Cibele Fernandes Dias Knoerr 1 ROTEIRO DE DIREITO CONSTITUCIONAL I 1 AULA 1 – PODER CONSTITUINTE. CLASSIFICAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO. APLICABILIDADE DA CONSTITUIÇÃO NO TEMPO. “Nosso criador fez a Terra para uso dos vivos e não dos mortos, de forma que nenhuma sociedade pode fazer de uma Constituição uma lei perpétua.” Thomas Jefferson. I. CONCEITO DE CONSTITUIÇÃO Celso Ribeiro Bastos: Constituição como “conjunto de regras e princípios de maior força hierárquica dentro do ordenamento jurídico e que tem por fim organizar e estruturar o poder político, além de definir os seus limites, inclusive pela concessão de direitos fundamentais ao cidadão.”2 1. Conceito material de Constituição e o movimento constitucionalista (o art. 16 da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão Francesa de 1789): a fórmula química constitucional (SP + DGI)3 + a necessidade de uma Constituição escrita a) Origens do constitucionalismo norte-americano: 1 Elaborado pela Professora Cibele Fernandes Dias Knoerr como plano de aula. Mestre e Doutoranda em Direito Constitucional pela PUC/SP. Professora de Direito Constitucional na Universidade TUIUTI do Paraná, do ensino à distância da ESTACIO DE SÁ/Rio de Janeiro, da FEMPAR (Fundação Escola do Ministério Público do Paraná), da ESMAFE (Escola da Magistratura Federal do Paraná), do JURIDICO em Curitiba. Superintendente Jurídica da COHAPAR no mandato 2008-2010. Assessora Jurídica da Casa Civil do Paraná. Advogada. 2 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 52. 3 Separação de Poderes e Direitos e garantias individuais. Um documento que não contivesse essas matérias não poderia ser chamado de Constituição. Cibele Fernandes Dias Knoerr 2 a.1) Idéias de poder constituinte em John Locke a) Estado de natureza e estado civil: (1) no estado de natureza os indivíduos têm dois poderes: o de fazer aquilo que considere apropriado para a preservação de sua propriedade e da comunidade (direito de resistência), propriedade, tolerância religiosa e legítima defesa e o de punir as transgressões do direito natural, (2) passagem para o estado civil: ocorre numa dupla fase – 1º - os indivíduos transferem à comunidade o poder executivo por meio de um contrato, 2º - a comunidade transfere ao governo o poder executivo por meio de uma relação de confiança (trusty), (3) mas como o estado de natureza é uma relação, ele não desaparece na passagem e os indivíduos conservam o seu direito natural de resistência, assim como permanece as relações de estado de natureza no âmbito de uma sociedade política (sempre que uma pessoa não tenha voluntariamente consentido integrar uma comunidade política), (3) reconhecimento ao povo do direito natural de resistência diante de uma situação extrema da quebra de relação de confiança.4 a.2) Revolução americana: o direito de resistência de John Locke o pensamento político dos whigs na base na Declaração de Independência de 1776. A distinção entre legislação ordinária e atos políticos extraordinários como a elaboração e aprovação das Constituições ganhou corpo com a Constituição de Massachsetts de 1780 e de New Hampshire de 1784 (constitutional convention). Depois, os Articles of Confederation adotados pelo Congresso em 1778 e num processo que durou até 1781 ratificados pelas assembléias legislativas dos 13 Estados. O fato de nunca terem sido submetidos à ratificação popular permitiria ao povo revogá-lo. Convenção de Filadélfia de 1787, a Constituição elaborada pelos Fouding Fathers e a influência do “The articles of federalism” de Alexander Hamilton, John Jay e James Madison.5 A escolha do “people at large” como depositário da soberania e a Constituição como um contrato entre os indivíduos, e não entre o povo e o governantes, para limitação do governo. Segundo Bruce Ackerman, o federalismo dos fundadores estava pautado num dualismo: da política constitucional (constitucional politics) e a política do dia-a-dia (normal politics). A preocupação dos federalistas não era somente teorizar a política constitucional, mas formular mecanismos constitucionais através dos quais poderia fluir a normal politics sem trair a herança da Revolução.6 A teoria da representação política solucionou o problema do governo republicano, a proliferação de modos de representação política tem o efeito de os diversos poderes se controlarem mutuamente (checks and balances). 4 BRITO, Miguel Nogueira de. A Constituição constituinte: ensaio sobre o poder de revisão da Constituição. Coimbra: Coimbra, 2000. p. 14-28. 5 “Parece ter sido reservado ao povo deste país, pela sua conduta e exemplo, a decisão sobre a importante questão que é a de se saber se as sociedades humanas são realmente capazes, ou não, de estabelecer um bom governo por opção e reflexão ou se estão condenadas para sempre a que a sorte das suas constituições políticas dependa do acaso e da força.” Início do Federalista. BRITO, op. cit., p. 46. 6 ACKERMAN, Bruce. We the people I: foundations. Massachusetts: The Belknap Press of Harvard University Press, 1991. p. 177-178. Cibele Fernandes Dias Knoerr 3 b) Origens do constitucionalismo francês a) Emanuel Sieyès – O que é o terceiro Estado? A distinção entre poder constituinte e poderes constituídos. 1. (Procurador Federal 2007 CESPE/UNB) Durante o Primeiro Reinado, o movimento cunhado como constitucionalismo era visto por muitos como uma idéia quase subversiva. II. PODER CONCEITO. CONSTITUINTE ORIGINÁRIO (DE PRIMEIRO GRAU). a) CONCEITO É o poder responsável pela elaboração da Constituição Federal, escrita e dotada de rigidez. b) TITULARIDADE E EXERCÍCIO (1º, §único, CF – relação com o regime de governo) O titular é o povo. O exercício depende da origem da Constituição. Se promulgada, quem exerceu foi a Assembléia Constituinte. Se outorgada, quem exerceu foi a autoridade que ditou a Constituição em nome do povo. c) JUSPOSITIVISTAS E JUSNATURALISTAS). JUSPOSITIVISTAS (STF) JUSNATURALISTAS (minoritária)7 1. Inicial ou inaugural 1. Derivado (do direito natural) 2. Ilimitado (juridicamente) 2. Limitado (pelo direito natural) 3. Incondicionado (juridicamente) 3. Condicionado (pelo direito natural) 4. Soberano 4. Autônomo Natureza: Poder de Fato (revolucionário) Poder de direito 2. (Advocacia da União 2002 - CESPE) “Após longa e intensa luta revolucionária, liderada por Carlos Magno, proclamou-se a independência de uma área territorial, denominada até então Favela da Borboleta, e de seus habitantes em relação a um Estado soberano da América Latina. Carlos, imediatamente, convocou eleições, entre os habitantes da favela, visando à escolha de quinze membros da comunidade para compor uma Assembléia Constituinte, cuja função era elaborar o texto da Constituição da República Federativa das Borboletas. Tal constituição foi, então, elaborada e continha regras referentes à organização política e administrativa do novo Estado, bem como as regras garantidoras das liberdades fundamentais de seus habitantes. Entre as regras de 7 Sobre a adoção da teoria jusnaturalista na Alemanha, consulte o livro de Otto BACHOF, Normas constitucionais inconstitucionais? Porto Alegre: Editora Sérgio Fabris. Cibele Fernandes Dias Knoerr 4 organização, previu-se a divisão do território em três estados-membros com constituições próprias, a serem elaboradas segundo os princípios da constituição maior. Previu-se, também, a possibilidade de revisão da Constituição da República das Borboletas, por procedimento especial distinto da legislação ordinária, ficando vedada a revisão na hipótese de decretação de estado de sítio ou de defesa, bem como em determinadas matérias referentes às liberdades fundamentais dos membros da comunidade.” Questão 2. Considerando a situação hipotética descrita no texto I e a doutrina constitucional, julgue os itens a seguir: (a) O poder que constituiu a República Federativa das Borboletas pode ser considerado poder constituinte originário. (b) A Assembléia que elaborou a Constituição da República Federativa das Borboletas detinha a titularidade e o exercício do poder constituinte, que foram conferidos por Carlos Magno. (c) O processo usado por Carlos Magno para positivar a Constituição da República Federativa das Borboletas foi a outorga, tendo em vista sua origem revolucionária. (d) Em sentido jurídico, Revolução é o rompimento de uma ordem jurídicoconstitucional, que retira a eficácia de uma constituição em vigor, abrindo caminho ao poder constituinte originário para implantar uma nova constituição. “Os Modernos não imaginavam um poder constituinte que não fosse revolucionário. [...] A Constituição era assim, para os vencidos, a bandeira da violência e da usurpação dos títulos de legitimidade; enquanto para os vencedores era o fim da tirania ou do despotismo, o selo de uma nova era.” 8 (e) Com base na doutrina constitucional, com a publicação da Constituição da República Federativa das Borboletas, extingue-se o poder constituinte originário que lhe deu vida, passando à regência do Estado às mãos do poder constituído. 3. (Procurador da Fazenda Nacional 2006 ESAF) Consolidou-se o entendimento de que é possível invocar direito adquirido em face de decisão do poder constituinte originário. 4. (Procurador do Distrito Federal 2007 ESAF) (a) Não há limites para a ação do poder constituinte originário. (b) A característica da superioridade do poder constituinte originário deriva do fato de este ser anterior a todas as outras manifestações de poder em um Estado. 5. (Advocacia da União 2009 CESPE/UNB) O poder constituinte originário esgota-se quando é editada uma constituição, razão pela qual, além de ser inicial, incondicionado e ilimitado, ele se caracteriza pela temporariedade. d) A OBRA DO PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO d.1) NORMAS CONSTITUCIONAIS QUE ELE ELABORA: 8 SAMPAIO, José Adércio Leite. A Constituição reinventada pela jurisdição constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 350. Cibele Fernandes Dias Knoerr 5 NORMAS CONSTITUCIONAIS ORIGINÁRIAS normas da CF que ainda não sofreram processo de reforma (emenda constitucional ou emenda constitucional de revisão) “Com a teoria do poder constituinte pretendia-se fechar o debate sobre o fundamento de validade da Constituição: ela seria válida incondicionalmente porque procedente de quem tinha o poder de instituí-la de forma absoluta.”9 6. (Procurador da Fazenda Nacional 2007.2 ESAF) Está-se diante do poder constituinte originário quando as normas constitucionais que este elabora e aprova não precisam retirar seu fundamento de validade de um poder ou estatuto jurídico que lhe seja anterior e superior, como ocorre no processo de produção e de aprovação de normas infraconstitucionais. 7. (Advocacia da União 2009 CESPE/UNB) É possível a declaração de inconstitucionalidade de norma constitucional originária incompatível com os princípios constitucionais não escritos e os postulados da justiça, considerando-se a adoção, pelo sistema constitucional brasileiro, da teoria alemã das normas constitucionais inconstitucionais. II - O MAPA DA CONSTITUIÇÃO DE 1988: preâmbulo, Títulos I a IX e Ato das Disposições Constitucionais Transitórias “Há que se ter presente, no entanto, considerada a controvérsia em referência, que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em recente (e unânime) decisão (ADI 2.076/AC, Rel. Min. CARLOS VELLOSO), reconheceu que o preâmbulo da Constituição não tem valor normativo, apresentando-se desvestido de força cogente.”[...] O preâmbulo não é um conjunto de preceitos. (...). O preâmbulo não pode ser invocado enquanto tal, isoladamente; nem cria direitos ou deveres (...); não há inconstitucionalidade por violação do preâmbulo como texto 'a se'; só há inconstitucionalidade por violação dos princípios consignados na Constituição.”10 9 SAMPAIO, A Constituição..., op. cit., p. 347. Voto do Ministro Celso de Mello, Relator no Mandado de Segurança n. 24645-DF, transcrição do Informativo do Supremo Tribunal Federal n. 320. 10 Cibele Fernandes Dias Knoerr 6 PREÂMBULO Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. 8. (Procurador Federal AGU 2007 CESPE) Um partido político ajuizou ação direta de inconstitucionalidade devido à omissão da expressão “sob a proteção de Deus” do preâmbulo da Constituição de determinado estado da Federação. Para tanto, o partido alegou que o preâmbulo da CF é um ato normativo de supremo princípio básico com conteúdo programático e de absorção compulsória pelos estados, que o seu preâmbulo integra o texto constitucional e que suas disposições têm verdadeiro valor jurídico. A partir dessa situação hipotética, julgue os próximos itens. (a) A invocação a Deus, presente no preâmbulo da CF, reflete um sentimento religioso, o que não enfraquece o fato de o Estado brasileiro ser laico, ou seja, um Estado em que há liberdade de consciência e de crença, onde ninguém é privado de direitos por motivo de crença religiosa ou convicção filosófica. (b) O preâmbulo constitucional possui destacada relevância jurídica, situando-se no âmbito do direito e não simplesmente no domínio da política. (c) O preâmbulo da CF é norma central de reprodução obrigatória na Constituição do referido estado-membro. 9. (Advocacia da União outubro 2004 - CESPE) O Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, por conter normas que disciplinam situações de transição entre o texto constitucional anterior e o novo texto ou normas que perdem sua vigência após exaurida a sua eficácia provisória, é independente em relação à Constituição. 10. (Procurador da Fazenda Nacional 2006 – ESAF) As normas constantes do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias são insuscetíveis de revogação. Cibele Fernandes Dias Knoerr 7 III. CLASSIFICAÇÃO DAS CONSTITUIÇÕES: I – Conteúdo: 1. “Conjunto de regras materialmente constitucionais, estejam ou não codificadas em um único documento.” MATERIAL 2. “Forma escrita, por meio de um documento solene estabelecido pelo poder constituinte originário.” FORMAL II – Forma: 2. “Conjunto de regras não aglutinadas em um texto solene, mas baseado em leis esparsas, costumes, jurisprudência e convenções.” NÃO-ESCRITA 3. “Conjunto de regras codificado e sistematizado em um único documento para fixar-se a organização fundamental.”11 ESCRITA 4. “Fruto da lenta e contínua síntese da história e tradições de um III – Modo determinado povo.” HISTÓRICA, COSTUMEIRA OU de elaboração: CONSUETUDINÁRIA ou ECLÉTICA 5. “Produto escrito e sistematizado por um órgão constituinte, a partir de princípios e idéias fundamentais da teoria política e do direito dominante.” DOGMÁTICA ou ORTODOXA IV – Origem: 6. “Derivam do trabalho de uma Assembléia Nacional Constituinte composta de representantes do povo, eleitos com a finalidade de sua elaboração.” PROMULGADA, DEMOCRÁTICA OU POPULAR 7. “Elaboradas e estabelecidas sem a participação popular, através de imposição do poder da época.” OUTORGADA V – 8. “Constituições onde se veda qualquer alteração, constituindo-se relíquias históricas”. IMUTÁVEL Estabilidade 9. “Podem ser alteradas pelo processo legislativo ordinário.” ou FLEXÍVEL mutabilidade: 10. “Podem ser alteradas por um processo legislativo mais solene e dificultoso do que o existente para a edição das demais espécies normativas.” RÍGIDA 11. “Algumas regras poderão ser alteradas pelo processo legislativo ordinário, enquanto outras somente por um processo legislativo especial e mais dificultoso.” SEMI-RÍGIDA OU SEMIFLEXÍVEL VI – 12. “Constituições cuja realidade ontológica não é senão a formalização Ontológica12 da situação do poder político existente em benefício exclusivo dos detentores de facto desse poder.” “Servem apenas para estabilizar e ou 11 Identificada também como Constituição instrumental (efeito racionalizador, estabilizante, de segurança jurídica), legal (porque a Constituição é dotada de coercibilidade, vale como lei). MORAES, Direito constitucional..., op. cit., p. 40. 12 Para José Alfredo de OLIVEIRA BARACHO, a classificação de Karl LOEWENSTEIN é ontológica, porque baseadas no “ter e estar na Constituição”: “constituição normativa, os países que contam com ela: têm e estão na Constituição, constituição nominal, só têm Constituição; constituição semântica, a Constituição é como uma folha de papel e portanto não estão em Constituição.” BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria da Constituição. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). As vertentes do direito constitucional contemporâneo. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2002. p. 293. 13 Esta classificação “toma por critério ‘a análise ontológica da concordância das normas constitucionais com a realidade do processo do poder’ e por ponto de apoio a tese de que uma Constituição é o que os Cibele Fernandes Dias Knoerr 8 Axiológica13: eternizar a intervenção dos dominadores de facto na comunidade” – SEMÂNTICA (Karl Loewenstein) 13. “Constituições cujas normas não conseguem se adaptar à dinâmica do processo político, pelo que ficam sem realidade existencial” – “Embora não limitem o poder político, ainda têm essa finalidade” NOMINAL 14. “Constituições cujas normas dominam o processo político, aquelas em que o processo do poder se adapta às normas constitucionais e se lhes submete.” “Limitam efetivamente o poder político”. NORMATIVA VII – 12. “Prevêem somente os princípios e as normas gerais de regência do Estado, organizando-o e limitando seu poder, por meio da estipulação Extensão e de direitos e garantias fundamentais.” SINTÉTICAS, NEGATIVAS finalidade: OU GARANTIA 13. “Examinam e regulamentam todos os assuntos que entendam relevantes à formação, destinação e funcionamento do Estado.” ANALÍTICAS, DIRIGENTES “Já se reconheceu, em passagem anterior, que o constituinte de 1988 produziu um texto que, mais do que analítico, é casuístico, prolixo e corporativista em muitos momentos. Tal constatação reintroduz o discurso recorrente de que o ideal seria uma Constituição sintética, principiológica, que tornasse mais singelos e menos traumáticos os processos de mutação constitucional. A idéia é ótima, e não é nova: tem mais de 210 anos, se tomarmos como marco a Convenção de Filadélfia de 1787. Sua importação para o Brasil é uma tentação contínua. Naturalmente, para que pudesse dar certo, precisaríamos também importar os puritanos ingleses que colonizaram os Estados Unidos, assim como a tradição do common law e a declaração de Virginia. Ajudaria, também, se permutássemos D. Pedro I por George Washington e José Bonifácio por James Madison. Ruy Barbosa ficaria. Ah, sim: sem uma guerra civil sangrenta e quinhentos mil mortos a importação também seria um fiasco.”14 1. SENTIDO SOCIOLÓGICO DE CONSTITUIÇÃO (FERDINAND LASSALE): No século XIX (1862), com o livro “O que é a Constituição?” defendeu a existência de uma separação entre a Constituição real (soma dos fatores reais de poder – político, econômico, religioso, social) e a Constituição jurídica (mera folha de papel). Negava, detentores do poder fazem na prática – o que, por seu termo, depende, em larga medida, do meio social e político em que a Constituição deve ser aplicada.” Trata-se de classificação axiológica para Jorge MIRANDA, porque elaborada em face de uma Constituição ideal, ligada à concordância da Constituição normativa e democracia constitucional ocidental.” MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 330. 14 BARROSO, Luis Roberto. Temas de direito constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 42. Cibele Fernandes Dias Knoerr 9 portanto, força normativa à Constituição escrita, porque acreditava que ela não tinha poder para mudar o status quo, nem muito menos limitar o Estado.15 Os problemas constitucionais não seriam propriamente problemas de direito, mas de poder. 2. SENTIDO POLÍTICO DE CONSTITUIÇÃO (CARL SCHMITT): CARL SCHMITT, jurista alemão, desenvolveu, na década de 30, no livro “A essência da Constituição”, a idéia de que a Constituição constitui a decisão política fundamental, pois resulta de um ato constituinte que decide sobre o modo e a forma de existência política de um Estado. Distinguiu Constituição e leis constitucionais. A Constituição somente dispõe sobre as decisões políticas fundamentais, enquanto as demais normas integrantes do texto constitucional não passariam de leis constitucionais. Sua concepção foi chamada de decisionista.16 3. SENTIDO JURÍDICO DE CONSTITUIÇÃO (HANS KELSEN): a) HANS KELSEN, jurista austríaco, ao desenvolver a “Teoria Pura do Direito”, é quem melhor representa a concepção jurídica sobre a Constituição. Distinguiu dois sentidos para a Constituição: (1) lógico-jurídico: a Constituição é a norma hipotética fundamental, pressuposta e não posta pelo Estado, que garante o fundamento lógico-transcendental da Constituição jurídico-positiva, porque se consubstancia no preceito segundo o qual as leis devem ser cumpridas e (2) jurídico-positivo: a Constituição é a norma suprema, posta e positivada pelo Estado, que atua como fundamento de validade para as demais espécies normativas que com ela guardam uma relação de fundamentação e derivação. 4. OUTRAS CONCEPÇÕES: a) A “VONTADE DE CONSTITUIÇÃO” em KONRAD HESSE: com o livro “A Força normativa da Constituição” defendeu que a Constituição terá força normativa, pretensão de eficácia e capacidade para limitar o Estado se a “vontade de Constituição” prevalecer sobre a “vontade de poder”.17 b) O “PATRIOTISMO CONSTITUCIONAL” em JÜRGEN HABERMAS: o conceito foi originalmente cunhado pelo jurista e cientista político alemão Dolf Sternberger, à época do trigésimo aniversário da Lei Fundamental de Bonn (1979). Na década de 80, Jürgen Habermas desenvolveu o conceito quando interveio, pouco antes da queda do muro de Berlim, no Debate dos Historiadores, refutando historiadores alemães que justificavam o nazismo, os campos de concentração e o holocausto. A partir de um estudo da experiência americana da ‘religião cívica’, Habermas defendia a necessidade de um patriotismo constitucional que unisse todos os cidadãos, independentemente de seus antecedentes culturais ou heranças étnicas, baseado na interpretação de princípios constitucionais universais, reconhecidos dentro do contexto de uma determinada história e tradição nacional. Tal lealdade constitucional, que não pode ser imposta juridicamente, deveria estar enraizada nas motivações e convicções dos cidadãos, é só poderia ser esperada se eles entendessem o Estado Constitucional como uma realização de sua própria história. O patriotismo constitucional alemão significava ter orgulho da superação permanente do fascismo e o restabelecimento de uma ordem baseada numa cultura política 15 LASSALLE, Ferdinand. A essência da Constituição. Tradução de Walter Stönner. Rio de Janeiro: Líber Juris, 1998. 16 MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 342. 17 HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1991. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Cibele Fernandes Dias Knoerr 10 liberal razoável. Em outras palavras, tratava-se de uma adesão racionalmente justificável, e não somente emotiva, por parte dos cidadãos, às instituições político-constitucionais uma lealdade política ativa e consciente à Constituição democrática.18 CONCLUSÕES sobre a CLASSIFICAÇÃO DAS CONSTITUIÇÕES 1. TODA Constituição FORMAL e ESCRITA é DOGMÁTICA 2. TODA Constituição NÃO-ESCRITA é HISTÓRICA, COSTUMEIRA ou CONSUETUDINÁRIA 3. A Constituição ESCRITA pode ser FLEXÍVEL, RÍGIDA, SEMI-RÍGIDA ou SEMIFLEXÍVEL 4. TODA Constituição NÃO-ESCRITA é FLEXÍVEL 5. TODA Constituição RÍGIDA ou SEMI-RÍGIDA é ESCRITA e DOGMÁTICA 11. (Auditor Fiscal da Receita Federal 2002 – ESAF) Toda Constituição semi-rígida, por decorrência da sua própria natureza, será uma Constituição histórica. 12. (Juiz Federal Substituto TRF 5a região 2009 – CESPE) Constituição rígida é aquela que não pode ser alterada. 13. (Procurador da Fazenda Nacional 2007 ESAF) Assinale a opção correta no contexto do conceito e da classificação das constituições. (a) As constituições outorgadas não são precedidas de atos de manifestação livre da representatividade popular e assim podem ser consideradas as Constituições brasileiras de 1824, 1937 e a de 1967, com a Emenda Constitucional n. 01 de 1969. (b) A distinção entre constituição em sentido material e constituição em sentido formal perdeu relevância considerando-se as modificações introduzidas pela Emenda Constitucional n. 45/2004, denominada de “Reforma do Poder Judiciário”. 18 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Volume 2. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. Sobre o tema, consultar Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira. Poder constituinte de patriotismo constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos. Cibele Fernandes Dias Knoerr 11 (c) Considera-se constituição não-escrita a que se sustenta, sobretudo, em costumes, jurisprudências, convenções e em textos esparsos, formalmente constitucionais. (d) Carl Schmitt, principal protagonista da corrente doutrinária conhecida como decisionista, advertia que não há Estado sem Constituição, isso porque toda sociedade politicamente organizada contém uma estrutura mínima, por rudimentar que seja; por isso, o legado da Modernidade não é a Constituição real e efetiva, mas as Constituições escritas. (e) Para Ferdinand Lassalle, a constituição é dimensionada como decisão global e fundamental proveniente da unidade política, a qual, por isso mesmo, pode constantemente interferir no texto formal, pelo que se torna inconcebível, nesta perspectiva materializante, a idéia de rigidez de todas as regras. 14. (Procurador da República 24º Concurso 2008) (a) O patriotismo constitucional defende as mutações constitucionais exogenéticas. (b) As convenções constitucionais são formas de limitação de poderes sem necessidade de uma Constituição formal. (c) O constitucionalismo semântico ingressou no ciclo constitucional europeu e brasileiro após a II Guerra Mundial. (d) As heteroconstituições foram fenômenos relativamente freqüentes nos processos constituintes do século XX. “c) Constituição dimanada de entidade externa (outro Estado ou organização internacional) destinada a entrar em vigor com o acesso à soberania (ou à independência) do novo Estado. Não são muitas as heteroconstituições ou Constituições decretadas de fora do Estado. Incluem-se nelas algumas das Constituições, ou das primeiras Constituições, dos países da Commonwealth aprovadas por lei do Parlamento britânico (Canadá, Nova Zelândia, Austrália, Jamaica, Maurícia, etc.), a primeira Constituição da Albânia (obra de uma conferência internacional de 1913), a Constituição cipriota (procedente os acordos de 1960, entre a Grã-Bretanha, a Grécia e a Turquia) ou a recentíssima Constituição da Bósnia Herzegovina.”19 15. (Juiz Federal Substituto TRF 5a Região 2009 – CESPE) (a) De acordo com o princípio da força normativa da constituição, defendida por Konrad Hesse, as normas jurídicas e a realidade devem ser consideradas em seu condicionamento recíproco. A norma constitucional não tem existência autônoma em face da realidade. Para ser aplicável, a CF deve ser conexa à realidade jurídica, social e política, não sendo apenas determinada pela realidade social, mas determinante em relação a ela. (b) Segundo Kelsen, a CF não passa de uma folha de papel, pois a CF real seria o somatório dos fatores reais de poder. Dessa forma, alterando-se essas forças, a CF não teria mais legitimidade. 16. (Procurador do Banco Central 2009 – CESPE) De acordo com a doutrina, constituição semântica é aquela cuja interpretação depende do exame de seu conteúdo 19 MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 360-361. Cibele Fernandes Dias Knoerr 12 significativo, sob o ponto de vista sociológico, ideológico e metodológico, de forma a viabilizar maior aplicabilidade político-normativo-social de seu texto. PARA REFLEXÃO (Ministério Público Paraná-2ª Fase 2002) “A estabilidade das constituições não deve ser absoluta, não pode significar imutabilidade”. Disserte sobre esta lição doutrinária. “A estabilidade das constituições não deve ser absoluta, não pode significar imutabilidade. Não há constituição imutável diante da realidade social cambiante, pois não é ela apenas um instrumento de ordem, mas deverá sê-lo, também de progresso social. Deve-se assegurar certa estabilidade constitucional, certa permanência e durabilidade das instituições, mas sem prejuízo da constante, tanto quanto possível, perfeita adaptação das constituições às exigências do progresso, da evolução e do bem-estar social. A rigidez relativa constitui técnica capaz de atender a ambas as exigências, permitindo emendas, reformas e revisões, para adaptar as normas constitucionais às novas necessidades sociais, mas impondo processo especial e mais difícil para essas modificações formais, que o admitido para a alteração da legislação ordinária.”20 a) PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO + RIGIDEZ CONSTITUCIONAL + SUPREMACIA CONSTITUCIONAL (formal e material) + CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE “A Constituição tenderia a se resumir num documento de boas intenções ou exortações cívicas de cunho político, ainda que se pudesse atribuir-lhe algum valor jurídico ... A conversão do texto constitucional em norma não foi a única transformação realizada pela jurisdição constitucional: o sentido e mesmo a teleologia das normas constitucionais passaram a sofrer grandes interferências, chegando a domínios dificilmente imaginados pelos autores da obra constituinte(...)”21 17. (Procurador da Fazenda Nacional 2007 ESAF) A supremacia jurídica da Constituição é que fornece o ambiente institucional favorável ao desenvolvimento do sistema de controle de constitucionalidade. “O controle de constitucionalidade das leis, como garantia da Constituição, está, pois, intimamente relacionado com a concepção de Constituição rígida (a que demanda processo especial para sua emenda, diverso do processo legislativo de elaboração das leis ordinárias), embora a concepção de supremacia da Constituição seja inerente também à de Constituição flexível, mas, nesse caso, 20 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 42. 21 SAMPAIO, José Adércio Leite. A Constituição reiventada pela jurisdição constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. Cibele Fernandes Dias Knoerr 13 trata-se de superioridade material, já que a superioridade formal é revelada pelo caráter rígido das Constituições.”22 b) NORMAS CONSTITUCIONAIS ORIGINÁRIAS PODEM SER DECLARADAS INCONSTITUCIONAIS? JUSPOSITIVISTAS JUSNATURALISTAS NUNCA SIM “Na atual Carta Magna, ‘compete ao Supremo Tribunal Federal precipuamente a guarda da Constituição’ (art. 102, caput), o que implica dizer que essa jurisdição lhe é atribuída para impedir que se desrespeite a Constituição como um todo, e não para, com relação a ela, exercer o papel de fiscal do Poder Constituinte Originário, a fim de verificar se este teria, ou não, violado os princípios de direitos suprapositivo que ele próprio havia incluído no texto da mesma Constituição.”23 IV. REFORMA CONSTITUCIONAL (ALTERAÇÃO FORMAL DA CONSTITUIÇÃO). EMENDA CONSTITUCIONAL E REVISÃO CONSTITUCIONAL. PODER CONSTITUINTE DERIVADO (CONSTITUINTE CONSTITUÍDO OU INSTITUÍDO, DE SEGUNDO GRAU OU DE REFORMA). “...Há no Brasil uma crônica compulsão dos governantes de modificar a Constituição para fazê-la à imagem e semelhança de seus governos. Uma espécie de narcisismo constitucional.”24 a) CONCEITO DE PODER CONSTITUINTE DERIVADO É o poder responsável pela reforma da Constituição Federal, ou seja, pela alteração do seu texto (formal). b) TITULARIDADE e EXERCÍCIO O titular é o povo. O Congresso Nacional exerce o poder constituinte derivado. c) CARACTERÍSTICAS DO PODER CONSTITUINTE DERIVADO 1. Derivado 2. Limitado 22 CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional: teoria do Estado e da Constituição: Direito Constitucional positivo. 11. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. p. 258. 23 Ministro Moreira Alves. ADIN 815/DF. DJU 10.5.1996. 24 BARROSO, Temas..., op. cit., p. 46. Cibele Fernandes Dias Knoerr 14 3. Condicionado d) NORMAS CONSTITUCIONAIS CONSTITUINTE DERIVADO: ELABORADAS PELO PODER Emendas à Constituição Federal 1. (3º, ADCT) EMENDAS REVISÃO 2. (60, CF) CONSTITUCIONAIS DE EMENDAS CONSTITUCIONAIS 18. (Juiz Substituto TJ Paraná 2007) A emenda à Constituição Federal é realizada pelo poder constituinte decorrente. e) CONTROLE DE CONSTITUCIONAIS DERIVADO? CONSTITUCIONALIDADE DAS NORMAS ELABORADAS PELO PODER CONSTITUINTE Sim, quando ofenderem os limites e as condições impostas pelo poder constituinte originário. Foi no Habeas Corpus n. 18178, de 27 de setembro de 1926 que o Supremo Tribunal Federal reconheceu a sua competência para aferir a compatibilidade da emenda constitucional com a Constituição Federal. 19. (Procurador do Banco Central 2009 CESPE) O ordenamento jurídico nacional admite o controle concentrado ou difuso de constitucionalidade de normas produzidas tanto pelo poder constituinte originário, quanto pelo derivado. A OBRA DO PODER CONSTITUINTE DERIVADO 20. (Procurador da Fazenda Nacional 2006 – ESAF) No Direito Brasileiro, considera-se impossível que uma norma inserida na Constituição possa ser tida como inconstitucional. “A tese de que há hierarquia entre normas constitucionais originárias dando azo à declaração de inconstitucionalidade de umas em face de outras é incompatível com o sistema de Constituição rígida.” (Ministro Moreira Alves, ADIN 815-DF.) PARA REFLEXÃO (Procuradoria República 2002 2ª Fase) As constitucionais estão sujeitas ao controle jurisdicional de constitucionalidade? LIMITES DAS EMENDAS CONSTITUCIONAIS (60, CF) LIMITES EXPRESSOS I. Formais ou I - FASE DE INICIATIVA emendas Cibele Fernandes Dias Knoerr 15 procedimentais a) Iniciativa constituinte (60, I a III): Presidente da República / 1/3 (171), no mínimo, dos deputados federais ou 1/3 (27), no mínimo, dos senadores / mais da metade das Assembléias Legislativas (14) manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros. a1) É iniciativa comum/concorrente ou privativa/exclusiva? Comum ou concorrente, qualquer legitimado pode apresentar proposta de emenda sobre qualquer assunto a2) Inexistência de iniciativa popular: o rol do art. 60, I a III é exaustivo II FASE PARLAMENTAR) CONSTITUTIVA (DELIBERAÇÃO b) Discussão e votação (60, §2º): sistema bicameral b1) Sistema bicameral – Casa Inicial e Casa Revisora 1. Câmara dos Deputados – Casa Inicial: quando a proposta for apresentada pelo Presidente da República ou pelos deputados federais 2. Senado Federal – Casa Inicial: quando a proposta for apresentada pelos senadores ou pelas Assembléias Legislativas 3. Quorum de aprovação (maioria qualificada): três quintos de todos os membros da Casa (se na Câmara, 3/5 dos 513 deputados federais, se no Senado, 3/5 dos 81 senadores, equivale a 60%) 4. Turnos de discussão e votação: dois turnos em cada Casa, no total são quatro turnos 5. Ausência da fase de deliberação executiva: não há fase de sanção ou veto presidencial III - FASE COMPLEMENTAR OU INTEGRATIVA DE EFICÁCIA: 1. Promulgação e publicação (60, §3º): Mesa da Câmara dos Deputados e Mesa do Senado Federal Cibele Fernandes Dias Knoerr 16 IV - Proposta de emenda rejeitada ou com votação prejudicada (60, §5º): somente pode ser reapresentada na próxima sessão legislativa Circunstanciais a) 60, §1º: não é possível reformar a Constituição Federal (apresentar proposta de emenda, discutir ou vota-la, promulgar ou publicar emenda constitucional) na vigência de estado de sítio (art. 137, CF), estado de defesa (art. 136, CF) ou intervenção federal (34, CF) 60, §4º, I a IV – CLÁUSULAS PÉTREAS – são matérias que não Materiais podem ser abolidas por emenda, pois traduzem a essência, a identidade da Constituição. FORMA FEDERATIVA DE ESTADO VOTO DIRETO, SECRETO, UNIVERSAL E PERIÓDICO SEPARAÇÃO DE PODERES DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS I. LIMITES FORMAIS CONSTITUCIONAL OU PROCEDIMENTAIS À EMENDA a) Iniciativa legislativa para apresentação de propostas de emenda à Constituição Federal 21. (Juiz Federal Substituto 5a Região 2009 – CESPE) A CF admite emenda constitucional por meio de iniciativa popular. 22. (Auditor Fiscal da Receita Federal 2002 – ESAF) A Constituição Federal não pode ser emendada por proposta de membros do Congresso Nacional em matéria que, no plano legal, se situa no âmbito da iniciativa legislativa privativa do Chefe do Poder Executivo. Cibele Fernandes Dias Knoerr 17 b) Fase constitutiva: discussão e votação da proposta de emenda à Constituição Federal 23. (Procurador da Fazenda Nacional 2007.2 ESAF) A emenda à Constituição, uma vez aprovada, é promulgada pela Mesa do Congresso Nacional. III. LIMITES MATERIAIS EXPRESSOS À EMENDA CONSTITUCIONAL “Estas matérias não podem ser abolidas porque fornecem a identidade da nossa Constituição, o que a doutrina chama de ‘código genético’. É a ‘alma’, o espírito político de nossa Constituição que não pode ser destruída pelo poder constituinte reformador, sob pena dele poder elaborar uma nova Constituição.”25 Constituição super-rígida26: RÍGIDA + CLÁUSULAS PÉTREAS a) As cláusulas pétreas limitam o poder constituinte originário? NÃO. “Por outro lado, as cláusulas pétreas não podem ser invocadas para a sustentação da tese da inconstitucionalidade de normas constitucionais inferiores em face de normas constitucionais superiores, porquanto a Constituição as prevê apenas como limites ao poder constituinte derivado ao rever ou ao emendar a Constituição elaborada pelo poder constituinte originário, e não como abarcando normas cuja observância se imponha ao próprio poder constituinte originário com relação às outras que não sejam consideradas como cláusulas pétreas e, portanto, possam ser emendadas.”27 b) Os “direitos e garantias individuais” como cláusulas pétreas Espécies de direitos e garantias fundamentais (Título II, da Constituição Federal): Capítulo 1 (artigo 5º): direitos e garantias individuais Capítulo 2 (artigos 6º a 11): direitos sociais Capítulo 3 (artigos 12 a 13): direitos de nacionalidade Capítulo 4 (artigos 14 a 16): direitos políticos Capítulo 5 (artigo 17): direitos relacionados aos partidos políticos 24. (Procurador do Distrito Federal 2004 – ESAF) (a) Os direitos e garantias individuais que representam limite ao poder de reforma não se encontram exclusivamente no art. 5º da Constituição Federal. (b) emenda à Constituição não pode abolir o dever fundamental de votar. 25 KNOERR, Cibele Fernandes Dias. Direito constitucional didático. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2007. ATALIBA, Geraldo. República e constituição. 2. Ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 40. 27 ADIN 815/DF. Relator: Ministro Moreira Alves. DJU 10.5.1996. RTJ 163/872-881. 26 Cibele Fernandes Dias Knoerr 18 25. (Procurador da Fazenda Nacional 2007.2 ESAF) Uma proposta de emenda à Constituição que objetive extinguir o direito de voto dos analfabetos não será objeto de deliberação, porque tenderá a abolir a cláusula pétrea que protege o direito ao voto direto, secreto, universal e periódico. 26. (Procuradoria do Estado Paraná 2006) Ao entender que a Emenda Constitucional 52/2006, que afastava a vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal (coligações partidárias eleitorais), não podia ser aplicada às eleições que aconteceriam no próprio ano de 2006 (ADI 3.685/DF), o Supremo Tribunal Federal fez valer, dentre outros direitos fundamentais: a) A liberdade de religião. b) O devido processo legal. c) A anterioridade tributária. d) A isonomia de gênero. e) A separação de poderes. 27. (Juiz Substituto TJ Paraná 2006) A vedação à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios de cobrarem tributos, no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou os aumentou, é uma garantia individual assegurada pela Constituição Federal como cláusula pétrea. “Posteriormente, apreciando ação direta proposta contra norma constitucional que instituía o Imposto Provisório sobre movimentação financeira (IPMF), reconheceu o Supremo Tribunal Federal que a cobrança da exação no mesmo exercício financeiro lesava o princípio da anterioridade da lei instituidora, declarando-a inconstitucional em face do art. 60, §4º, IV (cláusula pétrea sobre os direitos e garantias individuais). Reconheceu-se, igualmente, a incompatibilidade do referido tributo com o princípio federativo da imunidade recíproca.”28 28. (Procurador do Distrito Federal 2007 ESAF) Se, no âmbito de um projeto de reforma tributária, fosse aprovada emenda constitucional, retirando da Constituição todo o capítulo sobre o sistema tributário nacional, a iniciativa seria juridicamente possível ante a natureza da matéria, salvo pela circunstância de que a Constituição expressamente proíbe a mudança dos preceitos fundamentais daquele sistema. c) 5º, §3º, da CF de 88 na redação da Emenda Constitucional 45/04: “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.”29 28 MENDES, Moreira Alves..., op. cit., p. 123. Como salienta Ana Cândida DA CUNHA FERRAZ, “é de certa forma freqüente o recurso à emenda formal à Constituição para modificar decisões judiciais, quer as que declaram inconstitucionais leis de aplicação do texto constitucional, quer para afastar interpretação judicial de normas e disposições da própria Constituição.” FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Processos informais de mudança da Constituição. São Paulo: Max Limonad, 1986. p. 112. 29 Cibele Fernandes Dias Knoerr 19 1. Sistemas: dualista ou monista 3. Fases de incorporação, transposição ou recepção dos tratados internacionais: 1. Celebração do 2. Referendo do 3. Ratificação do 4. Promulgação e tratado pelo Congresso Nacional tratado (depósito ou publicação do Presidente da por meio de decreto troca) tratado por República (84, VIII, legislativo (49, I, decreto do CF) CF) Presidente da República (84, IV, CF) a) Antes da Emenda 45/04, os tratados internacionais sobre direitos humanos ingressavam na ordem jurídica interna com “status” de: lei ordinária federal, mas como a mutação constitucional foi retroativa, o STF passou a entender que têm status supralegal a) Depois da Emenda 45/04, os tratados internacionais sobre direitos humanos ingressam na ordem jurídica com “status” de: 1. status supralegal (se seguirem o rito simplificado), 2. emenda constitucional (se seguirem o rito complexo) HC 95967 / MS - MATO GROSSO DO SUL Relator(a): Min. ELLEN GRACIE Julgamento: 11/11/2008 Órgão Julgador: Segunda Turma Publicação DJe-227 DIVULG 27-11-2008 PUBLIC 28-11-2008 EMENT VOL-02343-02 PP-00407 DIREITO PROCESSUAL. HABEAS CORPUS. PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL. PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA. ALTERAÇÃO DE ORIENTAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STF. CONCESSÃO DA ORDEM. 1. A matéria em julgamento neste habeas corpus envolve a temática da (in)admissibilidade da prisão civil do depositário infiel no ordenamento jurídico brasileiro no período posterior ao ingresso do Pacto de São José da Costa Rica no direito nacional. 2. Há o caráter especial do Pacto Internacional dos Direitos Civis Políticos (art. 11) e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica (art. 7°, 7), ratificados, sem reserva, pelo Brasil, no ano de 1992. A esses diplomas internacionais sobre direitos humanos é reservado o lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil, torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de ratificação. 3. Na atualidade a única hipótese de prisão civil, no Direito brasileiro, é a do devedor de alimentos. O art. 5°, §2°, da Cibele Fernandes Dias Knoerr 20 Carta Magna, expressamente estabeleceu que os direitos e garantias expressos no caput do mesmo dispositivo não excluem outros decorrentes do regime dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. O Pacto de São José da Costa Rica, entendido como um tratado internacional em matéria de direitos humanos, expressamente, só admite, no seu bojo, a possibilidade de prisão civil do devedor de alimentos e, conseqüentemente, não admite mais a possibilidade de prisão civil do depositário infiel. 4. Habeas corpus concedido. HC 90450 / MG - MINAS GERAIS Relator(a): Min. CELSO DE MELLO Julgamento: 23/09/2008 Órgão Julgador: Segunda Turma Publicação NDJe-025 DIVULG 05-02-2009 PUBLIC 06-02-2009 EMENT VOL-02347-02 PP-00354 "HABEAS CORPUS" - PRISÃO CIVIL - DEPOSITÁRIO JUDICIAL - A QUESTÃO DA INFIDELIDADE DEPOSITÁRIA - CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS (ARTIGO 7º, n. 7) HIERARQUIA CONSTITUCIONAL DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS - PEDIDO DEFERIDO. ILEGITIMIDADE JURÍDICA DA DECRETAÇÃO DA PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL. - Não mais subsiste, no sistema normativo brasileiro, a prisão civil por infidelidade depositária, independentemente da modalidade de depósito, trate-se de depósito voluntário (convencional) ou cuide-se de depósito necessário, como o é o depósito judicial. Precedentes. TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS: AS SUAS RELAÇÕES COM O DIREITO INTERNO BRASILEIRO E A QUESTÃO DE SUA POSIÇÃO HIERÁRQUICA. - A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Art. 7º, n. 7). Caráter subordinante dos tratados internacionais em matéria de direitos humanos e o sistema de proteção dos direitos básicos da pessoa humana. - Relações entre o direito interno brasileiro e as convenções internacionais de direitos humanos (CF, art. 5º e §§ 2º e 3º). Precedentes. - Posição hierárquica dos tratados internacionais de direitos humanos no ordenamento positivo interno do Brasil: natureza constitucional ou caráter de supralegalidade? - Entendimento do Relator, Min. CELSO DE MELLO, que atribui hierarquia constitucional às convenções internacionais em matéria de direitos humanos. A INTERPRETAÇÃO JUDICIAL COMO INSTRUMENTO DE MUTAÇÃO INFORMAL DA CONSTITUIÇÃO. - A questão dos processos informais de mutação constitucional e o papel do Poder Judiciário: a interpretação judicial como instrumento juridicamente idôneo de mudança informal da Constituição. A legitimidade da adequação, mediante interpretação do Poder Cibele Fernandes Dias Knoerr 21 Judiciário, da própria Constituição da República, se e quando imperioso compatibilizá-la, mediante exegese atualizadora, com as novas exigências, necessidades e transformações resultantes dos processos sociais, econômicos e políticos que caracterizam, em seus múltiplos e complexos aspectos, a sociedade contemporânea. HERMENÊUTICA E DIREITOS HUMANOS: A NORMA MAIS FAVORÁVEL COMO CRITÉRIO QUE DEVE REGER A INTERPRETAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. - Os magistrados e Tribunais, no exercício de sua atividade interpretativa, especialmente no âmbito dos tratados internacionais de direitos humanos, devem observar um princípio hermenêutico básico (tal como aquele proclamado no Artigo 29 da Convenção Americana de Direitos Humanos), consistente em atribuir primazia à norma que se revele mais favorável à pessoa humana, em ordem a dispensar-lhe a mais ampla proteção jurídica. O Poder Judiciário, nesse processo hermenêutico que prestigia o critério da norma mais favorável (que tanto pode ser aquela prevista no tratado internacional como a que se acha positivada no próprio direito interno do Estado), deverá extrair a máxima eficácia das declarações internacionais e das proclamações constitucionais de direitos, como forma de viabilizar o acesso dos indivíduos e dos grupos sociais, notadamente os mais vulneráveis, a sistemas institucionalizados de proteção aos direitos fundamentais da pessoa humana, sob pena de a liberdade, a tolerância e o respeito à alteridade humana tornarem-se palavras vãs. - Aplicação, ao caso, do Artigo 7º, n. 7, c/c o Artigo 29, ambos da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica): um caso típico de primazia da regra mais favorável à proteção efetiva do ser humano. 29. (Juiz Substituto TJ Paraná 2007) Os Direitos e Garantias Fundamentais presentes em tratados internacionais assinados por preposto do Poder Executivo gozam de eficácia imediata no ordenamento jurídico brasileiro. 30. (Juiz Substituto TJ Paraná 2010) Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por dois terços dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. d) O “PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES” como cláusula pétrea Significado da separação de poderes (art. 2º, da CF) para José Afonso da Silva: 1. ESPECIALIZAÇÃO FUNCIONAL (cada poder é especialista numa função) 2. INDEPENDÊNCIA FUNCIONAL (cada poder goza de garantias funcionais) 3. FREIOS E CONTRAPESOS (checks and balances) (controles recíprocos) d.2) A criação do Conselho Nacional de Justiça pela Emenda 45/04 ofendeu o princípio da separação de poderes? Cibele Fernandes Dias Knoerr 22 Em 13/04/2005, o Supremo Tribunal Federal julgou, por maioria, improcedente a ADIN 3367 ajuizada pela AMB em face do art. 113-B, acrescentado pela Emenda 45/04, declarando a constitucionalidade da criação do Conselho Nacional de Justiça responsável pelo controle da atividade administrativa e financeira do Poder Judiciário e o controle ético-disciplinar de seus membros. A criação do Conselho não é tendente a abolir a separação de poderes porque o Conselho não exerce “controle externo”: (1) é um órgão do Poder Judiciário, (2) 3/5 dos conselheiros são magistrados, de forma que a presença de não-magistrados (advogados, membros do Ministério Público e da sociedade civil) não compromete a independência externa do Poder Judiciário e, pelo contrário, funciona como mecanismo para erradicar “um dos mais evidentes males dos velhos organismos de controle, em qualquer país do mundo: o corporativismo, essa moléstia institucional que obscurece os procedimentos investigativos, debilita as medidas sancionatórias e desprestigia o Poder” (Ministro Cezar Pelluso), (3) não exerce função jurisdicional e não pode determinar a pena de perda do cargo aos magistrados, embora disponha de competência para aplicar sanções como disponibilidade, remoção e aposentadoria por interesse público (art. 93, VIII, CF). O art. 103-B não é tendente a abolir o pacto federativo ao submeter o Poder Judiciário dos Estados-Membros à supervisão administrativa e disciplinar do Conselho Nacional de Justiça, porque tanto o Conselho, quanto a justiça nos Estados integram um mesmo poder – o Judiciário – e o Conselho é concebido e estruturado como um órgão do Poder Judiciário nacional e não da União, o que não anula e, antes, reafirma o princípio federativo.30 31. (Procurador Federal 2006 CESPE) Segundo o STF, a forma de composição do Conselho Nacional de Justiça, em que é permitida a participação de pessoas estranhas aos quadros do Poder Judiciário, vulnera o princípio constitucional da separação de poderes. 32. (Juiz Substituto TRF 5ª Região 2006) O Conselho Nacional de Justiça é órgão administrativo, sem poder jurisdicional, ao qual compete exercer o controle interno administrativo, financeiro e disciplinar dos demais órgãos do Poder Judiciário, inclusive, do STF. e) República é cláusula pétrea? NÃO, MAS É UMA NORMA PROTEGIDA PELA CLÁUSULA PÉTREA DO VOTO DIRETO E PERIÓDICO.31 33. (Juiz Estadual TJ Paraná 2010) A Constituição Federal de 1988 não considerou a forma republicana de governo uma matéria petrificada no texto. Ou seja, hodiernamente, a forma de governo República não tem “status” de cláusula pétrea. 30 Sobre o assunto, consultar o voto do Ministro Cezar Pelluso disponível na página do STF, no link Notícias. Também o texto de BARROSO, Luis Roberto. Constitucionalidade e legitimidade da criação do Conselho Nacional de Justiça. Revista Interesse Público, Porto Alegre, mar.abr. 2005, p. 13-38. 31 “Uma emenda não está legitimada para transformar cargos políticos que o constituinte originário previu como suscetíveis de eleição em cargos vitalícios ou hereditários. Isso, aliado também à decisão do poder constituinte originário colhida nas urnas do plebiscito de 1993 sobre a forma de governo, gera obstáculo a uma emenda monarquista.” MENDES, Gilmar Ferreira et al. Curso de direito constitucional. Sâo Paulo: Saraiva, 2007. p. 213. Cibele Fernandes Dias Knoerr 23 f) Presidencialismo é cláusula pétrea? NÃO, MAS É UMA NORMA PROTEGIDA PELA CLÁUSULA PÉTREA DO VOTO DIRETO.32 g) O sentido das “cláusulas pétreas” como “a lei gravada sobre a pedra”, “cláusulas intangíveis”, “núcleo duro do direito”, “cláusulas de eternidade”: proibição de ruptura de determinados princípios constitucionais “No Brasil, em que se adota uma fórmula mais mitigada – a de não se admitir proposta de emenda tendente a abolir (o que implica dizer que não há imutabilidade absoluta, mas proibição de alteração que demonstre tendência à abolição dos princípios previstos no quatro incisos do §4º, do artigo 60, da Constituição) – tem-se que admitir, no mínimo, que as cláusulas pétreas, por serem princípios excepcionais, são normas de interpretação restrita.”33 “A ‘forma federativa de Estado’ – elevado a princípio intangível por todas as Constituições da República – não pode ser conceituada a partir de um modelo ideal e apriorístico de Federação, mas, sim, daquele que o constituinte originário concretamente adotou, e, como o adotou, erigiu em limite material imposto às futuras emendas à Constituição; de resto, as limitações materiais ao poder constituinte de reforma, que o art. 60, §4º, da Lei Fundamental enumera, não significam a intangibilidade literal da respectiva disciplina na Constituição originária, mas apenas a proteção do núcleo essencial dos princípios e institutos cuja preservação nelas se protege.”34 34. (Procurador do Distrito Federal 2007 ESAF) Sendo os direitos fundamentais cláusulas pétreas, é inadmissível toda emenda à Constituição que sobre eles disponha. SE UMA EMENDA CONSTITUCIONAL INSERISSE UM DIREITO FUNDAMENTAL, O NOVO DIREITO CRIADO SERIA TAMBÉM CLÁUSULA PÉTREA? 35. (Procurador da Fazenda Nacional 2007.2 ESAF) Em princípio, o poder constituinte de reforma não pode criar cláusulas pétreas, somente o poder constituinte originário pode fazê-lo. 36. (Advocacia da União 2009 CESPE/UNB) O catálogo dos direitos fundamentais constantes da Carta da República pode ser ampliado pelo poder constituinte de reforma 32 “A cláusula pétrea do voto direto constitui estorvo para eventual emenda parlamentarista, na medida em que o Chefe do Poder Executivo (Primeiro-Ministro), nesse sistema de governo, caracteristicamente é escolhido dentre os membros do Legislativo e pelos seus pares.” MENDES, Gilmar Ferreira et al. Curso de direito constitucional. Sâo Paulo: Saraiva, 2007. p. 213. 33 MENDES, Moreira..., op. cit., p. 127. 34 Ementa da ADin 2024/MC/DF, Relator: Ministro Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno do STF, DJU 1.12.00, p. 70. Cibele Fernandes Dias Knoerr 24 desde que os novos direitos estabelecidos não sejam cláusulas pétreas, as quais podem ser criadas somente pelo poder constituinte originário. LIMITES MATERIAIS IMPLÍCITOS À EMENDA CONSTITUCIONAL Dizem respeito à titularidade do Poder Constituinte originário e derivado: Não é possível por via de emenda constitucional: 1. Revogar os limites expressos ao Poder Constituinte derivado: alterando ou suprimindo qualquer limite previsto no art. 60, da CF ou no art. 3º, do ADCT Os limites expressos (escritos no artigo 60, CF e no art. 3º, ADCT) são: absolutos (em face do poder constituinte derivado) Para Nelson de Souza Sampaio são intangíveis à ação do poder constituinte reformador: (1) as normas concernentes ao titular do poder constituinte, porque este se acha em posição superior à própria Constituição, (2) as normas referentes ao titular do poder reformador, porque ele não pode fazer a delegação dos poderes recebidos, (3) as normas disciplinadoras do próprio procedimento de emenda, já que o poder delegado não pode modificar as condições da delegação recebida. 37. (Juiz Substituto TJ Paraná 2003) O processo regular de emendas constitucionais encontra limites materiais nas chamadas cláusulas pétreas, que podem ser superadas, porém, pelo processo de dupla revisão. “A tese do duplo processo de revisão, conducente à relatividade dos limites de revisão, parece-nos afastar. Já atrás, ao tratarmos da tipologia das normas constitucionais, tínhamos alertado para o facto de as normas de revisão serem qualificadas como normas superconstitucionais. Elas atestariam a superioridade do legislador constituinte, e a sua violação, mesmo pelo legislador de revisão, deverá ser considerada como incidindo sobre a própria garantia da Constituição. A violação das normas constitucionais que estabelecem a imodificabilidade de outras normas constitucionais deixará de ser um acto constitucional para se situar nos limites de uma ruptura constitucional. [...] Por outro lado, a supressão dos limites de revisão através da revisão pode ser um sério indício de fraude à Constituição.”35 38. (Procurador da Fazenda Nacional 2006 – ESAF) Consolidou-se o entendimento de que, mediante o mecanismo da dupla revisão, é viável a superação das cláusulas pétreas entre nós. 39. (Procurador do Distrito Federal 2007 ESAF) Firmou-se no Brasil o entendimento de que o poder constituinte de reforma pode suprimir um direito protegido como cláusula pétrea, desde que, num primeiro momento, esse direito seja subtraído da lista expressa das limitações materiais ao poder de emenda à Constituição. 35 CANOTILHO, op. cit., p. 1133. Cibele Fernandes Dias Knoerr 25 40. (Procurador da Fazenda Nacional 2007 ESAF) É viável reforma constitucional que aperfeiçoe o processo legislativo de emenda constitucional, tornando-o formalmente mais rigoroso. 41. (Juiz Estadual TJ Paraná 2010) Emendas à Constituição constituem obra do poder constituinte derivado reformador, que se submete a limitações diversas emanadas do Poder Constituinte Originário. Se alguma emenda constitucional for aprovada com desrespeito, formal ou material, ao comando preconizado no art. 60 da CF, deverá ser declarada inconstitucional, podendo a impugnação se dar por meio de uma ADIN genérica perante a Corte Suprema (STF). V - REVISÃO CONSTITUCIONAL (3º, ADCT) “As mudanças na Constituição, decorrentes da revisão do art. 3º do ADCT, estão sujeitas ao controle judicial, diante das cláusulas pétreas consignadas no art. 60, §4º e seus incisos, da Lei Magna de 1988.” (ADIN 981-Pr, Relator Ministro Néri da Silveira, j. 17.12.93) REVISÃO CONSTITUCIONAL (3º, ADCT) I – LIMITES EXPRESSOS: 1. LIMITES FORMAIS (3º, ADCT) a. Sistema unicameral de discussão e votação: não tem Casa Inicial ou Casa Revisora b. Turno de discussão e votação: um só c. Quorum de aprovação (maioria qualificada): maioria absoluta d. Ausência de fase de deliberação executiva: não tem fase de sanção ou veto do Presidente da República 2. LIMITE TEMPORAL (3º, ADCT): após cinco anos a contar da promulgação da Constituição de 1988 (após 5 de outubro de 1993) 3. LIMITES IMPLÍCITOS: 1. Limites formais: a promulgação e publicação da emenda constitucional de revisão pela Mesa do Congresso Nacional 2. (60, §1º, CF): limites circunstanciais: não seria possível rever a Constituição na vigência de estado de sítio (art. 137, CF), estado de defesa (art. 136, CF) ou intervenção federal (art. 34, CF) 3. (60, §4º, I a IV): limites materiais – as cláusulas pétreas não poderiam ser abolidas na revisão constitucional 4. limites materiais implícitos das emendas constitucionais: não seria possível, na revisão, alterar os limites expressos ao Poder Constituinte Derivado, ou seja, revogar o art. 60 da CF ou o próprio art. 3º, do ADCT HOJE, É POSSÍVEL MODIFICAR A CONSTITUIÇÃO FEDERAL PELO PROCEDIMENTO DA REVISÃO CONSTITUCIONAL? (ligação com o art. 2º, ADCT) Cibele Fernandes Dias Knoerr 26 Não. O artigo 3º, do ADCT é uma norma constitucional de eficácia exaurida, que, uma vez aplicada, tem sua vigência esgotada. PLEBISCITO (2º, ADCT) OPÇÃO PELA FORMA DE GOVERNO: República OPÇÃO PELO SISTEMA DE GOVERNO: Presidencialismo HOJE, É POSSÍVEL CONVOCAR UM NOVO PLEBISCITO PARA ALTERAR A FORMA OU O SISTEMA DE GOVERNO? SE ACONTECESSE, QUAL SERIA O DIAGNÓSTICO JURÍDICO? Não seria possível um novo plebiscito, porque também o art. 2º, do ADCT é uma norma constitucional de eficácia exaurida. Caso acontecesse, a emenda que convocasse novo plebiscito seria inconstitucional. 42. (Procurador do Distrito Federal 2004 – ESAF) É característica do regime da revisão constitucional consagrada no artigo 3º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias: (a) sessão bicameral; (b) quorum de aprovação de três quintos dos votos dos parlamentares de cada Casa do Congresso Nacional, separadamente; (c) iniciativa de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros; (d) quorum de aprovação da maioria absoluta dos votos dos membros do Congresso Nacional, em sessão conjunta; (e) cláusula pétrea da forma republicana de governo. 43. (Procurador do Distrito Federal 2004 – ESAF) Os direitos individuais estão garantidos contra o poder de emenda, mas não contra o poder de revisão constitucional. VI. MECANISMO INFORMAL OU MATERIAL DE ALTERAÇÃO CONSTITUCIONAL “Pese embora o exagero da formulação, há alguma coisa de exacto na afirmação de Loewenstein, quando ele considera que uma ‘constituição jamais é idêntica a si própria, estando constantemente submetida ao pantha rei heraclitiano de todo o ser vivo.”36 1. CONCEITO DE MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL: É alteração da Constituição Federal por via de interpretação judicial e legislativa, sem que haja alteração do seu texto. É chamada de alteração informal ou material, porque as normas constitucionais têm o seu sentido alterado por interpretação. 2. PODER RESPONSÁVEL PELA MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL: É um poder constituinte difuso, porque, segundo a doutrina, é exercido pelo Poder Judiciário no controle de constitucionalidade e também pelo Poder Legislativo quando regulamenta as normas constitucionais com leis. Todavia, hoje podemos afirmar que o grande responsável pela mutação é o STF no exercício do controle abstrato de constitucionalidade. 36 CANOTILHO, op. cit., p. 1000. Cibele Fernandes Dias Knoerr 27 3. MECANISMOS DA MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL: (a) Interpretação constitucional e (b) práticas constitucionais. Interpretação constitucional: (1) interpretação evolutiva – “aplicação da Constituição a situações que não foram contempladas quando da sua elaboração e promulgação, por não existirem nem terem sido antecipadas à época, mas que se enquadram claramente no espírito e nas possibilidades semânticas do texto”37 ou “atribuição de novos conteúdos à norma constitucional sem modificação do seu texto, em razão de mudanças históricas ou de fatores políticos e sociais que não estavam presentes na mente dos constituintes.”38 e (2) construção constitucional ou interpretação construtiva: “ampliação do sentido ou extensão do alcance da Constituição – seus valores, seus princípios – para o fim de criar uma nova figura ou uma nova hipótese não prevista originariamente, ao menos não de maneira expressa.” (exemplo: do direito ao silêncio do preso – art. 5º, LXIII – extraiu-se o privilégio contra a auto-incriminação, doutrina brasileira do habeas corpus). Exemplos de mutação por interpretação judicial: foro por prerrogativa de função e a revogação da Súmula 394 do STF, os efeitos da decisão no mandado de injunção. Práticas constitucionais: (1) usos constitucionais: condutas uniformes, constantes e gerais, praticadas pelos órgãos aplicadores da Constituição, (2) convenções constitucionais: acordos, expressos ou tácitos, celebrados entre os órgãos aplicadores da Constituição em atuar de certa forma ou adotar uma determinada regra de conduta, (3) Costumes constitucionais: é um uso ou convenção constitucional tido como obrigatório pela comunidade em geral. Prática constitucional de determinados atos e comportamentos pelos poderes competentes e pelo povo sem forma prevista ou consagrada na Constituição. Exemplo: reconhecimento da possibilidade de o Chefe do Poder Executivo negar aplicação à lei inconstitucional. 44. (Procuradoria da República) Mutação constitucional é espécie do gênero processos formais de alteração constitucional. 45. (Juiz Substituto TRF 5ª Região 2006 – CESPE) Denomina-se mutação constitucional a mudança constitucional sem mudança de texto. O voto feminino nasceu de uma “mutação constitucional” provocada pelo Legislador e operada pelo Supremo Tribunal Federal “A Constituição republicana de 1891, artigo 70, determinava que seriam eleitores os cidadãos maiores de 21 anos, e excluía, expressamente, em seus parágrafos, os mendigos, os analfabetos, as praças de pré, os reliogiosos e os inelegíveis. Na interpretação doutrinária, jurisprudencial e legislativa desse texto, prevaleceu o entendimento de que além das ‘expressões expressas, subsistia a das mulheres, visto não ter sido aprovada nenhuma das emendas que, na constituinte, lhe atribuíam o direito de voto político. A palavra-chave para inferir-se tal interpretação foi o uso do vocábulo cidadão que abrangia, segundo se interpretou à época, somente o sexo masculino. Porém, em 1932, sem que se alterasse a letra da Constituição, mantida em vigor pelo Decreto n. 19398, de 11 de novembro de 37 BARROSO, Luis Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 131. 38 KUBLISCKAS, op. cit., p. 130. Cibele Fernandes Dias Knoerr 28 1930, o voto feminino, por interpretação constitucional legislativa, foi consagrado.”39 46. (Procurador da Fazenda Nacional 2007.2 ESAF) Os direitos e garantias individuais são imunes ao processo de mutabilidade constitucional. VII. A CONSTITUIÇÃO “CIDADÔ: (1) FUNDAMENTOS DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL (1º, CF); (2) OBJETIVOS FUNDAMENTAIS DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL (3º) 47. (Juiz Federal 4ª Região 2008) A dignidade da pessoa humana é fundamento da República Federativa do Brasil e norteia a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que veda a prisão cautelar por prazo excessivo, abusivo e irrazoável e a denúncia que não descreve adequadamente os fatos tidos por criminosos. 48. (Juiz Substituto TJ Paraná 2007) Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. VIII. CONCLUSÃO: NORMAS CONSTITUCIONAIS INCONSTITUCIONAIS? Normas constitucionais originárias: NUNCA PODEM SER DECLARADAS INCONSTITUCIONAIS. SÃO SEMPRE NORMAS CONSTITUCIONAIS CONSTITUCIONAIS (STF – tese juspositivista). Normas constitucionais derivadas: EXISTEM NORMAS CONSTITUCIONAIS DERIVADAS INCONSTITUCIONAIS, QUANDO AS EMENDAS À CF VIOLAM OS LIMITES IMPOSTOS PELO PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO. 49. (Juiz Federal 4ª Região 2009) Dadas as assertivas abaixo, assinale a alternativa correta. I. A tese de que há hierarquia entre normas constitucionais originárias, dando azo à declaração de inconstitucionalidade de umas em frente às outras, é incompatível com o sistema de constituição rígida. II. As cláusulas pétreas podem ser invocadas para sustentar a inconstitucionalidade de normas constitucionais originárias que lhe são inferiores. III. Não havendo hierarquia entre as normas constitucionais, é inadmissível a declaração de inconstitucionalidade de norma introduzida na Constituição Federal por emenda. IV. Tanto as normas materialmente constitucionais como as normas formalmente constitucionais possuem a mesma eficácia, não havendo hierarquia entre elas. (a) Estão corretas apenas as assertivas I e III. 39 FERRAZ, op. cit., p.39. Cibele Fernandes Dias Knoerr 29 (b) (c) (d) (e) Estão corretas apenas as assertivas I e IV. Estão corretas apenas as assertivas II e III. Estão corretas todas as assertivas. Nenhuma assertiva está correta. IX. APLICABILIDADE DA CONSTITUIÇÃO NO TEMPO: 1. RELAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO NOVA COM A CONSTITUIÇÃO ANTERIOR a) Tese do STF – REVOGAÇÃO TOTAL (AB-ROGAÇÃO): A tese que prevalece na doutrina e jurisprudência é a da revogação total (ab-rogação) e irrestrita das normas da Constituição velha pela nova Constituição. Toda a Constituição anterior é revogada com o advento de uma nova Constituição, independentemente de conter normas compatíveis com a nova ordem constitucional. b) Tese minoritária – desconstitucionalização: É defendida pela Professora Maria Helena Diniz.40 A desconstitucionalização seria a possibilidade de recepção tácita, pela nova ordem constitucional, de dispositivos da Constituição anterior como legislação infraconstitucional, preenchidos os seguintes requisitos: (i) compatibilidade material e (ii) desde que o assunto não tenha sido objeto da nova Constituição. A tese da desconstitucionalização tácita não é aceita pela jurisprudência do STF. No entanto, a desconstitucionalização somente é possível caso haja dispositivo expresso da Constituição nova recepcionando norma da Constituição anterior como lei, já que o poder constituinte originário é ilimitado, pode tudo. Desconstitucionalização tácita – VEDADA Desconstitucionalização expressa – PERMITIDA 50. (Analista de Finanças e Controle AFC/STN 2002 – ESAF) Segundo entendimento pacificado na doutrina e na jurisprudência do STF, a antiga Constituição não perde vigência quando do advento de uma nova Constituição, quanto às cláusulas que não conflitarem com o novo texto. 51. (Procurador da Fazenda Nacional 2006 – ESAF) A Doutrina majoritária e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal convergem para afirmar que normas da Constituição anterior ao novo diploma constitucional, que com este não sejam materialmente incompatíveis, são recebidas como normas infraconstitucionais. 2. RELAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO NOVA COM AS LEIS E ATOS NORMATIVOS ANTERIORES b1) RECEPÇÃO (TOTAL OU PARCIAL): (1) A Constituição recebe as normas infraconstitucionais anteriores materialmente compatíveis com ela, confirmando sua vigência, eficácia e validade.41 As leis velhas são “novadas”, porque terão de ser 40 DINIZ, Maria Helena. Norma constitucional e seus efeitos. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 5051. 41 DINIZ, op. cit., p. 48. Cibele Fernandes Dias Knoerr 30 reinterpretadas em face da nova Constituição. Para a recepção da legislação anterior, exige-se compatibilidade material (de conteúdo) com a nova Constituição. A recepção das leis anteriores visa garantir o princípio da continuidade da ordem jurídica e da segurança jurídica. As leis anteriores são recebidas, mas deverão receber uma interpretação ajustada à nova Constituição (o que José Afonso da Silva chama de “eficácia construtiva” da nova Constituição). De outro lado, é importante salientar que a Constituição nova não tem poder convalidar as leis e atos normativos anteriores que eram incompatíveis com a Constituição anterior, então vigente. EXIGÊNCIAS PARA A RECEPÇÃO DE LEIS OU ATOS NORMATIVOS ANTERIORES À CF de 1988: (1) LEI DEVE SER CONSTITUCIONAL EM FACE DA CONSTITUIÇÃO ANTERIOR, QUE ESTAVA EM VIGOR QUANDO FOI PUBLICADA + (2) COMPATIBILIDADE MATERIAL COM A NOVA CONSTITUIÇÃO. A incompatibilidade da lei anterior com a nova Constituição no aspecto formal (relativo ao processo legislativo ou às regras de repartição de competências) é irrelevante (não há inconstitucionalidade formal superveniente), porque a legislação recebe a natureza que a nova ordem constitucional reservou para a matéria. Assim, o art. 146, da CF de 1988 exige lei complementar para estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária. O Código Tributário Nacional, que se constitui numa lei ordinária anterior à Constituição Federal de 1988 (Lei 5172/66), trata, no livro segundo, das normas gerais de direito tributário. Embora o Código Tributário Nacional não seja uma lei complementar, as normas gerais de direito tributário, constantes do seu livro segundo, foram recepcionadas pela Constituição com caráter de lei complementar. 42 Como ressalta Luis Roberto BARROSO, o princípio da não-retroatividade das leis somente condiciona a atividade jurídica do Estado nas hipóteses expressamente previstas na Constituição: “São elas: a) a proteção da segurança jurídica no domínio das relações sociais, veiculada no art. 5º, XXXVI, já citado; b) a proteção da liberdade do indivíduo contra a aplicação retroativa da lei penal, contida no art. 5º, XL (‘a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu’), c) a proteção do contribuinte contra a voracidade retroativa do fisco, constante do art. 150, III, a ( é vedada a cobrança de tributos ‘em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado’). Fora dessas hipóteses, a retroatividade da norma é tolerável.” BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 53. Logo, a Constituição admite a retroatividade da lei desde que não atinja o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Também admite a retroatividade da lei penal mais benéfica. Nesse sentido, a questão da ESAF: (Gestor Fazendário 2005 – ESAF) A Constituição em vigor expressamente admite a possibilidade de leis retroativas no ordenamento brasileiro. (certa) 43 “O princípio da não-retroatividade, todavia, não condiciona o exercício do poder constituinte originário. A Constituição é o ato inaugural do Estado, primeira expressão do direito na ordem cronológica, pelo que não deve reverência à ordem jurídica anterior, que não lhe pode impor regras ou limites. Doutrina e jurisprudência convergem no sentido de que ‘não há direito adquirido contra a Constituição.’” BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 55. Cibele Fernandes Dias Knoerr 31 b2) REVOGAÇÃO TOTAL (AB-ROGAÇÃO) OU PARCIAL (DERROGAÇÃO): a legislação anterior (constitucional em face da Constituição que vigorava quando foi publicada) incompatível com o conteúdo da nova Constituição é por ela revogada (revogação tácita). Pode se tratar de ab-rogação (quando toda a lei é revogada) ou derrogação (quando parte da lei é revogada). Essa é a tese prevalente na jurisprudência do STF. O problema é que a revogação está baseada exclusivamente no critério temporal (lei posterior revoga lei anterior) e a nova Constituição não só revoga como retira o fundamento de validade da legislação incompatível com o seu conteúdo). Todavia, esta última tese, que sustenta a inconstitucionalidade material superveniente das leis anteriores em face da nova Constituição, não é aceita pelo STF. b3) Repristinação: A repristinação ocorre quando uma lei volta a vigorar, pois foi revogada a lei revogadora. O art. 2º, §3º, da Lei de Introdução ao Código Civil admite a repristinação desde que haja regra expressa (“Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência”). É claro que a repristinação, ainda que haja regra legal expressa, não poderá atingir o direito adquirido, o ato jurídico e a coisa julgada (art. 5º, XXXVI, CF – “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”).42 A circunstância de a nova Constituição revogar a Constituição anterior não terá, a princípio, o condão de restaurar a eficácia das leis que foram revogadas pela Constituição antiga. Todavia, como o Poder Constituinte Originário é inicial, ilimitado e incondicionado, ao elaborar uma nova Constituição, pode ressuscitar leis anteriores que já haviam sido revogadas pela Constituição velha. Todavia, para que isso aconteça, é necessário (1) expressa previsão no texto da nova Constituição, (2) esta repristinação poderá até prejudicar direitos adquiridos e atos jurídicos perfeitos, já que realizada pelo Poder Constituinte Originário, mas também nessa circunstância deverá haver regra constitucional expressa (como a irretroatividade é a regra, não há retroatividade tácita).43 CONCLUSÃO LEI ANTERIOR (constitucional em face da Constituição velha) COMPATÍVEL COM O CONTEÚDO DA NOVA CONSTITUIÇÃO = É RECEPCIONADA, AINDA QUE HAJA INCOMPATIBILIDADE FORMAL. LEI ANTERIOR (constitucional em face da Constituição velha) INCOMPATÍVEL COM O CONTEÚDO DA NOVA CONSTITUIÇÃO = É REVOGADA, AINDA QUE HAJA COMPATIBILIDADE FORMAL. 52. (Procurador da Fazenda Nacional 2006 ESAF) (a) Uma lei federal sobre assunto que a nova Constituição entrega à competência privativa dos Municípios fica imediatamente revogada com o advento da nova Carta. (b) Normas não recebidas pela nova Constituição são consideradas, ordinariamente, como sofrendo de inconstitucionalidade superveniente. Cibele Fernandes Dias Knoerr 32 (c) Para que a lei anterior à Constituição seja recebida pelo novo Texto Magno, é mister que seja compatível com este, tanto do ponto de vista da forma legislativa como do conteúdo dos seus preceitos. (d) Uma lei que fere o processo legislativo previsto na Constituição sob cuja regência foi editada, mas que, até o advento da nova Constituição, nunca fora objeto de controle de constitucionalidade, não é considerada recebida por esta, mesmo que com ela guarde plena compatibilidade material e esteja de acordo com o novo processo legislativo. 53. (Advocacia da União 2009 CESPE/UNB) Na hipótese de alteração, por uma nova Constituição Federal, do rol de competência legislativa dos entes da Federação, para inserir na competência federal matéria até então da competência legislativa estadual ou municipal, ocorre o fenômeno da federalização da lei estadual ou municipal, a qual permanecerá em vigor como se lei federal fosse, em atenção ao princípio da continuidade do ordenamento jurídico. 54. (Procurador do Banco Central 2009 – CESPE) (a) É possível a declaração de inconstitucionalidade de norma editada antes da atual Constituição e que tenha desrespeitado, sob o ponto de vista formal, a Constituição em vigor na época de sua edição, ainda que referida lei seja materialmente compatível com a vigente CF. (b) De acordo com entendimento do STF, as normas constitucionais provenientes da manifestação do poder constituinte originário têm, via de regra, retroatividade máxima. X. O NEOCONSTITUCIONALISMO a) Expressão divulgada por Miguel Carbonell44: designa um movimento contemporâneo amplo e heterogêneo questiona o paradigma positivista tradicional e reconhece que as Constituições atuais devem seus textos, ainda que não exclusivamente, em valores e postulados morais. Expressão do neoconstitucionalismo é o pós-positivismo principialista de Ronald Dworkin, Robert Alexy, Carlos Santiago Niño que mistura elementos do positivismo e do jusnaturalismo. Características gerais: (1) substituição do Estado legalista pelo Constitucional de Direito, (2) Constitucionalização da ordem jurídica, (3) Consolidação da força normativa da Constituição, (4) Ascensão do “póspositivismo”: reaproximação entre Direito e Moral, valorização dos princípios e dos direitos fundamentais, (5) Desenvolvimento de uma nova hermenêutica constitucional, (6) Fortalecimento e expansão da jurisdição constitucional.45 55. (Promotor de Justiça Rio Grande do Norte 2009 – CESPE) Acerca do constitucionalismo, assinale a opção incorreta: 44 CARBONELL, Miguel. Teoria del neoconstitucionalismo. Madrid: Editorial Trotta Instituto de Investigaciones Juridicas – UNAM, 2008. 45 KUBLISCKAS, Wellington Márcio. Emendas e mutações constitucionais: análise dos mecanismos de alteração formal e informal da Constituição Federal de 1988. São Paulo: Atlas, 2009. p. 222-231. Cibele Fernandes Dias Knoerr 33 (a) A origem do constitucionalismo remonta à antiguidade clássica, especificamente ao povo hebreu, do qual partiram as primeiras manifestações desse movimento constitucional em busca de uma organização política fundada na limitação do poder absoluto. (b) O neoconstitucionalismo é caracterizado por um conjunto de transformações no Estado e no direito constitucional, entre as quais se destaca a prevalência do positivismo jurídico, com a clara separação entre direito e valores substantivos, como ética, moral e justiça. (c) O constitucionalismo moderno representa uma técnica específica de limitação do poder com fins garantidores. (d) O neoconstitucionalismo caracteriza-se pela mudança de paradigma, de Estado Legislativo de Direito para Estado Constitucional de Direito, em que a Constituição passa a ocupar o centro de todo o sistema jurídico. (e) As constituições do pós-guerra promoveram inovações por meio da incorporação explícita, em seus textos, de anseios políticos, como a redução de desigualdades sociais, e de valores como a promoção da dignidade humana e dos direitos fundamentais. XI. PRINCÍPIOS DE INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL a) INTERPRETAÇÃO: possibilidade de indagação do conteúdo semântico dos enunciados linguísticos do texto constitucional com a conseqüente dedução de que a matéria de regulamentação é abrangida pelo âmbito normativo da norma constitucional. b) INTEGRAÇÃO: determinadas situações que se devem considerar constitucionalmente reguladas não estão previstas e não podem ser cobertas pela interpretação, mesmo extensiva, dos preceitos constitucionais (considerados na sua letra e na sua ratio). c) DOIS PROCESSOS GRADUAIS DE OBTENÇÃO DO DIREITO CONSTITUCIONAL: o intérprete tem uma dupla tarefa – (1) fixar o âmbito e o conteúdo de regulamentação da norma a aplicar, (2) se a situação de fato carecedora de decisão não se encontrar regulada no complexo normativo-constitucional, ele deve completar a lei constitucional preenchendo ou colmatando as suas lacunas. c.1) LACUNA CONSTITUCIONAL AUTÔNOMA: ausência de disciplina jurídica no complexo normativo, mas esta pode ser deduzida do plano regulativo da Constituição e da teleologia da regulamentação constitucional. c.2) LACUNAS DE REGULAMENTAÇÃO: (1) lacunas no nível das normas, quando um preceito constitucional é incompleto, tornando-se necessária a sua complementação para que ele seja aplicado, (2) quando não se trata de uma incompletude da norma, mas uma determinada regulamentação em conjunto. c.3) MÉTODO PARA COLMATAÇÃO: analogia (argumentum a simile) – transferência de uma regulamentação de certas situações para outros casos merecedores Cibele Fernandes Dias Knoerr 34 de igualdade de tratamento jurídico e que apresentam uma coincidência axiológica significativa. d) PRINCÍPIOS DE INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL d.1) PRINCÍPIO DA UNIDADE DA CONSTITUIÇÃO: a Constituição deve ser interpretada de forma a evitar contradições (antinomias, antagonismos), obrigando o intérprete a procurar harmonizar os espaços de tensão existentes entre as normas constitucionais, considerando-as não como normas isoladas e dispersas, mas como preceitos integrados num sistema interno unitário. d.2) PRINCÍPIO DO EFEITO INTEGRADOR: na resolução dos problemas constitucionais, deve dar-se primazia aos critérios que favoreçam a integração política e social e o reforço da unidade política. d.3) PRINCÍPIO DA MÁXIMA EFETIVIDADE OU PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA: a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê. É invocado no âmbito dos direitos fundamentais: no caso de dúvida, deve ser preferida a interpretação que reconheça maior eficácia aos direitos fundamentais. d.4) PRINCÍPIO DA JUSTEZA OU DA CONFORMIDADE FUNCIONAL: o órgão encarregado da interpretação constitucional não pode chegar a um resultado que subverta ou perturbe o esquema organizatório-funcional constitucionalmente estabelecido, ou seja, visa impedir a alteração da repartição de funções constitucionalmente estabelecidas por meio da concretização constitucional. d.5) PRINCÍPIO DA CONCORDÂNCIA PRÁTICA OU DA HARMONIZAÇÃO: impõe a coordenação e combinação dos bens jurídicos em conflito de forma a evitar o sacrifício total de uns em relação aos outros, a fim de se buscar uma harmonização ou concordância prática. Aplica-se principalmente na colisão entre direitos fundamentais ou entre eles e bens jurídicos constitucionalmente protegidos, de forma que este princípio exigirá a ponderação. d.6) PRINCÍPIO DA FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO: na solução dos problemas constitucionais, deve dar-se prevalência aos pontos de vista que contribuem para uma eficácia ótima da lei fundamental, ou seja, que garantem a a eficácia e permanência da Constituição d.7) PRINCÍPIO DA INTERPRETAÇÃO DAS LEIS EM CONFORMIDADE COM A CONSTITUIÇÃO: no caso de normas polissêmicas ou plurissignificativas deve-se dar preferência à interpretação que lhe dê um sentido em conformidade com a Constituição. Devem ser considerados os seguintes princípios na interpretação conforme a CF: (1) Princípio da prevalência da Constituição: deve-se escolher a interpretação não contrária ao texto e ao programa da norma. Cibele Fernandes Dias Knoerr 35 (2) Princípio da conservação: uma norma não deve ser declarada inconstitucional quando puder ser interpretada em conformidade com a Constituição. (3) Princípio da exclusão da interpretação conforme a Constituição mas “contra legem”: o aplicador da norma não pode contrariar a letra e o sentido dessa norma através de uma interpretação conforme, mesmo que por meio dela consiga uma concordância entre a norma infraconstitucional e as normas constitucionais (não é possível chegar-se a uma regulação nova e distinta, em contradição com o sentido literal ou objetivamente claro da lei ou em manifesta dessintonia com os objetivos do legislador). 56. (Procurador do Banco Central – CESPE – 2009) Pelo princípio da concordância prática ou harmonização, os órgãos encarregados de promover a interpretação da norma constitucional não podem chegar a resultado que altere o esquema organizatório-funcional constitucionalmente estabelecido pelo legislador constituinte originário. 57. (Analista Judiciário – Área Judiciária TRE/Acre 2010 – FCG) Sobre a interpretação das normas constitucionais, analise: I. O órgão encarregado de interpretar a Constituição não pode chegar a um resultado que subverta ou perturbe o esquema organizatório-funcional estabelecido pelo legislador constituinte. II. O texto de uma Constituição deve ser interpretado de forma a evitar contradições (antinomias) entre suas normas, e, sobretudo, entre os princípios constitucionais estabelecidos. Os referidos princípios, conforme doutrina dominante, são denominados, respectivamente, como: (a) da força normativa e da justeza. (b) do efeito integrador e da harmonização. (c) da justeza e da unidade. (d) da máxima efetividade e da unidade. (e) do efeito integrador e da forma normativa. GABARITO DAS QUESTÕES: 1. Errada 2. (a) Certa, (b) Errada, (c) Errada, (d) Certa, (e) Errada 3. Errada 4. (a) e (b) Erradas 5. Errada 6. Errada 7. Errada 8. (a) Certa, (b) Errada, (c) Errada 9. Errada 10. Errada 11. Errada 12. Errada 13. Letra (a) Cibele Fernandes Dias Knoerr 36 14. (a) Errada, (b) Certa, (c) Errada, (d) Certa 15. (a) Certa, (b) Errada 16. Certa 17. Certa 18. Errada 19. Errada 20. Errada 21. Errada 22. Errada 23. Errada 24. (a) e (b) Erradas 25. Certa 26. Letra (b) 27. Certa 28. Errada 29. Errada 30. Errada 31. Errada 32. Errada 33. Certa 34. Errada 35. Certa 36. Anulada (gabarito definitivo) 37. Errada 38. Errada 39. Errada 40. Errada 41. Certa 42. Gabarito provisório (letra e), depois foi anulada 43. Errada 44. Errada 45. Certa 46. Errada 47. Certa 48. Certa 49. Letra (b) 50. Errada 51. Errada 52. Letra (d) 53. Errada 54. (a) Certa, (b) Errada 55. Letra (b) 56. Errada 57. Certa