Artigos
Afectos, Sexualidade e
Desenvolvimento Humano
A Infância no epicentro do
Desenvolvimento Humano
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A infância constituí um laboratório extraordinário.
Nela tudo se aprende: à escala do Desenvolvimento
Humano a apreciação das interacções das crianças
ajuda-nos a compreender os bons e os maus
desempenhos dos adultos (Chen, 1981; Quinodoz, 1999).
A infância é a fase do Desenvolvimento Humano em
que as relações sociais têm uma importância vital. É
um dado adquirido e universal que qualquer criança
estabelece vínculos com as pessoas que a rodeiam e,
como tal, incorpora um complexo tecido relacional
(Atwood e Tomkins, 1976).
Quem sai ao encontro de cada criança, criando com
ela um emaranhado de interacções, de comportamentos
e de vínculos, não é o mundo em abstracto mas sim
pessoas concretas, feitas de carne e osso, com uma
história de vida (boa ou má?) mas sempre significativa,
com quem ela se cruza no dia a dia e que aprende a
interiorizar com um possível modelo de identificação
(Simmons et al., 1979; Lourenço, 2000).
O centro de gravidade do Desenvolvimento Humano
está nas relações sociais. Através destas vivências a
criança vai construindo significados para os
acontecimentos do dia a dia.Toda a aprendizagem está
impregnada deste conteúdo relacional (Rogers, 1971;
Schaffer, 1999).
Os seres humanos desenvolvem-se à medida que se
relacionam, convivem e interagem com as pessoas que
os rodeiam. É deste modo que se organizam os
processos de socialização. As interacções sociais
decorrem sempre das relações humanas, dos vínculos
formais ou não, que nos aproximam (Easterbrooks et
al., 2000; Agnew, 2001; Graham e Sell, 2001).
Na espécie humana as crias para salvaguardar a sua
sobrevivência não necessitam, durante longo tempo,
de procurar na natureza os meios materiais,
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nomeadamente de tipo alimentar. É a família e o grupo
social quem satisfaz essa necessidade (Rogers, 1971;
Byer et al., 1988).
Outro traço distintivo da espécie humana prende-se
com o carácter necessariamente afectivo das relações
entre cada criança e todos os outros seres humanos
que fazem parte do seu nicho ecológico. Os afectos
condicionam as relações humanas Os cuidados familiares
e as transações que a criança vai tendo com os
elementos que não integram o seu sistema familiar
manifestam-se sempre mediante emoções e
sentimentos, sejam eles positivos ou negativos (Graham
e Sell, 2001; Schuster et al., 2001).
As crianças constróem o seu mundo relacional
recorrendo aos afectos. O carácter central dos afectos
nas relações precoces explica porque é que na infância
e, até na adolescência, os maus tractos e a negligência
adquirem consequências tão nefastas na organização,
a longo prazo, de toda vida afectiva (Kernberg, 1991;
Quinodoz, 1999; Sidebotham e Golding, 2001; Ge et
al., 2002).
No adulto os quadros depressivos de evolução arrastada
e refractários às terapêuticas convencionais acabam
por explicar-se e ganhar sentido, através das sequelas,
das cinzas de um sofrimento relacional acumulado. E
tantas vezes esse sofrimento esconde e mascara os
tormentos de uma infância ou de uma adolescência
mal vividas (Rosenbaum, 1981; Pam e Pearson, 1994;
Holmes, 1999; Conger et al., 2000; Newcomb e Locke,
2001).
O adulto deve aprender a relacionar-se com os mais
novos de um modo diferente. Em muitos casos, estamos
perante uma atitude, um modo de estar, que aquele
adulto raramente ou nunca teve oportunidade de
presenciar durante a sua própria infância. Torna-se
complicado para alguém tratar os outros com dignidade
e respeito se essa competência não faz parte de um
repertório individual sistematizado (Rogers, 1971;
Mário Lourenço
Psiquiatra e
Psicoterapeuta
Professor da Universidade
do Porto
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Spencer, 1983; Holmes, 1999).
A vinculação precoce é o ponto de partida natural para a criança
encontrar na pessoa adulta um quadro de referências essencial,
permitindo adquirir, além do suporte e do suprimento das
necessidades fisiológicas, a segurança, a tranquilidade e o amor
que preenchem as diferentes representações que vai construindo
do mundo envolvente (Haight et al., 2001).
Em permanência, o desenvolvimento humano molda-se, desde a
primeira infância, a partir de um conjunto muito variado de
circunstâncias, sejam elas afectivas e relacionais. Passo a enunciar
algumas:
I. É o caso da presença humana.
A possibilidade de poder contar com alguém sempre que achamos
necessário. O jeito para estar disponível na altura certa, revela-se
como importante, nomeadamente, para as crianças. Assegura o
sentimento de pertença e previne o aparecimento do medo: a
primeira emoção a integrar o nosso código genético. O afastamento
em momentos difíceis priva a criança do apoio valioso do adulto,
enquanto modelo configurador de uma Identidade, que se constrói
paulatinamente, experiência após experiência, sensação após
sensação (Rogers, 1971; Atwood e Tomkins, 1976; Lourenço, 2000).
2. Outro aspecto a ter em consideração prende-se com
o distanciamento emocional.
A criação de barreiras emocionais entre as pessoas, tanto pode
ser um factor altamente desestabilizador, despedaçando o bem
estar, o equilíbrio psicológico e provocando o aparecimento de
perturbações comportamentais, de manifestações na área da
psicomotricidade ou de dificuldades de aprendizagem, como, pelo
contrário, pode fortalecer a auto-estima, incutir sentimentos de
segurança e favorecer a autonomia, ou seja, viver sem ter receio
de tomar decisões daquilo que lhe diz respeito (escola, trabalho,
amigos e bens materiais) (Green, 2001; Johnson, 2001).
3. Um terceiro factor, que podemos considerar como
sendo de instabilidade.
Uma atitude que baralha, que gera perplexidade em qualquer
pessoa prende-se com a ambivalência nos comportamentos
relacionais.
A consistência nos papeis e no modo de tratar a criança, estando
ambos os pais perfeitamente sintonizados com as necessidades da
criança. Ao comunicarmos produzimos conteúdos, atribuímos
determinados significados ao que é dito.A existência de discrepâncias
nos registos comunicacionais gera confusão, acarreta mal estar,
desacredita os responsáveis e, necessariamente, impede a adopção
dos comportamentos mais adaptados à tarefa (Rogers, 1971;
Kendrick et al., 1993; Lourenço, 2001).
O carácter organizador dos processos empáticos
O medo da intimidade, que prejudica a organização de
comportamentos relacionais saudáveis, entronca, em última análise,
nas vivências patológicas apreendidas nas múltiplas fases do processo
de desenvolvimento pessoal. O que confere uma rara importância
à introdução da empatia nas práticas relacionais familiares (Chen,
1981; Carvalho, 1999).
A atitude empática ajuda a descomplicar as relações humanas,
quando estas estão bloqueadas por afectos contraditórios e sempre
que os espaços da intimidade (por exemplo: o amor ou a sexualidade)
estão em jogo. A empatia é o veículo perfeito para a comunicação
daquilo que se sente (Kim, 1991; Carvalho, 1999; Harrington et al.,
1997).
Quando se concebe a ideia de empatia, não se observa, normalmente,
a dimensão da dinâmica de interacção e de re-criação de diferenças
entre os parceiros, inerente ao processo da relação empática
(Simmons et al., 1995).
Num registo psicoterapêutico o vocábulo empatia desperta certas
ressonâncias (Rogers, 1971; Clark, 1981).
Temos sempre em mente o esforço, a disposição, o gesto do
terapeuta, no sentido de uma compreensão do seu cliente. Ou
seja, o modo como este se percebe ou se sente num dado momento,
como afere o mundo que lhe diz respeito e as suas relações, de
forma o mais apurada possível. Naturalmente, que a definição deste
esforço, desta disposição e gesto do terapeuta, são componentes
fundamentais de um certo modo do que se pode entender como
empatia.
Entretanto, diga-se que esta concepção afigura-se como limitada
e passível de gerar mal entendidos.
O mais grave desses mal-entendidos assinala que a limitação deste
modo de formulação reflecte uma certa concepção objectivista
do ‘outro’, e (pasme-se!) uma certa concepção objectivista de sua
subjetividade...
O que é certamente um absurdo!
Concebe-se, por vezes, a empatia como um esforço meramente
cognitivo, inorgânico e artificialmente ligado aos afectos de quem
gera ou desencadeia o processo de compreensão empática. Este
modo de concepção abstrai-se do que é fundamental no processo
da relação empática, porque encara a outra pessoa como mero
objecto de relação e de conhecimento. O que fica na retina resumese a um objecto de conhecimento abstracto, teorizado ou asséptico
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(Hallett, 1997; Purdy, 1997).
Por contraponto a este modelo de análise, parece-me que o centro
de gravidade da compreensão empática está deslocado para um
outro nível.
O que se afigura como fundamental é a realidade humana da outra
pessoa, aceitando que o alvo da nossa interacção não constitui
uma realidade inerte, mas vivida.
Importa que o Outro (adulto ou criança, cliente ou amigo, amante
ou simples conhecido) não seja entendido como um objecto
autónomo, dissociado de mim.
A outra pessoa só existe como tal em função desta relação em
que eu sou um dos pólos.
Em consequência, eu, enquanto emissor, também estou implicado
nesse processo. Dou um suporte vivencial e pré-reflexivo para o
mesmo. Os dois intervenientes da relação guiam a dinâmica da
interacção humana que então decorre. Ambos afirmam-se e
confirmam-se. Nenhum fica isento do outro (Ikemi et al., 1992;
Gerwood, 1993; Hosking, 1993).
Na relação empática, os intervenientes não escondem os afectos,
estes ajudam a impregnar a qualidade relacional.
Através da empatia, as relações humanas tornam-se ontológicas,
são existencialmente produtivas, envolvem a totalidade do ser
(Atwood e Tomkins, 1976; Chen, 1981).
A compreensão empática materializa uma estrutura relacional
única. Cria e recria o Eu de cada Pessoa. "O outro é uma modificação
do meu eu". (E. Husserl). Reside aí muito do que se pode atribuir
de valor terapêutico à relação empática (Lourenço, 2001).
Um erro comum que se associa vulgarmente à ideia de empatia
é o de julgarmos que esta consiste, tão só, numa suposta apreensão
do estado do outro. Quase como se o outro fosse um continente
frio e inóspito, de cujo conteúdo eu procuro cognitivamente
apropriar-me, de um modo quase que telepático (Atwood e
Tomkins, 1976; Chen, 1981; Kim, 1991).
A initimidade amorosa
A empatia deve ser uma constante nas rotinas diárias e nas relações
com todas as pessoas que nos cercam. Em particular nas relações
amorosas!
O amor parental corresponde ao modelo de amor inscrito mais
profundamente em cada um nós. Na sua essência funda-se numa
dupla dinâmica contraditória: um investimento inicial de forte
protecção, única e exclusiva, partindo do pressuposto não
demonstrado nos outros primatas, que as crias humanas são
incapazes de suprir as suas necessidades básicas (Schaffer, 1999;
Lourenço, 2000).
É suposto que esta relação possa, mais tarde, evoluir para um
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patamar de distanciamento progressivo. A qualidade do amor
parental mede-se, afere-se (assumindo que esta pretensão é viável!),
no depositário, isto é, aquele que é investido desse sentimento,
mediante a sua capacidade para não experimentar qualquer réstia
de culpa, de ressentimento ou de ódio, estando disponível para,
noutras etapas da sua vida, alargar o leque das relações significativas
(Shulman et al., 2001).
A Auto-Estima aprende a consolidar-se se abandonamos as fases
mais precoces do Desenvolvimento Humano desprovidos de
afectos negativos (Atwood e Tomkins, 1976; Simmons et al., 1979;
Sidebotham e Golding, 2001).
Mesmo se na realidade de numerosas famílias, os modelos
prevalecentes são transgressores ou desviantes, dominados pela
violência, pelo desleixo e pelos maus tractos, ou tutelados por
múltiplos condicionamentos e dependências relacionais, esses
modelos não deixam de ser a referência de base sobre a qual se
constrói a nossa visão acerca do amor humano (Newcomb e
Locke, 2001; Ge et al., 2002).
A aceitação incondicional e positiva permite compreender o outro
em todas as suas particularidades e em tudo o que ele tem de
estranho para mim. Sobretudo, ao nível das suas convicções mais
íntimas. Sobretudo, em relação à origem dos seus afectos.
No terreno dos afectos nada é anormal. Desde que a Pessoa,
como realidade biopsicossocial, não seja posta em causa, fragmentada
ou destruída (Lourenço, 2001).
Se nós, os profissionais que trabalham no terreno da Psiquiatria
e da Saúde Mental, aceitássemos tirar partido da Pessoa, como
paradigma unificador dos vários discursos científicos e enquanto
aproximação ao estudo do que é imensamente complexo, de
certeza que não teríamos necessidade recorrer a diagnósticos
rebuscados do tipo: “Stress Pós-Traumático” ou a conceitos
inclassificáveis, como é o caso da noção psicanalítica de inconsciente
(Marques-Teixeira e Lourenço, 1998; Lourenço, 2001).
Os afectos, porque perdendo-se numa constelação de possibilidades,
todas elas aparentemente contraditórias e incompatíveis, ajudamnos a perceber que na vida psíquica: somos todos iguais e todos
diferentes.
Se o amor parental e familiar constitui o ponto de partida do
Desenvolvimento Humano, o amor erotizado, por seu turno, é
uma das dimensões que dá consistência à fase adulta dessa dinâmica.
O amor erotizado vai-se edificar sobre premissas substancialmente
distintas das que encontramos no relacionamento familiar (Berger,
2000; Conger et al., 2000).
Nasce quando alegadamente o indivíduo adquiriu a maior parte
das suas competências psicológicas. A maturidade da Adultícia é
associada por muitos autores ao amor erotizado (Kernberg , 1994;
Pam e Pearson, 1994; Cano e O'Leary, 1997; Heino e Ojanlatva,
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2000).
O amor erotizado escolhe um alvo, um objecto de desejo. O que
implica um investimento pessoal muito grande.
À semelhança do que acontece com outras espécies animais, nos
seres humanos o envolvimento amoroso é precedido por um
ritual, mais ou menos complexo, de aproximação, de descoberta
e de sedução. Este ritual poderá conduzir a um mútua aceitação,
predispondo-se os parceiros a um projecto de vida em comum
(Kernberg, 1993; Pam e Pearson, 1994; Waring e Schaefer, 1994;
Eriksson, 1996).
Muitas das vezes, na tentação de guardar e, mesmo até, de esconder,
o objecto do nosso amor, acabamos por construir uma relação
de proximidade mórbida, de intimidade forçada ou, pelo menos,
não devidamente negociada. É o que se verifica, sobretudo, naqueles
casos em que os parceiros transportam para a relação actual
muitos dos problemas das respectivas famílias biológicas (Kernberg,
1991, 1993; Cano e O'Leary, 1997).
Esta é uma das principais fontes de mal entendidos nas relações
amorosas que se podem traduzir em conflitos, tensões, obrigando
a reajustamentos, tantas vezes, dolorosos.
Na vida a dois, para que os afectos sejam bem sucedidos, o outro
não pode ser interiorizado à minha imagem e semelhança.
Compreender o outro com todas as particularidades de está
possuído favorece a aceitação da diferença. Impõe o afastamento
da hostilidade (Berg e McQuinn, 1986; Wilson e Medora, 1990;
Beck, 1991; Kamm e Vandenberg, 2001).
O juízo de valores deixa de estar na ordem do dia. Não interessa
subjugar quem me oferece resistência. Quem contraria minha
vontade. Quem defende pontos de vista diferentes dos meus
(Kernberg, 1991).
Esta atitude só é possível, na medida em que, aceitando a diferença,
abrindo-me à diferença do outro, sou afectado por ele.
As diferenças quando assumidas como parte integrante da relação
a dois enriquecem o ambiente afectivo do casal e não correm o
risco de transformarem o espaço da intimidade num imenso campo
de batalha (Grunebaum, 1976; Simon, 1982; Kernberg, 1991).
O amor que sinto pela outra pessoa não me dá qualquer direito
sobre ela.
Ao assimilar este princípio acabamos por afastar o medo da
rejeição. Deixamos de estar melindrados. Introduzimos o bom
senso na gestão das necessidades afectivas. Passo a ser mais
autónomo na relação que vou construindo com a outra pessoa.
Não fico constrangido nem na dependência dos gestos ou dos
comportamentos da outra pessoa (Money, 1976; Kernberg, 1980;
Berg e McQuinn, 1986).
A compreensão empática do(a) parceiro ou parceira amorosa, ao
contrário do que se pode eventualmente pensar, vive da apreensão
da diferença, da articulação e interacção de diferenças, da relação
de diferentes mundividências, que se afirmam e se recriam. O que
vai permitir a descoberta da relação amorosa como uma sucessão
de reencontros com o outro e não como uma conquista definitiva
e instalada. A experiência da intimidade acabará por ganhar
intensidade e profundidade (Berg e McQuinn , 1986; Waring et al.,
1994).
Através da empatia não me sinto intimidado por aquilo que a
outra pessoa faz. O que a outra pessoa faz, vive e experimenta
não me pertence. É património da relação que ambos estamos a
construir. Alimenta-a. Dá-lhe consistência. E o que eu faço, sem a
presença do outro, é habitado pela sua presença. O controle, a
manipulação e as atitudes intrusivas deixam de ter lugar numa tal
relação (Cassidy, 2001;Thaler-DeMers, 2001).
Assim entendida a relação a dois estrutura-se em torno de uma
dupla intimidade:
I. Uma intimidade comum, partilhada (ideias, atitudes, sensações
e sentimentos experimentados em comum);
II. Uma intimidade pessoal, reservada, onde faço a afirmação
das minhas próprias necessidades . É um espaço de solidão mas
não de vazio. O meu ser preenche-o por inteiro.
A compatibilização harmoniosa das duas modalidades de intimidade
enriquece a vivência da conjugalidade, ao fortalecer o Eu de cada
um dos parceiros e ao possibilitar o aparecimento de um Eu
conjugal, o Nós daquele casal, núcleo fundador de um projecto de
vida em comum (Foley et al., 2001; Foy et al., 2001; Lawson e
Brossart, 2001).
Da Vida à Sexualidade
Certificar que o ser humano é Pessoa subentende precisamente
a afirmação de que esta realidade a que chamamos Pessoa é
portadora de Vida. Cada Pessoa existe quando existe Vida, na sua
acepção polissémica (Harrington et al.,, 1997; Purdy, 1997; Lourenço,
2002).
A Vida é caracterizada pelo equilíbrio dinâmico, pela combinação
eficaz ,entre:
I. as forças físicas (biológicas, moleculares, etc.);
II. as forças psicológicas (as emoções, os pensamentos, os
comportamentos, etc.);
III. as forças sociais (a organização da sociedade, o bem estar
dos povos, etc.);
IV. as forças culturais (o nível educacional, os costumes e as
tradições, etc.);
V. as forças morais e religiosas (as crenças, os valores éticos,
os comportamentos de devoção, o sentimento de solidariedade,
etc) Lourenço, 2000).
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Cada Pessoa, ao não ser um objecto, torna-se única e permanente:
possui uma Identidade. Ou seja, a Pessoa é a mesma em todas as
circunstâncias e em todos os lugares.
Situando-se no terreno das experiências concretas cada Pessoa
constrói um número sem fim de relações significantes com as
outras Pessoas e com o mundo que a rodeia. A Sexualidade ajuda
a corporizar essas relações.
A Sexualidade é uma realidade essencial na vida humana, envolvendo
processos fisiológicos e psicológicos. No seu significado mais
profundo a Sexualidade não se restringe a uma parte específica
do corpo, os genitais, nem se consubstancia apenas nos
comportamentos chamados de sexuais (Byer et al.,, 1988; Eriksson,
1996).
A Sexualidade expressa-se no estilo de vida que adoptamos, nos
papeis de Género (femininos e masculinos, isto é, no jeito adoptado
para ser mulher ou para ser homem), no modo como se
demonstram os afectos e na apreciação erotizada dos estímulos
sensoriais. A Sexualidade é também uma parte integrante da nossa
identidade básica, corresponde a uma categoria do ser: eu tenho
uma identidade sexual que me torna parte integrante do que sou
e que é inseparável da minha humanidade (Deputte, 1997; ThalerDeMers, 2001).
Através desta conceptualização compreendemos a enorme
complexidade da Sexualidade Humana, tornando difícil senão
impossível a distinção clara entre o que é sexual e aquilo que por
convenção não pertence a este domínio. Logo, existe continuidade
entre os aspectos sexuais e os não sexuais (Diamond, 1976; Chirpaz,
1969).
A Sexualidade está mediatizada por tudo o que somos como
pessoas, e por sua vez influi nos nossos esquemas mentais, nas
particularidades dos nossos pensamentos, afectos e comportamentos
(Evola, 1993).
Um paradoxo!
Retendo a dimensão relacional da Sexualidade, é verosímil afirmar
que os seres humanos, do ponto de vista evolutivo, são anormais,
não se coadunam com as práticas de todos os outros seres vivos,
e, em particular, dos restantes mamíferos (Deputte, 1997).
Assim, os humanos em quase todos os ambientes culturais
constituem casais cuja relação se mantém durante longos anos:
casa-se para sempre.
O contrato matrimonial humano configura um vasto conjunto de
direitos e de deveres reconhecidos socialmente:
I. O casal assegura relações sexuais repetidas e exclusivas;
II. O relacionamento sexual extramatrimonial é um motivo
formal de dissolução ou de desgaste dos vínculos amorosos.
III. O casamento além de tratar-se de uma interacção sexual
subentende a responsabilidade partilhada da educação dos filhos
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que venham a nascer.
IV. Apesar de formarem um casal, mulher e homem, não vivem
isolados dos outros casais humanos, num território exclusivo
que defendem da presença de intrusos, como sucede com
alguns primatas (Diamond, 1999).
A integração num espaço físico comum, permite aos casais humanos
a cooperação económica e uma gestão organizada dos recursos
naturais.
Entretanto, a vida sexual do casal é assumida em privado e, de
preferência, corresponde a um momento privilegiado de intimidade
(Evola, 1993; Deputte, 1997; Sigusch, 1998; Diamon, 1999).
Ao contrário de outras espécies, nos humanos a Sexualidade não
fica confinada ao período fértil da mulher. Além do mais, a fêmea
humana faz questão de ocultar a sua fase de ovulação.
Na mulher a Menopausa é um momento de transição muito
importante e bem definido, não só do ponto de vista biológico,
mas também em relação à estabilidade psíquica e à convivência
socio-familiar.
Todos estes traços da Sexualidade Humana são dissonantes e
afiguram-se como bizarros para os padrões dominantes das outras
4.300 espécies de mamíferos (Diamond, 1999; Quinodoz, 1999).
Nos seres humanos a Sexualidade, a par das dimensões do cérebro
e da postura vertical do corpo, contribuiu para que a nossa espécie
adquirisse características únicas entre os organismos vivos que
habitam o planeta Terra.
Uma pergunta pertinente. Será que as nossas competências sexuais
decorrem das outras aquisições morfológicas e funcionais que nos
distinguem nomeadamente dos restantes primatas?
Aceitando como verdadeira esta teoria, a Sexualidade Humana
poderia ser entendida como o produto final de toda uma evolução
histórica, deveras complexa, à semelhança do que aconteceu com
aptidões como o domínio do fogo, o desenvolvimento da linguagem
escrita e oral e a criação artística. Assim, as características atrás
enunciadas como paradigmáticas da Sexualidade Humana, foram
ganhando visibilidade por força do próprio processo de hominização
(Diamond, 1999; Quinodoz, 1999).
Entretanto, e por oposição à hipótese Paleontológica, parece-nos
mais verosímil defender que o padrão de funcionamento sexual
dos seres humanos, em si mesmo, foi determinante para a evolução
da espécie.
O sexo recreativo e todas as nossas outras extravagâncias eróticas,
do ponto de vista evolutivo, foram e são tão importantes quanto
a elevação do crânio em relação ao rosto, a maximização do
volume cerebral, a hipertrofia dos membros inferiores, os polegares
em oposição aos outros dedos, a capacidade para dominar o fogo
e fabricar instrumentos, a sepultura dos mortos e os cultos
religiosos.
Artigos
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Afectos, Sexualidade e Desenvolvimento Humano