O ILUSTRE DECONHECIDO FUNDO CONSTITUCIONAL DO DISTRITO
FEDERAL (FCDF) E SUA REPERCUSSÃO NA EDUCAÇÃO PÚBLICA
BÁSICA NO DF
SILVA, Francisco José [email protected]
EIXO: Políticas Públicas e Gestão Educacional/ n.11
Agência Financiadora: CNPq e SEDF
Introdução
A discussão sobre Fundos Públicos para educação ao longo da década de 90 e
início do novo século tem se concentrado sobre o Fundef e o Fundeb, ambos de
abrangência nacional. No entanto, existe também um Fundo que se limita a transferir
recursos para o Distrito Federal, o Fundo Constitucional do Distrito Federal, “previsto”
na Constituição Federal de 1988 e aprovado em 2002, o qual é objeto de análise desta
pesquisa.
Apresentar-se-á os marcos legais do Fundo Constitucional do Distrito Federal
(FCDF) e as suas conseqüências no que se refere ao (des)cumprimento do artigo 212 da
Constituição Federal (CF/88) no DF. O FCDF já estava “previsto” no inciso XIV do
artigo 21 da CF/88 e foi aprovado por intermédio da Lei 10.633/02. Esta lei, além de
reforçar a canalização de recursos para a área de segurança, coloca a educação e a saúde
[de forma explícita] como áreas assistidas. Os recursos do Fundo são usados,
prioritariamente, para pagamento de pessoal, e a educação, apesar de não ser a razão de
existir do Fundo, no ano de 2008, provavelmente ficará com mais de 1/3 das verbas
deste item de custo. Na verdade, toda a área de segurança (polícia civil, polícia militar e
corpo de bombeiros) receberá pouca mais 50%; mas se esta área for desagregada, ter-seá o seguinte: polícia civil (20,86%); polícia militar (21,01%); corpo de bombeiros militar
(9,29%). Ainda que a rede pública de educação tenha número de profissionais bem
superior a todas as outras, não se pode desconsiderar esse “privilégio”, até porque a
razão de ser do Fundo é a área de segurança, e não a educação.
Mas o termo “privilégio”, conforme a abordagem neste trabalho, é considerado
às avessas, na medida em que a metodologia de cálculo da Secretaria de Fazenda do DF
considera os aportes do Fundo como receita e como despesa, mas ao mesmo tempo
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deixa de aplicar 25% da receita de impostos próprios na educação básica pública.
Enfim, ao utilizar o FCDF para atingir o percentual que deve ser aplicado na educação
pública, o DF passa a descumprir a CF/88, segundo a metodologia de cálculo aqui
adotada, a qual não considera os aportes de verbas do Fundo Constitucional para o
cumprimento do percentual mínimo de receita de impostos que deve ser aplicado na
educação básica. Em síntese: a metodologia de cálculo da Secretaria de Fazenda,
adotada no período de 2002 a 2006, é tida nesse trabalho como equivocada e prejudicial
à educação pública na capital da república, principalmente a longo prazo.
Importante registrar que o período em análise é o de 2002 a 2006, mas com o
orçamento sendo executado no ano subseqüente. Isso significa que os registros de 2006
estão sendo executados (ou não) nesse ano de 2007.
Breve apresentação da educação no DF e do Fundo Constitucional
O Distrito Federal acumula as funções de estado e município. No âmbito da
educação, isso tem conseqüências. O Fundef, por exemplo, considerado uma das mais
importantes Fundos da década de 90, teve efeito basicamente nulo na capital federal,
tendo em vista pelo menos três fatores: a) a Secretaria de Estado de Educação, órgão
responsável pelo sistema de ensino, sempre assumiu todas as etapas e modalidades de
ensino da educação básica, tornando nula a importante e complexa discussão e prática
da municipalização; b) a obrigatoriedade de canalizar 60%, no mínimo, do que
estabelece o Fundef para os profissionais do magistério do ensino fundamental já era
cumprida devido ao elevado número de professores atuantes neste nível de ensino; c) o
custo/aluno/ano no DF sempre ficou bem acima do valor mínimo por aluno/aluno/ano.
Dessa forma, enquanto alguns entes federados, em especial do Norte e Nordeste, foram
influenciados pelo Fundef, no DF, nada aconteceu a esse respeito.
Quanto ao Fundeb, ainda é cedo para afirmações mais precisas, mas, ao que tudo
indica, o mesmo poderá ter um resultado positivo no âmbito da educação infantil.
Talvez esse impacto se deva mais ao limitado número de matrículas, efetivamente
públicas, do que propriamente pela “força” do Fundo. Apenas para ilustrar a situação da
capital federal a esse respeito, havia em 2006 pouco mais de 600 matrículas em creches
públicas. Além disso, a legislação referente o novo Fundo permite a transferência de
verbas de receita de impostos para as comunitárias, o que seguramente resultará em
ampliação de matrículas não-públicas nestes espaços. Enfim, no DF, é provável que a
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pressão seja pela educação infantil e não pelo ensino médio como em grande parte dos
entes federados.
As fontes de recursos aplicadas nas escolas públicas do Distrito Federal, de
maneira geral, são as seguintes: a) verbas de receita de impostos (arrecadação própria e
transferências da União por repartição); b) verbas provenientes do Fundo Constitucional
do Distrito Federal, previsto na Constituição Federal (também um tipo “específico” de
transferência da União); c) verbas provenientes do Fundo Nacional de Desenvolvimento
da Educação (FNDE), na forma de vários programas, tais como Programa Dinheiro
Direto na Escola (PDDE), Programa Nacional de Merenda Escolar (PNME); Programa
Nacional de Transporte Escolar e outros; d) verbas do salário-educação (cota distrital =
cota estadual + municipal). Tratar-se-á das duas primeiras, no caso as verbas de receita
de impostos e as do FCDF. Mas por que esse Fundo existe? Qual a sua base legal? É o
que será apresentado a seguir.
O FCDF consta na constituição federal de 1988. Mas, atente-se que não estava
no texto aprovado em 1988. A inserção do tal Fundo é inserida por intermédio da
Emenda Constitucional n.º 19 de 1998. O inciso XIV do artigo 21 da Carta Magna, de
fato, não registrava a expressão “fundo próprio”, como se pode inferir do texto na
íntegra: organizar e manter a polícia federal, a polícia rodoviária e a ferroviária
federais, bem como a polícia civil, a polícia militar e o corpo de bombeiros militar do
Distrito Federal e dos Territórios (inciso XIV do art. 21, aprovado em 1988). Vale
registrar também duas observações: a) primeiro, a educação não constava nem de forma
indireta no texto; b) parte da área de segurança do DF (as polícias civil e militar e o
corpo de bombeiros) estava junta dos seus pares nos territórios (polícias federal,
rodoviária e ferroviária). Bem, de qualquer forma, a ênfase na área de segurança é
inquestionável. Por isso a afirmação de que a razão do Fundo é a segurança pública, e
não a educação ou quaisquer outras áreas sociais. Mas por que se fala tanto, embora em
círculos restritíssimos (em geral na burocracia do DF, no Congresso Nacional e em
alguns sindicatos e meios acadêmicos), que o Fundo já constava na Constituição
Federal? Por que, conforme em outros exemplos a emenda constitucional é tida com
algo que sempre esteve na Constituição, o que é um problema no que tange à própria
essência original do texto. Mas esta é outra discussão, a qual não será tratada aqui. Por
enquanto, basta frisar que o tal Fundo Constitucional do Distrito Federal não constava,
apenas consta. O argumento de que “sempre” esteve presente na Constituição “Cidadã”,
simplesmente não se sustenta numa.
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Mesmo a Emenda Constitucional n.º 19 de 1998 não inclui de forma direta e na
letra da lei o tal Fundo Constitucional. A Emenda n.º 19 de 1998 insere a expressão
“fundo próprio” no novo e válido até hoje inciso XIV do artigo 21 da Constituição que
está em vigor. Eis o que o mesmo estabelece como sendo obrigação da União:
organizar e manter a polícia civil, a polícia militar e o corpo de bombeiros militar do
Distrito Federal, bem como prestar assistência financeira ao Distrito Federal para a
execução de serviços públicos, por meio de fundo próprio. A expressão “fundo próprio”
poderia ser substituída por “fundo próprio do DF”, na medida em que do texto original
são retirados todos os elementos que estão fora do Distrito Federal, tais como as
policiais federal, rodoviária, ferroviária, bem como os funcionários da segurança dos
antigos territórios. Aliás, estes foram também beneficiados por outro Fundo, o qual,
obviamente, não terá tratado aqui. Outro detalhe da letra da lei é que a expressão
“assistência financeira”, o que significa a indicação do que seria secundário, refere-se a
serviços públicos de forma geral, o que na Lei do Fundo que será apresentada a seguir já
é explicitado como sendo a saúde e educação. Pois bem, a EC 19/98 inscreve de forma
explícita a obrigatoriedade de um “fundo próprio”, o qual seria criado 4 anos depois,
não sem muita polêmica, principalmente em função do DF, depois de 1988, receber e
controlar os seus impostos e transferências, tendo em vista que se tornou ente federado
desde então.
Enfim, no final de 2002, é aprovada a Lei Ordinária Federal 10.633/02, com
base no novo artigo 21, inciso XIV da Constituição Federal. Já no seu art. 1º, é dito a
que veio o Fundo:
Fica instituído o Fundo Constitucional do Distrito Federal – FCDF, de
natureza contábil, com a finalidade de prover os recursos necessários à
organização e manutenção da polícia civil, da polícia militar e do corpo de
bombeiros militar do Distrito Federal, bem como assistência financeira para
execução de serviços públicos de saúde e educação, conforme disposto no
inciso XIV do art. 21 da Constituição Federal.
A lei mantém a área de segurança como razão de ser, mas especifica a
expressão, antes genérica, “assistência financeira”; os serviços públicos que devem
receber a tal assistência são: saúde e educação.
O fato é que, além dos repasses por repartição de recursos que todos os entes
federados fazem jus, o DF passa a receber mais um. Sim, pois o Fundo constitucional é
também um tipo de transferência da União, só que, nesse caso, apenas para um ente
federado. E não se trata de qualquer aporte de recursos. O FCDF para o ano de 2008
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está orçado em mais de 7 bilhões de reais e que tendem a aumentar ao longo dos anos.
Os aportes do Fundo aumentam de acordo com o aumento da receita corrente liquida
(RCL), o qual ultrapassou 100% entre 2002 e 2006.
A existência do FCDF no e para o DF, mais do que quaisquer outras
peculiaridades da capital, é talvez a mais marcante, embora ainda desconhecida do
público em geral, inclusive no DF.
Fundo Constitucional: privilégio para a educação?
Segundo a Lei do Fundo, a sua finalidade é prover os recursos necessários à
organização e manutenção da polícia civil, militar e corpo de bombeiros (inciso XIV do
art. 21 da CF88, já com a modificação da EC. 19/98). Mas como esse Fundo tem sido
(re)distribuído entre as áreas sócias do DF? Ao analisar as transferências reais, é
impossível desconsiderar o montante de verbas que tem “beneficiado” a educação, no
período de 2002 a 2006.
Conforme as projeções de gasto para o ano de 2008, o item pessoal ativo da
educação, por exemplo, recebe 32% do total. A área de segurança pública, com as suas
três carreiras (polícia civil, militar e corpo de bombeiros) e outras estruturas, recebe
pouco mais que metade do montante. Esses números já mostram a significativa
participação da educação, no que se refere ao recebimento dos recursos do FCDF.
Gráfico 1 - Pessoal ativo (FCDF/2008)
Educação
32%
Segurança
51%
Saúde
17%
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Porém, se a área de segurança for desagregada, o pessoal ativo da área de
educação supera todos os outros, já que os percentuais seriam os seguintes: polícia civil
(21%); polícia militar (21%); e bombeiros militar (9%), conforme gráfico a seguir:
Gráfico 2 - Pessoal ativo desagregado (FCDF/2008)
Polícia Civil
21%
Educação
32%
Polícia Militar
21%
Saúde
17%
Corpo de Bombeiros
9%
Se considerarmos o gasto com pessoal inativo, a “vantagem” para educação
aumenta, uma vez que a mesma atinge o percentual de 39%, muito próximo aos 40%
que são resultado da soma de todos os inativos da segurança (policiais militares,
policiais civis e bombeiros). Ou seja, no que tange aos trabalhadores aposentados, a
educação está em empate técnico com as carreiras da área de segurança, que, por sua
vez, vale frisar, representam a razão de ser do Fundo Constitucional do DF.
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Gráfico 3 - Pessoal inativo (FCDF/2008)
Educação
39%
Segurança
40%
Saúde
21%
No que tange aos impostos do Distrito Federal próprio do DF, assim como em
outros entes federados, o ICMS é o imposto mais significativo, sendo responsável, em
média, por 60,53%, no período de 2002 a 2006, o que significa que todos os outros
(IPVA, ITCD, IPTU, ISS ITBI, IRRFDF) são responsáveis, também em média, por
40%.
Gráfico 4 - ICMS e outros impostos próprios (2002-2006)
ICMS
60,53%
Outros impostos
39,47%
Em relação ao que a União transfere, mais uma vez a importância do Fundo
Constitucional, também considerado um tipo de transferência constitucional, pode ser
comprovada. A transferência por repartição de receita de impostos (FPE, FPM, IPI-Exp
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e Lei Kandir 86/97) é responsável por apenas 18,26% do que é transferido. O restante
fica por conta do FCDF. Ou seja, mais de 80% das transferências constitucionais se
devem ao Fundo, no período de 2002 a 2006. Percebe-se a partir de 2004 o aumento
dessa participação, sendo de 15,83% o percentual de repasses por repartição de
impostos contra 27,44% do ano anterior. Essa tendência de queda continua até 2006,
quando atinge o percentual de 15,41%. Neste ano, então, 85% das transferências da
União foram realizadas pelo FCDF.
Gráfico 5 - Transferências da União p/ DF (2002-2006)
FCDF
81,74%
Repartição recurso
18,26%
O Fundo Constitucional ganha ainda mais importância e destaque quando fica
constatado que o mesmo, de 2002 a 2006, tem um aumento de 104,78%, enquanto as
outras transferências crescem apenas 39,28%. Em valores monetários, isso significa a
passagem de 856 milhões em 2002 (para ser executado em 2003) para mais de 1,7
bilhão em 2006.
Ao agregar todos os impostos arrecadados no DF (ICMS e todos os demais) e as
transferências da União (repartição de receitas mais o FCDF) e compará-los, verifica-se
que os primeiros respondem, no período em estudo, a 73,33% em média. Portanto, as
transferências da União não atingem, sequer, 1/3 de 2002 a 2006, o que significa que,
do total de receita de impostos, o GDF supera, e muito, o total de transferências da
União, nesse caso as referentes à repartição por receita de impostos somada à parte do
FCDF que é canalizada para educação. Atente-se que os valores e percentuais
mostrados são referentes a 25% dos impostos arrecadados no DF e das transferências.
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Gráfico 6 - Participção dos impostos do DF e transferências (2002-2006)
Imposto DF
73,33%
Transferências
26,67%
Como será mostrado no próximo tópico, contudo, essa importância do DF em
arrecadar não se materializa, necessariamente, em mais aplicação de verbas na
educação; pelo contrário, o resultado, segundo a interpretação aqui feita, é que sequer o
Governo do Distrito Federal aplicou, no período em estudo, o que estabelece o artigo
212 da Constituição Federal, quanto mais os percentuais alegados pelo governo da
época, no caso os percentuais acima de 30%, conforme será mostrado a seguir.
O Fundo Constitucional beneficia o DF? Não necessariamente!
Embora seja contraditório, o fato da educação do DF ser contemplada com um
montante significativo de verbas do FCDF não resulta, necessariamente, em benefícios.
Por quê? Porque a Secretaria de Fazenda do Distrito Federal adotou uma metodologia
de cálculo a qual inclui como receita e como despesa em MDE os recursos oriundos do
Fundo Constitucional. Além disso, inclui nesse montante a aposentadoria dos inativos.
No período de 2002 a 2005, o Governo do Distrito Federal alega, comprova
(contabilmente) e aprova junto ao Tribunal de Contas do Distrito Federal (as contas de
2006 não foram aprovadas ainda) despesas com educação básica pública de mais de
32,43% em média. Isso seria mais que suficiente para cumprir o artigo 212 da
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Constituição Federal. Aliás, poderia até ser considerado um indicativo para ampliar o
percentual na Leio Orgânica do DF que, desde a sua promulgação se limitou aos
mínimos constitucionais para a educação. É poderia, mas, na verdade factual, não pode,
conforme será mostrado. De qualquer os percentuais são bastante significativos quando
se considera os aportes do FCDF, conforme mostra a tabela 1.
Tabela 1 - Evolução da receita e despesa do DF com FCDF (2002-2006
Ano
2002
2003
2004
2005
2006
Receita (Imp.DF + transf.União)
R$
4.009.037.249,37
R$
4.706.566.196,38
R$
5.723.706.801,02
R$
6.611.054.481,59
R$
7.646.784.420,47
25% (art. 212)
1.002.259.312,34
1.176.641.549,10
1.430.926.700,26
1.652.763.620,40
1.911.696.105,12
Despesas em MDE*
R$ 1.304.783.687,22
R$ 1.535.774.504,84
R$ 1.789.270.824,20
R$ 2.038.097.424,00
R$ 2.470.680.577,11
Média
%
"realizado"
32,55%
32,63%
31,26%
30,83%
32,31%
32,43%
Fonte: Secretaria de Fazendo do DF
* despesas considerando aquelas realizadas com as fontes “impostos próprios” e transferências da União (incluindo o FCDF)
Contudo, nesse mesmo período, sem os aportes do Fundo Constitucional, ou
seja, considerando apenas os impostos arrecadados (ICMS, IPVA, ITCD, IPTU, ISS
ITBI e IRRFDF) e as transferências por repartição da União (FPE, FPM, IPI-Exp e Lei
Kandir 86/97), a média cai vertiginosamente para 15,21%, sendo que no ano de 2004 o
percentual atinge apenas 11,11%.
Tabela 2 - Evolução da receita e despesa do DF sem FCDF (2002-2006)
Ano
2002
2003
2004
2005
2006
Receita (Imp.DF + tranf repart)
R$
3.152.647.400,37
R$
3.843.371.073,34
R$
4.426.287.952,06
R$
5.135.816.508,80
R$
5.893.069.641,34
R$
R$
R$
R$
R$
25% (art. 212)
788.161.850,09
960.842.768,34
1.106.571.988,02
1.283.954.127,20
1.473.267.410,34
Despesas em MDE*
R$ 517.665.885,01
R$ 672.579.381,80
R$ 491.853.518,60
R$ 664.384.824,70
R$ 824.982.887,08
Média
%
"realizado"
16,42%
17,50%
11,11%
12,94%
14,00%
15,21%
Fonte: Secretaria de Fazendo do DF e Melo
* Foram consideradas apenas as despesas cobertas com fontes “impostos do DF” e transferências por repartição (não inclui o
FCDF).
Na verdade, considerando que, em todos os anos, o maior percentual foi de
17,5% (2003), o DF estaria em desacordo com a lei, mesmo que tivesse a prerrogativa –
que não tem, é bom frisar – de aplicar apenas o percentual de 18% de receita de
impostos que a União é obrigada a aplicar na manutenção e desenvolvimento da
educação pública. A diferença entre o que deveria ser aplicado em MDE no DF e não
foi é de 2,4 bilhões de reais de verbas de receita de impostos, no período de 2002 a
11
2006. A média do período é impressionante: 460 milhões. Ou seja, quase meio milhão
de reais não aplicados na manutenção e desenvolvimento da educação pública,
conforme estabelece a legislação em vigor. Vale ressaltar que os valores não aplicados
passaram de menos de 300 milhões, em 2003, para mais de 600 milhões em 2004,
mantendo tendência de alta até 2006, ano em que a diferença, a menor, entre o que o foi
aplicado e o que deveria ser aplicado fica em torno de 650 milhões. Em síntese,
conforme já dito, no período, os valores não aplicados, de acordo com a interpretação
adotada nessa pesquisa, o GDF deixou de aplicar 2,4 bilhões de reais na educação
pública.
Caso se faça uma projeção com base nos valores aplicados em 2006, nos cinco
subseqüentes anos, ou seja, de 2008 a 2012, o “prejuízo” será de 3,25 bilhões de reais
não aplicados na educação pública e em descumprimento ao artigo 212 da Constituição
Federal.
Fica claro e transparente que os percentuais aplicados em educação, literalmente,
“despencam” sem os aportes de recursos do FCDF e colocam o Governo do Distrito
Federal (GDF) no rol de entes federados que descumprem o que estabelece a
Constituição Federal de 1988 para a educação básica [pública]. Os percentuais
aplicados com e sem os aportes do Fundo são mostrados no gráfico a seguir:
Gráfico 7 - Aplicação com e sem FCDF (2002-2006)
35,00%
32,43%
30,00%
25,00%
20,00%
15,21%
15,00%
10,00%
5,00%
0,00%
Com FCDF
Por que ir além da proposta de extinção do Fundo?
Sem FCDF
12
Diferente das vozes que defendem a extinção do Fundo Constitucional, talvez
seja interessante mudar o foco para um problema mais grave: a falta de conhecimento e
controle público ou social sobre o Fundo. Não se trata de negar que o FCDF ajuda no
custeio da máquina administrativa do DF, e sim de, conforme já afirmado, apenas de
mudar o foco do debate.
Antes de quaisquer elucubrações, vale registrar que o Fundo é desconhecido até
mesmo no DF, e por isso não sofre fiscalização e a devida pressão que merece por parte
da sociedade civil e de instituições outras do poder público. Isso tem comprometido
uma melhor avaliação dos resultados do Fundo. É fundamental que as ações deste
Fundo sejam acompanhadas pela sociedade como um todo. O “todo” aqui caráter
amplo, de forma que não se restringe apenas aos trabalhadores das principais áreas
afetadas. O FCDF poderia ter sido espaço de mais uma experiência de participação
democrática. Poderia, mas não foi. Poucas pessoas no âmbito da sociedade civil
“desorganizada”, ou seja, na parte da sociedade que não está ligada a nenhuma entidade,
associativa ou de classe, o Fundo é um ilustre desconhecido. Esse deveria ser o maior
problema deste Fundo, e não a simplista e até oportunista proposta de extingui-lo, como
o mundo real pudesse ser decidido de forma justa sem conflitos e pessoas reais que
sofrem os efeitos de quaisquer decisões.
Nesse sentido, a compreensão do “conteúdo” do Fundo Constitucional precisa
ser, urgementemente, compreendido e influenciado por outras vozes. Não porque essas
vozes sejam neutras e garantidoras de forma linear e a curto prazo do melhor uso
“social” do Fundo e/ou mesmo da sua existência do mesmo, e sim devido a,
simplesmente, serem vozes até então não escutadas e de sujeitos invisíveis e
inexistentes no que se refere a esse significativo montante de verbas públicas que, hoje,
são canalizadas para algumas áreas sociais da capital da república.
Um aspecto que não pode esquecer na análise é que, em 2002, o Presidente da
República vetou o artigo 5º da lei 10.633 que tratava do Conselho de Acompanhamento
e Controle Social (CACS) do Fundo. E é importante frisar que todos os incisos do artigo
foram vetados, não apenas o “V” que garantia a presença da sociedade civil. Ou seja, os
“três representantes das entidades de classe, associações, conselhos profissionais e
outras instituições de cada uma das áreas da segurança, saúde e educação” (art. 5º,
inciso V da Lei 10.633/02) foram vetados juntamente com as outras representações
(poder executivo local, Ministério da Fazenda e Ministério Público do Distrito Federal).
Os desdobramentos desse veto e os ajustamentos posteriores com vistas à participação
13
do GDF e dos ministérios citados mereceria também uma averiguação mais atenta, pois,
não é razoável crer que esses “órgãos” públicos deixariam de acompanhar de forma
bastante direta os movimentos desse Fundo. O contrário parece ter acontecido com a
sociedade civil, tanto a organizada (sindicatos, associações de classe e outras) como a
“desorganizada” (a população em geral). Mas para efeito desse artigo, vale apenas
registrar que o desenho primário da lei contribuiu para um acompanhamento muito
modesto diante da importância financeira e do significado de “privilégio” do Fundo
Constitucional, o que, no mínimo, significa retrocesso no difícil caminho da
democratização do Estado brasileiro e do Distrito Federal de forma especial.
Dessa forma e diante dos significativos montantes de verbas do Fundo
Constitucional, a discussão sobre o mesmo deveria ser focada não na sua extinção, e
sim no seu controle e acompanhamento social, quem sabe com a participação de
entidades e sujeitos de outros entes federados.
Vale a pena também desenvolver breve abordagem acerca da suposta extinção
do Fundo com base no já velho conhecido e pouco resolvido debate sobre igualdade.
Ainda que não seja espaço e tempo de aprofundar essa discussão, vale sustentar que
igualdade linear e irrestrita é, no mínimo, impossível. É bem verdade, que sustentar ou
não se alguma relação ou realidade é “justa” ou igualitária dependerá da norma aceita
para tal, conforme sustenta Bobbio (1994). O fato é que, sem a observância de tal
norma “aceita”, é impossível considerar quaisquer realidades justas. Fora dessa
consideração de normas que estabelecem o que seria ou não “justo”, a rigor, o que
existiria seria o caos generalizado, primeiro na consciência e depois na realidade. Sim,
pois, a igualdade de tratamento, levada às últimas conseqüências, ter-se-á que mudar
outras formas específicas de transferência de recursos, seja da União ou entre os entes
federados, e não apenas recursos canalizados para as áreas sociais, como é o caso do
FCDF.
Pode parecer, nesse momento, uma ponderação mesquinha – e talvez seja
mesmo- diante dos complexos desafios que se apresentam para a educação e as demais
áreas sociais, mas seria necessário também “correto” (razoável) questionar o direito que
alguns entes federados têm de receber os royalties do petróleo devido à instalação de
plataformas da Petrobrás no seu espaço territorial ou mesmo o fato do ICMS ser
recolhido na origem e não no destino. Imaginar algo diferente disso é, a depender do
“olhar”, injusto, ou não! O que os moradores do município de Campos, no Estado do
Rio de Janeiro, e de São Paulo diriam a respeito de mudanças a esse respeito? E os
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tantos outros “privilégios”, alguns em forma de Fundos, que estão institucionalizados
(exemplos: o Fundos Regionais; o Fundo que “atende” ou atendia ex-servidores dos
extintos territórios)? Não cabe agora citar todas as formas de possíveis “privilégios” que
um ou outro ente federado ou região tem ou teve direito em função de uma legislação,
ou seja, em função da norma “aceita”; e não cabe porque o termo “privilégio” exige
análises que levem em conta outros fatores, e não apenas os montantes de verbas que
são ou não canalizados num determinado espaço/tempo. Dessa forma e com base nessa
postura, a discussão Fundo Constitucional do Distrito Federal não deveria ser feita de
forma isolada de outros marcos legais e contextuais no e do cenário político, social e
histórico do Brasil.
É, portanto, extremamente simplista argumentar pela extinção do Fundo, embora
isso tenha sido feito com base em argumentos, no mínimo, razoáveis. O principal
argumento é o fato do Distrito Federal ter se tornado um ente federativo após a
Constituição de 1988. Com esse status, claro, passou a recolher e ter autonomia sobre
vários impostos. Outro argumento, este mais relacionado à realidade factual e social do
país, é que, num país de redes públicas tão carentes, a existência de um Fundo para o
DF seria uma afronta à miséria educacional que se vive em vários rincões deste pais. No
entanto, esses argumentos, tendo em vista a falta de estudos sobre o FCDF, no que se
refere ao processo histórico de “beneficiamento” das capitais – em especial Rio de
Janeiro e Brasília – e a real origem e usos desses recursos, acabam por tornar o debate
artificial e equivocado. Mais produtivo seria discuti-lo de forma articulada com o
próprio modelo de financiamento da educação pública no país, incluído aí o debate
sobre os sucessivos modelos econômicos adotados e também a questão do ensino
superior federal, hoje custeado pelo governo federal.
Considerações Finais:
Uma primeira consideração a fazer sobre a educação pública no DF é a seguinte:
se o GDF aplicasse, efetivamente, os 25% dos impostos arrecadados no DF mais as
transferências da União por repartição de receitas de impostos em educação, os aportes
“substituiriam” grande parte do montante aplicado hoje com a “ajuda” do Fundo
Constitucional. Isso sugere que a reivindicação de quem sabe e tem poder para se
manifestar deveria ser que o GDF cumprisse o preceito constitucional no que se refere à
aplicação de verbas de receita de impostos na educação. Mas ao que tudo indica, ou
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melhor, ao que as instituições do DF indicam, essa reivindicação não será tranqüila,
tendo em vista que a metodologia adotada pela Secretaria de Fazenda, a qual inclui os
aportes do Fundo Constitucional com receita e como despesa, parece ser ponto passivo
ou, pelo menos, ainda pouco entendido e questionado no Distrito Federal. O próprio
Tribunal de Contas do DF (TCDF), até 2005 (as contas de 2006 não foram aprovadas),
aceitou a metodologia adotada, o que pode ter influenciado também a falta de
questionamento por parte da Câmara Legislativa. Inclusive a não aceitação das contas
de 2006 pelo TCDF tem a ver com a disputa com o Tribunal de Contas da União para
saber quem fiscaliza os recursos do Fundo, e não necessariamente com a metodologia
de cálculo adotada pela Secretaria de Fazenda.
Outra consideração, na realidade, um questionamento é: para onde foi o
montante de receita de impostos não aplicado em educação básica pública? Muito se
falou que a verbas da educação teriam sido canalizadas para publicidade do governo,
mas provas consistentes ainda não foram apresentadas; aliás, se foram, falta divulgá-las
de forma ampla e irrestrita para a população do DF e do Brasil.
E, por fim, a presente pesquisa conduz também à seguinte dúvida: o GDF teria
aplicado 25% da sua receita de impostos na educação, no período de 1989 até 2001? A
hipótese é que não, tendo em vista que, antes da existência do Fundo Constitucional a
capital já recebia transferências da União. Teriam sido usadas para (des)cumprir o artigo
212 da Constituição Federal?
Referências
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(fcdf) e sua repercussão na educação pública básica