SEXUALIDADE UMA ABORDAGEM EDUCATIVA Autoria: Ana Isabel Gomes A sociedade actual vive em mudança constante, caminhando para um futuro mais positivo. No passado, não muito longínquo, a sexualidade era, na maior parte das vezes, conotada negativamente, constituindo-se como algo a evitar, esconder, algo pecaminoso – situação visível, por exemplo, na desvirtuação das comuns anedotas de cariz sexual, totalmente estereotipadas. Segundo a OMS, a sexualidade é “uma energia” inerente ao ser humano desde o seu nascimento até à sua morte, que “encontra a sua expressão física, psicológica e social no desejo de contacto, ternura e às vezes amor”, e “influencia pensamentos, sentimentos, acções e interacções” (www.who.org.com). Assim, a sexualidade tanto se pode assumir como um vector de enriquecimento pessoal e interpessoal ou pelo contrário, como um vector de sofrimento e “ peso” pessoal, social e profissional, por exemplo. Tudo depende do modo como ela é desenvolvida, estimulada e abordada. Ambientes de partilha de intimidade saudáveis e de promoção de expressão afectiva, são, entre outros, factores a ter em conta, numa abordagem educativa da sexualidade. Muitos dos problemas relacionados com a sexualidade, com o modo como esta é sentida e vivida prendem-se com a ignorância. A falta de informação clara e objectiva, real e concreta, adequada e directa, gera na maioria das vezes ansiedade, medo e sentimentos de culpa perante aspectos da temática, baixa de auto-estima, comportamentos de risco e uma desarmonia relacional, entre outros aspectos. Séculos de mitos penalizantes são sentidos como um fardo “duro de carregar” no momento em que se toma consciência da nossa responsabilidade em explicitar e debater questões da sexualidade. Frequentemente, ganham os mecanismos de defesa – o silêncio, a fuga, o “gaguejo” e a inadequação dos termos utilizados. Ao ignorarmos a sua existência desde a nascença até à morte e a sua amplitude, estamos a actuar pela negativa. Ao integrá-la, o mais precocemente possível, na educação da afectividade estamos a actuar pela positiva. O contexto escolar e o familiar apresentam-se como locais privilegiados na construção da sexualidade da criança. Ambos são promotores da construção da sua personalidade e ambientes privilegiados de socialização. Assumindo a escola um papel complementar ao da família. Posto isto, a abertura e a disponibilidade de todos nós, desde pais, a educadores, cidadãos e profissionais de saúde, apresentam-se de extrema importância na construção da nossa própria sexualidade e daqueles que em nós se modelam ao crescer e amadurecer. Porque tal como já foi referido, se os laços que observam forem promotores de afectos, relações de prazer e alegria, interajuda, compreensão e diálogo, o seu desenvolvimento afectivo, sexual e social será positivo. Se as relações não forem de bom senso, tranquilidade e ternura, mas sim de conflito, violência e agressividade, o seu desenvolvimento poderá ser incoerente, inibido e angustiante. Ainda que a sua importância e a necessidade de actuarmos ao nível do desenvolvimento da sexualidade, seja reconhecida pela UNESCO, UNICEF e OMS, e a expressão “educação sexual” seja utilizada no quotidiano em variadas comunidades, desde a cientifica à da comunicação social, o seu conceito não é claro e contundente com as associações a ela feita. Por norma, a Educação Sexual aparece ligada à transmissão e ao adquirir de informação relativa à reprodução (ex: anatomo-fisiologia do corpo humano, métodos contraceptivos, etc.). Apesar de ser do domínio da temática, esta informação científica, por si só, é limitativa e apenas uma das várias actividades possíveis de serem utilizadas. Como já foi visto, a sexualidade tem um sentido mais lato, “engloba as dimensões biológica, psico-afectiva, sociocultural, relacional e ética, ligadas e dependentes entre si”. Logo, a Educação nesta temática, deve ser mais do que Sexual, e tornar-se Sexualizada, isto é, abordar a complexidade e riqueza do ser humano enquanto um todo. A educação “sexualizada” pressupõe que a par dos conhecimentos científicos exista uma sensibilização para valores humanos como, por exemplo, o respeito, o carinho e a tolerância e a aceitação da diferença e, de nós mesmos. Acontece porém que encontramos, ainda que interligados e indissociáveis, uma educação sexual formal e outra informal. A educação sexual informal tem A educação sexual formal prende-se origem na observação e conclusão da com “todo o acto de educação intencional, criança face ao dia-a-dia que vivência. Daí consciente e sistemático”, “um processo pelo que, mesmo e principalmente neste caso, qual os pais e os educadores se esforçam para quando os pais, por exemplo, se calam e informar e formar os educandos no campo da fogem de responder às questões levantadas sexualidade, para que estes possam aceder ao pela (des)educar total desenvolvimento do seu ser, como sexualmente, só que informalmente. Esta homens e como mulheres, de modo a que falta de intenção planificada, leva a que a sejam criança adquira os seus próprios saberes plenamente humanos na sua vida afectiva, construídos de “teorias” próprias segundo as pessoal e social, e, por sua vez, livres e quais explicam e organizam as suas responsáveis. “. criança, estejam a experiências. Desta forma, todas as pessoas significativas de vinculação e identificação, no caso das crianças, os pais/encarregados de educação e os educadores/ professores, têm um papel ultra significativo na educação sexual informal da criança. Isto aumenta a sua responsabilidade na transmissão quotidiana, natural, de trocas afectivas e modelos de comportamentos saudáveis. capazes de viver como seres Qualquer um destes tipos de Educação Sexual, desejam-se sexualizados. É de recordar Muller, quando este verbaliza que a “ verdadeira educação sexual é a educação da capacidade de amar”. Se as ideias transmitidas em âmbito escolar não forem coerentes com as ideias valorizadas por os adultos-modelo da criança, esta ficará certamente confusa. A educação sexual na pré-escola/ escola pretende exactamente o oposto, que a criança se vá desenvolvendo de modo harmonioso e claro para ela mesma. A eficácia das actividades desenvolvidas neste âmbito depende assim, em grande medida, da consonância com os valores transmitidos pelos adultosmodelo das crianças, com a sua compreensão, aceitação e participação. Tanto os pais como o sistema educativo têm o dever – e o direito – de intervir ao nível da educação sexual das crianças. A real parceria dos profissionais de saúde e educadores-deinfância/ professores com os pais/ adultos significativos para a criança é uma importante mais valia para o sucesso de qualquer projecto e também para a sua adequação às características das crianças, das famílias e da comunidade em que estão inseridos. A APF (Associação de Planeamento Familiar) em conjunto com o Ministério da Educação e da Saúde, definiu, entretanto, que, tendo em conta as características próprias da idade, a articulação escola-família e as necessidades e interesses das crianças, a grande finalidade da educação sexual em meio escolar é, “contribuir para que as crianças construam o «Eu em Relação», através de um melhor conhecimento do seu corpo, da compreensão da sua origem, da valorização dos afectos e da reflexão crítica acerca dos papéis sociais de ambos os sexos”. Adequando a complexidade e a profundidade da abordagem do conteúdo à idade e interesse do grupo de crianças, esta finalidade é comum, tal como as quatro áreas temáticas fundamentais, a serem trabalhadas. Estas são: O conhecimento e valorização do corpo; A identidade sexual; As relações interpessoais; e, A reprodução humana. A prática pedagógica deverá apelar à iniciativa, participação e operacionalização activa. Sendo as metodologias activas as mais proficientes. As vantagens da sua utilização vão desde a promoção da participação de todas as crianças, mesmo as mais resistentes a esta, o aumento da motivação e do bem-estar do grupo de crianças, o aproveitamento dos conhecimentos, experiências e sentimentos das crianças, o facilitar da escolha de determinados “caminhos”, da resolução de problemas, e, da comunicação em questões mais íntimas e/ou polémicas. Esta relação pedagógica permite que a criança proponha explicações para um determinado facto, aprofunde com o formador essas questões e construa conceitos mais rigorosos, que verifique através da observação e/ou experiências os conhecimentos e os organize/ classifique, quer através de desenhos, teatros, cartazes, etc. Educar, vem do latim, educere, o que significa ajudar a desenvolver. Daí que esta se apresente como a estratégia mais adequada para ajudar as crianças a desenvolver uma sexualidade sem bloqueios de comunicação, acompanhada e baseada em informação correcta e adaptada à sua idade. Como as perguntas se assumem tão ou mais importantes que as respostas, findo com Susan Hayman: “Quantas mais tragédias terão os nossos jovens que sofrer antes que os adultos aceitem o facto de que a inocência não é preservada pela ignorância?