RESPONSABILIDADE SOCIAL DAS EMPRESAS: NA BUSCA DE REFERENCIAL TEÓRICO Lilian S. Outtes Wanderley Jane Collier, BSc, MA, PhD RESUMO Nosso interesse, enquanto buscamos estudar o tema RSE no Brasil, tem-nos levado a questionar os trabalhos existentes enquanto buscamos referencial(is) teórico(s) que se mostre consistente e aplicável. A pergunta que então surge é: Como definir referencial teórico para analisar Responsabilidade Social das Empresas? Responder esta questão é o objetivo deste artigo desenvolvido para suscitar a discussão com os colegas participantes do XII Encontro Nacional da ANGRAD. O presente texto inicia com uma revisão do conceito de RSE num caráter cronológico e evolutivo como de um conceito em construção; em seguida é apresentado o estado da pesquisa aplicada sobre o tema no Brasil, desde a primeira dissertação de Mestrado em Administração até as duas recentes surveys; daí serão comentadas algumas dificuldades para a definição de um referencial teórico para estudar o tema e também os avanços realizados até o momento; finalmente, as considerações finais apresentam uma síntese do conteúdo deste paper, não sendo conclusivo, mas sugerindo novas questões a serem estudadas. A temática RSE, mostrando-se com vaga definição conceitual, parece então exigir prévios esclarecimentos quanto a sua (1) contextualização, a (2) visão do autor/pesquisador na perspectiva conceitual para tal contexto, as (3) implicações e então suas conseqüentes (4) limitações. Nosso interesse, enquanto buscamos estudar o tema RSE no Brasil, tem-nos levado a questionar os trabalhos existentes enquanto buscamos referencial teórico que se mostre consistente e aplicável. A pergunta que então surge é: Como definir referencial teórico para analisar Responsabilidade Social das Empresas? Responder esta questão é o objetivo deste artigo desenvolvido para suscitar a discussão com os colegas participantes do XII Encontro Nacional da ANGRAD. O presente texto inicia com uma revisão do conceito de RSE num caráter cronológico e evolutivo como de um conceito em construção; em seguida é apresentado o estado da pesquisa aplicada sobre o tema no Brasil, desde a primeira dissertação de Mestrado em Administração até as duas recentes surveys; daí serão comentadas algumas dificuldades para a definição de um referencial teórico para estudar o tema e também os avanços realizados até o momento; finalmente, as considerações finais apresentam uma síntese do conteúdo deste paper, não sendo conclusivo, mas sugerindo novas questões a serem estudadas. A temática RSE, mostrando-se com vaga definição conceitual, parece então exigir prévios esclarecimentos quanto a sua (1) contextualização, a (2) visão do autor/pesquisador na perspectiva conceitual para tal contexto, as (3) implicações e então suas conseqüentes (4) limitações. I. INTRODUÇÃO A relação que se estabelece entre organizações e sociedade tem sido objeto de inúmeros estudos e publicações. Com a crescente dificuldade de o Estado resolver a problemática social atual e o aumento do poder das grandes empresas, a temática Responsabilidade Social das Empresas (RSE) vem sendo objeto de reflexão de muitos envolvidos com a construção da realidade social. Nosso interesse, enquanto buscamos estudar o tema RSE no Brasil, tem-nos levado a questionar os trabalhos existentes enquanto buscamos referencial(is) teórico(s) que se mostre consistente e aplicável. A pergunta que então surge é: Como definir referencial teórico para analisar Responsabilidade Social das Empresas? Responder esta questão é o objetivo deste artigo desenvolvido para suscitar a discussão com os colegas participantes do XII Encontro Nacional da ANGRAD. O presente texto inicia com uma revisão do conceito de RSE num caráter cronológico e evolutivo como de um conceito em construção; em seguida é apresentado o estado da pesquisa aplicada sobre o tema no Brasil, desde a primeira dissertação de Mestrado em Administração até as duas recentes surveys; daí serão comentadas algumas dificuldades para a definição de um referencial teórico para estudar o tema e também os avanços realizados até o momento; finalmente, as considerações finais apresentam uma síntese do conteúdo deste paper, não sendo conclusivo, mas sugerindo novas questões a serem estudadas. A temática RSE, mostrando-se com vaga definição conceitual, parece então exigir prévios esclarecimentos quanto a sua (1) contextualização, a (2) visão do autor/pesquisador na perspectiva conceitual para tal contexto, as (3) implicações e então suas conseqüentes (4) limitações. II. RESPONSABILIDADE SOCIAL DAS EMPRESAS: REVISÃO CONCEITUAL Iniciemos com uma questão básica: O que é Responsabilidade Social das Empresas? Em relatório das Nações Unidas (UNCTAD, 1999: 1), Responsabilidade Social das Empresas foi apresentada como dizendo respeito à maneira como as empresas privadas se relacionam com as necessidades e objetivos da sociedade e exercem seu impacto1. É válido ir buscar o conceito desde a primeira publicação sobre o tema que remonta a 19532, quando Bowen ao tratar da responsabilidade do homem de negócios, definiu-a como se referindo às obrigações do executivo (ou homem de negócios) a seguir as políticas, tomar decisões, ou mesmo seguir as linhas de ação desejáveis no sentido dos objetivos e valores de nossa sociedade 3. O aspecto vago, presente na tentativa de definir conceito para Responsabilidade Social das Empresas, portanto, não é nada recente. A pergunta que se posiciona imediatamente é: como os principais autores sobre o tema se posicionaram diante da (ausência de) definição conceitual? Os pioneiros na temática Responsabilidade Social das Empresas, sendo eles Friedman, Carroll, Donaldson e Freeman, apresentam abordagens distintas que de maneira já esperada têm pressupostos diferenciados. O economista ganhador do premio Nobel, Friedman (1962), é referência obrigatória em toda e qualquer abordagem sobre RSE, quando o mesmo defendeu que a responsabilidade social da empresa não é outra senão remunerar os acionistas e que a função social da empresa é preenchida com sua própria existência na sociedade, sendo qualquer outra atividade desenvolvida que não aquela que vise a remuneração do investimento entendida como desperdício de recursos, pois estariam sendo aplicados fora do objetivo primordial da empresa que é a obtenção do lucro. Esta perspectiva caracteriza 1 Tradução livre do original: Corporate Social Responsibility “concerns how business enterprises relate to, and impact upon, a society’s needs and goals” (UNCTAD, 1999b: 2 Traduzida para a língua portuguesa em 1957. Tradução livre de: 'It (CSR) refers to the obligations of businessmen to pursue those policies, to make decisions, or to follow those lines of actions, which are desirable in terms of the objectives and values of our society' (Bowen 1953:6). 3 período anterior ao presente, quando a idéia compartilhada atualmente é de lucratividade com responsabilidade social. Quando Carroll (1979) define RSE através de uma pirâmide formada por quatro categorias, sendo elas: (1) econômica, (2) social, (3) ética e (4) discricionária, ou, como posteriormente denominada, filantrópica (Carroll, 1991), o espectro de diferentes possibilidades é aberto, mas o que caracteriza a empresa socialmente responsável permanece vago. A contribuição da categorização apresentada pelo autor diz respeito a quando do não cumprimento das categorias econômica, função básica da empresa, legal, obedecendo às leis e normas, e/ou ética, a mais complexa delas, pode estar pondo em risco a sobrevivência da empresa e caracterizando-a como socialmente irresponsável. O mesmo não ocorre com a quarta categoria abordada, a filantrópica, ou seja, a empresa que não desenvolve atividades voltadas para a filantropia não é caracterizada como socialmente irresponsável, sendo esta atividade uma possível, mas não necessariamente, complementação da atividade empresarial. Donaldson ao trazer para o ambiente empresarial as idéias de Thomas Hobbes (1588-1679), John Locke (1632-1704) e Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), cria a referência do Contrato Social que justifica a existência da empresa privada como o contrato político que justificou a existência do estado (Donaldson, 1982). Naturalmente, não há surpresa ao vê-lo aderir em seguida à idéia de Freeman (Donaldson and Preston, 1995) quando a inviabilidade de abordar RSE sem a clara participação do estado parece inevitável4. A abordagem de stakeholder (ou contra-partes) como inclusão dos grupos ou indivíduos que de forma direta ou indireta afeta e/ou é afetado pelas empresas (Freeman, 1984) mostra-se como importante avanço ao expandir o enfoque de poder dos acionistas para incluir representações da sociedade. A dificuldade de operacionalização da abordagem de stakeholder como ‘teoria’, ‘modelo’ ou outra nomenclatura mostrou contradições e inconsistências que gerou a conferência de 1998 em Toronto que tentava esclarecer os diferentes enfoques (Clarkson et al, 1994). Em outras palavras, Enquanto Friedman defendeu a questão econômica da empresa como única ‘função social’ da mesma, Carroll categorizou diferentes tipos de responsabilidade social, Donaldson sugeriu o Contrato Social e Freeman abordou a perspectiva da inclusão de stakeholders na questão da responsabilidade social, a contribuição para a operacionalização de um referencial teórico para RSE não se mostra insuficiente quando tentamos aplicar à realidade. Na primeira abordagem, de Friedman, pode-se argumentar que o aumento do poder empresarial só é aceito quando acompanhado de responsabilidade, já o esforço de categorização de Carroll é interessante mas não define aplicação, o Contrato Social de Donaldson ao mediar as relações entre empresas e consumidores exclui não só a figura do estado mas também o cidadão que não é consumidor, enquanto por sua vez a abordagem de stakeholder de Freeman ao ampliar o grupo de participação para intervir no processo de sobrevivência empresarial não dá referencial para análise da realidade. A questão seguinte então é: como definir RSE de maneira que: 1. reflita a realidade estudada (contexto); 2. apresente consistente fundamentação; e 3. seja de possível operacionalização para a realização pesquisa aplicada. Alguns estudos foram desenvolvidos no Brasil sobre o tema RSE e a eles vamos nos dedicar no próximo item. 4 Mesmo que o autor tenha anteriormente publicado a Teoria Integrativa do Contrato Social (ou Integrative Theory of Social Contract – ITSC) em Donaldson and Dunfee (1994). III. A PESQUISA APLICADA SOBRE RSE NO BRASIL Com muitos significados e diversas interpretações, Responsabilidade Social das Empresas (RSE) no Brasil tem sido objeto de algumas pesquisas e publicações. O primeiro registro sobre o tema remonta a 1957, quando foi traduzido o livro Social Responsibility of The Businessman, de 1953, como mencionado anteriormente, tendo como autor o Professor de Economia do Williams College, Howard R. Bowen. Nos anos 80, alguns mestrandos desenvolveram dissertações em diferentes universidades brasileiras. Na PUC/RJ, abordagem qualitativa foi aplicada quando desenvolvido o tema RSE na percepção de empresários (Tomei, 1981). Dissertação que recebeu o Prêmio Brahma de Administração e foi posteriormente publicada em livro foi desenvolvida na UFMG (Dias, 1985; Duarte e Dias, 1986). A pesquisa aplicada com método quantitativo foi realizada por Oliveira (1983), na época mestrando no PPGA/UFRGS, abordando pequenas e médias empresas de conservas no Rio Grande do Sul; e em seguida por sua orientanda no Mestrado em Administração da UFRN, Camelo (1987) que adotou o mesmo método aplicando-o às pequenas e médias empresas de conservas alimentícias no Rio Grande do Norte. Estes trabalhos, apesar de realizados em anos próximos não constroem o que poderia se esperar de uma integrada perspectiva sobre RSE no Brasil, talvez justificados por terem sido realizados em diferentes estados brasileiros e, conseqüentemente, distantes centros acadêmicos ao considerarmos a dimensão geográfica brasileira. Na década de 90, na RAE foram publicados artigos de Ribeiro (1993) e Arruda (1996a e 1996b) e na RAUSP, Srour (1994) comentou sobre RSE no texto Ética Empresarial sem Moralismo, o qual viria a fazer parte da obra atual e de leitura obrigatória denominada Poder, Cultura e Ética nas Organizações (Srour, 1998, p. 295), onde o autor apresenta como idéia conclusiva: “Em suma, a empresa capitalista, embora se mova num contexto onde imperam códigos morais, só passa a comportar-se de modo socialmente responsável quando sua continuidade está em risco, quando enfrenta a intervenção organizada das contrapartes com as quais lida ou quando mergulha no cabode-guerra das relações de poder.” Após um período que separou as dissertações de mestrado que envolviam pesquisa aplicada sobre RSE de elaborações teóricas mais recentes, surveys foram realizadas sobre o comportamento empresarial diante das questões sociais, envolvendo as regiões Nordeste (Mello, 1999) e Sudeste (Peliano, 2000). Anteriores às duas surveys realizadas em 1999, não havia nenhum esforço de mapeamento das atividades envolvidas com a temática RSE, exceto a percepção dos empregados sobre as melhores empresas para trabalhar (Exame, 1999) realizado pela revista Exame e atualmente em fase de preparação de sua quarta edição. No mapeamento das tendências de empresas localizadas na região Nordeste darem apoio a organizações da sociedade civil, foi identificado que aproximadamente 2/3 contribuem com atividades de natureza filantrópica, indo o estudo ainda mais adiante quando objetivou “mostrar os fatores que motivam ou desmotivam as empresas a agir na arena social. O que as empresas vêem como sendo os temas e beneficiários mais importantes; que tipo de intervenções são mais apropriadas? Que percepções têm sobre as ONGs, e quais são as qualidades mais importantes que estas organizações devem mostrar?” (Mello, 1999: 2). Envolvendo 300 empresas, um dos resultados mais relevantes refere-se a percepção de RSE como contribuição financeira a ONG’s. Ação Social das Empresas é o tema da survey iniciada pelo IPEA em 1999, tendo os resultados do levantamento realizado na região Sudeste divulgados (Peliano, 2000) enquanto é aplicada em outras regiões do Brasil. Envolvendo uma amostra de 1750 empresas dos mais diversos tamanhos e setores, do universo de 445000 empresas existentes na região, seus resultados confirmam a forte associação entre RSE e filantropia, como no estudo anterior (Mello, 1999), acrescentando que as empresas de maior porte desenvolvem outras atividades que não a filantropia, estando algumas administrando projetos sociais próprios, controlando os gastos das ONGs e cobrando resultados efetivos. Ora, RSE como tema de interesse para a pesquisa aplicada tem ocupado bastante espaço na agenda de instituições nacionais e internacionais, recentemente. Mostrando-se de grande relevância o mapeamento das ações voltadas para as questões sociais, como estas duas surveys teem mostrado, a nossa questão apresentada no inicio deste paper: Como definir referencial teórico para analisar Responsabilidade Social das Empresas?, permanece sem resposta, apesar das contribuições mencionadas. O que podemos esperar como condições a serem preenchidas para a definição de referencial teórico para RSE? Primeiramente, é preciso adotar um conceito de RSE não ocorra de forma impositiva ou ‘importada’ de outras realidades que não a em estudo, no caso especifico, o Brasil. Segundo, tratando-se de conceito que se apresenta inicialmente vago, torna-se necessário referencial teórico flexível para se adaptar a diferentes contextos. Finalmente, buscamos consistência entre o conceito de RSE a ser adotado e o referencial teórico em questão. Diante desta perspectiva, o que vem se mostrando como de grande relevância neste cenário é o esforço do World Business Council for Sustainable Development (WBCSD, 1999) que na busca de mapear as nuances da definição sobre RSE desenvolveu fórum específico de discussão em alguns países, incluindo o Brasil, no qual foi apresentado como definição inicial para o debate que RSE exige o comprometimento contínuo das empresas se comportando eticamente e contribuindo para o desenvolvimento econômico enquanto melhorando a qualidade de vida da força de trabalho e de seus familiares como também da comunidade local e da sociedade como um todo 5. Na primeira versão do relatório do WBCSD (Watts e Holme, 1999: 20), cinco áreas prioritárias para a RSE foram identificadas, sendo elas: direitos humanos, direitos do trabalhador, proteção ambiental, envolvimento com a comunidade, e relacionamento com os fornecedores. Na mais recente publicação do WBCSD (Holme e Watts, 2000: 7), após os grupos de discussão em diferentes países, concluiu-se que RSE é o compromisso das empresas em contribuir para o desenvolvimento sustentável, juntamente com os empregados, suas famílias, a comunidade local e a sociedade como um todo visando a melhoria da qualidade de vida6, sendo também sugerida a inclusão de outras cinco áreas 5 Tradução livre do WBCSD (1999: 4): “Corporate Social Responsibility requires the continuing commitment by business to behaving ethically and contributing to economic development while improving the quality of life of the workforce and their families as well as those of the local community and society at large.” 6 Tradução livre do Holme e Watts (2000: 7): “Corporate Social Responsibility is the commitment of business to contribute to sustainable development, working with employees, their families, the local community and society at large to improve their quality of life”. consideradas também importantes para serem adicionadas às cinco apresentadas, sendo elas: transparência, códigos ou conjunto de princípios, orientação e educação do consumidor, comunicação das ações empresariais e corrupção. O enfoque dado à definição conceitual de RSE no Brasil é o que mais interessa nesta presente abordagem mas não se pode considerar irrelevante as diferentes nuances que cada país envolvido na pesquisa apresentou nos grupos de discussão, onde as áreas foram acordadas como sendo importantes mas seus pesos de importância e limitações foram entendidos de maneira diferenciada. Na perspectiva do grupo brasileiro, o conceito que se estabeleceu (WBCSD, 1999: 5) 7 foi que RSE exige o comprometimento compartilhado de todas as empresas, comunidades e acionistas diante do desenvolvimento sustentável (indo além do desenvolvimento econômico, incluindo as questões sociais e ambientais), com a visão de melhorar o padrão de justiça social (no país e no exterior), enquanto mantendo comportamento ético que satisfaça as necessidades básicas e melhore a qualidade de vida dos segmentos da sociedade direta ou indiretamente inseridos nas esferas de influência das suas atividades. Este importante trabalho que detalha o conceito de RSE para o grupo de brasileiros envolvidos mostra-se de grande ajuda, por não se tratar de abordagem conceitual imposta mas construída pelos participantes do fórum, ficando ainda faltando referencial teórico que permita sua operacionalização. IV. DIFICULDADES E AVANÇOS NA BUSCA DE REFERENCIAL TEÓRICO Quando consideramos os aspectos que permeiam as abordagens sobre o tema Responsabilidade Social das Empresas como apresentando conceitos que não auxiliam de maneira mais objetiva no estabelecimento de referencial teórico que possa ser comum a diversas perspectivas, o trabalho desenvolvido pelo World Business Council for Sustainable Development (WBCSD, 1999; Watts e Holme, 1999; e Holme e Watt, 2000) obtém ainda maior relevância ao buscar identificar suas interpretações a partir de grupos de discussão em diferentes paises. Neste importante esforço percebem-se as nuances referentes ao estudo de perspectivas que refletem prioridades regionais que ao mesmo tempo em que os participantes confirmam a crescente relevância da participação das empresas com o bem-estar geral da sociedade, as ações são realizadas de maneira diferenciada, pois buscam atender necessidades especificas, priorizadas distintamente em concordância com a realidade da sociedade local. Trata-se, portanto, de conceito vago mas não vazio, e simultâneo com as possibilidades interpretativas surgem três aspectos comuns apontados como sendo mais relevantes, sendo eles: 1. RSE como o lado humano das empresas, essencial para a sobrevivência empresarial a longo prazo; 2. o estabelecimento de dialogo e parcerias entre empresas, governo e terceiro setor; e 3. as empresas precisam dizer a que estão se propondo a realizar e demonstrar isto através de ações (Holme e Watts, 2000: 5). 7 Tradução livre do original: “CSR requires continuing shared commitment by all business, communities and shareholders towards sustainable development (economic, social and environmental). with a view to improving social justice patterns (in-house and abroad), whilst maintaining ethical behavior that may satisfy the basic needs and an improvement in the quality of life of those segments of the society directly or indirectly comprised under their sphere of influence” (WBCSD, 1999: 5). Na busca de referencial teórico que forneça suporte aa operacionalização do conceito de RSE, estamos procurando conciliar teoria e pratica em RSE. Esta necessidade de preencher o distanciamento entre a teoria e a prática no que se refere à RSE terá que atender algumas questões básicas como: (1) desenvolver referencial teórico que partindo de trabalho empírico venha a ter máxima validade e poder explicativo; (2) buscar meios de ampliar a base metodológica; (3) surgir a partir de grupos integrados de pesquisa; e também (4) se concentrar no desenvolvimento de habilidades para compartilhar o conhecimento obtido (Collier, 1995: 10). Atendendo então a necessidade de uma abordagem referencial flexível que se adeqüe a especificidade contextual da RSE, o trabalho de Enderle e Tavis (1998) sobre conceito balanceado de RSE (ou The Balanced Concept), mostra-se então como opção para operacionalização do tema RSE. Os autores ao apresentarem o conceito balanceado de RSE, explicam-no como sendo formado por três componentes: I. a noção de responsabilidade, envolvendo o sujeito responsável, definindo pelo que o sujeito é responsável, e a quem o mesmo presta contas; II. Identificação e categorização das atividades como responsabilidades econômica, visando a maximização do lucro em curto ou longo prazo; social, as ações relacionadas com questões políticas, legais, e sócio-culturais; e ambiental, envolvendo o compromisso com a preservação ambiental; e III. definição de níveis éticos a serem seguidos, onde o nível mínimo envolve valores universalmente aceitos como não matar e não roubar; o nível das obrigações positivas garantem a eficiência do funcionamento do sistema econômico e então o nível dos ideais éticos. A Figura I (Enderle e Tavis, 1998: 1136) auxilia no entendimento da flexibilidade sugerida, proporcionando a visualização de três possibilidades dentre muitas outras que venham a caracterizar a aplicação do modelo do conceito balanceado para RSE. Figura I – Três possibilidades de RSE na abordagem do conceito balanceado de Enderle e Tavis (1998) Fonte: Enderle e Tavis (1998: 1336). A empresa “A”, retratada na Figura I, apresenta um nível alto nas responsabilidades econômicas, nível intermediário quando trata das responsabilidades sociais e cumpre com o nível mínimo no que diz respeito às responsabilidades ambientais. A empresa “B” está categorizada no nível intermediário quando se trata das responsabilidades sociais e econômicas e no alto nível de responsabilidade quanto às questões ambientais. Já a empresa “C” retrata nível intermediário nas responsabilidades econômicas e ambientais e nível alto nas responsabilidades sociais. Certamente o conceito balanceado de Enderle e Tavis (1998) surge não apenas como resultado da experiência com empresas de grande porte (Tavis, 1983, 1984) mas também com estudos sobre ética empresarial em diversas partes do mundo (Enderle, 1997) e ainda pode ser apresentado como síntese de trabalhos de outros autores, vistos anteriormente no item II, como Carroll e as quatro categorias de RSE, o contrato social de Donaldson e os stakeholders (ou contra-partes) de Freeman, que indo além das perspectivas isoladas de cada autor e incorporando as críticas aos mesmos, a abordagem do conceito balanceado, ainda que recente, já surge com certo amadurecimento. Em outras palavras, as abordagens apresentadas pelos pioneiros são então substituídas pelo conceito balanceado de Enderle e Tavis (1998) que, sendo amplo e flexível, permite aplicação em diferentes contextos. V. CONSIDERAÇÕES FINAIS O tema Responsabilidade Social das Empresas (RSE) apresenta conceito em construção, onde esforços já demonstram maiores aprofundamentos e a contextualização torna-se aspecto essencial para a definição de abordagem teórica. O World Business Council for Sustainable development, realizando discussão com grupos de vários paises iniciou como conceito: RSE exige o comprometimento contínuo das empresas se comportando eticamente e contribuindo para o desenvolvimento econômico enquanto melhorando a qualidade de vida da força de trabalho e de seus familiares como também da comunidade local e da sociedade como um todo 8; após a discussão chegou a conclusão da existência de diversas nuances que se refletem também na definição de prioridades. Até mesmo estas prioridades que inicialmente eram apontadas como cinco, sendo elas: direitos humanos, direitos do trabalhador, proteção ambiental, envolvimento com a comunidade, e relacionamento com os fornecedores; teve seu grupo ampliado para dez após os grupos de discussão. Na fase atual do trabalho, chegou-se a concluir que RSE é o compromisso das empresas em contribuir para o desenvolvimento sustentável, juntamente com os empregados, suas famílias, a comunidade local e a sociedade como um todo visando a melhoria da qualidade de vida9. O grupo brasileiro, sugerindo maior detalhamento desta definição, insiste em maior clareza ao estabelecer que RSE exige o comprometimento compartilhado de todas as empresas, comunidades e acionistas diante do desenvolvimento sustentável (indo além do desenvolvimento econômico, incluindo as questões sociais e ambientais), com a visão de melhorar o padrão de justiça social (no país e no exterior), enquanto mantendo comportamento ético que satisfaça as necessidades básicas e melhore a qualidade de vida dos segmentos da sociedade direta ou indiretamente inseridos nas esferas de influência das suas atividades 10. As dez áreas importantes para as ações de RSE, após a discussão com grupos de diversos paises, são apontadas como: direitos humanos, direitos do trabalhador, proteção ambiental, envolvimento com a comunidade, relações com os fornecedores, transparência, códigos ou conjunto de princípios, orientação e educação do consumidor, comunicação das ações empresariais e, finalmente, corrupção. A ordem de importância e seus respectivos pesos ficam a ser considerados de acordo com a realidade da sociedade local. 8 9 Ver nota de numero 5. Ver nota de numero 6. 10 Ver nota de numero 7. Podemos então afirmar que RSE apresenta conceito em construção e de maneira bastante dialética. O aspecto vago que é encontrado quando se busca o conceito, tem sido preenchido pela identificação de necessidades especificas em concordância com a sociedade local, no caso do trabalho do WBCSD, seus representantes. RSE envolve uma grande possibilidade de alternativas a serem desenvolvidas, daí a relevância da contextualização quando o tema é tratado. A contextualização é acompanhada da visão do autor enquanto pesquisador que ao definir a perspectiva de contextualização identifica as áreas que serão então consideradas como prioritárias. Um elenco de necessidades é apresentado como estando relacionado a dez áreas, pelo menos até o momento, resultantes dos grupos de discussão de abrangência global. Na definição do contexto em que RSE é analisada, suas conseqüências, em forma de implicações das opções da abordagem tomada e, naturalmente, suas limitações precisam ser consideradas de antemão quando da escolha do enfoque. A abrangência das questões que envolvem RSE sugere a adoção de referencial teórico flexível e dai surge como uma opção a ser adotada, o modelo sugerido por Enderle e Tavis (1998). Resumindo, para uma coerente abordagem do tema RSE, torna-se necessário esclarecer o seu contexto, pois RSE não tem conceito aceito universalmente. No processo de definição do contexto para a abordagem de RSE, a visão do autor/pesquisador se apresenta ao implementar conceito mais especifico, e conseqüentemente implicações e limitações se apresentam referentes à adoção da abordagem escolhida. Tendo supostamente respondido a questão apresentada no inicio do texto, a pergunta seguinte pode então vir a ser: Como contextualizar Responsabilidade Social das Empresas no Brasil? VI. BIBLIOGRAFIA ARRUDA, Maria C. (1996a). Os Padrões Éticos da Propaganda na América Latina. Revista de Administração de Empresas, Vol. 36, No. 1, jan./mar., p. 21-27. ARRUDA, Maria C. (1996b). Relação Empresa/Família: o papel da mulher. Revista de Administração de Empresas, Vol. 36, No. 3, jul./set., p. 6-13. BOWEN, Howard R. (1953). Social responsibilities of the businessman. New York: Harper and Row. BOWEN, Howard. 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