quando há errônea interpretação da lei pela Administração conquanto razoável, presença de boa-fé do servidor, ausência por parte do servidor de influência ou interferência para a concessão da vantagem impugnada, a existência de dúvida plausível sobre a interpretação, validade ou incidência da norma infringida no momento da edição do ato que autorizou o pagamento da vantagem impugnada, não há de se cogitar a reposição dos valores assim desembolsados. (LIMA NETO, 2007). 1.2.11. Conclusões Ao lado desses princípios, a literatura jurídica aponta ainda os princípios da hierarquia (confere unidade de direção na atuação da Administração), autoexecutoriedade (confere independência à atuação administrativa) e tutela administrativa (supervisão das atividades dos órgãos subordinados ou criados) como orientadores do Direito Administrativo (TELLES, 2000), entre outros apontados pelos mais diversos autores. Unidade 6 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 237 237 02/03/12 09:49 Universidade do Sul de Santa Catarina Os princípios convivem em uma mesma ordem, limitando-se e completando-se mutuamente. A análise de certos princípios permite a sua identificação com outros, dada a sua complementaridade, ao mesmo tempo que o confronto entre princípios aparentemente antagônicos, conferindo limites recíprocos. A aplicação destes princípios deve ser ponderada conforme as circunstâncias fáticas a serem observadas, e a afronta da atuação administrativa a um princípio é apontada como vício mais grave do que afronta a mera regra jurídica. Sugerimos uma atividade para a melhor visualização da aplicação prática destes princípios: acesse o sítio eletrônico do Supremo Tribunal Federal <www.stf.jus. br> ou do Superior Tribunal de Justiça <www.stj.jus. br> e, no item”jurisprudência”, pesquise o nome de alguns dos princípios estudados. Leia o inteiro teor das decisões judiciais encontradas, para a compreensão da atuação destes princípios. Seção 2 - A Administração Pública Em primeiro lugar, é bom sempre ter em mente que Administração Pública não se confunde com Estado ou com Governo. Estado é a nação politicamente organizada, é o conjunto de território, povo, governo soberano e finalidades definidas. Como conceitua José Afonso da Silva, “O Estado constitui-se de quatro elementos essenciais: um poder soberano, de um povo situado num território com certas finalidades” (SILVA, 1992, p. 90). Cretella Jr. (2000, p. 60) utiliza termos das ciências biológicas e define Estado como um organismo dinâmico por excelência, mas de índole social, regido por leis normativas. 238 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 238 02/03/12 09:49 Instituições de Direito Público e Privado Os entes políticos, ou entidades estatais do Estado brasileiro, são a União, detentora de soberania política, e os Estadosmembros, o Distrito Federal e os Municípios, todos detentores de autonomia política. Governo, por sua vez, é o elemento que conduz politicamente o Estado, é o conjunto das funções necessárias à manutenção da ordem jurídica e da administração pública. Segundo Hely Lopes Meirelles (2003, p. 63), governo, “em sentido formal, é o conjunto de Poderes e órgãos constitucionais; em sentido material é o complexo de funções estatais básicas; em sentido operacional, é a condução política dos negócios públicos”. Soberania é o poder de decidir em última instância, sem necessitar do aval de outro país. Já Administração Pública, para este mesmo autor, assume contorno diverso: Em sentido formal, é o conjunto de órgãos instituídos para a consecução dos objetivos do Governo; em sentido material, é o conjunto das funções necessárias aos serviços públicos em geral; em acepção operacional, é o desempenho perene e sistemático, legal e técnico, dos serviços próprios do Estado ou por ele assumidos em benefício da coletividade. (MEIRELLES, 2003, p. 63). Diferenciados Estado, Governo e Administração, ressalta-se que Administração Pública também não se confunde com os Três Poderes do Estado: Executivo, Legislativo e Judiciário. Estes Poderes são parte da estrutura do Estado, previstos e definidos na Constituição Federal, atribuída a cada um sua função precípua (ou competência) pela Constituição Federal: Poder Legislativo: elaboração das Leis; Poder Judiciário: aplicação das Leis; e Poder Executivo: exercício da função administrativa. Entende-se por função administrativa o conjunto de poderes jurídicos (conjunto de competências) destinados a promover a satisfação de interesses essenciais, relacionados com a promoção Unidade 6 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 239 239 02/03/12 09:49 Universidade do Sul de Santa Catarina de direitos fundamentais, cujo desempenho exige uma organização estável, permanente e passível de ser submetida ao controle jurisdicional. (JUSTEN FILHO, 2006, p. 30). Por sua vez, a Administração Pública pode ser conceituada, tecnicamente falando, como a atividade que o Estado desenvolve, através de atos concretos e executórios, para a consecução direta, ininterrupta e imediata dos interesses públicos. (CRETELLA JR, 2000, p. 17). A Administração Pública, objeto principal do nosso estudo nesta seção, para atingir seus fins, pode ser organizada tradicionalmente de duas formas - conforme a relação do Estado e de suas instâncias de governos na gestão pública: a Administração direta e a Administração indireta. 2.1. Organização administrativa: Administração direta x Administração indireta A Administração Pública, como vimos anteriormente, compreende em sentido amplo o conjunto de entidades e de órgãos incumbidos de realizar a atividade administrativa visando o bem comum, segundo os fins delineados pelo Estado, na sua Constituição. Para tanto, atua por meio de seus órgãos, entidades e agentes, de maneira direta ou indireta. 2.1.1 Administração Direta A Administração Direta corresponde à atuação direta do Estado, através de suas “entidades estatais”, as pessoas jurídicas de direito público: União, Estados-Membros, Distrito Federal e Municípios e as secretarias e ministérios que os compõem. Administração Direta é a atuação do prefeito, do governador ou do presidente – do chefe do executivo, enfim – com o auxílio de seus órgãos, como as secretarias e ministérios e, por sua vez, os órgãos a eles diretamente vinculados. A atividade administrativa exercida diretamente pelas Entidades Estatais é chamada de centralizada. 240 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 240 02/03/12 09:49 Instituições de Direito Público e Privado A Administração Direta, portanto, pode também ser chamada de Administração centralizada. Neste mesmo sentido, a Administração Indireta pode ser entendida como Administração descentralizada. A Administração Direta e centralizada pode ser concentrada, quando o exercício da atividade administrativa é realizado pela própria pessoa político-jurídica (União, Estado-federado ou Município); ou desconcentrada, quando a competência para a execução da atividade administrativa é repartida pelos diversos órgãos da entidade (secretarias, ministérios e outros órgãos sem personalidade jurídica própria a eles subordinados). A atividade administrativa de segurança pública, utilizando o exemplo dos estados-federados, é realizada de forma centralizada e desconcentrada, pois é o próprio estado-federado que a realiza (centralização). Contudo vários órgãos sem personalidade jurídica própria desconcentram as tarefas de execução desta atividade (Secretaria de Segurança Pública, Polícia Militar, Polícia Civil, etc.). A desconcentração é uma distribuição de competências dentro da mesma pessoa jurídica, a fim de descongestionar, desconcentrar, delegar um volume grande de atribuições para um desempenho mais eficiente. Em decorrência da hierarquia presente na estrutura da Administração Pública, há uma relação de coordenação e subordinação entre a entidade e os órgãos a quem é outorgada a execução dos serviços. (DI PIETRO, 2003, p. 349). Segundo Medauar (2008, p. 56), na desconcentração: [...] as atividades são distribuídas de um centro para setores periféricos ou de escalões superiores para escalões inferiores, dentro da mesma entidade ou da mesma pessoa jurídica (diferentemente da descentralização, em que se transferem atividades a entes dotados de personalidade jurídica própria). Unidade 6 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 241 241 02/03/12 09:49 Universidade do Sul de Santa Catarina Na desconcentração, há apenas um ente e um órgão subordinado a ele, que recebem as atribuições de competência a fim de que seja melhor desempenhada a função pública daquela entidade. Não há autonomia para o órgão subordinado, ele apenas desempenha a função que lhe é atribuída, com os recursos financeiros do órgão superior, prestando-lhe contas de tudo quanto realiza. Enfim, é subordinado e coordenado pelo órgão superior. Os organogramas dos órgãos públicos, com seus diferentes órgãos subordinados, fornecem uma melhor compreensão desta desconcentração de atividades para melhorar a eficiência do serviço prestado. Utilizamos como exemplo o organograma do Ministério da Educação. Ministério da Educação ADMINISTRAÇÃO DIRETA Legenda: Conselho Nacional de Educação SUBORDINAÇÃO VINCULAÇÃO SUPERVISÃO Gabinete do Ministro Subsecretaria de Assuntos Administrativos Consultoria Jurídica Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade Instituto Nacional de Educação de Surdos ADMINISTRAÇÃO INDIRETA Secretaria Executiva Instituto Nac. de Estudos e Pesquisas Educacionais Colégio Pedro II Escolas Técnicas Federais Secretaria de Educação Básica Secretaria de Educação Especial Secretaria de Planejamento e Orçamento Secretaria de Educação a Distância Secretaria de Educação Superior Instituto Benjamin Constant Fundo Nac. do Desenvolvimento da Educação Escolas Agrotécnicas Federais Representação do MEC nos Estados Fundação Joaquim Nabuco Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior Centros Federais de Educação Tecnológica Instituições Isolados de Ensino Superior Universidades Federais Hospital de Clínicas de Porto Alegre Figura 6.1: Organograma do Ministério da Educação. Fonte: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=content&task=view&id=62&Itemid=191>. 2.1.2 Administração Indireta A Administração também pode descentralizar os seus encargos e distribuir a execução da atividade administrativa a outras entidades, dotadas de personalidade jurídica própria, tais como autarquias, 242 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 242 02/03/12 09:49 Instituições de Direito Público e Privado fundações públicas, sociedades de economia mista, empresas públicas e outras entidades públicas sui generis. É a chamada administração indireta ou descentralização da administração. Segundo Di Pietro (2003, p. 353), o aumento de atividades desempenhadas pelo chamado “Estado do Bem-estar” aconselha a descentralização das atribuições que, pelo elevado número e complexidade, não poderiam ser bem executadas por uma única pessoa jurídica. Com a descentralização, além de desafogar o órgão central, há ainda o benefício da especialização, pois, com a criação da entidade, forma-se consequentemente um corpo técnico especializado no desempenho da função que lhe foi atribuída. A Administração Indireta é exercida pelas autarquias, fundações, sociedades de economia mista, empresas públicas e entidades específicas. São características comuns de todas estas entidades que compõem a Administração Indireta: ter personalidade jurídica própria. Em razão desta característica, podem ser sujeito de direitos e obrigações, portanto são responsáveis em nome próprio por seus atos; ter receita e patrimônio próprios; ter autonomia técnica, administrativa e financeira; ser criadas ou autorizadas por lei; ser instituída para atender o interesse público (relevante interesse coletivo ou segurança nacional) sem fins lucrativos; ter finalidade específica, isto é, as pessoas jurídicas da administração indireta estão vinculadas à finalidade específica para a qual foram criadas ou tiveram autorizada sua criação. Por isso se diz que estão sujeitas a controle finalístico. Unidade 6 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 243 Constituição Federal - Art. 37, XIX - “somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a instituição de empresa pública, de sociedade de economia mista e de fundação, cabendo à lei complementar, neste último caso, definir as áreas de sua atuação”. Constituição Federal Art. 173: “Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei”. 243 02/03/12 09:49 Universidade do Sul de Santa Catarina Assim, analisadas as características essenciais da Administração Direta e Indireta, há possibilidade de elaboração de um quadro geral para identificá-las. ADMINISTRAÇÃO DIRETA ADMINISTRAÇÃO INDIRETA Exercida pela União, Estados-Membros, Distrito Federal e Municípios. Atividade exercida por pessoas jurídicas de direito público ou privado, como Pode ser desconcentrada, quando a autarquias, agências reguladoras execução da atividade administrativa ou executivas, fundações, empresas é atribuída a algum órgão estatais (sociedade de economia mista e despersonalizado da respectiva entidade empresas públicas) (Ministérios, Secretarias e outros órgãos despersonalizados) Quadro 6.1: Quadro geral para identificação da administração direta e indireta. Fonte: Elaborado pelos autores, 2009. As pessoas jurídicas que fazem parte da administração pública indireta serão o objeto de estudo da próxima seção didática. Seção 3 - As pessoas jurídicas públicas: de direito público e de direito privado Segundo Justen Filho (2006, p. 32), o ser humano é sujeito fundamental de direito. A personalidade, por sua vez, é entendida como a aptidão conferida a um ser humano ou a uma entidade para adquirir direitos e contrair obrigações, entre outros atributos. Estas entidades, apesar de não serem humanas, são pessoas constituídas por um complexo ou de indivíduos ou de bens objetivando determinados fins, e são reconhecidas pela ordem jurídica, que lhes atribui personalidade. No mundo jurídico, pessoa é o sujeito de direito, é o ente dotado de personalidade, ou seja, de capacidade de ser sujeito de direito ativo ou passivo. 244 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 244 02/03/12 09:49 Instituições de Direito Público e Privado Para Justen Filho (2006), pessoa jurídica pública “é o sujeito de direito que, direta ou indiretamente, está, pela Constituição ou pela Lei, unido ao Estado para integrar-lhe ou desenvolver-lhe a função”. Ao Estado, observadas certas exigências, é permitido instituir, além de pessoas jurídicas de direito público, pessoas jurídicas de direito privado. Neste norte, segundo Di Pietro (p. 364-365), compõem a Administração Indireta as autarquias (pessoa jurídica de direito público), as fundações instituídas pelo Poder Público (pessoas jurídicas de direito público ou privado), as sociedades de economia mista e as empresas públicas, de direito privado. Para um melhor entendimento, explica-se cada uma destas pessoas públicas, sejam de direito público ou de direito privado. 3.1 Autarquias Autarquia é pessoa jurídica de direito público, com gestão administrativa e financeira descentralizada, criada por lei para desenvolver atividades típicas da Administração, como os serviços públicos essenciais, que não podem ser transferidos aos particulares, mas exigem desempenho eficiente. A definição legal de autarquia está inserida no art. 5º, I, do Decreto-Lei 200/67, estabelecendo que [...] autarquia é um serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para executar atividades típicas da Administração Pública, que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada. Hely Lopes Meirelles (2003, p. 65) assim define as entidades autárquicas: São pessoas jurídicas de Direito Público, de natureza meramente administrativa, criadas por lei específica, para a realização de atividades, obras ou serviços descentralizados da entidade estatal que as criou. Unidade 6 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 245 245 02/03/12 09:49 Universidade do Sul de Santa Catarina Funcionam e operam na forma estabelecida na lei instituidora e nos termos de seu regulamento. As autarquias podem desempenhar atividades educacionais, previdenciárias e quaisquer outras outorgadas pela entidade estatal-matriz, mas sem subordinação hierárquica, sujeitas apenas ao controle finalístico de sua administração e da conduta de seus dirigentes. Conforme a entidade estatal que as instituiu, as autarquias podem ser classificadas em federais, estaduais, distritais (do Distrito Federal) ou Municipais. O Instituto de Previdência de Itajaí (SC) é exemplo de autarquia municipal (município de Itajaí). O Porto de São Francisco do Sul (SC) é uma autarquia estadual (do Estado de Santa Catarina). O Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) e o Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (INMETRO) são exemplos de autarquias federais. Segundo determina o art. 37, XIX, da CF, as autarquias são criadas por lei específica, de iniciativa do chefe do Poder Executivo da respectiva esfera governamental, e sua organização é definida por decreto, regulamento ou estatuto. Como têm personalidade jurídica própria, desgarrada da Entidade originária, atuam em nome próprio. O patrimônio das autarquias é constituído a partir da transferência de bens móveis e imóveis da entidade estatal a que se vinculam e tem status de bem público. Não há relação hierárquica com a entidade criadora, mas se admite o exercício de tutela ou controle de legalidade, de legitimidade e de resultados. As autarquias gozam dos mesmos privilégios tributários e processuais da entidade de que derivam: não incidência, por imunidade, de impostos sobre patrimônio, renda e serviços (CF, art. 150, § 2º); 246 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 246 02/03/12 09:49 Instituições de Direito Público e Privado as ações judiciais de seu interesse são processadas no juízo da entidade estatal a que se vinculam (CF, art. 109,I). Se for Autarquia Federal, o processo ocorrerá na Justiça Federal (v.g, INSS); se for Autarquia Estadual ou Municipal, a ação deverá ser intentada na Justiça Comum do Estado-Membro ou Município instituidor da Autarquia; gozo de prazos processuais diferenciados; reexame necessário ou duplo grau de jurisdição obrigatório; seus atos são dotados de presunção de legalidade e seus créditos admitem execução fiscal; entre outros. Os cargos públicos das autarquias só podem ser criados por lei e seu provimento somente pode dar-se através de concurso público. O regime dos servidores das autarquias pode ser o chamado estatutário (art. 39, CF) ou o disposto pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT (os chamados celetistas), conforme definido na Lei de criação da Autarquia. Em regra, prazo em dobro para recorrer e prazo em quádruplo para contestar. Código de Processo Civil brasileiro, artigo 188: “Computar-se-á em quádruplo o prazo para contestar e em dobro para recorrer quando a parte for a Fazenda Pública ou o Ministério Público”. É cabível Mandado de Segurança contra atos dos dirigentes, caso atinjam direito líquido e certo dos administrados. 3.1.1. Autarquias especiais: agências reguladoras e agências executivas As autarquias especiais são assim consideradas porque diferem das demais, especialmente no tocante à forma de investidura de seus dirigentes e a sua maior autonomia frente à entidade que as criou. Como autarquias, as autarquias especiais gozam de autonomia, têm personalidade jurídica de direito público e possuem patrimônio próprio. Um diferencial é que as autarquias que assumem o regime especial são vinculadas a ministérios específicos. A agência reguladora das telecomunicações (ANATEL) é vinculada ao Ministério das Comunicações. Unidade 6 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 247 247 02/03/12 09:49 Universidade do Sul de Santa Catarina As agências reguladoras, criadas em razão das privatizações realizadas no final da década de 90 para regulamentar e fiscalizar as atividades que antes eram monopólio estatal, são os melhores exemplos de autarquias especiais, possuindo inclusive poder normativo em relação à área de suas atuações. Várias agências reguladoras já foram criadas como, por exemplo, a ANEEL (Lei 9.427/96), ANATEL (Lei 9.472/97), ANP (Lei 9.478/97), ANTT e ANTAQ (ambas pela Lei 10.233/01), e ainda se cogita a criação de outras. Para o conhecimento mais aprofundado destas autarquias, sugiro a leitura das leis indicadas. CF - Art. 37, § 8º A autonomia gerencial, orçamentária e financeira dos órgãos e entidades da administração direta e indireta poderá ser ampliada mediante contrato, a ser firmado entre seus administradores e o poder público, que tenha por objeto a fixação de metas de desempenho para o órgão ou entidade, cabendo à lei dispor sobre: I - o prazo de duração do contrato; II - os controles e critérios de avaliação de desempenho, direitos, obrigações e responsabilidade dos dirigentes; III - a remuneração do pessoal. Outra espécie de autarquia especial é a agência executiva. A agência executiva pode ser considerada como a transformação de uma autarquia ou fundação já existente, que, após firmar contrato de gestão com o Poder Executivo com o objetivo de otimizar recursos, reduzir custos e aperfeiçoar a prestação de serviços públicos, tem para tanto ampliada a autonomia gerencial, orçamentária e financeira que detém. Segundo leciona Odete Medauar (2008, p.77), o Poder Executivo deve editar medidas de organização administrativa específicas para as agências executivas, que assegurem sua autonomia de gestão, e disponibilizar recursos orçamentários e financeiros para o cumprimento dos objetivos e metas previstos no contrato de gestão, que deverá ter prazo mínimo de um ano. No contrato de gestão se fixarão os objetivos, as metas e indicadores de desempenho da entidade, bem como os recursos necessários e os critérios e instrumentos para a avaliação do seu cumprimento. Com previsão constitucional no artigo 37, § 8º, para ser qualificada como agência executiva, a entidade deve cumprir os seguintes requisitos: a) ter um plano estratégico de re-estruturação e de desenvolvimento institucional em andamento; b)ter celebrado contrato de gestão com o respectivo Ministério a que se vinculará. 248 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 248 02/03/12 09:49 Instituições de Direito Público e Privado A regulamentação da atuação das agências executivas está prevista nos decretos federais 2.487 e 2.488, de 1998 e na Lei 9.649, de 1998, e a qualificação ou desqualificação como agência executiva ocorre por ato do Presidente da República. 3.2 Fundações Públicas O conceito legal dado pelo art. 5º, IV, do Decreto-Lei 200/67, com redação dada pela Lei 7.596/87, diz que Fundação Pública é a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, criada em virtude de autorização legislativa, para o desenvolvimento de atividades que não exijam execução por órgãos ou entidades de direito público, com autonomia administrativa, patrimônio próprio gerido pelos respectivos órgãos de direção e funcionamento custeado por recursos da União e de outras fontes. Há certa controvérsia ainda hoje sobre o regime jurídico da Fundação Pública, se de direito público ou de direito privado. A criação da Fundação Pública, conforme o art. 37, XIX, da CF, é autorizada por lei, sendo que o ente é criado por escritura pública de constituição e adquire personalidade jurídica de direito privado com a inscrição de tal escritura no Cartório de Registro Civil de Pessoas Jurídicas. Defendem alguns autores que a natureza jurídica de direito privado distinguiria a Fundação Pública da Autarquia. Mas o assunto ainda guarda polêmica. Fundação é patrimônio personalizado, afetado a um fim. (JUSTEN FILHO, 2008, P. 34). Tem as características que têm as demais entidades que compõem a Administração Indireta, tais como: receita e patrimônio próprios; personalidade jurídica própria; autonomia técnica, administrativa e financeira, etc. Conforme ressalta Odete Medauar (2008, p. 83), a maioria das fundações públicas tem suas atividades centradas em educação, ensino, saúde, cultura, assistência e bem-estar social, pesquisa, ciência, desenvolvimento administrativo e levantamento de dados. Unidade 6 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 249 249 02/03/12 09:49 Universidade do Sul de Santa Catarina Exemplos de fundações públicas: IPEA - Fundação Instituto de Planejamento Econômico e Social e IBGE Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. 3.3 Sociedades de Economia Mista As Sociedades de Economia Mista destinam-se a formalizar a associação entre capitais públicos e privados, com o objetivo de prestação de serviço público ou de exploração de atividade econômica, mantendo sempre o poder de controle em mãos estatais. É a conjugação do capital privado e público para a exploração de uma atividade de natureza econômica. A definição legal está no artigo 5º, III, do Decreto-Lei 200/67: Sociedade de Economia Mista é “a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, criada por lei para a exploração de atividade econômica, sob a forma de sociedade anônima (S/A), cujas ações com direito a voto pertençam, em sua maioria, à União ou a entidade da administração indireta”. Sociedade de Economia Mista é uma associação de capitais, públicos e privados, com a finalidade de explorar atividade econômica ou de prestar serviço público, sob a forma institucional de uma sociedade anônima (S/A), com regras específicas e diferenciais dadas em razão de sua natureza estatal, mas que se submete em grande parte ao mesmo regime das S/A, conforme a Lei 6.404/76. Há, inclusive, previsão de Sociedade de Economia Mista na Lei das S/A (Lei 6.404/76, art. 235 a 240), classificando-a como sociedade com regime anômalo. Ela se diferencia principalmente pela ampliação dos instrumentos de limitação de poder dos sócios, garantindo a supremacia do controle estatal da entidade. A SC Gás (Companhia de Gás de Santa Catarina) e a Companhia de Habitação do Estado de Santa Catarina (COHAB/SC) são exemplos de Sociedade de Economia Mista. 250 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 250 02/03/12 09:49 Instituições de Direito Público e Privado 3.4. Empresas Públicas Segundo Justen Filho (2006, p. 125): empresa pública é uma pessoa jurídica de direito privado, mantida exclusivamente pelo Estado, dotada de forma societária, cujo capital é de titularidade de pessoas de direito público e cujo objeto social é a exploração de atividade econômica ou a prestação de serviço público. Segundo seu conceito legal, dado pelo artigo 5º, II, do Decreto-Lei 200/67, empresa pública é “a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com patrimônio próprio e capital exclusivo da União, criada por lei para a exploração de atividade econômica que o Governo seja levado a exercer por força de contingência ou conveniência administrativa, podendo revestir-se de qualquer das formas admitidas em direito”. Note-se que, diferentemente da Sociedade de Economia Mista, o capital para formação da empresa pública é exclusivamente estatal, pertencente à União. Contudo é similar à Sociedade de Economia Mista quanto aos empregados de seus quadros, os quais, apesar da exigência de aprovação em concurso público para admissão nestas corporações, não têm estabilidade e são regidos pelo regime celetista. É, como a Sociedade de Economia Mista, também criada pelo Estado para exercer atividade econômica ou prestação de serviço público. A Caixa Econômica Federal é exemplo clássico de Empresa Pública. Unidade 6 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 251 251 02/03/12 09:49 Universidade do Sul de Santa Catarina Seção 4 - Organização administrativa: órgãos, cargos e agentes públicos O objeto de estudo da presente unidade é conceituar e diferenciar os órgãos, cargos, funções e agentes públicos. Inicia-se pelos aspectos mais abrangentes, partindo-se, então, para os mais específicos. 4.1. Órgão Público Órgãos públicos são centros de competência ou unidades de atuação, pertencentes a uma entidade estatal, dotados de atribuições próprias, porém não dotados de personalidade jurídica. (MEIRELLES, 2003). Podem ser independentes (Congresso Nacional, Ministério Público), ou não (a maior parte dos casos), quando serão então dependentes e subordinados hierarquicamente ao ente a que estão vinculados. Os órgãos públicos surgem no mesmo momento em que se constitui a pessoa jurídica que os origina. A não titularidade de direitos e de obrigações ou a nãopersonalização do órgão leva à inviabilidade de responder em juízo por atos de seus agentes. Neste caso, responderá a pessoa jurídica a que pertencem estes agentes (União, Estado-federado, Distrito-Federal ou Município). “Função é a atribuição ou o conjunto de atribuições que a Administração confere a cada categoria profissional ou comete individualmente a determinados servidores” (MEIRELLES, 2003, p. 392). 4.2. Cargo Público O cargo público tem caráter funcional na estrutura administrativa, apesar de não se confundir com o conceito de função pública. Segundo Meirelles (2003, p. 392 ), “é o lugar instituído na organização do serviço público, com denominação própria, atribuições e responsabilidades específicas e estipêndio correspondente, para 252 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 252 02/03/12 09:49 Instituições de Direito Público e Privado ser provido e exercido por um titular, na forma estabelecida em lei”. Contudo, como reforça o mesmo autor, “todo cargo tem função, mas pode haver função sem cargo” (MEIRELLES, 2003, p. 393). Por cargo público pode-se entender o posto de trabalho legalmente criado dentro da estrutura da Administração e com atribuições próprias e específicas, determinadas na mesma lei que o criou, que devem ser executadas pela pessoa física que preencher este cargo. Contém um conjunto de atribuições e responsabilidades. Segundo o princípio do paralelismo das formas, cargos públicos são criados e extintos necessariamente por lei. Todavia há exceções. O primeiro exemplo de exceção à regra da extinção de cargos somente por lei é o caso previsto no art. 84, VI, b, da CF: Art. 84 - Compete privativamente ao Presidente da República: VI - dispor, mediante decreto, sobre: b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos; [...] O princípio do paralelismo das formas assinala que “um ato jurídico só se modifica mediante o emprego de formas idênticas àquelas adotadas para elaborá-lo” (BONAVIDES, 2006, p. 184). Ou seja, o cargo público vago pode ser extinto por decreto do Presidente da República, não precisando de lei específica para tanto. Outra exceção é o caso dos assessores e auxiliares do Poder Legislativo. Estes cargos são criados por resolução (não por lei) da própria casa legislativa (Senado, Câmara dos Deputados ou Assembleias Legislativas Estaduais e Câmaras de Vereadores). Segundo Meirelles (2003), existem diversos tipos de cargo: o cargo de carreira, o isolado, o técnico, etc. Importante destaque deve ser conferido aos Cargos em Comissão. Antigamente os Cargos em Comissão eram chamados de Cargos de Confiança ou simplesmente “CC” - antes da EC 19/98, que realizou a chamada Reforma Administrativa. Segundo o inciso V do Art. 37 da CF, os Cargos em Comissão declarados, em lei, de livre nomeação ou exoneração podem ser ocupados por qualquer pessoa, ou seja, não é exigido concurso público para serem preenchidos, tampouco procedimento administrativo para exoneração do ocupante. No entanto deve haver expressa previsão legal de preenchimento de um percentual mínimo dos Cargos em Comissão de determinado Órgão por servidores de carreira (“concursados”). Unidade 6 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 253 253 02/03/12 09:49 Universidade do Sul de Santa Catarina O art. 37, V, da CF estabelece: V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento; [...] O Cargo em Comissão não se confunde com a Função de Confiança. Esta somente pode ser exercida por quem já tem um cargo público, por quem é servidor público efetivo, aprovado em concurso público. A Função de Confiança, assim como o Cargo em Comissão, é distribuída para o agente exercer atribuições de direção, chefia e assessoramento. Os cargos públicos podem ser ocupados tanto por brasileiros natos ou naturalizados bem como por estrangeiros, com exceção daqueles cargos reservados a brasileiros natos pela Constituição Federal. Por sua vez, o artigo 37, I, da Constituição prescreve: “Os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei”. Segundo a regra geral, para se ingressar efetivamente na administração pública, há necessidade de prévia aprovação em concurso público. O concurso público, segundo o art. 37, III, da CF, tem prazo de validade de dois anos, prorrogável uma vez por igual período. Assim, no edital de abertura, a autoridade administrativa poderá atribuir qualquer prazo de validade, desde que não ultrapasse os dois anos estabelecidos no artigo referido. A prorrogação será pelo mesmo prazo previsto para a validade inicial do concurso. A Constituição também prevê casos em que não há exigência de concurso público para o preenchimento do cargo, tais como: a) agente nomeado para cargo em comissão; b)agentes contratados temporariamente; c) hipóteses expressas na própria Constituição: Ministros dos Tribunais Superiores, Ministros do Tribunal de Contas da União e Conselheiros dos Tribunais de Contas dos Estados, os ocupantes dos cargos decorrentes do chamado “quinto constitucional”,agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias. 254 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 254 02/03/12 09:49 Instituições de Direito Público e Privado Contudo estas hipóteses apresentadas anteriormente nas letras “a”, “b” e “c” correspondem à exceção à regra do preenchimento de cargos públicos. 4.3. Agentes Públicos A execução das funções e serviços públicos é de competência dos órgãos da Administração Direta e das pessoas jurídicas públicas da Administração Indireta. Porém quem executa esta tarefa, quem efetivamente realiza a atividade da administração da coisa pública são pessoas físicas: os agentes públicos. Em sentido amplo, agente público é todo aquele que exerce função pública, seja de forma temporária ou permanente, com ou sem remuneração. As funções públicas exercidas pelos agentes têm a natureza de encargo (múnus público) e devem se destinar a satisfazer as necessidades da coletividade. 4.3.1.Espécies de Agentes Públicos A literatura jurídica, com pequenas alterações de obra para obra, costuma classificar os agentes públicos segundo os critérios e categorias indicados. Adotaram-se, para padronização, os critérios utilizados por Meirelles (2003), que são descritos a seguir. 4.3.1.1. Agentes políticos Os agentes políticos representam a vontade do Estado e exercem as funções de chefia de governo. Estão no topo da estrutura estatal. São agentes políticos os chefes do poder executivo em cada esfera estatal. Também são agentes políticos seus auxiliares imediatos: Ministros, Secretários Estaduais e Secretários Municipais, que formam o primeiro escalão de governo. Os membros do Poder Legislativo Federal, Estadual e Municipal também são agentes políticos: Senadores, Deputados Federais, Deputados Estaduais e Vereadores. Unidade 6 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 255 255 02/03/12 09:49 Universidade do Sul de Santa Catarina A doutrina majoritária (por todos MEDAUAR, 2003) também inclui no rol dos agentes políticos os membros da Magistratura e do Ministério Público. 4.3.1.2. Agentes administrativos Segundo Meirelles (2003, p. 78), os agentes administrativos “são todos aqueles que se vinculam ao Estado ou às suas entidades autárquicas e fundacionais por relações profissionais, sujeitos à hierarquia funcional e ao regime jurídico determinado pela entidade estatal a que servem”. Desta forma, é um “servidor estatal”, abrangendo o conceito de “servidor público”. Servidor estatal é todo aquele agente público que está vinculado à Administração Direta ou Indireta, que atua nas pessoas jurídicas de direito público, seja pelo regime estatutário (cargo público), seja com relação de emprego celetista (emprego público). O Servidor Público propriamente dito, em sentido estrito, é aquele que atua nas pessoas jurídicas de direito público da Administração Direta ou ainda na Administração Indireta, como as autarquias e fundações públicas com regime de direito público. Em regra, o servidor público é regido pelo regime estatutário e, com isto, tem como característica marcante, além de outras, a estabilidade no cargo após ter cumprido o estágio probatório de três anos. Já o Empregado Público é o servidor de ente governamental atuando sob o regime de direito privado, como as Empresas Públicas, as Sociedades de Economia Mista e as Fundações Públicas de Direito Privado. Os empregados públicos equiparam-se aos servidores públicos em alguns aspectos: exigência de concurso público para ingresso; regra de não acumulação de cargos; se a empresa recebe fundos governamentais para custeio, têm teto salarial igual ao dos servidores públicos; 256 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 256 02/03/12 09:49 Instituições de Direito Público e Privado sujeitam-se aos preceitos da Lei de Improbidade Administrativa e às penalidades previstas no Código Penal, art. 327 - Dos Crimes dos Funcionários Públicos; seus atos são passíveis de Mandado de Segurança caso atentem contra direitos líquidos e certos dos administrados. O que os diferencia marcantemente dos servidores públicos é o fato de não terem estabilidade, “sujeitos ao regime jurídico da CLT; daí serem chamados também de ‘celetistas’” (MEIRELLES, 2003, p. 388). 4.3.1.3. Particulares em colaboração Há previsão para o cidadão comum, o particular, poder exercer, em determinadas hipóteses, função pública momentaneamente. Nestes casos, não perde a qualidade de particular, não se transforma em servidor público. Há previsão de particulares em colaboração de diversos tipos: os requisitados, como os mesários nas eleições e o jurado do Tribunal do Júri; os voluntários, como os médicos que, em uma epidemia, por exemplo, auxiliem hospitais públicos e os dirigentes de órgãos de classe. São chamados por Meirelles (2003) de agentes honoríficos. Outros exemplos de particulares em colaboração são aqueles que exercem função pública, atuando nas concessões e permissões; aqueles que exercem atos oficiais, recebendo a titularidade diretamente do texto constitucional, como os prestadores de ensino e saúde particulares; aqueles prestadores de serviço em razão de locação civil de serviço e também certas funções delegadas, como os oficiais de cartório. Unidade 6 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 257 A Constituição Federal de 1988 estabelece em seu art. 23, V, que é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência e, em seu art. 24, IX, que compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre educação, cultura, ensino e desporto. Já, no art. 209, a Constituição trata do ensino particular: “O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições: I - cumprimento das normas gerais da educação nacional; II - autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público”. A Constituição Federal de 1988 trata o ensino como serviço público, mas, por outro lado, não como atividade exclusiva do Estado, da mesma forma como age em relação a outras atividades também nela previstas (saúde, cultura, preservação do meio ambiente). Ou seja, quando o Estado exercer a atividade, estar-se-á diante de uma atividade caracterizada como serviço público, ao passo que, quando exercida pela iniciativa privada, será apenas sujeita ao poder de polícia do Estado. 257 02/03/12 09:49 Universidade do Sul de Santa Catarina Seção 5 - Previsão Constitucional da Administração Pública: seus princípios e as competências da União, Estados e Municípios O constituinte brasileiro fez constar expressamente, no texto da Constituição da República, capítulo específico para a Administração Pública. Esta disciplina se encontra no capítulo VII da Constituição, chamado “Da Administração Pública”, e se estende do artigo 37 ao artigo 43, além de disposições pontuais em diversas partes do texto constitucional. Este mencionado capítulo é dividido em quatro seções. A primeira seção, intitulada Disposições Gerais, traz os princípios da Administração Pública, consagrando o nome da seção, disposições gerais sobre cargos, empregos e funções públicas e sua forma de provimento, vencimentos e subsídios, licitação para as compras públicas de bens e serviços, administração tributária, disciplina da publicidade dos órgãos, participação dos usuários na Administração Indireta, improbidade e ilícitos administrativos, responsabilidade das pessoas jurídicas de direito público e privado prestadoras de serviços públicos pelos danos por elas provocados aos usuários, bem como regras para servidores públicos em mandato eletivo. A segunda seção, intitulada “Dos Servidores Públicos”, traz os postulados gerais sobre os cargos, funções, formas de provimento e acesso, previdência e estabilidade dos servidores públicos. A terceira seção trata “Dos Militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios”, disciplinando também os corpos de bombeiros militares e pensionistas, remetendo ao Estado-federado a competência e a incumbência de legislar especificamente sobre este tema. A quarta e derradeira seção, chamada “Das Regiões”, regula as hipóteses de criação de áreas com afinidades geoeconômicas e sociais, para que a ação estatal promova o seu desenvolvimento, segundo os postulados que estabelece. Exemplos de entidades de atuação regional: SUFRAMA - Superintendência da Zona Franca de Manaus; SUDAM - Superintendência do desenvolvimento da Amazônia, criada pela LC 124/2007; SUDENE - Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste, criada pela LC 125/2007. 258 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 258 02/03/12 09:49 Instituições de Direito Público e Privado Vários dispositivos das seções acima mencionadas já foram abordados nesta unidade, em outras seções. O primeiro objetivo da presente seção é investigar os princípios constitucionais expressamente criados para orientar a atividade da Administração. O segundo, analisar as competências que a Constituição Federal deferiu aos estados-federados, ao distrito federal, aos municípios e à própria União. 5.1. Princípios Constitucionais da Administração Pública No direito administrativo, a utilização dos princípios é de grande importância, porque eles auxiliam a compreensão e consolidação dos seus temas, principalmente em razão de haver, no âmbito da Administração Pública, grande diversidade de diplomas normativos esparsos, relativos à maioria das suas várias possibilidades de atuação sem uma lei infraconstitucional, como um Código, por exemplo, tendente a sistematizar o regime jurídico - administrativo. Como já estudado no item 1.2. da presente unidade didática. Os princípios teriam o condão de, em última análise, conferir sistematicidade ao regime, na busca de maior segurança na interpretação e aplicação das normas. Segundo Odete Medauar (2008, p. 121), “daí a importância dos princípios, sobretudo para possibilitar a solução de casos não previstos, para permitir melhor compreensão dos textos esparsos e para conferir certa segurança aos cidadãos quanto à extensão dos seus direitos e deveres”. Existem muitos princípios a nortear a atividade da Administração Pública. Princípios legais, decorrentes de normas legais somam-se a outros princípios, surgidos de construções doutrinárias e jurisprudenciais. O privilégio, todavia, reserva-se aos princípios constitucionais que, como valores abstratos e gerais dispostos expressamente no corpo constitucional, revestem-se de hierarquia suprema no ordenamento jurídico. Portanto esta seção privilegia os princípios constitucionais da Administração Pública, enunciados no caput do art. 37 da Constituição Federal: Unidade 6 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 259 259 02/03/12 09:49 Universidade do Sul de Santa Catarina Art. 37 - A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência [...] Estes princípios, conforme Hely Lopes Meirelles (2003, p. 87), deverão pautar todos os atos e atividades administrativas de todos os agentes públicos. Segundo Meirelles, estes princípios constituem a estrutura, os fundamentos da atividade administrativa, e o desrespeito a seus preceitos causa o desvirtuamento na gestão dos negócios públicos. 5.1.1. Princípio da legalidade O princípio da legalidade impõe à Administração Pública a observância fiel e constante ao ordenamento legal, tendo sua atuação vinculada à lei. É o princípio que distingue um Estado de Direito, observador das leis, de outro qualquer (MELLO, 2003). Segundo Hely Lopes Meirelles (2003, p. 86), na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. A eficácia de toda atividade administrativa está condicionada ao atendimento da lei e do direito, sempre visando o interesse público. Nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello (2003, p. 87): Ele [o princípio da legalidade] é a tradução jurídica de um propósito político: o de submeter os exercentes do poder em concreto o administrativo a um quadro normativo que embargue favoritismos, perseguições ou desmandos. Neste sentido, Odete Medauar (2008, p. 121) afirma que o princípio da legalidade informa toda a atividade administrativa e, em decorrência desta vinculação, a Administração deve sujeitar-se às normas legais, aos preceitos decorrentes de um Estado Democrático de Direito e aos princípios e fundamentos de base constitucional. 260 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 260 02/03/12 09:49 Instituições de Direito Público e Privado 5.1.2. Princípio da impessoalidade O princípio da impessoalidade, em última análise, diz que o agir administrativo não deve estabelecer preferências pessoais em detrimento da generalidade dos administrados que fazem jus a tratamento equânime. Na lição de Moreira Neto (2005), o princípio da impessoalidade traz tríplice proibição: em primeiro lugar, proíbe a Administração de estabelecer diferenças onde a lei não as estabelece; em segundo lugar, proíbe que a Administração persiga interesses públicos considerados secundários desvinculados de interesses públicos considerados primários, afirmando com isso que o Estado jamais deve atuar em seu exclusivo benefício, mas sempre no da sociedade; por fim, semelhante à segunda proibição, veda a Administração Pública de dar preferência a interesses outros que não os finalísticos. (MOREIRA NETO, 2005, p. 95). Em última análise, pode-se dizer que o princípio da impessoalidade impõe a impessoalidade do agente administrativo, que atua em nome do órgão, e não como pessoa física, e, também, a isonomia com que os administrados devem ser atendidos. Ou seja: a isonomia da atuação administrativa, que deve atender ao interesse público, sem apadrinhamentos ou preferências. Com este princípio, o constituinte procurou criar obstáculo às atuações geradas por antipatias ou simpatias, nepotismo, favorecimentos diversos, muito comuns em licitações, concursos públicos e no exercício do poder de polícia (fiscalização). 5.1.3. Princípio da moralidade Analisando o princípio da moralidade, Celso Antônio Bandeira de Mello (2003, p. 109) afirma que “de acordo com ele, a Administração e seus agentes têm de atuar na conformidade de princípios éticos. Violá-los implicará violação ao próprio Direito”. Segundo este mesmo autor, a lealdade e a boa-fé integram o princípio da moralidade. Unidade 6 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 261 261 02/03/12 09:49 Universidade do Sul de Santa Catarina Para Giacomuzzi (2002), a moralidade implica dever para a Administração Pública de agir objetivamente com boa-fé e dever de probidade ao administrador. Em geral, a percepção da imoralidade administrativa ocorre ao se considerar o contexto histórico e geográfico em que a decisão é tomada. Por exemplo: no atual momento histórico, em que uma crise financeira mundial ameaça os empregos e a renda da população, poderia configurar-se em imoralidade o corte de gastos em investimentos geradores de emprego e renda e, ao mesmo tempo, determinar gastos elevados para fazer uma reforma fútil de mero paisagismo em prédios utilizados como moradias funcionais de detentores de cargos públicos. O agente público, como ser humano dotado da capacidade de agir, deve, necessariamente, distinguir o bem do mal, o honesto do desonesto, e, ao agir, não poderá desprezar o elemento ético de sua atuação. Por considerações de direito e de moral, o ato administrativo não terá de obedecer somente à lei jurídica, mas também aos postulados éticos da própria instituição, porque nem tudo que é legal é moral, conforme se observa no exemplo acima: não é ilegal a reforma de um prédio da Administração, mas o momento inoportuno tornaria viciado o ato da reforma do prédio por afronta ao princípio da moralidade administrativa. A Constituição Federal atribui tamanha importância a este princípio que, em seu artigo 5º, quando declara os direitos e garantias fundamentais dos cidadãos, previu sua utilização pelo cidadão como fundamento para propor Ação Popular para anular o ato administrativo viciado. O princípio da moralidade é também chamado de princípio da probidade administrativa. 262 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 262 02/03/12 09:49 Instituições de Direito Público e Privado Eis alguns exemplos do que os tribunais brasileiros entendem por afronta à moralidade administrativa: alteração posterior de critério de cálculo para apuração de média final em concurso público. (STJ). 5.1.4. Princípio da publicidade Pelo princípio da publicidade, fica instituída a obrigatoriedade da Administração Pública promover ampla divulgação de seus atos, ressalvadas, logicamente, as hipóteses de sigilo previstas na lei. Segundo Medauar (2008, p. 123), a publicidade dos atos da Administração tem o condão de dificultar medidas contrárias à moralidade e impessoalidade. Para esta autora, os princípios da impessoalidade, da moralidade e da publicidade estão intimamente ligados, coordenando a possibilidade de controle da atuação dos gestores da coisa pública. Medauar (2008, p. 124) traz ainda passagem propícia à reflexão: Os princípios da impessoalidade, moralidade e publicidade apresentam-se intrincados de maneira profunda, havendo, mesmo, instrumentalização recíproca - assim, a impessoalidade configura-se meio para atuações dentro da moralidade; a publicidade, por sua vez, dificulta medidas contrárias à moralidade e impessoalidade; a moralidade administrativa, de seu lado, implica observância da impessoalidade e da publicidade. Embora nem sempre seja possível afastar as implicações recíprocas desses princípios, o estudo em separado atende a requisitos didáticos. 5.1.5. Princípio da eficiência O princípio da eficiência pode ser analisado, por um lado, em relação ao modo de atuação do agente público, que deve prestar atendimento com urbanidade, presteza e perfeição, e, por outro lado, pode ser encarado em razão do modo de organizar, estruturar, disciplinar a Administração Pública, ambos os aspectos destacando o objetivo de se alcançarem melhores resultados na prestação do serviço público. (DI PIETRO, 2003, p. 83). Unidade 6 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 263 263 02/03/12 09:49 Universidade do Sul de Santa Catarina Di Pietro (2003) salienta, ainda, que o princípio da eficiência, recentemente inserido no caput do art. 37 da CF pela EC 19/98, já se encontrava previsto no Decreto-Lei 200/67, com a submissão de toda atividade administrativa ao controle de resultado (arts. 13 e 25, V), e já recomendava a demissão ou dispensa do servidor comprovadamente ineficiente ou desidioso (art. 100). Além destes cinco princípios desenvolvidos na presente seção, expressamente previstos no texto constitucional no momento em que disciplina a Administração Pública, os administrativistas brasileiros sustentam a existência de outros princípios, a saber: da finalidade (MELLO, 2003), da razoabilidade (MELLO, 2003; MEIRELLES, 2003; FIGUEIREDO, 2004), da proporcionalidade (MELLO, 2003; MEIRELLES, 2003), da igualdade (FIGUEIREDO, 2004), da motivação (MELLO, 2003; FIGUEIREDO, 2004), do devido processo legal e da ampla defesa (MELLO, 2003), do controle judicial dos atos administrativos (MELLO, 2003), da responsabilidade do Estado por atos administrativos (MELLO, 2003; FIGUEIREDO, 2004), e da segurança jurídica (MELLO, 2003), da boa-fé (FIGUEIREDO, 2004). Alguns destes princípios já foram estudados quando se abordam os princípios de Direito Administrativo. A análise aprofundada de todos eles ultrapassa os objetivos da presente seção didática e requerem pesquisa específica por parte dos interessados. 264 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 264 02/03/12 09:49 Instituições de Direito Público e Privado 5.2. As Competências da União, Estados e Municípios A repartição de competências entre a União, os Estado e os Municípios é feita pela Constituição Federal e norteada pelo princípio da predominância do interesse. Assim, são atribuídas à União as matérias e questões de predominante interesse geral. Aos Municípios são atribuídos os assuntos de interesse local. Por fim, aos Estados são reservadas as competências de interesse regional que não lhes sejam vedadas pela própria Constituição. Assim, diz-se que a competência dos Estados é remanescente ou residual (lhes compete a matéria que restar e que não for proibida por força do parágrafo primeiro do artigo da Constituição Federal, assim redigido: “São reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas por esta Constituição”). Desta forma, compete administrativamente ao estado o que não for competência da União (art.21), dos Municípios (art.30), ou comum (art. 23). Portanto, na Constituição Federal de 1988, várias matérias foram atribuídas simultaneamente a mais de um ente federativo (VAN HOLTHE, 2008, p. 243-260). Desta forma, torna-se necessária a seguinte análise do texto constitucional: São de competência comum entre União, Estados-federados e Municípios, ou seja, é competência de cada um e de todos eles, as matérias de interesse do Estado brasileiro como um todo, e são aquelas expressas no art. 23 da CF. De todas as atribuições lá elencadas, podemos destacar como de interesse de todo o Estado brasileiro, por exemplo: a guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público (inciso I), o combate às causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos (inciso X), a saúde pública (inciso II), Unidade 6 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 265 265 02/03/12 09:49 Universidade do Sul de Santa Catarina a proteção ao meio ambiente (incisos VI e VII), a preocupação com a cultura (incisos III, IV e V) e com a moradia (inciso IX). A competência da União está prevista no art. 21 da CF. São exemplos destacados de competência da União: inciso II – declarar a guerra e celebrar a paz – e o inciso VII – emitir moeda. A competência dos municípios é estabelecida no art. 30 da CF. Compreende, além das matérias de predominante interesse local (inciso I), como o serviço público de transporte coletivo, o adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, parcelamento e ocupação do solo urbano (inciso VIII). Ao Distrito Federal são atribuídas as competências comuns (art. 23), as competências dos municípios (art. 30) e as competências dos Estados (art. 21 e 22). Confira os artigos citados da Constituição Federal para saber mais sobre as competências da União, do Estado, dos municípios e do Distrito Federal. Seção 6 - Crimes contra a Administração: a improbidade administrativa (Lei 8429/92) e a responsabilidade fiscal (LC. 101/00) Quando estudado o princípio da moralidade administrativa, observou-se que o agente público deve distinguir o bem do mal, o honesto do desonesto, e, ao agir, não desprezar o elemento ético em sua atuação. Foi observado também que, em decorrência de fundamentos de direito e de moral, o ato administrativo terá que obedecer à lei e também à ética porque, como visto, nem tudo que é legal é moral (non omne quod licet honestum est, ou “nem tudo que é lícito é honesto”). 266 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 266 02/03/12 09:49 Instituições de Direito Público e Privado Do princípio da moralidade, expresso no caput do art. 37 da Constituição Federal, pode-se perceber, implícito, o princípio da probidade administrativa e o decorrente dever de o agente público agir com probidade ou, como enfatiza Giacomuzzi (2002, p. 179), com honestidade. A doutrina brasileira é majoritária em vincular o estudo e a regulamentação da improbidade administrativa ao espectro do princípio da moralidade administrativa. Nas palavras de Di Pietro (2003, p. 672), “comparando moralidade e probidade, pode-se afirmar que, como princípios, significam praticamente a mesma coisa”. Por sua vez, Giacomuzzi (2002, p. 178) afirma que “o mais usual é encontrar na doutrina o liame entre corrupção e imoralidade, mencionando-se a figura da improbidade administrativa, que seria decorrente da moralidade administrativa”. Entretanto, segundo Di Pietro (2003, p. 672): [...] quando se fala em improbidade como ato ilícito, deixa de haver sinonímia entre as expressões improbidade e imoralidade, porque aquela tem um sentido muito mais amplo e muito mais preciso, que abrange não só atos desonestos ou imorais, mas também e principalmente atos ilegais. Segundo José Afonso da Silva (apud GIACOMUZZI, p. 287), improbidade administrativa é “uma imoralidade qualificada pelo dano ao Erário e correspondente vantagem ao ímprobo ou a outrem”. A lei 8.429/92, que disciplina os atos de improbidade administrativa, os definiu em três categorias diferentes: atos que importam em a) enriquecimento ilícito, previstos no artigo 9º da lei; b)prejuízo ao erário, previstos no art. 10º da lei; e c) afronta aos princípios norteadores da administração pública, previstos no art. 11 da lei. Unidade 6 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 267 267 02/03/12 09:49 Universidade do Sul de Santa Catarina O rol de tipos descritos neste último artigo não é exaustivo, o que vale dizer que o legislador deixou a possibilidade de se enquadrar qualquer ato que atente contra os princípios da administração pública ou qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições. Para Di Pietro (2003, p. 672), isto “vale dizer que a lesão ao princípio da moralidade ou a qualquer outro princípio imposto à Administração Pública constitui uma das modalidades de ato de improbidade”. Ainda segundo Di Pietro (2003, p.677), “o ato de improbidade administrativa praticado por servidor público corresponde também a um ilícito administrativo”. As sanções possíveis aos atos de improbidade administrativa admitidas pela Constituição Federal no art. 37, § 4º, são: suspensão dos direitos políticos, perda da função pública, indisponibilidade dos bens, ressarcimento ao erário. Elas não excluem as demais implicâncias do ato de improbidade nas esferas penal e civil. Na Lei de Improbidade Administrativa (8.429/92), em seu artigo 12, estão previstas as medidas de “perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio” do agente ímprobo, quando houver aumento em seu patrimônio pessoal em decorrência da improbidade, “a multa civil” e a “proibição de contratar com o Poder Público, ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios” do Poder Público, a serem graduadas conforme a gravidade do delito e a atuação do agente. Ainda, conforme Di Pietro (2003), apesar das consequências na esfera administrativa, a improbidade pode ter consequências na esfera criminal, com a instauração de processo criminal e aplicação 268 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 268 02/03/12 09:49 Instituições de Direito Público e Privado das sanções penais previstas e, ainda, pode se constituir em ilícito de natureza civil e política, porque pode implicar a suspensão dos direitos políticos, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento dos danos causados ao erário. (DI PIETRO, 2003, p. 678). Estas são as três faces de um ato de improbidade administrativa, de acordo com as implicações nas três instâncias: I. ilícito administrativo, II.ilícito penal e, também, III.ilícito civil, pois, se houver prejuízo ao erário, o autor deverá ressarcir a Administração Pública. A prescrição da ação de improbidade, conforme o art. 23 da Lei 8.429/92, ocorre cinco anos após o término do mandato, ao fim do exercício do cargo em comissão ou função de confiança, para os que não exercem cargo efetivo. Para os servidores efetivos, estatutários ou celetistas, o prazo prescricional é o mesmo do previsto para os casos de faltas disciplinares puníveis com demissão. Contudo as ações de ressarcimento por danos causados por agentes públicos são imprescritíveis. O agente ímprobo sempre terá que devolver aquilo de que indevidamente apropriou-se, a qualquer tempo. Confira os artigos citados da Constituição Federal para saber mais sobre crimes contra a administração. Lei de Responsabilidade Fiscal A Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF (Lei Complementar 101, de 4 de maio de 2000, ou simplesmente LC 101/2000) disciplina a gestão fiscal e parte de um princípio básico de bom gerenciamento de finanças: não se deve gastar mais do que se ganha. Na tendência atual da substituição da administração pública burocrática por uma administração gerencial, a disciplina da gestão dos recursos públicos atrelada à responsabilidade do Unidade 6 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 269 269 02/03/12 09:49 Universidade do Sul de Santa Catarina gestor público objetiva impingir maior eficiência na atuação do agente, principalmente com a exigência de uma administração equilibrada das contas públicas em benefício da sociedade. Os órgãos técnicos de análise afirmam: A lei de Responsabilidade Fiscal estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal. É um código de conduta para os administradores públicos que passarão a obedecer a normas e limites para administrar as finanças, prestando contas de quanto e como gastam os recursos para a sociedade. (SANTA CATARINA, 2002, p. 13). Quando foi abordada a Lei da Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92), invocou-se o princípio constitucional da moralidade administrativa para contextualizá-la. Agora se destaca que, para nortear a difícil aplicabilidade e interpretação da LRF (Lei da Responsabilidade Fiscal), o gestor público deve nortear-se pelos princípios do planejamento, da transparência e da eficiência. Segundo o Guia do Tribunal de Contas de SANTA CATARINA (p. 14-15), pelo princípio do planejamento, o gestor deve antecipar-se à execução de ações governamentais relativamente às atividades sob sua responsabilidade, tendo previamente em mãos a previsão de seu custo, duração, riscos, implicações e demais aspectos, agindo preventivamente, sob pena de estar infringindo este princípio. Com relação ao princípio da transparência, destaca-se o fato de que este é muito mais abrangente que o princípio da publicidade, previsto no caput do art. 37 da CF, pois requer que o gestor vá além da mera divulgação do conteúdo das ações governamentais: exige que este conteúdo seja compreensível para a sociedade. O mencionado Guia do Tribunal de Contas de Santa Catarina destaca ainda outro aspecto importante, decorrente do princípio da transparência, que é a maior participação popular na tomada de decisão, através das audiências públicas. 270 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 270 02/03/12 09:49 Instituições de Direito Público e Privado Finalmente, quanto ao princípio da eficiência, com o controle de resultados para o atendimento das metas, busca-se, sobretudo, a satisfação do usuário dos serviços públicos. Estes princípios são específicos da responsabilidade fiscal administrativa, mas não se pode nunca olvidar os demais princípios do Direito Administrativo e da Administração Pública em todas as searas da atuação do administrador da coisa pública. Com a promulgação da LRF, objetivou-se equilibrar as contas públicas e propor aos governantes um maior comprometimento com a elaboração dos orçamentos, para que sejam alcançados os resultados pretendidos. Para isso, a LRF proíbe a renúncia de receitas e o aumento irresponsável das despesas, evitando que a nova gestão, ao assumir a Administração, tenha que arcar com dívidas da gestão anterior. A LRF propõe ainda um regime de gestão fiscal responsável, que procura dissipar as desigualdades regionais, reduzindo o déficit público e estabilizando o montante das dívidas interna e externa em relação ao Produto Interno Bruto. Enfim, a LRF estabelece regras de conduta a serem observadas pelos administradores públicos que, se não as cumprirem, estarão sujeitos a sanções de ordem institucional e pessoal (conforme extraído de <www.uvc.org.br/downloads/1682329.doc>, acesso em 2 fev.2009). Segundo o Ministério da Fazenda: [...] a LRF cria condições para a implantação de uma nova cultura gerencial na gestão dos recursos públicos e incentiva o exercício pleno da cidadania, especialmente no que se refere à participação do contribuinte no processo de acompanhamento da aplicação dos recursos públicos e de avaliação dos seus resultados. Unidade 6 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 271 Veja no site: <http://www. tesouro.fazenda.gov.br/ hp/lei_responsabilidade_ fiscal.asp>. (Acessado em 7 maio 2009). 271 02/03/12 09:49 Universidade do Sul de Santa Catarina É o que está previsto no artigo inaugural da Lei: Art. 1º Esta Lei Complementar estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal, com amparo no Capítulo II do Título VI da Constituição. § 1º A responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas e a obediência a limites e condições no que tange à renúncia de receita, geração de despesas com pessoal, da seguridade social e outras, dívidas consolidada e mobiliária, operações de crédito, inclusive por antecipação de receita, concessão de garantia e inscrição em Restos a Pagar. Os meios de planejamento, os instrumentos disponibilizados aos gestores pela LRF, são o Plano Plurianual, a Lei de Diretrizes Orçamentárias e a Lei Orçamentária Anual. Controles localizados nos gastos com pessoal, nos limites de endividamento, organização do sistema próprio de previdência, transferência de recursos constitucionais e voluntários e déficit primário servem de referencial para avaliar o desempenho. (VICCARI JUNIOR, 2001, p. 14). Veja no site: <www.uvc.org. br/downloads/1682329.doc>. (Acessado em 7 maio 2009). Segundo o art. 73 da LRF, as infrações aos seus dispositivos serão punidas segundo o art. 359-A e seguintes do Código Penal, que tipifica os crimes contra as finanças públicas, o Decreto- Lei n° 201/67 que disciplina a atividade de prefeitos e vereadores, as Leis n. 1.079/50 (disciplina os crimes de responsabilidade) e 8.429/92 (estabelece as sanções aos agentes públicos por enriquecimento ilícito) e demais normas da legislação pertinente , especialmente a Lei n° 10.028, de 20 de outubro de 2000, com sanções para aqueles que gerirem os negócios públicos de maneira irresponsável e fraudulenta. O objetivo da legislação comentada na presente seção, antes de tudo, é a transparência, a honestidade e a eficiência no setor público. 272 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 272 02/03/12 09:49 Instituições de Direito Público e Privado Síntese Nesta unidade, você pôde aprender sobre o Direito Administrativo e a Administração Pública. Além disso, você viu noções e princípios de Direito Administrativo e sua estrutura. Foi ainda possível estudar a Administração Direta, Indireta, as pessoas públicas, cargos, funções e agentes públicos. Você viu ainda a previsão da Administração Pública na Constituição Federal, com os respectivos princípios e a distribuição das competências administrativas entre União, Estados Federados, Distrito Federal e Municípios. Ao final, você pôde observar as condutas lesivas à Administração Pública a partir das Leis de Improbidade Administrativa (Lei 8429/92) e a Lei de Responsabilidade Fiscal (LC. 101/00). Esta unidade pretendeu oferecer uma visão panorâmica sobre o Direito Administrativo Brasileiro. Atividades de autoavaliação 01) Nesta unidade, apresentou-se o conceito de Direito Administrativo. Explique o conceito de Direito Administrativo, listando suas principais características. Unidade 6 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 273 273 02/03/12 09:49 Universidade do Sul de Santa Catarina 02) Vimos aqui alguns princípios que regem o Direito Administrativo. Liste estes princípios e explique sua importância para o Direito Administrativo. Comente pelo menos um dos princípios de Direito Administrativo. 03) Como estudamos, há diferenças entre Administração Pública e governo. Explique estas diferenças, apresentando justificativas. 274 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 274 02/03/12 09:49 Instituições de Direito Público e Privado Saiba mais O conteúdo do Direito Administrativo é bastante extenso e, normalmente, seu estudo é feito de forma pontual em razão da conveniência e necessidade. Há, para quem quiser se aprofundar, bibliografia especializada para cada área do Direito Administrativo. Sugiro as bibliografias abaixo. ALEXANDRINO, Marcelo e PAULO, Vicente. Direito administrativo descomplicado. 16. ed. São Paulo: Método, 2008. MORAIS, Alexandre. Direito Constitucional Administrativo. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2007. Livros: BITTENCOURT, Marcus Vinicius Corrêa. Princípio da continuidade dos serviços públicos. In: BRAGA, Valeschka e Silva e NETTO, Luiz Fernando Silveira (Coord.). Debates em direito público. Revista de direito dos Advogados da União. Ano IV - nº 4 - outubro/2005. Campinas, SP: Millennium, 2005. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 18.ed. São Paulo: Malheiros, 2006. CRETELLA JUNIOR, José. Curso de direito administrativo. 17.ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2000. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 16.ed. São Paulo: Atlas, 2003. FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2004. GIACOMUZZI, José Guilherme. A moralidade administrativa e a boa-fé da administração pública. São Paulo: Malheiros, 2002. JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 2.ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006. Unidade 6 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 275 275 02/03/12 09:49 Universidade do Sul de Santa Catarina LIMA NETO, Alexandre Costa. Reposição ao erário e boa-fé do servidor. In: BRAGA, Valeschka e Silva e NETTO, Luiz Fernando Silveira (Coord.). Debates em direito público. Revista de direito dos Advogados da União. Ano VI - nº 6 outubro/2007. Brasília: ANAUNI, 2007. MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 12.ed. São Paulo: RT, 2008. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 27.ed. São Paulo: Malheiros, 2003. MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo: parte introdutória, parte geral e parte especial. 14.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. NUNES, Rizzatto. Manual de introdução ao estudo do direito. 6.ed. São Paulo, Saraiva, 2005. ROSA, Márcio Fernando Elias. Direito administrativo. Coleção sinopses jurídicas. Vol. XIX. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2003. SANTA CATARINA. Guia: lei de responsabilidade fiscal: lei complementar nº 101/2000. Neimar Paludo (redator). Florianópolis: Tribunal de Contas, 2002. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 1992. TELLES, Antonio A. Queiroz. Introdução ao direito administrativo. 2.ed. São Paulo: RT, 2000. VAN HOLTHE, Leo. Direito constitucional. 4.ed. rev. ampl. e atual. até a EC 56/07. Salvador: Juspodivm, 2008. VICCARI JUNIOR, Adauto et al. CRUZ, Flávio (org.). Lei de responsabilidade fiscal comentada: lei complementar nº 101, de 4 de maio de 2000. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2001. 276 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 276 02/03/12 09:49 Para concluir o estudo Caro(a) Aluno(a), Que ótimo! Concluímos o estudo deste livro, o qual teve como objetivo central introduzi-lo(a) na área do Direito. Cada unidade correspondeu a uma fração do conteúdo proposto. Você iniciou seus estudos na disciplina Instituições de Direito Público e Privado, conhecendo o “Estado”. Estudou a sua origem, o Estado-nação e o Estado de direito. A segunda unidade oportunizou o entendimento do Direito como justiça e as normas inseridas no ordenamento jurídico. O conteúdo das duas unidades iniciais possibilitou a compreensão das unidades posteriores, permitindo adentrar em ramos específicos do Direito. Na terceira unidade, você conheceu o Direito Constitucional. Esta unidade trouxe o conceito de Direito Constitucional e Constituição, as teorias constitucionais de Sieyès, Lassale e Hesse, a classificação das constituições e os direitos e garantias elencados no art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. O livro proporcionou também um conhecimento introdutório do Direito Civil, abordando a sua história e a Lei de Introdução ao Código Civil. A quinta unidade reservou o estudo para o Direito Penal. Nesta unidade, você apreendeu os princípios gerais do Direito Penal, dentre os quais destacamos aqui o da legalidade e da presunção de inocência e os princípios mais importantes da ordem econômico-social. Conheceu também o contexto sobre o qual foi criado. instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 277 02/03/12 09:49 Universidade do Sul de Santa Catarina Na sexta e última unidade, foram-lhe apresentados conhecimentos sobre o Direito e a Administração Pública. No primeiro momento, você estudou o Direito Administrativo e, em seguida, as peculiaridades da Administração Pública. Sucesso e bons estudos! instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 278 02/03/12 09:49 Referências AZAMBUJA, Darcy. Teoria geral do Estado. 26. ed. Rio de Janeiro: Globo, 1941. BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito Constitucional. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 1990. BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1989. BITTENCOURT, Marcus Vinicius Corrêa. Princípio da continuidade dos serviços públicos. In: BRAGA, Valeschka e Silva; NETTO, Luiz Fernando Silveira (Coord.). Debates em direito público. Revista de direito dos Advogados da União. Ano IV – nº 4 – outubro/2005. Campinas, SP: Millennium, 2005. BOBBIO, Norberto. Estado governo sociedade: para uma teoria geral da política. 13 ed. São Paulo: Paz e Terra, 2007. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. BRASIL, Decreto-Lei nº 4.657 de 4 de setembro de 1942. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro. Diário Oficial da União, Brasília-DF, 1942. BRASIL, Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União, Brasília-DF, 2002. BRASIL, Lei nº 8.078 de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. 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Moreira Bacharel em Direito, advogado militante nas áreas de Direito Civil, Trabalhista e Penal. Especialista em Direito Penal e Processo Penal. Membro da Comissão de Tecnologia da Informação da OAB/SC. Professor de Direito em cursos de MBA na área de Administração da Fundação dos Administradores de Santa Catarina. Lauro Jose Ballock Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC, 1981) e Mestre em Direito Penal (UNISUL, 2002). Atualmente é advogado, professor da UNISUL dos Cursos de Direito e Segurança Pública, além de ser supervisor-geral do Escritório Modelo de Advocacia da UNISUL unidade de Içara. É também coordenador do curso de especialização lato sensu em Segurança Pública da UNISUL. instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 283 02/03/12 09:49 Universidade do Sul de Santa Catarina Raphael Lima de Abreu Bacharel em Direito; Advogado; Gestor e Auditor de Processos de melhoria contínua - BVQI – ISSO 9001; bolsista do CNPQ em 1997 e Coprodutor do livro Florianópolis: A cidade vista por seus personagens em 2001; professor conteudista do livro didático Teoria geral do Processo Legislativo, editado pela Unisul. Zuleika Kalinka Schlemmer Bacharel em Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina (2005). Advogada inscrita na OAB/SC. Especialista em Direito Processual (2009) - UNISUL/IELF. Ex- servidora pública federal, atuando hoje na iniciativa privada, na área de contratos com a Administração Pública. instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 284 02/03/12 09:49 Respostas e comentários das atividades de autoavaliação Unidade 1 1) No surgimento originário, não há um Estado anterior, enquanto que, no derivado, há no mínimo um Estado préexistente. 2) Há diversos modelos, entre eles o modelo de origem familial, contratual, econômico, violento, fruto do desenvolvimento interno da sociedade ou de origem natural. 3) União de dois ou mais Estados ou o fracionamento de um. Unidade 2 1) O Direito. 2) São três; a história do Direito, a Sociologia Jurídica e a Ciência Jurídica. 3) O bem comum; ou a pacificação social. Unidade 3 1) O Direito Constitucional é um ramo do Direito Público Interno e tem por objeto o estudo da Constituição. Na divisão clássica do Direito, pertence ao ramo público, sendo ele o próprio cerne do Direito Público Interno, cujo objeto é a própria organização básica do Estado. 2) A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 é classificada da seguinte maneira: formal, escrita, rígida, codificada, Popular (Promulgada) e Constituição-garantia. 3) A Constituição se configura como a lei maior, a norma suprema, com posição superior ao resto do ordenamento jurídico. Com base na teoria da Estrutura Escalonada da Ordem Jurídica de Hans Kelsen, a norma reguladora da produção é a superior. E a norma produzida segundo as determinações daquela é a inferior. instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 285 02/03/12 09:49 Universidade do Sul de Santa Catarina Unidade 4 1) Regular as relações jurídicas entre particulares. 2) Não, ela é uma lei que determina regras gerais sobre o funcionamento de todo o ordenamento jurídico. 3) Na incapacidade absoluta, considera-se que o sujeito de direito não possui qualquer discernimento para realizar atos civis, a vontade do sujeito é expressa somente através de seu representante legal. Na incapacidade relativa, considera-se que o sujeito de direito possui discernimento reduzido para expressar sua vontade em atos da vida civil e deve, portanto, ser assistido por um responsável. Unidade 5 1) Nesta hipótese, cabe analisar isoladamente a conduta de cada um dos envolvidos, a saber: a) Quanto a Lívio, limitou-se a cumprir uma ordem não manifestamente ilegal, que era buscar uma encomenda destinada ao seu Diretor. Como desconhecia o conteúdo da encomenda, tendo apenas cumprido uma ordem não manifestamente ilegal, não cometeu qualquer conduta que mereça censura penal, com fundamento no instituto da obediência hierárquica, previsto no art. 22 do CP; b) Quanto a Tício, ao receber, para si, vantagem indevida, em razão da função, para favorecer ao filho de Fúlvio em concurso público, cometeu o crime de corrupção passiva, previsto no art. 317 do CP; c) Quanto a Fúlvio, ao oferecer vantagem indevida a Tício, visando a que favorecesse o seu filho (de Fúlvio) em concurso público, cometeu o crime de corrupção ativa, previsto no art. 333 do CP. 2) Letra “c”. 3) Nestas circunstâncias, Josué cometeu um fato típico, mas está acobertado pela exigibilidade de conduta diversa em face da coação irresistível, o que constitui causa excludente de culpabilidade. Unidade 6 1) O Direito Administrativo regula as relações entre administrados e administradores, disciplinando a atividade da Administração. JUSTEN FILHO (2006, p.1) fornece um conceito bem amplo, e define o Direito Administrativo como sendo “o conjunto das normas jurídicas de direito público que disciplinam as atividades administrativas necessárias à realização dos direitos fundamentais e a organização e o funcionamento das estruturas estatais e não estatais encarregadas de seu desempenho”. instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 286 02/03/12 09:49 Instituições de Direito Público e Privado 2) Os princípios são instrumentos de interpretação e de aplicação uniforme das regras esparsas. São princípios do Direito Administrativo: Supremacia do interesse público, Princípio da indisponibilidade, Princípio da continuidade, Princípio da autotutela, Princípio da Especialidade, Presunção de legitimidade, Princípio da razoabilidade, Princípio da proporcionalidade, Princípio da motivação, Princípio da segurança jurídica. Supremacia do interesse público - deve ser entendido que “no confronto entre o interesse particular e o interesse público, prevalecerá o segundo” (ROSA, 2003, p. 17). Princípio da indisponibilidade - “os bens, as verbas, o interesse público, considerados de forma mais abrangente, são indisponíveis” (TELLES, 2000, p. 54). Princípio da continuidade - a atividade administrativa, por ser de interesse público, não pode sofrer paralisações (ROSA, 2000). O princípio da continuidade busca garantir, portanto, a não interrupção de serviços de segurança, saúde, transporte, etc. Princípio da autotutela - é a evidência da “prerrogativa da Administração de se autofiscalizar, em todos os sentidos” (TELLES, 2000, p. 55). Princípio da especialidade - impõe que a Administração Pública, através de seus órgãos, persiga sem desvios os seus objetivos. Presunção de legitimidade - a atuação da Administração Pública deve ser considerada adequada ao interesse público e à lei Princípio da razoabilidade - indica que a atuação administrativa deve guardar coerência e adequação com os objetivos a que se propõe. Princípio da proporcionalidade impõe ao Administrador a adoção somente dos meios necessários para a obtenção de certos fins. Princípio da motivação - se a Administração Pública age com a presunção da legitimidade de seus atos, deve prestar contas previamente de sua atuação, justificando à sociedade as razões de sua atuação. Princípio da segurança jurídica - visa conferir estabilidade às relações com a Administração Pública, preservando a boa-fé dos administrados. 3) Não. Governo é o elemento que conduz politicamente o Estado, é o conjunto das funções necessárias à manutenção da ordem jurídica e da administração pública. Segundo Hely Lopes Meirelles, governo “em sentido formal, é o conjunto de Poderes e órgãos constitucionais; em sentido material é o complexo de funções estatais básicas; em sentido operacional, é a condução política dos negócios públicos” (MEIRELLES, 2003, p. 63). Administração Pública em sentido formal, é o conjunto de órgãos instituídos para a consecução dos objetivos do Governo; em sentido material, é o conjunto das funções necessárias aos serviços públicos em geral; em acepção operacional, é o desempenho perene e sistemático, legal e técnico, dos serviços próprios do Estado ou por ele assumidos em benefício da coletividade. (MEIRELLES, 2003, p. 63). 287 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 287 02/03/12 09:49 instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 288 02/03/12 09:49 Biblioteca Virtual Veja a seguir os serviços oferecidos pela Biblioteca Virtual aos alunos a distância: Pesquisa a publicações online Acesso a bases de dados assinadas Acesso a bases de dados gratuitas selecionadas Acesso a jornais e revistas on-line Empréstimo de livros Escaneamento de parte de obra* Acesse a página da Biblioteca Virtual da Unisul, disponível no EVA e explore seus recursos digitais. Qualquer dúvida escreva para [email protected] * Se você optar por escaneamento de parte do livro, será lhe enviado o sumário da obra para que você possa escolher quais capítulos deseja solicitar a reprodução. Lembrando que para não ferir a Lei dos direitos autorais (Lei 9610/98) pode-se reproduzir até 10% do total de páginas do livro. instituicoes_do_direito_publico_e_privado.indb 289 02/03/12 09:49