PARECER DE INICIATIVA SOBRE A RESPONSABILIDADE SOCIAL DAS EMPRESAS (Aprovado no Plenário de 17 de Janeiro de 2003) Relator Conselheiro Vitor Melícias LISBOA 2003 O Contexto O Conselho Económico e Social considera que a construção da União económica e monetária da Europa implica a construção de uma Europa socialmente coesa, baseada no conceito de desenvolvimento sustentável e nos princípios matriciais da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, que aqui se assume como quadro de referência de toda a matéria. O desenvolvimento europeu, tanto no plano da modernização económica, da competitividade e da produtividade, como no da qualidade ambiental e dos padrões das políticas sociais, é um objectivo partilhado e convergente dos diferentes interesses económicos e sociais. A Responsabilidade Social das Empresas (RSE) constitui um instrumento para promover o modelo social europeu, que oferece a todos os Estados Membros, e obviamente a Portugal, um caminho para a participação no processo de construção europeia. As empresas desempenham um papel central no desenvolvimento sustentável, pelo que a sua responsabilidade, para além do desempenho da função produtiva e criadora de riqueza, incide igual e essencialmente nos domínios social e ambiental. É, aliás, de sublinhar que a Comunicação da Comissão sobre a RSE, de 2 de Julho de 2002, é significativamente intitulada “Uma contribuição das empresas para o desenvolvimento durável”, estabelecendo assim implicitamente uma relação entre os dois conceitos. Tratando-se de matérias de natureza global, tal não dispensa, antes exige aos diversos agentes nacionais – empresários e accionistas, gestores, trabalhadores, comunidades locais, governos e autarquias, sindicatos e associações patronais, organizações não governamentais, consumidores e cidadãos em geral – a participação no debate e no movimento a favor do reconhecimento e valorização da RSE, bem como na definição de estratégias para a sua implementação. No Livro Verde Promover um Quadro Europeu para a Responsabilidade Social das Empresas, de 18 de Julho de 2001, a Comissão Europeia “...convida os poderes públicos a todos os níveis, incluindo as organizações internacionais, as empresas – das 2. PME às multinacionais – os parceiros sociais, as ONG’s, bem como todas as partes envolvidas ou pessoas interessadas, a exprimir a sua opinião sobre a maneira de construir um partenariado destinado a erigir um novo quadro favorecendo a responsabilidade social das empresas...”. O presente parecer tem como objectivo primeiro apresentar a resposta do CES a esse convite. O Conselho Económico e Social organizou no passado dia 20 de Maio em Lisboa, conjuntamente com a secção portuguesa do Centro Europeu das Empresas com Participação Pública e/ou de Interesse Económico Geral (CEEP), o Seminário “A Responsabilidade Social das Empresas”, que constituiu uma oportunidade para ouvir especialistas, representantes de empresas e representantes dos Parceiros Sociais sobre o Livro Verde. Os contributos foram de grande utilidade para a preparação do presente parecer. O tema da RSE tem vindo a conhecer algum desenvolvimento e maior visibilidade nos últimos anos, facto a que não é porventura alheio o esforço de algumas empresas multinacionais de melhorarem a sua reputação e imagem e de múltiplas outras se demarcarem de inaceitáveis práticas relacionadas com a exploração de mão-de-obra infantil, catástrofes ambientais, encerramentos polémicos de empresas, fraudes contabilísticas e fiscais em grande escala, delapidação de valores afectos a finalidades e fundos sociais, etc. De qualquer modo, não se trata, obviamente, de uma matéria totalmente nova. Desde logo, porque há já empresas que integram a responsabilidade social como elemento relevante da respectiva cultura empresarial e das prioridades de desenvolvimento empresarial, muito para além da mera resposta a problemas de imagem. Isso permitiu constituir um acervo importante de boas práticas. Do mesmo modo muitas entidades públicas e instituições do sector social desenvolvem iniciativas neste domínio. Entre elas têm particular destaque as que possuem um âmbito europeu. Para apenas mencionar algumas das iniciativas mais recentes, em 1993 o Presidente da Comissão Europeia, Jacques Delors, lançou às empresas europeias um apelo para se 3. envolverem activamente na luta contra a exclusão social, dando origem à European Business Network for Social Cohesion. Ao estabelecer o objectivo estratégico de tornar a Europa, até 2010, no espaço económico baseado na economia do conhecimento mais competitivo do mundo, com mais e melhores empregos e com mais coesão social, o Conselho Europeu de Lisboa enviou uma mensagem clara para a coordenação de processos e a responsabilidade alargada, com vista ao desenvolvimento sustentado e às suas vantagens para a competitividade da economia e a qualidade da sociedade. O papel das empresas na qualidade da sociedade foi igualmente reconhecido na Agenda Social aprovada na Cimeira de Nice. O apelo à parceria entre as empresas, o governo, as autarquias locais, as organizações representativas dos trabalhadores e as ONG’s foi também sublinhado. Posteriormente, o Conselho Europeu de Gotemburgo adoptou uma estratégia para o desenvolvimento sustentável, sublinhando que o crescimento económico, a coesão social e a protecção ambiental devem manter-se articulados e coerentes. Para além de outras iniciativas, como as tomadas pela OCDE (Princípios Directores Relativos às Empresas Multinacionais) e principalmente pela OIT (para além do “núcleo duro” das convenções internacionais relativas à liberdade de associação, ao trabalho forçado, à não-discriminação, à eliminação do trabalho infantil, salienta-se a Declaração Tripartida Sobre os Princípios Relativos às Empresas Multinacionais e a Política Social). Com a declaração de Kofi Annan intitulada “Pacto Global” também a ONU se pronunciou sobre a matéria. O Livro Verde Promover um quadro europeu para a responsabilidade social das empresas, sobre o qual o CESE aprovou em 20 de Março de 2002 um importante parecer (CESE, 355/2002), e a Comunicação da Comissão sobre A Responsabilidade Social da Empresa. Uma contribuição das empresas para o desenvolvimento durável, de 2 de Julho de 2002, vêm agora dar um novo impulso na promoção da responsabilidade social das empresas. Esse é o facto novo, totalmente oportuno. No contexto socio-económico emergente com a economia do conhecimento e a sociedade de informação, novos factores competitivos são requeridos no mercado. Aos agentes 4. económicos, em particular às empresas, não basta já atender apenas às variáveis estritamente financeiras, tecnológicas, comerciais e organizacionais. Nem sequer é já suficiente, como ocorria apenas há alguns anos atrás, cuidarem das consequências sociais e ambientais das suas decisões e actividades. Trata-se, mais do que isso, de utilizar a qualidade social e ambiental como um bem em si mesmo e integrar a RSE como função essencial da vida e acção das empresas e como um activo económico decisivo. A noção de Responsabilidade Social das Empresas A Comissão assume a RSE como “a integração voluntária pelas empresas das preocupações sociais e ambientais nas suas actividades comerciais e nas suas relações com todas as partes”. A RSE é complementar das soluções legislativas e contratuais, a que as empresas estão ou podem vir a estar obrigadas, e que se aplicam a questões como, por exemplo, o desenvolvimento da qualidade de emprego, a adequada informação, consulta e participação dos trabalhadores, bem como o respeito e promoção dos direitos sociais e ambientais e a qualidade dos produtos e serviços. Não há por isso fronteiras fixas entre a RSE, de base voluntária, e as regulações legais e contratuais. Os problemas que em alguns países ou em determinadas épocas exigem normas legais e contratuais podem noutros países ou noutras épocas ser resolvidos através de RSE. Aliás muitas práticas do âmbito da RSE vieram a ser consagradas em normas legais ou contratuais. É, de qualquer modo, claro que falar de RSE pressupõe que se entenda a empresa como comunidade humana formada por accionistas, empresários, gestores e trabalhadores, de todos se exigindo a sua quota-parte da responsabilidade comum. Tal como tem sido mais comummente definida, a noção de RSE refere-se à decisão, tomada voluntariamente pelas próprias empresas – isto é, para além das regras inscritas no quadro jurídico-normativo a que as empresas obedecem - de integrar de forma duradoura preocupações sociais e ecológicas nas suas actividades produtivas e 5. comerciais e nas suas relações com todos os parceiros, assim sociais como civis, contribuindo para a melhoria da sociedade e para a qualidade ambiental. Trata-se de uma noção compreensiva e abrangente, que se situa mais no âmbito das boas práticas e da ética empresarial e da moral social, do que no dos normativos jurídicos. Construída sobretudo a partir das práticas concretas das empresas em domínios diversos das suas vidas internas e das suas relações externas, a RSE abrange aspectos tão diversos como os que vão da gestão de recursos humanos e da cultura de empresa, até à escolha dos parceiros comerciais e das tecnologias. Implica, pois, uma abordagem integrada das dimensões financeira, tecnológica, comercial, deontológica e social da empresa, tanto mais quanto ela é, na sua essência, uma comunidade de pessoas ao serviço do bem comum. A dimensão interna da Responsabilidade Social das Empresas A educação e a formação contínua é um dos temas mais frequentemente presentes, em resultado da própria necessidade das empresas que investem nos recursos humanos como uma peça básica da adaptação às dinâmicas da economia moderna. Tais práticas incluem programas de cooperação entre empresas, escolas, Universidades e centros de formação, a oferta de programas de estágios e outras acções destinadas a facilitar a transição dos jovens para a vida activa; a oferta de oportunidades de formação permanente a todos os trabalhadores; a cooperação em sistemas de certificação de competências adquiridas ao longo da vida de modo não formal e informal; e a criação de um ambiente organizacional propício à aprendizagem. Uma das áreas mais naturais para o exercício da responsabilidade social é a adopção de formas de organização do trabalho ricas do ponto de vista do conteúdo e produtivas do ponto de vista do resultado. O mundo moderno, e designadamente o mundo do trabalho, é um mundo em mutação rápida. Emergem novas relações de trabalho e novas condições de emprego, de que são exemplos as formas “atípicas” de trabalho, o trabalho a tempo parcial, o teletrabalho e as empresas virtuais. A sua adopção, podendo constituir factor de promoção da qualidade do emprego e de adaptação das empresas às 6. mutações do mercado, não deverá jamais assumir formas inaceitáveis de exploração e de mera precarização dos laços contratuais. Emergem também novas exigências relativas aos direitos e à qualidade de vida e também novos deveres, de que são exemplo aqueles que os parceiros sociais e o governo português assumiram no quadro dos acordos tripartidos que assinaram sobre Política de Emprego, Mercado de Trabalho, Educação e Formação e sobre Condições de Trabalho, Higiene e Segurança no Trabalho e Combate à Sinistralidade. Geralmente, à organização moderna do trabalho corresponde uma melhor utilização do conjunto dos factores da produção, bem como das potencialidades de tecnologias mais eficientes e menos poluentes. Também se lhe associam práticas como a responsabilização do pessoal, a melhor conciliação entre trabalho, vida familiar e lazer, a aplicação do princípio da remuneração igual para trabalho de valor igual e o desenvolvimento de igualdade de oportunidades de género bem como de trabalhadores com deficiências e limitações específicas na carreira e no acesso a lugares de decisão. Um ambiente de trabalho de qualidade é também um ambiente onde a higiene, saúde e segurança no trabalho e a prevenção do chamado mobbing ou “assédio moral” são prioridades. A promoção de formas complementares e cooperantes entre empresas, governos e organismos profissionais, como as que estão a ser ensaiadas em Portugal no quadro do acordo referido acima, é uma prática cada vez mais corrente. A adopção de programas na área da higiene e segurança no trabalho, bem como a informação credível sobre os mesmos, poderão determinar, como sucede noutros países, que muitos compradores, consumidores e utilizadores de serviços a utilizem ou passem a utilizar como um critério preferencial nas suas opções comerciais. O recurso à externalização de funções e à subcontratação, com as empresas a dotaremse de estruturas mais pequenas, mais ágeis e mais adaptáveis, poderá permitir ganhos resultantes da especialização, de aumentos de produtividade e de economias de escala. Contudo, em muitas situações, a externalização e a subcontratação têm gerado uma menor qualidade do emprego e um recuo das medidas de gestão orientadas por princípios de responsabilidade social, o que não é aceitável. Na escolha dos seus 7. subcontratantes e das entidades resultantes das suas estratégias de externalização, as empresas de maior dimensão devem preferir aquelas que se orientam por padrões mínimos de responsabilidade social. Num mundo cada vez mais globalizado e “integrado” pelas alianças e cadeias financeiras e de produção, as empresas interagem no quadro de sistemas de relações cada vez mais extensos e complexos. Não se pode assim pensar que cada empresa individualmente considerada possa, por si só, assegurar que todos os seus parceiros comerciais, directos e indirectos, cumprem com a legislação (de trabalho, da concorrência, do ambiente) aplicável em termos internacionais – nomeadamente as Convenções da OIT, as Convenções Ambientais e a luta contra a corrupção – ou sequer com as legislações dos Estados onde laboram (as quais em alguns casos vão mais longe, mas noutros se ficam atrás das normas internacionais). Mas tal não significa que, por não poderem ter um controlo perfeito sobre toda a rede das cadeias de fornecedores, consumidores e subcontratantes, as empresas se demitam de adoptar medidas neste domínio. Muitas aliás socorrem-se de sistemas de franchising e de alianças empresariais entre parceiros que partilham um conjunto de normas de conduta ética, incluindo a ambiental. Em certos casos pode mesmo levar-se longe esta atitude. Portugal tem uma experiência notável neste domínio, com o embargo aos produtos indonésios durante a ocupação ilegal de Timor-leste. Mas muitos outros exemplos poderiam ser evocados. As grandes empresas têm, neste aspecto, um papel determinante, tanto pelos efeitos negativos que pode ter uma gestão comercial apenas atinente aos custos de curto prazo, estimulando toda a espécie de expedientes de fuga à norma ao longo da cadeia das suas parcerias comerciais, como pelos efeitos positivos que podem resultar da exigência de comportamentos éticos por parte desses parceiros. Alguns dos temas mais recorrentes no debate europeu sobre a RSE tem por referência, implícita ou explícita, o papel que as multinacionais podem desempenhar. Portugal, tendo uma economia aberta, não é, porém, sede senão de um reduzido número dessas 8. empresas, embora acolha um grande número delas. A participação na UE e no processo em curso do seu alargamento, coloca a Portugal e ao Conselho Económico e Social a responsabilidade de se pronunciar formalmente sobre o problema. As empresas que operam a nível multinacional têm um papel importante no desenvolvimento dos países menos desenvolvidos. Podem, por isso, influenciar fortemente os níveis de qualidade dos processos produtivos nas regiões onde operam, inclusive no sentido da adopção de um maior cumprimento das regras da OIT e de outros organismos internacionais. O respeito e cumprimento dessas regras assume a natureza de elemento fundamental para a erradicação das situações, sempre inaceitáveis, de trabalho infantil, trabalho forçado, ausência de direitos sindicais e associativos, negligência relativamente às normas de saúde, higiene e segurança no trabalho, degradação dos recursos naturais e do ambiente, evitando, por outro lado, que essas empresas interfiram ingerindo-se na política nacional, explorando paraísos fiscais, praticando o “dumping social”, aceitando a corrupção, discriminando mulheres, minorias étnicas, deficientes e outros portadores de factores de desfavorecimento, ou encerrando unidades sem precaver os respectivos impactos sociais. Não obstante reconhecer as dificuldades e resistências que persistem neste campo, o CES crê, assim, que é uma prioridade desenvolver e reforçar os mecanismos de estímulo e de avaliação de práticas de RSE pelas empresas multinacionais, tanto por parte das autoridades nacionais como por parte de organismos como o Banco Mundial, o FMI, a OMC, a OIT e a OCDE, visando, designadamente, uma actuação mais eficaz e coordenada de todas essas instâncias no sentido de se assegurar que o conjunto de normas mínimas internacionais, em especial no plano social, seja respeitado por todas as empresas multinacionais. Naturalmente, as empresas devem ter como padrão mínimo de referência as normas internacionais e o quadro legal dos países onde operam. Mas devem superar este último sempre que ele seja inferior àquelas normas e nunca encorajar, por qualquer meio, a manutenção dessas normas em patamares inferiores. De qualquer modo, a avaliação e controlo a realizar por entidades independentes deve 9. contar com a participação das próprias empresas, tanto da sua direcção como dos seus trabalhadores. Os exemplos mais divulgados de boas práticas são oriundos de empresas de maiores dimensões. Muitas vezes tende a salientar-se apenas os níveis macroeconómico e a referir-se as grandes empresas, nomeadamente as multinacionais, porque são elas que conseguem dar visibilidade às suas iniciativas, como sejam a adopção de “códigos de conduta”, “cartas de direitos”, declarações ou rótulos de qualidade. Na verdade, porém, a RSE deve ser preocupação em todos os sectores de actividade e de empresas de todas as dimensões e de qualquer natureza. As Cooperativas bem como outras empresas de tipo mutualistas e associativo, pela sua natureza, valores e princípios devem assumir espontaneamente responsabilidades éticas e sociais. As PME podem também, muitas vezes, operando em rede ou de forma associativa, adoptar instrumentos semelhantes para dar visibilidade e credibilidade a práticas e estratégias de gestão que já usem de forma informal. Para o envolvimento na RSE, bastante mais relevante do que a dimensão ou o sector de actividade, podem ser variáveis como a inovação organizacional, a gestão estratégica e o investimento na cultura de empresa e na ética empresarial. Um campo onde essa realidade é imediatamente perceptível é o do diálogo social e do diálogo civil. As empresas mais inovadoras e modernas fazem do diálogo um elemento central dos próprios modelos de gestão. A melhoria da informação e consulta na empresa e a participação dos trabalhadores nos resultados e o desenvolvimento de formas de accionarismo aberto a todos os trabalhadores, podem ser mais fáceis de implementar em organizações de menor dimensão e maior interacção entre os níveis hierárquicos. Haverá, além disso, que assegurar o envolvimento das PME bem como das muito pequenas/microempresas no debate actualmente em curso sobre a temática da RSE e promover a realização de campanhas específicas de informação e sensibilização para a matéria, nomeadamente através de iniciativas de divulgação de boas práticas. Todo este 10. processo deverá ter em conta a dimensão destas entidades. Justificar-se-ão, também, apoios públicos destinados a promover o maior envolvimento das PME em práticas de RSE. Um dos assuntos mais importantes do diálogo social é o da gestão da mudança. As empresas são hoje cada vez mais obrigadas a promover mutações mais ou menos profundas nas suas estruturas. Muitas vezes essas mutações, com incidências organizacionais, tecnológicas ou de especialização produtiva, passam também por redução dos quadros, com o objectivo de diminuir custos, aumentar a produtividade e melhorar o serviço prestado ou a qualidade dos produtos. Para não prejudicar a motivação, a lealdade, a criatividade e a produtividade do pessoal e para evitar práticas que desencoragem a defesa de direitos, uma actuação responsável passa por ter em conta todos os interesses e implicar os envolvidos no processo de mudança, nomeadamente por via de mecanismos abertos de participação dos trabalhadores e de negociação colectiva. Por outro lado, naturalmente, as empresas socialmente responsáveis não actuam sem considerar todos os efeitos das suas decisões, nomeadamente em relação a despedimentos e pré-reformas. Proteger direitos, propor reconversões profissionais, apoiar a transição de trabalhadores para outras empresas ou a criação do próprio emprego – por exemplo, numa óptica de apoio ao desenvolvimento local - e lançar programas de qualificação que aumentem a empregabilidade, são sempre soluções preferíveis, encontradas com base nos esforços conjuntos dos poderes públicos, das empresas, dos representantes dos trabalhadores e demais entidades da sociedade civil organizada. As grandes empresas, aquelas onde tendem a processar-se mutações com consequências em cadeia para os trabalhadores, fornecedores e consumidores e meios locais, podem, além disso, apoiar as PME que delas dependiam ou que resultam da sua mutação, dando-lhes assistência tutorial, ou apoiando iniciativas do tipo start-up, ou ainda promovendo corporate ventures. 11. A responsabilidade social das empresas encontra na protecção do ambiente um outro campo importante de aplicação. Aliás, muitas empresas estabelecem uma relação estreita entre a qualidade do emprego e a protecção do ambiente, desenvolvendo postos de trabalho mais salubres e aplicando tecnologias simultaneamente mais ricas, gratificantes nos conteúdos de trabalho e não (ou menos) poluentes. Esta responsabilidade tem uma dimensão internacional na prevenção da deslocalização de actividades perigosas para países com normas ambientais inexistentes ou menos exigentes. A “eco-eficiência” (melhoria da utilização de recursos com economia de meios) é um imperativo que urge conciliar com o aumento da produtividade e com reduções de custos a curto prazo, pelo que o investimento em R&D com vista a desenvolver e aplicar tecnologias “eco-eficientes” deverá merecer uma atenção especial. As questões ecológicas devem compatibilizar-se com os interesses económicos que estão em causa, de acordo com a noção de desenvolvimento sustentável. Como, além disso, a ecologia tem uma natureza global, terá de se assegurar que não surjam a par das medidas positivas tomadas por algumas empresas, práticas oportunistas de “dumping” ecológico. A dimensão externa da Responsabilidade Social das Empresas Não podendo deixar de pautar as suas opções por princípios de eficiência e de rentabilidade económica, as empresas cada vez mais percebem que eles não passam apenas pelos seus próprios processos internos. Desde logo, destaca-se o efeito sobre os consumidores dos produtos e serviços. As empresas públicas, privadas ou sociais e cooperativas têm por objectivo a produção de bens e serviços em condições de fiabilidade, qualidade e segurança. Prestar serviços e produzir mercadorias de melhor qualidade intrínseca, mas atendendo também à qualidade dos meios materiais e sociais utilizados na produção e olhando não apenas ao valor comercial mas também ao valor de uso e às necessidades das populações ou de 12. certos grupos específicos, são exemplos de gestão orientada para a RSE. A adopção da lógica do “desenho de utilização universal” na concepção dos produtos e dos serviços, apresenta a vantagem de servir os interesses de todos os clientes, quer os ditos normais, quer os que têm necessidades específicas, aumentando assim o potencial de rentabilidade. Igualmente se destaca a relação da empresa com o Estado. A responsabilidade social da empresa implica o cumprimento das normas legais e contratuais a que a empresa está obrigada. Nesta perspectiva são vitais questões como o pagamento de contribuições para a segurança social e o pagamento de impostos, prevenindo-se práticas de fraude, de evasão e de outros meios de as empresas se eximirem às suas obrigações, incluindo o recurso a paraísos fiscais. Merecem ser destacadas as situações de empresas que beneficiem de apoios estatais. Estas empresas têm uma maior responsabilidade social na medida em que dispõem de recursos provenientes de receitas públicas ou de benefícios, pelo que delas se espera, para além de um rigoroso cumprimento das obrigações legais, incluindo o respeito da legislação laboral, tal como se estabelece no Acordo sobre Política de Emprego, Mercado de Trabalho, Educação e Formação, uma maior iniciativa no domínio da RSE. Para além da dimensão internacional e nacional, as empresas devem ser responsáveis também perante a comunidade em que se inserem. Boas condições ambientais, de saúde, educação, lazer, habitação, transportes, afectam positivamente a actividade empresarial, qualificam o campo de recrutamento, melhoram o desempenho do pessoal e garantem acesso a recursos estratégicos. Além disso, contextos locais integrados, coesos e equilibrados fornecem às empresas uma plataforma de recuo estável para suportar investimentos de risco e iniciativas de expansão. Por outro lado, em particular no caso das PME, as comunidades locais são uma importante parcela do mercado, onde se encontram fornecedores e clientes. As empresas são os principais agentes de produção de riqueza na comunidade, fornecem-lhe os empregos – com qualidade também dependente do investimento em RSE –, os rendimentos e os impostos. Em muitos casos vão mais longe. Apoiam o 13. património, cuidam de espaços verdes e (co)financiam projectos de melhoria ambiental, serviços de apoio às famílias (nomeadamente às crianças e pessoas dependentes) não apenas dos seus colaboradores ou ex-colaboradores, mas também de outros cidadãos. Participam em projectos de desenvolvimento comunitário, financiam manifestações e equipamentos desportivos e culturais, entre muitos outros contributos. Muitas empresas apoiam projectos e iniciativas de combate à exclusão social e à pobreza. Com isso não apenas melhoram a qualidade social no meio onde actuam, como alargam o seu campo potencial de recrutamento. Não se trata apenas da não discriminação no recrutamento (por razões étnicas, de idade, sexo ou outras), que é proibida por lei. Trata-se de programas voluntários de apoio a iniciativas de inserção conduzidas por serviços públicos de emprego e por associações de solidariedade, com vista a proporcionar experiências profissionais – por exemplo, através de estágios – e a recrutar pessoas pertencentes a grupos desfavorecidos. A adaptação de postos de trabalho e criação de enclaves de emprego para pessoas com deficiência, ou o apoio a empresas sociais ou organizações de solidariedade, privilegiando-as nas relações comerciais ou na concessão de fundos e apoio logístico ou técnico, são outros exemplos deste tipo de medidas. Uma nota comum à maior parte das iniciativas como as que temos vindo a referir, consiste no facto de elas crescentemente deixarem de revestir a forma de uma estratégia defensiva ou de resposta a “pressões sociais”, para traduzirem uma estratégia ofensiva, de investimento na qualidade do ambiente social e ecológico, em benefício da própria empresa. As empresas mais prósperas e duráveis têm a sua sede em sociedades desenvolvidas, e os países mais desenvolvidos economicamente são, de modo geral, também os países socialmente mais coesos e com melhores padrões sociais e ambientais. Parece, pois, haver uma relação positiva entre a competitividade económica e a qualidade da sociedade e do ambiente que as empresas podem tomar por referência. 14. O contexto está a mudar muito rapidamente. A legislação avança normalmente de forma mais lenta que a realidade. As empresas precisam pois de se adaptar por sua própria iniciativa. Essa adaptação tem custos. Se os benefícios são gerais, para as diferentes partes da empresa e para os agentes exteriores, também os custos deverão ser repartidos. Algumas vantagens práticas da Responsabilidade Social das Empresas Contrariando alguns preconceitos ainda em voga, a RSE gera bons resultados, vantagens, lucros e crescimento das próprias empresas e da economia em geral. Contribui assim para os objectivos fixados no Conselho de Lisboa de crescimento económico na transição para a sociedade da informação, com mais e melhor emprego e com mais coesão social. Têm aliás sido realizados estudos que mostram a existência de uma correlação positiva forte entre a longevidade das empresas (a melhor medida de sucesso empresarial num mercado aberto) e o investimento no desenvolvimento sustentável. Os efeitos são directos e indirectos. Desde logo, melhora o funcionamento do mercado. A tentativa de restringir, tanto quanto possível, as relações comerciais a parceiros cumpridores das regras, melhora as condições de concorrência, gera equidade e estabilidade, fiabilidade nos produtos e serviços, previsibilidade e confiança nas decisões estratégicas. O mercado tem sofrido mutações rápidas, nomeadamente com a extensão inerente ao processo de globalização. Outras mudanças são de tipo mais qualitativo. Uma delas tem a ver com a crescente importância da imagem de marca das empresas, dos produtos, dos países. O prestígio é hoje um bem de valor económico inestimável e pode beneficiar do investimento social e ecologicamente responsável. Por outro lado, uma imagem credível resultante de práticas eticamente correctas dispensa a emergência de campanhas por parte de organizações de consumidores, de direitos humanos ou ambientalistas, como algumas que têm sido lançadas contra certas empresas ou países que utilizam o trabalho infantil ou trabalhos forçados, desenvolvem actividades ou usam energias poluentes, 15. permitem a corrupção generalizada, não cumprem os direitos humanos, toleram atentados contra o ambiente, exploram produtos como as armas, o tabaco ou o álcool, socorrem-se de paraísos fiscais e ligam-se a branqueamento de dinheiro. A RSE promove a lealdade e fidelidade de consumidores que se orientam por valoreschave como a honestidade, a confiança, a verdade, o respeito pelo ambiente, a equidade. Por exemplo, o aspecto visual, a embalagem, a marca, a frescura, o sabor, a ligação a uma área geográfica, podem ser aspectos decisivos na escolha dos consumidores. Estando em crescimento, este tipo de consumo moralmente orientado carece porém de ser promovido e expandido, para assegurar mercado aos esforços de investimento a realizar pelas empresas, sem o que estes dificilmente se tornarão viáveis. Outro conjunto de benefícios decorre da rapidez de adaptação das empresas às mutações tecnológicas e dos processos produtivos, organizados cada vez mais à escala mundial. Com crescente visibilidade quanto às suas consequências, geram ansiedade e sentimentos de insegurança junto de trabalhadores, gestores e investidores. Junto com essa nova visibilidade geram-se novas necessidades e mais avançados requisitos de qualidade. E geram-se ainda novas exigências de cidadania e novos critérios de legitimidade que condicionam o modo como os decisores públicos, os gestores, os investidores, os trabalhadores e os consumidores avaliam o desempenho das empresas e se dispõem a colaborar para a prossecução dos seus objectivos e dos seus planos de adaptação. A aceitação de medidas que se possam enquadrar na noção de “flexisegurança”, a disponibilidade do Estado para apoiar o investimento e o comportamento dos consumidores na procura de certos produtos e rejeição de outros, são exemplos das vantagens de possuir uma imagem e um capital social positivo. No plano da gestão estratégica, a melhoria dos métodos de avaliação dos desempenhos sociais – nomeadamente quanto à transparência dos critérios – ajudaria também a direccionar melhor os investimentos, num quadro em que um número crescente de investidores está disposto a apoiar a RSE, mas com bases seguras e fidedignas. Quem investe espera que o seu investimento prospere num quadro estável e não especulativo, 16. de segurança jurídica, paz social, qualidade ambiental e qualidade dos diferentes factores de produção. Os efeitos positivos mais vezes referidos e melhor testados pelos estudos, têm a ver com o investimento nos recursos humanos, na qualidade do ambiente e na preservação de recursos naturais estratégicos. Uma empresa que apresente melhores condições de trabalho aos seus colaboradores do que o estritamente legislado, e lhes ofereça a possibilidade de residir numa comunidade com qualidade de vida, tem maiores possibilidades de recrutamento de quadros, de assegurar a sua fidelidade e de conservar os trabalhadores mais qualificados. O investimento na saúde, higiene e segurança no trabalho, nas diversas formas da aprendizagem ao longo da vida, em ambientes organizacionais favoráveis à aprendizagem, aumentam a produtividade e a qualidade dos produtos e serviços. Uma empresa que investe na qualidade do ambiente tem maiores hipóteses de poupar em energia, em despesas com a eliminação de resíduos e emissões poluentes, assegura melhor o acesso futuro aos recursos naturais e torna o seu território mais saudável. Com isso beneficia não apenas a empresa, mas toda a gente. Finalmente, de forma mais pragmática, na hipótese de se verificar a incorporação de critérios relativos à responsabilidade social no futuro mercado de valores mobiliários europeu, na sequência do que acontece já com muitos programas e instituições de financiamento, as empresas que tomarem a iniciativa primeiro – e nomeadamente as que incluam nos seus relatórios não apenas informações fornecidas pela direcção, mas também pelos trabalhadores e por entidades independentes - terão uma vantagem comparativa. Os principais intervenientes O envolvimento das empresas em práticas social e ecologicamente responsáveis é, em primeiro lugar, da sua iniciativa e responsabilidade. As empresas assumem, assim, não 17. apenas corresponder aos interesses de lucro dos detentores do capital e aos interesses dos trabalhadores, mas também aos interesses dos clientes, consumidores, fornecedores, autoridades públicas, associações, comunidades locais. No entanto, dada a complexidade das questões e dos contextos envolvidos, muitos outros intervenientes, como os governos, as administrações locais, os parceiros sociais, as organizações de consumidores e ambientalistas, os cidadãos individualmente considerados, têm um papel importante a desempenhar. Naturalmente, instâncias internacionais como a União Europeia, a OIT e a OCDE, entre outras, têm também papel de relevo nesta matéria e nas estratégias a assumir. Os interesses destes diversos actores não são coincidentes em muitos aspectos. Mas todos têm em comum o interesse na competitividade e sustentabilidade das empresas, na qualidade do trabalho e do ambiente e na qualidade dos bens e serviços produzidos. É pois possível encontrar fórmulas para a conciliação com vista à promoção de uma abordagem de conjunto, compreensiva e equilibrada, tendo designadamente em atenção que os trabalhadores têm um papel central a desempenhar na adopção, acompanhamento e avaliação de códigos, cartas e outros instrumentos a desenvolver no âmbito e em prol da RSE, evitando o estabelecimento desordenado e sem regras destes instrumentos, o que poderia pôr em causa a sua legitimidade e credibilidade A intervenção das empresas – ainda apenas uma pequena minoria o faz – tende a iniciar-se com uma declaração ou a definição de um código de conduta, que depois se deverá traduzir na elaboração de um plano (preferencialmente negociado entre todas as partes), no qual se definem os objectivos, as áreas onde a empresa investirá e as áreas sobre as quais versarão as medidas. O plano, tidas em conta as áreas/medidas seleccionadas, afecta toda a cadeia de produção e o quotidiano da empresa. Muitas vezes faz-se acompanhar de acções de formação e reciclagem do pessoal. A inscrição de rubricas orçamentais associadas às iniciativas planeadas é um elemento importante para a transparência do processo. A constituição de comissões de acompanhamento e avaliação reforça-a e dá-lhe credibilidade. Os resultados da avaliação, vertidos em 18. relatórios e auditorias, devem ser confirmados pelos representantes dos trabalhadores, pelos comités de acompanhamento e/ou por entidades independentes. A protecção do ambiente e o respeito e promoção dos direitos humanos é, em primeiro lugar, da responsabilidade dos governos. Por via legislativa, através da fiscalização e por via do seu próprio exemplo, a eles compete assegurar um quadro regulamentar adequado – incluindo a legislação laboral, ambiental, sobre segurança alimentar, segurança dos medicamentos, regras de mercado e da concorrência, abuso de posições dominantes, etc. – e o respectivo cumprimento. É desejável a adopção de políticas integradas que articulem medidas de prevenção, educação, formação, emprego, conciliação entre o trabalho e a vida familiar, igualdade de oportunidades, apoio ao investimento, inovação científica e tecnológica, protecção do ambiente, saúde, higiene e segurança e não intimidação no trabalho. Uma nova visão, a que não é alheia preocupações de responsabilidade e de responsabilização recomendam, e em muitos casos impõem, que os custos ambientais sejam assumidos pelos causadores dos problemas. O governo pode ainda actuar, de forma delegada, através das empresas públicas ou de interesse geral, e apoiando empresas sociais e cooperativas cuja actividade consiste precisamente na prestação de serviços com incidência social e ambiental. Os mercados desses serviços estão em expansão e começam a oferecer oportunidades de negócios. De momento, porém, em muitos casos apenas com a intervenção de financiamentos públicos a prestação de muitos daqueles serviços é economicamente viável. O debate sobre a RSE não deixará, entretanto, de colocar uma pressão acrescida sobre o papel desempenhado pelas empresas sociais e pelas empresas de interesse geral. Os governos podem ajudar e estimular os esforços das empresas – que também têm responsabilidades no campo dos direitos humanos, nos direitos sociais e no ambiente – de muitas maneiras. Desde logo, reforçando os mecanismos de fiscalização da aplicação da lei e de penalização dos prevaricadores (em relação às leis de trabalho, às leis ambientais, às regras da concorrência, à corrupção, etc.). 19. O controlo da aplicação da legislação deve também ser uma orientação central nas políticas de cooperação com o exterior, velando as entidades estatais pelo cumprimento das normas básicas aplicáveis por parte dos países objecto da cooperação. As entidades estatais e inter-estatais têm ainda um papel muito relevante na difusão de boas práticas. Dada a especificidade das condições em que a RSE deve operar, tal difusão carece de critérios de avaliação e de auditoria internacionalmente reconhecidos, ainda que servindo não como novo constrangimento legal, mas como orientação para uso apetecível e opcional pelas empresas. Entre esses critérios destaca-se nomeadamente a definição dos detalhes a fornecer pelas empresas sobre procedimentos de consulta, diálogo social, educação e formação, responsabilidade da administração, condições de emprego e trabalho, higiene, segurança e não violência psicológica, comunicação e preparação da mudança estrutural, igualdade de oportunidades, designadamente de mulheres em cargos de direcção e administração, tecnologias utilizadas e seus impactes ambientais, bem como modos de verificação por parte de entidades independentes. A afinação e padronização dos critérios de avaliação tem implicações no campo da etiquetagem e certificação. Embora o papel das etiquetas e certificados de qualidade social e ambiental ainda esteja longe de ser totalmente explorado junto dos consumidores, cada vez ele é mais importante. Para que funcione efectivamente torna-se necessário assegurar a fiabilidade da informação e, assim, introduzir transparência nas etiquetas e certificados, nomeadamente através da criação de organismos independentes de verificação e controlo. Existem ainda dois outros instrumentos que os poderes públicos podem usar de forma sistemática. Um tem a ver com a introdução de critérios de responsabilidade social e ambiental pelo próprio Estado enquanto cliente e enquanto produtor de serviços. Dado o papel de referência que muitas vezes desempenha, o Estado deve começar por utilizar ele próprio alguns dos procedimentos que tem por bons. Por outro lado, dado o peso que o Estado possui de facto no mercado, pode induzir mudanças de comportamento 20. significativas, se utilizar como critério nas suas aquisições de bens e serviços ponderadores de tipo social e ecológico. O outro instrumento respeita ao sistema público de ensino e de formação. Trata-se neste caso de introduzir nos currículos matérias relativas à responsabilidade social das empresas. Particularmente relevante será a contribuição das universidades que formam empresários, directores e quadros das empresas. A formação em direitos dos consumidores, de associações ambientalistas e de dirigentes e quadros dos parceiros sociais e civis, deveria igualmente ser melhor considerada. Por outro lado, numa óptica transversal, a preparação dos cidadãos para as implicações da responsabilidade social das empresas deveria ser considerada pelo sistema de ensino e de formação a todos os níveis. As instituições da sociedade civil organizada, designadamente ONG’s da área ambiental e organizações de consumidores, exercem pressão crescente para que as empresas e os sectores de actividade se dotem cada vez mais de códigos de conduta que cuidem das condições de trabalho, dos direitos do homem, da não violência no trabalho e da protecção do ambiente. As empresas ganham com a boa imagem e reputação que as associações podem avalizar. Podem porém ir bastante mais além promovendo campanhas junto dos consumidores e das comunidades no sentido de apoiarem as iniciativas de risco das empresas, às vezes aceitando pagar um “preço ético” por produtos que só assim possam ser competitivos. Iniciativas em Portugal Portugal é hoje uma nação integrada no mundo democrático e na economia de mercado. Ambiciona além disso um aprofundamento das dinâmicas de convergência real em relação aos seus parceiros da União Europeia. Essa ambição tem, naturalmente, implicações para a economia e a produtividade nas empresas, e não as pode ter menos no plano da responsabilidade social. Uma progressão equilibrada na direcção dos 21. melhores desempenhos das empresas europeias terá que verificar-se em simultâneo no produto da actividade económica e na qualidade social e ambiental do processo produtivo. Em termos conceptuais, a responsabilidade social vai para além do que as empresas já devem fazer por prescrição legal ou normativa. Não pode ser entendida como um substituto da legislação nacional, comunitária e internacional, bem como das convenções colectivas de trabalho. No caso português, é comummente reconhecido que o cumprimento da lei e das obrigações, quer por parte das empresas quer por parte de outros agentes económicos e sociais quer mesmo por parte do Estado, está longe de ser norma universal. Pelo contrário, subsistem situações de incumprimento das leis laborais, de recurso directo e indirecto a formas de trabalho inaceitáveis – incluindo o trabalho infantil e o mobbing –, de fraude e evasão tributária, de desrespeito pela legislação ambiental, de incumprimento de prazos de procedimentos e processos, de distorção das regras da concorrência, de corrupção e de fraudes na prestação dos serviços ou na qualidade dos produtos. Esta situação trás grandes desvantagens competitivas. Está em causa a imagem da qualidade dos produtos fabricados em Portugal, a reputação dos empresários e trabalhadores portugueses, a fiabilidade das empresas. A responsabilidade social das empresas torna-se, assim, um elemento-chave para o aumento da capacidade competitiva da nossa economia. Relativamente a esta questão, da parte do governo, requer-se uma actuação centrada em dois planos complementares. Por um lado, para além dos programas e acordos relativos à responsabilidade das empresas, dever-se-iam implementar muitas das medidas inscritas nos acordos de concertação social sobre o emprego, mercado de trabalho, educação e formação e sobre condições de trabalho, higiene e segurança no trabalho e combate à sinistralidade bem como introduzir ponderadores sociais e ambientais nos critérios adoptados pelos programas e instrumentos de apoio ao investimento. Por outro 22. lado, o reforço das acções inspectivas e fiscalizadoras, um funcionamento mais célere do sistema judicial e a melhoria do quadro normativo Como ficou dito atrás, o CES considera ainda que o exemplo dado pela própria administração e pelas empresas públicas, sociais e de interesse geral pode constituir referência importante. O lançamento de programas nesse sentido seria saudado. Mas às próprias empresas e aos parceiros sociais é igualmente exigido um papel mais activo de combate ao incumprimento, à fraude e à subversão das regras. O primeiro passo terá de ser dado a nível de cada empresa e passa pela adopção de estratégias activas de controlo e pela recusa de relações com concorrentes incumpridores. A um segundo nível e com o mesmo objectivo, as empresas que adoptam iniciativas e programas de qualidade, devem ser estimuladas a constituir redes formais de cooperação, eventualmente abertas aos parceiros sociais, a ONG’s e ao governo. Em terceiro lugar, essas redes podem dar lugar a estruturas associativas reconhecidas pelas entidades públicas, pelos parceiros sociais e pelo Conselho Económico e Social. As empresas, no actual contexto, não podem garantir o controlo rigoroso em toda a cadeia dos seus parceiros comerciais, mas podem adoptar procedimentos de sinalização de parceiros incumpridores. Assim, não se garantiria com total segurança e abrangência que todos os parceiros cumprem as regras, mas poder-se-ia contribuir para penalizar aqueles que seguramente não cumprem. As empresas podem, além disso, incluir cláusulas sociais nos seus concursos e contratos. Este movimento não pode, de modo nenhum, penalizar ou deixar de fora as PME, que são a esmagadora maioria das empresas portuguesas. O conceito e as boas práticas têm vindo a ser desenvolvidas principalmente nas grandes empresas, porque têm sido associados apenas aos custos – quando não a meras operações de marketing – que só elas se podem dar ao “luxo” de suportar. O grande desafio em Portugal consiste em encontrar os modos de envolvimento das PME, em que a dimensão local da RSE assume acuidade especial. Trata-se de descobrir os instrumentos mais eficientes que, certamente, não caberão numa metodologia única. 23. As PME mais modernas, competitivas e bem organizadas, apostam em programas de qualificação dos seus trabalhadores, na adopção de formas de organização do trabalho participadas, no desenvolvimento sustentável de base local ou comunitária, embora muitas vezes sem lhes dar a visibilidade merecida. Por outro lado, os programas e planos das empresas não têm de percorrer necessariamente toda a extensão do conceito e responder a todos os aspectos que ele cobre. Como reconhece o CESE, as realidades concretas sectoriais e empresariais têm consequências na especificidade das agendas de investimento em RSE. Ajustava-se assim à situação portuguesa uma campanha de informação e de apoio técnico que permitisse a cada empresa evoluir no domínio em que considera poder ou necessitar mais de avançar. O conceito não deverá tomar a forma de um pacote completo, mas sim de uma construção modular e de geometria variável e progressiva. A transparência é uma componente essencial da RSE, como sublinha a Comissão Europeia. Na medida em que esta responsabilidade assenta, sobretudo, na adesão voluntária das empresas é necessário que se tomem medidas com vista a garantir uma transparência acrescida e que se concebam instrumentos que permitam a avaliação das práticas. Doutra forma, a RSE arrisca-se a ser um simples meio ao serviço dos gabinetes de relações públicas das grandes empresas, particularmente das multinacionais. Tal não impede que se avance na construção de instrumentos universais de apoio, como baterias de indicadores, estruturas de relatórios, critérios de avaliação e auditoria e índices de responsabilidade social construídos de modo a serem sensíveis às diversas realidades e que permitam às empresas avaliar os seus próprios progressos. Tais instrumentos não devem porém ter carácter compulsivo, nem deverão conduzir à construção de rankings de empresas, como os que já existem em muitos outros domínios. Por isso, é necessário definir de um modo claro os critérios de avaliação, indicando os valores em que se baseiam. A Comissão Europeia considera que a RSE se deve “basear em valores fundamentais e ter por base acordos internacionais como as principais 24. normas de trabalho da OIT e da UE ou os princípios directores da OCDE e OMC, dirigidos às empresas multinacionais”. Por outro lado, será desejável uma convergência nos procedimentos de avaliação, construindo baterias de indicadores, estruturas de relatórios, critérios de avaliação e auditoria e índices de responsabilidade, modo de divulgação (usando por exemplo as páginas web), sem prejuízo da sua adaptação e complementaridade ao nível de cada Estado-Membro. O CES considera que o Fórum Plurilateral a criar ao nível da UE poderá vir a ser a sede adequada para definir linhas directrizes sobre os procedimentos de avaliação, incluindo o controlo por entidades independentes. Os relatórios e os critérios de avaliação são uma decisão das empresas, registando-se como positivo que algumas já incluam a vertente social e ambiental. O governo pode criar padrões e baterias de indicadores e critérios, e o movimento associativo empresarial ainda o poderia fazer de forma mais eficiente. Mas a utilização é uma decisão de cada empresa. De qualquer modo, vale a pena criá-los, como medida de prevenção para o caso, verosímil, de que instrumentos semelhantes sejam adoptados a nível internacional, com efeitos no funcionamento das bolsas ou noutras instâncias dos mercados. Constituindo o Balanço Social de Empresa um instrumento valioso no domínio da RSE. O CES é de parecer que o mesmo deveria ser revisto, no sentido de poder abranger empresas de outra dimensão, bem como novos aspectos com interesse no âmbito da RSE. Se esta abordagem mais ligeira é adequada no caso dos procedimentos de avaliação e auditoria, já quando se utilizam etiquetas éticas e sociais o controlo deverá ser mais apertado, de modo a assegurar que a etiquetagem forneça efectivamente informação fidedigna. Assim, no mínimo, as empresas que utilizem tais etiquetas deveriam garantir que elas são controladas por entidades independentes. No entendimento de que a economia está antes do mais ao serviço das pessoas, convicção essa que faz parte do núcleo central de valores na nossa sociedade, mas de 25. que esse serviço só pode atingir os objectivos exigidos se ela própria for saudável, o CES estima que uma relação equilibrada entre os objectivos de lucro e de competitividade das empresas e uma gestão empresarial orientada para a responsabilidade social e ecológica, sendo embora matéria complexa, deve ser persistentemente prosseguida. Essa complexidade resulta não apenas do conjunto de parâmetros e interesses internos que a RSE tem de considerar, mas também da sua envolvente externa, em termos locais, nacionais e internacionais. O CES assume assim que, para além dos factores que podem ser controlados no plano de cada empresa ou no plano do nosso país, existem outros mais contingentes e distantes, o que aumenta consideravelmente a complexidade do problema. Mas não deixa de relembrar que há uma relação positiva entre o sucesso empresarial e a RSE, pelo que a evocação das más práticas, onde elas ocorram, não deve ser impedimento para progredir em Portugal. Alguns países estão a tomar iniciativas pioneiras. Em certos Estados-Membros da União Europeia, como o Reino Unido, Alemanha, França, Holanda e Itália, constituíram-se já fóruns consagrados ao investimento socialmente responsável e está previsto um Fórum Europeu com o mesmo fim. Portugal terá de se preparar para participar neste movimento, ainda que se considere dever-se rejeitar a imposição de um quadro europeu de normas legais sobre esta matéria (sendo certo que o normativo europeu é já o mais avançado), tanto mais quanto isso represente um decréscimo da competitividade das empresas europeias em relação às concorrentes de outras zonas do mundo. O CES, afirma-se preparado para participar no debate. Gostaria aliás de ir mais além e de obter o apoio dos seus membros para o estabelecimento de uma base de dados e de um sistema de tratamento e difusão de informação sobre boas práticas. O CES mostrase igualmente disponível para acolher iniciativas no domínio dos estudos sobre práticas concretas de RSE, suas condições, custos e impactes. E bem assim para apoiar novas iniciativas de debate, na convicção de estar a contribuir para uma cultura empresarial, social e ambiental orientada para o futuro que vale a pena projectar para Portugal. 26.