A INTERNACIONALIZAÇÃO
E OS MECANISMOS DE COOPERAÇÃO EM REDE
NA VITROCRISTAL, ACE
Susana Lorga
WP-02-001
Julho de 2002
Faculdade de Economia e Gestão
Universidade Católica Portuguesa
Rua Diogo Botelho, 1327
4169-005 Porto
Portugal
Os Working Papers da FEG UCP-CRP servem de meio para divulgar as ideias e os
resultados de investigação dos respectivos autores. Os Working Papers devem ser
considerados trabalhos em curso e são versões provisórias que podem ainda necessitar
de revisão.
ISSN 0873-6898
Resumo
A internacionalização empresarial tem sido objecto de uma crescente investigação ao
longo das últimas décadas. Menos estudada tem sido, todavia, a questão da cooperação
quando associada ao fenómeno anterior. Deste modo, parece importante compreender
como é que a utilização de redes de negócios, como forma concreta de cooperação,
potencia a capacidade competitiva das empresas, num contexto de internacionalização.
Um sector onde o fenómeno da internacionalização em cooperação revela condições
para se desenvolver é o da cristalaria. Neste, estudou-se a internacionalização de um
agrupamento complementar de empresas, a Vitrocristal, surgido no seguimento das
dificuldades atravessadas pelo sector há cerca de dez anos. Com o estudo deste caso
procura-se não só compreender a forma como os mecanismos de cooperação são
levados à prática mas também avaliar os seus resultados.
Palavras-chave: internacionalização, redes industriais, cooperação.
Face à crescente competitividade com que as empresas da actualidade perspectivam a
sua actuação, novas formas de actuação tendem a surgir, mais consentâneas com as
alterações no panorama dos negócios. Mediante esta evidência, parece importante
compreender de que forma é que as empresas, em especial as de menor dimensão,
conseguem responder ao desafio da competitividade actuando em mercados alargados.
REVISÃO DE LITERATURA
Mediante esta questão processual, torna-se importante analisar as explicações avançadas
pelas teorias da internacionalização, algumas das quais se inserem em abordagens mais
clássicas e outras em propostas mais contemporâneas.
As abordagens mais clássicas assentam essencialmente em tentativas de compreensão
do aparecimento das empresas multinacionais. É o caso da teoria do ciclo de vida do
produto (Vernon, 1966) que se serve do conceito de ciclo de vida para tentar explicar
porque é que algumas empresas se tendem a tornar multinacionais num determinado
estágio do seu desenvolvimento, e das teorias baseadas nas imperfeições dos mercados
(Hymer, 1976; Kindleberger, 1969; Caves, 1971; Knickerbroker, 1973; Johnson, 1968;
e Helpman e Krugman, 1985) onde se avançam explicações para a existência daquele
tipo de empresas com base em imperfeições dos mercados. Porém, é comum a eleição
das nações como unidade básica de análise, o que, de certa forma, retira a estas teorias
capacidade explicativa na resposta à questão de investigação enunciada.
As imperfeições de mercado são retomadas também na teoria da internalização
(Buckley e Casson, 1976), teoria que advoga que, sendo difíceis de organizar e
envolvendo uma incerteza considerável, os mercados produzem imperfeições. As
empresas tendem a tornear estas imperfeições através da criação de “mercados
internos”, isto é, internalizando. Se a internalização ocorrer para além das fronteiras
nacionais surgem as empresas multinacionais. Trata-se portanto de uma teoria que opera
com uma unidade de análise idêntica à da questão de investigação, o mesmo se podendo
dizer da teoria eclética ou paradigma OLI (Dunning, 1977), que procurou fazer uma
síntese dos trabalhos anteriores. Daqui resultou a identificação de três tipos de
vantagens: de propriedade (ownership advantages), de localização (localization
advantages) e de internalização (internalisation advantages) Todavia, também esta
teoria se preocupa com o aparecimento das empresas multinacionais e não com a forma
como se processa a internacionalização das empresas, em particular as de menor
dimensão.
Sendo assim, tornou-se necessário recorrer às abordagens mais contemporâneas deste
fenómeno para nelas tentar encontrar explicações mais completas. Dentro destas, que
têm em comum o carácter dinâmico, racional e pragmático, distinguiram-se dois tipos: a
teoria da internacionalização por estágios e a teoria das redes industriais, ambas de
origem nórdica. A primeira explicação advoga que as empresas desenvolvem as suas
operações internacionais através de pequenos passos, seguindo um percurso mais ou
menos sequencial, sendo possível identificar basicamente quatro estágios que diferem
entre si no que diz respeito ao grau de envolvimento da empresa no mercado:
inexistência de actividades regulares de exportação, exportação através de agentes,
estabelecimento de subsidiária de vendas e estabelecimento de subsidiárias de produção
(Johanson e Wiedersheim- Paul, 1975 e Johanson e Vahlne, 1977). À medida que o
processo de internacionalização avança, vai aumentando o grau de risco e o
compromisso de recursos. Todavia, também o controlo é acrescido. Nesta abordagem
que se baseia essencialmente nas conclusões dos estudos empíricos levados a cabo pela
Universidade de Uppsala são fundamentais os conceitos de decisões incrementais, de
compromisso de recursos e distância psicológica e dimensão do mercado.
Esta explicação teórica de base incrementalista foi desenvolvida para dar resposta às
lacunas deixadas pelas anteriores explicações, mais adequadas à realidade norteamericana da década de sessenta em que se verificou o aparecimento de grandes
multinacionais com origem nos EUA. Neste sentido, uma das críticas que lhe foram
atribuídas assenta, do mesmo modo, na associação à realidade que se seguiu ao
aparecimento das multinacionais americanas e que se caracterizava sobretudo pela
internacionalização de empresas suecas de forma progressiva e sequencial. Assim,
ignoravam-se os processos de internacionalização que, não só seguiam percursos
distintos do expectável em termos de modos de operação em mercados externos, como
seguiam lógicas de expansão para mercados geográficos que escapavam ao previsto.
Já a teoria das redes industriais apresenta explicações que, de alguma forma, conseguem
dar resposta a estas limitações. Trata-se de uma abordagem que se deve a
desenvolvimentos na área do marketing de bens industriais (Håkansson, 1982,
Håkansson e Johanson, 1984) e surgiu como reacção à perspectiva seguida por alguns
autores americanos que elegem apenas a óptica dos compradores ou dos vendedores na
análise das questões fundamentais daquela disciplina. A ênfase eleita é a empresa ou o
seu relacionamento individual, estando portanto o conceito de interacção ausente. Estes
autores, por seu turno, enfatizam-na, sem esquecer o diálogo com o mercado. Na
verdade, assentam a sua análise na primazia do mercado enquanto entidade com face,
onde é possível reconhecer diversos interlocutores com quem interagir (Axelsson,
1992). Assim, no domínio da internacionalização, com a relevância que reconhece à
perspectiva relacional, esta teoria traz novas formas de entendimento desta questão,
destacando-se a forma processual como a aborda.
O interesse pelos relacionamentos em díade e em rede deu origem a diferentes
aplicações ao mundo dos negócios, desde o estudo das chamadas “empresas
desestruturadas”, onde só algumas das funções da cadeia de valor são objecto de
realização dentro da empresa, até ao estudo das “organizações virtuais”, como redes de
empresas transitórias criadas para o aproveitamento de determinada oportunidade. A
utilização dos princípios desta abordagem na literatura é cada vez mais frequente e levanos a reconhecer a sua importância e a procurar compreender a sua aplicação no actual
panorama de negócios.
Como modo de organização dos recursos da empresa e como forma privilegiada de
actuação no mundo dos negócios, as redes vistas têm sido uma constante nos trabalhos
de
alguns
investigadores,
integrados
no
chamado
“I.M.P.
Group
–
International/Industrial Marketing and Purchasing Group”. Este grupo promove
encontros anuais nos quais são desenvolvidos e estendidos os conceitos de interacção,
de relacionamentos e de redes. A tónica nos anos mais recentes tem recaído sobre a
natureza e gestão dos relacionamentos entre empresas em mercados internacionais.
O conceito de rede de empresas defendido pelos académicos do IMP Group consideraa como um conjunto de relacionamentos interligados entre empresas (Håkansson e
Johanson, 1993) daqui resultando maiores efeitos que os decorrentes da soma das
relações de díade das empresas envolvidas. A explicação deste efeito assenta nas
ligações destes relacionamentos em díade a outros, ou seja, através do ambiente em que
as referidas relações têm lugar: a rede. Uma das tentativas levadas a cabo no sentido de
modelizar a realidade das redes de empresas partiu de Håkansson e Johanson. O
primeiro definiu como elementos de qualquer rede, os actores, as actividades e os
recursos, afirmando que os três se relacionam entre si em toda a estrutura das redes
(Håkansson, 1982). O modelo surgiu dois anos mais tarde com a colaboração de Jan
Johanson (ver Figura 1)
Figura 1 – Estrutura básica do modelo de redes industriais
Rede de
actores
actores
actividades
recursos
Rede de
actividades
Rede de
recursos
Fonte: Håkansson e Johanson, 1984, in Axelsson e Easton, 1992, p. 29.
Segundo este modelo, actores são aqueles que desempenham actividades e/ou
controlam os recursos. Podem ser indivíduos, grupos de indivíduos, empresas, partes de
empresas ou grupos de empresas, podendo portanto pertencer a diferentes níveis
organizacionais. Têm como características o facto de desempenharem e controlarem as
actividades, de desenvolverem relações uns com os outros através de processos de troca
e de pertencerem a redes mais ou menos fortes em termos de relacionamentos. Os laços
entre os actores podem ser de vários tipos: técnicos, de know-how, estratégicos, sócioeconómicos, legais, etc. As actividades são as várias formas possíveis de, através da
utilização de certos recursos, mudar outros recursos de diferentes modos. Têm lugar
quando um ou mais actores combinam, desenvolvem, trocam ou criam recursos, através
da utilização de outros recursos. Podem ser de dois tipos: de transformação, quando os
recursos sofrem uma qualquer alteração, e de transferência, quando se verifica a
transferência do controle de recursos de um actor para outro através da ligação das
diferentes actividades de transformação umas às outras. Os recursos são os meios
usados pelos actores para realizar as actividades. Os recursos ou combinações de
recursos são uma condição existencial para as actividades, independentemente do seu
tipo. São heterogéneos e possuem atributos em número e dimensão ilimitados.
A INTERNACIONALIZAÇÃO NA TEORIA DAS REDES INDUSTRIAIS
Na perspectiva em análise, os mercados industriais podem ser descritos como redes de
relacionamentos entre empresas. Consoante a posição ocupada pela empresa na rede,
assim se definirá o seu leque de oportunidades e constrangimentos e assim se
desenvolverão as suas estratégias. Neste sentido, o fenómeno da internacionalização
pode ser visto como o estabelecimento e desenvolvimento de posições em relação a
outros parceiros pertencentes a redes estrangeiras (Johanson e Mattsson, 1988). A
internacionalização é pois encarada como um processo através do qual as empresas
entram em mercados exteriores ao mercado doméstico por períodos de tempo longos e
por isso, é importante reconhecer quais as relações que a empresa mantém, quer com
empresas deste mercado quer com empresa de mercados externos. A premissa é a de
que quanto mais relacionamentos tiver a empresa e quanto mais profundos aqueles se
revelarem, maior será o seu envolvimento em mercados internacionais. Isto sem perder
de vista o aspecto do controle sobre o processo de afectação de recursos às actividades
internacionais, facto que não esporadicamente diz respeito a mais do que um actor e está
inevitavelmente associado à questão da aprendizagem e ao modo como esta se pode vir
a tornar um activo de mercado (Axelsson e Johanson, 1992).
Segundo Johanson e Mattsson (1988) a empresa pode atingir uma posição numa rede
internacional estabelecendo posições em diferentes redes nacionais com novos parceiros
para a empresa– extensão internacional; desenvolvendo posições e comprometendo de
forma crescente recursos em redes do exterior em que a empresa já detinha posições
(ainda que indirectas, através de outros elementos da rede) – penetração, e, aumentando
a coordenação entre posições já detidas em diferentes redes nacionais – integração
internacional.
Os activos de mercado da empresa serão diferentes se ela se encontra internacionalizada
ou não e consoante o grau de internacionalização do mercado em que se encontra. O
desenvolvimento do processo de internacionalização é portanto altamente influenciado
pelo grau de internacionalização da empresa e do mercado (Johanson e Mattsson, 1988
e Axelsson e Johanson, 1992), assim como serão diferentes os activos de mercado
detidos pela empresa e pelos seus parceiros se ela se encontrar ou não
internacionalizada e se pertencer ou não a uma rede internacionalizada. Assim, convém
analisar os casos que decorrem da consideração de situações extremas em termos de
grau de internacionalização da empresa e do mercado (Figura 2).
Figura 2 – Internacionalização e o modelo das redes: situações a analisar
Grau de Internacionalização do mercado (rede de
produção)
Grau
de
internacionalização
da
empresa
Baixo
Alto
Baixo
Alto
The Early Starter
The Late Starter
The Lonely International
The International
Among Others
Fonte: Johanson e Mattsson, 1988, p. 310.
Na primeira situação, a empresa tem poucas relações com empresas estrangeiras,
nenhuma delas, porém, muito importante. Os demais elementos da rede nacional, assim
como os de mercados estrangeiros, também possuem poucos relacionamentos
internacionais. Logo, o conhecimento sobre os mercados internacionais é reduzido e a
empresa não pode tão pouco servir-se dos seus relacionamentos para o conseguir.
Portanto, para conseguir estabelecer posições em redes de outros países, a empresa terá
de dispor de recursos para adquirir o conhecimento de mercado necessário e para
proceder aos ajustamentos em termos quantitativos e qualitativos a que as operações nos
mercados internacionais obrigam. Neste sentido, a dimensão da empresa e o domínio
dos recursos essenciais revestem-se de um papel fundamental no processo.
Na situação de “Lonely International”, a empresa tem experiência de relacionamentos
com parceiros em países terceiros, tendo já adquirido conhecimento e meios para operar
em ambientes diferentes e que lhe permitem minimizar a necessidade de ajustamentos,
sobretudo quantitativos. Detendo posições em várias redes e possuindo variados
relacionamentos, a empresa acede a outros recursos para além dos seus. Este facto
permite-lhe também aceder a redes mais estruturadas com menor dificuldade, não sendo
necessários investimentos tão elevados. Pode mesmo, de acordo com a posição
ocupada, adquirir empresas da rede ou estabelecer alianças com maior facilidade, para
além de tentar controlar eventuais movimentos de internacionalização por parte dos seus
concorrentes. Todavia, poderá também estimulá-los.
Já a situação de “Late Starter” verifica-se quando todos os fornecedores, clientes,
concorrentes e demais elementos com quem a empresa mantém relações operam numa
base internacional, embora ela própria esteja pouco internacionalizada. Neste caso, até a
empresa puramente doméstica não fica alheada do exterior, mantendo relações
indirectas com redes estrangeiras. Como no mercado doméstico as relações que mantém
são com empresas com operações mais ou menos internacionais, as próprias forças
deste mercado poderão funcionar como catalisadores na entrada em mercados
internacionais. Assim, os investimentos em activos no mercado doméstico podem ser
considerados activos importantes no processo de internacionalização.
Na última situação quer a empresa quer o seu ambiente estão já altamente
internacionalizados, pelo que operações de extensão e de penetração das suas
actividades exigirão apenas adaptações marginais, sobretudo quantitativas. É que a
empresa pode usar as suas ligações numa rede para fazer a ponte para outras. E como
são várias as posições que detém, são vastas as possibilidades ao seu alcance para obter
vendas noutros mercados, por exemplo, num processo de extensão das suas actividades.
Todavia, dado o elevado número de interdependências, os obstáculos também poderão
surgir com maior probabilidade.
Verifica-se pois que, nas duas situações em que o ambiente se apresenta, segundo este
modelo, como relevante, ou seja, nos casos de “Late Starter” e de “International Among
Others”, é conferida uma maior importância à interacção e à possibilidade de aceder aos
recursos de forma indirecta, através dos relacionamentos encetados no seio da rede. Este
aspecto, poder-se-á dizer, era, de certa forma, negligenciado pelas anteriores abordagens
do fenómeno. Assim, parece ser possível concluir que, mantendo-se o enfoque na
aprendizagem, esta teoria adiciona um aspecto muito interessante na explicação do
fenómeno da internacionalização – o valor acrescentado e consequente transformação
em activos de mercado da quantidade e profundidade das relações que a empresa
mantém.
METODOLOGIA DE ESTUDO
Versando a questão de investigação inicialmente levantada um “como?” e procurandose tratar uma realidade que envolve um conjunto de acontecimentos da actualidade
sobre os quais há pouco ou nenhum controle, os estudos de casos apresentam-se como
uma sensata alternativa para obtenção de respostas (Yin, 1994). Partindo desta ideia, era
pois importante encontrar um caso em que fosse possível estudar as questões da
cooperação sob a forma de rede de empresas, para além de observar o trabalho de
planeamento e implementação de uma estratégia de internacionalização. E foi desta
busca que surgiu a possibilidade de estudo da Vitrocristal, agrupamento complementar
de empresas criado em 1994, no seguimento da crise que afectou a Marinha Grande no
início da década de 90. Para além de se tratar de um sector tradicional português,
apresentando, de certa forma, problemas típicos do tecido empresarial nacional, no
fundo, a questão em torno da qual se alinhavam os seus membros coincidia com a
questão de investigação inicialmente levantada: “Como é que unidades de reduzida
dimensão pertencentes ao sub-sector da cristalaria poderiam responder ao desafio da
competitividade acrescida actuando num mercado alargado?”
A unidade de análise possuía características da chamada “issue” conforme a
terminologia de Brito (1999), numa clara opção pelo conceito de “issue based net”. Isto
porque o que se pretendia estudar de facto era a teia de relacionamentos levados a cabo
entre todos os actores de uma rede com o objectivo de dar corpo a um projecto concreto.
Este procedimento permite ir para além do simples estudo dos actores sem, no entanto,
se ficar pela visão conjunta da rede, perdendo-se assim de vista muitos dos contributos
trazidos pelos relacionamentos que os actores encetam entre si com vista ao atingimento
dos objectivos propostos. No caso concreto em análise, o projecto era o da criação e
projecção nacional e internacional de uma marca associada à Região do Vidro da
Marinha Grande. Neste seguimento, foram conduzidas entrevistas semi-estruturadas
junto de vários elementos da rede e recolhidas informações pertinentes na imprensa
nacional e regional. Em termos de análise de conteúdos, usaram-se para tratar os dados
algumas técnicas, designadamente a triangulação, prevista por Yin (1994) e a
sobreposição de dados prevista por Eisenhardt (1989).
O SECTOR DA CRISTALARIA EM PORTUGAL
A cristalaria é um dos subsectores do vidro com uma forte expressão em Portugal. É
composto por empresas que se dedicam à fabricação de objectos de vidro, obtidos quer
por processos automáticos, quer por processos semi-automáticos ou manuais. Inclui
artigos de vidro sódico comum e artigos de cristal de chumbo. A região da Marinha
Grande é desde há vários anos considerada a capital do vidro por aqui se encontrar mais
de 80% da produção de cristalaria nacional. Este ramo de actividade é responsável por
um volume de facturação que ronda os 102 milhões de euros e apresenta, valores de
comércio intra-ramo elevados. Desde 1997 a taxa de cobertura tem apresentado valores
superiores a 1.
Trata-se de um sector muito sujeito à concorrência externa, proveniente de países
associados a produções de tipo média-alta e também de países que apresentam
vantagens comparativas em termos de custos de produção, quer devido aos menores
custos salariais, quer em virtude de investimentos em qualidade e design a que se
associaram níveis de produtividade crescentes, como é o caso dos países de Leste. Uma
das dificuldades com que se debate este sector prende-se precisamente com a baixa
produtividade dos trabalhadores. Na verdade, os trabalhadores manuais têm, neste
subsector, uma expressão bastante superior à que se faz sentir noutras áreas do sector
vidreiro, e, para além disso, a sua produtividade é a mais baixa de todos. Acresce a este
facto o número de anos necessários para formar um técnico vidreiro superior normalmente acima de 4 - e as dificuldades estruturais de estabilização em termos de
emprego, fundamentadas por uma forte actividade sindical na região. Há portanto, uma
elevada dependência em relação ao mercado de trabalho.
Em termos de posicionamento competitivo das empresas desta região, de destacar a
elevada dependência face a alguns mercados e a consequente pressão sobre os preços.
Os produtos nacionais são associados a uma qualidade média, sendo os preços
praticados bastante competitivos. Todavia, o design, habitualmente importado, não
acrescenta valor ao produto e não é reconhecida qualquer notoriedade às marcas das
empresas da região1. Em termos de estruturas de distribuição, em virtude dos factores
atrás enunciados, é elevado o recurso a agentes de intermediação que são quem, na
maioria dos casos, se apropria do valor acrescentado por estes produtos. Em termos
internacionais, é praticamente nulo o controle sobre os meios de comercialização.
Para além destas evidências estruturais, de referir alguma falta de visão estratégica e
uma certa cultura de acomodação que, durante anos, marcaram a cena empresarial na
Marinha Grande. Ter uma marca com notoriedade, produzir um produto diferenciado,
com design inovador, com uma promoção adequada e com o controlo dos meios de
comercialização são bases para a construção de uma estratégia global capaz de quebrar
os sucessivos ciclos viciosos por que tem passado este sector de actividade em Portugal.
Construída a estratégia de mercado a prosseguir e analisadas as propostas de valor a
desenvolver, é crucial a sua implementação, tarefa difícil dado o carácter estrutural de
algumas debilidades atrás apontadas. Nela serão sem dúvida fundamentais os papéis de
alguns agentes catalisadores da mudança e sem os quais a “passagem” à prática ficará
irremediavelmente protelada.
O CASO DA VITROCRISTAL, ACE
Os anos de 92 e 93 marcaram o culminar de uma crise que já há alguns anos se vinha a
fazer sentir pelas empresas da Marinha Grande. O sector revelava falta de capacidade de
financiamento e acusava falhas em termos de inovação. As vendas estavam a cair e era
cada vez maior a concorrência que chegava do Leste. A postura dos sindicatos acabou
por agudizar o problema, exigindo condições que as empresas não conseguiam suportar.
As adversidades com que debatiam as empresas tinham causado, à entrada da década de
90, danos fatais como:
•
a ausência de delineação de uma estratégia por falta de informação dos mercados, de
inovação de produto e de design;
•
a carência de estruturas humanas qualificadas e de instrumentos de gestão nas
diferentes áreas das empresas;
•
1
o reduzido rejuvenescimento de oficiais vidreiros;
Com excepção para a marca de cristais de maior notoriedade nacional e com uma forte presença
internacional – a Atlantis.
•
a dependência total de intermediários e de distribuidores com ganhos superiores aos
verificados noutros mercados ou países em termos de comissões e margens de
lucro2.
Face à crise, o sector foi, em 1993, considerado “em reestruturação”, tendo o IAPMEI –
Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas – ficado com as responsabilidades
de reabilitar o sector. Tratando-se de um instituto público sob a tutela do Ministério da
Economia, e sem possibilidade de gerir, a este nível, dinheiros públicos, verificou-se a
necessidade de estabelecer uma plataforma de recepção de fundos. Foi neste seguimento
que surgiu, em Julho de 1994, a Vitrocristal, ACE – Estudos e Projectos de Apoio à
Cristalaria, com funções de “operador sectorial de modernização”. Esta foi a solução
jurídica mais indicada em virtude da necessidade de agilizar financeiramente a
recuperação do sector. A Vitrocristal era constituída por catorze empresas, mais a
Associação Industrial de Cristalaria (AIC) e o Centro Tecnológico da Cerâmica e do
Vidro (CTCV), para além do próprio IAPMEI. A forma de colaboração a desenvolver
entre estes elementos foi pensada com base num modelo específico de cooperação
ajustado aos objectivos e capaz de permitir a montagem das actividades correspondentes
e a disposição dos respectivos recursos. A necessidade de intervenção da administração
pública tinha como fundamento a supressão de falhas de mercado, designadamente a
ausência de implementação de mecanismos de cooperação entre os vários agentes
implicados.
Foi só em 1997, depois de algumas mudanças dentro da Vitrocristal, designadamente
em termos da composição dos elementos que a integravam, que se começou a pôr em
prática o projecto da Região do Vidro da Marinha Grande, tendo por base um cluster
regional como modelo de cooperação defendido pela consultora de Augusto Mateus, a
quem havia sido solicitado apoio estratégico. A dinâmica de cooperação dominante
deveria ser a horizontal, ou seja, entre concorrentes ou rivais directos, sem
envolvimento de formas de participação no capital, mas com domínio da reciprocidade
de contribuições e benefícios entre cada um dos agentes envolvidos. Propunha-se ainda
que desenvolvimentos posteriores dos elementos próprios de cooperação ao longo da
cadeia de valor tivessem lugar, estimulados por um “motor” que tomaria a forma “não
2
Jorge Moctezuma (administrador da Vitrocristal) in Expresso, 24/7/99.
de uma empresa, mas de um tripé constituído pela Região do Vidro, pela Vitrocristal e
por um novo operador técnico-comercial3”
No âmbito da Vitrocristal, a AIC havia ganho maior protagonismo e, em 1998, sob a
liderança do mentor do projecto – Duarte Raposo de Magalhães – foi apresentada uma
medida voluntarista para solicitar o apoio conjunto do IAPMEI e do ICEP –
Investimentos, Comércio e Turismo de Portugal, este último o novo parceiro do
agrupamento após as alterações estatutárias ocorridas no ano anterior. No seguimento
desta iniciativa a Vitrocristal contou ainda com o apoio da Roland Berger & Partners,
empresa de consultoria que foi escolhida para traçar as linhas de desenvolvimento
estratégico do sector, com ênfase nas áreas comercial e de marketing. O apoio foi
concedido quase na totalidade e o projecto avançou com a criação, por decreto-lei, da
Região do Vidro da Marinha Grande em 1999, visando promover o vidro produzido na
região. Logo à partida ficaram estabelecidas as condições de pré-adesão e as estruturas
de acompanhamento do processo, no seguimento do que nasceu também a Comissão
Regional de Cristalaria. Catorze empresas subscreveram o protocolo de adesão,
manifestando a intenção de cooperar, dada a importância da intensificação da união e as
melhorias dali decorrentes em termos de aumento de competitividade, da capacidade
negocial na distribuição e da melhoria do conhecimento do mercado final. Aquando da
formalização do projecto voltou a enfatizar-se a necessidade de progredir no sentido da
qualificação dos recursos. Na verdade, era grande a aposta em termos de formação
profissional e dado o reconhecimento da sua importância surgiu, ainda em 1999, o
CRISFORM – Centro Protocolar de Formação Profissional para a Indústria Vidreira,
em parceira com a AIC e o Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) e
ainda com a colaboração do Centro Português de Design (CPD). Para além dos serviços
profissionais de consultoria da Augusto Mateus & Associados e da Roland Berger &
Partners, a Vitrocristal serviu-se ainda do apoio da consultora de moda francesa Nelly
Rodi, dada a falta de conhecimentos de mercado por parte dos designers contratados e a
necessidade de definição de uma linha de orientação comum em termos de tendências,
coerente com o posicionamento da marca. A rede Vitrocristal estava assim a estruturarse, adquirindo conhecimentos de mercado importantes na prossecução dos seus intentos.
3
Augusto Mateus & Associados, Sociedade de Consultores, 2º Relatório de Assistência Técnica à
Vitrocristal, Dezembro 1999, p.3.
Da marca a criar esperava-se que funcionasse para as empresas como um meio de
promoção e de identificação, devendo funcionar como denominação de origem
controlada. Justificava-se a aposta na formação de uma imagem própria que deveria ser
gerida de forma estruturada e numa perspectiva de longo prazo, capaz de reforçar a
capacidade negocial das empresas e de lhes reduzir as vulnerabilidades estratégicas.
Assumia-se claramente que algumas dificuldades estratégicas, como a adaptação aos
mercados e às tendências da moda e às características específicas de cada mercado, a
estandardização da qualidade intrínseca dos produtos, a manutenção da qualidade dos
processos e o cumprimento dos prazos de entrega, teriam de ser analisadas com cuidado
e geridas de forma coerente com a imagem da marca. A consolidação destes factores
críticos considerou-se fundamental na tarefa de projectar uma marca de origem
portuguesa além fronteiras. Foi com base nesta argumentação que a Vitrocristal,
revelando um forte espírito de cooperação entre todos os seus membros e um
empenhamento fora do habitual, se lançou na conquista dos apoios externos
fundamentais para levar adiante a estratégia comercial de internacionalização. Destes
desenvolvimentos surgiu a marca Marinha Grande MGlass, como materialização dos
princípios que estiveram por detrás do cluster regional da indústria vidreira. A marca
deveria funcionar como um garante de qualidade, design, tradição e inovação. Esta
garantia foi posteriormente levada à prática través da aposição de um selo de
certificação nas peças que cumprissem os requisitos exigidos pelo regulamento da
marca. O holograma representativo do logótipo da marca impresso na Casa da Moeda
tinha como função a identificação imediata das peças produzidas na região e a sua
associação aos valores da marca.
Paralelamente a estes esforços, a Vitrocristal empenhou-se no sentido de continuar a
afirmar a cristalaria nacional, quer em termos nacionais quer em termos internacionais.
Assim, tem sido uma constante a presença deste agrupamento nas feiras mais
importantes do sector, nomeadamente em Frankfurt, Milão, Birmingham e Lisboa.
Sustentando esta visibilidade, esteve uma campanha publicitária que, quer em termos
nacionais, quer em termos internacionais, mais uma vez demonstram bem o empenho
que o projecto de projecção e afirmação da marca tem conhecido. A campanha que teve
lugar em Portugal durante o ano de 2000 constituiu um esforço de comunicação sem
precedentes na indústria do vidro no nosso país. Numa primeira fase as preocupações
centraram-se na divulgação institucional da marca, com a assinatura “Marinha Grande
MGlass – a alma do vidro”, e posteriormente, com a consolidação dos objectivos em
termos de associação da marca à região, a campanha propôs o enfoque no produto, desta
feita com a assinatura “Marinha Grande MGlass – Casa com vidro. Casa com vida.” Os
meios publicitários usados foram a televisão, a rádio e o cinema, na primeira fase e a
imprensa, na segunda. Em termos internacionais julgou-se que a divulgação e promoção
da cristalaria portuguesa só seria conseguida tendo por base um reposicionamento
global da marca nacional nos mercados, devendo por isso assentar na diferenciação e na
elevação do nível de qualidade do produto. Uma ênfase particular deveria ser dada ao
valor acrescentado da marca, aos conceitos de sofisticação e de inovação e à
incorporação de design na gama, alargada, de produtos. Para tal usou-se a imprensa da
especialidade estrangeira. De acrescentar que, embora a afirmação da marca através dos
valores já referidos devesse ser feita de forma uniforme, outras acções para além das
indicadas deveriam fazer parte de um plano de comunicação local, a definir
conjuntamente com o operador de mercado autóctone de quem se esperava apoio em
termos de conhecimentos de mercado.
ANÁLISE DA REDE VITROCRISTAL, ACE
A cooperação em rede pode ser vista como o conjunto de actividades desenvolvidas por
um grupo de agentes que partilham determinados recursos com o objectivo de atingir
determinado fim comum a todos os intervenientes. É neste seguimento, e utilizando a
abordagem proposta por Håkansson (1982), que surgem as dimensões – actores,
actividades e recursos– à luz das quais o processo de cooperação em rede pode ser
analisado (ver Figura 3).
Figura 3 – A rede Vitrocristal
AM
CRS
AFC
VDC
CNV
CTL
TCV
AMF
VMG
CRC
VTC
AIC
DMS
CCS
Augusto Mateus
&Associados
ATL
IFV
NIV
INF
VCA
MRV
IVO
T-T
CRC
RB–Port.
Roland
Berger
Vitro
cristal
IAPMEI
RTLF
ICEP
CMA/CML
CTCV
CMMG
CPD
IPQ
EPAMG
DGI
RB–EUA
Nelly Rodi
CRISFORM
IEFP
Empresas associadas da AIC e que fornecem para a MGlass
Empresas associadas da AIC que ainda não aderiram à RVMG
Nota: a Crisal não pode fazer parte do projecto pois só produz vidro automático
Empresas aderentes da RVMG que ainda não fornecem para a MGlass
Empresa indirectamente relacionada com a rede
Empresa agrupada da Vitrocristal, mas não associada da AIC, nem integrante
do projecto da RVMG
Actores que prestam serviços de consultoria
Actores estratégicos: agências públicas, região de turismo, centro tecnológico,
instituições e autarquias locais
Relações não económicas
A rede que resultou deste agrupamento complementar de empresas preconiza um acordo
cooperativo horizontal, uma vez que nela se encontram rivais directos de uma mesma
indústria. Todavia, também é possível encontrar relações do tipo fornecedor-cliente,
sendo por isso igualmente aceitável reconhecer-lhe características dos acordos de
cooperação verticais. No tipo de cooperação levado a cabo, é possível imputar o papel
de motor ao agrupamento complementar de empresas, que tomou como objectivo o
desenvolvimento de um modelo de cooperação empresarial alargada para dar vida ao
cluster do vidro da Marinha Grande. A Vitrocristal, ACE, centro nevrálgico das
decisões estratégicas, funciona como plataforma de gestão com vista à concretização
dos projectos de carácter colectivo de interesse para as empresas do sector. É sobretudo
o catalisador do projecto da Região do Vidro da Marinha Grande, pois à falta de
comportamentos de cooperação, conseguiu recriá-los, assumindo uma postura estável,
coerente e reguladora. Nela participam directamente as empresas associadas da AIC
formalmente interessadas no projecto da Região do Vidro da Marinha Grande e
indirectamente outras empresas que colaboram neste projecto, ainda que sem fazerem
parte da associação. Inclui ainda várias agências públicas, consultoras, estabelecimentos
de investigação e ensino.
A Vitrocristal apercebendo-se da importância de aceder aos recursos de mercado,
capazes de conjecturar o bom caminho na busca pelo sucesso no sector da cristalaria,
elegeu como objectivos questões estratégicas como a criação da marca, o design, a
formação e a internacionalização. Todavia, o seu alcance dependia de quem detivesse
conhecimento para isso. E face à necessidade de adquirir as competências que se
julgaram necessárias para dar corpo ao projecto, os actores que inicialmente
constituíram o agrupamento viram-se na necessidade de recorrer aos saberes dos
consultores, em vários domínios, e que foram sendo, de forma dinâmica, acrescidos à
rede. Também aqui, no seio da estabilidade criada em torno dos relacionamentos se
fomenta a mudança, conforme haviam já referido Gadde e Håkansson (1994).
As actividades de transformação realizadas na rede Vitrocristal são, na sua maioria,
constituídas pela transformação do vidro, através da utilização de variados recursos. As
transacções entre os elementos da rede verificam-se em moldes semelhantes aos
verificados entre estas empresas e empresas de fora da rede, ainda que pautem estas
relações comerciais factores como o conhecimento entre as partes e a existência de
confiança entre elas, fruto da vivência comum existente. Os recursos podem ser
tangíveis ou intangíveis, razão pela qual se pode falar, não só das instalações de que
cada empresa e instituição dispõe, como também dos conhecimentos técnicos, de
marketing e de design, entre outros. Em qualquer um dos casos o acesso aos recursos
pode ser feito de forma directa ou indirecta. Os recursos financeiros têm aqui uma
importância fulcral, pois o acesso aos fundos governamentais e comunitários constitui,
na opinião de alguns peritos, o principal factor de agregação das empresas privadas a
esta rede e a principal razão de ser da Vitrocristal. Mas, o saber-fazer também tem um
lugar de destaque dada a formação requerida aos mestres vidreiros que constituem aqui
o principal factor de produção.
A confiança é um aspecto ao qual vem sendo reconhecida importância capital nos
processos de cooperação em rede (Morgan e Hunt, 1994). No processo observado,
concluiu-se que os agentes da rede actuam replicando comportamentos em que a
confiança está presente, ainda que expressem dúvidas quanto à sua existência. Embora
julguem fundamental alertar para a desconfiança que pensam que outros actores podem
manifestar, estes actores alinham-se em relação aos parceiros, procurando manter
elevados padrões cooperativos. Na verdade são inquestionáveis os investimentos que as
partes parecem estar dispostas a realizar nestes relacionamentos, facto que é visível nos
esforços congregados no sentido de se cumprirem os critérios estipulados para os
produtos MGlass. Para além disso, há a questão do tempo investido neste projecto, bem
como uma tendência para a resistência ao aproveitamento de oportunidades de curto
prazo que podem pôr em causa a permanência na rede e o cumprimento dos objectivos
inicialmente traçados.
Os intervenientes envolvidos na rede da Vitrocristal, pertencendo ao mesmo subsector
da indústria vidreira, viram-se na necessidade de ter de cooperar ao nível das metas
traçadas pela Vitrocristal, sem esquecer que, noutros domínios, designadamente nas
relações comerciais estabelecidas com entidades exteriores à rede, continuam a ser
concorrentes. Este facto nem sempre é fácil de gerir e pode pôr em causa a questão da
confiança.
Os relacionamentos que caracterizam a rede têm, na maioria dos casos, uma duração
relativamente extensa e verificam-se, sobretudo, entre os níveis mais elevados da
hierarquia. Nalguns casos, a história que está por detrás da sua subida à liderança no
passado é semelhante. Noutros casos, é a própria experiência de trabalho e
conhecimento do sector que funciona como elo de ligação entre os actores. Na verdade,
a história assume na Vitrocristal um papel muito importante. A génese do agrupamento
ficou marcada pela ocorrência de alguns factos que assinalaram a própria história da
região. Foram vividos na sua maioria com igual intensidade e ansiedade por todos os
actores da rede, cujas experiências, neste sentido, se aproximam. O carácter cumulativo
destas é também um factor de coesão entre os actores da rede, havendo a este nível a
realçar a relevância sobretudo dos acontecimentos de cariz negativo, com maior
capacidade integradora do que aqueles que se associam a experiências positivas.
Face aos conhecimentos a que os actores institucionais podem aceder, é frequente a
tentativa de aproximação de outros elementos a estes, no sentido de reforçarem assim o
seu poder na rede, em virtude do acesso, indirecto, àqueles recursos. A questão do
poder é, neste aspecto, crucial, em resultado da posição ocupada na rede. É que,
conforme a posição na rede se revelar mais ou menos interessante sob o ponto de vista
dos actores implicados, assim as oportunidades e os constrangimentos se manifestarão.
A existência de mecanismos de coordenação e controle é necessária sobretudo dada a
complementaridade de actividades que se verifica ao nível da rede. É um facto que para
que dada encomenda de peças da colecção possa ser entregue, é preciso que vários
elementos sejam chamados a intervir de forma ajustada, o que leva a crer que, embora
de forma muito incipiente, existe uma certa divisão e especialização do trabalho. E,
sendo a intervenção simultânea de actores requerida em processos em que a cooperação
predomina, poderá falar-se em riscos associados ao não cumprimento de condições
contratuais da Vitrocristal por falta de um dos actores. A acção colectiva deverá,
portanto, ser garantida. são accionados mecanismos de selecção dos “faltosos” que
acabam por ser instigados a abandonar a rede. Pode portanto afirmar-se que nesta rede
há relacionamentos que criam, que evoluem, que se desenvolvem e que se quebram,
consubstanciando um dinamismo em que o marketing assume um papel de relevo.
Na sequência do exposto, parece ser possível afirmar-se que os relacionamentos
existentes no âmbito da Vitrocristal se encontram num estágio estável (Ford et. al,
1998), caracterizado pela instituição de rotinas. A fase de aprendizagem mútua, em que
assenta a confiança, e de investimentos e adaptações, é já uma realidade firmada.
Assim, pode dizer-se os relacionamentos são considerados como um recurso, fruto de
um investimento contínuo ao longo do tempo.
Em suma, pode caracterizar-se a rede Vitrocristal, através das dimensões conforme
sintetizadas no Quadro 1
Quadro 1 – Dimensões de análise da rede Vitrocristal
Dimensões
Situação da Vitrocristal
Cooperação
Surgiu a necessidade de se instituir
Concorrência
Continua a verificar-se, coexistindo com a cooperação
Duração dos relacionamentos
Relativamente extensa
Nível hierárquico dos agentes
Superior
envolvidos
Posição na rede
Confere poder, daí que se verifiquem algumas aproximações aos que
estão melhor posicionados
Estruturação da rede
Pouco densa
História
Papel de relevo: confere sentido de pertença a um mesmo passado e
integração em torno das experiências negativas
Repartição dos ganhos
Considerada desigual em favor das empresas de maior dimensão
Entendimento colectivo
Existe sobretudo na resolução de conflitos e em relação à estratégia
prosseguida
Estágio dos relacionamentos
Estável, com instituição de rotinas
Investimento
Sobretudo em tempo, mas apenas por parte de alguns actores da rede
nos
relacionamentos
Existência de oportunismo
Considera-se que existe, embora só alguns efectivamente o pareçam
praticar
Processo
de
tomada
de
decisões
Considera-se que podia existir maior participação, mas admite-se que
assim não seja dada a celeridade com que algumas decisões têm de ser
tomadas
Mecanismos de coordenação e
Existe estandardização de procedimentos e existe controlo promovido
de controlo
pela Vitrocristal
Divisão e especialização do
Existe, de forma ténue, mas com condições para se tornar mais
trabalho
evidente no futuro
ANÁLISE DA INTERNACIONALIZAÇÃO DA REDE
De acordo com o modelo de redes através do qual se propõe o estudo deste caso,
internacionalizar significa estabelecer e desenvolver posições em relação a parceiros
pertencentes de redes estrangeiras (Johanson e Mattsson, 1988). Há várias formas de o
conseguir, havendo, em qualquer um dos casos, a intenção da empresa usar os seus
recursos de forma a atingir objectivos económicos de longo prazo. Todavia, a forma
como os seus activos de mercado vão ser usados vai diferir consoante o grau de
internacionalização da empresa e do mercado. É ao encontro destas considerações que
surgem as quatro tipologias identificadas atrás. No caso da Vitrocristal parece que a
tipologia que melhor reflecte a sua situação é a de “Late Starter” (Figura 4). O processo
de internacionalização é, neste caso, marcado pela existência de um ambiente bastante
internacionalizado, ainda que não se possa considerar da mesma maneira a situação da
rede.
Figura 4 – Localização da Vitrocristal no Modelo de Johanson e Mattsson
Grau de Internacionalização do mercado
Baixo
Grau de
Baixo
The Early Starter
internacionalização da
empresa
Alto
The Lonely International
Alto
Vitrocristal
The International
Among Others
Fonte: Johanson e Mattsson, 1988, p. 310, adaptado.
O ambiente em que a rede de produção em questão opera pode ser considerado
internacional, uma vez que a maior parte dos seus intervenientes trabalha numa base
internacional, obtendo fornecimentos e colocando encomendas nas localizações mais
vantajosas, sob o critério da racionalidade económica. A alta internacionalização do
ambiente também pode ser constatada no que diz respeito aos concorrentes pois, como
se viu no capítulo anterior, as marcas com que a MGlass pretende competir são marcas
internacionais, com um espectro de projecção alargado, quer em mercados próximos,
quer em mercados mais afastados. Aliás, o posicionamento escolhido pela marca assim
o evidencia, colocando-a lado-a-lado daquelas. Os consultores estão também altamente
vocacionados para lidar com situações de internacionalização, podendo também
encontrar-se no perfil de outros elementos do agrupamento experiências significativas
quando em contacto com a realidade da internacionalização de empresas. Por outro
lado, o grau de internacionalização das empresas é baixo. Para além de estarem agora,
no seio da Vitrocristal, a iniciar verdadeiramente o seu processo de internacionalização,
mesmo as que colocavam já uma parte das suas encomendas no exterior, faziam-no de
forma passiva. Ser “internacional”é muito mais que vender ao cliente estrangeiro que
procura a empresa para fornecimentos de acordo com as. suas especificações. Nestes
casos não há qualquer controle sob o processo de comercialização. Não conhecendo o
mercado que está a servir, a única diferença digna de registo pode ter a ver com o facto
da comunicação ser feita numa língua diferente. Tudo o resto se mantém, sem grandes
alterações, sem que seja necessário assumir um maior risco ou enfrentar uma maior
incerteza, características da actuação internacional. O grau de internacionalização das
empresas é, portanto, baixo.
O que acontece então, nestas circunstâncias, é que a pressão para uma actuação numa
base internacional aumenta, razão pela qual se poderá afirmar que as relações
estabelecidas no mercado doméstico podem, neste caso, ser vistas como activos
importantes no âmbito do processo de internacionalização. Ora, assim sendo, a própria
rede parece ter condições para melhor se escudar da incerteza e complexidade
acrescidas através destes relacionamentos, permitindo-se mesmo dar passos maiores no
seu processo de internacionalização do que aqueles que supostamente daria no caso do
seu ambiente de actuação não estar internacionalizado. Pode ser esta a explicação para
os avanços no sentido do mercado norte-americano, que foi eleito como mercado
preferencial por parte da Vitrocristal, para onde a distância geográfica e mesmo
psicológica, aparentemente, desaconselhariam investidas.
De assinalar também a maior probabilidade de mercados mais próximos estarem já a ser
ocupados por marcas concorrentes. E para além disso, de destacar a tendência para o
aproveitamento dos activos de mercado já existentes nos EUA e aos quais a Vitrocristal
pode aceder através de relações indirectas. Referimo-nos, neste caso, à experiência da
Ronald Berger & Partner, até porque, a este nível, a Vitrocristal relacionou-se com a
sede desta multinacional e não com a filial portuguesa como tinha acontecido
inicialmente. Se a isto associarmos as oportunidades de mercado identificadas naquele
mercado, como sejam os índices de crescimento e de consumo de vidro de mesa e
cristais e o aparecimento de um segmento jovem interessado em peças de design, então
estão reunidas as condições para aprovar o avanço das operações naquele sentido.
É por isso que se admite, nestas circunstâncias, que a perspectiva sequencial defendida
pela teoria da internacionalização seja subvertida por um início diferente: o de um maior
compromisso de recursos aos mercados internacionais que o sugerido. Daí que as
exportações possam ser ultrapassadas por formas de entrada mais evoluídas como, por
exemplo, a criação de subsidiárias de vendas. Esta opção torna-se particularmente
evidente nas situações em que os contactos pessoais entre os parceiros se revelam
importantes e constituem um portfólio de experiências e de conhecimentos de mercado.
E isso acontece também em virtude de eventuais imperativos técnicos ou de mercado,
que fazem assim aumentar a frequência dos encontros e o trabalho conjunto. É o que
acontece face às necessidades de adaptação das colecções às especificidades reveladas
pelos estudos de mercado para determinadas áreas geográficas.
A perspectiva da internacionalização em estudo, tipificada segundo o artigo de base
como uma “Late Starter”, evidencia portanto um processo de internacionalização que
se inicia em mercados menos próximos e através de modos de entrada menos ortodoxos
que os habitualmente defendidos. E, no caso de uma “Late Starter”, em que o atraso em
termos de internacionalização, face aos demais agentes da rede total é maior, é
conveniente que a entrada seja pautada pela prudência, sobretudo se se tratar de uma
unidade de dimensão reduzida, sem grandes conhecimentos e meios para trabalhar em
ambientes distintos, em que as alterações de actuação não serão certamente apenas de
cariz quantitativo. O processo de internacionalização deverá portanto ser acompanhado
de algum tipo de especialização particular ou de uma elevada capacidade de
ajustamento a uma qualquer situação específica manifestada no âmbito de uma secção
particular da rede. Aconselha-se então a conquista de um nicho de mercado onde seja
possível estabelecer uma posição de domínio perante o mercado, face às dificuldades
que certamente uma organização desta dimensão revelaria no cumprimento de
especificações ditadas pelos clientes. A especialização funciona assim como o alicerce
da construção da presença internacional para estas empresas, normalmente com maiores
dificuldades para proceder a adaptações e para responder a acções de concorrentes já
instaladas. É a situação mais indicada quando as demais já se encontram nos novos
mercados, detendo maiores conhecimentos, com mais experiência e, eventualmente até,
com o escudo de acções de marketing anteriores que impedem a actuação das novas.
Pode, por exemplo, dar-se o caso dos principais canais de distribuição estarem já a ser
usados pelos operadores mais antigos e de existirem mesmo situações de bloqueio
irreversíveis, como o caso da existência de acordos de exclusividade. No caso da
MGlass, em termos de canais de distribuição a opção passa sobretudo pelas lojas de
retalho da especialidade e department stores, devendo a sua política de preços ser
condizente com o posicionamento desejado, mas sem atingir os níveis praticados pelos
seus concorrentes italianos e franceses.
Em suma, apesar da sua diminuta estatura, a Vitrocristal pode perfeitamente avaliar as
suas principais forças, usando-as como ferramenta para fazer face à questão da
dimensão e no sentido de um melhor aproveitamento das oportunidades que o próprio
mercado norte-americano vai proporcionando. Neste, parecem de vital importância os
activos de mercado adquiridos por importantes nós da Vitrocristal, designadamente pelo
ICEP, cuja experiência de mercado é particularmente grande no mercado norteamericano, sobretudo nova-iorquino e dos especialistas da Roland Berger que, para
além do domínio de questões relacionadas com o marketing estratégico e das redes de
distribuição, têm especial conhecimento sobre o funcionamento do mercado dos vidros
de mesa e cristais e deste mercado geográfico em particular.
PRINCIPAIS CONCLUSÕES
Contrariamente às abordagens tradicionais, a perspectiva das redes parece capturar
melhor a noção de interacção da empresa com o seu ambiente (Andreson et al., 1994),
aspecto que até há alguns anos atrás não era considerado. De facto, o enfoque é
colocado nas relações e não nas meras transacções, que se viram, durante anos, alheadas
do facto da sua concretização se verificar no contexto de uma relação e não de forma
pontual e isolada entre dois agentes. A chamada de atenção centra-se na importância dos
relacionamentos, uma vez que a maior parte das transacções estabelecidas ocorrem no
seio de relações estáveis. A aproximação aos pares de negócio passa a ser uma
necessidade para as empresas em virtude das pressões sofridas para o permanente
aperfeiçoamento dos seus produtos e para a diminuição dos custos. Deste modo, para
além da importância de considerar os mercados como redes de empresas, faz todo o
sentido pensar em termos de gestão de relações (Ford et. al, 1998).
A cooperação, como tipo particular de relação, revela-se fundamental no actual quadro
de negócios, na medida em que permite aliar as vantagens da dimensão elevada e da
dimensão reduzida. De facto, o interesse em ter um tamanho maior é elevado quando se
trata de questões como as economias de escala, as economias de experiência, o poder
negocial ou a promoção, aspectos em que o tamanho propicia o aproveitamento de
oportunidades que não estão ao alcance de empresas de menor dimensão. Todavia, estas
podem actuar com uma maior flexibilidade no mercado, adaptando-se às suas
necessidades e antecipando as oportunidades, criando com ele um maior contacto,
potencialmente traduzido em proximidade com os clientes e consequentes
probabilidades de desenvolvimento de uma oferta mais adequada. Ser pequeno e actuar
como um grande representa uma grande evolução em termos estratégicos, só possível de
atingir com a aliança de dois aspectos cruciais: a gestão de relações e, dentro destas, a
preocupação com as relações de cooperação. Gerir relações de cooperação implica
normalmente realizar esforços superiores aos utilizados quando se gerem relações de
competição. Na verdade, nalgumas vertentes do relacionamento, cooperar e competir
coexistem, tornando-se então fundamental saber em que áreas os agentes devem
cooperar e em que áreas é suposto competirem. Este é um facto de implementação nem
sempre fácil, conforme Doz e Hamel (1998) alertaram. O desejo de sair vencedor do
projecto comum (ainda que por razões diferentes), a compreensão do contributo de cada
um para a vitória e a percepção dos ganhos finais, são aspectos fulcrais no processo de
criação de valor a partir das relações de cooperação desenvolvidas.
É possível, fazendo uso dos contributos de Håkansson e Johanson (1984), associar
dimensões da cooperação e elementos do modelo das redes (ver Figura 5).
Figura 5 – Os elementos de uma relação de cooperação e o modelo actores, actividades
e recursos
1) Conjugação de interesses
ACTORES
2) Compartilha de recursos
RECURSOS
3) Coordenação de actividades
ACTIVIDADES
4) Confiança
Confiança
A
A
R
C
É fundamental que as partes avaliem a existência de interesses comuns entre si, ou seja,
áreas onde potencialmente poderá assentar a cooperação. Eles dificilmente existirão se
todas as empresas fizerem exactamente as mesmas. Por isso é necessário ver se existem
complementaridades, ou melhor: áreas onde é possível beneficiar de sinergias, onde a
actuação conjunta permita aceder a ganhos superiores aos da actuação isolada. É ainda
importante verificar a existência de compatibilidades, isto é, a existência de harmonia
no desenvolvimento de actividades levado a cabo pelas diferentes partes. Por vezes,
embora os requisitos anteriores estejam cumpridos, falta entrosamento, as partes não são
capazes de trabalhar em sintonia. Isto pode dever-se, por exemplo, a um choque de
culturas entre elas. É importante o diagnóstico destas questões antes de se avançar para
formas concretas de cooperação. A partilha de recursos próprios pelos parceiros é uma
condição essencial para que, directa ou indirectamente, se efective o seu acesso por
todos os elementos que a compõem. Se algumas objecções ou restrições se levantarem a
esta condição, dificilmente se concretizarão os objectivos interiorizados nos propalados
interesses comuns. A existência de uma parceria obriga ainda a uma boa coordenação
das actividades desenvolvidas pelos diferentes agentes implicados no processo. É
importante que se definam à partida os objectivos da cooperação, que se desenvolvam
as estratégias a prosseguir, se estabeleçam planos e orçamentos conducentes à sua
concretização e ainda que existam formas de controlo que permitam ter domínio sobre o
modo como as actividades estão a ser desenroladas. A confiança é fundamental no
estabelecimento e manutenção de relações de cooperação. Exige conhecimento mútuo,
tempo e experiência comum. Daí que alguns autores estabeleçam analogias entre a
cooperação e o sucesso dos casamentos. Passar algum tempo com o parceiro é
fundamental para o conhecer melhor, devendo surgir experiências em comum para uma
melhor avaliação das suas virtudes e defeitos. Para tal é necessário que ambos troquem
opiniões de um modo franco e aberto e que se tentem compreender, evitando a
imposição de pontos de vista. É importante que se evitem os comportamentos
oportunistas e que se responda com reciprocidade aos comportamentos de cooperação.
A ambição em termos de metas a atingir poderá tornar-se perniciosa se os objectivos se
revelarem impossíveis de atingir para alguma das partes envolvidas e se a sua
prossecução prejudicar de alguma forma um parceiro.
Com a emergência das estratégias de cooperação, a ortodoxia da gestão ganha novos
valores. O posicionamento estratégico era concebido até há pouco tempo como “estar
no sítio certo e actuar de modo acertado”. Agora, o “sítio certo” passa a ser o centro da
rede pois é aqui que o poder é maior. O “ser competitivo” passa então a ser substituído
pelo “ter poder”. E o ter poder significa ter capacidade para se relacionar com a
organização certa no momento certo, aceder aos seus recursos, sejam eles materiais,
financeiros ou de conhecimento, aceder aos seus processos, ao seu saber fazer, aos seus
aspectos intangíveis e difíceis de transmitir. A aposta parece então passar pela
identificação das áreas onde a cooperação entre as partes é possível, através de uma
análise das estruturas resultantes da aplicação de um modelo deste tipo, em que existem
simultaneamente relações hierárquicas, relações funcionais e relações de concorrência,
ao longo de uma fileira de negócios. Este modelo alia assim aspectos referentes à
governação do mercado através das empresas e através da hierarquia, acrescentando
novas dimensões.
No caso da Vitrocristal, a sua actuação internacional através do estabelecimento de uma
subsidiária de vendas no mercado nova-iorquino não seria uma realidade se um forte
investimento em termos de relações no âmbito da rede não tivesse ocorrido. A este nível
foram particularmente importantes as relações de cooperação, as quais foram sendo
geridas de acordo com os recursos existentes e no seguimento dos processos em curso.
Verificou-se este nível que a posse de recursos próprios não impedia o avanço em
termos internacionais, já que o acesso àqueles, em sentido lato, era possível de forma
indirecta. Este facto realçou, mais uma vez, a importância dos processos, ou de outra
forma, do intangível. Foi ainda possível constatar que, no processo em curso, houve
uma tendência para a identificação das actividades que verdadeiramente acrescentavam
valor, tendo sobre elas recaído uma maior preocupação em termos de afectação de
recursos.
Pese embora debruçando-se apenas sobre uma situação em concreto e reconhecendo-se
a ausência de análise de aspectos porventura importantes como seja a cultura da
empresa e a cultura nacional, este estudo permite concluir que o recurso à cooperação
sob a forma de redes de negócios tendo em vista a internacionalização pode funcionar
como uma tentativa de minimizar os efeitos associados aos limites iniciais das
empresas. Resta saber durante quanto tempo será necessário para que uma entidade que
resulta de um processo como este precisa para ganhar autonomia em relação aos apoios
públicos, ou seja: quanto tempo é necessário para eliminar a falha de mercado que deu o
mote ao aparecimento deste agrupamento complementar de empresas. Reunidos todos
os ingredientes, estaremos em condições de reclamar então para a cooperação interempresarial o papel de pedra angular na gestão estratégica actual.
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